Post on 16-Dec-2018
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA
O SILENCIAMENTO DOS SENTIDOS: UMA ANÁLISE DOS
SENTIDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA
ELIANE MENDES CIEPLINSKI
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff
Dissertação apresentada ao Mestrado em Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Linguística.
SÃO PAULO
2015
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
C511s
Cieplinski, Eliane Mendes. O silenciamento dos sentidos: uma análise dos sentidos do livro
didático de língua inglesa / Eliane Mendes Cieplinski. -- São Paulo; SP: [s.n], 2015
125 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Beatriz Maria Eckert-Hoff. Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Análise do discurso 2. Livro didático 3. Livro didático – Língua
inglesa 4. Discurso 5. Processo de ensino - aprendizagem. I. Eckert-Hoff, Beatriz Maria. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
CDU: 81’42(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
O SILENCIAMENTO DOS SENTIDOS: UMA ANÁLISE DOS
SENTIDOS DO LIVRO DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA
Eliane Mendes Cieplinski
Dissertação de mestrado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 11/12/2015.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Profa. Dra. Ana Elvira Luciano Gebata
Universidade Cruzeiro do Sul
Profa. Dra. Alessandra Ferreira Ignez
Instituto Federal de São Paulo
AGRADECIMENTOS
Ao Carlos, meu marido, ao André, meu filho e à Flávia, minha filha, por darem
significado à minha vida.
À Eunice, minha mãe, e ao Eduardo, meu pai, pelos valores que me ensinaram
e pela confiança que sempre depositaram em mim.
Às famílias Costa, Mendes, Gaspar, Uzzo e Cieplinski, pelas vozes que me
habitam e pelo apoio que sempre me deram.
À minha amiga Maria Cristina, pelos ensinamentos, apoio, compartilhamentos
e muitas risadas em nossa caminhada profissional e acadêmica que já dura 30
anos.
À minha orientadora Profa. Dra. Beatriz Maria Eckert-Hoff, pela generosidade,
acolhimento, inspiração, contribuições e orientações valiosas à minha
pesquisa.
À Dra. Alessandra Ferreira Ignez, pela dedicação nas leituras dos meus textos
e pelas relevantes contribuições no meu exame de qualificação.
À Dra. Ana Elvira Gebara, pelos valiosos e cuidadosos apontamentos em meu
exame de qualificação.
Aos professores do Programa de Mestrado em Linguística da Universidade
Cruzeiro do Sul, pelo papel fundamental que desempenharam no meu
processo de construção do conhecimento.
Aos meus alunos, pela inspiração para seguir!
CIEPLINSKI, E. M. O silenciamento dos sentidos: uma análise dos sentidos do livro didático de língua inglesa. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)– Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.
RESUMO
Nosso trabalho visa a investigar o silenciamento dos sentidos no livro didático de
língua inglesa, a partir dos pressupostos teóricos da Análise do Discurso de linha
Francesa, tendo como corpus o livro didático de língua inglesa de nível avançado,
desenvolvido por uma franquia brasileira para o ensino de inglês para adultos.
Queremos investigar como as noções de sujeito, de linguagem e de ensino de língua
estão representadas no livro didático em estudo e para que efeitos de sentidos os
discursos apontam. Mais especificamente, estudaremos os mecanismos de controle
do livro didático exercidos sobre alunos e professores, as questões de silenciamento
que restringem o campo de reflexão dos alunos e as marcas discursivas do livro
didático de língua inglesa que controlam a constituição dos sentidos. A análise dos
enunciados que compõem nosso corpus de estudo nos possibilitou a percepção do
funcionamento do livro didático como detentor da verdade e norteador do processo
de ensino-aprendizagem na aula de inglês num contexto em que a ele se assujeitam
aluno e professor. Nosso procedimento de pesquisa descortinou questões de
silenciamento implicadas nos enunciados e nas atividades de leitura e de prática
oral, evidenciando os princípios limitadores que garantem o controle da aula, ao livro
didático. As relações poder-saber que se estabelecem via discurso empoderam o
livro didático, e este atua como modelador das relações pedagógicas. Nesta
dinâmica, instaura-se um não-lugar ao professor e cerceia-se a mobilização da
memória discursiva do aluno, impedindo-se reflexões, deslocamentos e silencia a
constituição dos sentidos.
Palavras-chave: Sujeito-aluno, Língua inglesa, Discurso, Livro didático,
Silenciamento.
CIEPLINSKI, E. M. The silencing of senses: an analysis of senses of the english language textbook. 2015. 125 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2015.
ABSTRACT
Our research aims to investigate the silencing of senses in the English textbook,
following the conceptualization of French Discourse Analysis, having as a research
corpus the English textbook for advanced level, which was developed by a Brazilian
franchise company for the teaching of English for adults. We want to investigate how
subject, language and language teaching issues are represented in the textbook and
to which effects of senses the discourse points out. Specifically, we will research the
textbook mechanism of control over students and teachers, the silencing issues that
restrain students’ reflection area and the English textbook discursive marks, which
control the constitution of the senses. The analysis of the enouncements that make
up our research led us to the perception of the functioning of the textbook as truth
detainer and conductor of the teaching-learning process in the English class. We
have also observed that the teacher and the student are subjected to the textbook.
The analysis has shown us silencing issues, which are present in enouncements and
in reading and oral practice activities. This demonstrates the limiting principles that
ensure to the textbook the class control. The relationship between power and
knowledge, which is set through discourse, empowers the textbook and it works as
modulating agent in the pedagogical scenary. The textbook establishes a non-place
for the teacher and limits the student’s discursive memory mobilization that silences
the constitution of the senses, impedes reflections and hampers moving.
Keywords: Subject-student, English language, Discourse, Textbook, Silencing.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
1 REFERENCIAL TEÓRICO ....................................................................... 19
1.1 Língua, Sujeito e Discurso .................................................................... 19
1.2 Verdade, Ideologia e Relações Poder-Saber ........................................ 31
1.3 Memória Discursiva e Formas de Silenciamento ................................ 38
CAPÍTULO 2
2 TRAJETÓRIAS ........................................................................................ 44
2.1 Histórico do Ensino de Inglês no Brasil ............................................... 46
2.2 Percurso do Livro Didático de Língua Inglesa no Brasil .................... 55
CAPÍTULO 3
3 ANÁLISE DO CORPUS ........................................................................... 71
3.1 Descrição do Corpus e A Abordagem Metodológica “Lexical
Approach” ............................................................................................... 77
3.2 Textos, Leitura, Questões de Interpretação e Silenciamento ............. 87
3.3 O Caráter Estanque das Atividades Orais ........................................... 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 116
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 120
9
INTRODUÇÃO
Uma questão que sempre me suscitou inquietações enquanto professora de
inglês é o papel conferido ao livro didático nas relações pedagógicas entre o aluno,
na concepção por nós assumida nesse estudo, referido como sujeito-aprendiz1, SA;
o professor, a instituição de ensino e a conjunção ensino-aprendizagem. Concebido
para ser o facilitador do processo ensino-aprendizagem, o livro didático, doravante
LD, tem regulado o trabalho do professor, exercendo poder na esfera escolar. O LD,
ao invés de apenas contribuir para o desenvolvimento da aula, mostra-se como a
voz dominante nas instituições de ensino, como o norteador das relações
pedagógicas, ao qual se submete toda a comunidade escolar. Como procuraremos
recuperar ao longo deste estudo, esse padrão que se observa com relação ao LD se
deve ao status de detentor da verdade que a própria sociedade lhe atribuiu.
Em decorrência desse poder que o livro didático exerce nas relações
pedagógicas, apresentando-se como instrumento depositário da verdade, torna-se
nítida sua função condutora das situações de ensino-aprendizagem em sala de aula.
Essa posição norteadora do LD tem me mobilizado ao longo de minha jornada
profissional e acadêmica, pautando questionamentos e reflexões frente a situações
em aula em que observava o papel cerceador do LD exercido sobre o aluno. Na
relação que era estabelecida, este sujeito encontrava-se muitas vezes tolhido de
qualquer possibilidade de reflexão, tomada de posição e consequente avanço nas
situações que se apresentavam em aula.
Tendo em minha carreira ministrado aulas de inglês nas mais diversas
instituições de ensino, com diferentes propostas metodológicas, voltadas para os
mais variados públicos, tenho constatado que o SA, apesar de apresentar-se
heterogêneo, advindo de diferentes classes sociais, com variadas idades,
proveniente de regiões geográficas diversas ou com nível educacional distinto,
1 Nesse estudo ao nos referirmos ao “sujeito-aprendiz”, o concebemos a partir de Orlandi (2013) e
Eckert-Hoff (2008, p. 15) como sujeito em sua forma histórica, “agente” sofredor da intervenção da ideologia, um sujeito cindido, que se rebela, rompe e avança em suas posições, mas que também se assujeita e é determinado pela exterioridade.
10
persegue um objetivo uno: comunicar-se em inglês, interagir na/com a língua inglesa
e nela inserir-se para, através da utilização de seus códigos, galgar degraus na
escalada social e profissional, como preconizado pela mídia e referendado pela
sociedade, uma vez que tanto os discursos midiáticos quanto o mercado apontam
que saber inglês é condição sine qua non para o desenvolvimento e ascensão
profissional.
Refletindo sobre minha prática docente e também sobre o percurso de
inscrição na língua outra do SA, observei, com muita clareza, que determinados
materiais pareciam não possuir “alma”, uma expressão que adotei para ilustrar a
crueza de sentidos que alguns materiais de ensino de língua inglesa apresentavam
em seus conteúdos. Era notório o emprego de textos, abordagens textuais e
situações de comunicação estanques, com atividades para práticas orais e escritas
que tinham início no vazio e terminavam num hiato, levando o SA a um quase
discurso totalmente destituído de sentidos.
Para esses livros buscava sempre apoio em outros materiais didáticos,
perseguindo constantemente o caráter utilitário que é impingido à língua inglesa no
Brasil. Segundo Grigoletto (2011, p. 309), o ensino de línguas, especialmente o da
língua inglesa, elege o “apagamento e silenciamento da dimensão educacional da
língua”. Tal processo, continua a autora, “parece tornar fora de lugar qualquer outro
valor para o ensino de uma língua estrangeira na escola que não sejam os valores
de mercado”. Sustentada por esses conceitos, buscava reproduzir trechos de livros
que considerava mais eficientes para que meus alunos atingissem seus objetivos.
Ao desenvolver tais práticas, percebia que todos os trâmites do ensino comunicativo,
preconizados no LD, já estavam intimamente arraigados em mim, como bem
descreve Coracini (1999, p. 23) “não usar o livro didático não resolve o problema, já
que a sua organização, os princípios que o norteiam, a imagem de aluno que
veiculam já estão incorporados no professor”.
Tal prática trazia também certo desconforto, principalmente ao SA adulto, que
se incomodava com o não uso integral do material didático, mostrando, de alguma
maneira, quão legitimado o livro didático encontra-se por toda a sociedade. Segundo
11
Grigoletto (1999, p. 67) “LD como um discurso de verdade é dado por Foucault
(1979) a partir de sua formulação de que existe um ‘como’ do poder, uma certa
maneira de o poder se disseminar em nossa sociedade, que produz efeitos de
verdade”.
Diversas situações como as acima narradas, vividas ao longo de minha
trajetória profissional, despertaram inquietações e questionamentos sobre as
representações do SA, o caráter cerceador do LD e a ideologia que subjaz a minha
prática docente. A busca por um aprofundamento acadêmico sobre as questões de
língua, sujeito do discurso, silenciamento e efeitos de sentidos levou-me ao
Mestrado em Linguística da Universidade Cruzeiro do Sul. Ao entrar em contato com
a Análise do Discurso Francesa, doravante ADF, filiada a Pêcheux (1996, 1997,
1999, 2010, 2014) e a Foucault (1990, 1997, 2000, 2004, 2006, 2009, 2013, 2014)
ao longo do curso, percebi uma potente consonância dessas teorias com minhas
inquietudes. Optei, então, por realizar meus estudos com base nesse aporte teórico.
Diante das problemáticas que me envolviam na prática e de outras delineadas
no processo de orientação, observamos no estudo do Livro Didático de Língua
Inglesa (doravante LDLI) questões de silenciamento dos sentidos. Por essa razão,
traçamos a presente pesquisa para análise, reflexão e elucidação dos (não) efeitos
de sentido que o LDLI (não) oportuniza ao aprendiz.
Consideramos, nessa pesquisa, os pressupostos de que o LDLI, como
apontado por Grigoletto (1999), apresenta-se como detentor da verdade, tem como
foco o utilitarismo da língua estrangeira e propõe situações estanques, não
favorecendo as reflexões e as movências, tão necessárias durante o processo de
inserção na língua alvo2, doravante LA, silenciando o efeito dos sentidos.
Observamos em nossa prática docente que muitos LDLIs possuem caráter
homogeneizante e funcionam por meio de atividades descontextualizadas que levam
todos os alunos a uma leitura única. Esses LDLIs não oferecem espaço para a
mobilização de sentidos, não conferem ao SA a oportunidade de tornar-se sujeito do
2 Língua estrangeira na qual o SA pretende inserir-se.
12
discurso na língua outra, uma vez que as estratégias empregadas nas diversas
atividades didáticas têm caráter controlador, não permitindo ao aluno ou ao
professor desvencilhar-se da esfera proposta pelo livro e ultrapassá-la tampouco
ressignificar o aprendido relacionando-o a sua vida.
A partir dessas premissas, formulamos a hipótese de que, por representar o
“regime da verdade”, mesmo quando o LD se apresenta raso, superficial e não
oferece possibilidades de expansão dos sentidos postos ao SA, ainda assim, a ele
se assujeitam tanto o professor quanto o aluno, movidos pelo poder que o LD
dissemina em nossa sociedade.
Para verificarmos essa hipótese, assim como nas constatações elaboradas
em nossa prática docente, apoiaremos nosso estudo na construção de reflexões
orientadas pelas seguintes perguntas de pesquisa: O LDLI exerce mecanismos de
controle sobre o SA e os docentes? Como isso se mostra discursivamente? O LDLI
provoca o silenciamento e restringe o campo de reflexão do SA. Como isso se
mostra? Quais as marcas discursivas que se mostram no LDLI como forma de
controle dos sentidos?
Dados os questionamentos expostos, objetivamos com este trabalho
problematizar, a partir da análise do LDLI, as estratégias de silenciamento dos
sentidos nele presentes, entender como e por que se dão. Visamos assim
empreender caminhos que desconstruam o lugar de poder-saber e verdade do LD e
também suscitar reflexões ao professor, para que ele possa oportunizar, em aula, ao
SA, a reflexão e a constituição dos sentidos durante o processo de inserção na
língua outra.
De forma mais específica, nossos interesses são: compreender os
mecanismos de controle do LDLI sobre todas as circunstâncias da aula e
cerceamento de posições do SA; problematizar as marcas discursivas no LDLI que
não propiciam ao SA a oportunidade de reflexão e movência em situações
discursivas da sala de aula.
13
Ressaltamos os propósitos de nosso estudo a respeito da análise do LDLI
enquanto aparato ideológico e a respeito do silenciamento dos sentidos por ele
exercido. Salientamos, porém, que nosso intuito ao analisar o LDLI não é apenas
apontar suas possíveis falhas ou fazer críticas às abordagens e práticas
pedagógicas que o ancoram, mas focalizar, segundo os preceitos da ADF, a
memória discursiva do SA como ponto mobilizador de significados para coadjuvar a
inscrição do SA na língua outra. Nessa perspectiva, é indispensável ao SA a
oportunidade de refletir e também de se relacionar com o mundo nas aulas de
inglês, colocando-se como sujeito do discurso. Em contrapartida, o que se observa é
que o LDLI e também o processo de ensino-aprendizagem se mostram engessados,
quando ambos precisariam oferecer oportunidade discursiva ao SA. Sobre a
importância do aparato ideológico na determinação do sujeito vemos nas palavras
de Eckert-Hoff (2003, p. 4):
Se todo discurso é essencialmente ideológico, o sujeito é, também, ideologicamente determinado e a sua relação com a linguagem é considerada em relação com o mundo, em termos sociais e políticos. Dessa forma, o sujeito não consegue perceber que é descentrado, portanto, não totalmente responsável pelos efeitos de sentido de seu dizer; ele não percebe que se inscreve num aparato ideológico que prescreve e normatiza sua conduta.
De modo a referendar a hipótese por nós levantada e responder aos
questionamentos aqui apresentados, buscamos como corpus para nossa análise o
LDLI de nível avançado Wise Up volume 3, utilizado pela rede de ensino de idiomas
de mesmo nome entre os anos 2000 e 2005, que compõe a esfera dita pós-moderna
do ensino de línguas, Fast Learning, propondo o ensino de idiomas em 18 meses,
com foco nos “recortes linguísticos” mais utilizados na língua alvo em situações
comunicativas de ordem diária. Esse livro tem como público alvo brasileiros adultos
e jovens adultos que necessitam falar inglês em curto prazo, foi escrito por autores
brasileiros sob a demanda do instituto de idiomas que o encomendou e cuja
produção custeou.
Nossa opção por esse livro deveu-se ao fato de sua proposta dizer-se
inovadora. Segundo seus preceitos, assegura ao SA a possibilidade de
comunicação na língua inglesa em 18 meses. Sendo a Wise up uma franquia
pioneira na formatação de cursos de menor duração, tornando-se líder deste
14
segmento e sendo o Fast Learning uma forte tendência no ensino de língua
estrangeira, doravante LE, no segmento das franquias de ensino de idiomas no
Brasil, o LD em questão, mostrou-se como corpus adequado a nossa pesquisa.
Entendemos, então, que o LD escolhido para nossa análise, por conter variadas e
significativas situações de interdito, representa tantos outros, que em posição
semelhante, apresentam propostas didáticas similares àquela por nós analisada,
uma vez que consideramos que as abordagens didáticas que interditam os sentidos
são habitualmente encontradas nos LDs para ensino de LE.
Acreditamos, também, que esta análise ofereça ao professor de LE a
possibilidade de lançar um olhar discursivo sobre seu material de trabalho.
Para o desenvolvimento dessa pesquisa, utilizaremos como base
metodológica pesquisas bibliográficas fundamentadas na Análise do Discurso, que,
como nas palavras de Orlandi (2013, p. 26), “visa a compreensão de como um
objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e por
sujeitos”. Analisaremos nosso corpus também com base na relação entre o
intradiscurso e o interdiscurso. Compreendemos o intradiscurso como o território da
formulação e o interdiscurso, como a historicidade, o lugar onde se instaura a
memória discursiva do sujeito, atentando ao que postula Orlandi (2013, p. 33), “é
todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determinam o que
dizemos.”
Os conceitos de intradiscurso e interdiscurso encontram-se mutuamente
imbricados, como observamos nas palavras de Orlandi (2013, p. 32-33):
constituição – o que estamos chamando de interdiscurso – representada como um eixo vertical onde teríamos todos os dizeres já ditos – e esquecidos – em uma estratificação de enunciados que, em seu conjunto, representa o dizível. E teríamos o eixo horizontal – o intradiscurso – que seria o eixo da formulação, isto é, aquilo que estamos dizendo naquele momento dado, em condições dadas.
A relação entre o intradiscurso e o interdiscurso nos permite um campo de
reflexão em que o sujeito e a produção dos sentidos ocupam posição fundamental.
Baseando-nos, então, numa perspectiva discursiva, apoiados nos conceitos
15
preconizados pela ADF, analisaremos através de revisão bibliográfica, questões de
língua, sujeito e discurso com base nos estudos de Pêcheux (2013), Foucault (1997,
2005, 2014). Apoiaremos nossa análise nos estudos de Althusser (1980) e Foucault
(2014) sobre verdade, ideologia, aparelhos ideológicos de estado e relações de
poder-saber. As leituras de Pêcheux (2013) e Orlandi (2013) foram também
basilares para o entendimento de conceitos como memória discursiva e formas de
silenciamento.
Apreenderemos a noção de sujeito do discurso sob a perspectiva de
Pêcheux (1996, 1997, 1999, 2010, 2014), Foucault (1990, 1997, 2000, 2004, 2006,
2009, 2013), Eckert-Hoff (2003, 2006, 2010), Coracini (1999, 2003, 2010) e Orlandi
(2003, 2005, 2007) sujeito esse que é cindido, heterogêneo e atravessado pelo
inconsciente, em uma busca constante pela completude. Nessa perspectiva,
encontramos na pós-modernidade um sujeito com identidade contraditória,
descentrado.
O Sujeito pós-moderno é um sujeito camaleônico e, como o camaleão, ele muda constantemente de forma e de cor. Nessa metamorfose, ele não deixa de ser um para ser outro, pois um está imbricado no outro, é sempre o mesmo no diferente e o diferente no mesmo. (ECKERT-HOFF, 2008, p. 40)
Vale esclarecer que o SA que procura o curso de idiomas cujo material
didático compõe o corpus deste estudo, é um sujeito inserido em uma sociedade
que, por força da velocidade da veiculação das informações, transforma-se
apressadamente. Nesse contexto, vemos o sujeito pós-moderno com essa
necessidade de também modificar-se rapidamente.
Destacando-se os estudos foucaultianos sobre “regime da verdade”,
conceituaremos o LD, sua legitimação pela sociedade e as forças que exerce no
universo social e escolar, no SA, no sujeito professor e na manutenção do status
quo. Partindo da definição conceitual de verdade de Foucault (2014), que
recuperamos a seguir, é possível apreender com maior clareza as representações
do LD, que é concebido pela sociedade como detentor de verdades incontestáveis,
repositório de saberes a serem partilhados.
16
entendendo-se, mais uma vez, que por verdade não quero dizer “o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar”, mas o “conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder". (FOUCAULT, 2014, p. 53)
O LD, enquanto instrumento de veiculação do saber, legitimado pela
sociedade, apresenta também no interior de seu funcionamento a missão de auxiliar
instituições, grupos, sociedade e governos em seu aparelhamento, difundindo
questões que podem ser tomadas como verdades. Observamos o tópico sobre
ideologia com base nos postulados de Althusser:
Aparelhos Ideológicos – AIE – (Compreendendo instituições tais como: a religião, a escola, a família, o direito, a política, o sindicato, a cultura, a informação) intervêm ou pela repressão ou pela ideologia, tentando forçar a classe dominada a submeter-se às relações e condições de exploração.
(BRANDÃO, 2013, p. 23)
Sob esse aspecto entendemos que o LDLI pode também se mostrar
ideologicamente como mensageiro de culturas e de sociedades ditas superiores,
auxiliando na construção de um imaginário sobre a cultura e a língua outra. Além de
restringir possibilidades de reflexão e deslocamentos ao SA.
Compreendemos o silenciamento como instrumento de censura, advindo de
forças externas ao sujeito, de forma bastante distante do que se opera no silêncio
discursivo, que parte da vontade do sujeito e pode denotar uma pausa para
elucubrações ou mesmo uma discordância, um posicionamento. Segundo Orlandi
(2013, p.13) “a própria noção de censura se alarga para compreender qualquer
processo de silenciamento que limite o sujeito no percurso de sentidos”.
Sob a concepção discursiva também apontaremos questões de memória e a
relação entre interdiscurso e intradiscurso. Em nossa análise, buscaremos
depreender de nosso corpus, na materialidade linguística, traços que indiquem como
a memória discursiva, interdiscurso, ao ser mobilizada em atividades didáticas,
oportunizam a (res)significação e a inscrição do SA na LA.
O LDLI não apresenta apenas possíveis falhas em sua aplicação e na criação
de oportunidade de ressignificação de conteúdos pelo SA, ele também oferece
17
momentos em que o SA pode lançar mão de elementos discursivos que o habitam
para constituir sentidos a partir de textos e/ou atividades orais. Desse modo vemos
em Pêcheux (2013, p. 154):
o interdiscurso enquanto discurso-transverso atravessa e põe em conexão entre si os elementos discursivos constituídos pelo interdiscurso enquanto pré-construído, que fornece, por assim dizer, a matéria-prima na qual o sujeito se constitui como “sujeito-falante”, com a formação discursiva que o
assujeita.
Para alcançarmos os objetivos propostos, nosso trabalho está organizado em
três capítulos. O Capítulo 1 apresenta os conceitos teóricos que fundamentam a
pesquisa. Abordamos, sob a perspectiva da ADF, os conceitos de língua, sujeito,
discurso, verdade, ideologia e as relações de poder-saber. Também apresentamos,
como embasamento para procedermos nossa análise, as noções de memória
discursiva e de formas de silenciamento. No Capítulo 2, apontamos o percurso
histórico no Brasil tanto do ensino de inglês quanto do LDLI. Conhecendo os
caminhos trilhados pelo LDLI e pelo ensino de inglês no brasil, nos
instrumentalizamos para melhor compreendermos seus desígnios atuais. Compondo
o Capítulo 3, procedemos à análise do corpus de nossa pesquisa com a descrição
deste corpus e da abordagem metodológica que o fundamenta, “Lexical Approach”.
Observamos, na materialidade linguística, as questões sobre texto, leitura,
interpretação e formas de silenciamento dos sentidos. Nosso estudo, então, discorre
sobre o caráter estanque das atividades orais e sobre a memória discursiva
relacionando-a à produção e aos deslocamentos do SA.
Nas considerações finais, retomamos as questões norteadoras deste estudo
que nos permitiram, a partir de nosso gesto interpretativo do corpus proposto,
compreender as marcas discursivas que se apresentam no LDLI e os mecanismos
de controle e silenciamento que restringem a reflexão e os deslocamentos do SA;
sem, contudo, esgotar as possibilidades de análise do corpus. Como nas palavras
de Orlandi (2013, p. 59):
A Análise do Discurso não procura o sentido “verdadeiro”, mas o real sentido em sua materialidade linguística e histórica. A ideologia não se aprende, o inconsciente não se controla com o saber. A própria língua funciona ideologicamente, tendo em sua materialidade esse jogo. Todo enunciado, dirá M. Pêcheux (idem), é linguisticamente descritível como uma série de pontos de deriva possível, oferecendo lugar à interpretação. Ele é
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sempre suscetível de ser/tornar-se outro. Esse lugar do outro enunciado é o lugar da interpretação, manifestação do inconsciente e da ideologia na produção dos sentidos e na constituição dos sujeitos.
A busca por respostas às nossas inquietações nos leva pelos caminhos da
pesquisa, mas, compreendemos que nossos gestos de interpretação não se findam
ao término de nosso estudo, pois entendemos que as possibilidades de
interpretação são múltiplas e recorrentes.
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CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO
Ao propormos o estudo sobre o silenciamento dos sentidos, através da
análise dos sentidos do LDLI, adotaremos “gestos de interpretação” fundados na
perspectiva discursiva, conforme alerta Orlandi (2013, p. 26):
A Análise do Discurso não estaciona na interpretação, trabalha seus limites, seus mecanismos, como parte dos processos de significação. Também não procura um sentido verdadeiro através de uma palavra “chave” de interpretação. Não há esta chave, há método, há construção de um dispositivo teórico. Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender.
Para desenvolvermos a análise, articularemos alguns conceitos que
alinhavarão nosso gesto de interpretação. Refletiremos sobre conceitos essenciais
da ADF como língua, sujeito, discurso e tomaremos a historicidade como propulsora
na produção de sentidos. A noção de discurso, neste estudo, é apresentada como
um campo de batalha, que produz no sujeito, conforme Foucault (2005, p.2),
“inquietações por suspeitarmos das lutas, das vitórias, das feridas, das dominações,
das servidões que atravessam tantas palavras em cujo uso há muito se reduziram
suas rugosidades”. Por fim, complementaremos nosso referencial teórico com
considerações sobre verdade, ideologia e relações de poder-saber. Abordaremos a
concepção de memória discursiva e formas de silenciamento, sendo essas questões
fundamentais para nossa pesquisa.
1.1 Língua, Sujeito e Discurso
Neste capítulo, abordaremos conceitos de língua, sujeito e discurso provindos
da ADF. Na concepção por nós adotada, o sujeito é heterogêneo e sua identidade
encontra-se incompleta. Inacabada também se apresenta a língua, posto que,
segundo Eckert-Hoff (2003, p. 5), evidencia-se “a incompletude da língua, a
impossibilidade de estancar os sentidos, o atravessamento do outro/Outro no
discurso”. Consideramos, pois, que o sujeito, por estar atravessado pela história e
pelo inconsciente, retoma suas memórias sempre que produz dizeres. Avançando
20
ainda com a autora, é possível entender a implicação disso na relação entre sujeito
e discurso: “o sujeito não é, pois, centro e origem do sentido, uma vez que ele situa
o seu discurso em relação ao discurso do outro” (PÊCHEUX; FUCHS apud
ECKERT-HOFF, 2003, p. 4).
A compreensão desse sujeito clivado e de sua incompletude torna-se basilar
para o desenvolvimento de nosso estudo. O SA necessita ser compreendido e
analisado tendo como base sua heterogeneidade e seus atravessamentos para que
melhor compreendamos sua relação com a LE que deseja e com o livro didático,
que o conduz em sua busca pela língua outra, mas também o interdita, na medida
em que controla seus dizeres.
Ao atentarmos para os conceitos de língua e sujeito aprendemos com Eckert-
Hoff (2010) quando esta discorre sobre o sujeito que emerge da imbricação das
línguas materna e estrangeira:
Assim objetiva-se mostrar a imbricação da língua (materna e estrangeira?) na constituição da identidade, que passa, necessariamente, pela questão linguística: o sujeito se constitui sempre e fundamentalmente por uma língua, em uma língua, e até mesmo contrário a uma língua. (ECKERT-HOFF, 2010, p. 83)
Observaremos que, na base dos estudos sobre a língua e o discurso
encontra-se o sujeito, cuja constituição identitária dá-se pela língua. E, ainda, que
os sentidos na/pela língua são constituídos através da relação entrelaçada entre
sujeito, ideologia e história. Cabe pontuar que em nosso estudo esses conceitos são
compreendidos pela perspectiva discursiva.
Ao iniciarmos nossa abordagem sobre língua, traçamos um panorama das
concepções de língua, com ênfase no viés pecheutiano, que funcionará como aporte
teórico para a análise de nosso corpus. Sob a perspectiva da ADF, o conceito de
língua como lugar do equívoco, da falha, torna-se fundamental para o entendimento
das questões de silenciamento e interdito produzidas pelo LDLI, quando da inscrição
do SA na LE.
21
Não se pode conceituar língua sem citar os estudos de Ferdinand Saussure
publicados no livro Curso de Linguística Geral (CLG), que nos ensina os primeiros
aportes teóricos sobre a ciência linguística. Saussure (1999) postulou, no início do
século XX, conceitos sobre a dicotomia Língua e Fala, atribuindo à língua um caráter
social e destacando a fala como ato individual. Embora intrinsecamente relacionas,
as duas pertenceriam a áreas distintas, segundo a conceituação do mestre
genebrino.
Ao delimitar o objeto da linguística em seu curso, Saussure postulou que a
língua é um sistema de signos, descrito em termos de relações internas, em que a
realidade de um elemento depende dos outros elementos do conjunto. Sob essa
perspectiva, a língua é vista como elemento isolado da exterioridade, e o sujeito é
excluído de qualquer relação com o conceito de língua. Na perspectiva saussuriana
os fenômenos linguísticos externos não são considerados, pois a língua possui sua
própria ordem linguística interna.
Ao nos enveredarmos um pouco mais pelos caminhos percorridos pela
linguística, observamos também a concepção da língua enquanto instrumento de
comunicação, a língua como meio de produção de interações entre um emissor e
um receptor. A visão da língua como meio de comunicação estabelece para a língua
o lugar da afirmação e da veracidade, conferindo-lhe um caráter hegemônico.
A língua é frequentemente concebida sob esse viés nos discursos sobre
metodologias para o ensino de idiomas. Essa perspectiva restringe a língua de sua
amplitude, de seu papel constitutivo do sujeito; afastando assim o sujeito e a
historicidade que o constitui, não oportunizando a mobilização pelo sujeito de seus
conhecimentos, seus já-ditos, o que ele traz consigo e que permeia sua relação com
a língua. Nas palavras de Grigoletto (2003, p. 228) sobre essa visão reducionista da
língua, “Conceber a língua como um simples instrumento de comunicação implica
escamotear toda uma gama de funções inerentes à existência das línguas, e de
relações entre a língua e o sujeito falante”.
22
Nas palavras de Andrade (2013), a visão de língua que a concebe como mero
instrumento de comunicação, interditando o sujeito e as relações profundas que ele
estabelece com as línguas, são muitas vezes pontos de partida para as relações de
silenciamento que analisaremos em nosso corpus.
Se o sujeito emerge na e pela língua, esta o constitui e ele constrói seu lugar no mundo social, ou seja, constrói sua identidade. Dessa forma, torna-se incoerente uma visão de língua que a contemple, exclusivamente, como objeto (língua-instrumento). (ANDRADE, 2013, p. 212)
Entendemos, a partir da teoria aqui assumida que a possibilidade do
equívoco, da incerteza, do lapso é própria da língua. Aprendemos com Milner (1987,
p. 8) que a língua se apresenta com “impossibilidade de se dizer tudo”, “a língua é
marcada pelo não-todo”.
Apreendemos ao longo de nosso estudo que a língua se encontra entrelaçada
com a historicidade, apresentando-se no território da falta e da incompletude.
Analisá-la através da perspectiva discursiva, como postulado por Pêcheux, torna
possível a reflexão e a apreensão de conceitos importantes para nosso estudo,
assentando ainda mais um caminho teórico incapaz de dissociar língua, sujeito e
historicidade.
Pêcheux, em seus trabalhos que formularam as bases epistemológicas da
Análise do Discurso, aponta o triplo real da língua, da história, do inconsciente.
Partindo desse pressuposto, em nossa pesquisa, concebemos a língua como ponto
de entrecruzamento da história e do inconsciente, constitutiva do sujeito.
Ainda a partir das considerações do filósofo francês, verificamos como a
língua desempenhou papel essencial para que fossem desenvolvidos os postulados
basilares da Análise do Discurso. E mais, sendo a língua entendida como a
materialidade do discurso, sua compreensão é condição primordial para proceder à
análise da opacidade do discurso. Assim sendo, temos nessa perspectiva bases
norteadoras para o desenvolvimento de nossa análise, já que o silenciamento dos
sentidos encontrado nos LDLIs advém do afastamento entre o sujeito, a história e a
língua, vista muitas vezes, em situações didáticas do ensino de idiomas como um
23
instrumento a ser adquirido e manipulado, ficando o sujeito no exterior desse
processo.
A língua, vista sob a luz da Análise do Discurso, mostra-se como campo de
embates e de oportunidades, produto sócio-histórico e ideológico, na qual o sujeito
emerge e constitui sentidos, trazendo para o bojo da materialidade linguística os
discursos que o atravessam e o constituem. Sob a perspectiva discursiva,
apontamos um sujeito que não possui controle de seu dizer, pois encontra-se
marcado pelo inconsciente e pela ideologia como observamos nas palavras de
Orlandi (2013, p. 53):
Ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, impelido, de um lado, pela língua e, de outro, pelo mundo, pela sua experiência, por fatos que reclamam sentidos, e também por sua memória discursiva, por um saber/poder/dever dizer, em que os fatos fazem sentido por se inscreverem em formações discursivas que representam no discurso as injunções ideológicas.
Esta imbricação entre sujeito e língua norteará as próximas etapas de nosso
estudo, quando analisarmos o discurso e o sujeito que emerge incompleto, como
uma contradição, nas palavras de Orlandi (2013, p. 50), “um sujeito ao mesmo
tempo livre e submisso”.
Abordaremos a noção de sujeito sob a perspectiva discursiva. Através da
problematização do sujeito e sua relação com a história e a língua, desenvolveremos
nossa análise e compreensão do silenciamento do SA em situações de
aprendizagem de LE.
O sujeito como compreendido pela ADF não é um indivíduo dono de seu
dizer, homogêneo, mas o sujeito do discurso que traz consigo as ações sociais, a
história, o inconsciente que o atravessam e emergem na língua. Esse sujeito
encontra-se descentrado e disperso, pois é interpelado pela ideologia e constituído
pelo inconsciente.
Ao traçarmos as concepções de sujeito, buscaremos as perspectivas teóricas
da ADF para apreendermos a noção de sujeito cindido, atravessado pelo(s) outro(s),
24
cujos desejos e posições vazam na materialidade do discurso. Como nas palavras
de Eckert-Hoff (2003, p. 297), “Há uma imbricação de vozes no dizer desses
sujeitos, vozes essas que entram – ainda que de forma inconsciente – na
constituição do sujeito e de seu discurso”, mostrando-nos que nossas posições
enquanto professores precisam considerar essa concepção, para que ofereçamos
caminhos de deslocamento ao SA em seu processo de inscrição na LE.
O sujeito, pela luz da Análise do Discurso de filiação francesa, é concebido
como disperso, marcado historicamente. Sujeito cindido, que não controla o seu
dizer, dizer esse que perpassa os espaços inconscientemente abertos pelo sujeito
clivado, o qual, conforme a análise de nosso corpus demonstra, é tomado no LDLI
como homogêneo, estabilizado; ou seja, muito distante da noção de sujeito do
discurso evidenciada nesse estudo.
O contexto escolar, no qual se encontra inserido o SA, configura uma escola
que não considera a pluralidade do sujeito, que busca a padronização dos
processos de ensino-aprendizagem e a imobilização dos atores dessa dinâmica
pedagógica. Nesse cenário, o livro didático desempenha seu papel
homogeneizante, operando interditos e oferecendo caminhos únicos a quem é
constitutivamente múltiplo.
A partir da leitura e ressignificação lacaniana da obra de Freud, cujo pilar se aloca na estruturação do inconsciente como linguagem (LACAN, 1964), defendemos que o sujeito do ensino e da aprendizagem, constituído na e pela linguagem, deve ser visto, portanto, como sujeito que se constitui por uma multiplicidade de vozes que ora convergem, ora se chocam em um movimento que tende a (re)velar sua complexidade e heterogeneidade como sujeito-aprendiz de LE. (REIS, 2010, p. 140)
Sob uma perspectiva discursiva, entendemos que o sujeito se apresenta
perpassado pelo inconsciente, que ele enuncia a partir de seus já-ditos, daquilo que
fala antes, e que, sendo um sujeito heterogêneo, é constituído por múltiplos
discursos. Esses conceitos sobre a multiplicidade de vozes que emergem no sujeito
foram também postulados por Althusser (1980, p. 94) ao pontuar a questão
ideológica na constituição do sujeito: “A categoria de sujeito só é constitutiva de toda
a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define)
‘constituir’ os indivíduos concretos em sujeitos”.
25
O referido autor postula sobre a concepção de sujeito introduzindo a questão
da “materialidade da ideologia”, por meio do entendimento dos aparelhos ideológicos
de estado, especialmente no que tange à constituição do sujeito e ao assujeitamento
pelo efeito interpelatório da ideologia. Para Althusser (1980, p. 91) a ideologia é
fulcral na constituição do sujeito:
“1- Só existe prática através e sob uma ideologia;
2- Só existe ideologia através do sujeito e para sujeitos.”
Entendemos então que não há ideologia sem sujeito, nem sujeito sem
ideologia:
a categoria de sujeito é constitutiva de toda a ideologia, mas ao mesmo tempo e imediatamente acrescentamos que a categoria de sujeito só é constitutiva de toda a ideologia, na medida em que toda a ideologia tem por função (que a define) constituir os indivíduos concretos em sujeito. (ALTHUSSER, 1980, p. 94)
A definição de Althusser de que a função primordial da ideologia seria a
constituição do sujeito indica caminhos para a compreensão dos posicionamentos
do sujeito, suas interdições e assujeitamento. Entendemos sob essa ótica que a
ideologia é uma estrutura que se impõe ao indivíduo, sem, porém, que ele a
perceba; assujeitando-o, ela conduz seus dizeres de forma inconsciente.
A partir dos pressupostos althusserianos, Pêcheux desvela as relações entre
sujeito, ideologia, discurso e traz a concepção de sujeito constituído pelas ações
sociais e pela ideologia:
diremos que os indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as formações ideológicas que lhes são correspondentes. (PÊCHEUX, 2014, p. 147).
Ao refletir sobre as concepções althusserianas da interpelação do indivíduo
em sujeito pela ideologia, Pêcheux (2014) refere-se também à formação discursiva
como constitutiva do sujeito. Essa formação discursiva está relacionada à posição
que o sujeito vai ocupar, determinando “o que pode e deve ser dito”, com o “já-lá”.
Observa-se então o assujeitamento ideológico, uma vez que o sujeito, à mercê do
26
inconsciente, acredita que seu posicionamento e discurso emanam de sua livre
escolha.
O autor, no capítulo “Só há causa daquilo que falha ou o inverno político
francês: início de uma retificação”, detém-se à questão do inconsciente como
participante do processo de constituição do sujeito. Inconsciente que emerge no
dizer e no fazer do sujeito de forma incontrolável. O sujeito, inconscientemente
descentrado, acredita ser a origem de seu dizer, porém, como nas palavras do autor,
em virtude do “pré-construído”, que corresponde ao “sempre-já-aí” da interpelação
ideológica, a qual fornece,impõe a “realidade” e seu “sentido” sob forma de
universalidade”, o sujeito se apresenta, então, como independente, autônomo em
seu discurso; entretanto, quando se ressalta que o sujeito se mostra inconsciente
em relação ao “pré-construído” que o constitui, percebe-se que “o assujeitamento [é
dissimulado] sob aparência de autonomia” (PÊCHEUX, 2014, p. 151).
Sob esse ponto de vista, observamos um sujeito que pensa ser, para falar
com Brandão (2013, p. 82), a “fonte exclusiva do sentido do seu discurso”, mas que
traz consigo o outro em seu dizer e reproduz, na materialidade linguística de seu
discurso, esses atravessamentos que lhe são fundadores.
Diremos que a marca do inconsciente como “discurso do outro” designa no sujeito a presença eficaz do “Sujeito”, que faz com que todo sujeito “funcione”, isto é, tome posição, “em total consciência e em total liberdade”, tome iniciativas pelas quais se torna “responsável” como autor de seus atos etc. (PÊCHEUX, 2014, p. 159).
Já sob a perspectiva foucaultiana, o sujeito emerge das relações entre poder-
saber. Para o autor, o indivíduo não é naturalmente um sujeito, mas constitui-se
como tal e é interpelado pelas redes de micropoderes que cercam o indivíduo e o
constituem em sujeito.
Foucault (2006) refere-se aos mecanismos de objetivação e de subjetivação
como constituintes do indivíduo. Esclarecemos as definições sobre objetivação e
subjetivação e suas ações sobre o sujeito: os processos de objetivação dizem
respeito a processos disciplinares que buscam tornar o homem útil ao mercado
econômico e dócil politicamente; já os processos de subjetivação remetem-se às
27
relações do sujeito consigo mesmo, à forma como o homem se compreende
enquanto sujeito, constituindo assim o indivíduo em sujeito. Essa identidade
encontra-se balizada em um determinado período histórico e social.
Segundo o autor, o sujeito emerge das relações de poder, constituindo-se
pelas técnicas de sujeição das relações de poder e de saber. De acordo com
Foucault (2006, p. 234) “O sujeito não deve transformar-se. Basta que o sujeito seja
o que ele é para ter, pelo conhecimento, um acesso a verdade que lhe é aberto pela
sua própria estrutura de sujeito”. Apreendemos, das noções de sujeito sob essa
perspectiva, que o saber pode empoderar o indivíduo para que ele resista às
situações de domínio e controle exercidas pelo poder que conduzem ao
silenciamento. Vale relembrar que, em nossa pesquisa, o poder é caracterizado
como o LDLI.
Ao analisarmos as situações de silenciamento que se apresentam no
cotidiano da sala de aula, deparamo-nos com momentos de total interdito do SA.
Temos observado ao longo de nossa trajetória profissional que a não constituição de
sentidos, geradora do silenciamento, é resultante do cerceamento dos processos
discursivos que envolvem as situações de ensino-aprendizagem e seus atores
exercido, por sua vez, pelo LD.
Vale pontuar que o discurso é aqui entendido segundo os pressupostos da
ADF, distanciando-se conceitualmente do senso comum, definido pelo dicionário3.
Tomamos a definição de discurso como produtor de sentidos, segundo a análise de
Orlandi (2013, p. 21):
Para a Análise de Discurso, não se trata apenas de transmissão de informação, nem há essa linearidade na disposição dos elementos da comunicação, como se mensagem resultasse de um processo assim serializado: alguém fala, refere alguma coisa, baseando-se em um código, e o receptor capta a mensagem, decodificando-a. Na realidade, a língua não é só um código entre outros, não há essa separação entre emissor e receptor, nem tampouco eles atuam numa sequência em que primeiro um fala e depois o outro decodifica etc. Eles estão realizando ao mesmo tempo o processo de significação e não estão separados de forma estanque. Além
3 Alguns significados elencados para o termo discurso são 1) exposição de ideias, proferida em
público, feita de improviso ou antecipadamente escrita com esse propósito; 2) oração, fala. Disponível em: <http://www.dicio.com.br/discurso/>. Acesso em 10 jul. 2015.
28
disso, ao invés de mensagem, o que propomos é justamente pensar aí o discurso. Desse modo, diremos que não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente transmissão de informação.
O discurso, tal como posto pela autora, como concepção basilar da ADF,
possibilita a reflexão, o deslocamento e a consequente transformação do sujeito,
não se apresentando apenas como meio de comunicação, mas como ponto de
constituição de sentidos e movência. E é sob esse viés que o discurso será
analisado em nosso trabalho.
Cabe salientar que, no pensamento foucaultiano, o discurso mostra-se como
resultado das relações de poder. “O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso” (FOUCAULT, 2014, p. 45). Sob essa ótica, entendemos que o discurso se
apresenta como campo de força e que o dizer impõe-se aos seus locutórios,
produzindo sentido.
Depreendemos das leituras do autor supracitado, a concepção de discurso
como prática social que se distancia do quadro conceitual que o concebe como um
conjunto de signos referente a determinado conteúdo, com determinado significado
não visível, possuidor de uma verdade oculta a ser descoberta. Compreendemos o
discurso como autônomo, em que uma consonância de enunciados encontra-se com
o contexto.
gostaria de mostrar que o discurso não é uma estreita superfície de contato, ou de confronto, entre uma realidade e uma língua, o intrincamento entre um léxico e uma experiência; gostaria de mostrar, por meio de exemplos precisos, que analisando os próprios discursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva. Essas regras definem não a existência muda de uma realidade, não o uso canônico de um vocabulário, mas o regime dos objetos. (...) não mais tratar os discursos como conjuntos de signos (elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da
29
fala. É esse ”mais” que preciso fazer aparecer e que é preciso descrever. (FOUCAULT, 1997, p. 54-55)
Depreendemos, pois, apoiados nos conceitos foucaultianos, que os discursos,
com sua natureza autônoma, organizam e constituem o sujeito; não podendo ser
compreendidos como um agrupamento de palavras e significados, mas como
“fragmentos de história”. Entendemos, assim, que os discursos são práticas
organizadas da realidade. Sob essa perspectiva, apreendemos que o discurso existe
para além da utilização dos signos. E este “mais” a que Foucault se refere encontra-
se no próprio discurso e sobrepõe-se ao sujeito.
Os estudos de Pêcheux sobre o discurso apontam para uma perspectiva com
foco diferente do que até então se apresentava, ele não discorria sobre o enunciado,
ou o texto, ou a fala, mas sobre a relação do discurso com a história, relacionando o
dizer com as condições de produção desse dizer. O autor apresenta a ideologia e a
exterioridade como elementos constitutivos do sentido, promovendo assim as
considerações da história como constituintes do discurso.
As acepções de Pêcheux (2014) nos indicam que o sentido de uma palavra,
de uma expressão, não existe em si mesmo, tal sentido é instaurado pelas posições
histórico-ideológicas tomadas pelo sujeito. Coadunamo-nos com o autor quanto a
suas reflexões a respeito das implicações ideológicas que agem sobre o discurso.
Sobre essa questão com ele ponderamos:
(...) o sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não existe “em si mesmo” (isto é, em sua relação transparente com a literalidade do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas). Poderíamos resumir essa tese dizendo: as palavras, expressões, proposições etc.; mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às formações ideológicas (no sentido definido mais acima) nas quais essas posições se inscrevem. (PÊCHEUX, 2014, p. 146-147)
Nesta concepção, o sujeito é constituído pela ideologia, a qual confere sentido
a seu discurso. O sujeito encontra-se interpelado pela formação discursiva4 que
4 Segundo Pêcheux (2014, p. 147) o que pode e deve ser dito.
30
controla sua prática discursiva designando seus ditos. O discurso encontra-se pré-
determinado pelas posições ocupadas pelo sujeito e apresenta-se dominado pela
formação ideológica e pelas posições ocupadas pelo sujeito. O discurso, nesse
sentido, relaciona-se com as condições de produção; suas “circunstâncias”
consideram o contexto histórico e ideológico e as posições do sujeito e de seus
interlocutores.
Diremos que a marca do inconsciente como “discurso do Outro” designa no sujeito a presença eficaz do “Sujeito”, que faz com que todo sujeito “funcione”, isto é, tome posição, “em total consciência e em total liberdade”, tome iniciativas pelas quais se torna “responsável” como autor de seus atos etc., e as noções de asserção e de enunciação estão aí para designar, no domínio da “linguagem”, os atos de tomada de posição do sujeito, enquanto sujeito-falante. (PÊCHEUX, 2014, p. 159)
Essas acepções que marcam a natureza entrecruzada do discurso, cujo
acontecimento se dá em determinado momento sócio-histórico-social, levam-nos a
investigar como os conceitos de Pêcheux se mostram no corpus de nossa pesquisa,
considerando que as questões discursivas atravessam o SA. Em face dessa
reflexão, compreendemos os interditos do SA e suas (não) posições discursivas,
uma vez que essa (não) tomada de posição durante o processo de ensino-
aprendizagem se processa, norteada pelo LDLI e corroborada pelo professor, pois
ambos não possibilitam ao SA reflexão e deslocamento durante o processo de
inscrição na língua outra. O LDLI toma a língua como código e desconsidera as
questões discursivas na constituição dos sentidos. Sendo o LDLI o condutor dos
processos de ensino-aprendizagem, uma vez que se encontra enraizado na
sociedade o entendimento do poder e verdade concentrados no LD,
compreendemos que seu papel como regulador do interdito é mais expressivo que o
do professor.
Ao nos adentrarmos nas questões sobre verdade, ideologia e relações poder-
saber problematizaremos como essas questões se engendram e conduzem os
processos pedagógicos na sala de aula do ensino de língua estrangeira.
1.2 Verdade, Ideologia e Relações Poder-Saber
31
O caráter de autoridade do livro didático encontra sua legitimidade na crença de que ele é depositário de um saber a ser decifrado, pois supõe-se que o livro didático contenha uma verdade sacramentada a ser compartilhada. Verdade já dada que o professor, legitimado e institucionalmente autorizado a manejar o livro didático, deve apenas reproduzir, cabendo ao aluno assimilá-lo. (SOUZA,1999, p. 27).
Os conceitos de verdade, ideologia e relações poder-saber apresentam-se
como basilares para a nossa análise do LDLI e para a compreensão do poder que o
LD exerce nas instituições de ensino e de como encontra-se legitimado, regulando
relações pedagógicas, colocando-se acima das instituições e das pessoas,
assumindo-se como condutor dos processos de ensino-aprendizagem.
Ao nos debruçarmos sobre a análise do LDLI e sobre as questões de
silenciamento dos sentidos a partir de uma perspectiva discursiva, apreendemos que
a articulação e o funcionamento da imbricação de sujeito, língua e questões de
memória tecem o fio da trama discursiva. Esse sujeito que toma posição e que fala
de algum lugar é atravessado pela historicidade, pelo inconsciente e pela ideologia.
Segundo Althusser (1980, p. 77) “a ideologia representa a relação imaginária de
indivíduos com suas reais condições de existência”. A ideologia se faz condição para
a formação do sujeito que constitui sentido. Pela ideologia, o sujeito produz discurso.
Nesse sentido, Orlandi (2013, p. 43) ressalta a determinação ideológica da
constituição dos sentidos pelo sujeito:
Os sentidos sempre são determinados ideologicamente. Não há sentido que não o seja. Tudo que dizemos tem, pois, um traço ideológico em relação a outros traços ideológicos. E isto não está na essência das palavras, mas na discursividade, isto é, na maneira como, no discurso, a ideologia produz seus efeitos, materializando-se nele.
A partir das asserções de Althusser (1980) pode-se compreender que a
classe dominante estabelece procedimentos para a manutenção do poder. Tais
meios são referidos pelo autor como Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE), como
igrejas, sindicatos, escolas, etc e também como Aparelho de Estado (AE), o
governo, o exército, a polícia, etc.
Designamos por Aparelhos Ideológicos de Estado um certo número de realidades que se apresentam ao observador imediato sob forma de instituições distintas e especializadas. (ALTHUSSER, 1980, p. 43)
32
É importante esclarecer ainda que, segundo o autor, a ideologia se manifesta
através dos aparelhos, por meio de seu funcionamento e aplicação. A ideologia
concretiza-se nos atos e nas práticas. Essa perspectiva nos mostra que, por ser
considerado detentor de verdades contundentes, o LD não tem seus valores
contestados nas instituições onde é empregado, desta maneira, encontra caminhos
livres para disseminar a ideologia que encerra; apresentando-se como um dos
aparelhos ideológicos da sociedade atual.
Assim sendo, o LDLI, com caráter homogeneizante, coloca-se como aparelho
ideológico, como avaliador de situações de poder, garantindo até mesmo vantagens
econômicas às instituições de ensino; uma vez que o professor (e suas práticas
pedagógicas) passa a exercer papel secundário nas instituições onde atua, podendo
ser, inclusive, um profissional menos capacitado. Cabe lembrar que é comum em
anúncios de emprego para professores de inglês a exigência da proficiência na
língua, mas não a qualificação docente. As reflexões sobre o papel norteador do
LDLI e seu modo de funcionamento nos são apresentadas por Grigoletto (1999, p.
68):
O modo de funcionamento do LD como um discurso da verdade pode ser reconhecido em vários aspectos: no seu caráter homogeneizante, que é dado pelo efeito de uniformização provocado nos alunos (i.e., todos são levados a fazer a mesma leitura, a chegar às mesmas conclusões, a reagir de uma única forma às propostas do manual); na repetição de uma estrutura comum a todas as unidades, com tipos de seções e de exercícios que se mantêm constantes por todo o livro, fator que contribui para o efeito de uniformização nas reações dos educandos; e na apresentação das formas e dos conteúdos como naturais, criando-se o efeito de um discurso cuja verdade “já está lá”, na sua concepção.
Ressaltamos que a escola também se constitui como uma instituição que
propaga valores e estabelece caminhos, conduzindo escolhas sociais. Cabe atentar
para as palavras de Gallo (2009, p. 129) sobre, o caráter ideológico das instituições
de ensino:
A função ideológica da escola não é, porém, necessariamente inerente a ela; percebemos que, na história social da dominação do homem sobre o homem, a escola tem servido de suporte, como um dos aparelhos ideológicos – nesta época ainda o mais importante, dada a sua abrangência
33
– a serviço do Estado em sua contínua ação, como a de manter sua posição hegemônica e coordenadora do processo de exploração do trabalho.
Com base nas palavras do autor supracitado, compreendemos que a
conjunção entre escola e LD, tidos como instrumentos cerceadores de reflexão e/ou
posicionamento do SA, auxilia a sustentação e a manutenção do status quo, daí
podermos observar uma massa discente incapaz de rupturas e deslocamentos. Sob
as perspectivas da ADF, assimilamos o papel silenciador desses instrumentos
educacionais e percebemos os danos que acarretam à formação do SA e à
construção de sua autonomia.
Ainda nos aprofundando nas questões de ideologia, percebemos que
Pêcheux (2014) teoriza sobre as relações entre discurso e ideologia, pontuando o
papel que a ideologia exerce na interdição dos sentidos. O autor nos mostra que o
dizer não é um ato isolado e aleatório, mas afetado pelas condições de enunciação,
pelo contexto. Esses dizeres são influenciados pelo “já-lá”, que não permite que o
indivíduo se manifeste livremente. O filósofo francês afirma que a materialidade
ideológica se concretiza no discurso do sujeito e que esse sujeito acredita que seu
discurso seja fruto de sua livre vontade, não se dando conta de que a formação
discursiva que o domina e constitui é que o compele a produzir discursos e a tomar
posições.
diremos que os indivíduos são “interpelados” em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam “na linguagem” as formações ideológicas que lhes são correspondentes. (PÊCHEUX, 2014, p. 147)
Essa reflexão demonstra que a “formação discursiva aquilo que, numa
formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada numa conjuntura
dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que pode e deve ser
dito” (PÊCHEUX, 2014, p. 147), é o fio condutor dos sentidos constituídos pelo
sujeito. Entendemos que o sentido será constituído não pelas palavras proferidas
pelo sujeito, que se encontram destituídas de significado, mas, a partir das posições
ideológicas ocupadas por ele, ainda que ocorram de forma inconsciente.
Em nossa análise, pontuamos a importância da constituição dos sentidos pelo
SA durante o processo pedagógico de inscrição na língua outra. Assumimos que
34
essa construção de significados ocorre pelo funcionamento das questões de
ideologia, historicidade e inconsciente. O sentido, quando facultado pelos
mecanismos didáticos pedagógicos, tais como: livro didático, professor, ferramentas
da tecnologia da informação e comunicação, pressupõe um processo de
interpretação, interação e significação entre o SA e os conteúdos apresentados.
Todavia, a produção de sentidos formulada a partir das atividades didático-
pedagógicas precisa ser cerzida à realidade vivenciada pelo SA, para que
transpasse as páginas do livro e constitua o aluno. Nesta senda, observamos nas
palavras de Orlandi (2013, p. 47) que a constituição dos sentidos perpassa pela
ideologia que interpela o sujeito e rege suas posições.
O sentido é assim uma relação determinada do sujeito- afetado pela língua – com a história. É o gesto de interpretação que realiza essa relação do sujeito com a língua, com a história, com os sentidos. Esta é a marca da subjetivação e, ao mesmo tempo, o traço da relação da língua com a exterioridade: não há discurso sem sujeito. E não há sujeito sem ideologia. Ideologia e inconsciente estão materialmente ligados.
Refletir sobre o funcionamento de questões ideológicas na imbricação do
sujeito com seus gestos interpretativos e seus dizeres, remete-nos a estudos sobre
a verdade e as relações de poder-saber e seu encadeamento com as questões de
silenciamento dos sentidos, que procuramos mostrar no corpus de nossa pesquisa.
A hipótese por nós levantada de que o LD representa o “regime da verdade”
demanda um melhor entendimento da concepção de verdade; um conceito que
permeia os estudos discursivos sob a perspectiva da escola francesa.
Sobre a noção de verdade, Foucault (2014, p. 54) escreve: “Por ‘verdade’,
entender um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei, a
repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados”. Isto é, cada sociedade
acolhe um tipo de discurso como verdadeiro, esse discurso é instaurado por
interesses que servem a esse grupo, tais como políticos e econômicos. Na
sociedade moderna, a veiculação da verdade encontra-se legitimada nas instituições
de ensino que têm o LD como um dos principais mecanismos para manutenção de
interesses e benefícios.
35
Ancorados nesse quadro referencial, observamos que a sociedade, as
instituições de ensino e o professor têm elegido o LD como a principal fonte de
informação. O LD, acolhido como detentor do saber, posiciona-se como condutor do
que deve ser ensinado. Sob esse viés, entendemos que o LD, como definido por
Coracini (1999, p. 34), “funciona como portador de verdades que devem ser
assimiladas tanto por professores quanto por alunos”.
Em nosso estudo, o LD materializa o que pode e deve ser ensinado, e esse
papel de detentor de conhecimentos já se encontra legitimado pela sociedade. O
conteúdo constante no LD representa o que a sociedade e as instituições esperam
que seja ensinado. No LD encontra-se, então, a verdade a ser ministrada, praticada
e concretizada.
Em face dessa reflexão, compreendemos, através das premissas de Foucault
(2014, p. 54), que “a ‘verdade’ está circularmente ligada a sistemas de poder, que a
produzem e apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem.
‘Regime’ da verdade.”
Essas premissas nos levam a investigar como essas questões se apresentam
em nosso corpus. Tendo como ponto de reflexão o funcionamento do LDLI, detentor
do discurso da verdade, que se impõe no discurso pedagógico e ao qual se
subordinam instituições de ensino, professores e alunos, pois mostra-se depositário
de saberes incontestáveis, apontamos que se torna difícil qualquer tomada de
posição para além das cerdas do LD.
Como parte deste estudo, abordaremos as concepções foucaultianas sobre
as relações poder-saber. Tais conceitos são imprescindíveis para a análise do LD e
seu funcionamento nos processos de ensino-aprendizagem, pois remetem à
autoridade que o LDLI exerce no contexto escolar. Constatamos este poder quando
em nossa prática docente o LDLI norteia ações de professores, coíbe
posicionamentos de alunos e ocupa posturas disciplinadoras quando na aplicação
de métodos de ensino. Sobre o funcionamento do poder, fazemos referência às
considerações de Machado (2014, p. 17):
36
o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que detêm o poder e de outro aqueles que se encontram alijados dele. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona.
Ao contrário da concepção aristotélica que classificava o saber como natural,
Foucault (2014) concebe o conhecimento como um invento, e como tal, pode
apresentar-se como novo, instaurando rupturas. Para ele, o saber tem como objetivo
a dominação. Em seus dizeres: “é contra um mundo sem ordem, sem
encadeamento, sem formas, sem beleza, sem sabedoria, sem harmonia, sem lei,
que o conhecimento tem de lutar” (FOUCAULT, 2014, p. 18). O conhecimento
subjuga as coisas, seu intento é o poder e o poder por sua vez necessita do saber
para se sustentar.
Em nossos estudos, este saber encontra-se personificado no LD, pois é ele
que estabelece integralmente o processo pedagógico da aula, como nos ensina
Souza (1999, p. 28):
A autoridade do livro didático estende-se à visão do livro enquanto forma de critério do saber, criando paradigmas norteadores da transmissão de conhecimento em contexto escolar. O livro didático parece ter como função primordial dar certa forma ao conhecimento; “forma” no sentido de seleção e hierarquização do chamado “saber”.
Esse “saber” conferido ao LD impute a ele poder, uma vez que sua
credibilidade lhe confere arbítrio sobre os conteúdos a serem ensinados, as etapas e
percursos da aula e as ações do professor. O LD revela-se como um mecanismo de
controle do contexto escolar.
Em seus preceitos, Foucault (2014) faz conhecer o emprego, pelo poder, de
diferentes mecanismos de controle, em seu funcionamento. Em nossos estudos, o
poder e seus movimentos são representados pelo LDLI, visto que ele assegura todo
o processo pedagógico nas instituições, subordinando alunos, professores e
instituições de ensino. Para o teórico francês, o mais importante era a observação
do poder não pelo viés de posições políticas marxistas ou capitalistas, mas pela
compreensão da concretude do poder, como ele opera na sociedade, como ele
“permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso”. Sendo
37
assim necessário considerá-lo de maneira mais abrangente e sutil, em seus próprios
termos: “Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.”5
(FOUCAULT, 2014, p. 45)
Foucault (2014) aborda o poder sob uma perspectiva social, como um
mecanismo que exerce forças, delimita e conduz o cotidiano das pessoas; não o
tomando apenas enquanto forma jurídica ou aparelho repressor, mas atentando para
como ele opera na existência do sujeito, nos acontecimentos, na urdidura social. E é
esse viés que buscamos em nosso estudo, pois o poder aqui mencionado relaciona-
se àquele atribuído ao LDLI no contexto escolar.
Compreendemos as relações de poder através do funcionamento do LD nas
situações de aprendizagem e das questões de interdito por ele impostas presentes
em nosso corpus. Vale ressaltar que no processo de ensino-aprendizagem da LA, o
SA não é instado a constituir sentido, produzir discurso, mas a fazer leituras
homogêneas e estanques, sem oportunidade de interpretação das situações que lhe
são postas. Como vemos na definição de Pfeiffer (apud Grigoletto,1999, p. 82) sobre
as questões de leitura e interpretação em LE, “a interpretação que já está pronta,
esperando para ser dita”. Sob essa visão discursiva de como atua o LDLI,
compreendemos a concretude do poder preconizada por Foucault (2013, p. 41) e
fazemos uma reflexão a respeito do papel ideológico das instituições de ensino e de
seus mecanismos de controle, como diz o autor:
A educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, é bem sabido que segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas pela distância, pelas oposições e lutas sociais. Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo.
Por ser reconhecido e legitimado como depositário do saber, o LD tem seu
poder garantido nos processos pedagógicos e nos contextos escolares, impedindo
5 Foucault entende que “a noção de repressão é totalmente inadequada para dar conta do que existe
justamente de produtor do poder”. (FOUCAULT, 2014, p. 44)
38
que o SA recorra às memórias que o constituem e favorecendo situações de
silenciamento e imobilização.
O saber, que em nossa sociedade encontra-se reconhecidamente no LD,
opera empoderando a verdade, garantindo que o LD se apresente como condutor
absoluto das relações pedagógicas, norteando as ações tanto das instituições de
ensino quanto dos professores, mostrando-se axial no contexto escolar.
A verdade, nessa perspectiva, produz efeitos regulamentados do poder, logo
é um instrumento muito importante para consolidação e manutenção do status quo.
Em variados segmentos de nossa sociedade a verdade desempenha seu papel,
garantindo o funcionamento do poder em benefício de determinados grupos.
Ressaltamos a função que o LD exerce de forma ainda mais contundente em
franquias e cursos de idiomas, nos quais ele assegura que o professor, cerceado de
seus atos pedagógicos, seja mero coadjuvante no processo de ensino-
aprendizagem e os franqueados e franqueadores tenham total controle das
situações pedagógicas em milhares de escolas, com vigilância sustentada e
garantida pela legitimidade depositada no LD e em seu discurso da verdade.
1.3 Memória Discursiva e Formas de Silenciamento
Em nosso gesto interpretativo, analisaremos a materialidade linguística
exposta pelo LDLI e as situações de interdito que apresentam circunstâncias de
silenciamento impostas ao SA, assim como a ausência de oportunidade de
mobilização de sua memória discursiva.
É mister compreender a concepção de memória nos contornos referenciais da
ADF. Memória discursiva não deve ser entendida como a memória da psicologia,
esta última é definida como lugar de armazenamento de informações e fatos e é
relacionada a situações de aquisição de novos conhecimentos e aprendizagem à
medida que retém informações. A memória discursiva, o interdiscurso, é, por outro
lado, o que garante ao sujeito as condições de produção de sentidos. A memória
discursiva, ou seja, o saber discursivo, o conhecimento que circula, a historicidade e
a ideologia, leva o sujeito a funcionar de uma determinada forma, como nas palavras
39
de Orlandi (2013, p. 30), “‘aciona’, faz valer, as condições de produção”, os
processos de construção dos sentidos.
O SA, ao deparar-se com as situações de aprendizagem e consequente
tentativa de inserção na língua outra, precisa considerar sua história e esse ato
convoca sua memória discursiva, sem a qual não há constituição dos sentidos e
consequente deslocamento e avanço.
Orlandi (2013, p. 31) nos ensina sobre a memória discursiva, “Saber
discursivo que torna possível todo o dizer e que retorna sob a forma do pré-
construído, o já-dito que está na base do dizível, sustentando cada tomada da
palavra”. Entendemos, então, que a memória discursiva é o que constitui sentido a
partir de outros sentidos já vivenciados pelo sujeito e legitimados pela historicidade.
A memória, como compreendida pela ADF, dispõe de uma relação com a
interpretação e com a ideologia, convocando o surgimento dos sentidos, pois cada
sujeito interpreta o mundo sob uma perspectiva singular, imprimindo significados
diferentes, pois, em um mesmo enunciado, é possível construir sentidos diversos.
Ainda dentro da perspectiva teórica recuperada, a memória discursiva é
concebida como o interdiscurso que fornece sustentação aos significados que
irrompem do sujeito ou àqueles por ele reprimidos. Como afirma Pêcheux (2014,
p.149): “‘Algo fala’ (ça parle) sempre ‘antes, em outro lugar e independentemente’,
isto é, sob a dominação do complexo das formações ideológicas”. Apreendemos
com esse conceito que a historicidade e a ideologia circulantes no mundo fornecem
subsídios para os dizeres do sujeito.
O sujeito, entretanto, acredita que seus dizeres são livres, porém ele só
enuncia aquilo que lhe é permitido pela formação discursiva em que se encontra.
Este apagamento é concebido pelo autor referido (PÊCHEUX, 2014, p. 161), como
esquecimento n° 2, assim definido:
“esquecimento” pelo qual todo sujeito-falante “seleciona” no interior da formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas e sequências que nela se encontram em relação de paráfrase – um enunciado, forma ou sequência, e não um outro, que no entanto, está no
40
campo daquilo que poderia reformulá-lo na formação discursiva considerada.
Essa formação discursiva à qual o sujeito se filia o impele a um discurso e
não a outro. Observamos na citação de Orlandi (2013, p. 35) que o sujeito acredita
que “pensamos que o que dizemos só pode ser dito com aquelas palavras e não
outras, que só pode ser assim”.
Há, segundo Pêcheux (2014), um outro apagamento, da ordem do
inconsciente, o esquecimento n° 1. Aqui, explica-se que o sujeito tem a ilusão de ser
a origem de seu dizer, de significar o mundo a partir de sua própria perspectiva,
quando, na verdade, esse processo de significação já se encontra pronto, concluído
pela exterioridade. Compreendemos, então, que a exterioridade se torna constitutiva
do interdiscurso.
Contudo, ressalta o autor (PÊCHEUX, 2014, p. 162), a respeito do
esquecimento n° 1:
apelamos para a noção de “sistema inconsciente” para caracterizar um outro “esquecimento”, o esquecimento n° 1, que dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição, se encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. Nesse sentido, o esquecimento n° 1, remetia, por uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em que – como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em questão.
Cuidamos que, quando o sujeito “esquece” o que foi dito e acredita ser a
origem de seu dizer; ele, como nas palavras de Orlandi (2013, p. 36), identifica-se
com o que diz, constituindo-se em sujeito. Dessa forma o sujeito se significa, como
se o sentido lhe fosse nato; porém, de forma inconsciente e involuntária, o sujeito
retoma sentidos já existentes “e é assim que sentidos e sujeitos estão sempre em
movimento”.
Vale ressaltar que o movimento dos sentidos é por vezes estancado quando
situações de interdito impedem o dizer. O silenciamento da construção de
significados que tolhe o sujeito das manifestações de suas memórias e da produção
de sentidos, encontra-se disperso em múltiplas instâncias da sociedade moderna,
41
evidenciando-se, nesse sentido, o LD como mecanismo de silenciamento no
contexto escolar.
No corpus analisado neste estudo, as questões de silenciamento impostas
nas situações de ensino-aprendizagem surgem como interdito, exercendo no SA a
imobilização de sua memória discursiva e consequente desconstrução dos sentidos.
Sob esse aspecto, consideramos de suma importância para nosso trabalho, o
entendimento da noção de silêncio e silenciamento pela perspectiva discursiva.
O silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem causar rupturas significativas na relação de sentidos. As palavras vêm carregadas de silêncio(s). (ORLANDI, 2013, p. 102)
Vale esclarecer que para o desenvolvimento de nosso estudo não
abordaremos as questões de silêncio que o relacionam à“ incompletude da
linguagem”, como mencionado por Orlandi (2013, p. 12). Tampouco nos
dedicaremos aos conceitos sobre o silêncio que o concebem como “fundante”,
quando constitui sentido, quando “fala” para produzir significados. Não
empregaremos em nossa análise sobre o silenciamento dos sentidos as concepções
de silêncio como produtor de discurso e reflexão, assim definido:
O silêncio é assim a “respiração” (o fôlego) da significação; um lugar de recuo necessário para que se possa significar, para que o sentido faça sentido. Reduto do possível, do múltiplo, o silêncio abre espaço para o que não é “um”, para o que permite o movimento do sujeito (ORLANDI, 2013, p.13).
Para melhor compreensão de nosso corpus, recuperamos de Orlandi (2013,
p. 12) a noção de silenciamento no que diz respeito à censura que ele exerce na
construção de significados, nas reflexões e tomadas de posição do sujeito. Com
relação a isso, encontramos em suas palavras o conceito norteador de
silenciamento enquanto mecanismo de interdito e controle: “o estudo do
silenciamento (que já não é silêncio mas ‘pôr em silêncio’) nos mostra que há um
processo de produção dos sentidos silenciados”.
42
Com base na concepção do silenciamento enquanto mecanismo de
contenção dos sentidos, encontramos dentre os LDLIs, alguns títulos que mantêm
total controle, tanto do professor quanto do SA. Em nosso corpus, apresentamos
que o LDLI se coaduna com livros que, através das atividades propostas, levam ao
silenciamento do SA. Entendemos que o LDLI exerce, no contexto pedagógico, sua
autoridade e poder, para manter sob seu domínio todas as etapas da aula,
restringindo ao professor e ao SA a possibilidade de erigir discursos ou constituir
sentidos outros que os propostos por seus autores. Sob esse aspecto, o LD vale-se
de situações de censura como forma de controle e liderança dos processos de
ensino-aprendizagem, como nos ensina Orlandi (2013, p. 168):
Compreender a censura além das ideias de interdição redutora, ou seja, aquela que só vê a censura na relação com o implícito (o que não deve ser dito) quando na realidade a censura é um processo que não trabalha apenas a divisão entre dizer e não-dizer mas aquela que impede o sujeito de trabalhar o movimento de sua identidade e elaborar a sua história de sentidos; a censura é então entendida como o processo pelo qual se procura não deixar o sentido ser elaborado historicamente para ele não adquirir força identitária, realidade social etc.
A partir da noção de censura proposta pela autora, percebemos em nosso
corpus que o silenciamento dos sentidos busca a não criação de oportunidades ao
SA para o aprofundamento das questões às quais é exposto. O silenciamento
apresenta-se como uma tentativa de contensão dos sentidos; ele procura manter
determinado padrão nas relações pedagógicas de sala de aula, não permitindo que
a historicidade seja provocada e que o sujeito possa, através da mobilização de sua
memória discursiva, refletir e deslocar-se. Nesse sentido, o LD recorre ao interdito
para que não se realizem rupturas nos contextos didáticos, o que conduziria à perda
do controle que opera.
O LDLI, por meio de seus mecanismos de controle, não consente a
constituição da memória entre seus interlocutores, possibilitando apenas a tessitura
de relações superficiais entre o professor, o SA e os conteúdos por ele
apresentados.
Todos os preceitos teóricos aqui apresentados, admitidos como basilares em
nossa análise, demonstram a legitimação do LDLI perante a comunidade escolar,
43
suas questões de silenciamento, sua função em apresentar a língua de forma
utilitarista e sua relação de poder, em cenários que não se restringem aos séculos
XX e XXI, cabe introduzir. O processo de legitimação do LDLI como “regime da
verdade”, que propõe caminhos e reprime significações e rupturas encontra suas
raízes na trajetória tanto do LDLI quanto no percurso do ensino de inglês no Brasil,
que adentraremos a seguir.
44
CAPÍTULO 2 – TRAJETÓRIAS
O traço histórico do ensino de língua inglesa e o percurso percorrido pelo livro
didático de inglês no Brasil trazem importante contribuição para nosso estudo, pois,
conhecendo a trajetória do ensino de línguas estrangeiras, mais especificamente do
inglês, podemos refletir e compreender as implicações e influências do ensino de
língua inglesa no Brasil de hoje e seu reflexo no LD.
Para adentrarmos a análise de nosso corpus e compreendermos como se dá
o silenciamento dos sentidos através do LDLI, torna-se mister conhecer a trajetória
do ensino de inglês e do LDLI no Brasil. Objetivamos traçar os caminhos que o
ensino da língua inglesa tem percorrido ao longo de sua história no Brasil e refletir
sobre como esse percurso moldou e tem ainda instaurado representações na
memória da sociedade e do SA de língua inglesa. Queremos com essa análise
compreender como se deu a implementação, o desenvolvimento e a expansão do
uso do LD em nosso país e identificar quais ideologias norteiam sua aplicação. Esse
estudo propõe também uma reflexão sobre a relação desses percursos históricos
com o saber-fazer atual do ensino de língua inglesa no Brasil, sobre o papel do LD
durante essa evolução histórica do ensino de inglês em nosso país e, finalmente,
sobre a origem do caráter estanque ainda presente em LDLIs no Brasil que
conduzem (e provocam) ao silenciamento dos sentidos do SA.
O inglês que se ensina hoje no Brasil, seu foco principal e as teorias que o
norteiam têm origem na finalidade com que o ensino de línguas estrangeiras foi
implementado no Brasil. Desde os primórdios da inserção da língua inglesa em
nossas terras, o comércio e o intercâmbio com nações estrangeiras foram as
motivações essenciais para a inclusão das línguas estrangeiras modernas em nosso
currículo.
Como veremos no percurso histórico da língua inglesa em território nacional,
o caráter utilitarista e mercantilista do inglês data das primeiras incursões dos
ingleses em nossas terras, ainda no século XVI; tendo essa perspectiva perdurado
45
até hoje, com representações da língua inglesa, tanto na esfera midiática como
educacional, que reforçam e estabelecem a LE como veículo de ascensão social,
atribuindo à língua inglesa um cunho mercantilista que se materializa, segundo
Grigoletto (2011), na discursividade do mercado.
Saber a língua inglesa tornou-se um mito para ascensão profissional e social.
Com forte influência da mídia, o domínio do inglês é condição sine qua non para que
um indivíduo alcance sucesso profissional. Conforme Grigoletto (2011, p. 308) “o
discurso da mídia relaciona a língua inglesa à imagem de indivíduo bem-sucedido
nos negócios, ou de cidadão do mundo.” Esse anseio leva o SA a buscas
desenfreadas por soluções fáceis para assim poder sentir-se caminhando em busca
de seus objetivos.
A busca pelo conhecimento da língua inglesa como ponto de crescimento
profissional tem levado pessoas de todas as camadas sociais e diferentes faixas
etárias a cursos que oferecem soluções mirabolantes cuja promessa do aprendizado
rápido e simples seduz esses indivíduos que atrelam seu sucesso ao conhecimento
de inglês.
Espelhando tal discurso, atentamos para a proliferação de cursos de idiomas
que procuram apresentar metodologias extraordinárias, porém incertas, calcadas
nas expectativas e necessidades do SA, para que este supostamente atinja seus
objetivos. Como observamos em Almeida Filho (2003, p. 30), “há soluções fáceis
mas não-críveis e até desonestas em alguns casos premeditados de má-fé”.
Como norteador de cursos de idiomas e com o objetivo de concretizar o
sonho da inserção na língua estrangeira, apresenta-se o livro didático como o
caminho para essa conquista. Há uma concepção e um entendimento do LD como
produtor dos “dizeres da verdade”. Alicerçados nos conceitos sobre verdade e poder
formulados por Foucault (2014), compreendemos que é conferida ao LD a
autoridade para que, assim, ele conduza os caminhos do ensino-aprendizagem de
LE, uma vez que o saber pedagógico do professor não dispõe de credibilidade
suficiente para que ele trilhe os caminhos da aula sem o LD.
46
Com o intuito de liderar a aula e levar consigo o professor e todos os
aprendizes, o LD procura apresentar conteúdos claros, sem equívocos, pois
assume-se o sujeito deseja atingir a verdade, não o equívoco, assim sendo, o LD
não oferece oportunidade ao erro, homogeneizando os usuários e delineando a
ilusão do discurso único.
O LDLI, ao longo de sua trajetória, tem se colocado como instrumento de
treino para o SA. Através de exercícios pautados em técnicas estanques para
produção da língua como código e não como lugar de reflexão e constituição dos
sentidos, vem promovendo o silenciamento do SA, como constatamos ao
acompanhar a história do LDLI no Brasil.
Nosso objetivo nos dois itens seguintes é rastrear os muitos discursos
encontrados nos documentos históricos da implementação e desenvolvimento do
ensino de inglês no Brasil e entender como esses discursos trouxeram para os dias
atuais certas especificidades e também como esses discursos desdobram-se no
LDLI produzindo o silenciamento dos sentidos do SA.
2.1 Histórico do Ensino de Inglês no Brasil
Abordando cronologicamente o desenvolvimento do ensino de inglês no
Brasil, constatamos que o relacionamento do Brasil com a Inglaterra pode-se dizer
que data dos primeiros anos de existência de nosso país, logo após sua descoberta.
Apesar do ensino de inglês de forma oficial ter ocorrido através do decreto de Dom
João VI, no século XIX, bem antes disso, por volta de 1530, já tínhamos contato com
a coroa britânica, cujo marco é o desembarque do aventureiro inglês William
Hawkins, traficante de escravos, em nosso território. O estreitamento de nossas
relações com a Inglaterra ocorreu em 16546 quando a Inglaterra impôs um tratado
aos portugueses, reservando à marinha britânica o monopólio na distribuição dos
produtos ingleses nos mercados de Portugal e de suas colônias no além-mar.
6 A respeito do Tratado entre Inglaterra e Portugal, Cf. introdução de The Anglo-Portuguese Alliance
and the English Merchants in Portugal 1654–1810: “The alliance made between Cromwell and John IV in 1654, cemented by the Articles of Marriage between Charles II and Catherine of Braganza in 1661 lasted for 156 years. Together, they guaranteed Portugal’s independence and formed a framework for an expansion of trade between England, Portugal and its overseas possessions.” (SHAW, 1998)
47
Entretanto, o relacionamento entre os dois países estreitou-se apenas no
início do século XIX, com o fechamento dos portos europeus aos navios ingleses
pelos franceses. Portugal foi então forçado a romper relações com a Inglaterra. Para
evitar um confronto com as tropas de Napoleão, em 1808, D. João VI decidiu fugir
para o Brasil, tendo sido apoiado pela Inglaterra. Com o estabelecimento da coroa
portuguesa no Brasil, os ingleses tiveram permissão para abrir casas comerciais em
nosso país. Juntamente com os estabelecimentos comerciais, foram implantados
diversos serviços trazidos pelos britânicos: Imprensa Régia, telégrafo, trem de ferro
e iluminação a gás.
Deu-se então, a partir de todas essas transformações implementadas pela
mudança da corte portuguesa para o Brasil, o início do ensino formal de língua
inglesa no Brasil. Com decreto de 22 de junho de 1809, assinado por D. João VI,
príncipe regente de Portugal, são criadas as cadeiras de língua inglesa e de língua
francesa “para aumento e prosperidade da instrução pública” (ROMANELLI, 1984, p.
38-39). Em sua carta justificando a criação da cadeira da língua inglesa no Brasil, D.
João VI ressaltou a riqueza da língua inglesa, por sua abrangência para a
prosperidade da instrução pública, pontuando a necessidade da introdução das
línguas estrangeiras no currículo brasileiro. No mesmo ano, em 9 de setembro
1809, D. João VI nomeou o padre irlandês Jean Joyce como o primeiro professor de
inglês do Brasil, com ordenado anual de 400 cruzeiros. A carta de sua nomeação
segundo Souza Campos (2004, p. 420) dizia que “era necessário criar nesta capital
uma cadeira de língua inglesa, por seu número, riqueza e o número de assuntos
escritos nesta língua é grandemente conveniente ao aumento e prosperidade da
instrução pública”.
Aparecia então um indicador do caráter pragmático que os estudos de línguas
estrangeiras vislumbravam no Brasil, pois o ensino de línguas havia sido instituído
com propósito de atender a fins práticos. Era necessário capacitar profissionais
brasileiros para a demanda do mercado de trabalho. A aprendizagem da língua
inglesa visava à comunicação com superiores e recebimento de instruções e
treinamentos.
48
No ano de 1837, em 2 de dezembro, foi fundado o Colégio Pedro II, por
iniciativa do ministro interino do império, Bernardo Pereira de Vasconcellos. Com
oficialização por Decreto Imperial, em 20 de dezembro do mesmo ano, o Seminário
de São Joaquim é transformado e rebatizado em homenagem ao imperador-menino,
no dia de seu aniversário. Entretanto, apesar de ser uma escola pública, os alunos,
integrantes da elite da época, pagavam os honorários pelo ensino prestado com
valores fixados pelo governo imperial. O Colégio Pedro II foi instalado no centro da
cidade do Rio de Janeiro e continua funcionando nos dias de hoje. O decreto de sua
fundação dizia:
Art. 1 - O Seminário de São Joaquim é convertido em colégio de instrução secundária Art. 2 - Este colégio é denominado de Pedro II. Art. 3 - Neste colégio serão ensinadas as línguas latina, grega, francesa, inglesa, retórica e os princípios elementares de geografia, história, filosofia, zoologia, mineralogia, álgebra, geometria e astronomia.... (MULTIRIO)
Desde sua fundação, o ensino de línguas estrangeiras teve papel importante
na grade curricular do colégio Pedro II. O ensino de inglês, francês, juntamente com
as línguas clássicas; grego e latim, iniciavam um novo e importante ciclo no ensino
de línguas no Brasil, pois dessa forma o ensino de línguas estrangeiras estava
institucionalizado na educação pública brasileira. Porém, como veremos no decorrer
deste estudo, o caminho percorrido pelas línguas estrangeiras mostrou-se incerto e
inconstante.
Os percalços do ensino de idiomas começaram a surgir logo após a
Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. No ano de 1890, através
do decreto nº 1.075, de 22 de novembro, o Ministro Benjamim Constant promoveu
um novo plano de estudos para o Colégio Pedro II, que passou a chamar-se Ginásio
Nacional. Essas mudanças tiveram como base os preceitos do positivismo7. A
reforma pontuou a importância do desenvolvimento de um currículo científico
substituindo o de outrora de cunho mais humanístico. Nesse momento, as línguas
estrangeiras, inglês, francês e alemão, foram excluídas do currículo obrigatório.
7 Corrente filosófica que considerava a educação prática anuladora das tensões sociais.
49
Em 1892, após o afastamento do ministro Benjamin Constant, as línguas
estrangeiras vivas voltaram a ser obrigatórias e o currículo de cunho mais científico
implementado por Benjamin Constant foi alterado pelo decreto n⁰ 2.857, de 30 de
março de 1898, assinado pelo Ministro Amaro Cavalcanti. Em sua reforma,
Cavalcanti voltou a prestigiar as disciplinas humanísticas, e as línguas vivas
estrangeiras como o inglês, francês e o alemão retornaram ao currículo, que passou
a assumir um caráter mais cultural e literário no ensino brasileiro.
Nos anos 1930, sob o governo de Getúlio Vargas, o ensino de inglês no Brasil
foi bastante impulsionado, inicialmente, devido aos prenúncios das tensões políticas
que resultaram na Segunda Guerra Mundial. Segundo Schütz (1999) “a difusão da
língua inglesa no Brasil passou a ser vista como necessidade estratégica para
contrabalançar o prestígio internacional da Alemanha”. Além disso, observava-se
que a Inglaterra perdia sua notoriedade como grande interlocutor político e comercial
do mundo ocidental. Deu-se, então, início ao crescimento da influência norte-
americana em todo o mundo e mais vigorosamente na América do Sul. Segundo
Moura (Apud Dias,1999, p. 87) “o capital norte-americano começou a ampliar seu
raio de ação e a deslocar a posição britânica tanto no comércio como nos
investimentos diretos em atividades produtivas no Brasil”. Essa influência mostrou-se
definitiva para a valorização do ensino de língua inglesa em nosso país. E mais uma
vez constatamos que a língua inglesa prosseguia e ampliava seu capital de língua
de mercado.
Ainda na década de 1930, notamos o surgimento dos centros binacionais no
Brasil trazendo uma posição oficial dos governos britânico e americano na difusão
da língua e cultura inglesas em nosso país. Surge assim em 1934 na cidade do Rio
de Janeiro a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa que tinha como principal
missão, segundo Dias (1999, p. 89), a “difusão no país, da língua e das
manifestações de pensamento, ciências e artes inglesas e, por igual, no Império
Britânico, do que concerne ao nosso idioma e o que se tem feito nas letras, ciências
e artes no Brasil.” Já em 1938, foi a vez do consulado norte-americano fundar, na
cidade de São Paulo, o Instituto Universitário Brasil-Estados Unidos, que depois
passou a chamar-se União Cultural Brasil-Estados Unidos.
50
Avançando no século XX, observamos muitas transformações que ocorriam
no mundo em diversos âmbitos. Na esfera educacional no Brasil, nos últimos anos
do Estado Novo, durante a ditadura de Getúlio Vargas, o Ministro da Educação e
Saúde Gustavo Capanema promoveu, em 1942, uma grande reforma no ensino
brasileiro, com a promulgação das Leis Orgânicas do Ensino, abrangendo todos os
níveis da educação primária e média, dividindo as modalidades de ensino em dois
ciclos. O primeiro ciclo de quatro anos foi denominado “ginásio” e o segundo ciclo
com duração de três anos possuía duas ramificações, o “clássico”, com ênfase nos
estudos das línguas clássicas e modernas e o “científico”, que privilegiava as
ciências.
O segundo ciclo, reformado pelo Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942,
reforçava o caráter elitista da escola secundária no Brasil, como veremos no trecho
em que o ministro Capanema fundamenta as reformas por ele implementadas:
(...) o ensino secundário se destina à preparação das individualidades condutoras, isto é, dos homens que deverão animar as responsabilidades maiores dentro da sociedade e da nação, dos homens portadores das concepções e atitudes espirituais que é preciso infundir nas massas, que é preciso tornar habituais entre o povo. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/FNDE, 2007)
A Reforma Capanema trouxe grande avanço para o ensino de línguas
estrangeiras, uma vez que a carga horária foi ampliada, estabelecendo-se 35 horas
semanais para o ensino de idiomas; foi também pela primeira vez apresentada uma
preocupação com a questão metodológica, sendo indicado o uso do “Método
Direto”8 para o ensino de LE. Esse método promovia o ensino de idiomas na própria
língua estrangeira e segundo Chagas (1979, p. 113) apresentava-se como “um
ensino pronunciadamente prático”. O Método Direto9 contrapunha-se aos métodos
alicerçados em gramática e tradução e mostrava-se como uma grande inovação no
ensino de línguas estrangeiras. Porém, durante a permanência do uso do Método
Direto, pouco do que havia sido definido em relação à metodologia para o ensino de
8 O termo “método” aqui definido como um conjunto de procedimentos de ensino que estabelecem um
caminho para um ensino-aprendizado eficaz de LE. 9 O método direto amparava-se nos seguintes princípios: ensinar na LA, ensinar vocabulário e frases
de uso cotidiano, ensinar habilidades de fala e compreensão oral, com turmas pequenas e ensino indutivo da gramática.
51
LE foi realmente implementado, o Método Direto não chegava à sala de aula. O
distanciamento entre a teoria e a prática, no que concerne ao ensino-aprendizagem
de LE, tem se mostrado evidente ao longo da trajetória do ensino de idiomas no
Brasil.
A partir da década de 1950, intensificando-se nos anos 1960, muitas
mudanças ocorreram em relação à concepção de mundo, sociedade e formas de
entretenimento, alterando o perfil da sociedade brasileira que cada vez mais sofria
influência da cultura norte-americana. Vemos nesse período a expansão da música
americana e a consolidação do cinema americano como veículo de entretenimento
em nosso país. Nesse momento, passa a haver um maior anseio, por parte da
população brasileira, por possuir uma formação integral em língua estrangeira, no
interior da qual não se privilegiasse mais apenas uma habilidade da língua, a
capacidade leitora, passando a ser também contempladas a habilidade oral e a
compreensão auditiva no ensino de idiomas.
Paradoxalmente aos intuitos de nossa sociedade, ao promulgara Lei de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1971, o governo brasileiro estabelece que
o ensino de línguas estrangeiras seja parcialmente obrigatório no então renomeado
1.º Grau, como o ginásio passara a chamar-se. Tal alegação deveu-se ao
entendimento de que não havia condições de excelência para o ensino de inglês em
nosso país, tendo, então, optado-se não pela melhoria do ensino de idiomas e
aprimoramento de professores, mas pela quase extinção do problema, extirpando-se
a língua inglesa do currículo do 1.º Grau.
Essa grande contradição entre os anseios e novos paradigmas da sociedade
brasileira do século XX e a LDB foi deveras determinante para a implementação de
cursos livres de idiomas em todo o território nacional. Segundo Paiva (2003, p. 56),
“com a intensificação do senso comum de que não se aprende língua estrangeira
nas escolas regulares”, tais cursos atenderiam às aspirações linguísticas das
camadas mais ricas de nossa sociedade, cabendo ao cidadão comum das classes
mais pobres uma educação monolíngue. A língua estrangeira apresentava-se,
52
então, como item desnecessário para a formação como cidadão, reafirmando,
assim, o caráter elitista que o ensino de línguas estrangeiras tem trilhado no Brasil.
Corrobora, ainda, a percepção da irrelevância do ensino de LE a publicação
de outra LDB, em 1971, que reduzia o tempo de estudo de 12 para 11 anos,
distribuídos em oito anos no 1.º Grau e em três anos no 2.º Grau. Além dessa
redução dos anos escolares prejudicou mais uma vez o ensino de língua inglesa um
parecer do Conselho Federal que dizia que a língua estrangeira seria ministrada a
“título de acréscimo” e dada de acordo com as condições do estabelecimento. Com
essa prerrogativa, respaldadas pela lei, muitas escolas aboliram o ensino de idiomas
do 1.º Grau e reduziram as aulas de modo a cumprir apenas carga mínima no 2.º
Grau.
Recomenda-se que em Comunicação e Expressão, a título de acréscimo, se inclua uma Língua Estrangeira Moderna, quando tenha o estabelecimento condições para ministrá-la com eficiência. (BRASIL. Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, Art. 7)
Em 12 de novembro do mesmo ano, 1971, faz-se ainda uma justificativa
dessa decisão, redigida da seguinte maneira no parecer 853/71:
Não subestimamos a importância crescente que assumem os idiomas no mundo de hoje, que se apequena, mas também não ignoramos a circunstância de que, na maioria de nossas escolas, o seu ensino é feito sem um mínimo de eficácia. Para sublinhar aquela importância, indicamos expressamente a "língua estrangeira moderna" e, para levar em conta esta realidade, fizêmo-la (sic) a título de recomendação, não de obrigatoriedade, e sob as condições de autenticidade que se impõem. (Apud CHAGAS, 1993, p. 399)
No parecer acima, o autor, apesar de perceber a importância dos idiomas na
sociedade da época, julgou que devido à realidade que apontava a precariedade do
ensino de idiomas, o ensino de LEs não poderia ser obrigatório, dando a este um
caráter opcional e dispensável. Tal parecer fundamentou-se única e exclusivamente
em interpretações de ordem pessoal, uma vez que não foram apresentados dados
ou pesquisas que comprovassem a precariedade do ensino de LE tampouco que
reconhecessem o sucesso do ensino de outras matérias do currículo.
Podemos observar os questionamentos sobre o papel do estado em Paiva
(2003, p. 58-59):
53
É, também, interessante observar como o legislador, sem se apoiar em nenhuma pesquisa, conclui que o ensino de línguas estrangeiras é ineficaz na maioria das escolas, deixando no não-dito a pressuposição de que as outras disciplinas atingem seus objetivos satisfatoriamente. Seria a escola a única responsável pela ineficácia do ensino ou a legislação também teria sua parcela de culpa?
A situação do ensino de LE como opcional e a diminuição de carga horária
que chegava em alguns casos a uma aula semanal, além do status de atividade que
a matéria passou a ter em alguns estados brasileiros, agravaram ainda mais a
precariedade do ensino de idiomas no Brasil, principalmente nas escolas públicas,
aumentado a lacuna de possibilidades de aprendizagem de idiomas entre as
camadas da população mais pobres e as mais ricas.
No ano de 1996 foi sancionada a nova LDB, a qual substitui o 1.ºe 2.º Graus
por Ensino Fundamental e Médio, respectivamente, e estabeleceu a necessidade da
inclusão de uma LE no Ensino Fundamental a partir da 5.ª série. O Art. 26, § 5º,
dispõe que:
Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de novembro 1996, Art. 26)
Quanto ao Ensino Médio, o Art. 36, inciso III, estabelece que:
será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das possibilidades da instituição. (BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de novembro 1996, Art. 36)
Apesar de representar que o ensino de LE estava finalmente legitimado
dentro do currículo da educação básica no Brasil; em 1998, a publicação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Estrangeira (PCNs) para o Ensino
Fundamental apontou outra direção. É possível notar no documento a
desvalorização do ensino da habilidade oral à medida que ele pontua que “somente
uma parcela da população tem a oportunidade de usar línguas estrangeiras como
instrumento de comunicação oral”. Mais uma vez observamos que o ensino de
línguas não objetivava contemplar as classes sociais menos favorecidas e tornava-
54
se evidente a isenção do governo na implementação de políticas educacionais para
o ensino de idiomas no Brasil, uma vez que nesses documentos admitia-se a
precariedade do ensino de LE sem, em contrapartida, qualquer pronunciamento,
comprometimento para a reversão do quadro.
Esse cenário, que restringia o ensino de idiomas à leitura e à gramática,
tornou-se inaceitável quando o mundo já vivia momentos de globalização e a
comunicação entre as pessoas das mais remotas partes de nosso planeta vinha se
dando através do inglês, que já era ensinado como LE em diversos países do
mundo. Podemos atestar, então, que devido às reduções aplicadas ao ensino de
idiomas, as classes populares não teriam acesso à comunicação em língua
estrangeira e teriam maior dificuldade para se situarem como atores no processo de
globalização, linguisticamente mediado pela língua inglesa.
Atentamo-nos para a desqualificação que o ensino de LE vem sofrendo ao
longo dos anos também quando nos deparamos com a implementação do ENEM,
Exame Nacional do Ensino Médio, no ano de 1998, e com a ausência das línguas
estrangeiras nesse instrumento avaliativo aferidor da qualidade do ensino médio
brasileiro. Convém ressaltar que apenas no ano de 2010 o ENEM passou a avaliar o
conhecimento de LE.
Apreendemos a trajetória de adversidades e reveses que o ensino de LE tem
enfrentado no Brasil quando constatamos que o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), que iniciou suas atividades de distribuição de material didático no
ano de 1929, então com outra denominação, passou a inserir o material de inglês no
rol dos livros distribuídos em todo o território nacional também apenas no ano de
2010.
A segunda, resolução CD FNDE nº. 60, de 20/11/2009, estabelece novas regras para participação no PNLD: a partir de 2010, as redes públicas de ensino e as escolas federais devem aderir ao programa para receber os livros didáticos. A resolução 60 inclui ainda as escolas de ensino médio no âmbito de atendimento do PNLD, além de adicionar a língua estrangeira (com livros de inglês ou de espanhol) aos componentes curriculares distribuídos aos alunos de 6º ao 9º ano. Para o ensino médio, também foi adicionado o componente curricular língua estrangeira (com livros de inglês e de espanhol), além dos livros de filosofia e sociologia (em volume único e consumível). (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO/FNDE)
55
Certificamo-nos através do histórico do ensino de língua inglesa no Brasil que
estamos apenas principiando a implementação de políticas para o ensino de idiomas
em nosso país. Essa preocupação com a implementação de políticas eficazes para
línguas estrangeiras deu-se apenas quando passamos a vivenciar uma conjuntura
na qual não se poderia mais ignorar a necessidade do ensino de inglês no Brasil e,
nesse sentido, medidas norteadoras para um ensino mais profícuo de língua inglesa
têm sido tomadas. Porém, tais medidas ainda apresentam uma trajetória bastante
longa a ser percorrida, em que aparece a inscrição em língua outra, mediada pela
escola pública, como um objetivo distante.
Partindo da retomada do percurso do ensino de LI no Brasil, conhecendo
todos os objetivos de sua implantação, percalços e principalmente as posições de
desprestígio atribuídas ao ensino da língua inglesa, podemos melhor desenvolver a
análise de nosso corpus e compreender a relação do SA e sua historicidade com a
língua inglesa e o LD, objeto de nosso estudo e cuja trajetória pesquisaremos a
seguir.
2.2 Percurso do Livro Didático de Língua Inglesa no Brasil
Nesta segunda parte, fazemos uma incursão na história do LDLI, situando-o
no contexto do ensino de inglês no Brasil, e propomos uma reflexão sobre a adoção
maciça do LDLI na educação brasileira. Aqui, avançamos na compreensão de sua
importância numa sociedade em que a precária formação docente o conduz a uma
função bastante significativa, sendo assumido como norteador das práticas
pedagógicas de sala de aula, como uma autoridade superior ao professor e à
instituição de ensino. Segundo Coracini (1999, p. 23), que postula e dá exemplos
sobre a autoridade exercida pelo LD no cenário da educação brasileira,
Para os professores “fiéis”, o livro didático funciona como uma Bíblia, palavra inquestionável, monumento, como lembra Souza (1995), analisando o livro didático como Foucault analisa o documento histórico: a verdade aí está contida; o saber sobre a língua e sobre o assunto a ser aprendido aí se encontra. Desse modo, as perguntas, sempre “bem” formuladas, evidentemente, só podem ser respondidas de acordo com o livro do professor, de tal maneira que o professor raramente se dá conta quando uma pergunta não foi bem formulada (cf. Coracini, 1995), dificultando a obtenção da resposta “certa”, determinada pelo autor do livro didático; este,
56
autoridade reconhecida, carregaria, então, a aura da verdade, da neutralidade, do saber.
A compreensão do percurso do LDLI tem valor considerável para nossos
estudos, pois esse conhecimento aliado ao estudo de suas representações junto ao
professor e ao as, auxilia-nos no entendimento da relação do LDLI com o ensino de
língua inglesa ao longo dos anos e torna possível uma percepção mais acurada do
papel que lhe é conferido na sociedade atual, assim como das situações de
silenciamento impostas ao SA quando da apreensão da LA.
Vale refazer uma descrição cronológica dos caminhos trilhados pelo LDLI no
Brasil para melhor compreensão dos efeitos de sentido e das questões de censura
que encontramos em nosso corpus.
A educação no Brasil dos séculos XVI, XVII e XVIII era exercida pelos
jesuítas. Eles, então, eram os responsáveis pela introdução do material didático
utilizado nas situações educacionais no Brasil colônia. Segundo Castro (2005), data
do ano de 1593 a encomenda de livros a Lisboa, feita pelo Padre João Vicente Yate;
livros esses escritos em idiomas estrangeiros, principalmente em inglês e espanhol.
Portugal, por razões políticas, não permitia a existência de tipografias ou qualquer
tipo de impressão em território nacional; além disso, os livros europeus eram
bastante respeitados perante a sociedade da época. Essa prática permaneceu até o
século XIX, com a chegada da família real ao Brasil e consequente instalação da
Imprensa Régia na cidade do Rio de Janeiro no ano de 1808.
No final do século XVIII, entre os anos de 1751 e 1777, vários livros para o
ensino de inglês para portugueses foram produzidos em Londres. Dentre eles
destacamos: Gramática anglo-lusitana Ɛ Lusitano-Anglica de autoria de Jacob de
Castro, com segunda edição publicada em 1751, que também utilizada no Brasil.
Encontramos também outros títulos do mesmo autor como a Grammática Nova,
Ingleza e Portugueza e Portugeza e Ingleza, a qual era utilizada para instruir tanto
os portugueses no idioma inglês quanto os ingleses no idioma português, publicado
em 1777 em Londres para o mercado.
57
Cabe destacar que a gramática tem desempenhado papel fundamental nas
relações humanas, pois é um elemento de tecnologia da linguagem, favorecendo e
atribuindo significado ao discurso. Devido ao caráter fundante da gramática, o
ensino de línguas estrangeiras em seus primórdios, pautou-se em seu ensino.
No Brasil, a edição de livros para o ensino de inglês iniciou-se no século XIX
com a publicação, em 1820, do livro Compendio de Grammatica ingleza e
portugueza para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras, de autoria de
Manoel José de Freitas. Observamos no prólogo transcrito abaixo como o principal
objetivo para o ensino de LI já se estabelecia pela utilidade da língua como
instrumento de negócios.
Animado pois por um coração liberal, resolvi preparar este Compêndio considerando o tráfico e as relações comerciais da nação portuguesa com a inglesa, e a falta de um Compêndio da Gramática de ambas, para iniciar e facilitar a mocidade ao uso das suas línguas, com a clareza, justeza e simplicidade possível; e penso que os pais de família, desejosos de melhor conhecimento, e, em parte, de mais civil e moral educação para seus filhos, aprovarão este meu desígnio.
10 (Apud ARRIADA; STANDER FARIA, 2008,
p. 62)
Ainda no século XIX, entre os anos 1841 e 1871, vários outros livros para o
ensino de inglês foram escritos e publicados no Brasil. Dentre eles destacamos:
Primeiras Regras da Lingua inglesa, de 1841; Compendio da Grammatica ingleza,
de 1862, escrito por Raphael Galanti; Selecta Anglo-americana11, de 1870, escrita
pelo Dr. Motta Azevedo; e Systema Pratico e Theorico para Aprender a Ler,
Escrever e Falar com Toda a Perfeição a Lingua Ingleza em 50 Lições conforme o
methodo de Ollendorff, de 1871, escrito por Nicoláo James Tolstadius.
O Colégio Pedro II, como pioneiro no ensino de línguas vivas no Brasil, seguia
o padrão das instituições de ensino francesas. Entre os anos de 1855 e 1858, devido
à reforma do ensino ocorrida em 1855, a instituição estabeleceu a adoção, para o
ensino de inglês, dos livros abaixo citados. As aulas de inglês ocorriam do segundo
10
Compendio da grammatica ingleza e portugueza. Para uso da mocidade adiantada nas primeiras letras. Composta por Manoel José de Freitas. Rio de Janeiro. Imprensa Régia, 1820, 102 p. 11
Cf. A ESCOLA: REVISTA DE EDUCAÇÃO EM ENSINO, n. 13, anno II, 1878. Disponível em: <http://memoria.bn.br/pdf/351199/per351199_1878_00013.pdf>. Acesso em: 27 mar 2015.
58
ao quarto ano, nos Estudos de Primeira Classe, ciclo básico de ensino, segundo
Vechia & Lorenz (1998, p. 28-33).
- Segundo ano Grammatica Ingleza (sem identificar o autor) e History of Rome, de Goldsmith; - Terceiro ano Grammatica Ingleza, Class-Book, autoria de Blair e History of Rome, de Goldsmith; - Quarto ano os alunos eram orientados a continuar a fazer as versões de autores Latinos e também avançar com o livro Class-Book, autoria de Blair.
No ano de 1857, pelo decreto nº 2006, de 24 de outubro, estabeleceu-se que os
Estudos de Primeira Classe, a partir daí chamados de Curso Especial, fossem ampliados de
quatro para cinco anos e no programa de ensino para Língua Inglesa, de 1858, o material
didático a ser adotado seria assim distribuído segundo Vechia & Lorenz (1998, p. 42-49):
SEGUNDO ANO: Compreendendo a gramática, leitura e versão fácil. Livro: Robertson. - Curso de Língua Ingleza (Tradução do Dr. Russel) TERCEIRO ANO: Versão mais difícil, themas. Livro: Goldsmith, History of Rome: do Cap. 19 p. 183 até pág. 252. (Edição de Paris) QUARTO ANO: versão, themas. Livro: BLAIR. Class Book. (mezes de Maio a Junho.). QUINTO ANO: composição, conversa, aperfeiçoamento do estudo da língua. Livro de Blair. Class Book (mezes de Julho a Agosto).
Muitos livros e compêndios para o ensino de idiomas foram publicados entre os
anos 1880 e 1940, através de reedições de obras prestigiadas, como a Grammatica
Pratica da Lingua Ingleza de Filippe Maria da Motta d’Azevedo Correa, em sua 8.ª
Edição, no ano de 1890, e o Compêndio de Grammatica Ingleza de autoria do Padre
Raphael M. Galanti, em sua 5.ª Edição, no ano de 1913.
59
Figura 1. Livro de Motta Azevedo Figura 2. Livro de Raphael Galanti
Fonte: Acervo da autora Fonte: Acervo da autora
Como exemplificam essas obras, o método de ensino de idiomas Gramática e
Tradução era a abordagem mais amplamente utilizada para o ensino de inglês no
Brasil no final do século XIX e início do século XX. Os LDLIs então adotados, apesar
de terem como base esse método efetivamente tradicional, apresentavam uma
“evidente tentativa de tornar o ensino de línguas mais próximo da realidade do
aluno”, segundo Paiva (2009, p. 22), apresentando, por exemplo, listas de palavras e
frases com enunciados coloquiais.
Encontramos neste segmento o livro A Gramática da língua Inglesa, publicado
pela primeira vez em 1880, alcançando a 34.ª edição em 1949. Dentre os livros
bastante utilizados na década de 1930, destacamos o Novíssimo Methodo da Língua
Inglesa de autoria desconhecida, publicado em 1931 pela Livraria Francisco Alves; e
Lingua Ingleza Primeiro Methodo, de 1933, publicado pela FTD e Livraria Paulo
Azevedo & C., sem identificação de autoria. Já no ano de 1936, é publicada a
primeira edição do livro The English Gymnasial Grammar, que foi amplamente
adotado em todo o território nacional, como consta da edição de 1937. Esse livro
teve um caráter inovador no mercado de livros para o ensino de inglês no Brasil,
60
pois apresentava transcrições fonéticas nas listas de vocabulário. Nas palavras de
Paiva (2009, p. 24), o livro apesar de apresentar como base a gramática e tradução,
já manifestava alguma atenção ao “discurso oral”, incluindo a “dimensão fonológica”.
Gradualmente surgem materiais que passam a observar a língua, ainda
segundo Paiva (2009, p.24), sob a ótica da “comunicação e como veículo de práticas
sociais diversas, da conversa à manifestação estética”, como o livro An English
Method, do Padre Julio Albino Pinheiro, publicado em Coimbra em 1930, adotado
pelo Colégio Pedro II.
Entre as décadas de 1940 e 1960, os livros para ensino de idiomas
começaram a enfatizar a língua falada e muitos apoiavam-se no Método Direto,
abordagem que preconizava o ensino de línguas estrangeiras com caráter
eminentemente prático. A língua deveria ser ensinada na LA e as regras gramaticais
deveriam ser suprimidas elas apareceriam ao final da sequência didática de forma
indutiva. Essa forma de ensinar mostrava-se bastante inovadora e privilegiava a
oralidade. O livro importado que melhor caracterizava esse período é a coleção
Essential English for Foreign Students, de Eckersley, publicado pela editora
Longman em 1938, utilizado em todo o mundo. Segundo o autor, o objetivo do livro
era “o ensino sólido tanto do inglês falado como do escrito” (ECKERSLEY, 1958). No
Brasil, os livros de João Fonseca Spoken English, de 1955, e o sequente New
Spoken English, de 1967, foram bastante utilizados nas décadas de 1950 e 1960.
O Audiolinguismo como metodologia para o ensino de idiomas ocupou espaço
de destaque entre os anos de 1950 e 1980. Desde os anos 1950, em muitos países
do mundo já se ensinava idiomas com base em uma nova metodologia, o
Audiolinguismo, que tinha como aportes teóricos o behaviorismo, como preconizado
por Skinner, e a linguística estrutural. Esse método tomava o ensino de línguas
como um processo de condicionamento, de acordo com o qual os alunos deveriam
memorizar as estruturas linguísticas através de exercícios orais de repetição, os
drills, que muito caracterizavam essa metodologia. As aulas sempre eram dadas na
LA, não eram admitidas traduções. O livro mais utilizado com base na metodologia
audiolingual ou áudio-oral foi New Concept English de L.G. Alexander, de 1967, que
61
vinha acompanhado de fitas gravadas com drills e diálogos para que os alunos
praticassem.
No Brasil, a abordagem áudio-oral surgiu no final dos anos 1960,
primeiramente com livros importados, como o English 900, de 1964, e o New
Concept English, de 1967. Já nos anos 1970 surgem no Brasil os materiais
audiovisuais da Editora Didier, lançados pela editora Ao Livro Técnico, que
conferiam tamanha importância à oralidade que os textos escritos eram cobertos por
uma máscara para que o aluno desenvolvesse primeiramente a oralidade, pois havia
a crença de que o desenvolvimento da habilidade leitora ou escritora prejudicaria o
desenvolvimento da oralidade.
Ainda na década de 1970 assistimos ao surgimento e à expansão de algumas
franquias para o ensino de idiomas, como a rede carioca CCAA, cujo método
baseava-se integralmente na metodologia Audiolingual/Audiovisual. Os livros dessa
rede de escolas foram desenvolvidos seguindo todos as etapas previstas pelo
Método Áudio-oral; aulas ministradas em inglês, proibição de traduções, máscara
para ocultar o texto e a orientação de memorização de todos os diálogos propostos
nas unidades.
À medida que livros importados preconizadores de uma nova metodologia
comunicativa aportavam no Brasil, os livros com base no Método Áudio-oral
passaram a ser vistos como inadequados, pois levavam o aluno à repetição da
língua e não à comunicação, reflexão e autonomia como proposto pelos novos
materiais.
Sempre nos atentamos para uma zona híbrida quando do surgimento de uma
nova abordagem metodológica para o ensino de línguas estrangeiras. Verificamos
esse hibridismo no livro New Horizons in English, de 1973, ainda com abordagem
áudio-oral, porém com orientação para uma metodologia mais centrada em uma
abordagem funcional do ensino-aprendizagem de LE, para a qual o foco não se
encontra na aprendizagem da língua em si, mas em sua função, em suas
habilidades pragmáticas, destacando-se o uso mais significativo da língua. Segundo
62
Paiva (2009, p. 35), apesar de as atividades seguirem um padrão bastante estrutural
e controlado, nota-se que o livro busca uma forma mais próxima do cotidiano do
aluno, propondo exercícios com base nas funções da linguagem, tais como:
expressar opiniões, dar e receber informações, já prenunciando as abordagens
comunicativas que se consolidariam nos anos 1980 e 1990.
Surge então em 1977 a série Strategies para o ensino de inglês, seguindo
uma abordagem funcional do ensino de línguas estrangeiras, para o qual, segundo
Paiva (2009, p. 42), “o conceito de língua é o de língua como comunicação”. O
caminho estava então aberto para uma nova forma de ensinar idiomas, a
comunicação através das interações discursivas.
No Brasil, nessa época, a produção de livros didáticos para o ensino de inglês
se proliferava. O autor de maior relevância nos anos 1970 é Amadeu Marques, cujos
livros para o então 1.º e 2.º Graus e para o cursinho pré-vestibular eram bastante
utilizados em todo o território nacional. English foi sua primeira série de três livros
para o 2.º Grau, em seguida, o autor publicou Time for English, English for Life e
Reading Texts in English, todos com foco na habilidade leitora e nos exames
vestibulares.
A partir do final dos anos 1970, começam a surgir alguns livros com base no
método de abordagem comunicativa.
A abordagem comunicativa12 para o ensino de línguas estrangeiras baseia-se
na ideia de que se aprende melhor uma língua estrangeira se as atividades
efetuadas durante o processo de aprendizagem tiverem um significado real. A
abordagem comunicativa acredita que através do uso de material autêntico, de
lições centradas no SA e da ênfase na comunicação real e significativa, o SA será
capaz de fazer uso de suas estratégias naturais para a aprendizagem da LE, que
possibilitarão sua inserção na LA com maior fluidez. De acordo com Almeida Filho
(2003, p. 26),
12
Cf. “Communicative approach”. TEACHING ENGLISH. Disponível em <http://www.teachingenglish. org.uk/knowledge-database/communicative-approach>. Acesso em: 18 de nov 2015.
63
O ensino comunicativo trouxe conceitos de ensinar e aprender línguas calcados na interação e negociação dos sentidos em torno de assuntos ou temas de relevância e interesse dos aprendizes assim como a subscrição de um certo conceito de linguagem como ação social e não mais como um conjunto de blocos linguísticos bem descritos por métodos científicos rigorosos.
Com a expansão do ensino de Inglês em todo o mundo, alavancado pelo
poderio socioeconômico dos Estados Unidos, os LDs para o ensino de inglês
continuaram a ter aplicação global e passaram a disponibilizar também as novas
mídias que surgiam no mercado tais como vídeos e material de laboratório. Nesse
sentido encontramos séries com Streamline, de 1978, e In Touch.de 1979.
Amadeu Marques continua como autor de grande destaque com lançamento
de coleções muito bem-sucedidas no mercado de LDs. A série para o 2.º Grau
Password, de 1989, com várias reedições na década seguinte foi um sucesso de
vendas em todo o território nacional. Estava assim consolidado o mercado de
publicação de LDs de inglês para a educação básica no Brasil escrito por autores
brasileiros.
No final da década de 1980, começam a surgir no Brasil os primeiros livros de
Inglês para Fins Específicos, como o livro Inglês Instrumental de Reinildes Dias,
lançado em 1988, mostrando uma tendência de desenvolvimento de cursos de
inglês para grupos específicos.
As novas tecnologias de informação e comunicação também se mostraram
importantes no mercado editorial de LD para o ensino de inglês, com várias séries
apresentando uma grande diversidade de mídias para o ensino de idiomas. Os LDs
passaram então a compor sistemas que integravam livros-texto e livros de
atividades, livro do professor, material de áudio, vídeo, CD-ROMs, material para
lousa interativa e plataformas de atividades online para complementar o
aprendizado. São também disponibilizadas pelas editoras ferramentas para uso do
professor como suporte online. Ressaltamos que com todas essas ferramentas as
editoras têm total controle de todo o processo de ensino-aprendizagem,
evidenciando a fragilidade do papel do professor, que se torna coadjuvante ao ser
conduzido pelo livro e por todo o sistema de ensino que o acompanha. Os sistemas
64
internacionalmente usados que ilustram com clareza esse segmento são as séries
Interchange, da editora Cambridge, English Files e Headway, da Editora Oxford.
No Brasil, o ensino de idiomas na educação pública continuava sem a
utilização de material didático e apenas no ano de 2011, 82 anos após o início da
distribuição de LDs pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), iniciou-se a
distribuição de LDs de língua estrangeira, como observamos no texto extraído do
site da Fundação Nacional do Livro Didático13.
Em 2011, o FNDE adquiriu e distribuiu integralmente livros para o ensino médio, inclusive na modalidade Educação de Jovens e Adultos. O material será utilizado inicialmente em 2012. Pela primeira vez, os alunos desse segmento receberam livros de língua estrangeira (inglês e espanhol) e livros de filosofia e sociologia (volumes únicos e consumíveis). (grifo nosso)
Os LDLIs selecionados pela FNLD para o ano de 2012 foram os seguintes:
English for All, Freeway, Globetrekker, On Stage, Take Over e Upgrade.
Com base nos títulos das obras acima citadas apontamos os sentidos
constituídos a partir da análise da materialidade linguística.
English for All, Inglês para Todos, o título nos remete à demanda urgente,
finalmente detectada pelo governo federal, de universalizar o ensino de inglês no
Brasil, dada a grande demanda pela língua inglesa do cidadão brasileiro comum. A
13
FUNDAÇÃO NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/ programas/livro-didatico/livro-didatico-historico>. Acesso em: 14 abr 2015.
Figura 3.Capa do livro English for all
Fonte: http://www.livralivro.com.br/books/show/433013
Figura 4. Logomarca do governo brasileiro 2003-2011
Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Brazilian _ Go vernment%27s_logo
Fonte:
65
partir da expansão das novas tecnologias de entretenimento, educação e
comunicação, muitos brasileiros viram-se isolados linguisticamente e impedidos de
participar de interações que careciam do uso da língua inglesa, despertando para a
imprescindibilidade da LE como ponto basilar para participação, em esfera global,
em atividades sociais, de entretenimento, culturais e de educação; citando alguns
exemplos: jogos online, redes sociais, filmes e programas estrangeiros.
Outro aspecto que podemos identificar, a partir do título da obra, é sua
correspondência com o slogan já adotado pelo governo federal: “Brasil, um país para
todos”. Nesta perspectiva, apontamos para questões ideológicas da editora, que
busca alinhar seu material didático com os princípios do governo federal, adquirente
da obra para distribuição em escala nacional.
Na obra Freeway, Autoestrada, mas também free way, caminho livre, maneira
livre, o LD apresenta-se como condutor do aluno pelos caminhos que o levarão à
conquista da língua que almeja. Percebemos nas fotos na capa do LD que as
autoestradas se encontram totalmente desimpedidas de obstáculos, o caminho está
livre para o aluno adquirir a língua inglesa e avançar em seus objetivos.
Figura 5. Capa do livro Freeway
Fonte:http://www.modernadigital.com.br/pnld2012/conheca-asobras.php?d=10&c=1
66
O livro Globetrekker, Viajante Global, faz referência à ideia de que a língua
inglesa é passaporte para o mundo. Numa fase da vida estudantil, o ensino médio,
em que o aluno poderá alçar voos, em que sua vida poderá tomar novos rumos
(maioridade, emprego, universidade), a língua inglesa apresenta-se como
possibilidade de ganhar não apenas novas oportunidades, mas o mundo todo, o que
evidencia o protagonismo do inglês nas relações globais. Reforçando a ideia
lançada pelo título, as imagens mostram meios de transporte que podem levar o SA
para longe, para novas experiências, para o desconhecido e o novo que virão
juntamente com a aprendizagem da LE.
Figura 6. Capa dos livros Globetrekker
Fonte: http://lista.mercadolivre.com.br/livros-ensino-linguas/ingles/livro%3A-globetrekker-
ingl %C3%AAs-para-o-ensino-m%C3%A9dio-vol.-3
Figura 7. Capa do livro On Stage 2
Fonte: http://www.amadeumarques.com.br/on-stage
67
O livro On Stage, No Palco, faz em seu título uma menção ao protagonismo do
SA ou da própria língua inglesa no contexto atual. Em destaque, encontramos um
trecho do monólogo, “All the world is a stage”, “Todo o mundo é um palco”, Ato II,
Cena VII da peça “As you like it”, “Do jeito que você gosta”. Segue o trecho
apresentado pelo autor:
Todo o mundo é um palco,
E todos os homens e mulheres são meros atores.
Eles têm suas saídas e suas entradas;
E um homem em seu tempo desempenha muitos papéis.
O trecho do monólogo remete à grandiosidade do mundo frente aos seres
humanos, meros atores que participam de formas diferentes e desempenham muitos
papéis durante sua existência. Sendo esta estrofe parte de uma peça do maior
dramaturgo de língua inglesa, reforça o caráter cultural que o autor deseja facultar
do LD, uma vez que sua capa relaciona-se à dramaturgia inglesa. Inferimos,
também, que é necessário aprender inglês para participar deste protagonismo que o
inglês tem desempenhado desde épocas shakespereanas.
Figura 8. Capa do livro Figura 9.Capa do livro Figura 10. Capa do livro
Fonte: http://www.escalaeducacional.com.br/pnld2015/take-over
A série de livros para o ensino médio Take Over, Assumir o Controle, é a
única, das seis obras selecionadas para distribuição pelo PNLD para o ano de 2012,
aprovada também no ano de 2015. Seu título expresssa a ideia de tomar, alcançar,
68
adquirir o domínio, a vontade, a lideraça. Esses dizeres encontram-se intensificados
pelas imagens que remetem ao esforço para obtenção de resultados, reforçando a
ideia de que as conquistas não são atingidas facilmente. Podemos inferir a partir do
título e das imagens que o SA é convocado a tomar o controle de seu processo de
aprendizagem, sabendo, todavia, que será necessário esforçar-se para obter
resultados. É possível também apreendermos que a língua inglesa leva ao sucesso,
ao topo. O SA caminhando, mas sabendo dos desafios que encontrará pelo
caminho, atingirá seus objetivos, a língua inglesa.
A tradução da palavra upgrade como atualização é senso comum em
decorrência dos inúmeros equipamentos e aplicativos em que precisamos
regularmente “fazer um upgrade”. Entretanto, a tradução de upgrade também
encontra significado em “melhorar”, “aprimorar”. É presumível que a editora (o livro é
uma obra coletiva) tenha tomado como base a ideia que temos de upgrade, como
atualização para reforçar o conceito de novo, reciclado, moderno; concepção que
desperta o desejo do professor e do SA, visto que, como lembra Eckert-Hoff (2008,
p. 84), em nossa sociedade, somos atraídos pelo novo: “a questão mercadológica do
novo, novos produtos, novos métodos, novas tecnologias, que, na busca do ideal,
incitam o sujeito-professor a descartar o velho e a fundar um novo fazer.” Sob essa
ótica, o professor sente-se atraído pela possibilidade de oferecer a seus SAs uma
inovação e, sob essa ilusão do novo, tornar melhor o ensino-aprendizagem do
inglês.
Figura 11. Capa do livro Upgrade
Fonte: http://www.saraiva.com.br/upgrade-your-
english-livro-do-aluno-2-cd-rom-4292264.html
69
Ainda sobre a escolha das obras acima citadas, destacamos que a equipe
que selecionou os LDs a serem distribuídos para o ensino médio em todo o território
nacional foi composta por professores de diversas universidades e institutos
tecnológicos brasileiros, mas liderados tecnicamente pelo grupo da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e Universidade Federal Fluminense (UFF). Os
princípios norteadores para a escolha de tais livros foram primordialmente as
práticas discursivas e o uso da língua como atividade social e política, como
observamos no trecho extraído do Guia de Livros Didáticos PNLD 2012:
O edital do PNLD 2012 Ensino Médio, que contempla a parte específica das Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, registra um conjunto de preceitos organizadores da proposta de avaliação dos livros didáticos da área. Desse modo, o processo foi orientado pelo entendimento de linguagem como atividade social e política, que envolve concepções, valores e ideologias inerentes aos grupos sociais; atividade em permanente construção, por isso heterogênea e historicamente situada; prática discursiva, expressa por meio de manifestação verbal e não verbal e que se concretiza em diferentes línguas e culturas. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012, p. 10)
Ao analisarmos os livros escolhidos, é nítida a opção do foco na habilidade
leitora nos LDLIs pelo PNLD, sendo o desenvolvimento da prática oral apenas um
coadjuvante; o que aponta para um esvaziamento das práticas de interação da/na
LA, uma vez que a habilidade leitora, mesmo sendo construída pelo SA, propicia
menores possibilidades de interação nas situações discursivas de aulas de idiomas.
Outros elementos considerados pela equipe técnica na escolha dos LDLIs
para o ensino médio em 2012 foram a diversidade de gêneros de textos e o apoio ao
professor quando da elaboração da aula. Ainda segundo o Guia de Livros Didáticos
PNLD 2012: Língua Estrangeira Moderna (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2011, p.
11), notamos:
Todos esses critérios têm uma só direção: oferecer possibilidades para que o professor construa, com seu trabalho, caminhos que levem o ensino de língua estrangeira no ensino médio a fazer parte da formação de cidadãos.
A produção de LDLI na educação básica ainda continua sua expansão, como
o livro de 2010 de Amadeu Marques Inglês para o ENEM – Guia de estudo com
respostas e comentários. Podemos inferir que enquanto os livros com abordagem
comunicativa, no mercado internacional, preconizam a inserção do SA na LA através
70
de interações comunicativas significativas que conduzem à autonomia, observamos
que o livro brasileiro ainda favorece o preparo do aluno para provas e exames,
privilegiando a leitura, tornando-se secundárias a aprendizagem da língua
estrangeira de forma integral e as reflexões e consequentes deslocamentos que a
inserção em um outro idioma propiciam.
Ensina Coracini (1999, p. 42) que o LD deve ser visto à luz do momento:
Da mesma maneira, podemos postular que professores, alunos e livro didático são criação da história e do momento sócio-político em que vivemos. Se a escola e, através dela, o livro didático parecem colaborar para a manutenção de tal ideologia, homogeneizando, disciplinando, uniformizando o que é constitutivamente heterogêneo, complexo, conflituoso, difuso – o discurso, a aprendizagem, o sujeito (...)
Através do estudo da trajetória do LD, compreendemos como o professor, o
SA e a escola desenvolvem-se e interagem de acordo com o momento sócio-
político-econômico em que se encontram, sempre norteados pela ideologia que tem
como fim a manutenção do status quo em nossa sociedade.
71
CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CORPUS
A escolha de nosso corpus recaiu sobre o LDLI de nível avançado, Wise Up
volume 3, utilizado pela rede de ensino de idiomas Wise Up entre os anos de 2000 e
2005. Este LD integra uma série de três volumes. A decisão de analisar este
material se dá pelo desenvolvimento e apresentação de suas atividades didáticas,
que nos possibilitam elencar as situações de interdito, as quais se mostram nítidas
na materialidade do discurso.
Ressaltamos inicialmente que nosso estudo se faz com “gestos de
interpretação” que não são findos, uma vez que sempre encontramos diferentes
possibilidades de interpretação. Não há uma interpretação que seja una, definitiva;
sempre haverá espaço para outros olhares, em um processo contínuo de
significação a partir da historicidade e do inconsciente que atravessam e constituem
o sujeito, como nos ensina Orlandi (2013, p. 62):
Não se objetiva, nessa forma de análise, a exaustividade que chamamos horizontal, ou seja, em extensão, nem a completude ou exaustividade em relação ao objeto empírico. Ele é inesgotável. Isto porque, por definição, todo discurso se estabelece na relação com um discurso anterior e aponta para outro. Não há discurso fechado em si mesmo, mas um processo discursivo do qual se podem recortar e analisar estados diferentes.
Considerando o caráter heterogêneo do discurso e do sujeito, procuramos
apreender as relações do SA com o LDLI, através da análise das atividades para o
desenvolvimento da oralidade e da compreensão de textos, visto que as
oportunidades de constituição dos sentidos e de interdito de posicionamento são
mais evidentes nestes segmentos do livro. Temos na base de nossa análise o
funcionamento do silenciamento, a forma como ele opera na produção do discurso
que emana na/pela conjunção do intradiscurso com o interdiscurso.
Tecemos a interpretação também a partir das “regularidades discursivas”
(FOUCAULT, 1997, p. 43). As regularidades nos permitem verificar o que é
recorrente nos endereçamentos ao SA e nos enunciados das atividades didáticas.
72
São as marcas que se repetem na materialidade linguística do texto apontando para
o papel limitador do LDLI e o não lugar do professor e do SA.
Cabe ressaltar que o papel limitador do LDLI, corpus de nossa pesquisa, sobre
as atividades pedagógicas desenvolvidas em aula garante às instituições de ensino,
unidades franqueadas, a possibilidade de contar com docentes menos qualificados,
uma vez que todo o processo de aula encontra-se delimitado e controlado pelo LD.
A partir de situações didáticas previsíveis, evita-se a perda de controle sobre o
conteúdo desenvolvido em aula.
Consideramos as escolhas lexicais, os tempos verbais, o modo imperativo e
os pronomes interrogativos marcas regulares nos endereçamentos ao SA e nos
enunciados, evidências que nos conduzem à reflexão sobre o caráter injuntivo do LD
e nos permitem problematizar as questões de silenciamento.
Levantamos os pontos que conduzem ao silenciamento do SA através de
recortes de textos e atividades, ditas de compreensão, presentes no LDLI.
Analisamos, ainda, como se dão os mecanismos de cerceamento do acionamento
da memória discursiva presentes nas tarefas de interpretação de leitura. Por outro
lado, apontamos, também, as tentativas do LD no sentido de oferecer ao SA a
possibilidade de construção de sentidos em sua interação com a leitura.
Sob a mesma perspectiva discursiva, examinamos as propostas para as
atividades orais e compreendemos como elas podem censurar dizeres mais
profundos, estancando, assim, a oportunidade de reflexão, questionamento e
deslocamento pelo SA; quando, durante seu processo de inserção na LE, produz
apenas dizeres já estabelecidos pelo LDLI. Ressaltamos, todavia, que as
possibilidades de reflexão e posicionamento concedidas ao SA e presentes nas
atividades orais analisadas, também serão focalizadas.
O enquadramento dos recortes discursivos presentes no LDLI nos permite
investigar o modo como funciona o silenciamento dos sentidos, tão comum nos
LDLI, por nós também aqui identificado. Vale destacar que muito embora indique,
73
em seus endereçamentos iniciais ao professor e ao SA, que o livro foi elaborado
colaborativamente a partir de ideias advindas de várias partes do Brasil ainda assim,
o material14 reproduz o “regime da verdade”, dado seu caráter controlador dos
processos pedagógicos e dos atores presentes na aula de inglês, como observamos
no excerto15 abaixo:
Figura 12. Agradecimentos
Fonte: The Wise Up Series, vol 3, p. 6
É interessante observar nesse recorte a tentativa dos autores de
apresentarem o LD como uma construção coletiva, implicando, assim, um
entendimento de uma obra desenvolvida colaborativamente a ser partilhada por
todos. Em um primeiro momento, ressaltamos o fato de a construção do livro contar
com a colaboração de coordenadores, o que já demonstra uma visão vertical da
aplicação do LD, uma vez que não coube aos professores contribuir para a
elaboração do material. Ao percorrermos o LD e analisarmos o desenvolvimento das
atividades, percebemos que o livro em questão toma seu lugar de autoridade com
enunciados onde dita ao professor e ao aluno todos os caminhos que devem
percorrer. Reconhecemos nas atividades propostas a presença dos coordenadores
quando do cumprimento das etapas da aula. O LD apresenta-se como o “regime da
verdade”, detentor de um discurso que deve ser incontestavelmente seguido.
Ao tratarmos do LD desenvolvido para franquias de escolas de idiomas, como
o que compõe nosso corpus, constatamos que esse poder controlador se torna
ainda mais contundente, uma vez que as unidades franqueadas, os professores e os
alunos devem obrigatoriamente seguir todas as etapas da aula preconizadas pelo
livro. Vale ressaltar que nas franquias de idiomas há um sentimento de
pertencimento à determinada marca devido às representações que tal marca possa
14
BARRETO, S.; TANNÚS, M. The Wise Up Series, book 3. Rio de Janeiro: Wise Up, 2003. 15
Este livro tornou-se possível devido à dedicação de todos os coordenadores das Unidades Wise UP em todo o país, que ajudaram trazendo ideias, comentários e notas. (BARRETO; TANNÚS, 2003, p. 6, tradução nossa)
74
suscitar, como status ou prestígio. Isso posto, compreendemos que trilhar os
caminhos já marcados hierarquicamente pelo LD não provoca questionamentos,
pois a noção de pertencimento justifica a submissão ao controle do LD.
Dessa perspectiva, percebemos no enunciado dos exercícios propostos no
interior do LD que tanto o professor quanto o SA já encontram pré-determinados os
passos a serem percorridos no contexto da aula, no qual ambos se vigiam
mutuamente no cumprimento das atividades determinadas pelo LD, como exposto
na Figura 13. Tal prescrição gera uma tensão nas relações e na hierarquia da aula,
pois tanto o professor quanto o SA podem ocupar o papel de autoridade na sala de
aula, como mostrado a seguir.
Figura 13. Exercício Oral Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 112
Inicialmente, salientamos o uso da estrutura going to ask you a question, “vai
lhe fazer uma perguntar”16, demonstrando a intencionalidade do autor e o sentido de
comando para que tanto professores quanto SAs cumpram a atividade como
determinado pelo LD. Há uma situação de coerção e tensão entre os atores do
processo pedagógico. Podemos inferir que o LD opera no contexto pedagógico
como o pan-óptico de Foucault (1975), vigiando o SA e o professor mutuamente,
protagonizando o percurso do processo de ensino-aprendizagem.
É interessante refletir sobre o poder disciplinador do LD, especialmente no
que se refere à aplicação da metodologia por ele proposta. Particularmente,
encontramos nas relações de franquias de escolas de idiomas o LD exercendo
16
O professor vai lhe fazer uma pergunta. Não a responda, apenas reporte-a a seus colegas de classe. (tradução nossa)
75
poder, assegurando ao franqueador o controle da aplicação de sua metodologia,
homogeneizando todo o processo de ensino, estabelecendo as regras que
franqueados, SAs e professores acatam sem contestação, configurando uma
relação entre os atores da cena que reflete o pan-óptico, instaurando no contexto da
aula obrigações que devem ser cumpridas tanto pelo SA quanto pelo professor, pois,
como apresenta Coracini (1999, p. 38), encontramos no LD uma
relação entre as autoridades representadas pelo livro didático, responsáveis pela repartição do saber, e professores e alunos, que continuam sendo vigiados, controlados e punidos por toda a máquina do sistema escolar. O fato é que o LD parece funcionar, na sala de aula, como um panóptico (cf. Foucault, 1975), vigiando o professor – que, por sua vez, atua da mesma maneira sobre os alunos.
Destacamos no recorte 1417 o enunciado de um exercício para o
desenvolvimento da habilidade escritora no qual evidenciamos as marcas
determinantes do caráter controlador do LD.
Figura 14. Atividade de construção de uma estória
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 49
A instrução inicia-se com o propósito do autor em permitir que o SA
desenvolva a atividade de forma autônoma. O uso de going to make up, “vai criar”,
indica a intencionalidade do autor, e o verbo “criar”, por sua vez, remete a gerar,
inventar, demonstrando que o autor oferece autonomia ao SA, entretanto, o
enunciado segue com a conjunção adversativa, but, “mas”, definindo uma
17
Você vai criar uma estória. Mas você tem que seguir uma regra. As sentenças devem seguir um padrão: uma sentença no passado simples, uma sentença no passado contínuo, uma sentença no presente perfeito e uma sentença no passado perfeito. Nós começamos a estória para você: (tradução nossa)
76
contradição em relação à primeira frase, o que nos alerta para uma posição contrária
à autonomia anunciada. Seguindo o enunciado, encontramos uma série de verbos
modalizadores, pronome demonstrativo e substantivos que remetem à posição de
controle: “tem que”, “seguir”, “regra”, “deve”, “este”, padrão”. A questão de ordem e
obediência presente no exercício é bastante clara e encontra-se evidenciada pelo
uso dos modalizadores “tem que” e “deve” e do verbo “seguir”, respectivamente. Isto
é, apesar de o enunciado introduzir que o SA produzirá sua própria estória de forma
independente, na verdade ele seguirá as “regras” e os “padrões” propostos e
desenvolverá todas as etapas do exercício como foram detalhadamente expressas
pelo autor. O enunciado é marcado por um caráter injuntivo que reforça sua função
diretiva, não possibilitando que o SA exerça o protagonismo na aula. A atividade
também dissimula seu real objetivo: contemplar os aspectos gramaticais da língua.
A partir dos recortes mostrados, evidenciamos como o LD, mesmo
apresentando-se como um trabalho coletivo e horizontal, exerce seu poder nas
situações de ensino-aprendizagem de forma vertical, estabelecendo qual papel cada
um dos atores da aula deverá desempenhar, criando uma situação de submissão e
de vigilância mútua na aula de inglês tanto do SA quanto do professor
3.1 Descrição do Corpus e a Abordagem Metodológica “Lexical Approach”
Ao adotar uma perspectiva discursiva da linguagem, nossa pesquisa vale-se
da reflexão sobre o papel de autoridade do LDLI e as situações de interdito postas
em funcionamento nas aulas de LE. Buscamos investigar como o LD desempenha
esse papel cerceador assegurando para si o controle da aula. Nela, destaca-se o
papel coercitivo que o livro desempenha, e entende-se coerção segundo Duverger e
Stevenson (1955, p. 19), ou seja, como “todo elemento exterior aos indivíduos que,
sobre estes, exerce uma pressão no sentido da obediência aos governantes”.
Como já introduzido, nosso objeto de análise é o LD utilizado por uma
franquia de idiomas que tem entre seus pressupostos norteadores o ensino de inglês
de forma rápida, por meio de uma abordagem de ensino de língua estrangeira dita
inovadora, que, ainda segundo seus preceitos, nunca houvera sido empregada em
77
nosso país. Em suma, essa instituição aponta para a utilização de uma nova forma
de ensinar inglês.
Para balizar sua proposta, essa rede de escolas de inglês desenvolveu seu
próprio material didático. O corpus de nossa pesquisa, The Wise up Series, volume
três, nível avançado, é parte de um conjunto de três LDs, especialmente
desenvolvidos por brasileiros, para ensinar inglês para brasileiros adultos.
O livro é composto por 134 páginas, divididas em 12 unidades didáticas. O
livro dispõe também de quatro unidades de revisão de conteúdo, além de uma
atividade final de verificação de todo o conteúdo apresentado; uma espécie de
revisão geral, que contém atividades tanto orais quanto escritas. O LD finaliza com
uma lista de verbos irregulares. Essa disposição dos componentes do LD já define
uma abordagem de ensino de LE ancorada nos estudos da gramática
Figura 15. Capa do livro Wise up Series volume 3
Fonte: The Wise Up Series vol 3
Cabe uma tradução literal para o português do título de nosso corpus e da
instituição de ensino. A expressão wise up é uma gíria e significa “ficar esperto”. A
escolha da designação nos remete a um livro que pretende oferecer ao SA um
ensino não convencional, visto que se procurou para título um vocábulo que reforça
ainda mais a busca da instituição pelo moderno, despojado, por algo denotador de
um rompimento com o tradicional. Um outro ponto a ser elencado é a mensagem
para que o SA “fique esperto”, o que pode ser entendido como estar atento aos
outros cursos que podem lhe oferecer o idioma com uma metodologia que não
atenda a suas necessidades.
78
É interessante observar como a rede de ensino de idiomas produtora do
material didático em questão apresenta sua metodologia:
Recorte Linguístico. A metodologia da Wise Up para ensinar inglês rápido utiliza o recorte linguístico. Você aprende o inglês que realmente é falado no dia a dia. Por exemplo: no português, nossa língua nativa, aprendemos na escola a utilizar frases no pretérito mais-que-perfeito e outras regras gramaticais que não fazem parte do português coloquial, falado pelas pessoas no dia a dia. A Wise Up faz o mesmo com o inglês. Você aprende o vocabulário, as expressões e as regras gramaticais que realmente são utilizadas para se comunicar perfeitamente com um nativo. (WISE UP, 2015)
No excerto acima, constatamos o que a rede Wise Up preconiza sobre o
ensino da língua materna, discorrendo sobre quando aprendemos determinados
tempos verbais na escola, os quais, segundo a rede, não utilizamos em nosso
cotidiano. Entretanto, na sequência da defesa do ensino de inglês com foco na
língua coloquialmente utilizada, encontramos o trecho “A Wise Up faz o mesmo com
o inglês”, uma contradição, pois entende-se que o ensino de inglês na Wise Up
segue o mesmo padrão do ensino da língua materna na escola, ou seja, a língua
inglesa seria apresentada de forma tradicional.
Ressaltamos no recorte acima que a metodologia proposta sugere o ensino
de idiomas de forma fragmentada, assegurando que há partes da língua que não
são utilizadas no dia a dia dos falantes nativos, não considerando assim a
heterogeneidade do SA, que por ser clivado, descentrado e atravessado pelo
inconsciente, não poderá seguir um único caminho, não poderá ter um único rumo
traçado durante seu percurso na inserção na LE; obtendo apenas fragmentos da LA.
A partir da metodologia proposta e tendo o livro-texto como a ferramenta que
garantirá a aplicação do método segundo os padrões estabelecidos pelos autores, o
LD é apresentado como inovação no ensino de inglês, como podemos comprovar no
endereçamento introdutório de nosso corpus, pelo próprio presidente da rede de
ensino:
Caro aluno, Em nome de toda nossa equipe, desejo-lhe boas-vindas.
79
Apresento-lhe também o que há de mais moderno no ensino de idiomas. É com exclusividade que a Wise Up coloca em suas mãos The Wise Up Series, um novo material didático aliado a uma tecnologia de ensino voltada às necessidades de todo profissional que vive em um mundo globalizado e precisa aprender inglês com rapidez e eficácia. “Welcome to the Future”
18 –
Flávio Augusto/ Diretor Presidente (BARRETO; TANNÚS, 2003, p. 9)
Observamos que há uma preocupação do presidente da instituição em
ressaltar o caráter único, inovador e veloz que esse material traz para o contexto do
ensino de idiomas; como constatado pelo uso das palavras “moderno”,
“exclusividade”, “novo”, “rapidez”, “eficácia” e “future”, representando o que ainda
está por vir, o novo. A partir dessa reflexão, compreendemos que essa franquia e
seu material didático apresentam-se como uma nova opção no cenário de escolas
de idiomas, lançando novos paradigmas para a aprendizagem de LE.
Tal acepção sobre o “novo” remete a outros sentidos que não o do novo
excluindo o velho, pois “dada a concepção teórica por nós adotada, [isso] não é
possível, porque, o novo não está no que é dito, mas no acontecimento a sua volta”
(FOUCAULT, 1971, p. 26 apud ECKERT-HOFF, 2008, p. 82). À busca pelo “novo”
subjaz outra, a de uma inovação que conduza ao sucesso, à língua desejada de
forma mais eficiente, para o alcance da completude. Sendo constituído pela falta, o
SA então se lança por meios diversos à procura pela completude, com a ilusão de
que tudo funcionará de forma ideal.
Entendemos assim que o caráter inovador, como preconizado pelo presidente
da rede de ensino de idiomas nos endereçamentos iniciais do LD em questão,
precisaria ser evidenciado nas atividades propostas no interior do LD, o qual, como
temos percebido, mostra-se bastante tradicional na apresentação dos conteúdos e
no desenvolvimento das atividades didáticas.
Contudo, a concepção de novo – e a ilusão que carrega em seu significado –
seduz nossa sociedade, que é continuamente envolvida pelo desejo de inovação e
exclusividade. Tal sentimento leva a sociedade a acreditar em propostas ditas
modernas sem depositar sobre tais proposições um olhar crítico e reflexivo, como
podemos observar nas palavras de Eckert-Hoff (2008, p. 84):
18
Bem-vindo ao futuro (tradução nossa).
80
Esse discurso do novo faz parte de um imaginário construído historicamente. A historicidade remete-nos a momentos da história em que a marca do novo carrega um sentido fundador, constitutivo da formação do Brasil – em vista de sua colonização –, enquanto resultado de um sentimento de patriotismo movido pelo desejo de encontrar a pátria, mesmo que tendo que reconstrui-la em outro lugar, em que o novo marca a negação do pai primeiro.
Ainda sobre o texto com o endereçamento do presidente da rede de ensino,
destacamos o uso do termo “tecnologia de ensino” e refletimos sobre seu
significado. Não se tratando de ferramentas tecnológicas, “tecnologia de ensino”
mostra-se como uma referência a um LD inovador, remetendo ao sentido que a
palavra tecnologia invoca, associando-se ao novo, indicando que o curso será
desenvolvido sob um viés moderno. Aprendemos com Coracini (2006, p. 9) quando
postula sobre o discurso da modernidade e sua relação com o sujeito, que ele se
encontra:
comprometido com a globalização, que, por sua vez, se insere numa situação política capitalista, contribuindo fortemente para a proliferação de verdades com base em interesses – econômicos e mercantilistas – que fazem ver as novas tecnologias, resultantes das pesquisas científicas e por elas legitimadas, como a única alternativa para a construção de uma sociedade eficiente, “para além” da modernidade.
Nesse sentido, questionamo-nos a respeito do termo “tecnologia de ensino” e
o consideramos como um procedimento de persuasão, visto que as relações
tecnologia, inovação e moderno atraem o SA com a possibilidade da completude, de
alcançar o saber em língua inglesa como tanto deseja. Desta forma, a adesão do SA
à proposta da rede de ensino acontece sem a hesitação da dúvida.
A questão do novo, presente na proposta do LD, mostrou-se tão convincente
que se posicionou como um dos balizadores quando da venda da rede de escolas
de idiomas responsável pelo LD aqui pesquisado ao maior grupo editorial brasileiro
em 2013. Podemos comprovar, através de documentos19 elaborados pela editora
adquirente da rede de ensino de idiomas e destinados ao mercado financeiro, o
19
Cf. ABRIL EDUCAÇÃO. Aquisição da Wise Up, fev 2013. Disponível em: <http://ri.abrileducacao. com.br/ptbr/Apresentacoes/Documents/Aquisi%C3%A7%C3%A3o%2Wise%20Up%20%20Apresenta%C3%A7%C3%A3o%20Mercado%20FINAL%202.pdf>. Acesso em: 22 nov 2015.
81
poder que uma proposta de ensino, legitimada como inovadora, produz em toda a
sociedade.
A Wise Up, principal marca do Grupo, foi pioneira na formatação de cursos de menor duração, o que se tornou uma tendência no segmento. (ABRIL, 2013, p. 8) Sistema de Ensino Inovador Diferencia-se das escolas tradicionais de idiomas
Foi a primeira a oferecer cursos de curta duração padronizados (18 a 24 meses vs. média de 5 a 8 anos). (ABRIL, 2013, p.10)
Mais uma vez observamos a desconstrução do conceito positivo que a
palavra “tradicional” carrega e o uso exacerbado de palavras que caracterizam
inovação e mudança, tais como: “pioneira”, “tendência”, “inovador”, “diferencia-se” e
“primeira”, reforçando assim a posição de “novo” que está vinculada a esta rede e à
metodologia de ensino por ela utilizada. Entendemos que o apelo ao novo vai ao
encontro da busca pela completude que o SA empreende, evidenciando que o
acolhimento da proposta do grupo de ensino perante a opinião pública vincula-se ao
sentido do novo que a marca traz em seu conceito.
Vale ressaltar que a utilização do paradigma do “novo” mostra-se também como
uma estratégia de venda do curso, uma vez que o aluno compra, juntamente com o
curso, a possibilidade de estar adquirindo um bem moderno e revolucionário nunca
antes oferecido pelo mercado. Tal estratégia vende a ideia da vantagem que o SA
obtém ao se matricular nesta rede de ensino de inglês.
Consideramos que o dizer sobre o “novo” fomenta ilusões, visto que, como
explicita Coracini (1999, p. 21):
as editoras e autores de LDs, procurando agradar os destinatários, vão buscar as “novas” teorias sobre aprendizagem de ensino, argumentos que reforcem a qualidade do produto, sem, contudo, se preocuparem se estão criando algo de tão novo assim, pois sabemos que, ainda que aparentem se distanciar do já existente, é nele que se baseiam: o novo se constrói pelo retorno do já-dito (Foucault, 1971:28⁴ ); daí a constante frustração e consequentemente a eterna busca do “novo”.
82
Desenvolvendo esta reflexão sobre a ilusão do “novo”, é interessante
observar na atividade demonstrada a seguir, como o material apresenta as práticas
no contexto do ensino de idiomas. Vejamos:
Figura 16. Tabela para uso do Past Perfect
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 23
Percebemos, pela atividade proposta, que o LD foca o estudo da gramática
com forte apelo tradicional e que não se sobressai um viés contemporâneo na
abordagem do LD. A partir dessa reflexão, podemos inferir que o “novo”, como
proposto pelos autores do livro e pelo presidente da rede de idiomas, mostra-se
apenas como o tradicional, retomando antigas formas consolidadas de se ensinar
LE; com foco em unidades gramaticais, através de exercícios repetitivos.
Chamou-nos a atenção a marca linguística, previously listed, “previamente
listados”, presente no enunciado do exercício exposto na Figura 16 por seu caráter
prescritivo. O reforço de que apenas as lacunas em branco devem ser preenchidas
83
salienta a posição controladora do LD, pois, mesmo estando o exercício ancorado
pela figura que explica visualmente o enunciado, ainda assim o autor prescreve o
que deve ser feito, não admitindo deslizes.
Podemos observar na imagem a seguir, Figura 17, uma apresentação de
gramática em livro20 para o ensino de inglês para brasileiros editado no ano de 1913.
Nota-se alguma semelhança com o recorte mostrado na Figura 16, com foco na
explicação gramatical sobre tempos verbais.
Figura 17. Tabela de verbos
Fonte: Compêndio de Grammatica Inglesa pp. 74 e 75
Vale ressaltar que a metodologia para o ensino de línguas estrangeiras tem
se mostrado bastante dinâmica frente a métodos de ensino de outras matérias do
20
GALANTI, R. Compêndio de Grammatica Ingleza, Editora Espíndola & Comp., 1913.
84
currículo. Como já mencionado anteriormente, no Capítulo 2 de nossa pesquisa,
metodologias com propostas inovadoras para o ensino de línguas têm
sistematicamente atraído a atenção de estudiosos, professores e instituições de
ensino de LE, entretanto, como pudemos comprovar nas Figuras 16 e 17, exibidas
acima, o novo ainda mantém suas raízes em técnicas para o ensino de línguas que
datam do século XIX e início do século XX.
O ensino de inglês proposto em nosso corpus tem em seus pilares
metodológicos a Abordagem Lexical, cujos pressupostos foram concebidos pelo
inglês Michael Lewis e divulgados no ano de 1993 com a publicação do livro The
Lexical Approach.
Essa abordagem lexical concebe o falante nativo como possuidor de um
repositório de itens lexicais pré-fabricados prontos para serem rapidamente
utilizados. Essa prontidão do falante nativo no ato comunicativo mostra-se essencial
para que haja uma produção oral fluente. Segundo o autor, a fluência não depende
de conhecimentos gramaticais, mas sim de um rápido acesso a um estoque de
“lexical chunks” ou “formulaic language”21.
Sob esse enfoque, a aquisição de língua estrangeira também seria mais
profícua se o cerne da aula fosse o ensino-aprendizagem de itens lexicais. Nas
metodologias desenvolvidas até então, o foco mantinha-se na aprendizagem de
itens gramaticais; já sob a perspectiva lexical, a dicotomia gramática e vocabulário
tornaria-se falsa. Por muito tempo tem-se dado maior importância ao ensino de
gramática, tendo o vocabulário ocupado uma posição desprestigiada nos estudos
sobre a linguagem e o ensino de LE. Em contraposição, a abordagem lexical tem
como princípio fundador que a língua, nas próprias palavras de Lewis (1993, p. 89),
consiste em “lexos gramaticalizados e não em gramática lexicalizada”22. Noutros
termos, o léxico é basilar na constituição de sentidos e a gramática apresenta um
papel secundário na mobilização de significados.
21
Lexical chunks/ formulaic language são termos que dizem respeito à sequência de duas ou mais palavras que operam como se fossem uma unidade. 22
No original, “Language is grammaticalised lexis, not lexicalised grammar”.
85
É importante compreendermos a distinção entre vocabulário e léxico. Na
concepção adotada pelo autor; vocabulário são itens únicos, já léxico é
compreendido não apenas como palavras únicas, mas como combinações de
palavras de que os falantes dispõem e às quais ele têm acesso na enunciação.
A abordagem lexical tem como princípio a formulaic language, chunks,
“blocos”, que, quando combinados, produzem uma elocução coerente, sendo, por
isso, essenciais na criação de significados. Com base nessas premissas, Lewis
(1993) apresentou sua concepção dos itens lexicais que compõe a abordagem
lexical. São eles: palavras (mesa, escola), locuções (de cabeça para baixo),
colocações (absolutamente certo, novo em folha) e enunciados institucionalizados
(se eu fosse você).
Com base nas proposições da abordagem lexical, observamos que muitos
dos exercícios e atividades sob este enfoque propõem a identificação de chunks e
colocações nos textos, o trabalho com preenchimento de lacunas, a criação pelo SA
de listas de palavras ou de blocos de palavras, como forma de fornecer ao SA a
aquisição e retenção de vocabulário e de blocos lexicais.
Apesar de a proposta do LD ter como referência a abordagem lexical,
observamos nos exercícios arrolados que há apenas uma atividade23 por unidade
que se refere ao desenvolvimento do estoque lexical do SA, muitas das outras
atividades têm um cunho bastante tradicional, com foco no ensino de gramática, o
que distancia o material da proposta da abordagem lexical assumida pelos autores
do livro.
23
Referimo-nos à atividade intitulada “Melhore seu vocabulário – Palavras & Expressões” (tradução nossa).
86
Na atividade acima apresentada, percebemos a tentativa de oferecer ao SA
um trabalho com base na abordagem lexical, como disposto na metodologia do
curso. No entanto, a nosso ver, para que se consolidasse tal abordagem seria
necessário o desenvolvimento de outros exercícios capazes de assegurar ao SA a
constituição mais efetiva de seu arcabouço lexical, como preconizado pela
metodologia em questão.
Vale ressaltar também que a atividade se encontra descontextualizada, o
exercício apresenta uma proposta mecanicista. Não atestamos na prática acima o
léxico gramaticalizado de que nos fala Lewis (1993), mas somente léxicos despidos
de sentido.
Constatamos ao longo de nosso estudo que o LDLI foi divulgado como uma
inovação no ensino de idiomas, o que lhe garantiu certa credibilidade, legitimou-o
perante a sociedade e o fez conquistar, por conseguinte, o papel de condutor da
aula, mesmo que, de fato, possamos perceber que seu conteúdo se fundamenta em
práticas tradicionais de cunho gramatical. Encontramos nas palavras de Souza
(1999, p. 59) uma reflexão sobre o papel que se encerra no LDLI:
Caberia ao livro didático fornecer conteúdos previamente selecionados, fazendo recortes no que supostamente seria mais relevante ao conhecimento, e indicar procedimentos metodológicos para a sua transmissão em sala de aula.
Figura 18. Exercício lexical
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 20
87
Coadunamo-nos com a autora quando ressalta que o LD pontua as etapas da
aula e como determinado conteúdo deverá ser abordado. Essa crença na sabedoria
suprema do LD leva tanto a escola quanto o professor a seguir rigorosamente todas
as instruções preconizadas pelo livro. Entendemos, então, que a homogeneização
que o LD pressupõe, conduz a situações de silenciamento na sala de aula, uma vez
que o SA sendo heterogêneo e descentrado não encontra em muitas das atividades
apresentadas relações com sua realidade e consequentemente oportunidade para
reflexão.
Em face do que observamos em relação ao controle e protagonismo do LD na
aula de inglês, apontamos nas sessões seguintes as questões de silenciamento
asseguradas pelo LDLI.
3.2 Textos, Leitura, Questões de Interpretação e Silenciamento
Neste item propomos uma reflexão sobre as questões de interpretação e
silenciamento presentes nos textos e nas atividades didáticas de compreensão da
habilidade leitora presentes no LDLI. Buscamos através da ADF os caminhos para
a análise das leituras, dos diálogos e das atividades de interpretação propostas,
apontando assim, tanto as questões de interdito como as tentativas de mobilização
do SA que permeiam a abordagem pedagógica do LD. Dessa perspectiva,
salientamos as oportunidades (não) facultadas ao SA para que construa significados
a partir dos textos lidos, como diz Bolognini (2003, p. 189):
O silenciamento é uma tentativa, assim, de apagar uma história, uma ideologia, que possa servir de ameaça às relações de poder de um determinado grupo social. O silenciamento é uma forma de garantir a estabilização da simetria das relações sociais, pois Foucault (1979) define as relações simétricas como aquelas nas quais as relações de poder em um determinado grupo não estão ameaçadas. O silenciamento é uma certeza de que a história, a ideologia desejada por aqueles de detêm o poder entram em cena na cadeia discursiva.
Podemos inferir com a autora que o LD e as atividades nele contidas
silenciam manifestações, reflexões e qualquer possibilidade de posicionamento do
SA que possam levar a situação de ensino-aprendizagem para fora do controle tanto
88
do livro quanto do professor. Entendemos que as situações de interdito que
permeiam as atividades desenvolvidas na aula de inglês buscam mantê-la dentro
dos parâmetros esperados e já estabelecidos anteriormente pelo LD e pela
metodologia em que se inscreve.
Para melhor compreendermos as questões de leitura e silenciamento,
iniciamos nossa análise com a descrição da concepção de leitura nas perspectivas
tradicional, estrutural e interacionista, sob a ótica de Koch e Elias (2012), e, em
seguida, focalizamos a leitura segundo a concepção discursiva, filiada à ADF.
Entendemos que conhecendo a leitura pelo viés tradicional, estrutural e
interacionista podemos apreender a razão de determinados exercícios considerados
em nossa análise, uma vez que muitas das abordagens propostas pelo LDLI
presumem um sujeito consciente e dono de seu dizer, como na concepção adotada
por de Koch e Elias (2012). Já compreendendo as questões de leitura pela
orientação discursiva, temos a possibilidade de refletir sobre a posição de
impedimento do SA frente às atividades de compreensão de leitura inseridas no
LDLI.
Sobre o texto e a leitura, focalizamos as palavras de Coracini (2003) ao
discorrer a respeito da visão discursiva da leitura frente às concepções de leitura e
interpretação que tomam o sujeito como uno e dono de seu dizer:
Nessa perspectiva, não é o texto que determina as leituras, como pretendem as demais visões teóricas acima abordadas, mas o sujeito, não na acepção idealista de indivíduo uno, coerente, porque dotado de razão, como queria Descartes, graças à qual lhe é possível controlar conscientemente a linguagem e o sentido, mas enquanto participante de uma determinada formação discursiva, sujeito clivado, heterogêneo, perpassado pelo inconsciente, no qual se inscreve o discurso. (CORACINI, 2003, p. 17-18)
A perspectiva discursiva da leitura presume um SA heterogêneo e lhe oferece
condições de reflexão e deslocamento a partir do texto, garantindo que as
interpretações sejam as do SA e não apenas a reprodução das palavras do autor,
como comumente encontramos nas compreensões em LE.
89
A concepção da leitura com foco no autor nos delineia que este assegura e
regula os sentidos que deseja imprimir ao texto. Sob este enfoque, a leitura é
apenas a apreensão das intenções do autor.
Sobre essa questão, Koch (2002) afirma que à concepção de língua como representação do pensamento corresponde à do sujeito psicológico, individual, dono de sua vontade e de suas ações. Trata-se de um sujeito visto como um ego que constrói uma representação mental e deseja que esta seja “captada” pelo interlocutor da maneira como foi mentalizada (KOCH; ELIAS, 2014, p. 9).
A leitura é compreendida como assimilação de ideias já estabelecidas pelo
autor, desconsidera-se, sob essa ótica, a construção de significados pelo
interlocutor. Essa abordagem é bastante utilizada nos exercícios de interpretação de
texto tanto em língua materna quanto em LE. O autor regula as interpretações
homogeneizando os leitores, que deverão compreender o texto apenas sob a ótica
daquele.
O conceito de leitura que confere foco ao texto, concebe a língua como uma
estrutura, um código, neste quadro, espera do leitor a decodificação do sentido
contido na linearidade do texto. Na perspectiva das autoras acima citadas, “cabe-lhe
[ao leitor] o reconhecimento do sentido das palavras e estruturas do texto” (KOCH;
ELIAS, 2004, p. 10). Daí que a leitura se resuma à tarefa de localização de palavras
na pergunta e à verificação de sua forma repetida no texto. Essa atividade didática,
apesar de ser largamente apontada como leitura, consiste apenas, na verdade, em
decodificar o texto.
Percebemos que a leitura em LE como apresentada em nossa pesquisa muito
se assemelha à perspectiva estruturalista, visto que, em diversos recortes do corpus,
observamos o que pontua Grigoletto (1999, p. 83): “o texto tem uma estrutura e um
sentido; a tarefa do aluno é captá-la”. Nesse cenário, basta ao SA somente parear
as palavras do texto com as palavras das questões para que consiga efetuar a
atividade de compreensão de texto.
90
A concepção comunicativa adotada por inúmeros LDs para o ensino de inglês
como LE apresenta a leitura sob a perspectiva da interação autor-texto-leitor. De
acordo com ela, a construção dos sentidos deve considerar as experiências do leitor,
tendo como pano de fundo, segundo Koch e Elias (2014, p.11): “o contexto
sociocognitivo dos participantes da interação”. O leitor aqui reconstrói os sentidos do
texto mobilizando a memória e conhecimentos prévios sobre o tema. O leitor
ressignifica, então, o sentido do texto com base nas marcas deixadas pelo autor,
inferindo assim as intenções deste. Nessa abordagem, há várias leituras possíveis,
pois considera-se que os leitores não são unos; entretanto, os sentidos do texto
ainda se encerram no próprio texto e em seu autor.
Ao pontuarmos as questões de interdito observadas nas atividades de
compreensão de leitura presentes no LDLI, entendemos que o sentido do texto já se
encontra posto, à espera do leitor, que irá apenas decodificá-lo, levando ao
silenciamento do SA. Observamos, então, que a leitura sob a ótica discursiva, que
admite não haver um sentido literal para a leitura e se pauta na necessidade de
considerar a “historicidade do texto e do leitor”, proporciona a reflexão, as rupturas e
os deslocamentos. Por isso, é nessa perspectiva que embasaremos nossa análise
das leituras e das atividades propostas pelo LDLI.
A leitura e as atividades de compreensão em uma perspectiva discursiva
apontam para as diversas possibilidades de constituição dos sentidos. Dado que as
intensões do autor não se encontram espelhadas no leitor, pois o sujeito é
descentrado e interpelado pelo inconsciente e pela ideologia, sendo, assim, incapaz
de chegar a um sentido definitivo, percebemos, com Orlandi (1996a, p. 64), que “o
sentido sempre pode ser outro”, tendo em vista a natureza heterogênea e as
questões do inconsciente do sujeito.
Avançando na análise do LDLI, encontramos, apenas de forma superficial,
atividades que favoreçam tanto a visão interacionista quanto a discursiva, como
também observado por Coracini (2010, p. 19) em seus estudos:
91
Raramente se observa, na prática de sala de aula, a concepção de leitura enquanto processo interativo (leitor-texto-autor), a partir da recuperação explícita do que se acredita serem as marcas deixadas pelo autor, únicas responsáveis pelos sentidos possíveis. Mais raramente ainda, para não dizer nunca (ao menos nas aulas analisadas), a concepção discursiva se vê contemplada: raramente são permitidas, em aula, outras leituras que não sejam a do professor, ou melhor, do livro didático que o professor lê e respeita como portador da verdade, como representante fiel da ciência, já que constitui, muitas vezes, o único suporte teórico do conhecimento do professor e das aulas por ele ministradas.
Desta reflexão depreendemos que a concepção de leitura em LE mostra-se
ainda mais estrutural que em língua materna. A abordagem das leituras no LDLI
apresenta linearidade, sequência rígida e foco na gramática e no vocabulário.
As atividades propostas nas sessões de leitura em LE têm seus objetivos
alcançados com a simples tradução do texto; como se a compreensão das palavras
fosse o único propósito e caminho possível nas atividades de leitura.
Tradicionalmente a leitura em língua estrangeira é compreendida como tradução linear de palavras para a língua materna, para a busca incessante do significado dado “intencionalmente” pelo autor, como garantia de uma unanimidade de interpretação. (ECKERT-HOFF, 2006, p. 1)
Tal afirmação vem ao encontro do que temos observado ao longo de nossa
jornada profissional, quando percebemos que em muitas propostas do LDLI o texto
deve apenas ser decodificado, sendo que tanto as informações quanto a abordagem
são dispostas sequencialmente, como um guia, não havendo necessidade de leitura,
apenas de verificação dos conteúdos; de forma que se oferece ao leitor o
significado pronto do texto, sem se promover o lugar para a interpretação, para o
erro e para a possibilidade de qualquer resposta que seja diferente da interpretação
concedida pelo autor. No ato da leitura, encontramos situações de cerceamento de
reflexões impedindo a constituição dos sentidos. Consideramos que o autor, ao
desenvolver a compreensão do texto, e o professor, ao seguir os parâmetros
delimitados pelo livro, concebem o SA como tábula rasa, como um leitor incapaz de
interpretar o texto e conferir-lhe significados, oferecendo, por isso, a interpretação
possível.
A partir dessas constatações, buscamos, na materialidade linguística de
nosso corpus, localizar evidências que validem nossa hipótese sobre o caráter
92
controlador do LD e demonstrar como os textos e as atividades didáticas negam ao
SA a oportunidade de desenvolver opinião e construir sentidos.
Analisando o texto e as atividades de compreensão propostas no recorte
abaixo podemos inferir que o autor não oferece ao SA a possibilidade de
mobilização de seu interdiscurso. Identificamos também, um distanciamento entre o
texto e a realidade do SA. Vejamos:
Figura 19. Atividade de Leitura.Texto e Compreensão
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 61
É interessante observar que o texto é desprovido de qualquer
contextualização, uma vez que não conhecemos suas fontes, suas origens ou as
condições em que foi escrito. Há um total apagamento do contexto de sua produção.
O tema também se apresenta distante da realidade do aluno brasileiro, posto que o
93
texto trata sobre os dados históricos de um teatro na cidade de Nova York. O texto e
as questões estão dispostos linear e cronologicamente, para que o erro seja evitado
no momento em que o SA responder às questões. As respostas já estão dadas no
texto, e cabe ao aluno apenas copiá-las. Não há qualquer necessidade de
entendimento do texto para resolução da atividade, já que é possível responder às
questões com base na sequência e nas pistas oferecidas pelo autor ao formular as
questões. Percebemos no exercício de compreensão que a abordagem behaviorista
persiste no LD, dado que as perguntas seguem um padrão repetitivo e apresentam
uma conduta de padronização das respostas.
Outro ponto a ser destacado é a não identificação do SA com o tema
abordado, um fator que o desmotiva a se envolver com o conteúdo e que,
consequentemente, inibe a constituição dos sentidos. As atividades de compreensão
focalizam apenas a verificação e a reprodução de seu conteúdo. O texto e seus
sentidos estão engessados e o SA pode concluir a atividade proposta de forma
mecanizada, como aprendemos com Grigoletto (1999, p. 81):
Se, na língua materna, o LD ao menos concebe o aluno como capaz de formular opiniões e fazer inferências, na língua estrangeira nem isso existe, mesmo que, por falta de proficiência linguística, se propusessem discussões veiculadas em português. Ao contrário, as tarefas do aluno são extremamente limitadas e “mecanizadas”, com ênfase na utilização de habilidades simples, tais como o reconhecimento de informações explícitas no texto e cópia.
Podemos compreender, com base na autora, que o LD silencia o SA pois seu
autor já estabeleceu o que deveria ser respondido. Sendo o sujeito interpelado pela
ideologia, atravessado pelo inconsciente e constituído pela língua, como pode
inscrever-se na língua estrangeira que se mostra o tempo todo estranha a ele? O
texto não tem alma, existe uma “negação da historicidade do texto e do leitor”
(GRIGOLETTO, 1999, p. 83). Não há espaço para interpretação, há apenas o
cerceamento do SA.
O autor, ao propor uma leitura em que os sentidos já se encontram postos,
afasta o SA da oportunidade de se ressignificar a partir da leitura; sendo assim
possível afirmar que determinados textos e abordagens textuais não dão espaço
94
para a interpretação e constituição dos sentidos. Como também esclarece Grigoletto
(1999, p. 80):
O fazer sentido não ocorre fora da historicidade que marca a relação do homem com a língua. Assim, entende a AD que o sentido não se dá no vácuo da letra morta no papel, e sim na relação entre o sujeito produtor da linguagem, a materialidade linguística e a história.
Ressaltamos que é preciso que os autores ofereçam leituras autênticas para
que o SA possa evocar suas memórias, suas marcas e tecer as suas interpretações.
O texto e as atividades didáticas precisam considerar um SA que é dono de um
saber e que pode atribuir sentido a uma leitura e a partir dela refletir e deslocar-se.
Nosso corpus e tantos outros LDs tomam o aluno como tábula rasa, incapaz
linguisticamente, e a partir desta concepção desenvolvem atividades com “leituras
lineares e perguntas óbvias”, que cerceiam qualquer possibilidade de mobilização,
manifestação e posicionamento do SA.
Outro aspecto que evidenciamos em nosso corpus é a criação de diálogos e
textos que têm como objetivo principal o ensino da gramática. É perceptível, quando
voltamos o olhar para as atividades apresentadas nas unidades, que, quase todas
as práticas visam a um propósito maior que paira sobre toda a unidade didática: a
gramática. Quanto a isso vejamos o seguinte excerto, Figura 20:
95
Figura 20. Diálogo introduzindo a unidade didática
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 83
Figura 21. Atividade compreensão de texto
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 84
96
O excerto mostra um diálogo cuja única finalidade é o ensino da gramática,
isto é, o aluno deverá usar o diálogo como ferramenta para aprender o discurso
indireto. Assim sendo, a tarefa que segue o diálogo, Figura 21, não deveria ser
designada como compreensão de texto, pois a atividade é um reconto, um exercício
de caráter gramatical.
Os autores forjaram um diálogo a respeito da situação do nascimento de um
filho, em que o pai não está presente devido a seu trabalho, totalmente despido de
significados, cujo intuito não ultrapassa o ensino da gramática. Entendemos que o
tema poderia ser explorado para que houvesse uma aproximação com a realidade
dos alunos, já que o curso tem em seu escopo jovens adultos, entretanto em toda a
unidade não se promovem considerações sobre a questão, o que poderia suscitar
opiniões divergentes, reflexões e tomadas de posição pelo SA. Diversamente,
propõe-se apenas que o aluno reconte a estória, como mostrado na Figura 21. Vale
lembrar que retell, “recontar”, como definido pelo dicionário eletrônico Michaellis24,
indica “contar duas ou mais vezes”. O prefixo re faz menção à repetição, então, o SA
precisa apenas contar o que já foi dito, e as palavras são do outro, do autor. O
silenciamento mostra-se também na impossibilidade da escolha lexical pelo SA.
Delimitar o campo de interpretação do SA, evitando atividades que poderiam se
encaminhar a discussões maiores, assegura o controle da aula ao LD, garantindo
que seus parâmetros sejam cumpridos, resguardando o protagonismo do LD e de
seu autor.
No excerto acima, Figura 21, quando o autor pergunta ao SA, Can you retell
the story using your own words?, “Você pode recontar a estória usando suas
próprias palavras?, o uso do modal can, que pode ser traduzido por “poder”, “ter a
capacidade de”, sugere que o aluno está sendo desafiado a realizar a tarefa. Como
que questionando “Será que você é capaz?”, novamente o autor deixa transparecer
sua dúvida quanto à capacidade do SA. Há uma pressuposição sobre a
incapacidade do SA frente à realização da atividade proposta. Continua o
enunciado, using your own words, “usando suas próprias palavras”, solicita o autor
ao SA que use suas próprias palavras. O emprego do adjetivo “próprias” dá a
24
Cf. verbete “recontar”. MICHAELIS. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=recontar>. Acesso em: 01 nov 2015.
97
impressão de que o SA enunciará de forma autônoma, no entanto, a atividade a ser
realizada propõe a narrativa do diálogo, configurando uma contradição no
enunciado, pois as palavras a serem utilizadas já se encontram postas no diálogo. O
SA não foi instado a uma interpretação da situação apresentada, mas a recontar
linear e mecanicamente um diálogo em mais uma atividade que remete ao
behaviorismo e a métodos tradicionais para o ensino de LE com foco na
aprendizagem de estruturas gramaticais.
A análise das atividades de compreensão propostas nas sessões de leitura do
corpus revela ainda que o objetivo delas é conduzir o SA à resposta correta,
evitando a possibilidade do erro – por não considerar a falha como constitutiva do
sujeito e do ensino-aprendizagem –, garantindo a aplicação do método de forma
fluida e harmônica.
Com a finalidade de regular as atividades e assegurar que a aula de inglês
ocorra dentro da metodologia proposta e conduzida pelo LD, as atividades de
compreensão das leituras seguem um padrão que concede ao aluno a condição de
realizá-las sem que ocorra o deslize, visto que as respostas já se encontram
prontas, no próprio texto, concedidas pelo autor. São exercícios que visam apenas à
verificação do conteúdo do texto, não havendo oportunidade para que o sujeito
interprete o texto a partir de sua historicidade e memória.
Nesse sentido, vejamos o excerto a seguir:
98
Figura 22. Atividade de Leitura, texto e compreensão
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 19
No primeiro parágrafo do trecho apresentado na Figura 22, acima, o autor
dirige-se ao leitor com algumas perguntas como: What’s your opinion about Sarah
and Elton? What do you think they had better do? Do you think that it has any
99
influence in their problems?25 O autor usa o pronome interrogativo what, “o que”,
“qual”, logo, subentende-se que ele espera que o SA manifeste sua opinião sobre os
personagens Sarah e Elton. O uso de “o que” ou “qual” remete a questões diretas e
objetivas; em sua resposta, o SA deverá apenas descrever sua opinião, o que torna
o exercício bastante superficial. Diferentemente, se na elaboração das questões
houvesse sido empregado o pronome interrogativo “como”, por exemplo: “Como
você resolveria o problema entre Elton e Sarah?, o SA seria instado a refletir sobre o
tema, sobre as bases de seu pensamento em relação aos questionamentos postos,
para apontar uma solução. Percebemos que, apesar de o autor referir-se ao leitor e
parecer trazê-lo para dentro do contexto, na verdade não se quer saber a resposta
ou a opinião do leitor, esta estratégia é uma “interdição camuflada”, como vemos nas
palavras de Grigoletto (1999, p. 87), quando nos alerta que a interdição à
interpretação:
não se apresenta de forma clara; ela é a todo o tempo camuflada no LD. Na verdade, o LD apresenta formulações que apontam para dois discursos contraditórios. De um lado, há um discurso que reforça a ilusão de liberdade do sujeito como aquele que é livre para interpretar; de outro, e concomitantemente, há um outro discurso que cerceia a interpretação.
No recorte apresentado na Figura 22, o leitor é chamado a participar, emitir
opinião, porém, percebemos pelo desenvolvimento da atividade que não há
verdadeiramente espaço para sua opinião, uma vez que as respostas às supostas
perguntas estão literalmente expostas no texto. Esta interpelação do SA é artificial e,
embora produza um efeito de interação e pertencimento ao contexto, não promove a
participação do SA, não ultrapassa a materialidade do texto, não constrói sentido.
Todas as atividades de compreensão de leitura presentes no corpus
apresentam questões dispostas sequencialmente. O SA pode percorrer o texto para
localizar informações independentemente das referências contidas na leitura como
um todo. O trabalho com o texto baseia-se nos fragmentos da língua de forma
descontextualizada. O texto é reduzido a um aglomerado de palavras e frases
justapostas. Com essa perspectiva, o SA perde a percepção do texto como um todo,
25
“Qual é a sua opinião sobre Sarah e Elton? O que você acha que seria melhor que eles fizessem? Você acha que tem alguma influência em seus problemas?” (tradução nossa)
100
e, assim, a possibilidade de construir sentidos torna-se reduzida, posto que os
sentidos se encontram no entrecruzamento da língua, do sujeito e da história.
A nosso ver, como as metodologias atuais preconizam a participação do SA,
estabelecendo uma interação com o texto e com toda a situação de ensino-
aprendizagem, definindo uma aula centrada no as; os LDs aparentam inserir o SA
no contexto da aula de modo que ele desenvolva um olhar reflexivo e posicione-se
frente às diversas situações. Porém, como observamos no recorte anterior, a
participação efetiva do SA é superficial, visto que a opinião que irrompe é a do autor
e em menor escala a do professor, cabendo ao aluno simplesmente a decodificação
do texto e a cópia.
É preciso insistir que o LDLI deve oferecer ao SA textos autênticos para que
haja uma relação entre o texto e a vida do SA, pois a constituição dos sentidos
carece de situações reais em que o aluno possa espelhar-se, inserir-se, significar-
se. Entretanto, algumas leituras, apesar de introduzirem conteúdos com os quais
seria possível o estabelecimento de um paralelo com a realidade, visam somente à
compreensão do texto como uma forma de tradução, não oferecendo uma
perspectiva discursiva na aula de leitura em LE.
Na figura a seguir, apresentamos um texto, cujo tema é “Felicidade”. Mostra-
se, à primeira vista, como um tópico que poderia oferecer ao SA possibilidades
diversas de reflexão, expressão e interpretação. Vejamos:
101
Figura 23. Texto para Leitura
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 45
Figura 24. Compreensão de texto
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 46
102
Como mencionado, a leitura apresentada na Figura 23 oferece múltiplas
possibilidades para que o SA participe da construção dos sentidos do texto,
manifestando opiniões e mobilizando suas memórias, visto que o tema “felicidade”
pode propiciar um mergulho interior pelo sujeito para que então ele dê sentido à
leitura. Contudo, a abordagem que observamos na Figura 24 mantém o princípio da
imposição do silenciamento ao SA. As perguntas elaboradas seguem o padrão
behaviorista repetitivo, relegando ao aluno a busca das respostas no texto, evitando,
assim, que irrompa o inesperado, para mais uma vez garantir ao LD e ao professor o
controle da aula.
No subtítulo da leitura o autor explica: Here’s another sample of Elton’s
thought, “Aqui está uma outra amostra do pensamento de Elton?”. E convoca o SA a
opinar What do you think about it?, “O que você acha disso?”. O subtítulo, ao colocar
o texto como uma amostra do pensamento de Elton e citar no rodapé da página a
fonte da leitura, deixa claro para o aluno que aquele texto, aquelas situações são
irreais e descontextualizadas. O texto perde seus sentidos ao passo que se
descobre que aquele não é o pensamento do personagem Elton, e sim do filósofo
Rousseau, o que conduz o texto a um vazio de significados. Ainda sobre a
possibilidade de o aluno se posicionar sobre o tema, notamos que sua opinião não é
relevante para o desenvolvimento do exercício de compreensão, uma vez que as
perguntas observadas na Figura 24 continuam a abordar o texto de forma
sequencial e a solicitar-lhe apenas a confirmação do que já está respondido no
próprio texto. Cabe ressaltar que tal observação reforça a noção de leitura como
tradução, como uma busca pelas afirmações apresentadas no texto.
Salientamos que na questão “e” o autor dirige-se ao SA com a pergunta: Do
you agree with Elton or not?, “Você concorda com Elton ou não?”, no entanto, esta
questão é notadamente superficial, pois não instiga o SA a interpretar com base em
seus pensamentos, cumprindo apenas a função de sinalizar ao SA que ele deve
participar da atividade, porém, como em todas as abordagens textuais, de forma não
constitutiva. As perguntas na Figura 24 ignoram que ler é um ato de produção de
significados e que o sentido não se encontra no texto.
103
Evidenciamos que nos textos e diálogos apresentados nos excertos
analisados os sentidos encontram-se fixos, havendo apenas uma resposta possível,
isso porque não se cria oportunidade para o aluno se manifestar, o que suscitaria
respostas múltiplas. Em nosso entendimento, o SA é homogeneizado e, por
conseguinte, as interpretações propostas pelo autor são unas. Encontramos em
todas as atividades didáticas de leitura e interpretação de texto o silenciamento dos
sentidos, recaindo o significado sempre sobre o autor.
Constatamos através do trecho recuperado na Figura 25, exibida a seguir,
que o sentido do texto é definitivamente creditado ao autor, cuja opinião solicita-se
ao SA descrever. Porém, entendemos pela perspectiva discursiva de filiação
francesa, que nos fornece a base teórica deste estudo, que a compreensão do texto
se dá pelo leitor, sujeito historicamente constituído que, no ato da leitura constrói
significados a partir de sua relação com a língua e com a materialidade linguística do
texto. Tal excerto reforça o caráter onipotente do autor, que outorga ao LD o
comando da aula, uma vez concebido para regular as relações em sala de aula e
para fazer prevalecer sua opinião do texto. Vale ressaltar que com esta abordagem
evita-se a dispersão e mantém-se a homogeneidade de compreensão da leitura, já
que toda a classe apresentará a mesma resposta.
Figura 25. Pergunta de compreensão de texto
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 91
Nesse sentido, relembramos as palavras de Carmagnani (2010, p. 94-95)
quando evidencia a onipotência do autor como instaurador de significados ao texto e
o papel secundário do leitor, cuja função é somente transcrever a opinião do autor,
decodificando e copiando-a; como visto nos excertos do corpus apresentados.
Numa perspectiva discursiva, a produção dos sentidos não é realizada por um autor onipotente que deixa marcas no texto para o desvelamento do significado, mas por sujeitos situados historicamente, que ocupam um “lugar” e que produzem sentidos a partir desse lugar que ocupam.
104
O SA, no excerto da Figura 25, é então questionado quanto a sua
concordância com a opinião do autor, Do you agree?. Inferimos, com base na
reflexão anterior, que apesar de o leitor parecer ter importância no ato da leitura, ele
é apenas um coadjuvante. Na verdade, como vimos, esta pergunta é destituída de
indagações, não se permite que o SA intervenha de forma concreta na aula, pois a
opinião que realmente importa é a do autor, é ele quem estabelece o que pode e
deve ser compreendido. A palavra concordar significa consentir, autorizar, e o SA
deve responder objetivamente sim ou não, tendo desta forma uma participação
limitada. A partir desta constatação, entendemos que a função do leitor é apenas a
de reiterar o que já se encontra estabelecido pelo autor, copiando os sentidos
autorizados por este.
O LDLI aqui analisado assume sistematicamente o protagonismo da aula.
Este mecanismo de controle evidencia a preocupação do autor com a manutenção
homogênea dos processos pedagógicos, garantindo assim, ao professor, que este
não enfrentará situações em que o SA possa surpreendê-lo ou confrontá-lo com
interpretações divergentes das prescritas. Este procedimento tem caráter recorrente
em cursos de idiomas, especialmente em escolas franqueadas – valemo-nos de
nossa trajetória profissional nesse segmento para essa reflexão.
Percebemos que a proposta didática de compreensão de leitura apresentada
em nosso corpus exibe textos desenvolvidos linearmente, cujo conteúdo encontra-se
distante da realidade do SA, não propondo formas de interpretação que possibilitem
ao aluno uma posição reflexiva, tendo em vista sua atividade exclusiva e limitada de
verificação dos sentidos já postos no texto. Tal abordagem conduz a situações de
controle e interdito, evitando assim, o inesperado, dado que todos os SAs
respondem às questões de forma previsível, dentro dos limites estabelecidos e
autorizados pelo autor.
Esta abordagem didática, que cerceia a reflexão e o posicionamento do SA
silenciando a constituição dos sentidos, supõe alunos unos, impede a mobilização
da memória discursiva e a dispersão, em via de garantir ao professor o controle da
aula, com o fortalecimento da posição norteadora de comando do LD no contexto
105
escolar. Entendemos que, apesar de em algumas atividades o SA se colocar sob a
aparente visão de autonomia, tal posição é ilusória, pois os passos a serem dados
tanto pelo SA quanto pelo professor continuam a ser apenas aqueles permitidos pelo
LD, o que é corroborado pela ideia de que o controle das etapas da aula é um dos
pilares dos cursos de idiomas ministrados por franquias, como nos mostra o estudo
de Bulhões e Pessoa (2010, p. 6) a seguir:
Os cursos franqueados: institutos de línguas que operam sob uma mesma marca em todo o país, dentro de um sistema de franquia pelo qual preza pela sua padronização, desde a infra-estrutura do prédio até a didática do curso. O método de ensino se baseia na ênfase do livro texto e do plano didático, o que pode causar prejuízos à criatividade e ao talento do professor.
Cabe destacar que quando o LD impede o professor de desempenhar seu
papel na cena da aula, de buscar caminhos outros que os propostos pelo material, o
SA também sofre as consequências destes limites impostos ao processo de ensino-
aprendizagem, uma vez que sempre se manterá no trajeto prescrito pelo LD.
Embora tenhamos pontuado as questões de interdito e as situações que não
oferecem oportunidade ao SA para reflexão e deslocamento, consideramos
possíveis abordagens da habilidade leitora sob o viés discursivo, que colocam o SA
em cena, facultando-lhe o protagonismo em sala de aula. Deste modo, propomos a
utilização de textos a partir de uma perspectiva discursiva.
No corpus ora analisado, não se menciona a questão do gênero discursivo.
Embora integrem o LD em foco diálogos, crônicas e textos que poderiam estar
presentes em jornais ou revistas, não se faz uma abordagem das leituras com base
nos gêneros. Entendemos que a interpretação de leituras sob a perspectiva do
gênero poderia aproximar o SA do texto, pois o aluno estabeleceria relações com
questões que permeiam seu cotidiano, conquistando o protagonismo nas atividades
leitoras. Ao apresentar uma visão discursiva da leitura, afirmamos que as questões
sobre gêneros devem estar presentes na proposta didática.
Vale destacar que uma leitura com base no discurso demanda textos
autênticos que tornam possível ao SA compreender as condições de sua produção,
106
questionar sua ideologia, emitir opiniões, apontar sugestões, enfim, entendê-los
como parte de um discurso sócio-histórico-ideológico.
Dentre as opções para o trabalho sob conceitos discursivos, destacamos o
uso de matérias jornalísticas, propagandas, manuais, diálogos, poemas ou letras de
canções, quando seria possível ao SA elencar questões basilares para a construção
de significados, como demonstrado na tabela a seguir.
Quadro 1. Proposta de abordagem discursiva para aula de leitura Leituras Propostas de abordagem
Matérias jornalísticas
Propagandas
Canções
Poemas
Manuais
Diálogos
Refletir sobre o gênero e suas marcas
Problematizar os gêneros
Observar recursos tipográficos e suas funções
Refletir sobre a ancoragem visual e sua função
Refletir sobre as condições de produção
Refletir sobre o público destinatário
Discutir a Ideologia subjacente
Analisar as marcas linguísticas e o sentido que provocam (formas verbais, metáforas, conjunções,
modalizadores, etc.)
Comparar diferentes perspectivas sobre um mesmo tema
É importante destacar que alcançar objetivos nas atividades de leitura com
uma abordagem discursiva significa provocar a construção dos sentidos e não
apenas trabalhar com a transcrição de informações já prescritas pelo texto ou
aprimorar o arcabouço lexical do SA ou ainda desenvolver e fixar a competência
gramatical.
As marcas discursivas que cerceiam e controlam os dizeres apresentadas nas
atividades de leitura, conforme analisamos até aqui, manifestam-se também no
desenvolvimento das atividades para prática oral, merecendo nossa atenção.
107
3.3 O caráter estanque das atividades orais
Antes da escrita ou em épocas e lugares com baixo número de pessoas
alfabetizadas, é através da forma oral que os conhecimentos, as histórias e as
crenças costumam ser transmitidos.
No contexto educacional atual, a modalidade oral também ocupa lugar
relevante, entretanto, a habilidade oral costumeiramente se restringe ao professor,
do aluno espera-se o silêncio ou o falar apenas quando lhe é indicado. Esta
circunstância nos remete às questões de silenciamento, visto que, habitualmente,
nas situações de ensino-aprendizagem há uma imposição de censura ao dizer do
SA. Este interdito ocorre em todas as aulas e disciplinas do currículo por questões
hierárquicas a respeito da fala; o professor, investido de autoridade, pode falar, já do
aluno se espera o silêncio, não o silêncio da reflexão, mas o silêncio da interdição de
dizeres. Orlandi (2013, p. 104) postula sobre o silenciamento imposto:
A censura tal como a definimos é a interdição da inscrição do sujeito em formações discursivas determinadas, isto é, proíbem-se certos sentidos porque se impede o sujeito de ocupar certos lugares, certas posições. Se se considera que o dizível se define pelo conjunto de formações discursivas em suas relações, a censura intervém a cada vez que se impede o sujeito de circular em certas regiões determinadas pelas suas diferentes posições. Como a identidade é um movimento, afeta-se assim esse movimento. Desse modo, impede-se que o sujeito, na relação com o dizível, identifique-se com certas regiões do dizer pelas quais ele se representa como (socialmente) responsável, como autor.
Coadunamo-nos com a autora quando expõe sobre a natureza do
impedimento que afeta o sujeito e o impossibilita de deslocamentos. A partir desta
reflexão, atentamo-nos, também, às atividades didáticas de caráter repressivo, que
limitam o dizer do SA, censurando seus posicionamentos e tornando sua inserção
na LE superficial e ilusória, dado que há pouca mobilização da historicidade e da
memória discursiva durante os processos de ensino-aprendizagem; pouco
ocorrendo o jogo discursivo na cena escolar.
A partir de nossa experiência na esfera do ensino de inglês como LE,
julgamos que a habilidade oral se mostra como a mais desejada pelos alunos e a
mais difícil de ser atingida, uma vez que o aluno precisa produzir dizeres sendo para
108
tanto necessário um arcabouço linguístico que o permita elaborar essas falas. Com
base neste entendimento, percebemos que as atividades de prática oral são o
grande destaque tanto dos cursos de idiomas quanto dos LDLIs. A promessa de
levar o aluno à comunicação efetiva é a circunstância mais valorizada tanto num
curso de idiomas quanto num LDLI, pois circula em nossa sociedade o discurso da
importância da comunicação em LE, principalmente em inglês, como fator
preponderante para a ascensão profissional. Concernente a essa questão,
encontramos em Grigoletto (2003, p. 227) algumas considerações sobre o que
deseja o aluno:
A tônica é o domínio de um veículo de comunicação para utilização em contextos reais nos quais a língua estrangeira seja necessária, fora da sala de aula. Trata-se de um enunciado que faz parte do discurso sobre ensino-aprendizagem de línguas estrangeiras, notadamente nas últimas duas décadas, mas que também é expresso nos discursos da propaganda e do poder econômico, incluídos aí o discurso da globalização.
Os pontos acima elencados nos indicam que as atividades de prática oral,
pelo que elas representam no ensino de idiomas, precisariam ser concebidas sob
um viés discursivo, que relacionasse o SA à realidade que o cerca, erigindo um
ambiente propício para que significados fossem produzidos a partir das situações
postas em aula.
Na direção oposta às abordagens discursivas necessárias para o
desenvolvimento da habilidade oral de forma constitutiva, encontramos no LDLI as
marcas do cerceamento do discurso. Podemos observar, em nossa análise,
atividades estanques que não oportunizam ao SA reflexão e tomada de posição,
configurando uma situação em que a LE torna-se uma “língua-de-espuma”,
conforme a definição dada por Orlandi (2013, p. 99):
Uma língua “vazia”, prática, de uso imediato, em que os sentidos não ecoam. É uma língua em que os sentidos batem forte mas não se expandem, em que não há ressonância, não há desdobramentos. Na língua-de-espuma os sentidos se calam. Eles são absorvidos e não produzem repercussões. Se, de um lado, não se comprometem com nenhuma “realidade”, de outro, impedem que vários sentidos se coloquem para essa mesma “realidade”.
Os discursos, quando submetidos à censura, evidenciam o impedimento do
dizer, da reflexão. Nesse sentido, assim como a língua-de-espuma, muitas
109
atividades para a prática oral inclusas no LDLI e o próprio LD exercem autoridade
para silenciar os sentidos do SA, como observamos nos excertos a seguir, nas
Figuras 26 e 27.
Figura 26. Atividade para conversação
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 62
Partimos do título das atividades: Talking about..., “ Falando sobre...”,
atentamo-nos para a construção do enunciado com o gerúndio que causa um efeito
de sentido constante, como se a ação fosse ininterrupta. Este recurso, gerúndio com
caráter durativo, reforça a ideia de que a prática oral é contínua, conferindo também
concretude à ação. A ideia de continuidade é ainda intensificada pelo uso de
reticências.
Como percebemos, a atividade para prática oral apresentada na Figura 26
não parece ter como objetivo o desenvolvimento da oralidade de forma contínua,
pois mostra-se estanque: Do you like the theater?, “Você gosta de teatro?”.
Sublinhamos que o uso do presente simples pressupõe verdades eternas sobre as
quais não há muito que manifestar. Trata-se de uma pergunta cuja resposta deve
ser objetiva, não havendo espaço para a expansão do pensamento, para o aflorar da
memória discursiva. A questão Have you been to the theater lately?, “Você tem ido
ao teatro ultimamente?”, utiliza o presente perfeito. Este tempo verbal em inglês está
relacionado à eventualidade e às marcas temporais. O uso do presente perfeito
auxilia o interlocutor a inferir sobre o tempo em que a ação em questão ocorre.
Valendo-nos desta informação, compreendemos que as atividades orais das Figuras
26 e 27 cumprem com o propósito de oferecer uma perspectiva fechada da prática
oral e de revisar a estrutura gramatical do presente perfeito.
Em ambas as atividades orais, os dizeres encontram-se delimitados e o SA
impedido de se manifestar com base em sua natureza histórico-social-ideológica,
110
uma vez que não há envolvimento do SA em um processo de reflexão e construção
dos sentidos. A atividade não leva à ressignificação de uma situação, como
percebemos no excerto 27:
Figura 27. Atividade para conversação
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 126
Podemos deduzir, a partir do recorte 27, que a atividade prescinde de
posições ou julgamentos por parte do SA, ele apenas responde sim ou não. Esse
tipo de questão deixa entender que o aluno é visto como incapaz de promover uma
argumentação e ocupar seu lugar como sujeito do discurso.
Vale destacar que estas atividades orais que levam ao silenciamento dos
sentidos são exercícios de caráter gramatical, uma “oralização” da modalidade
escrita. Assim como em algumas atividades leitoras, certas práticas orais muitas
vezes encontram-se camufladas e destinam-se primordialmente ao ensino da
gramática ou ao desenvolvimento de atividades escritas, afastando-se do verdadeiro
sentido da produção oral, como nos ensina Marcuschi (1997, p. 47):
Os exercícios que se dedicam à oralidade privilegiam atividades de oralização da escrita ou atividades que culminam com textos escritos não necessariamente brotados de discussão sobre o que foi falado. Nunca se propõe a audição de falas produzidas fora do contexto de aula, ignorando-se a produção falada real.
Sob esta perspectiva, apresentamos outros recortes em que a produção oral
mostra-se como uma “oralização” da modalidade escrita:
111
Figura 28. Atividade para prática oral
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 114
Destacamos no enunciado da Figura 28 o uso do imperativo, que demonstra
seu caráter injuntivo: Ask each student to explain the procedures below, “Peça a
cada aluno para explicar os procedimentos abaixo”. O modo imperativo é de
natureza mandatória e expressa instruções ou comando, caracterizando assim a
hierarquia das posições ocupadas no cenário da aula, demarcando as posições de
todos os atores. Vale ressaltar que os títulos dos exercícios costumeiramente
dirigem-se ao SA, mas nesta atividade não fica claro a quem o LD se endereça,
presumivelmente, o LD orienta o professor, considerando-o um mero cumpridor das
etapas da aula preconizadas por ele. O professor é também compreendido como
tábula rasa e não se constitui como sujeito no processo da aula.
Fica evidente que o objetivo principal da atividade apresentada na Figura 28 é
reforçar o uso da forma imperativa e de conectores de sequência, já que o SA
precisa descrever um processo. O ensino da gramática, que permeia grande parte
das atividades do LDLI, aparece neste exercício de forma mascarada. O SA precisa
tão somente explicar um procedimento de forma mecânica. Este é um exercício de
natureza escrita que se encontra camuflado como atividade oral. Repetidamente, ao
longo dos exercícios propostos, localizamos situações que levam ao interdito, em
112
que o SA não produz discurso, apenas repete de forma mecanizada questões vazias
ou desenvolve oralmente exercícios gramaticais.
Com base na ADF, entendemos a sala de aula como um acontecimento
sócio-histórico, ideologicamente constituído, no qual encontramos o atravessamento
de vozes do SA, do professor, da instituição e do próprio LD. Esses princípios
múltiplos tornam a cena pedagógica ambiente propício ao debate, à troca e à
negociação, entretanto, o que constatamos, na abordagem didática aqui
apresentada, são atividades pedagógicas que preveem alunos hegemônicos e
situações de ensino-aprendizagem fixas e esperadas, como percebemos a partir do
exercício mostrado no recorte a seguir.
Figura 29. Atividade: entrevista de emprego
Fonte: The Wise Up Series vol 3, p. 14
A partir das marcas linguísticas podemos inferir que a atividade mostrada na
Figura 29 busca atribuir um sentido de continuidade para o exercício com o uso do
gerúndio em facing, selecting e using (“enfrentando”, “selecionando” e “usando”). Tal
procedimento confere efeito de movimento e veracidade à cena. O enunciado
posiciona todos os atores da situação: you are in a job interview, “você está em uma
entrevista de emprego”, e delimita o que deve ser perguntado e respondido. O
enunciado também utiliza o verbo criar, levando o SA a crer em sua autonomia,
entretanto, tal recurso é apenas um jogo de manipulação, visto que todas as etapas
do exercício já se encontram minuciosamente prescritas no enunciado.
113
Na Figura 29 observamos uma situação de aprendizagem indefinida, em que
não está claro se a atividade tem como objetivo o desenvolvimento da capacidade
oral ou escrita. Entendemos que o gênero “entrevista de emprego” é regularmente
apresentado como atividade para a prática oral, entretanto, verificamos no excerto
acima que o próprio SA deve elaborar perguntas e respondê-las. Desta forma, a
atividade parece pairar entre o escrito e o oral. Ao determinar que o SA crie
perguntas com base na estrutura gramatical Have you ever..., “Você alguma vez na
vida...”, para respondê-las com os advérbios yet, already, never e just, “ainda, já,
nunca e apenas”, a atividade, que já não considera o contexto dos alunos, delimita
ainda mais a prática oral, ordenando o caminho único que deve ser tomado pelo SA,
limitando o diálogo ou posicionamento dos SAs em cena.
Ressaltamos que uma prática pedagógica no formato entrevista de emprego
permite a exploração do contexto social e a mobilização da historicidade do SA para
construção de significados e tomada de posição, porém a atividade em questão, ao
tomar a língua como fragmento, propondo o foco sobre as palavras e as frases e
apontando prioritariamente para o uso de uma estrutura gramatical, impede a
negociação, cerceia o diálogo, estanca a reflexão e a movência.
Neste exemplar de atividade, o SA é percebido como um indivíduo privado de
um caráter social, encontrando-se o LD e a aula desprovidos de atravessamentos
histórico-ideológicos, do que resulta um processo pedagógico que ocorre
linearmente, sem embates, sem dar oportunidade às falhas. Nessa ordem, não há
constituição de sentidos, não se possibilita ao SA posicionamento e deslocamento.
Há apenas uma harmoniosa previsibilidade das atividades em sala de aula,
garantido, assim, a manutenção do controle da aula e a autoridade, ao LD e em
posição secundária ao professor, uma vez que a situação didático-pedagógica
permanecerá dentro dos limites autorizados pelo autor.
Ao professor, conferindo-se um tratamento discursivo ao processo ensino-
aprendizagem, caberia o papel de provocar a reflexão, pela criação de situações que
favorecessem ao SA a mobilização de sua memória discursiva. Dessa maneira, as
atividades pedagógicas estariam ancoradas na historicidade de todos os envolvidos
114
no contexto de aula, colocando o SA em cena, como nos ensina Souza (2010, p.
122), “o sujeito pode buscar um deslocamento para refletir sobre outros sentidos,
sentidos outros que não aqueles únicos e determinados a priori, mas sentidos
produzidos numa perspectiva histórica ne ideológica”.
Intentamos, a seguir, lançar um olhar diferenciado sobre o ensino-
aprendizagem de LE, questionando se este possibilita a produção de sentidos, a
mobilização da memória discursiva e o papel ativo dos sujeitos nos processos
pedagógicos e nas atividades orais que permeiam o LD, promovendo o
protagonismo do SA e do professor nas aulas de LE.
A abordagem das práticas orais a partir de uma perspectiva discursiva
pressupõe o desenvolvimento de atividades em que o SA possa refletir e escolher
caminhos com base em sua história, ou seja, a proposta da atividade oral precisa
ser construída de modo a permitir que o SA constitua sentidos. Elencamos a seguir
possibilidades para uma abordagem discursiva da oralidade na aula de LE.
Práticas Orais Objetivos
Debates
Mediações
Encenações
Conferências
Testemunhos Apresentações
Conversação Espontânea
Refletir sobre a escolha semântica e lexical compatíveis com as condições de produção
Problematizar os gêneros
Observar os marcadores da interação adequados
Refletir sobre posições discursivas
Refletir sobre as condições de produção
Refletir sobre o público destinatário
Discutir a ideologia subjacente
Expressar ideias
Comparar diferentes perspectivas sobre um mesmo tema
Quadro 2. Proposta de abordagem discursiva para aula de prática oral
Nesta concepção, o ensino-aprendizagem da habilidade oral necessita
ancorar-se em atividades que apontem para o entrecruzamento da historicidade, da
115
língua e do sujeito. Propomos uma concepção discursiva da prática oral a partir da
qual o SA possa tecer os fios da memória e a relação do interdiscurso e do
intradiscurso produza efeito dos sentidos, levando a rupturas e gerando
deslocamentos. Para tanto, apresentamos no quadro 2 alguns caminhos para a
formulação de atividades orais sob orientação discursiva.
Ao longo de nosso estudo, diagnosticamos o uso da modalidade escrita para
o desenvolvimento da oralidade, haja vista que muitos dos exercícios orais expostos
ancoram-se em atividades cujo principal propósito é o reforço das estruturas
gramaticais. Ante o que observamos, podemos sustentar que as atividades
introduzidas para promover a produção oral encontram-se atravessadas pelo uso da
escrita, constituindo um processo de “oralização” das atividades escritas.
Evidenciamos tal abordagem a partir das atividades cujas frases e estruturas são
previamente fornecidas pelo LD as quais relegam ao SA apenas a ação de percorrer
um trajeto já estabelecido pelo autor, produzindo oralmente a língua sob a
perspectiva gramatical e escrita. Neste sentido, concluímos que o jogo discursivo
não ocorre em sala de aula, visto que o SA permanece à mercê do LD. A nosso ver,
apenas a intervenção do professor poderia transformar o caráter limitador do LD,
entretanto, como o corpus é utilizado por franquias de ensino de idiomas, num
contexto em que a autonomia do professor é também silenciada, tal possibilidade
não se concretiza.
Mais uma vez encontramos indícios do ensino de línguas sob um viés
tradicional, com foco no ensino da gramática e endosso na corrente behaviorista.
Em vista do caráter das atividades analisadas, afirmamos que o LD em questão não
apresenta propósito discursivo, pelo contrário, mostra-se controlador dos
mecanismos didáticos e exerce o silenciamento dos sentidos, garantido a autoridade
da aula para si e para a instituição que representa.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As grandes monarquias da Época Clássica não só desenvolveram aparelhos de Estado – Exército, polícia, administração local –, mas instauraram o que se poderia chamar uma nova “economia” do poder, isto é, procedimentos que permitissem fazer circular efeitos de poder de forma ao mesmo tempo contínua, ininterrupta, adaptada e “individualizada” em todo o corpo social.
(FOUCAULT, 2014, p. 45)
Partindo do dizer foucaultiano que epigrafa este item e retomando nosso
propósito no presente estudo – o de problematizar, a partir da análise do LDLI, as
estratégias de silenciamento dos sentidos nele presentes, e entender como e por
que se dão – somos movidos a concluir que os caminhos aqui percorridos
descortinam sentidos que revelam o LD detentor da verdade e modelador dos
processos pedagógicos na aula de inglês. Assim podemos dizer que o LD é um
aparelho que exerce efeitos de poder na cena pedagógica.
À guisa de conclusão, podemos afirmar que as situações de interdito
presentes no LDLI, nas atividades de leitura e de prática oral, garantem que o livro
desempenhe sua função de controlar os atores e a cena pedagógica. É também
possível atestar que, em decorrência, o SA se inscreve nas atividades didáticas
desprendido de sua historicidade.
Como vimos nos exercícios de interpretação de texto e nas atividades orais, o
SA apenas exercita dizeres vazios, destituídos de sentido. Muitos livros e exercícios
para o ensino de idiomas consideram que responder a questões, mesmo sem
construir significados, pode conduzir à inserção do SA na LA. Tais materiais
desconhecem ou desconsideram que para produzir discurso, para construir “sítios
de significância” (ORLANDI, 1996a, p. 64), o SA precisa ser instado a interpretar na
língua outra.
A análise empreendida de nosso corpus ratifica a hipótese formulada nesta
pesquisa de que o LD representa o “regime da verdade”, o qual, ainda que se
apresente de maneira sutil, dedica-se ao controle da cena escolar. Evidenciamos
117
nos enunciados que, assim como um pan-óptico, o LD coloca o SA e o professor em
vigilância mútua em relação aos processos pedagógicos no contexto da aula.
Nesse sentido, refletimos sobre nossos objetivos e constatamos que os
enunciados das atividades didáticas desempenham um papel de controle e trazem o
autor do LD para a cena da aula, submetendo tanto o professor quanto o SA aos
seus ditames. Notamos também que, a partir de abordagens pedagógicas
cerceadoras e de situações didáticas distantes da realidade do SA, este é colocado
em situação de interdito e não é instado à reflexão durante sua inserção na LE.
Outro aspecto observado revela que tanto a materialidade linguística dos
enunciados quanto as estratégias pedagógicas disponibilizadas pelo LD agem feito
um guia para o professor e o SA, mantendo a aula sob a ótica do autor.
Em nosso gesto de interpretação, depreendemos dos recortes analisados as
muitas contradições do LD, que se apresenta como uma inovação no ensino de
inglês, mas perfaz, em seu conteúdo, uma volta aos métodos tradicionais de ensino.
Tirando proveito do anseio pelo novo, que como aprendemos permeia nossa
sociedade, o LD atua como um instrumento de persuasão a legitimar-se perante a
sociedade e exercer seu poder.
Nessa medida, compreendemos que a convicção na autoridade do LD
sustenta-se na crença de seu saber incontestável. Observamos, através de nosso
estudo, que os LDs, particularmente aqueles desenvolvidos por franqueadores para
o ensino de idiomas, valem-se desta alcunha para relegar ao professor um
irrelevante controle da aula. Em maior instância, conferem às instituições de ensino
a que servem, o comando da aula. Desta maneira, garantem vantagem econômica
às instituições de ensino de idiomas que podem contar com docentes menos
capacitados, uma vez que a cena pedagógica estará sob o controle do LD.
Os recortes analisados nos permitiram compreender as estratégias
empregadas pelo autor para manter o processo pedagógico dentro de um limite
preestabelecido por ele, com uso do LD como um instrumento para exercer e manter
este controle. Vimos que na esteira disso, os exercícios desenvolvem-se de forma
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fechada e guiam o SA continuamente, cerceando-o de reflexões, da constituição dos
sentidos, das rupturas e deslocamentos, que poderiam acarretar situações de
confronto entre o SA e o professor e uma consequente perda do controle da aula.
Daí, constatamos que a manutenção do silenciamento dos sentidos é uma
estratégia utilizada pelo LDLI, um dos pilares das franquias de idiomas, para que o
ensino da LE ocorra de forma harmoniosa, sem conflitos e dispersões que poderiam
comprometer o fluxo da aula e também as bases financeiras das instituições de
ensino de línguas que necessitariam de maiores recursos para contarem com um
corpo docente mais capacitado.
A respeito de uma perspectiva discursiva para o ensino de LE, aprendemos
que as possibilidades oferecidas por estratégias que permitem ao SA a mobilização
da memória discursiva (por exemplo, através de atividades que se relacionem com a
realidade do aluno e o coloquem em cena como protagonista do processo ensino-
aprendizagem) constroem novos paradigmas para o ensino de idiomas, os quais se
destacam como uma forma não ilusória de inscrição na língua outra.
Em última instância, cremos que, sendo o LD o condutor dos processos de
ensino-aprendizagem, sua abordagem didática pode tanto criar oportunidade para o
estabelecimento dos sentidos quanto conduzir ao silenciamento. O que verificamos
em nosso corpus, por meio da análise do LD e de suas atividades orais e de leitura,
é que, em benefício das instituições, o LD assegura que o SA não produza discurso
além daquilo que se encontra previsto, proporcionando ao professor e à instituição
de ensino segurança e domínio da cena pedagógica. O silenciamento dos sentidos
do LDLI aprisiona o SA e salvaguarda a instituição de ensino.
Consideramos que este estudo gera possíveis caminhos para trabalhos
futuros, apontando para paradigmas diversos do ensino de idiomas, instigando-nos a
buscar novas pesquisas que possam contribuir para uma maior reflexão sobre o
ensino-aprendizagem de inglês como língua estrangeira e sobre os papéis do livro,
do professor e do aluno na cena didática. Ou ainda nos impulsionando a
empreender outras formas de pesquisa que poderiam ampliar nosso olhar sobre
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aspectos aqui tratados como a entrevista de professores e alunos sobre questões
que envolvem a relação poder-saber do livro didático no contexto escolar.
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