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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
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LEILA APARECIDA KELLER MEI
O CONTO FANTÁSTICO PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO: UMA
FERRAMENTA PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR COMPETENTE/CRÍTICO
LONDRINA
2014
LEILA APARECIDA KELLER MEI
O CONTO FANTÁSTICO PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO: UMA
FERRAMENTA PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR COMPETENTE/CRÍTICO
Artigo apresentado para o Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE da Secretaria Estadual de Educação do Paraná – SEED. Orientadora: Prof. Drª Cláudia Lopes Nascimento Saito.
LONDRINA
2014
O CONTO FANTÁSTICO PARA O LETRAMENTO LITERÁRIO: UMA
FERRAMENTA PARA A FORMAÇÃO DO LEITOR COMPETENTE/CRÍTICO
MEI, Leila Aparecida Keller1 SAITO, Cláudia Lopes Nascimento 2
Resumo
O letramento literário se apresenta como uma proposta de iniciação e ampliação da educação literária cujo objetivo fundamental é o de formar comunidades de leitores que se iniciam nas práticas de leitura do texto literário na escola, mas que irão além dela, porque oportunizarão aos alunos uma maneira própria de “ver e viver o mundo”. Portanto, o conhecimento de como esse mundo é articulado, como ele age sobre nós, não eliminará seu poder, porque fortalecido se apoiará no conhecimento que ilumina, fugindo da escuridão da ignorância. (COSSON, 2007, p.29). Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo apresentar uma proposta de letramento literário a partir da leitura de contos fantásticos do escritor brasileiro José J. Veiga e da escrita de adaptações destes contos, utilizando o rádio como veículo de socialização destas produções. Para tanto, este trabalho é norteado pela concepção interacionista da linguagem postulada por Bakhtin e Volochinov e, consequentemente, é pautada na noção de gênero discursivo, no qual estão implicadas as condições de produção, de circulação e recepção. Assim, as considerações aqui apresentadas são resultados da implementação de um projeto de pesquisa que procurou buscar meios para formar leitores competentes e críticos, capazes de atuar na sociedade em que vivem.
Palavra chave: Letramento literário. Contos Fantásticos. José J. Veiga. Peças radiofônicas.
Abstract
The literary literacy is presented as a proposal for initiation and expansion of literary education whose fundamental objective is to form communities of readers who begin in the literary text reading practices in school, but go beyond it, because will give opportunity students a way own "see and experience the world."Therefore, knowledge of how this world is articulated, as it acts upon us, will not eliminate your power because strengthened to support the knowledge that illuminates, escaping the darkness of ignorance. (COSSON, 2007, p.29).In this sense, this paper aims to present a proposal for a literary literacy from reading the fantastic Brazilian writer José J. Veiga and writing adaptations of these tales, using the radio as a vehicle for socialization of these productions.Therefore, this work is guided by the interactionist conception of language postulated by Bakhtin and Voloshinov and hence is based in the notion of discourse genre, in which are involved in the production conditions, circulation and reception.Thus, the considerations presented here are the result of the implementation of a research project that sought to find ways to form competent readers and critics, able to act in society in which they live.
Keywords: Literary literacy. Fantastic tales. José J. Veiga. Radio plays.
1 Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná e
Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) (e-mail: leilakalore@gmail..com) 2 Professora Orientadora do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), docente da
Universidade Estadual de Londrina desde 2012 e com doutorado na área de Filologia e Linguística Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista- UNESP (cln_saito@yahoo.com.br).
1. INTRODUÇÃO
Este artigo pretende explanar embasamentos teóricos e metodológicos
desenvolvidos na implementação de uma proposta a partir de estudos realizados
durante a participação no Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2013.
A inquietação por buscar meios inovadores que pudessem motivar o hábito da
leitura nos estudantes da Educação Básica Pública impulsionou esta pesquisa, que
se pautou na noção de gêneros discursivos postulada por Bakhtin e propôs um
trabalho de leitura de contos fantásticos, de produção de peças radiofônicas e de
sua transmissão em rádios locais. Para tanto, o ponto de partida foi o estudo e a pesquisa bibliográfica que
concebem a linguagem como interação e, consequentemente, abordassem o
conceito de letramento, capacidade do indivíduo de usar socialmente a leitura e a
escrita, posicionando-se e interagindo com as exigências da sociedade diante das
práticas de linguagem, demarcando a sua voz no contexto social. (PARANÁ, 2008,
p.50).
De posse dos conhecimentos teóricos, foi o momento de confrontar na prática
os pressupostos pesquisados. Assim, elaborou-se um Caderno Didático Pedagógico
com atividades diferenciadas que contemplavam as práticas de leitura, escrita e
oralidade, com uma linguagem acessível aos alunos do 8º ano do Ensino
Fundamental.
Na implementação desse material, surgiram algumas dificuldades que foram
vencidas no decorrer do trabalho e os resultados obtidos superaram todas as
expectativas, provando que o desenvolvimento de um projeto de letramento literário
que visa desenvolver a competência linguística dos estudantes é capaz de promover
o letramento literário e mudar a realidade das escolas públicas, que enfrentam o
desafio de formar leitores que compreendem o que leem.
Portanto, os obstáculos devem servir de incentivo para a busca de estratégias
que atendam às necessidades dos alunos e melhorem a qualidade da Educação
Básica Pública.
1.1. EMBASAMENTO TEÓRICO
O enfoque deste trabalho foi a leitura de contos fantásticos do escritor
brasileiro José J. Veiga, a escrita de adaptações destes contos e a utilização do
rádio como veículo de socialização destas produções.
Assim, norteado pela concepção interacionista da linguagem, postulada por
Bakhtin e Volochinov (1992). Dessa forma, a língua é vista como um sistema de
signos histórico e social que possibilita ao homem significar o mundo e a realidade.
(BRASIL, 1998, p.24). Nesta perspectiva, a leitura é concebida com uma prática
social, como um ato dialógico, interlocutivo (PARANÁ, 2008, p. 71).
Considerando a importância de se compreender a prática da leitura nesta
ótica interacionista para formar alunos letrados, faz-se necessário explicitar os
pressupostos teóricos em torno da leitura e do letramento.
Primeiramente, é preciso conceber a leitura como interação verbal entre
indivíduos: de um lado o autor inserido numa determinada sociedade, num
determinado momento sócio histórico, com seus objetivos e anseios e, de outro, o
leitor situado num determinado contexto, com seus conhecimentos de mundo e com
suas expectativas. (SOARES, 2002).
Nessa mesma linha, pode-se citar Menegassi (2010, p. 35) que considera que
tanto o sujeito leitor quanto o sujeito autor revelam na leitura marcas da
individualidade e do lugar social de onde provêm, o que estabelece, durante o ato de
ler, uma relação de intersubjetividade entre leitor/ texto, determinada sempre pelo
contexto de sua realização”.
Portanto, ler não é apenas extrair informação da escrita, decodificando-a letra
por letra, palavra por palavra. E, sim, uma atividade de construção de sentidos, na
qual o leitor competente e ativo é aquele que compreende o que lê, identifica os
elementos implícitos, estabelece relações entre o texto que lê e outros já lidos, valida
sua leitura a partir da localização de elementos discursivos (BRASIL, 1998, p.53-54).
Este leitor autônomo, competente, ativo sabe ler os diferentes textos que
circulam na sociedade, percebendo a finalidade destes; desenvolvendo, assim, sua
cidadania e o seu poder de transformação.
Com estas atitudes, pode-se afirmar que se tem o letramento que “refere-se
ao indivíduo que mão só sabe ler e escrever, mas usa socialmente a leitura e a
escrita, pratica a leitura e escrita, posiciona-se e interage com as exigências da
sociedade diante das práticas de linguagem, demarcando a sua voz no contexto.”
(PARANÁ, 2008, p. 50).
Com este trabalho buscou-se o letramento literário, valendo-se para isso da
leitura de contos fantásticos, narrativas que trabalham com a irrealidade, a magia, os
fatos absurdos. São narrativas que materializam e traduzem todo o mundo de
desejos, sendo a realização dos grandes sonhos humanos. Também as temáticas e
simbologias estão relacionadas a um mundo de mistérios e segredos. (HELD, 1980,
p. 25).
Nessa narrativa de ficção, o narrador é construído a fim de proporcionar a
fruição do imaginário dos leitores de forma a transportá-los a lugares tenebrosos e
medonhos, tentando envolvê-los de forma bastante particular. Geralmente, ele
também exerce o papel de personagem. Por isso, fala-se que ele é um narrador-
personagem. Outra característica marcante deste gênero é a técnica de suspense
diante de um enigma que é sustentado no desenvolvimento da narrativa até o seu
desfecho, o que cria certa expectativa no leitor.
Nessas histórias, os personagens possuem características humanas e limites
físicos e emocionais, mas conseguem enfrentar e resolver os problemas com o
auxílio do elemento mágico. Inclusive, sobre o papel da magia nos contos
fantásticos, Zilberman afirma que:
No conto fantástico, a magia desempenha um papel fundamental, estando sua presença associada a uma personagem que dificilmente ocupa o lugar principal. Eis uma característica decisiva desse tipo de história: o herói sofre o antagonismo de seres mais fortes que ele, carecendo do auxílio de uma figura que usufrui de algum poder, de natureza extraordinária. Para fazer jus a essa ajuda, porém, o herói precisa mostrar alguma virtude positiva, que é, seguidamente, de ordem moral, não de ordem física ou sobrenatural. (...) É possível, pois, entender o que significa a magia nos contos fantásticos: é a forma assumida pela fantasia, de que somos dotados, e que nos ajuda a resolver problemas. (ZILBERMAN, 2009, p.5)
Logo, nos contos fantásticos a magia é utilizada para suavizar as frustrações
do mundo real. Frustrações estas que são resultado do momento sócio histórico
destas produções, pois elas pertencem a um período denominado Realismo Mágico
que se desenvolveu fortemente nas décadas de 60 e 70, período bastante
conturbado na América Latina, no qual os países latino-americanos, inclusive o
Brasil, enfrentavam regimes de ditadura.
Dessa forma, as produções deste período são, na verdade, uma resposta às
opressões destes processos ditatoriais, utilizando para tanto o elemento mágico.
Neste período de passeatas, políticos cassados, cidadãos exilados, “inventou-se
mundos via uso do gênero fantástico para fugir à opressão e à repressão a que o
país (Brasil) e às pessoas estavam expostas àquele momento.” (REZENDE, 2008, p.
229).
Nesta época também, devido à ditadura, muitos temas eram proibidos pela
censura. Sobre esta função das produções deste período, Todorov afirma que:
Ao lado da censura institucionalizada, existe outra, mais sutil e também mais generalizada: a que reina na psique dos autores. A condenação de certos atos pela sociedade provoca uma condenação que ocorre no próprio indivíduo, proibindo-o de abordar certos temas tabus. O fantástico é um meio de combate contra uma e outra censura. (TODOROV, 2004, p. 161).
Além disso, esta literatura emerge num contexto de dicotomia entre a cultura
da tecnologia e a cultura popular com suas superstições e crendices. A América
Latina passava por um período de discussões a respeito dos problemas de
identidade nacional e cultural. (REZENDE, 2008).
O fantástico que caracteriza esta literatura “é a vacilação experimentada por
um ser que não conhece mais que as leis naturais, frente a um acontecimento
aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1992, p.16).
Esta literatura inova por ser uma representação em que coexistem fantasia e
realidade. Neste sentido, o fantástico é tomado como um gênero literário que se
define com relação ao real e imaginário. Ainda segundo Todorov (2004), todo texto
fantástico é uma narrativa. Isso por que o sobrenatural modifica o equilíbrio ou
desequilíbrio anterior, que é a própria definição de narrativa. Percebe-se que provém
daqui a terminologia usada para os textos fantásticos: narrativas fantásticas.
As narrativas fantásticas se valem dos elementos da magia, do sobrenatural
para desenrolarem suas tramas. E estes elementos contribuem para dar o sentido
proposto por este tipo de produção literária. Sobre esta função dos elementos da
magia, Todorov elucida:
Em primeiro lugar, o fantástico produz um efeito particular sobre o leitor — medo, horror ou simplesmente curiosidade—, que os outros gêneros ou formas literárias não podem suscitar. Em segundo lugar, o fantástico serve à narração, mantém o suspense: a presença de elementos fantásticos permite uma organização particularmente rodeada da intriga. Por fim, o fantástico tem uma função a primeira vista tautológica: permite descrever um universo fantástico, que não tem, por tal razão, uma realidade exterior à linguagem; a descrição e o descrito não têm uma natureza diferente. (TODOROV, 1980, p. 50).
Logo, no conto fantástico o sobrenatural comove, assusta ou simplesmente
mantém em suspense ao leitor, o que prende a atenção do mesmo. Entretanto, vale
ressaltar também que essas narrativas abordam assuntos inquietantes para o
homem atual, tais como: os avanços tecnológicos, as angústias existenciais, a
opressão, a burocracia, a desigualdade social, entre outros. Revelando, assim, o
nosso cotidiano. (LOURENÇO & MOURA, 2009).
Os escritores deste gênero literário procuravam investir em uma narrativa que
colocasse em foco o homem americano e sua crise em uma sociedade complexa,
que vivia uma dicotomia entre o mundo agrário e a era industrial e tecnológica de
forte apelo urbano. (MIRANDA, 2011, p.06).
Uma gama de escritores se dedicou a este tipo de produção literária podemos
citar: Jorge Luís Borges, Adolfo Bioy Casares, Miguel Ángel Asturias, Arturo
UslarPietri ), Alejo Carpentier, José Maria Arguedas, Juan Carlos Onetti, Agustín
Yáñez, José Revueltas, Gabriel García Márquez, Julio Cortázar, Carlos Fuentes,
Mario Vargas Llosa, José Lezama Lima, Guilhermo Cabrera Infante, Mario Benedetti,
João Guimarães Rosa, Murilo Rubião e José J.Veiga.
Dentre estes que se destacaram na literatura fantástica, elegeu-se para este
trabalho o autor goiano José Jacinto Pereira Veiga, considerado como um dos
introdutores do realismo mágico na literatura brasileira. Escritor renomado que
emprega em suas obras uma linguagem despojada, sem artificialismos,
aproximando-se da falada.
O cenário de suas narrativas é o meio rural ou pequenas cidades, no qual a
monotonia do cotidiano é quebrada por acontecimentos incomuns, absurdos. Todos
estes elementos podem propiciar uma leitura agradável por parte dos alunos pela
familiaridade e identificação com esta realidade.
A adaptação literária é vista por alguns estudiosos como uma simples
transcodificação ou transposição de um sistema de linguagem para outro, ou seja,
da literatura para o cinema ou para o teatro ou para o rádio. Entretanto, a adaptação
de uma obra literária terá como consequência transformações inevitáveis devido à
mudança de veículo, dos contextos diferentes e dos modos de produção. Sempre o
seu resultado é uma nova obra que deve se relacionar de forma coerente com o
texto original. Portanto, entendemos mais como uma transcriação que, propriamente,
uma mera transposição.
É importante saber também que dependendo da intenção, o adaptador pode
optar por uma “adaptação baseada” ou “adaptação livre da obra original”. Há uma
distinção muito grande entre elas. Enquanto na primeira, o adaptador pode
selecionar o todo ou apenas alguns elementos, na outra, a liberdade de recriação é
bem maior.
De acordo com Cabello (2000, p.52), “para se efetuar uma adaptação literária,
torna-se imprescindível, de antemão, o conhecimento pleno da obra original e do
código para qual a obra será transposta, bem como a definição do tipo de adaptação
a ser efetuado”.
Neste caso, o texto original é um conto fantástico escrito que resultará numa
obra sonora - uma peça radiofônica. Logo, as informações que eram escritas
deverão ser audíveis e precisam provocar a criação de imagens mentais.
Para que isso ocorra, primeiramente o conto deverá ser adaptado para texto
dramático, texto que se assemelha ao narrativo quanto às características, uma vez
que o mesmo se constitui de fatos, personagens e história (o enredo representado),
que sempre ocorre em um determinado lugar, dispostos em uma sequência linear
representada pela introdução (ou apresentação), complicação, clímax e desfecho.
Neste gênero textual, os elementos, como cenário, música, luz, figurino, maquiagem,
gestos, movimentos são indicados por rubricas que são trechos que aparecem
destacados por estarem entre parênteses ou serem escritas com letras de tipo
diferente, indicando como as personagens devem falar e agir para que o interlocutor
possa entender ao que está sendo dramatizado.
O dialogo também se constitui como elemento dominante e essencial no texto
dramático. É nele que se manifestam uma oposição e uma luta de vontades que
caracterizam o conflito, elemento imprescindível, que possibilita à plateia ter
expectativas em relação aos fatos que vê e, consequentemente, prendendo a sua
atenção.
A história em si é retratada pelos atores por meio do diálogo, no qual o
objetivo maior pauta-se por promover uma efetiva interação com o público
expectador, em que razão e emoção se fundem a todo o momento, proporcionando
prazer e entretenimento.
O texto dramático ganha vida no palco quando é encenado. Na proposta
deste trabalho o palco é o rádio, pois um dos objetivos é trazer a linguagem
radiofônica para a contemporaneidade, buscando valorizar seu caráter artístico que
faça sentido nos dias de hoje.
É, nesse sentido, que o presente projeto de letramento literário vai culminar
na adaptação de um conto fantástico para o rádio. Isto é, a transposição de um texto
literário para uma peça radiofônica que possa através da voz e dos efeitos sonoros
especiais criar uma atmosfera mágica, fantástica bem própria do Realismo
Fantástico.
O foco deste trabalho e a obra “Os cavalinhos de Platiplanto”, livro de doze
contos que ganhou o prêmio Fábio Prata. Estes contos fantásticos de José J. Veiga
são o ponto de partida para a escrita das adaptações literárias pelos alunos.
A peça radiofônica ou linguagem radiofônica “é o conjunto de formas sonoras
e não sonoras representadas pelos sistemas expressivos da palavra, da música, dos
efeitos sonoros e do silêncio”. (BALSEBRE, 2005, p. 329)
Klaus Schöning (1980), escritor, diretor e produtor de rádio, afirma que na obra
radiofônica se fundem: a literatura, a música, a arte dramática; sendo ela a
realização acústica de texto e partitura.
No radio drama, o cenário sonoro ou ambientação sonora é um elemento
essencial. Na verdade, insubstituível, funciona como a base para a imaginação do
ouvinte, é encarregada de localizar espacialmente a ação e colocar o ouvinte dentro
do mundo da ficção radiofônica.
Esse cenário sonoro pode ser realista ou mais abstrato. Algumas vezes, até
podemos utilizar ruídos do cotidiano ou trilhas musicais. Os ambientes devem tornar-
se "visíveis" através da sonorização. A ambientação sonora tira o caráter estático da
"montagem de teatro gravada" e oferece indicações de espaço diferentes daquelas
referidas pela fala dos personagens. (cf. SPRÍTZER, 2005, p. 6).
Segundo a autora, na peça radiofônica a voz não é um elemento a mais no todo,
mas sim a protagonista onde não existe a cena teatral. Há momentos em que a voz
é a senhora da ação. É, nesse sentido, que enfatiza que “a voz adquire o estatuto de
um corpo que ocupa espaço e se apropria do tempo; cabendo ao ouvinte a
oportunidade de entregar ao outro a tarefa de conduzi-lo pela viagem da escuta”.
Na peça radiofônica, o texto teatral precisa transmitir por meio dos recursos
sonoros o que é visual na peça teatral. É preciso levar o ouvinte a criar imagens a
partir da audição. Para isso, torna-se imprescindível uma seleção musical criteriosa,
definida pela intencionalidade de elaboração da peça radiofônica. (CABELLO, 2000,
p. 8).
A escolha dos elementos sonoros é que dará à peça a ambientação desejada. A
caracterização de espaços, personagens, ações, tempo e o próprio tema dependem
destes elementos para se configurarem.
1.2 IMPLEMENTAÇÃO DA PROPOSTA NA ESCOLA
A implementação da proposta ocorreu no primeiro semestre de 2013, terceiro
período do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE/2013, no Colégio
Estadual Abraham Lincoln – Ensino Fundamental e Médio, do município de Kaloré.
O trabalho foi desenvolvido em duas turmas de oitavo ano, uma do período matutino
e outra do período vespertino.
Como atividade inicial, foi feita a apresentação do projeto aos professores,
aos funcionários e a equipe administrativo-pedagógica da escola, durante a Semana
Pedagógica.
Os presentes manifestaram apreço pelo trabalho, externando apoio às
atividades que seriam realizadas, inclusive os professores de história das turmas
alvo do projeto que, em determinado momento, trabalharam o contexto sócio-
histórico das produções dos contos fantásticos, os regimes militares nos anos 60 e
70, como forma de colaborar para a realização de um trabalho conjunto e
interdisciplinar, já que a tarefa de formar leitores não é exclusiva do professor de
Língua Portuguesa.
Após a escola tomar conhecimento do trabalho, pudemos contar com o
suporte da mesma na providência dos materiais necessários para os estudos. Dessa
forma, foram feitas cópias do caderno didático pedagógico, material de apoio para
os alunos.
Logo na primeira semana de aula, foi apresentado o projeto aos alunos e
distribuída uma cópia do caderno para cada um. Os mesmos se mostraram bem
receptivos e empolgados, principalmente com a possibilidade de gravar uma peça
radiofônica na rádio local. De início, relataram certa insegurança diante do desafio,
mas se propuseram a participar de todas as atividades com afinco para se preparem
para a gravação.
Para motivá-los e amenizar esta insegurança, foi exibido um trecho de um
vídeo de uma amostra cultural realizada pelo colégio em 2010, na qual alguns
alunos reproduziram um capítulo de uma radionovela de 1940.
Na sequência, os alunos foram indagados sobre o termo fantástico, a fim de
diagnosticar o conhecimento prévio deles. A maioria o definiu como sendo algo
incrível, sobrenatural e que não ocorre na realidade. Alguns trechos de vídeos
também foram exibidos para ilustrar melhor a definição de fantástico.
O próximo passo foi propor a leitura do conto “O gato preto”, de Edgar Allan
Poe. Nesta primeira atividade de leitura, pode-se observar a dificuldade que muitos
estudantes enfrentam quanto à compreensão do que se lê, conforme aponta a DCE
de língua Portuguesa:
Mesmo vivendo numa época denominada “era da informação”, a qual possibilita acesso rápido à leitura de uma gama imensurável de informações, convivemos com o índice crescente de analfabetismo funcional, e os resultados das avaliações educacionais revelam baixo desempenho do aluno em relação à compreensão dos textos que lê. (PARANÁ, 2008, p. 48).
Diante dessa realidade, a leitura do texto foi realizada por parágrafos e os
alunos foram comentando os trechos lidos para buscar o entendimento do texto. A
leitura foi demorada, mas o resultado foi compensador, os alunos interagiram com o
texto e descreveram suas impressões diante do mesmo. Para introduzir o tema
adaptação literária, os alunos ficaram de assistir em casa uma adaptação do conto
feita por uma escola de animação de Contagem.
Na aula seguinte, a adaptação foi exibida na TV Multimídia para os alunos
que não tiveram oportunidade de assisti-la em casa. A partir do vídeo, os alunos já
começaram a pensar nos recursos sonoros que usariam nas adaptações deles.
No decorrer das aulas, surgiu a necessidade de interação entre professora e
alunos e entre os alunos nos intervalos entre os encontros. Então, foi criado um
grupo no Facebook para servir de canal entre os participantes do projeto, já que a
maioria dos alunos tem acesso a esta rede social.
A utilização de uma ferramenta tecnológica para promover a interação foi um
elemento diferencial para motivar os alunos que passaram a postar conteúdos,
dúvidas, comentários no grupo. Eles aprenderam a se ajudar. Quando um aluno
postava uma dúvida, outro que já tinha entendido o conteúdo respondia antes
mesmo da professora. O que provou que ao ver sentido no que está sendo proposto,
o aluno se motiva a participar e a buscar conhecimentos.
As atividades posteriores foram leituras de vários contos fantásticos de José
J. Veiga, os quais foram analisados, discutidos e apreciados pelos alunos. Também
foram oportunizadas audições de algumas canções que contemplam elementos
fantásticos para familiarizar a turma com a atmosfera de mistério e suspense.
Nesta etapa, os alunos já estavam demonstrando autonomia quanto à
escolha de textos para ler. Os quatro exemplares do livro “Os cavalinhos de
Platiplanto” de José J. Veiga não foram suficientes para atender o interesse das
duas turmas.
Assim, foram oferecidas cópias da obra, porém estas não surtiam o mesmo
efeito do livro, ninguém queria aquela cópia em preto e branco. Este foi um dos
obstáculos na implementação do projeto.
A dificuldade que as escolas públicas têm em oferecer exemplares suficientes
de uma obra que a maioria demonstra em interesse pela leitura. Quando se tem
número suficiente, é possível planejar atividades que oportunizem o debate e as
discussões coletivas sobre o texto lido envolvendo toda a turma.
Para dar suporte e preparar os alunos para a escrita das adaptações foram
trabalhados textos do gênero dramático. Foram estudadas as regularidades do
gênero e leituras dramatizadas de algumas peças famosas foram realizadas na sala,
das quais os alunos gostaram bastante.
Além disso, foram exibidos filmes que são adaptações de obras literárias,
para que os alunos fizessem um paralelo entre a obra literária e a adaptação e
também pudesse decidir pelo tipo de adaptação que iriam fazer: paródia ou
estilização do gênero.
Terminadas as práticas de leituras, partiu-se para a escrita das adaptações. A
proposta foi passada para os alunos que se dividiram em grupos e escolheram o
conto que queriam adaptar. Porém, o início das produções se constituiu num
momento árduo, os grupos não sabiam como começar o texto. Tinham as ideias,
mas não conseguiam pôr no papel.
Depois de muitas tentativas, decidimos em realizar uma atividade de
oralidade para que os alunos se sentissem mais seguros para a escrita. Eles
contaram a forma como pensaram em fazer a adaptação. Estas falas foram
gravadas e ouvidas pelos alunos que passaram a registrar o texto deles. Foram
necessárias várias aulas e a intervenção da professora para que os grupos
finalizassem as escritas, o que colaborou para a extrapolação tempo de
implementação do projeto. As produções dos alunos foram reestruturadas e
reescritas várias vezes até se chegar numa versão que pudesse ser dramatizada no
rádio.
Com o texto pronto, começaram os ensaios para a gravação na rádio local.
Os grupos fizeram uma primeira gravação na escola para terem ideia da
compreensão do texto pelo ouvinte. A falta de uma sala adequada e equipamentos
de som de qualidade prejudicaram o desenvolvimento da atividade. Os alunos
acabaram gravando nos seus aparelhos de celular. Na primeira audição perceberam
que os textos necessitavam de adequações para serem compreendidos.
Feitas as correções, as equipes gravaram na rádio local. Novamente surgiram
dificuldades, a rádio não possui um estúdio de gravação com isolamento acústico,
assim os ruídos da rua interferiram nas falas. A solução foi procurar uma emissora
de rádio no município vizinho e pedir a colaboração no projeto. A solicitação foi
atendida e as equipes puderam gravar as adaptações com qualidade sonora.
É importante ressaltar que na preparação dos alunos para a gravação final, a
professora de Educação Física das turmas auxiliou as equipes na dramatização da
voz, para que não parecesse uma leitura do texto. Assim, tiveram a oportunidade de
trabalharem a voz, de darem vida e corpo às suas vozes; o que resultou em lágrimas
e muita emoção nas audições do trabalho pronto.
Os oito áudios foram editados e transmitidos pelas emissoras dos municípios
de Kaloré e Borrazópolis. Esta socialização valorizou muito o trabalho dos alunos
que se sentiram gratificados por todo o empenho que tiveram para dar conta da
tarefa de gravar uma peça radiofônica, algo que desconheciam no início da
implementação e que fora desafiante tanto para eles quanto para nós.
Foram horas e horas de pesquisas para que os alunos pudessem ser
orientados adequadamente na realização de todas as atividades, já que os
conhecimentos sobre sonoplastia e recursos sonoros foram adquiridos no decorrer
do projeto.
1.3 RESULTADOS OBTIDOS
Apesar de algumas dificuldades, o resultado obtido superou todas as nossas
expectativas. Os alunos se envolveram e se dedicaram em todas as atividades,
procurando fazer o melhor possível.
Mesmo aqueles alunos considerados indisciplinados realizaram as tarefas
dentro de suas possibilidades. Dentro das equipes, souberam dividir as
responsabilidades e até efetuaram algumas trocas de membros para que estas
ficassem equilibradas.
Um dos fatos que contribuiu para este entrosamento das turmas foi o uso de
uma rede social para a troca de informações e estudos. Poder utilizar o aparelho
celular, antes proibido na escola, nas aulas para as gravações e reproduções de
vídeos também contribuiu para cativar todos os alunos.
É preciso destacar também que a socialização dos textos dos alunos nas
emissoras de rádio foi decisiva para que os mesmos se motivassem a escrever com
tanto cuidado e preocupação em se fazer compreender. Isso provou o que as DCE
de Língua Portuguesa sugerem nas práticas de escrita:
Para dar oportunidade de socializar a experiência da produção textual, o professor pode utilizar-se de diversas estratégias, como afixar os textos dos alunos no mural da escola, promovendo um rodízio dos mesmos; reunir os diversos textos em uma coletânea ou publicá-los no jornal da escola; enviar cartas do leitor (no caso dos alunos) para determinado jornal; encaminhar carta de solicitação dos alunos para a câmara de vereadores da cidade; produção de panfletos a serem distribuídos na comunidade, entre outros. Dessa forma, além de enfatizar o caráter interlocutivo da linguagem, possibilitando aos estudantes constituírem-se se sujeitos do fazer linguístico, essa prática orientará não apenas a produção de textos significativos, como incentivará a prática da leitura. (PARANÁ, 2008, p.70).
Ouvir seus textos e, ainda melhor, suas vozes na programação das rádios,
sabendo que seus pais, familiares, colegas de outras turmas, amigos também
estavam ouvindo mexeu com a autoestima dos alunos, que se sentiram
protagonistas de suas histórias.
O avanço dos alunos na oralidade foi tão nítido que alguns, antes tímidos e
não participativos, chegaram a se destacar em apresentações teatrais da escola;
sendo convidados para participarem das aulas de teatro desenvolvidas no colégio
como atividades complementares.
1.4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao término do trabalho, pode-se afirmar que os objetivos propostos foram
alcançados com êxito. As práticas de leitura dos textos literários contos fantásticos
promoveu o letramento literário dos alunos do 8º ano do Colégio Estadual Abraham
Lincoln, de Kaloré/PR, uma vez que pudemos perceber mudanças nas atitudes dos
alunos durante o decorrer do ano letivo, principalmente, nas aulas de leitura na
biblioteca, nas quais os mesmos passaram a ter maior interesse por obras literárias,
tendo autonomia para escolhê-las. Também houve progresso quanto às práticas de
leituras orais, em que pudemos observar por parte dos alunos um maior
monitoramento em relação aos elementos prosódicos e melódicos.
Concluímos que, a experiência vivenciada com a participação no Programa
de Desenvolvimento Educação (PDE), além de enriquecedora, estimulante e
desafiante, contribuiu para que nos tornasse uma professora de língua portuguesa
ainda mais entusiasta no que tange à pesquisa e a novos projetos.
REFERÊNCIAS
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