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Versão On-line ISBN 978-85-8015-075-9Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Produções Didático-Pedagógicas
PRODUÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA
UNIDADE DIDÁTICA: Leitura e Compreensão Textual do Gênero Conto: Um
desafio aos 6º Anos do Ensino Fundamental da EJA. Autor Maria Inêz de Souza Spagnol
Àrea(Ingresso no PDE) Pedagogia Escola de Implementação do Projeto e sua localização
Centro Estadual de Educação Básica de Jovens e Adultos – CEEBJA ―Saada Mitre Abou Nabhan‖
Município da escola Cianorte
Núcleo Regional de Educação
Cianorte
Professor Orientador Dr.José Joaquim Pereira Melo
Instituição de Ensino Superior
Universidade Estadual de Maringá
Resumo
A proposta desta Unidade Didática é
contribuir para o avanço qualitativo do processo
ensino-aprendizagem dos estudantes dos 6º Anos
da EJA. Por meio de uma sequência didática com
o gênero conto, foram preparadas atividades para
desenvolver as habilidades, estratégias de leitura e
de compreensão, com o propósito de oferecer
condições e possibilidades para a superação do
baixo nível de leitura e compreensão textual dos
participantes. Os estudantes que procuram a EJA
são os que retornaram ao ambiente escolar por
estarem afastados da escola por muito tempo ou
por terem em seu histórico escolar o registro de
várias reprovas, Este trabalho se estruturou na
perspectiva de contribuir: a) com essa camada da
população que vem em busca do conhecimento; b)
com professores que trabalham com esta
modalidade de ensino e encontram dificuldades de
material que atenda ao referido público. Portanto,
ao entender esses conhecimentos como legado
histórico, reitera-se que eles devem ser
socializados com todos professores e estudantes
que dele necessitarem.
Palavras-chave Leitura; Compreensão Textual; Gênero conto.
Formato do Material Didático
Unidade Didática
Público Alvo Estudantes dos 6º Anos do Ensino Fundamental do CEEBJA.
APRESENTAÇÃO
A trajetória percorrida até este momento como profissional da Educação
do Estado do Paraná possibilitou-me constatar que a escola pública avançou
no quesito da garantia de acesso aos estudantes, porém não se efetivou ainda
a permanência e o sucesso do ensino e da aprendizagem.
Tal constatação parte da premissa de que o baixo nível na
aprendizagem permanece em todos os níveis e modalidades de ensino,
conforme os resultados obtidos por meio das avaliações externas oficiais dos
programas, tais como o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica), o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) e o INAF
(Índice de Analfabetismo Funcional), os quais mostram que a apropriação da
leitura e da escrita não têm sido suficiente aos estudantes ao término do ensino
fundamental final.
É nesse cenário que se inserem também os estudantes dos 6º Anos do
CEEBJA, que buscam atendimento desta instituição e, ao efetivar sua
matrícula, passam a frequentar a escola apresentando um desempenho de
letramento abaixo do esperado. É comum nesses estudantes a falta de
desenvoltura no uso da linguagem nas mais diversas situações comunicativas,
não tendo o domínio básico para a compreensão do texto e, tampouco,
habilidade necessária para se posicionar diante do que foi lido.
A escrita alfabética criou possibilidades para os seres humanos
expressarem ideias, valores, sentimentos e seu entendimento de mundo, por
meio do avanço da ciência e da tecnologia, proporcionadas pelo processo
histórico da sociedade. É necessário então, modificar as condições acima
mencionadas para que os estudantes da EJA tenham acesso à linguagem para
se expressarem melhor. Já que o desenvolvimento da linguagem possibilita a
atuação do sujeito na vida social e política de forma digna.
Desta forma, faz-se necessário desenvolver no estudante a
compreensão sobre a linguagem, entendendo-a como resultado das relações
que se estabelecem entre os sujeitos no momento em que se interagem
(locutor/interlocutor). Portanto, entendemos o ato de ler, escrever como
processo dialógico e interacional, pois é por meio dele que refletimos,
compreendemos o que se fala e com quem se fala.
Ensinar linguagem na concepção interacionista é possibilitar ao
estudante o desenvolvimento da capacidade de compreender, tanto no texto
oral quanto no escrito, a intencionalidade da fala, as condições concretas de
interação em que foi produzida.
A concepção de linguagem como um processo de interação conduz ao
entendimento de que os significados são diferentes para cada leitor,
considerando que ao ler se estabelece uma relação do texto com os
conhecimentos prévios de cada pessoa. Isso proporciona opiniões diversas, de
acordo com a cultura, valores e experiências de vida.
Essa é a linha de pensamento que norteia a presente Produção
Didático-Pedagógica a ser desenvolvida com os 6º anos na EJA, objetivando,
desse modo, uma aprendizagem mais consistente, a qual visa à superação da
atual conjuntura em que se encontra o nível de aprendizagem desses
estudantes.
Uma educação pública de qualidade representa a possibilidade de
ampliação dos conhecimentos dos sujeitos que dele necessitam e, aliar a teoria
à prática é condição básica como suporte ao desenvolvimento de pessoas,
tornando-as capazes de ler, compreender, pensar criticamente o mundo em
que se inserem. Enfim, ler, compreender e opinar diante do texto lido são
condições essenciais na construção de significados, na formação de sujeitos
para atuar de maneira autônoma na sociedade.
Esse entendimento deve nortear o fazer pedagógico, na busca da
efetivação do papel social da escola, aqui, especificamente da Língua
Portuguesa, no compromisso com a formação de leitores proficientes. Haja
vista que a leitura proporciona a ampliação de conhecimentos essenciais à
formação humana, quanto maior contato o sujeito tiver com atividades de
leitura maior possibilidades terá em compreender o contexto do qual faz parte.
Visão essa também contemplada nas Diretrizes Curriculares para a
Educação de Jovens e Adultos no Estado do Paraná (PARANÁ, 2006, p. 56) na
qual se afirma: ―que ao ler o indivíduo busca as suas experiências, os seus
conhecimentos prévios, a sua formação religiosa, cultural, enfim as várias
vozes que o constituem.‖
Isto nos conduz ao entendimento do sujeito como ser histórico-social,
uma vez que ele, por meio do seu agir nas práticas sociais, produz sentido ao
se estabelecer relação com os interlocutores. Dessa forma, a linguagem se
constitui, pois nasce das necessidades humanas. Necessidades essas que, no
campo de ensino, precisam da ação mediadora do adulto com maior
conhecimento para o desenvolvimento das funções cognitivas superiores, tais
como as competências textuais e discursivas.
A mediação estabelecida é capaz de transpor o estudante de um nível
de conhecimento a outro mais elaborado, o que Vygotsky (1989) denomina
como Zona Potencial de Desenvolvimento (ZPD), promovendo, assim, o
avanço na aprendizagem.
Nessa perspectiva é que nos propomos a desenvolver essa proposta de
intervenção pedagógica, envolvendo a leitura, compreensão oral e escrita, bem
como a reflexão sobre o gênero conto.
GÊNERO CONTO – ASPECTOS METODOLÓGICOS E TEÓRICOS
―Ao lado da literatura, do pensamento intelectual letrado, correm
as águas paralelas, solitárias e poderosas, da memória e da
imaginação popular. O conto é um vértice de ângulo dessa
memória e dessa imaginação.‖ (Luis da Câmara Cascudo)
O escritor russo Mikhail Bakhtin, em seus estudos sobre a linguagem e
literatura, foi o precursor ao empregar o termo gênero num sentido mais amplo,
não se restringindo à esfera literária, diferenciando os textos que utilizamos em
situações de comunicação do nosso cotidiano.
Entende o teórico que a linguagem possui um caráter dialógico e,
portanto, é necessário compreender que o texto tem seu aspecto social, ou
seja, a sua relação de interação com o meio em que foi produzido. Essa
relação proporciona ao leitor maior significado nas práticas comunicativas e,
por isso, também no processo da prática de leitura.
Por essa via, frente às dificuldades que muitos estudantes da escola
pública têm demonstrado com relação à leitura e compreensão textual nos
anos finais do ensino fundamental, entende-se ser relevante o trabalho com
atividades voltadas ao estudo gênero discursivo do conto, pela relação que os
estudantes podem estabelecer com suas experiências individuais.
A escolha desse gênero se deu por entendermos que a tipologia textual
da narrativa, a qual pertence o gênero conto, possui característica mais
apropriada para o público alvo, já que eles são modelos de narrativas num
formato menos extenso que outros gêneros literários como o romance ou a
novela.
Como esse gênero envolve menor tempo para a leitura, acreditamos ser
o mais indicado para o público jovem e adulto da EJA, pelo perfil que estes
estudantes apresentam em suas experiências, marcadas, de certa forma, por
insucesso na aprendizagem escolar, possuindo, assim, lacunas no seu
processo de alfabetização e letramento.
No que se refere aos aspectos teóricos e históricos sobre o gênero
conto, sabe-se que é originário das mais antigas civilizações e que não possui
uma data que delimite seu início. Sendo esta a forma encontrada pelos antigos
povos para passar seus ensinamentos e preservar a sua cultura pelas histórias
que contavam.
Ricardo de Azevedo (2007, p.2), contista brasileiro, afirma que os contos
são:
[...] típicas expressões de culturas orais (sem escrita), ou seja, culturas que não contam com recursos para fixar informações. De narrador em narrador, guardados, através dos séculos, na plasticidade da memória e da voz, viajaram para todos os lados sendo disseminados pela transmissão boca a boca.
Frente ao exposto, um mesmo conto sofre alterações lingüísticas, pois
depende da época, da região em que é contado. Os contos possuem
classificações diferenciadas dependendo do autor, entre estas se encontram:
contos de fadas, contos maravilhosos, contos populares, contos modernos
entre outros.
Os estudos sobre os contos populares apontam que estes são marcados
pelo aspecto de tradição oral. Somente mais tarde, a partir do século XVII,
passa-se a ter registros na forma de texto impresso, ganhando um vasto
repertório com importantes fontes de informação, que contribuem para o
entendimento da história das civilizações.
Os contistas que se destacam com os registros dos contos, os quais
passam a ser muito difundidos, são: Charles Perrault – francês que viveu na
França entre os anos de 1628 a 1703. Era advogado e funcionário público,
demonstrou interesse pela literatura e passou a registrar as histórias de
tradição oral, transpondo para a corte francesa a cultura popular. Na escrita de
seus contos, procura transmitir ensinamentos e valores morais que considerava
corretos para a sociedade de sua época. Fazem parte de seus registros as
histórias muito divulgadas na escola: Chapeuzinho vermelho, Cinderela, A Bela
Adormecida e o Gato de Botas; Jacob (1785 – 1863) e Wilhem (1786 – 1859)
Grimm – os chamados Irmãos Grimm, maiores escritores dos Contos de
Fadas, viveram na Alemanha e organizaram seus contos a partir de pesquisas
e também das histórias contadas por amigos, familiares e camponeses.
Publicaram as histórias organizadas por eles entre os anos de 1812 e 1815.
Até então, os contos eram destinados ao público adulto e os Irmãos Grimm
passam a dedicá-los às crianças, destacam entre eles: O Pequeno Alfaiate
Valente- versão João Mata Sete, João e Maria, Cinderela, Branca de Neve e os
Sete Anões, O Pequeno Polegar, A Bela Adormecida, Os Músicos de Bremen,
Rapunzel, O Gato de Botas e O rei Sapo; Hans Cristian Andersen – nasceu em
1805 na Dinamarca, de família humilde, chegou a freqüentar os ambientes das
elites e tornou-se um famoso contador de histórias. Diferente de Perrault e dos
Irmãos Grimm, escreveu suas próprias histórias, são elas: A Roupa Nova do
Rei, A Princesa e a Ervilha, A Pequena Sereia, O Rouxinol. As mais famosas
são: O Patinho Feio, O Soldadinho de Chumbo e A Roupa Nova do Rei.
Na história desse gênero discursivo, além dos contos populares,
destacam-se os Contos Modernos. Eles começaram a ser escritos a partir do
séc. XIV, com Boccaccio, que escreveu os Contos do Decamerão, seguindo o
tipo de narrativa que passa a ter estrutura mais regular, contendo um autor,
não é apenas fruto da imaginação popular; um narrador em 1ª ou 3ª pessoa;
curta duração (ser uma história pequena); uma linguagem econômica; poucos
personagens; o predomínio de diálogos; a linguagem é originária do autor, que
pode ou não reproduzir a linguagem popular, e o estilo varia de autor para
autor.
Hoje os contos estão registrados, garantindo o acesso de todos à
produção historicamente produzida pela humanidade, ao fazer parte dos
acervos das bibliotecas de maneira diversa. Com relação ao processo histórico
da trajetória do conto, a autora Nádia Battella Gotlib, em seus estudos sobre a
teoria do conto, faz a seguinte afirmação:
A história do conto, nas suas linhas mais gerais, pode se esboçar a partir deste critério de invenção, que foi se desenvolvendo. Antes, a criação do conto e sua transmissão oral. Depois, seu registro escrito. E posteriormente, a criação por escrito de contos. Quando o narrador-criador-escritor de contos, afirmando, então, o seu caráter literário (GOTLIB, 1998, p.13).
No Brasil, o conto, enquanto literatura destaca-se com as obras de
Machado de Assis, disseminada a partir da segunda metade do Romantismo,
por volta de 1860. Escritor este, considerado a maior expressão da literatura
brasileira, de acordo com Afrânio Coutinho (2004) destaca-se por ser:
[...] inegavelmente, o fixador das principais diretrizes do conto brasileiro, a vigorarem durante meio século, pelo menos, quer seguindo o roteiro dos românticos, sem perder de vista, no entanto, o signo nascente de Maupassant, com histórias de cruel realismo, de que não seria difícil achar nítidos reflexos em páginas como ―Pai contra mãe‖ ou‖ A causa secreta‖, quer prenunciando o que seria o conto moderno, a cristalização dum estado de alma, da atmosfera de certo ambiente moral, desde que, muito antes de Tchecov firmar-se na Rússia, já ele se tornara mestre insuperável do gênero no Brasil (COUTINHO, 2004, p.49).
Conforme referência acima, Machado de Assis é o grande mestre da
literatura brasileira, possui uma quantidade significativa de obras que muito
contribuem para a formação do leitor. No entanto, outros contistas se destacam
no Brasil, entre eles: Aluísio de Azevedo, Clarice Lispector, Lima Barreto, Otto
Lara Resende, Lígia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, Carlos Drummond de
Andrade, Monteiro Lobato, Marina Colassanti e tantos outros.
Para que em sala de aula os contos possam também contribuir para a
ampliação do repertório cultural dos estudantes, a ação mediadora do
professor na leitura literária é um processo importante na formação do leitor,
haja vista que ―A literatura é uma variável de constituições da experiência
humana‖ (BRASIL, 1997, p.37). Por contribuir com o avanço do processo de
aprendizagem da leitura e compreensão textual, o gênero conto deve ser
trabalhado por meio de discussões, para a percepção das diferentes
manifestações que compõem o texto literário.
Como toda a obra a literária, os contos, produto da linguagem, carregam
em si, marcas ideológicas a respeito das concepções e das atitudes dos
sujeitos do mundo. Embora o caráter literário afaste o pleno compromisso do
contato com a realidade, por meio dessa modalidade de linguagem, é possível
refletir, sobretudo, sobre o agir humano na sociedade. Então, o leitor ao
deparar-se com a literatura pode visualizar seu mundo lido de outra forma e a
partir daí pode também poder transformar seu horizonte de expectativa. É por
esse motivo que Antônio Candido (1995, p. 175) defende a literatura como um
direito aos sujeitos, uma vez que, ao promover à fruição estética, pode levar os
leitores ao deslocamento, a reflexão e à mudança de atitude.
Por isso é que nas nossas sociedades a literatura tem sido um
instrumento poderoso de instrução e educação, entrando nos
currículos, sendo proposta a cada um como equipamento
intelectual e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou
os que considera prejudiciais, estão presentes nas diversas
manifestações da ficção, da poesia e da ação dramática. A
literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apóia e
combate, fornecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas.
Com base nesse entendimento, adotarmos o gênero conto como objeto
de ensino desta Produção Didático Pedagógica, nosso objetivo vai além do
desenvolvimento das habilidades de leitura e compreensão textual, mas,
sobretudo, visa despertar nos estudantes o desejo de encontrar nos textos
literários, nos contos, modos de se contemplar e ver a vida de uma forma
diferente. Por isso, os contos escolhidos para o nosso estudo tratam de
assuntos corriqueiros entre os seres-humanos, todavia com uma densidade
crítica. Isso se mostra muito importante, uma vez que, por meio deste trabalho,
os estudantes terão a oportunidade também de aumentar o seu repertório de
mundo, tendo condições de atuar com mais dignidade, realmente como
cidadãos, comportando-se criticamente nos espaços em que for requisitado.
O CONTO E A CRITICA SOCIAL
A literatura, embora sempre marcada pelo traço da ficcionalidade, não
apenas apresenta como característica a inventividade, o entretenimento, a
fruição, o prazer, mas, também, aspectos que nos ajudam a refletir sobre o
mundo. Isso porque, como uma manifestação de linguagem, a literatura
carrega marcas valorativas a respeito das concepções, das tradições e dos
pensamentos vigentes em cada contexto histórico-cultural específico.
Destacam-se, nesse sentido, alguns textos literários, que, por meio da
ficcionalidade, buscaram também fazer uma crítica social, ou seja, refletir sobre
alguns comportamentos específicos, sentimentos, visões de mundo de
determinados contextos histórico-sociais específicos. Dentre os textos literários
que se encaixam neste perfil, estudaremos os contos: 1) ―Um Apólogo‖, de
Machado de Assis, no qual enfatizaremos o tema ―As escolhas importantes‖ ;
2) ―Negrinha‖, de Monteiro Lobato, a partir do qual refletiremos a respeito do
preconceito, especialmente, sobre o racismo; 3) ―Felicidade Clandestina‖, de
Clarice Lispector, em que discutiremos sobre os condicionamentos sociais da
felicidade; 4) ―Maneira de amar‖, de Carlos Drummond de Andrade, texto que
nos ajuda a refletir sobre formas diferentes de manifestação do amor. Essas
obras, de autores e contextos diferentes, permitem que os estudantes
reconheçam que a literatura a cada momento histórico sempre esteve presente
na vida dos seres humanos. Dessa forma, ao aproximar este tipo de
manifestação de linguagem com a vida dos estudantes, acreditamos que se
torna possível um trabalho significativo, contribuindo para a formação de um
leitor de literatura.
Para tanto, nesta Unidade Didática, serão enfatizadas atividades que
permitem aos estudantes despertar atitudes responsivas ativas, ou seja, que
busquem ler e compreender os contos, sendo capaz de, ao estudarem a crítica
social nesses textos, tornarem-se, também, cidadãos mais conscientes.
Nesse sentido, acreditamos que a prática aqui apresentada pode
realmente contribuir para a formação do leitor, uma vez que, além de
proporcionar o estudo e a reflexão de uma das principais manifestações
artística, a literatura, também oferecerá subsídios para que os estudantes
reflitam sobre sua vida e a sociedade na qual atua.
OBJETIVOS
OBJETIVO GERAL
Esta Unidade Didática tem como objetivo promover, por meio da prática
pedagógica, o desenvolvimento da leitura e compreensão textual de forma
crítica, priorizando o aspecto dialógico no Gênero Conto, com os estudantes
dos 6º Anos do CEEBJA.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Oportunizar aos estudantes o desenvolvimento da oralidade, leitura e
compreensão textual;
Possibilitar aos estudantes identificar e reconhecer o gênero conto e suas
especificidades quanto ao tema, à organização composicional e ao estilo;
Proporcionar atividades de letramento, conduzindo ao entendimento do
texto como produto da ação e intenção humana;
UNIDADE DIDÁTICA
CONTEÚDO DE ENSINO
Gênero Conto
UNIDADE I – RECONHECIMENTO DO GÊNERO CONTO
ATIVIDADE I: contato inicial
Nesta unidade, leremos e estudaremos uma prática de linguagem muito comum e que, de formas variadas, desde muito antigamente, está presente na vida das pessoas: os contos. Talvez, a princípio, não reconheçamos esta prática de linguagem pelo nome, mas, ao começarmos a estudá-la, teremos muito que falar! Então, para início de conversa, vamos fazer uma pequena interação, nos guiando pelas seguintes questões:
Quando se fala em ―Conto‖
em que vocês pensam?
Já ouviram a famosa frase
―Quem conta um conto
aumento um ponto‖?
Vocês sabem o significado da
palavra conto?
ATIVIDADE II: Leitura
Após esta pequena interação, na qual podemos nos familiarizar com os colegas e iniciar os nossos estudos sobre o conto, neste momento, tendo em vista os livros separados, vocês realizarão a leitura de alguns contos.
Professor, neste momento inicial da prática pedagógica, torna-se fundamental
contextualizar os estudantes a respeito das atividades que serão realizadas! Assim,
incentivá-los é um aspecto essencial no começo deste percurso.
Professor: o desenvolvimento do
trabalho se iniciará com
questionamentos referentes aos
conhecimentos prévios da turma, o que
conhecem sobre o gênero conto e suas
experiências de leitura. É necessário
enfatizar que todos possuem
conhecimentos e que estão aptos a
participar das práticas que serão
desenvolvidas.
Professor, como sugestão, torna-se ideal que sejam distribuídos para a turma os
livros enviados pelo MEC para as escolas, do Programa Nacional de Biblioteca na
Escola (PNBE) que contém uma coletânea de contos, principalmente os de contos de
fadas e contos populares, dentre outros, dos seguintes autores: Charles Perrault,
Irmãos Grimm, Hans Cristian Andersen. Neste momento, então, os estudantes se
aproximarão com este tipo específico de produção artística. Para tanto, torna-se,
necessário, também, deixar com que os estudantes fiquem à vontade para ler os
contos.
ATIVIDADE III: interação
Em seguida a leitura dos contos, vamos fazer uma pequena interação, direcionadas pelas seguintes questões:
Quando foi a última vez que você leu um conto?
Nos livros em que você folheou e na coletânea a qual escolheu, você já
conhecia alguns dos contos que ali estavam? Você se lembra onde, pela
primeira vez, o conheceu?
Dentre os contos em que foi possível realizar a leitura, qual você mais
gostou? Por quê?
Os contos que eram lidos quando você era criança são os mesmos de
hoje?
ATIVIDADE IV: reconhecendo o gênero
Nesta atividade, escolha, dentre os contos lidos, dois que mais tenha gostado. Logo após, realize as seguintes atividades:
1) Faça uma lista do que existe em
comum e das diferenças entre
esses contos. Nesse primeiro
momento, você não se pautará
em critérios previamente
estipulados. A comparação será
feita, com os critérios que você
definir.
2) Após essa atividade, cada um mostrará para os demais membros da
turma as características e semelhanças entre os contos estudados.
Neste momento, o professor registrará na lousa as respostas de todos
os alunos para que, no final, possa ser feita uma observação dos
aspectos mais comuns e mais diferentes encontrados nos contos.
Professor, nesta atividade os estudantes
poderão fazer uma comparação,
buscando reconhecer as características
semelhantes e diferentes nos contos
lidos. Esse exercício é importante,
porque, por meio dele, os estudantes
começarão a reconhecer algumas das
características do gênero conto.
ATIVIDADE V: roteiro de atividade de entrevista a ser realizada em
contexto não-escolar
Para a próxima aula, você realizará uma pesquisa na casa onde mora, buscando saber dos demais moradores alguns questionamentos a respeito da prática de leitura de contos. Para auxiliá-los no registro das informações, você utilizará o formulário que se encontra a seguir:
ENTREVISTA
Nome do Morador:
Idade:
Grau de parentesco:
1) Quais contos você conhecem? (Neste momento, com base no que foi estudado no primeiro encontro, você explicará para a pessoa entrevistada, de maneira breve e simples, o que
sabem sobre o conto)
2) Onde você conheceu os contos que sabe?
3) Você gostar de ler ou ouvir histórias?
4) Você tem o hábito de contar histórias?
5) Você conhece alguma história popular? Caso exista alguma história, registre-a e leve-a no próximo encontro.
ATIVIDADE VI: autoavaliação
Chegamos ao final da primeira unidade, antes de iniciarmos uma nova etapa, vamos refletir sobre o que foi aprendido com as atividades realizadas. Para tanto: pense, reflita e responda a seguinte atividade:
Faça um relato daquilo que você sabia sobre os contos antes de
participar do projeto, bem como dos principais itens que você considera
ter aprendido nesta primeira unidade.
UNIDADE II – ESPECIFICIDADES DO CONTO
ATIVIDADE I: roda de conversa
Nesta atividade, faremos uma roda de conversa, na qual cada um relatará a pesquisa que fez em casa. No final, o professor e os alunos farão uma síntese, buscando chegar a uma conclusão do conhecimento dos contos por parte daquele contexto e também quais e onde os contos são lidos com mais frequência.
ATIVIDADE II: “contando” sobre o conto
Neste momento, aprenderemos um pouco mais sobre a história deste tipo de prática de linguagem que estamos estudando, bem como sobre suas características principais. Para tanto, vamos assistir, juntos, o vídeo ―Contos‖, da série ―Palavra puxa palavra‖, idealizado pela Secretária de Educação do município do Rio de Janeiro, que, de maneira divertida, apresenta as principais características do conto.
Endereço eletrônico para acesso ao vídeo: Palavra puxa palavra: Contos
http://www.multirio.rj.gov.br/index.php?option=com_mr_videos&layout=default&
vid=525&arquivo=MED525.wmv&Itemid=414
Professor, nesta unidade, a partir da pesquisa feita pelos estudantes como tarefa da
unidade anterior, serão desenvolvidas várias atividades que os levem a compreender quais
são as características específicas de um conto e também o modo como as categorias
narrativas se organizam neste gênero.
É essencial deixar que os alunos contem as
histórias que trouxeram a fim de favorecer
a interação entre os presentes. Assim,
também, estará sendo resgatada uma
prática comum na história da literatura: a
oralidade.
Professor, esta unidade tem por objetivo
apresentar aspectos teóricos a respeito da
origem do conto e também das categorias
narrativas. Dessa forma, é necessário
sempre estar atento se os estudantes estão
internalizando esses conteúdos que são
importantes para a leitura literária.
ATIVIDADE III: conhecendo mais sobre o conto
Depois de ter assistido o vídeo, responda, por escrito, às seguintes atividades:
O conto surgiu graças a qual atividade que todo mundo gosta de fazer?
Que famosa história é utilizada para exemplificar a presença da
contação de história em diferentes épocas?
Qual é o argumento utilizado para justificar por que existem histórias
muito antigas que são conhecidas até os dias atuais?
Como o gênero conto é definido no vídeo?
Quais tipos de contos existem?
Você concorda com esta afirmação: ―Quem conta um conto, aumenta
um ponto!‖?
Quais são as diferenças entre um contista e um jornalista?
O que significa afirmar que o conto é uma ficção? Que outros exemplos
de textos ficcionais você conhece?
Qual é o requisito fundamental para se criar um conto?
Você já pensou em escrever um conto?
ATIVIDADE IV: elementos da narrativa
Neste momento, será realizada a leitura e a explicação dos elementos que constituem a narrativa.
O conto é um gênero literário que pertence ao conjunto de textos que podem ser chamados de narrativas, ou seja, textos em prosas, cujo objetivo é apresentar uma história resultante de um conflito, organizado em um enredo. Os gêneros narrativos literários possuem algumas características próprias, isto é, elementos importantes na sua constituição, os quais, tradicionalmente, são denominados de categorias narrativas. Esses elementos são essenciais, porque demarcam o acontecimento narrado dentre as especificidades do contexto em que faz parte. Por isso, dentre as categorias narrativas, estão os seguintes itens: o foco narrativo, o tempo, o espaço e ambientação, os personagens, o enredo. Abaixo, segue a explicação com todos esses elementos:
Enredo: a história apresentada na narrativa é organizada, em virtude do
objetivo que deseja cumprir. A essa organização da narrativa chama-se enredo. A organização do enredo se constitui do desenvolvimento da narrativa pela situação inicial, ou seja, a apresentação e contextualização dos acontecimentos; o clímax: o conflito que sustenta a história e também o desfecho, ou seja, como a história terminou.
Foco narrativo: nos textos ficcionais, a história que nos é apresentada não é contada pelo autor, mas sim por um narrador, uma espécie de personagem que só existe na literatura:
Com relação ao narrador, esta categoria pode assumir as seguintes formas:
A história pode ser apresentada por alguém que não participa do enredo. Neste caso, denomina-se de narrador observador, ou seja,
alguém que, sem participar das ações, conta o que aconteceu.
As histórias também podem ser contadas por um de seus personagens, neste caso denomina-se narrador personagem. Este tipo de narrador
pode ser tanto o protagonista, quanto um personagem secundário.
Espaço: a história que nos é contada pelo conto situa-se em algum determinado espaço, isto é, no local em que as ações se passam. Não
necessariamente a narrativa acontece em apenas um espaço, mas pode acontecer em vários. Além do espaço, outro aspecto importante na narrativa é ambientação, ou seja, o clima que cada espaço onde as ações acontecem apresenta. Por exemplo, a narrativa pode se passar em um parque de diversões, mas a ambientação deste lugar é assustadora.
Tempo: as ações de uma narrativa acontecem em contínuo temporal,
por isso é importante identificar qual o tempo da narrativa. Neste estudo, nosso foco será apenas o tempo cronológico, ou seja, a sucessão dos fatos da narrativa, que pode ser marcado pelo passar dos dias, das datas, enfim, pelos elementos temporais.
Personagens: por fim e não menos importante, as ações da narrativa só
acontecem, porque existem os personagens que a realizam. Nesta unidade, utilizaremos uma classificação simples para diferenciar os personagens, classificando-os em principais e secundários. Os primeiros, além serem os mais importantes da narrativa, realizam as principais ações do enredo; por sua vez, os secundários não desempenham as ações essenciais da narrativa.
ATIVIDADE V: identificando os elementos da narrativa
Com a explicação sobre os elementos da narrativa que constitui o conto, nesta atividade, você selecionará um dos contos lidos na primeira unidade e fará a identificação desses elementos. Para isso, registre as informações neste quadro:
Nome do conto:
Enredo Situação inicial:
Clímax:
Desfecho:
Personagem Principais:
Secundários:
Espaço/Ambientação
Foco Narrativo
Tempo cronológico
UNIDADE III – O CONTO E A CRÍTICA SOCIAL
Nesta unidade, realizaremos atividades que permitem o despertar de atitudes responsivas ativas, ou seja, a leitura e a compreensão de contos, possibilitando-nos, ao refletirmos sobre o aspecto social desses textos, tornarmo-nos, também, cidadãos mais conscientes.
ATIVIDADE I: interação inicial
Vamos iniciar esta seção de leitura de contos, por meio de um bate-papo:
Você sabe o que é um apólogo?
Você já ouvir falar sobre Machado de Assis?
Se pudesse escolher ser uma linha ou uma agulha, qual você
escolheria? Por quê?
ATIVIDADE II: leitura silenciosa do conto “Um Apólogo”, de Machado de
Assis
Obs.: O conto encontra-se anexo no final das unidades.
ATIVIDADE III: conversa sobre o conto lido
Vocês gostaram do conto? Sim? Não?
Por quê?
Existe alguma parte do texto que você
tenha gostado bastante? Deseja
compartilhar algum trecho com o
restante da turma?
Vocês consideram este conto de fácil
entendimento? Sim? Não? Por quê?
Em relação à linguagem, vocês
consideraram difíceis as palavras e
expressões utilizadas?
Você indicaria este texto para
alguém? Por quê?
Professor, após a leitura do conto, é
necessário que se compartilhem as
impressões que a leitura literária
despertou nos estudantes. Para isso, é
preciso motivar a turma a dizer se
gostou do conto, se achou a linguagem
difícil, entre outros aspectos. Também,
neste momento, é fundamental que o
professor conte às impressões que teve
ao ler este texto pela primeira vez,
motivando os estudantes a se
manifestarem também. É necessário
que se crie um ambiente, no qual todos
estejam engajados em entender melhor
o conto estudado. Por isso, valorizar a
opinião de cada um é essencial!
ATIVIDADE IV: reconhecendo os elementos característicos do conto
Responda, por escrito, às seguintes questões:
a) Qual é o tema deste conto, isto
é, sobre o que se fala neste
texto?
b) Como o enredo deste texto foi
construído? Ou seja, mencione
qual é o início do texto, em que
momento o conflito é
apresentado e também qual é o desfecho, isto é, como a história
termina.
c) Quais são os personagens deste conto? Caracterize esses
personagens. Para tanto, preste atenção nos aspectos relacionados à
personalidade, ou seja, aos comportamentos do personagem. Busque
elementos da narrativa que ajude a caracterizá-los.
d) Qual é o espaço no qual se devolve o enredo? Para responder esta
questão, preste atenção nos detalhes apresentados. Além de pensar no
espaço, é essencial refletir sobre a ambientação, isto é, qual clima
aparece no conto, de mistério, terror, de felicidade?
e) Que é o tipo de narrador deste conto?
ATIVIDADE V: abordagem social do conto
A turma será divida em três grupos, cada qual ficará responsável por responder duas questões e depois apresentá-las para os demais estudantes.
Professor, para uma boa leitura do
gênero conto, torna-se essencial que os
estudantes compreendam e reconheçam os
elementos essenciais que constituem este texto
literário, ou seja, os elementos da narrativa.
Como estas atividades visam à formação do
leitor, o reconhecimento das categorias
narrativas figura-se como estratégias válidas.
Professor, após o estudo e reflexão dos elementos especificamente literários do conto, nesta etapa, é necessário mobilizar os estudantes para o aspecto social, ou seja, mostrar
para eles como que, no conto, nós podemos verificar modos de agir no mundo.
Grupo 1:
a) Neste conto, a metáfora da agulha e da linha é utilizada para
demonstrar quais tipos de pessoas e de situações na nossa
sociedade?
b) Na opinião de vocês, por que o professor de melancolia se viu no
papel representado pela agulha?
ATIVIDADE VI: autoavaliação
Nesta atividade, cada um escreverá uma autoavaliação, ou seja, responderá algumas questões sobre o aprendizado construído durante as atividades:
O que eu aprendi a respeito do conto ―Um Apólogo‖, de Machado de
Assis?
Em qual aspecto tive mais dificuldade no momento da realização das
atividades?
Grupo 2:
c) Descreva exemplos de pessoas que se comportam como agulhas
e linhas na sociedade?
d) Quais são as vantagens e as desvantagens em ser agulha ou
linha tanto no que se refere ao texto quanto no que se refere à
vida?
Grupo 3:
e) Na opinião de vocês, é melhor ser linha ou agulha? Justifique.
f) Tanto ―linhas‖ quanto ―agulhas‖ são importantes para a
sociedade? Justifique.
UNIDADE III: NEGRINHA, DE MONTEIRO LOBATO
ATIVIDADE I: interação
Antes de lermos o conto―Negrinha‖, vamos, inicialmente, fazer um pequeno
bate-papo.
Apenas, por meio do título ―Negrinha‖, sobre o que você acredita que o
conto se trata?
Você acredita que ainda existem formas de escravidão em nosso país?
Você acredita que ainda existe preconceito racional em nossa sociedade?
ATIVIDADE II: leitura silenciosa do conto Negrinha
Obs.: O conto encontra-se anexo no final das unidades.
ATIVIDADE III: compreendendo o conto
Responda, por escrito, às atividades:
1) No início do conto, o narrador já nos apresenta algumas características
físicas da personagem Negrinha. Quais são essas características e que
efeito elas proporcionam ao leitor? Essas características inicialmente
apresentadas correspondem, de fato, ao que a Personagem Negrinha é
ou expõe apenas alguns aspectos de seu ser?
2) Negrinha, no conto, é uma criança órfã. Mesmo apesar desta descrição,
é possível considerar Negrinha uma criança?
3) Quais eram as palavras usadas para se referir a Negrinha? Por que
Negrinha não tinha um nome? O que significa o fato de não se ter um
nome em nossa sociedade?
4) Além das características da Negrinha, também são expostas no início do
conto as característica da Dona Inácia. Quais são essas características e
que efeitos proporcionam ao leitor? Existe uma quebra de expectativa em
relação ao modo como Dona Inácia é apresentada inicialmente com o
que é narrado durante todo o texto?
5) Como é possível descrever a atitude da Negrinha quando viu as
sobrinhas da Dona Inácia brincando de boneca?
6) Quais recursos e quais atos narrados neste conto provocam o horror e,
ao mesmo tempo, evidenciam a realidade deste período histórico?
7) - ―Já para o seu lugar, Pestinhha!! Não se enxerga?? Com lágrimas
dolorosas, menos de dor física que de angústia moral – sofrimento novo
que se vinha somar aos já conhecidos, a triste criança encorajou-se no
cantinho de sempre‖. Explique o motivo desta nova dor – a moral – que,
pela primeira vez, Negrinha passou a ter.
8) Qual foi a sensação de Negrinha quando pôde, pela primeira vez, brincar
com a boneca?
9) O que significa esta passagem: ―Negrinha, coisa humana, nesse dia da
boneca que tinha alma‖?
10) Por que Negrinha, depois de ter brincado com as sobrinhas de Dona
Inácia, enfrenta uma tristeza profunda que a leva a morte?
11) No final do conto, as impressões que Negrinha despertaram nas
sobrinhas e na Dona Inácia nos ajuda a compreender a importância, o
valor que tinha para essas pessoas. Qual era o valor de Negrinha para a
Dona Inácia e para as suas sobrinhas? Justifique.
ATIVIDADE IV: abordagem social do conto
Nesta atividade, a turma será dividida em
três grupos, cada qual ficará responsável por
responder algumas questões e depois
apresentá-las para os demais estudantes da
turma.
Professor, procure a cada atividade
em grupo, dividir os alunos em equipes diferentes. Torna-se
necessário no momento desta
atividade incentivar a reflexão para
que o debate seja significativo e
produtivo.
GRUPO I
a) É possível afirmar que o conto faz uma abordagem crítica sobre o período da escravidão? Segundo o conto, como eram tratadas às crianças, filhos de escravos? b) Negrinha representa o papel social dos escravos no período pós-abolição? Quais são suas características?
ATIVIDADE V: entendendo o contexto social da história deste conto:
Vamos discutir oralmente as seguintes questões:
O que você sabe sobre a escravidão no Brasil?
Você conhece algum descendente de escravo? Conhece alguma história
sobre eles?
ATIVIDADE VI: vídeo sobre o período de escravidão no Brasil
Vamos assistir, agora, um vídeo que mostra
um pouco sobre a abolição no Brasil. Trata-se
do vídeo ―A abolição dos escravos no Brasil‖,
produzido pela TV ESCOLA, que pode ser
acessado no seguinte endereço eletrônico:
http://www.youtube.com/watch?v=MSqcteW35
YA
GRUPO II
c) Qual crítica é possível fazer em relação ao comportamento da Dona Inácia? Para responder esta questão reflita a respeito da imagem que ela passava aos outros, por exemplo, mulher boa, de fé, e as atitudes que praticava com a Negrinha.
d) Avalie o comportamento das sobrinhas de D. Inácia em relação à Negrinha? Existem pessoas com este mesmo tipo de comportamento na sociedade?
GRUPO III
e) Em sua opinião, este texto apresenta um final trágico? Para a população no contexto da escravidão seria trágico também? Justifique. f) Existem, na atualidade, fatos trágicos referentes ao preconceito e ao racismo? Por que isso acontece?
Professor, como este conto
relaciona-se diretamente com
um conteúdo da história de nosso país, torna-se importante
que se instigue os aprendizes a
conhecer melhor este contexto.
ATIVIDADE VII: debatendo o vídeo assistido
1) Como os escravos eram tratados em nosso país?
2) Qual era a importância social dos escravos para nosso país?
Atividade VIII: autoavaliação
Nesta atividade, cada um escreverá uma autoavaliação, ou seja, responderá
algumas questões sobre o aprendizado construído durante a as atividades:
O que eu aprendi a respeito do conto ―Negrinha‖, de Monteiro Lobato?
Em que tive mais dificuldade no momento da realização das atividades?
O que eu aprendi sobre a abolição dos escravos no Brasil?
UNIDADE III – FELICIDADE CLANDESTINA, DE CLARICE LISPECTOR
A tão sonhada busca da felicidade é assunto constante na vida das pessoas,
principalmente daqueles que não querem apenas viver, mas, sim, viver bem,
de verdade e mais feliz. Na literatura, também são muitos os textos que
abordam esta temática, muitos os personagens destinados a viver plenamente.
Para abordar esta temática, estudaremos o conto ―Felicidade Clandestina‖, de
Clarice Lispector. A autora, neste belo conto, nos leva a refletir sobre a
possibilidade de nossa felicidade estar escondida ou condicionada às outras
pessoas.
ATIVIDADE I: discussão oral
O que é a felicidade?
Você se considera uma pessoa feliz?
O que é preciso para ser feliz?
Ao analisar seu conhecimento de mundo, você acredita que atualmente,
as pessoas são realmente felizes?
ATIVIDADE II: leitura coletiva do conto “Felicidade Clandestina”, de
Clarice Lispector
Obs.: O conto encontra anexo no final das unidades.
ATIVIDADE III: Conversando sobre o conto:
Qual impressão o conto despertou em você?
Qual trecho mais te chamou a atenção?
Recomendaria este conto para alguém? Por quê?
ATIVIDADE IV: compreendendo o conto
Responda, por escrito, às seguintes questões:
1. Qual é o foco narrativo deste conto, ou seja, quem é o narrador do
conto? Qual é o envolvimento do narrador com a história contada?
2. Nas linhas iniciais, o narrador protagonista nos apresenta algumas
descrições físicas da personagem antagonista deste conto. Que
impressão essa excessiva descrição provoca no leitor?
3. ―Mas que talento tinha para crueldade‖, esta afirmação está presente no
conto, você acredita que existem pessoas que têm talento para a
maldade ou que as pessoas no decorrer da sua vida, com base em
suas vivências, tornam-se crueis?
4. O que causava a felicidade na personagem protagonista do conto?
5. Por que motivo a antagonista do conto não emprestava os livros a
menina que gostava de ler?
6. Qual é o significado de ler para a personagem protagonista?
7. Neste conto, é possível afirmar que a personagem protagonista somente
apresenta características boas? Justifique?
8. Você acredita que foi sábia a atitude da mãe da menina que não
emprestava os livros?
9. O que mantinha acesa a persistência da protagonista em ir tantas vezes
e não desistir dos seus sonhos?
ATIVIDADE V: abordagem da crítica social em relação ao conto
Nesta atividade, a turma será divida em três grupos, cada qual ficará responsável por responder duas questões e depois apresentá-las para os demais estudantes.
1) Qual problema social é apresentado neste conto? No contexto em que
você vive essa realidade também é constante?
2) É comum condicionarmos a nossa felicidade aos objetos ou às outras
pessoas? Em sua opinião, por que isso acontece? Você já viveu alguma
situação em que se sentia infeliz porque depositava sua felicidade em
algo ou em alguma pessoa? Deseja compartilhar para outros colegas?
1) Em sua opinião, por que existe tanto egoísmo e falta de caridade no mundo? Quais exemplos de egoísmo mais comum no meio em que você vive? Em sua opinião, por que isso acontece?
2) Alguma vez, você já se colocou na posição inversa, ou seja, já parou para pensar que pode estar condicionando à felicidade de alguém? Por que é difícil nos colocar no papel inverso?
ATIVIDADE VI: ajudando o outro a ser feliz
Cada estudante será convidado a escrever em uma folha de papel os
problemas, as dificuldades que estejam enfrentando na vida. Para este
momento, a folha não deve ser nomeada. Depois de cada um escrever, o
professor recolherá as folhas e as entregará aleatoriamente para outras
pessoas, as quais lerão e escreverão conselhos, dicas que seja útil no
enfrentamento das dificuldades. Por fim, o professor deixará os papeis sobre a
mesa e cada pessoa poderá pegar o papel e ler os conselhos que recebeu.
ATIVIDADE VII: autoavaliação
O que aprendi com o conto ―Felicidade Clandestina?‖?
1) Por que é difícil se colocar no papel do outro, ou seja, tentar entender
o motivo que leva uma pessoa a praticar seus atos para que com isso
possa se chegar à irmandade?
2) No caso do conto ―Felicidade Clandestina‖, tem-se duas crianças e,
em graus variáveis, pode-se afirmar que as duas só estavam preocupadas
com sua felicidade. Ou seja, para a personagem protagonista, importava,
apenas, o motivo de sua felicidade: o livro. Por sua vez, para a
personagem antagonista, o que aparentemente lhe fazia ―feliz‖ era praticar
a crueldade. Qual seria o ponto de contato para que essa barreira do
egoísmo cessasse? Você acredita que a personagem protagonista deveria
retribuir com alguma atitude que a levasse a antagonista também
conquistar a felicidade plena?
UNIDADE III: MANEIRA DE AMAR, CARLOS DRUMMOND DE
ANDRADE
Na literatura, também é surpreendente a quantidade de textos que abordam o principal e mais belo sentimento: o amor. De maneiras diferentes, várias são as histórias que nos leva a refletir sobre as facetas deste sentimento tão importante para a nossa vida.
ATIVIDADE I: iniciando a conversa
Vamos realizar uma pequena interação, com base nas seguintes questões:
O que é o amor?
O amor é sempre bom?
Quais são as maneiras de amar?
ATIVIDADE II: leitura coletiva do conto “Maneira de Amar”, Carlos
Drummond de Andrade
Obs.: Conto anexo no final das unidades.
ATIVIDADE III: compreendendo o conto
Responda, por escrito, às seguintes questões:
1) Com relação à estrutura, qual é a diferença deste conto para os outros
que você leu?
2) Como é possível caracterizar as atitudes do jardineiro em relação aos
cuidados com as flores e, especialmente, em relação ao girassol?
3) Qual foi o critério utilizado pelo patrão do empregado para mandá-lo
embora do serviço? Em sua opinião, o jardineiro merecia ser despedido?
Colocando-se do ponto de vista do patrão, que precisava ter o jardim
limpo e em menos tempo, é possível justificar a atitude do patrão?
4) No primeiro momento, as demais flores entenderam o motivo da tristeza
do girassol? Por quê?
5) Qual é a maneira de amar do Girassol?
6) O Jardineiro compreendia a maneira de amar do Girassol?
7) As plantas compreendiam a maneira de amar do Girassol?
8) É possível afirmar que o patrão compreendia o amor que o jardineiro
tinha pela plantas?
9) Após, esta leitura é possível afirmar que existe apenas uma maneira de
amar?
ATIVIDADE IV: abordando o contexto social
Nesta atividade, a turma será divida em três grupos, cada qual ficará responsável por responder duas questões e depois apresentá-las para os demais estudantes.
ATIVIDADE VI: autoavaliação
O que aprendi com o texto ―Maneira de amar‖?
O que aprendi com as discussões feitas em sala?
1) O conto tem como tema o amor. Não o amor romântico, o amor de namorados, mas, sim, o amor em sentido pleno. Analisando as atitudes e comportamentos dos personagens do conto quais seriam as características deste tipo de amor? 2) Na sociedade, existem muitas pessoas iguais ao jardineiro?
1) Na sociedade, especialmente, na sua comunidade, existem muitas
pessoas iguais ao patrão?
2) Por que, em sua opinião, é difícil aceitar uma maneira de amar
diferente da comum, do tradicional?
1) Existem, atualmente, algumas maneiras de demonstração de amor
que não são bem vistas pela sociedade?
2) Qual idéia você possui de amor?
UNIDADE IV – ANÁLISE DE CONTOS: SOCIALIZANDO OS CONHECIMENTOS ADQUIRIDOS
ATIVIDADE I: análise de contos
Cada um escolherá um conto para realizar a análise e depois apresentá-la para
os demais integrantes do grupo. Você, no final da atividade, entregará uma
parte escrita para o professor e, também, apresentará para os demais
membros do grupo. Para tanto, segue as orientações:
Primeiramente, faça uma leitura atenta do conto para se familiarizar com
o assunto tratado;
Depois, identifique o tema do conto e também os principais aspectos
desta narrativa.
Faça também um levantamento dos elementos da narrativa, para que se
possa conhecer os detalhes do conto escolhido.
Logo após, relacione o assunto tratado no conto escolhido com a
realidade social do momento em que foi produzido e compare com o
momento atual de nossa sociedade. Para isso, junto com o professor,
você poderá utilizar a sala de informática para procurar mais
informações sobre esses detalhes importantes.
ATIVIDADE II: socializando
Nesta atividade, vamos socializar os contos e os conhecimentos aprendidos com os demais membros da nossa comunidade escolar. Para tanto, vamos organizar um mural que conterá os contos estudados, bem como um depoimento de cada um incentivando a leitura.
ATIVIDADE III: autoavaliação
Produza um texto em que você mencione o que aprendeu durante as atividades realizadas neste projeto, também qual a importância do que foi estudado para a sua formação.
Anexos – Contos
Conto I: Um apólogo, de Machado de Assis
ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS E RECOMENDAÇÕES AOS
PROFESSORES
O presente Material Didático tem por finalidade desenvolver habilidades,
estratégias de leitura e compreensão textual com os estudantes por meio do
Gênero Discursivo do Conto, cujo propósito é de oferecer condições e
possibilidades para a superação do baixo nível de leitura e compreensão
textual dos participantes.
RECURSOS
Para a implementação deste material didático se contará com os recursos
disponíveis na escola, tais como: TV Pen Drive, Vídeos, Kit multimídia(Data
Show), Textos entre outros. Será organizada uma visita a Biblioteca Municipal.
Um Apólogo
Machado de Assis
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha: — Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo? — Deixe-me, senhora. — Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça. — Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros. — Mas você é orgulhosa. — Decerto que sou. — Mas por quê? — É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu? — Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu? — Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados... — Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando... — Também os batedores vão adiante do imperador. — Você é imperador? — Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto... Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha: — Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima... A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile. Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe: — Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá. Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: — Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça: — Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59.
Conto II – Negrinha, de Monteiro Lobato
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças. Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma — ―dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral‖, dizia o reverendo. Ótima, a dona Inácia. Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa: — Quem é a peste que está chorando aí? Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero. — Cale a boca, diabo! No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer... Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta. — Sentadinha aí, e bico, hein? Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas. — Braços cruzados, já, diabo! Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um instante. Puseram-na depois a fazer crochê, e as horas se lhe iam a espichar trancinhas sem fim. Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim, lixo — não tinha conta o número de apelidos com que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica. A epidemia andava na berra, como a grande novidade, e Negrinha viu-se logo apelidada assim — por sinal que achou linda a palavra. Perceberam-no e suprimiram-na da lista. Estava escrito que não teria um gostinho só na vida — nem esse de personalizar a peste... O corpo de Negrinha era tatuado de sinais, cicatrizes, vergões. Batiam nele os da casa todos os dias, houvesse ou não houvesse motivo. Sua pobre carne exercia para os cascudos, cocres e beliscões a mesma atração que o ímã exerce para o aço. Mãos em cujos nós de dedos comichasse um cocre, era mão que se descarregaria dos fluidos em sua cabeça. De passagem. Coisa de rir e ver a careta... A excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos — e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo — essa indecência de negro igual a branco e qualquer coisinha: a polícia! ―Qualquer coisinha‖: uma mucama assada ao forno porque se engraçou dela o senhor; uma novena de relho porque disse: ―Como é ruim, a sinhá!‖... O 13 de Maio tirou-lhe das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em casa como remédio para os frenesis. Inocente derivativo: — Ai! Como alivia a gente uma boa roda de cocres bem fincados!... Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! bom! bom! gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma — divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para ―doer fino‖ nada melhor! Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. Foi assim com aquela história do ovo quente. Não sabem! Ora! Uma criada nova furtara do prato de Negrinha — coisa de rir — um pedacinho de carne que ela vinha guardando para o fim. A criança não sofreou a revolta — atirou-lhe um dos nomes com que a mimoseavam todos os dias. — ―Peste?‖ Espere aí! Você vai ver quem é peste — e foi contar o caso à patroa. Dona Inácia estava azeda, necessitadíssima de derivativos. Sua cara iluminou-se. — Eu curo ela! — disse, e desentalando do trono as banhas foi para a cozinha, qual perua choca, a rufar as saias.
— Traga um ovo. Veio o ovo. Dona Inácia mesmo pô-lo na água a ferver; e de mãos à cinta, gozando-se na prelibação da tortura, ficou de pé uns minutos, à espera. Seus olhos contentes envolviam a mísera criança que, encolhidinha a um canto, aguardava trêmula alguma coisa de nunca visto. Quando o ovo chegou a ponto, a boa senhora chamou: — Venha cá! Negrinha aproximou-se. — Abra a boca! Negrinha abriu aboca, como o cuco, e fechou os olhos. A patroa, então, com uma colher, tirou da água ―pulando‖ o ovo e zás! na boca da pequena. E antes que o urro de dor saísse, suas mãos amordaçaram-na até que o ovo arrefecesse. Negrinha urrou surdamente, pelo nariz. Esperneou. Mas só. Nem os vizinhos chegaram a perceber aquilo. Depois: — Diga nomes feios aos mais velhos outra vez, ouviu, peste? E a virtuosa dama voltou contente da vida para o trono, a fim de receber o vigário que chegava. — Ah, monsenhor! Não se pode ser boa nesta vida... Estou criando aquela pobre órfã, filha da Cesária — mas que trabalheira me dá! — A caridade é a mais bela das virtudes cristas, minha senhora —murmurou o padre. — Sim, mas cansa... — Quem dá aos pobres empresta a Deus. A boa senhora suspirou resignadamente. — Inda é o que vale... Certo dezembro vieram passar as férias com Santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas. Do seu canto na sala do trono, Negrinha viu-as irromperem pela casa como dois anjos do céu — alegres, pulando e rindo com a vivacidade de cachorrinhos novos. Negrinha olhou imediatamente para a senhora, certa de vê-la armada para desferir contra os anjos invasores o raio dum castigo tremendo. Mas abriu a boca: a sinhá ria-se também... Quê? Pois não era crime brincar? Estaria tudo mudado — e findo o seu inferno — e aberto o céu? No enlevo da doce ilusão, Negrinha levantou-se e veio para a festa infantil, fascinada pela alegria dos anjos. Mas a dura lição da desigualdade humana lhe chicoteou a alma. Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: ―Já para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga‖? Com lágrimas dolorosas, menos de dor física que de angústia moral —sofrimento novo que se vinha acrescer aos já conhecidos — a triste criança encorujou-se no cantinho de sempre. — Quem é, titia? — perguntou uma das meninas, curiosa. — Quem há de ser? — disse a tia, num suspiro de vítima. — Uma caridade minha. Não me corrijo, vivo criando essas pobres de Deus... Uma órfã. Mas brinquem, filhinhas, a casa é grande, brinquem por aí afora. — Brinquem! Brincar! Como seria bom brincar! — refletiu com suas lágrimas, no canto, a dolorosa martirzinha, que até ali só brincara em imaginação com o cuco. Chegaram as malas e logo: — Meus brinquedos! — reclamaram as duas meninas. Uma criada abriu-as e tirou os brinquedos. Que maravilha! Um cavalo de pau!... Negrinha arregalava os olhos. Nunca imaginara coisa assim tão galante. Um cavalinho! E mais... Que é aquilo? Uma criancinha de cabelos amarelos... que falava ―mamã‖... que dormia... Era de êxtase o olhar de Negrinha. Nunca vira uma boneca e nem sequer sabia o nome desse brinquedo. Mas compreendeu que era uma criança artificial. — É feita?... — perguntou, extasiada. E dominada pelo enlevo, num momento em que a senhora saiu da sala a providenciar sobre a arrumação das meninas, Negrinha esqueceu o beliscão,o ovo quente, tudo, e aproximou-se da criatura de louça. Olhou-a com assombrado encanto, sem jeito, sem ânimo de pegá-la. As meninas admiraram-se daquilo. — Nunca viu boneca? — Boneca? — repetiu Negrinha. — Chama-se Boneca? Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade. — Como é boba! — disseram. — E você como se chama? — Negrinha. As meninas novamente torceram-se de riso; mas vendo que o êxtase da bobinha perdurava, disseram, apresentando-lhe a boneca: — Pegue! Negrinha olhou para os lados, ressabiada, como coração aos pinotes. Que ventura, santo Deus! Seria possível? Depois pegou a boneca. E muito sem jeito, como quem pega o Senhor menino, sorria para ela e para as meninas, com assustados relanços de olhos para a porta. Fora de si, literalmente... era como se penetrara no céu e os anjos a rodeassem, e um filhinho de anjo lhe tivesse vindo adormecer ao colo. Tamanho foi o seu enlevo que não viu chegar a patroa, já de volta. Dona Inácia entreparou, feroz, e esteve uns instantes assim, apreciando a cena.
Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se. Ao percebê-la na sala Negrinha havia tremido, passando-lhe num relance pela cabeça a imagem do ovo quente e hipóteses de castigos ainda piores. E incoercíveis lágrimas de pavor assomaram-lhe aos olhos. Falhou tudo isso, porém. O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo — estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida: — Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein? Negrinha ergueu os olhos para a patroa, olhos ainda de susto e terror. Mas não viu mais a fera antiga. Compreendeu vagamente e sorriu. Se alguma vez a gratidão sorriu na vida, foi naquela surrada carinha... Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma — na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca — preparatório —, e o momento dos filhos — definitivo. Depois disso, está extinta a mulher. Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa — e doravante ser-lhe-ia impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava! Assim foi — e essa consciência a matou. Terminadas as férias, partiram as meninas levando consigo a boneca, e a casa voltou ao ramerrão habitual. Só não voltou a si Negrinha. Sentia-se outra, inteiramente transformada. Dona Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de coração, amenizava-lhe a vida. Negrinha, não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos. Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a. Brincara ao sol, no jardim. Brincara!... Acalentara, dias seguidos, a linda boneca loura, tão boa, tão quieta, a dizer mamã, a cerrar os olhos para dormir. Vivera realizando sonhos da imaginação. Desabrochara-se de alma. Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos... E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça — abraçada, rodopiada. Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta. Mas, imóvel, sem rufar as asas. Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou... E tudo se esvaiu em trevas. Depois, vala comum. A terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira — uma miséria, trinta quilos mal pesados... E de Negrinha ficaram no mundo apenas duas impressões. Uma cômica, na memória das meninas ricas. — ―Lembras-te daquela bobinha da titia, que nunca vira boneca?‖ Outra de saudade, no nó dos dedos de dona Inácia. — ―Como era boa para um cocre!...‖
LOBATO, Monteiro. Negrinha. 14 ed. São Paulo: Brasiliense, 1968.
Conto III- Felicidade Clandestina, de Clarice Lispector
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato. Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar… Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada. Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: O primeiro beijo. São Paulo: Ática, 1996
Conto IV: Maneira de Amar, de Carlos Drummond de Andrade
MANEIRA DE AMAR
O jardineiro conversava com as flores, e elas se habituaram ao diálogo. Passava manhãs contando coisas a uma cravina ou escutando o que lhe confiava um gerânio. O girassol não ia muito com sua cara, ou porque não fosse homem bonito, ou porque os girassóis são orgulhosos de natureza.
Em vão o jardineiro tentava captar-lhe as graças, pois o girassol chegava a voltar-se contra a luz para não ver o rosto que lhe sorria. Era uma situação bastante embaraçosa, que as outras flores não comentavam. Nunca, entretanto, o jardineiro deixou de regar o pé de girassol e de renovar-lhe a terra, na ocasião devida.
O dono do jardim achou que seu empregado perdia muito tempo parado diante dos canteiros, aparentemente não fazendo coisa alguma. E mandou-o embora, depois de assinar a carteira de trabalho.
Depois que o jardineiro saiu, as flores ficaram tristes e censuravam-se porque não tinham induzido o girassol a mudar de atitude. A mais triste de todas era o girassol, que não se conformava com a ausência do homem. ―Você o tratava mal, agora está arrependido?‖ ―Não, respondeu, estou triste porque agora não posso tratá-lo mal. É a minha maneira de amar, ele sabia disso, e gostava.‖
(ANDRADE, Carlos Drummond. Contos Plausíveis)
05 - ORIENTAÇÕES METODOLÓGICAS
O presente Material Didático tem por finalidade contribuir para o
desenvolvimento da formação leitora dos estudantes e para a melhoria da
prática pedagógica dos professores ao oferecer possibilidades de trabalho com
uma sequência didática de atividades de leitura e compreensão textual do
gênero conto. Espera-se, com esta Unidade Didática, que os estudantes
avancem no seu nível de desenvolvimento potencial e que os professores
encontrem embasamento para um trabalho significativo de leitura.
Esta proposta de trabalho se conduz por meio dos conhecimentos de
análise e reflexão do gênero conto, sendo que as questões elaboradas para a
execução das atividades estão vinculadas ao contexto social. Com isso, trazem
significado ao processo de aprendizado dos estudantes ao estabelecer uma
relação com as experiências da sua prática social com o conhecimento escolar.
No sentido de colaborar com a prática pedagógica, foram organizados
boxes com direcionamentos das atividades para uma melhor condução do
processo de ensino-aprendizagem. Acredita-se, portanto, que esta Unidade
Didática oportuniza aos estudantes dos 6º anos um avanço significativo no
desenvolvimento das estratégias de leitura e compreensão do gênero textual
conto.
A organização deste Material Didático apresenta-se na forma de
Unidade Didática, na qual os conteúdos se encontram distribuídos em quatro
unidades que serão desenvolvidas em oito encontros de 4 horas, perfazendo
um total de 32 horas. A intervenção pedagógica será realizada com os
estudantes dos 6º anos do Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e
Adultos (CEEBJA) Saada Mitre Abou Nabhan – Cianorte, PR.
O encaminhamento metodológico escolhido é a proposta de sequência
didática, discutida por Marilurdes Zanini (2009), a qual compreende a
organização com um conjunto aulas numa série de atividades envolvendo
conhecimentos científicos específicos, teóricos e práticos. Para isto, são
utilizadas diferentes formas de leitura, interpretação e compreensão textual do
gênero conto, conduzidas por meio de análise, reflexão, debate, exposição oral
e respostas escritas de questões relacionadas ao texto, a fim de oportunizar
aos estudantes o alcance gradativo no domínio do conteúdo ora proposto.
Com relação à avaliação, ela ocorrerá com base na teoria da
aprendizagem de Vygotsky (1989), que compreende o sujeito como possuidor
de um nível de desenvolvimento real e, com a mediação de outra pessoa com
um nível de conhecimento mais elaborado, poderá avançar na aprendizagem
atingindo o nível de desenvolvimento potencial (ZPD). Deste modo, a avaliação
do que os estudantes sabem é necessário, como parâmetro para a condução
da prática pedagógica. E a avaliação posterior ao desenvolvimento dos novos
conhecimentos é ferramenta essencial para constatar se os estudantes
atingiram o nível de desenvolvimento desejado.
Os participantes serão observados em cada encontro, por intermédio da
execução das atividades propostas, sendo que na última unidade, os próprios
estudantes serão direcionados para avaliarem o que sabiam sobre o conteúdo
e o quanto progrediram nos conhecimentos desenvolvidos durante a
implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola.
Como parte de finalização dos encontros desta Unidade Didática será
realizada uma atividade de socialização dos textos trabalhados durante os
encontros. Para tanto, os contos estudados serão organizados e expostos em
um mural, visando, assim, motivar, além dos estudantes que participaram dos
encontros, toda a comunidade escolar.
Por considerar a importância da criação de um espaço de socialização
do conto, como forma de apontar que estas narrativas contribuem com a
formação do leitor, faz-se necessário o incentivo para a divulgação e circulação
das obras literárias no ambiente escolar, bem como o seu emprego no trabalho
com a língua materna.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Ricardo. Conto popular, literatura e formação de leitores. In: Releitura. Belo Horizonte, abril, nº 21, 2007. Disponível em
www.ricardoazevedo.com.br; Acesso em 21/10/2013 às 13:20. BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: língua portuguesa. Brasília: 1997.
CASCUDO, Luis da Câmara. O Folclore está vivo. [abr.1972]. Entrevistador:
Dailor Varela. 189 ed. VEJA. São Paulo: 19 abr.1972a. p.3-5. CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: Vários escritos. 4ª ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Duas Cidades/Ouro sobre Azul, 2004, p. 169-191. COUTINHO, Afrânio dos Santos. A Literatura no Brasil. 7ª Ed. São Paulo Global,2004. GOTLIB, Nádia Battella. Teoria do Conto. 8. ed. São Paulo: Àtica, 1998.
PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Diretrizes Curriculares da
Educação Básica: Língua Portuguesa. Curitiba: SEED, 2008.
Video; Palavra puxa palavra – Contos -
http://www.youtube.com/watch?v=1LkfQRc5NGM
VYGOTSKY,L.S. A formação Social da Mente. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1989.
ZANINI, M. O texto como unidade e objeto de ensino: da teoria à transposição
didática. In: Juliano Desiderato Antonio; Pedro Navarro. (Org.). O texto como
unidade de ensino, de descrição linguística e de análise textual e
discursiva. Maringá: EDUEM, 2009, p. 13-25.