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ISSN: 1984 -3615 UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
NCLEO DE ESTUDOS DA ANTIGUIDADE I CONRESSO INTERNACIONAL DE RELIGIO
MITO E MAGIA NO MUNDO ANTIGO
& IX FRUM DE DEBATES EM HISTRIA ANTIGA
2010
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O RAPTO DE PERSFONE, A BUSCA DE DEMTER, O INFORTNIO DE
DEMOFONTE E OS MISTRIOS DE ELUSIS NA TICA ARCAICA
Graduanda Mariana Albuquerque (NEA / UERJ)
Orientadora: Prof. Dr. Maria Regina Candido (NEA / UERJ)
Por muitas vezes, as deusas Demter () e Persfone () foram
invocadas em uma referncia nica como as Duas Deusas. Me e filha, inseparveis,
eram tambm chamadas de Demteres (BURKERT, 1993: 314). O Hino Homrico a
Demter relata o mito central das deusas sua separao com o rapto de Persfone por
Hades (), anteriormente mencionado por Hesodo em sua Teogonia e a instituio
dos Mistrios em Elusis.
Essa comunicao pretende viabilizar a compreenso da narrativa mtica do rapto
de Persfone por Hades, atravs da anlise do Hino Homrico a Demter que se estima
datar entre os sculos VII e VI a.C. assim como da Teogonia hesidica. Pretende, ainda,
estabelecer uma relao entre a narrativa mtica das Duas Deusas e a introduo do culto
de Mistrios em Elusis, a partir da trade Demter-Persfone-Demofonte. Para isso
necessrio permearmos alguns aspectos da Teogonia, do Hino Homrico e da religio
grega na tica.
Em seu texto, Hesodo explana a genealogia dos deuses de forma sistemtica.
Conforme o historiador Moses Finley, no livro O Legado da Grcia: uma nova
avaliao, na Teogonia consta mais de 350 nomes, entre deuses, semideuses, heris e
personagens do imaginrio social grego. De acordo com o doutor em lngua e literatura
grega, JAA Torrano, a poesia hesidica est ligada formalmente pica homrica,
igualmente constituda de hexmetros1. A Teogonia, do perodo arcaico, expe uma
1 Um dactlico uma seqncia de trs slabas poticas, a primeira longa e as duas seguintes breves. Portanto
o verso hexmetro dactlico ideal consiste de seis ps (grupos silbicos que formavam a estrutura bsica dos
versos), sendo cada um dactlico.
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caracterstica do prprio estilo potico: a marca da oralidade em sua composio
(TORRANO, 2007: 18).
Segundo Eric Havelock, no devemos pensar a composio oral dos gregos como
improviso ou meramente estilstica, e sim entender que ela era uma composio rtmica,
potica, inclusive. No obstante, os termos potico e poesia equivalem a letrado e
arte da escrita. A inveno do alfabeto, que converteu a lngua grega em um artefato,
introduziu um novo estado mental, alfabtico. Vale ressaltar que o aparecimento do
alfabeto e, por conseguinte da escrita fontica, foi uma das inovaes que contriburam
para a formao da plis () ateniense.
De acordo com a historiadora Neyde Theml, em seu livro O pblico e o privado
na Grcia, a apropriao da escrita na plis se fez, primeiramente, na modalidade de
comunicao oral, pois a escrita era pblica, portanto era para ser vista, lida e ouvida.
Apesar da emergncia da escrita, a tradio oral no se desestruturou, ambas coexistiram,
por isso os primeiros textos possuam marcas de oralidade. Conforme Havelock, podemos
observar na transcrio alfabtica dos textos essa caracterstica de parceria entre o oral e
escrito.
Segundo Havelock, a escrita, ao se tornar um artefato visvel, podia ser preservado
sem recurso memria. O registro histrico anterior a ela era potico, posteriormente, a
histria ganha corpo e subsiste como artefato escrito, no qual a prosa o meio adequado
para este fim, uma vez que, em geral, usada como linguagem de instruo e informao,
prezada em termos de contedo. Se no registro ps-escrita temos a figura do historiador,
na preservao da memria dos antigos, h a figura do aedo (). Ao contrrio da
autoridade do histor que era conferida por ele ser uma testemunha que viu (autopsia) e
investigador que ouviu, a autoridade do aedo consistia na inspirao advinda das Musas
(u).
Conforme o historiador Jean-Pierre Vernant, em Mito e pensamento entre os
gregos, o aedo possua uma viso direta dos acontecimentos passados, quando inspirado
pelas Musas que viam tudo o que acontecia. O poeta conhece o passado, pois ele tem o
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poder de estar presente no passado. Presena direta no passado, revelao imediata, dom
divino, todos esses traos, que definem a inspirao pelas Musas (VERNANT, 1973: 74).
A relao do aedo com a memria era estabelecida atravs da ltima, uma vez que a
memria transporta o poeta para os acontecimentos de outrora e a organizao temporal da
sua narrativa reproduz tais acontecimentos, os quais ele assiste na ordem em que
ocorreram.
Entretanto, a rememorao do passado tem como requisito necessrio o
esquecimento do tempo presente. Podemos perceber essa caracterstica ao analisarmos a
figura do aedo, que apesar de conseguir visualizar o passado e coisas que ele jamais
presenciou quando inspirado pelas Musas, preservando o passado atravs da memria, no
lhe era possvel ver o presente, pois era cego. No obstante, a figura do aedo e,
conseqentemente, o seu canto eram importantes para os gregos, pois institua o resguardo
da memria, no s dos heris, mas da prpria polis e dos prprios gregos, dessa forma,
para Vernant, memria pode ser vista como uma fonte de imortalidade
Conforme o historiador S. G. Pembroke, o xito inicial do poema de Hesodo pode
ser explicado por conter tais idias, aceitas pela sociedade da sua poca. Pois ao dizer que
foi inspirado pelas Musas, que lhe apareceram no monte Hlicon, Hesodo apresenta a
legitimao do seu texto (FINLEY, 1998: 339). Pembroke afirma, baseando-se em
Herdoto, que Hesodo e Homero foram os que compuseram o relato grego do nascimento
dos deuses, atribuindo-lhes ttulos, as honras apropriadas a cada um deles e suas
respectivas especialidades, ainda indicaram qual seria sua aparncia (FINLEY, 1998: 339).
Franois Chamoux, na obra A civilizao grega na poca arcaica e clssica, ressalta
essa importncia atribuda a Homero e Hesodo, por Herdoto, no domnio religioso:
a eles que devemos a apresentao potica da Teogonia (ou
genealogia dos deuses); deram aos deuses os seus nomes rituais;
definiram os pormenores dos seus cultos e respectivos atributos;
deram a conhecer a sua figura.2
2 CHAMOUX, Franois. A civilizao grega na poca arcaica e clssica. Lisboa: Edies 70, n/a. p. 150.
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Apesar dos deuses que compem a narrativa mtica do rapto de Persfone j
tivessem sido apresentados nas epopias homricas, na Teogonia que aparece, pela
primeira vez, uma meno ao rapto de Persfone por Hades. No obstante, vale ressaltar
que no poema de Hesodo no h nenhuma referncia aos Mistrios em Elusis, apenas cita
que:
[Zeus] Tambm foi ao leito de Demter nutriz que pariu Persfone
de alvos braos. Edoneu [Hades] raptou-a de sua me, por ddiva
do sbio Zeus (Teogonia, v. 912 914)
No que concerne aos Hinos Homricos, conhecemos, hoje, um total de trinta e trs
hinos. Contudo, embora sejam chamados homricos, no cabe ao autor da Ilada e
Odissia a autoria de tais poemas. O termo homrico lhes atribudo, pois encontramos
marcas da escrita pica nesses textos, neles podemos observar caractersticas do poema
homrico, como o metro pico (hexmetro dactlico) e uma narrao direta. Alm de
apresentar uma relao entre oralidade e escrita.
Porm, no s de aproximaes com Homero que estes hinos so constitudos.
Conforme o antroplogo Ordep Serra, encontramos tambm frmulas e esquemas da
poesia hesidica nos Hinos Homricos, uma vez que ambos so dedicados celebrao de
divindades e compem uma narrativa descritiva (SERRA, 2009: 20). Ainda que algumas
caractersticas os coloquem como um grupo, h outras que evidenciam certa ausncia de
homogeneidade. o caso da datao, uns estima-se datar do sculo VII a.C., outros do
sculo II a.C., e da extenso, h hinos com mais de quatrocentos versos e hinos com apenas
trs versos.
O Hino Homrico a Demter estima-se datar entre fins do sculo VII a.C e incio
do VI a.C. e conta com quatrocentos e noventa e cinco versos para narrar o mito do rapto
de Persfone e a introduo do culto de Mistrio em Elusis. Para que possamos
compreender a anlise dos textos e as problemticas sugeridas a partir deles, nos
necessrio permear, brevemente, a narrativa mtica do rapto de Persfone conforme o
Hino Homrico a Demter e alguns aspectos da religio grega.
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No obstante, vale ressaltar que apesar dos textos literrios serem nossa fonte mais
abundante, so aqueles que mais podem nos induzir a um erro. Pois, de acordo com
Chamoux, a imaginao dos gregos sempre foi exercida com predileo sobre os mitos
relativos aos deuses (CHAMOUX, 1983: 143). Os gregos no conheciam o dogma da
imutabilidade no domnio mitolgico, uma vez que o grande nmero de lugares de culto, a
disperso da populao e o particularismo das cidades gregas favoreciam a proliferao
dos mitos e a sua diversidade (CHAMOUX, 1983: 143). Sendo assim, nem o texto de
Homero, nem o de Hesodo, nem os Hinos Homricos esto a salvo de terem sofrido
alteraes, seja acrscimos subseqentes ao panteo ou a elaborao de verses diferentes
(FINLEY, 1998: 339).
No que diz respeito ao grande nmero de lugares de culto, Fustel de Coulanges, em
seu escrito A cidade antiga, explica o motivo dessa enorme variedade de cultos locais.
De acordo com Fustel, o primeiro aparecimento das crenas religiosas de uma poca em
que os homens ainda viviam no estado de famlia, esses novos deuses tiveram,
primeiramente, um carter domstico (COULANGES, 2009: 139-141). Cada famlia
formava seus deuses e os guardava como protetores, para no compartilhar suas graas
com os de fora da famlia.
Somente depois de muito tempo, esses deuses passaram a sair do seio de suas
famlias para habitar o imaginrio coletivo, o que acontecia quando a divindade de uma
famlia adquiria grande prestgio na imaginao dos homens e parecia to importante
quanto famlia fosse prspera. Assim, toda a cidade queria adot-la e prestar um culto
pblico divindade, para obter dela seus favores, foi o que aconteceu com a Demter dos
Eumlpidas Frente a essa colocao, Fustel faz uma ressalva quanto a uma conseqncia:
quando uma famlia consentiu assim compartilhar o seu deus, reservou para si mesma
pelo menos o sacerdcio. (COULANGES, 2009: 139-141). Podemos ver a questo dos
sacerdotes em Aristteles quando este escreve:
Tais so os encargos do arconte. O basileu, primeiramente,
encarrega-se dos Mistrios, assistido por intendentes eleitos pela
assemblia em votao por mos levantadas, sendo dois deles
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dentre todos os atenienses, um dentre os Eumlpidas, e um dentre
os Crices3 (Constituio de Atenas, LVII)
De volta narrativa mtica do rapto e a sua relao com a introduo dos cultos de
mistrios, analisaremos passagens da narrativa descrita no Hino Homrico a Demter. A
narrativa tem incio com Persfone, filha de Demter deusa ligada semeadura e colheita
e Zeus (), colhendo flores numa plancie quando, ento, a terra se abre. Dela surge
Hades, o que muitos acolhe, Senhor do Mundo Subterrneo, e rapta a deusa. Durante nove
dias, Demter procurou pela filha. No dcimo dia, deparou com Hcate ( ) que
confirmou ter ouvido os gritos de Persfone, embora no tenha visto o rosto de seu raptor.
Foram ao encontro de Hlios ( ), que vigia deuses e homens. Este lhes disse o nome
do raptor de Persfone, Hades, e que este o fez com consentimento de Zeus.
Demter decidiu no mais voltar ao Olimpo (n) e vagou pela terra, na
figura de uma velha, chegando a Elusis (no) (para regio de Elusis, anexo 1).
Aceitou o convite para cuidar do filho mais novo de Metanira (), esposa de
Celeu ( ), basileus () de Elusis. Ao entrar no palcio, a deusa sentou em
um banco e durante muito tempo permaneceu ali, em silncio, com o rosto coberto por um
vu. At que uma criada, Iambe (), a fez rir com gracejos e trejeitos. Demter no
aceitou o vinho, mas pediu que lhe preparassem uma bebida a base de cevada, kuken.
A deusa, ento, comeou a cuidar da criana, Demofonte ( ). Demter
esfregava Demofonte com ambrosia e durante a noite colocava-o no fogo. Cada dia o
menino se parecia mais com um deus. E essa era a inteno de Demter, torn-lo imortal e
eternamente jovem. Porm, uma noite, Metanira viu o filho em meio s brasas e iniciou
uma srie de lamentos. Demter revela seus planos, frustrados, a Metanira, dizendo:
Imortal e por todo o tempo agrato, o filho teu/ Eu tornaria, com
um privilgio perene; Ora j impossvel que escape ao fado da
morte (Hino Homrico a Demter, v. 260 262)
3 A Constituio de Atenas, de Aristteles. [Traduo: Francisco Murari Pires]. So Paulo: Editora Hucitec,
1995.
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A deusa solicita que lhe seja erguido um templo, onde ela ensinar seus ritos aos
homens, se apresenta em sua forma e deixa o palcio. Quando o templo fica pronto,
Demter recolhe-se ao seu interior e uma terrvel seca prostra-se sobre os campos. Em vo,
Zeus solicita a Demter que retorne ao Olimpo e retome suas atividades. Ento, Zeus, o
senhor dos raios e deus dos deuses, recorre a Hades, o rico em hspedes e Senhor do
Mundo dos Mortos, que devolva Persfone sua me.
Hades concede o pedido a Zeus, porm faz com que Persfone coma uma semente
de rom ainda no Mundo Subterrneo, o que determina o seu retorno anual ao Mundo dos
Mortos para ficar com o esposo. Pois, acreditava-se que aquele que comesse algo no
Mundo Subterrneo no poderia deix-lo. Contudo, Zeus concede a sua filha Persfone
regressar ao mundo superior para estar com sua me Demter durante dois teros do ano,
tendo que retornar ao Mundo Subterrneo para passa o outro um tero com seu esposo
Hades. Vejamos a citao:
[Zeus] Sua filha consentiu passasse, do ciclo anual, A tera parte
no seio da bruma tenebricosa, As outras duas, porm, com a me,
entre os imortais (Hino Homrico a Demter, v. 445 447)
Quando se reencontra com a filha (para o retorno de Persfone, anexo 2),
Demter faz brotar os frutos e a terra se cobre de flores e folhagens. Porm, antes de
regressar ao Olimpo, a deusa revela seus ritos e ensina seus mistrios a Triptlemo
(), o primeiro iniciado nos Mistrios, seguido de Diocles ( ), Eumolpo
(), Celeu e Polixeno (). Tendo fundado os ritos (para mistrios
eleusinos, anexo 3), Demter regressa com Persfone ao Olimpo, encerrando, assim, a
narrativa mtica das Duas deusas.
A partir da narrativa mtica do rapto de Persfone, mencionada por Hesodo na
Teogonia e descrita no Hino Homrico a Demter, podemos estabelecer uma relao entre
tal narrativa e a introduo do culto de Mistrios em Elusis. Para tal, utilizaremos algumas
passagens do Hino, consideradas essenciais para compreender a proposta da trade na
introduo do culto de mistrios em Elusis. Uma vez que a hiptese levantada a
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intrnseca relao dos personagens deusa Demter, deusa Persfone e humano Demofonte
com o estabelecimento dos Mistrios eleusinos.
Quando chega a Elusis na forma de uma anci, Demter recebe a proposta para
cuidar de Demofonte e enquanto se dedica a tornar a criana imortal, no se fala, no Hino,
de Persfone ou da dor de Demter pela perda da filha. Levantamos, aqui, um
questionamento: poderamos, ento, interpretar essa ausncia de Persfone e o desejo de
imortalizar Demofonte como uma substituio, uma supresso da falta de sua filha pela
adoo de outro? Sim, poderamos. Todavia, essa no a questo que cerne este trabalho,
portanto no nos ateremos a ela.
A partir da anlise da narrativa mtica, propomos, em um primeiro momento,
perceber o rapto de Persfone por Hades como o agente que propicia a instituio dos
Mistrios em Elusis, posto que sem rapto no se faria necessrio a busca de Demter, que
a levaria Eleusis e a Demofonte e, por fim, ao reencontro com sua filha Persfone. Ento,
temos um segundo momento com a busca de Demter e o seu vaguear que a levam a
Elusis.
Em um momento seguinte, compreendemos a passagem em que Metanira v
Demter envolver Demofonte em fogo e grita por temor ao filho, interrompendo o ritual de
imortalizao deste, como uma segunda parte do processo da introduo do culto de
Mistrios em Elusis. Uma vez que, conforme o historiador Mircea Eliade, em Histria
das crenas e idias religiosas, somente aps o fracasso da imortalizao de Demofonte,
seu infortnio, Demter se revelou como deusa e exigiu que lhe fosse erigido um templo
para transmitir aos homens seus ritos.
Nessa passagem podemos nos questionar por que Demter no retomou o ritual de
imortalizao, aps a interrupo de Metanira. Para responder essa questo valemo-nos de
duas explicaes, uma que o ritual uma vez interrompido no poderia ser retomado.
Segundo Maria Regina Candido, em Media, mito e magia: a imagem atravs dos
tempos, havia uma diviso entre um espao sagrado dos deuses e um espao profano dos
homens e para os helenos, em seu pensamento mgico-religioso, ambos formavam dois
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mundos opostos, ainda que complementares. E para o leigo, o contgio direto com o
espao sagrado revela uma transgresso de algo que se revestia de interdito (CANDIDO,
2006 / 2007: 70).
A outra explicao em funo da crena dos gregos de que havia uma ordem no
mundo (ksmos - ) e certas regras, sendo essa ordem relacionada aos interesses dos
deuses e no do homem. Como os deuses lutavam entre si pelo respeito (honra time -
), honrar determinado deus poderia significar ofender outro. Assim sendo, os homens
deveriam evitar falhar em sua obrigao para com os deuses, inclusive porque caso isto
ocorresse, se tornariam mpios (asebs - ) e se esperaria cair sobre eles a ira dos
deuses. Segundo Chamoux, havia na relao homens e deuses uma familiaridade que no
se revestia de efuso mstica. Ao contrrio, tratava-se de uma conscincia de que os deuses
existiam, de que estavam prximos e de que se interessam pela sorte dos mortais.
Posto isso, consoante a Peter Jones, observemos que a obrigao para com os
deuses no era feita s de reverncias e adorao, mas tambm do cumprimento de certas
leis especiais dadas aos homens. Como respeitar aqueles que no estavam sob proteo de
sua prpria cidade e evitar o homicdio e crimes de sangue, pois se considerava uma
poluio (miasma - ) para a cidade (JONES, 1997: 106-107). Metanira ao adentrar o
espao sagrado do ritual que Demter realizava para tornar Demofonte imortal, revela uma
transgresso, interfere nos planos da deusa, no respeita aquela que estava sem a proteo
de sua cidade, trazendo contaminao para si e os espaos profano e sagrado.
Retomando a proposio de estabelecer uma relao entre a narrativa mtica e a
introduo do culto de Mistrios em Elusis, a partir da trade, percebemos que a fundao
dos cultos de Mistrios no se faz completa ainda. Falta um terceiro elemento para compor
essa trade da qual j fazem parte Demter e Demofonte. Esse terceiro elemento j
pertenceu a essa trade, mas agora se ausenta, ento para complet-la temos o retorno de
Persfone do Mundo Subterrneo, o reencontro das duas deusas e os ensinamentos dos
ritos de Demter aos homens. Com a trade formada, temos o ltimo momento desse
processo, a instituio do culto dos Mistrios em Elusis.
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Dessa forma, podemos compreender atravs da anlise do Hino Homrico a
Demter, a importncia dos personagens que compem essa trade e sua relao intrnseca
com a introduo do culto de Mistrios em Elusis. Ao passo que podemos perceber a
instituio do culto de Mistrios ao mesmo tempo, pela separao das duas deusas, o
fracasso da imortalizao de Demofonte e o reencontro de Demter com Persfone.
ANEXOS
Anexo 1 Mapa da regio de Elusis
Retirado do site: http://www.mlahanas.de ; em 19/10/2010
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Anexo 2 O Retorno de Persfone. Cermica grega de figuras vermelhas. Regio da
tica, Grcia. 440 a.C.
Localizao: The Metropolitan Museum of Art - Nova York, EUA.
Retirado do site: http://www.metmuseum.org
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Anexo 3 Mistrios eleusinos. Cermica grega de figuras vermelhas. Regio da tica,
Grcia. Sculo IV a.C.
Localizao: Muse Archologique National of Athens Atenas, Grcia.
Retirado do site: http://www.greek-thesaurus.gr
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DOCUMENTAO TEXTUAL
ARISTTELES. A Constituio de Atenas. Traduo: Francisco Murari Pires. So
Paulo: Editora Hucitec, 1995;
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HESODO. Teogonia: a origem dos deuses. Traduo: Jos Antnio Alves Torrano. So
Paulo: Editora Iluminuras, 2001;
Hino Homrico a Demter. Traduo: Ordep Serra. So Paulo: Odysseus Editora, 2009.
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18 edio;
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Fundao Calouste Gulbenkian, 1993;
CANDIDO, Maria Regina. Media, mito e magia: a imagem atravs dos tempos. Rio de
Janeiro: NEA / UERJ, 2006 2007;
CHAMOUX, Franois. A Civilizao Grega na poca arcaica e clssica. Lisboa:
Edies 70, 1983;
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. So Paulo: Martin Claret, 2009;
ELIADE, Mircea. Histria das crenas e das idias religiosas. Vol. 1: da Idade da Pedra
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FINLEY, M. I. (org). O legado da Grcia: uma nova avaliao. Braslia: Editora
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THEML, N. O Pblico e O Privado Na Grcia do VIII Ao IV Sc. A.C.: O Modelo
Ateniense. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1998;
VERNANT, Jean-Pierre. Mito e pensamento entre os gregos: estudos de psicologia
histrica. So Paulo: DIFEL / EDUSP, 1973.