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Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Faculdade de Educao Programa de Ps-Graduao
LCIA SCHNEIDER HARDT
OS FIOS QUE TECEM A DOCNCIA
PORTO ALEGRE/RS 2004
LCIA SCHNEIDER HARDT
OS FIOS QUE TECEM A DOCNCIA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para aquisio do ttulo de Doutora em Educao. Orientadora: Prof Dra. Arabela Campos Oliven Co-orientador: Prof. Dr.Alfredo Veiga-Neto
Porto Alegre/RS
2004
FICHA CATALOGRFICA Maria da Luz H. Machado CRB14/129
Hardt, Lcia Schneider H266 Os fios que tecem a docncia. Porto Alegre: UFRGS, 2004. 257 p. Tese (Doutorado) apresentada a UFRGS/Faculdade de Educao. 1.Ensino superior. 2. Professores Formao. 3. Professores universitrios. 4. Pedagogia. I. Ttulo. CDD 370.7124
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LCIA SCHNEIDER HARDT
OS FIOS QUE TECEM A DOCNCIA
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao da Faculdade de Educao da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como requisito para aquisio do ttulo de Doutora em Educao. Orientadora: Prof Dra. Arabela Campos Oliven Co-orientador: Prof. Dr.Alfredo Veiga-Neto
Aprovado em: ____ / ____ / ____
Prof. Dra. Arabela Campos Oliven - Orientadora Prof(a). Dr(a). Professor(a) da FACED Prof(a) Dr(a). Professor Visitante
Porto Alegre/RS 2004
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DEDICATRIA
Para Like, Felipe e Victor:
pela parceria, apoio e compreenso;
para continuar vivendo nossas esperanas ;
para continuar vivendo a singularidade do caminho
que escolhemos fazer juntos, onde tempo e espao
ficam abertos para que cada um possa existir
plenamente.
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AGRADECIMENTOS
Ao concluir este trabalho, quero agradecer:
- Universidade Federal do RS, pela qualidade do ensino;
- a minha orientadora, Arabela Campos Oliven, pela convivncia acadmica, orientao competente e disposio em concretizar uma interao aberta, franca e autntica;
- ao Alfredo Veiga-Neto, co-orientador, pelo acesso a uma outra caixa de ferramentas, que me fez pensar e agir de um modo diferente;
- ao Pastor Tito Lvio Lermen, Diretor Geral do Bom Jesus/IELUSC, por colocar a instituio disposio da pesquisa;
- aos diretores de curso do Bom Jesus/IELUSC, pelo apoio e incentivo;
- a todos os professores e funcionrios do Bom Jesus/IELUSC, pela compreenso, apoio e colaborao durante a pesquisa;
- s pessoas que participaram da pesquisa como entrevistados(as), partilhando de uma forma comprometida com o cenrio da educao superior;
- Mara, minha eterna revisora de textos, com a qual estabeleci uma relao de carinho, respeito e aprendizagem;
- Marilia, sempre especial como ser humano, dedicada e parceira nos inmeros e diversos consertos tcnicos deste trabalho;
- Rede Sinodal, pelo apoio e incentivo;
- aos funcionrios da Secretaria do PPGEDU, que atravs de um atendimento personalizado, diminuram as distncias, fazendo com que os braos do Programa efetivamente ultrapassem as fronteiras da grande Porto Alegre;
- a Edelberto Behs, amigo, ex-colega de trabalho, irmo de f, parceiro de muitos ideais, pelo ensinamento cotidiano da humildade e da tica, consolidando uma amizade livre das instituies e, acredito, para sempre.
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RESUMO
Esta Tese resulta de uma investigao que tem por objeto o estudo sobre a docncia no ensino superior. A pesquisa deseja colaborar com um movimento nacional, que vem discutindo a questo da formao do professor. Os dados coletados para o estudo so oriundos da anlise de documentos, entrevistas e observao da sala de aula em uma instituio de ensino superior. O cenrio da docncia em termos histricos brevemente abordado, para ento inserir uma reflexo mais detalhada, considerando quatro dimenses sobre a prtica docente: a dimenso tica, a dimenso da imagem pblica da profisso, a normativa e a dimenso sobre as expectativas em relao educao continuada. Nesse entorno, os fios do controle, dos cdigos, da pedagogia, das sensibilidades, da criatividade, dos poderes e saberes vo tecendo a docncia, construindo diferentes estilos e prticas. Inspirada em uma perspectiva foucaultiana, a reflexo tem como propsito assegurar um movimento constante de reflexo sobre os processos de fabricao e captura do sujeito no contexto acadmico, que tende a ajustar o perfil do docente s polticas institucionais. A pesquisa foi realizada em uma Instituio de Ensino Superior de carter confessional (luterana) localizada no sul do Brasil, na cidade de Joinville. Em primeiro lugar, a pesquisa aponta os atravessamentos de discursos, as diferenas entre os discursos oficiais e todos os demais, demonstrando que em uma instituio educacional sempre esto presentes vrios discursos que acabam sendo controlados, selecionados e distribudos conforme determinados interesses e necessidades. A docncia, na instituio em questo, desdobra-se em alguns estilos, definidos pela pesquisadora como docente-intelectual, docente-educador, docente-tcnico e docente-militante. Na anlise destes estilos percebe-se que o institucional, em muitas situaes, tem mais relao com movimentos de regulao e obedincia do que efetivamente com uma vontade de identidade. A pesquisa destacou uma possvel relao entre a docncia e a esttica, que implica a capacidade de jogar com a verdade de um outro jeito, exatamente por no querer ficar alheio construo dessa realidade em um cenrio institucional. Ficar alheio a esse processo to perigoso quanto desejar prescrev-lo compulsivamente. Os fios que tecem a docncia, atravs de um estudo de caso, deseja contribuir com a reflexo a respeito da formao do professor, demonstrando como tal tema no se reduz ao pedaggico, mas est imbricado em toda a configurao institucional que abriga o docente. Olhar para esta paisagem maior implica estar disposto a dar um outro lugar para o docente, reencantar esses sujeitos para que possam coletivamente mobilizar-se para a busca de um compromisso novo com a sociedade no que diz respeito educao. Palavras-chaves: Ensino superior: Docncia: Pedagogia: Formao Continuada
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ABSTRACT
This thesis results from an investigation that has as object the study about the higher education teaching. The research wishes to contribute with a national movement, that has been discussing the issue of the teachers formation. The data collected for the study are derived from document analysis, interviews and classroom observation in a higher education institution. The teaching scenery in historical terms is briefly broached, for then inserting a more detailed reflection, considering four dimensions about the practice of teaching: the self image dimension, the dimension of the public image of the profession, the normative and the dimension about the expectations in relation to the continuous education. In this sense, control, codes, pedagogy, sensitivity, creativity, power and knowledge wires are weaving the teaching, constructing different styles and practices. Inspired in a Foucautian perspective, the discussion has as its purpose assuring a constant reflection movement over the processes of fabrication and capture of the subject in the academic context, that tends to adjust the teachers profile to the institutional policies. The research was carried out in a Higher Education Institution of confessional nature (Lutheran) located in the South of Brazil Santa Catarina State- in the city of Joinville. First the research points out the speech crossing, the differences among the official speeches and all the others, demonstrating that in an educational institution several speeches that end up being controlled, selected and distributed according to determined needs and interests are always present. The teaching, in this institution, folds in some styles, defined by the researcher as intellectual-docent, educator docent, technical docent and militant-docent. In the analysis of these styles it can be observed that the institutional, in several situations, has more relation with regulation and obedience movements than effectively with a will of identity. The research points out a possible relation between the teaching and the esthetic, that implies in the ability to play with the truth in another way, exactly for wanting to be distant from the construction of this reality in an institutional scenery. Staying distant from this process is as dangerous as wishing to prescribe it compulsively. The wires that weave the teaching through a case study wish, this way, to contribute with the reflection about the teachers formation, demonstrating how such theme does not reduce to the pedagogical, but is imbricated in all the institutional configuration that shelters the docent. Looking at this broader landscape implies in being willing to give another place for the docent, re-enchant these subjects in order to enable them collectively, mobilizing them in the search of a new commitment with the society concerning education. Key words: Higher Education; teaching; pedagogy; continuous formation.
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 11
CAPTULO I - O FOCO DA PESQUISA, OS CAMINHOS, AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DA INVESTIGAO ............................................................................ 14
1.1 Do jogo virada do jogo ................................................................................................................15
1.2 Operacionalizando a pesquisa.......................................................................................................21
1.3 A coleta de dados............................................................................................................................23
1.4 Do estranhamento necessrio:.......................................................................................................24
1.5. Rastros de uma histria ................................................................................................................25
CAPTULO II - O LUGAR DA PESQUISA- CONTORNOS, LIMITES E POSSIBILIDADES 28
2.1. Referncias histricas ...................................................................................................................28
2.2. Referncias de governo .................................................................................................................33
2.3. O poder pastoral............................................................................................................................42
2.4. Cenrios e imagens........................................................................................................................49
2.5. Alguns referenciais para compreender a Mantenedora ............................................................57
2.6. Indicadores da instituio............................................................................................................67
2.7 Da especificidade dos cursos.........................................................................................................71
CAPTULO III - A HISTRIA E A DOCNCIA ..................................................................... 81
3.1 O jogo da educao as lies da histria ..................................................................................81
3.2 A histria do pensamento luterano e a educao ......................................................................86
3.3 Sobre a converso do olhar ..........................................................................................................92
3.4 Representaes da docncia: entre a f, a cincia e a fluidez ....................................................95
CAPTULO IV - ENSINO SUPERIOR - MARCAS, TRAJETRIAS E RASTROS............. 100
4.1 Das metforas ..............................................................................................................................100
4.2 O entorno do jogo - a docncia e o poder ...................................................................................105
4.3 O Ensino Superior no Brasil .......................................................................................................110
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CAPTULO V - OS SENTIDOS E OS SIGNIFICADOS DAS PRTICAS DOCENTES NO ENSINO SUPERIOR ........................................................................................................... 120
5.1 A docncia e a vontade de Verdade ............................................................................................120
5.2 Os contedos programticos e seus significados .......................................................................124
5.2 Das categorias para o governo da subjetividade .......................................................................173
5.3 Das polticas de formao de professores...................................................................................178
5.4 Esttica e docncia: .....................................................................................................................184
ATANDO ALGUNS PONTOS DOS FIOS........................................................................... 187
BIBLIOGRAFIA................................................................................................................... 196
ANEXOS.............................................................................................................................. 202
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INTRODUO
Esta pesquisa est centrada em um foco em especial: as prticas docentes. Mais
especificamente a docncia no ensino superior. O objeto de pesquisa exigiu uma interao
com diversos sujeitos e documentos. O propsito participar de um movimento nacional que
atinge todos os nveis de ensino preocupados com a questo da formao do professor.
Especificamente nesse trabalho estou interessada em analisar o cotidiano de uma
instituio de ensino superior, reconhecendo limites e possibilidades dessa investigao. Os
limites delineiam-se por duas razes, uma delas vinculada impossibilidade de uma anlise
completa, o que sempre estabelecer os contornos da investigao. As ferramentas com as
quais venho trabalhando so incisivas nesse particular e designam marcas na pesquisa e no
prprio texto que aqui ser apresentado. A opo de trabalhar com a contingncia, a
descontinuidade, a inverso, a especificidade e exterioridade dos discursos j indica um outro
ingrediente, qual seja, no estar preocupada em discorrer, descrever instrumentos de pesquisa,
mas coloc-los em funcionamento enquanto o estudo se concretiza efetivando uma interao
terico-prtica. O objeto acabou sendo transformado enquanto a pesquisa acontecia
exatamente porque era tocado, tombado por relaes no previstas antecipadamente. A
segunda razo que justifica o limite refere-se parte interessada de quem faz a pesquisa. As
vinculaes existentes com a instituio a ser pesquisada podero implicar determinados
arranjos, lgicas, incluses, excluses, configuraes especficas de relaes de poder e de
saber. O risco de um determinado olhar est presente, mas onde no estaria?
A histria estabelece sempre novas demandas, possibilita novas perguntas, outras
investigaes e intervenes. O encontro dessas diferentes demandas est expressa na prpria
pesquisadora, que desejou, de repente, olhar para a realidade educacional a partir de outros
parmetros, colocando em xeque inclusive uma formao confessional especfica. O
movimento de olhar de um outro lugar o que antes j estava visto e definido uma
possibilidade de auto-reflexo, que permite reconhecer e transgredir alguns limites,
desafiando a ns mesmos a aceitar o desafio de saber se podemos pensar diferentemente do
que sempre pensvamos, o que certamente nos assegurar a possibilidade de continuar
refletindo. O direito e a liberdade de refletir necessariamente no nos afasta dos lugares onde
constitumos nossa primeira formao, por vezes nos oportuniza um retorno que renuncia
segurana de uma ordem do discurso, acumulando foras e criatividade para pr prova as
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experincias da prpria identidade. Nos processos de formao, esto presentes muitas vezes
movimentos de tenso, destruio e negao.
A pesquisa de imediato aponta que os fios que tecem a docncia so mltiplos, no
aparecem todos ao mesmo tempo, alguns se unem, integram-se criando diferentes perfis de
docncia que designam possibilidades e desafios em termos institucionais. Outros fios
enroscam-se, enosam-se, tramando e construindo teias que nos capturam e nos envolvem a
ponto de nem percebermos essa dinmica interessada e imprevista. Os fios do controle, da
pedagogia, dos cdigos, da sensibilidade, da empatia, da criatividade, do saber, do poder, das
identidades, das fronteiras, dos dispositivos ajudaram a configurar o objeto de pesquisa,
traando linhas de fuga na tentativa de libertar a vida l onde ela estiver presa para que a
investigao avance para alm da prpria problematizao.
O texto est respaldado na sociologia e filosofia da cultura considerando os estudos de
Weber, Bernstein e prioritariamente Foucault. So autores de registros tericos distintos, que
foram utilizados interessadamente a partir de elementos especficos desse estudo de caso.
Bernstein entra no cenrio quando da anlise da instituio considerando as categorias por ele
trabalhadas no que diz respeito aos marcadores de fronteira, isolamento, regras de realizao e
reconhecimento, recontextualizao, cdigos e controles. Dessas categorias possvel
verificar outros sentidos e significados considerando os discursos da mantenedora, no caso , a
comunidade luterana de Joinville. J Weber contribuiu para a anlise da gesto da instituio
considerando especialmente a abordagem da liderana carismtica. Para refletir sobre a
complexidade dos fios que tecem a docncia, a anlise prioritria a foucaultina pois viabiliza
aprofundar os diferentes cruzamentos e atravessamentos de discursos. Na pesquisa em
questo esse foi um esforo necessrio, uma vez que existem diferentes topografias de poder e
saber que de certa forma disputam espao e legitimidade.
Para essa investigao a redefinio do papel da linguagem tem uma importncia
fundamental. Ela deixa de ser entendida como um meio privilegiado de transmitir idias e
significados para ser enfocada como uma instncia da constituio de sujeitos. Nesse
contexto, a genealogia busca fazer a anlise histrica das condies de possibilidade dos
diferentes discursos com os quais nos deparamos para buscar uma lgica na exterioridade dos
textos, procurando estabelecer as relaes entre os enunciados e aquilo que eles descrevem.
Significa que a leitura aqui estabelecida no se fixou na linearidade e internalidade de cada
parte e discurso, mas na condio de monumento que cada manifestao adquire no conjunto
das informaes coletadas. Atravs da linguagem que construmos os sentidos, nomeando
nossas experincias, formando os objetos dos quais falamos. Esse movimento mltiplo,
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produzindo efeitos de verdade que dividem, separam, legitimam, definem significados.
Devemos estar atentos para o atravessamento desses diferentes discursos, uma vez que no
est em jogo buscar a origem de nenhum deles, mas investigar como cada um deles inventou
sua prpria identidade, propondo aos indivduos formas de experincia do mundo e de si. Isso
significa ouvir a histria de um outro jeito, verificando como foram criados os pontos de
apoio que significam determinados discursos, preservando-os e/ou substituindo-os.
A pesquisa desconfia dos discursos emblemticos, unitrios e generalizantes. Sendo
assim, procurou investigar sobre a docncia considerando as fragilidades desse entorno,
jogando com os saberes presentes no cotidiano acadmico, oferecendo uma perspectiva de
entendimento sobre essa prtica humana sem desprestigiar outras e novas contribuies. A
proposta implicou debater sobre a docncia atravs da problematizao dos diferentes
discursos que se atravessam em uma instituio educacional designando expectativas, desejos,
vontades, esperanas e projetos. Nesse processo de investigao no existe, a princpio, um
desejo de indicar um ideal, um modelo a ser seguido, mas uma vontade de assegurar um
movimento constante de crtica e anlise da docncia, produzindo um ambiente mais
acadmico para as definies de polticas educacionais considerando as possveis alternativas
de formao do(a) educador(a) em um contexto institucional.
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CAPTULO I
O FOCO DA PESQUISA, OS CAMINHOS, AS FONTES E OS PROCEDIMENTOS DA INVESTIGAO
O propsito do trabalho participar de um movimento nacional que hoje atinge todos
os nveis de ensino e implica a questo da formao do(a) professor(a). O foco, contudo, ser
o ensino superior e suas relaes pedaggicas, mais particularmente estudar como a docncia
se constitui e se materializa atravs de imagens e procedimentos ancorados em determinadas
concepes de saber/poder. A pesquisa est restrita a um lugar, o qual ser melhor explicitado
posteriormente, mas entende que apesar desse limite os processos de investigao podero
colaborar para ampliar e diversificar os debates sobre a formao de professores(as). A
pesquisa no tem a pretenso de anunciar e apontar sadas, mas pode contribuir para fortalecer
um movimento maior de anlise da docncia no cotidiano acadmico brasileiro.
Metaforicamente falando, o cenrio desta pea implica o debate sobre a formao do(a)
professor(a), mas o protagonista o(a) docente do ensino superior de uma instituio privada-
confessional-comunitria, (denominada Instituto Superior e Centro Educacional Luterano
Bom Jesus/Ielusc, com atuao no contexto da educao bsica e ensino superior) localizada
em uma cidade no estado de Santa Catarina, chamada Joinville.
O entorno da pedagogia no um espao onde necessariamente se possa afirmar que
ocorra o desenvolvimento de sujeitos, antes um espao onde se produz formas de
experincia de si, estabelecidas por meio de determinadas tecnologias nas quais os
indivduos se tornam sujeitos de um modo muito particular. No caso especfico da docncia, a
pedagogia estabelece determinadas operaes da prtica que acabam definindo critrios de
avaliao dos docentes em relao com o seu cotidiano.
A pesquisa esteve centrada nas prticas docentes discutindo o aparato significativo de
procedimentos e tcnicas, expressos nas aes dos indivduos, em seus discursos, nos
discursos dos discentes e afins, em documentos e nas aes concretas em sala de aula.
Inspirada em Larrosa, estabeleci algumas categorias de anlise que orientaram o processo de
coleta e anlise de dados. So elas:
a) dimenso tica, que designa formas de como o(a) professor(a) se v.
b) dimenso pblica da profisso, que expressa uma vontade de identidade.
c) dimenso normativa, que insere o sujeito-professor em um cenrio complexo
implicado por valores, regras e juzos.
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d) dimenso da prtica enquanto formao continuada, que implica descobrir o que
o(a) docente imagina poder e dever fazer nas dinmicas da atividade profissional.
A definio das categorias uma estratgia de leitura da prtica docente no ensino
superior. O tema complexo e pouco discutido no interior das instituies. O prprio ingresso
e seleo dos(as) docentes nesse nvel de ensino j estabelece algumas configuraes muito
particulares sobre o entendimento dessa questo. Primeiro, o que vale parece ser a formao
especfica do(a) professor(a), somente depois e em funo de outras demandas a formao
pedaggica coloca-se como uma necessidade. Contudo, o lugar desse pedaggico na vida
profissional dos(as) docentes tem vrias representaes, com as quais esta pesquisa se
preocupou.
O poder, segundo Foucault, uma ao sobre aes possveis sobre o outro por meio
de solicitao de formas corretas de ver, falar, de julgar, de vivenciar. A docncia tambm
uma expresso de poder que inventa, repete e transmite tecnologias de interao humana.
Nesse sentido o poder produtivo e cria um campo de visibilidade, enunciabilidade e de
juzo, que acaba gerando diferentes subjetividades. Aprender a ser professor(a) implica
aprender a ser um profissional especfico, a nomear o cotidiano segundo determinados
critrios, fabricando histrias que procuram gerar estabilidades e sucessos. Na realidade esse
caminho no to linear assim, pois os(as) docentes, ao se enxergarem de diferentes formas,
tambm apresentam diferentes expectativas em relao ao seu processo de formao.
Compreender a docncia a partir dessas dimenses pode nos ajudar a relativizar algumas
verdades muitas vezes apresentadas em cursos de capacitao, atualizao e/ou formao de
professores(as).
1.1 DO JOGO VIRADA DO JOGO
O conceito de virada lingstica designa a falncia da autonomia do sujeito e de sua
conscincia, construdas que so pela e na linguagem, antes do que pelo sujeito. A redefinio
do papel da linguagem nos permite dizer que ela passa a ser enfocada como uma instncia de
constituio de sistemas de significao, representao e organizao das diferentes ordens
presentes no cotidiano humano. Os sentidos que se d s coisas vm mais da linguagem
adquirida do que propriamente dos processos de nomeao, identificao e decodificao de
uma realidade dada. Segundo Foucault, os discursos no descrevem o real, mas de alguma
forma constituem os sujeitos, os saberes, as prticas atravs de diferenciaes, classificaes,
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incluses e excluses. Segundo Popkewitz (1994), uma parte da virada lingstica consiste
em:
reconhecer que, quando usamos a linguagem, pode ocorrer que no sejamos ns que estejamos falando, mas a linguagem que nos foi dada atravs de formaes sociais que ocorreram no passado. Por exemplo, um dos compromissos contemporneos em determinadas pesquisas educacionais falar sobre a voz dos professores e estudantes como prprias, pessoais e autnticas. Mas quando ouvimos a voz das pessoas falando nas escolas, damos-nos conta de que boa parte dessa fala foi construda anteriormente a nossa entrada em cena. (p.195-96)
importante esclarecer o uso da palavra discurso, que estar sempre sendo referida
nessa pesquisa. So os discursos, advindos de determinadas relaes de poder, historicamente
construdas, que interessam enquanto invocam noes particulares de verdade, definem aes,
constituem projetos justificados em um determinado campo. Ao trazer o discurso para o foco
da pesquisa, no est em jogo uma preocupao em descobrir o que as palavras significam,
mas a forma como as palavras, os conjuntos de sentenas e prticas funcionam procurando
estabelecer verdades.
Assim os discursos representam vontade de verdade que acabam por implicar a todos,
seja em situaes individuais e/ou coletivas. Nesse entorno tambm necessrio esclarecer a
relao poder-saber expressa por Foucault. De imediato importante reconhecer que os dois
conceitos no so idnticos, e o que de fato interessa discutir a relao entre essas duas
instncias. A noo de poder-saber desafia a suposio de que seja possvel alcanar alguma
verdade que no seja parcial, e/ou distorcida. Portanto o esforo de buscar uma verdade plena
sobre as coisas dispensvel, importa isso sim verificar como diferentes regimes de verdade
aparecem e por que alguns se consolidam e outros no. No caso especfico dessa pesquisa, os
discursos utilizados, coletados, investigados estaro disposio desse olhar mais
contextualizado. No se pretende absolutizar falas, localizando isoladamente o valor de
qualquer que seja o discurso. Procura-se sempre analisar os contornos dos diferentes
pronunciamentos a partir das ferramentas oferecidas por Foucault, reconhecendo inclusive
que qualquer tentativa de discurso radical e emancipatrio no tem sustentao nessa anlise.
A relao entre o saber e o poder discursiva e, portanto tudo perigoso, inclusive aquilo que
essa pesquisa estar indicando e apontando. O discurso ambguo, uma forma de poder, que
pode tanto vincular-se a atitudes de dominao quanto de resistncia. Um dos cenrios dessas
possibilidades tambm o campo da educao, e qualquer prtica pedaggica ser tambm
ambgua, representando poderes dispersos e fragmentados. Existe, assim, um trabalho
desconstrutivo a ser feito em cada um (o que implicam seus domnios) e tambm fora desse
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campo, envolvendo o outro e o social. Nesse contexto, qualquer tentativa de assero de
inocncia equivocada e improcendente.
Outro aspecto que considero nessa pesquisa a idia de governo. Tal conceito no
se restringe apenas s estruturas polticas ou administrao dos Estados, mas designa, isso
sim, a forma pela qual a conduta dos indivduos ou grupos pode ser dirigida. Governar
estruturar o campo possvel de aes sobre o outro. Da viro as idias do poder disciplinar,
do autodisciplinamento regulando e controlando os indivduos nos mais diferentes ambientes,
inclusive nas instncias educacionais. Esta pesquisa estar abordando tais desdobramentos
considerando as vontades institucionais que tambm so atravessadas pelas vontades dos
profissionais da educao.
Alguns exemplos podem ajudar a entender a ambiguidade do discurso. Dispor as
classes em crculo de um tempo para c passou a ser uma recomendao bsica, imaginando
que tal prtica estabelea os princpios de uma pedagogia progressista. O argumento baseia-se
no entendimento de que o crculo se ope aos formatos convencionais e tradicionais nos quais
os alunos apenas fixam o olhar em um foco: o professor e o quadro. A crtica a tal postura
procura mostrar que no existe nada de inerentemente libertador nessa prtica, nem de
opressivo na outra; o que preciso saber olhar de que forma os sujeitos se relacionam nesses
espaos e quais so as condies de aprendizagem existentes.
Outro exemplo: a defesa por parte de alguns dos professores sobre o trabalho de grupo
como um exerccio democrtico que incentiva e motiva o aluno para a aprendizagem muito
mais um discurso autorizado por supostas novidades pedaggicas, que muito frequentemente
mascara os limites de tais prticas do tipo: baixo rendimento operacional, desperdcio de
tempo, reflexo muito superficial, excessiva ausncia do professor como mediador intelectual
dos temas propostos. Esse como outros procedimentos no devem ser banidos do cotidiano
acadmico, mas avaliados criteriosamente para enfrentar seus limites e possveis equvocos.
Nas entrevistas com professores e alunos ficam fortemente indicadas algumas
representaes produzidas no campo da pedagogia, que autorizam algumas prticas e
censuram outras. Ficou indicado, em muitas ocasies, a necessidade de preparo didtico, que
deveria vir desse outro lugar - chamado pedagogia - pois tal componente no est nos campos
especficos do saber. O que j se pode perceber em alguns casos e ser melhor explicitado em
captulo especfico justamente o contrrio. Assistindo s aulas de professores(as) que
supostamente no teriam formao pedaggica, mas um amplo domnio especializado do seu
campo de atuao, foi possvel verificar uma prtica dinmica e verstil sem nenhuma
carncia da didtica. Isso nos permite afirmar que o debate sobre formao do professor
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mais complexo do que se imagina. Eventuais especialistas da rea da educao no daro
conta sozinhos desse desafio, preciso contar com profissionais de muitos outros campos de
conhecimento. O cruzamento desses diferentes discursos poder indicar algumas novidades.
Minha vontade participar de um outro movimento que admite a diversidade de
olhares e sabe que o seu sempre parcial e incompleto. O pressuposto primeiro: contestar a
idia de que o sistema educativo baseado em instituies seja resultado de uma progressiva
humanizao, de transio de mtodos mais antigos e crus para mtodos mais instrutivos e
pedaggicos. Tudo isso fica sob suspeita considerando o referencial terico dessa pesquisa. A
arqueologia foucaultiana analisa os sistemas de conhecimento, investiga os meios pelos quais
o discurso modela a prtica, estabelece o que uma formao discursiva, enunciados e
condies pelas quais o indivduo se torna um sujeito. J a genealogia busca analisar as
diferentes modalidades de poder, afirmando que a prtica e o discurso esto destinados a
modelar um ao outro. Por isso a genealogia tem trs projetos bsicos: repensar os conceitos de
verdade, conhecimento e racionalidade. Todos eles so conceitos que precisam estar
relacionados com a histria e as condies de possibilidade que lhes garantiram materialidade.
Todos eles esto relacionados com a docncia.
A genealogia vai se debruar sobre arquivos, memrias, entrevistas, documentos,
livros de registro, estatsticas, com vistas a compreender como um determinado discurso se
entrelaa com uma determinada prtica. Realizar tal tarefa em uma instituio um desafio
mpar. O que se pde verificar que existem documentos, como por exemplo a Carta de
Princpios da Mantenedora (anexo 1), extremamente genrica, com temperos humanistas e
salvacionistas os quais em sua operacionalizao por intermdio dos cursos, inclui outros
sabores nem sempre declarados e anunciados. Sistemas normativos passam a ocupar o lugar
privilegiado (verificar em anexo o manual do professor - anexo 2), produzindo instncias
para definir formatos de programas, ementas, dirios de classe, registros de frequncia,
tornando bem mais silencioso o discurso inicial socializado pela carta de intenes. O que se
est procurando afirmar que o discurso humanista tem dificuldades de se consolidar no
apenas por suas eventuais fragilidades, mas pelos cruzamentos desse discurso com tantos
outros, em grande parte no declarados, mas vivenciados. Apontar em uma Carta de
Princpios uma concepo de homem e de sociedade no garante a efetivao de um projeto.
O funcionamento do discurso produzido pela Mantenedora implica produzir determinados
domnios de saber, tipos de normatividade e formas de subjetivao. Nesse sentido a prpria
compreenso da Carta como um documento humanista fica relativizado, podendo ser
problematizado. Afinal, seria o ensino superior capaz de superar crises do tipo polticas,
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sociais, ticas, psicolgicas como afirma o documento? E seria capaz inclusive de assumir
uma espcie de funo civilizadora? A crena de que a educao s acontece quando temos
definida uma idia de homem uma iluso e uma ocultao dos mecanismos de
funcionamento da pedagogia. Da mesma forma a crena de que as prticas educativas em seu
entorno didtico sejam meras mediadoras que geram o desenvolvimento dos indivduos supe
uma supervalorizao do pedaggico. A afirmao de Foucault outra: a pedagogia um
espao de produo, de fabricao ativa dos indivduos, que se materializa por meio de
procedimentos e tcnicas especficos, definidos como experincia de si. Tal prtica j um
resultado da arquelogia, da genealogia e da tica, de alguma forma etapas no lineares dos
estudos foucaultianos. Para analisar os limites da pedagogia, das instituies pode-se recorrer
a outros princpios de trabalho sugeridos por Foucault e que designam tambm outra
possibilidade de anlise:
a) Princpio da inverso: nem sempre l onde est o discurso, a pretensa verdade,
o(a) doutor(a), a disciplina, a teoria, os princpios humanistas, est toda a
realidade. A ordem do discurso deve nos mobilizar para buscar outros olhares,
outras abordagens.
b) Princpio da descontinuidade: existem topografias variadas do poder, mostrando
cruzamentos entre os discursos, toques e interfaces de prticas. (veja em anexo os
tangenciamentos entre os discursos do tipo Carta de princpios anexo 1- e Carta
Aberta dos Professores da Comunicao Social bem como a resposta a essa
manifestao anexo 3)
c) Princpio da especificidade: designa que o discurso uma determinada violncia
que fazemos s coisas, em vez de ser um instrumento para apresentar o mundo de
uma forma legvel e decifrada.
d) Princpio da exterioridade: mostra a natureza do discurso como um
acontecimento, que ao se manifestar, encontra sua regularidade buscando
normatizar vontades e contingncias. A exterioridade escancara as condies de
possibilidade de um discurso, os motivos de sua apario e durao. (verifique as
peas publicitrias divulgadas pela instituio no corpo deste trabalho, captulo
II).
No caso especfico do estudo sobre a docncia, os quatro princpios foram
fundamentais para a anlise dos dados. Importante foi no se deixar capturar pelas crenas do
jogo pedaggico, buscando discutir imagens e prticas que supostamente so anunciadas
20
como essenciais para a formao de um professor. Convive-se diariamente com discursos que
insistem em exigir posies dos(as) professores(as) sobre suas convices de natureza
filosfico-pedaggica, garantindo que tal postura designar o sucesso e ou o fracasso do
profissional. A pergunta que fica est em saber se essa tal convico implica em um manual
de boas intenes, pronunciamentos humanistas genricos ou disposio efetiva para interagir
com o(a) profissional da educao para aprofundar o seu entendimento sobre a profisso.
Parece predominar uma verso que de certa forma ameniza quando se depara com discursos
padronizados de defesa do homem e sua criatividade, deixando esmorecer todo o resto, ou
seja, estar ao lado desse(a) profissional no dia a dia para efetivar uma reflexo sobre como tal
discurso cruza com a prtica no espao da sala de aula. As vezes as falas e as polticas de
formao de professores(as) designam um discurso violento, perverso e padronizado, sem
vnculos com a prtica concreta dos(as) profissionais. Essa uma armadilha sempre presente
para quem decide trabalhar em instituies formais. Elas acabam sendo seduzidas por prticas
que aliviam tenses atravs de discursos, sem contudo tocar nas prticas.
A docncia aqui investigada acontece no interior de uma instituio, que como diz
Foucault, parece ser o lugar do reino universal do normativo, uma vez que o tempo todo
anuncia limites entre o sano/insano; saudvel/doentio; normal/anormal;
pedaggico/antipedaggico. Especificamente sobre a questo institucional, devo afirmar que
busquei interessadamente em Bernstein um suporte para a anlise. Entendi que a abordagem
de Bernstein, integrada a uma outra perspectiva conceitual, poderia contribuir. Fazer esta
aproximao: Bernstein-Foucault uma tentativa ousada, pois so autores e campos que se
situam em diferentes matrizes de pensamento. Isso at pode ser produtivo, tanto para
aprofundar o entendimento que se tem sobre cada um deles, quanto para retirar dessas
aproximaes novas maneiras de ver, descrever, problematizar, compreender e analisar e dar
sentido ao mundo.
Devo dizer que estou buscando em outros autores pores teis para analisar o prprio
objeto de pesquisa e seus diferentes ingredientes. A escolha em Bernstein tem a ver com a
questo da identidade de uma instituio confessional, e para tal utilizei conceitos do tipo:
isolamento, marcadores de fronteira, regras de reconhecimento, regras de realizao. Este
trabalho no se preocupou em definir o que de fato identidade, ainda que admita,
concordando com Hall (1998 p. 13), que a identidade plenamente unificada, completa, segura
e coerente uma fantasia. O que exposto aqui implica reconhecer o aspecto estratgico e
posicional da identidade, e nesse cenrio o que Bernstein descreve sobre cdigos, classes e
controles parece ser significativo. Esse o uso interessado de Bernstein, circunscrito a um
21
vis da pesquisa e sujeito, como de resto todo o corpo do trabalho, avaliao do leitor.
Outros autores sero referidos para contribuir com a reflexo, representando uma busca
interessada e circunscrita a objetivos especficos.
1.2 OPERACIONALIZANDO A PESQUISA
Estou convencida de um outro pressuposto metodolgico: o olhar que colocamos
sobre as coisas que criam os problemas do mundo e, portanto, podem gerar determinados
temas de pesquisa. Como diz Veiga-Neto, no h problemas em si sejam eles de natureza
cientfica, filosfica, esttica, social - pairando numa exterioridade, inertes num grande
depsito sombra, espera, de serem, antes, encontrados, pela luz que lanamos sobre eles e,
depois, solucionados pela razo.(1996)
Existem outros olhares possveis, pois ao se falar sobre as coisas os sujeitos as
constituem, cada um com sua possibilidade e compreenso de mundo. De certa forma a
pesquisa uma oportunidade de representao, onde cada investigador se coloca e apresenta o
que ele entende por mundo real, o que no se reduz a um conjunto de sinais, smbolos,
cdigos, cones, regras, mas o desejo de publicizar uma determinada forma de dar sentido ao
mundo. E esse sentido pode ser dado por meio de enunciados, expressos por intermdio de
discursos que no se podem controlar como se imagina.
Estou falando em olhares exatamente porque admito que o princpio da viso
iluminada est em crise. A pesquisa no tem como assumir a funo de iluminar a verdade,
antes escondida e agora revelada pelo(a) pesquisador(a). A linguagem no faz a mediao
entre o que se v e o pensamento, mas ela constitui o prprio pensamento. E ser esse
pensamento que permitir ver o mundo de um jeito especial. Qualquer pretenso de totalidade
segundo esse ponto de vista configura-se inadequada.
Esta pesquisa preocupou-se em identificar ferramentas que possam ser teis para o
entendimento do mundo, mais especificamente, entendimento sobre a docncia. De certa
forma, interessa analisar quais enunciados esto presentes nas falas quando se faz referncia
docncia e que imagens se constri sobre ela. Imagens que parecem adequadas e tambm
aquelas que julgamos como inadequadas.
Assim coloca-se em debate o que a pesquisa vem definindo como problema no campo
da educao, a considerar a formao docente. Afinal, as imagens que o mundo social
apresenta no esto isentas de olhares e, quando se incorporam imagens e discursos, por meio
22
delas de falam tambm outros sujeitos e cenrios. Isso implica dizer que no basta definir as
categorias com as quais vai-se trabalhar durante a pesquisa, pois elas tambm no so isentas,
oriundas que so de determinados olhares e culturas.
impossvel o distanciamento e a assepsia metodolgica ao lanar os olhares sobre o
mundo. A questo no a falta de rigor, mas a incapacidade de investigar plena e totalmente.
O segundo ponto: o fato de relativizar as categorias de anlise no significa ignor-las, mas
estar disposto a fazer outras e novas relaes entre as categorias, a fim de compreender
tambm de outras e novas formas. Talvez para alguns, todas as questes postas at agora
sejam excessivas, e antes de ajudar, complicam a pesquisa. No meu entendimento, no vejo
possibilidade de escapar destas questes; elas no implicam relativismo, ausncia de rigor
cientfico, fragilidade tica; pelo contrrio, pretendem falar dessas coisas de um jeito
diferente, talvez contribuindo para gerar um estranhamento sobre o que antes parecia
familiar, abrindo espaos para outras e novas inquietudes no campo da educao.
No caso especfico da presente pesquisa, a operacionalizao ser efetivada a partir de
entrevistas, anlise de documentos e observao das prticas pedaggicas (aulas). O objetivo
principal o debate sobre a docncia e portanto, preocupada em verificar:
a) Como falamos da relao pedaggica considerando o ensino superior; afinal, qual
o sentido dessa prtica para os profissionais da educao?
b) Que tipos de regras devem fazer parte do cotidiano acadmico; ou seja, qual o
desdobramento normativo da docncia?
c) Afinal, como o(a) professor(a) se v como profissional da rea da educao?
d) Qual a compreenso de pedagogia dos(as) professores(as), considerando os planos
de trabalho e suas prticas efetivas?
e) O que considerado fracasso e sucesso no exerccio da docncia?
f) Quais as relaes entre os discursos e vontades institucionais e os discursos e
vontades dos(as) docentes e discentes?
Todas essas questes devero levar em considerao as caractersticas da instituio a
ser investigada, suas particularidades e especificidades.
As entrevistas foram realizadas com diferentes sujeitos, assim especificados:
a) Professores(as): (6); 3 docentes em incio de carreira e trs docentes com
experincia significativa na rea da educao.
23
b) Alunos(as): (10) considerando a diversidade dos cursos, o(a) aluno(a) bolsista, e
aqueles(as) transferidos(as) de outras instituies.
c) Outros: (14): diretor geral, diretores dos cursos superiores, pastoral acadmica,
secretrio executivo do departamento de educao da rede de escolas luteranas (o
atual e o anterior), dois estudante e dois professores do ensino mdio da
instituio, um representante do corpo docente do CTA (Conselho Tcnico
Acadmico), uma aluna representante do diretrio acadmico.
Para implementar o processo de investigao, organizou-se um cronograma de visitas
de observao s salas de aula. A estratgia utilizada implicou uma pequena correspondncia
encaminhada a cada professor(a) dos diferentes cursos, no qual foi especificado o objetivo da
pesquisa. Muitos(as) professores(as) retornaram deixando claro que a sala de aula estava
aberta para a observao. Foram realizadas 20 observaes, distribudas nos diferentes cursos.
1.3 A COLETA DE DADOS
Cada parte adquirida no contato com os sujeitos, com os documentos , com as
observaes, de alguma forma reunidos traam uma possvel leitura e anlise. A leitura
depender de aportes tericos que, escolhidos pela pesquisadora, indicaro possibilidades de
anlise, implicadas em uma teia de saberes e poderes. Esta pesquisa tem como objetivo
rastrear os fios que tecem a docncia. Ainda que tal coleta de dados se deu em uma
instituio por demais especfica, basta analisar as suas possveis denominaes: privada,
confessional, comunitria, isolada e mesmo assim tal instituio contempla uma possibilidade
para a pesquisa. A diversidade do corpo docente ampla, pois grande parte dos incios dos
cursos dependeram de professores(as) oriundos de outras instituies, pblicas e privadas, em
geral com larga experincia na docncia. Os(as) estudantes, da mesma forma tm um perfil
prprio e diverso, o qual ser mais detalhatamente exposto posteriormente.
Nessa trajetria da docncia importa verificar de onde vm os inmeros movimentos e
acontecimentos que colaboraram para formar os conceitos que hoje se tem desta prtica
humana. Nessa proliferao de conceitos sobre a docncia, a questo de fundo no a tica, a
epistemologia, a antropologia, mas condies de possibilidade que acabam materializando
determinados discursos. A trajetria nessa pesquisa considerar os seguintes passos:
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- Em um primeiro momento falar do lugar da pesquisa, descrevendo brevemente a
histria da instituio em questo, sua especificidade, a construo de sua
visibilidade, o perfil dos(as) docentes e discentes, indicadores do planejamento
global, misso e objetivos.
- Em um segundo momento o foco ser a dinmica que oscila entre a emergncia e a
provenincia da docncia.
- Em uma terceira etapa identificar marcas, traos e rastros do ensino superior
enquanto experincia humana, considerando especialmente o ocidente a partir do
perodo medieval.
- Em uma quarta etapa as tramas da prtica estaro sendo analisadas considerando a
diversidade dos cursos, dos discursos, das aes educativas procurando ter como
referencial as categorias anteriormente citadas.
- Por fim, o trabalho deseja contribuir por meio de sua anlise expressa nas
consideraes finais, para um debate mais intenso e profundo sobre polticas de
formao e capacitao de professores(as).
1.4 DO ESTRANHAMENTO NECESSRIO:
Metaforicamente, diria que na posio de pesquisadora estou centrada na ponta de um
iceberg, que consegue em parte analisar um recorte do cotidiano do ensino superior. O
trabalho e as ferramentas oferecidas por Foucault necessariamente levam a desterritorializar,
desfamiliarizar, estranhar o cotidiano. Nessa pesquisa foi preciso primeiro compreender em
que medida a prpria autora estava aprisionada na idealidade de um discurso sobre a docncia
e a formao de professores(as). O enfrentamento desse discurso veio mais das prprias
ferramentas de trabalho do que o contato isolado com sujeitos/docentes. As entrevistas, as
observaes em sala de aula, a anlise de documentos vai tomando um contorno em funo
das ferramentas de trabalho. Qualquer que seja a pesquisa e o lugar de pesquisa est-se,
enquanto pesquisadora, de certa forma comprometida com a contingncia metodolgico-
investigativa.
As ferramentas de trabalho aqui propostas indicam uma vontade de olhar e estudar a
docncia para alm das evidncias. A evidncia o que todo mundo v, aquilo que parece
25
desprovido de dvida. De novo as ferramentas de anlise mostraro a contingncia das
evidncias e a complexidade das operaes de sua fabricao. Segundo Larrosa:
o que evidente, alm disso, no seno o resultado de uma certa dis-posio do espao, de uma particular ex-posio das coisas e de uma determinada constituio do lugar do olhar. Por isso, nosso olhar, inclusive naquilo que evidente, muito menos livre do que pensamos. (1998, p.83)
Ainda que parea evidente que um pesquisador sem nenhum vnculo com a instituio
pudesse ter mais condies de insero crtica nesse cotidiano, tal evidncia pode ser
contestada. Os olhares, os meus e o de qualquer outro, esto constitudos por aparatos que
fazem ver e ver de uma determinada forma. Qual a sada? Talvez verificar, como diz o autor
acima citado, que nosso olhar por vezes mais livre do que pensamos. Isso porque cada olhar
tem uma origem, depende de certas condies histricas e prticas de possibilidade e como
toda realidade contingente est submetida a possibilidades de transformao. Sero as
ferramentas de trabalho, os princpios da inverso, da descontinuidade, da exterioridade e da
especificidade que podero contribuir para que o olhar no se aprisione totalmente. Isso
significar uma possibilidade de conduzir a pesquisa de uma outra forma do que aquela
restrita s evidncias. Ser preciso despreender-se de si prprio para ver de outro modo,
dizer de outra maneira aquilo que j parece totalmente explicado.
1.5. RASTROS DE UMA HISTRIA
A anlise do protestantismo no o objeto desta pesquisa; de toda forma, algumas
consideraes so fundamentais, que vo desde dados histricos at algumas questes
pessoais da prpria pesquisadora. Vai-se iniciar por este segundo ponto. Minha histria
pessoal foi muito marcada pela influncia da tradio luterana, isto no que se refere
instncia do privado e do pblico. No foi uma experincia harmoniosa, nem hermtica, pois
sempre estive vinculada afetivamente a pessoas que ironicamente amavam tal tradio
luterana (ainda que sem nenhum pieguismo) ou tinham srias restries. Assim, o lugar de tal
tradio em minha vida sempre veio depois destas pessoas com as quais tive vnculos fortes.
Apesar disso, a presena deste componente na minha formao indiscutvel. Estudei, assim
como meus outros trs irmos, desde a educao infantil at o final do ensino mdio em
escola luterana, por conta de bolsa de estudo a que meu pai tinha direito, por ser professor da
mesma instituio. Ele foi professor de latim e matemtica e exerceu a docncia em escolas
luteranas por 42 anos. Meu pai, apesar dos vnculos com a escola luterana, era sempre um
26
feroz crtico de alguns princpios desta organizao. Repudiava a interferncia do religioso na
educao e foi avesso a qualquer prtica confessional. Toda a formao religiosa veio de
minha me, que sempre cuidou dos afazeres domsticos e da educao dos filhos. O
entendimento dela sobre a formao religiosa era uma leitura tranquilizadora, na tentativa de
buscar na religio uma possibilidade de viver melhor, com mais dignidade, respeito e amor.
Alm disso, procurou nos envolver nas prticas da comunidade confessional em funo de
estabelecer para os filhos vnculos de amizade, bem como programas de final de semana. Eu,
em particular, fui a mais envolvida com tudo isso, por ser professora, aos domingos, no culto
infantil. Alm de dar aulas de flauta, participei ativamente da juventude evanglica.
No ltimo ano do ensino mdio, ainda trabalhava no internato masculino e feminino
da escola luterana , como assistente para efeitos de apoio nas tarefas de casa, atendia no
almoxarifado noite, vendendo material escolar. Um final de semana por ms fazia planto
no internato para que os(as) professores(as) responsveis tivessem uma folga. Na verdade,
no sei como que se pde assumir tudo isso , pois tinha apenas 17 anos, estudava pela
manh e tinha esses compromissos tarde e noite. Segundo o diretor da escola Alberto
Torres de Lajeado , Friedhold Altmann, tinha perfil de professora e podia assumir tarefas de
tal natureza. Todas essas experincias foram muito significativas e em grande parte
prazerosas. Quando da sada de Lajeado para estudar, acabei novamente em uma instituio
luterana, em So Leopoldo. Participei de um projeto da IECLB (Igreja Evanglica de
Confisso Luterana no Brasil), que no durou muito tempo, no qual estudantes luteranos
avaliados e/ou indicados pelas escolas receberiam bolsa para fazer o ensino superior,
considerando dois critrios: primeiro ter acesso a uma universidade da regio, optando pelo
curso de sua preferncia; ao lado disso o aluno deveria cursar o Instituto Superior de
Catequese e Estudos Teolgicos. O objetivo da Igreja era formar profissionais de todas as
reas para atuar em campos diversos, mas com um diferencial: a formao luterana. Esse
projeto durou em torno de cinco anos. Participei de todo o processo fazendo Histria na
Unisinos (com bolsa da Igreja ) e ao mesmo tempo fazendo a formao em educao crist.
Foram as minhas condies de estudo. Sem este apoio da Igreja dificilmente teria conseguido
estudar . A condio de bolsista era bastante privilegiada, pois se recebia o apoio para as
matrculas nas universidades, tinha-se moradia (Morro do Espelho, em So Leopoldo),
alimentao a preo de custo, mais o estudo no Instituto Teolgico. A minha condio ainda
era especial, pois meus pais ajudavam nas despesas gerais e nas frias podia voltar para casa.
J a grande maioria de meus colegas, de origem muito pobre, nas frias trabalhavam como
garon, cuidavam das casas dos pastores que tiravam frias, trabalhavam como balconistas
27
para reunir algum dinheiro para as despesas do semestre. Foram tempos incrveis, de
aprendizagens imprevistas, de amigos maravilhosos. Foram tempos onde se aprendeu a
entender melhor a humanidade. Esse projeto acabou e com uma certa melancolia que digo
isso. Depois os estudos continuaram: especializao na Feevale (Novo Hamburgo), e
posteriomente o meu contato com a UFRGS (Porto Alegre).
No incio dos estudos, nessa ltima universidade, em 1993, relutei em falar de toda
esta histria no mbito acadmico, em funo de uma reflexo que exclua ou ironizava
qualquer formao confessional. Reconheo que eu mesma pudesse estar solicitando uma
distncia de tanta influncia luterana, e resolvi, depois de formada, buscar uma outra
experincia, que acabou se dando no campo profissional, quando ingressei na Prefeitura de
Novo Hamburgo. O trabalho deu-se na Secretaria de Educao, por 14 anos, poca de
afastamento da rede luterana de escolas. Novamente aprendi muito e percebi que todos os
contextos apresentam suas especificidades e de alguma forma assemelham-se, a considerar
regimes de poder e saber em suas dinmicas.
Aps esses 14 anos de experincia no ensino pblico, retornei escola luterana,
agora em um outro Estado. Desde 1994 estou efetivamente trabalhando em Joinville,
inicialmente com a educao bsica e posteriomente com o ensino superior. Os dois
contextos: o pblico e o privado ensinaram muito. Penso que o primeiro deva ser defendido
como um direito inalienvel de todo cidado; contudo o segundo pode ser uma opo em uma
sociedade to complexa como a nossa, desde que critrios mnimos sejam estabelecidos para
que estas iniciativas possam se colocar como uma alternativa para a sociedade em geral. Estes
so alguns traos da pesquisadora, que podem colaborar no sentido de compreender o texto,
as representaes e os encaminhamentos da prpria pesquisa.
28
CAPTULO II
O LUGAR DA PESQUISA- CONTORNOS, LIMITES E POSSIBILIDADES
2.1. REFERNCIAS HISTRICAS
A instituio faz parte de uma histria que iniciou em 1866, com a fundao da escola
alem. Com a vinda dos imigrantes para a regio norte catarinense, instaura-se todo um
ambiente tradicionalmente vinculado cultura destes indivduos. Alguns estudos hoje
demonstram que a simples relao entre essa cultura e seus desdobramentos prticos, quais
sejam a priorizao da escola, da cultura, da igreja so discutveis. J no se sabe bem se tais
valores estavam postos antes ou se interessadamente se materializaram como uma fora de
organizao. De fato, especificidades histricas deveriam ser analisadas para compreender
esse processo de insero do imigrante a um novo lugar e como se deu esta interao com
suas devidas representaes. O que est em questo, segundo Meyer (2000), inclui uma
discusso sobre como populaes que partiram da Europa na condio de excludos sociais
passam a ocupar, nos pases do Novo Mundo, a condio de povos superiores e
civilizadores, impulsionadores do progresso e do desenvolvimento. O foco do presente
trabalho, porm, no esse; de toda forma, no h como dispensar essa reflexo, uma vez que
a instituio em questo carrega em sua histria esse componente cultural e social, muitas
vezes reafirmado pelas lideranas em pronunciamentos pblicos. As marcas dessa histria
esto nos documentos, nos projetos, nos indivduos, nas representaes que circulam nas
expectativas da sociedade.
A instituio que precedeu ao colgio Bom Jesus foi a Deustsche Schule Zu
Joinville, ou escola alem, criada em 1866. No perodo da nacionalizao,1 a escola
enfrentou um perodo extremamente traumtico, que resultou na incorporao da instituio
1 O perodo do Estado Novo (1937 1945) implicou a submisso poltica das diferentes fraes da burguesia nacional, que abriu mo de pretenses ao poder, em nome da paz social, segurana e do progresso econmico. O governo passa a ser exercido por uma elite dirigente que defendia um projeto nacionalista avalizando um Estado autoritrio-corporativo. Nesse contexto procedeu-se a uma campanha pela brasilianizao, que atuou basicamente sobre a rea da colonizao alem, onde sobreviviam comunidades tnicas isoladas, falando o idioma alemo. A atuao do governo foi no sentido de proibir o ensino do idioma nas escolas, assim como impedir que jornais, anncios de lojas e lpides de tmulos tivessem inscries em alemo. Ao mesmo tempo em que foram criadas vrias escolas, nacionalizaram-se os estabelecimentos particulares.
29
pelo Bom Jesus, fundado em 1926/27 pela professora Ana Maria Harger. A ata de dissoluo
da escola alem apenas se deu em 1939/40. Ana Maria Harger nasceu em Santa Catarina,
municpio de So Jos, filha de Erna Thormann Harger e Joo Leonardo Harger. Com a ajuda
da famlia Hoepeke, Ana dedicou-se s atividades do ensino lecionando em muitos
municpios, at que em 1926/7 funda, em Joinville, a Escola Remington Official, e logo em
seguida o Instituto Bom Jesus. A escola iniciou como escola de datilografia, cursos na rea
comercial e contbil. J no segundo ano, entra em funcionamento o ginsio (Instituto Bom
Jesus) freqentado por jovens da cidade que por algum tempo tiveram que prestar exames
para validao de seus estudos em educandrios de Curitiba ou Florianpolis. Essa situao
perdurou por alguns anos at que o governo federal instalasse a fiscalizao prvia, assim
denominada, pois implicava a primeira etapa para os trmites de legalizao e reconhecimento
dos cursos e da prpria escola. De 1926 at fins de 1964, Ana esteve vinculada histria da
escola, marcando um estilo que resultou em uma dinmica educativa muito particular. Ela
lembrada como uma mulher forte, determinada, diretiva e absolutamente convencida da
necessidade do rigor no processo educativo. Em vez da marca confessional, a professora
imprime uma marca tnica: a alem como expresso de um certo estilo educativo marcado
pela disciplina, ordem, respeito e trabalho. Tal postura continua a ser interessadamente
utilizada ainda hoje nos pronunciamentos pblicos, integrando a essa marca a questo da
confessionalidade. Em muitos dos pronunciamentos de professores(as) obtidos na entrevista
sobre o luteranismo, essa composio meio ecltica de cultura alem, tradio de ordem e
disciplina parece rechear por meio de diferentes temperos as representaes dos mesmos
sobre a instituio e suas finalidades.
Em 1964, a comunidade evanglica de Joinville (CEJ/UP-Comunidade Evanglica de
Joinville- Unio Paroquial) adquire a escola de Ana Maria Harger, destacando a partir da a
sua natureza confessional e comunitria. Desde ento foi gradativamente ampliando seus
quadros docente e discente, espao fsico e infra-estrutura. Em 1965, assume a direo da
escola o Pastor Helberto Michel, que permaneceu no cargo por 19 anos e seis meses. Aps
esse perodo, assume o Pastor Tito Livio Lermen, diretor geral da instituio at o momento.
Na verdade, em quase 80 anos de histria a instituio contou com trs diretores, o que de
certa forma demonstra uma tendncia na estrutura da grande maioria das escolas luteranas.
No est presente ainda um sistema de eleio peridico dos dirigentes, com exceo da
Escola Superior de Teologia, localizada em So Leopoldo. Tal realidade no tem se
constitudo nem em um tema de debate do Departamento de Educao, que tem como
30
funo gerenciar a Rede Sinodal2 de escolas luteranas no Brasil. Tenho a impresso de que a
deciso de algumas escolas em ingressar no ensino superior acabar por exigir uma nova
dinmica em termos de gesto administrativa e processos de formao das lideranas. De toda
forma, a atual estrutura administrativa da grande maioria das instituies educativas luteranas
tem uma raiz histrica importante, que passa pela quase simbiose entre o pblico e o privado,
onde pessoas dedicaram toda a sua vida para construir e manter projetos pedaggicos. Tal
atitude tem sinais visveis no cenrio fsico de algumas das escolas, uma vez que um nmero
significativo de diretores tinha sua moradia localizada no interior das instituies. Nesses
termos, a vida privada era quase sempre pblica, e todos os integrantes da famlia passam a
direta ou indiretamente colaborar com a gesto dos espaos e das pessoas. Nas palavras do
diretor geral fica exemplificado esse cotidiano;
aprendi tardiamente que entrar de cabea em um projeto de trabalho pode ser um risco em termos de qualidade de vida. Dedicar- se exclusivamente ao trabalho, esquecendo inclusive a famlia uma herana que recebemos da igreja, uma viso sacerdotal que se tem do trabalho, do magistrio. Esse pressuposto est presente tambm na igreja catlica e de uma forma mais radical, exigindo at o celibato. Deseja-se a dedicao total. Isso gera muitos problemas, por vezes no sabemos mais qual o limite entre a vida pessoal e a vida pblica, o que acaba prejudicando as duas realidades. (diretor geral; 27/03/03)
O diretor segue explicando que morou por muitos anos dentro da escola, e como era
pastor acabava sendo confundido tambm como pastor de comunidade, tendo que mediar
situaes no final de semana que incluam o uso dos espaos, atender a telefonemas, ouvir
pessoas em crise. Segundo ele, foi somente quando decidiu mudar de residncia que teve a
oportunidade de experimentar a dimenso privada da vida e entende que isso fundamental
para qualquer indivduo.
O suporte das instituies parece garantido em funo de pessoas integralmente
dedicadas, ainda que confundindo em suas prticas as finalidades pblicas com as privadas.
Apesar dos limites desse estilo de administrao, no h como negar que foi e continua sendo
um mecanismo eficiente e de certa forma econmico de manuteno das estruturas
institucionais. As prticas de governo de cada diretor estabelecem tcnicas de poder e
tcnicas de si e acabam definindo estruturas institucionais carregadas de subjetividades.
2 A palavra sinodal vem do grego (syn-hodos) e significa: caminho em comum, reunio, conclio, chegar a um lugar. Tal denominao, desde 1981 comea a ser mais intensamente utilizada para designar o grmio de escolas luteranas filiadas ao Departamento de Educao, estrutura que nasceu aps a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de apoiar as escolas em suas prticas cotidianas. Atualmente a Rede Sinodal rene 53 escolas, a grande maioria localizada no sul do Brasil. Nem todas as escolas existentes no mbito da IECLB (Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil) esto associadas ao departamento de educao. Atualmente a rede contempla 30.000 alunos.
31
Nesse cenrio, apesar das diferenas, algumas possibilidades de aproximao entre Foucault e
Weber so possveis, especialmente no que se refere problemtica do governo e da direo
da vida. Weber concebia o autodisciplinamento do sujeito como forma de vida especfica do
Ocidente e a tica protestante como a direo de vida que realiza este disciplinamento.
Segundo o autor, uma das partes constituintes do esprito capitalista moderno e da prpria
cultura moderna uma idia de direo racional da vida na base do pressuposto da profisso,
que nasceu do esprito da ascese crist. Tal ingrediente designou um estilo, uma
regulamentao da vida, um hbito, um determinado entendimento sobre o que seja uma
relao social. A compreenso de poder de Weber de certa forma negativa e jurdica,
enquanto para Foucault essa noo positiva e produtiva. Nesta ltima abordagem, os
processos de disciplinamento constituem formas de direo de vida que produzem prticas e
tcnicas de governo.
Vale ainda destacar que se est falando de um contexto luterano especfico, vinculado
IECLB (Igreja Evanglica de Confisso Luterana no Brasil) e que em alguns aspectos se
diferencia do contexto luterano vinculado IELB (Igreja Evanglica Luterana do Brasil). As
duas igrejas tm origem na mesma reforma feita por Martim Lutero no sculo XVI. A
primeira desenvolveu-se com fortes laos de influncia da Europa (Alemanha), enquanto a
segunda desenvolveu-se no Brasil como fruto de misso a partir de uma Igreja Luterana dos
Estados Unidos, o Snodo Missouri. Essa vinculao histrica diversa trouxe algumas nfases
doutrinrias diferentes, que comeam a ser melhor debatidas por meio de aes de cooperao
nas reas de literatura, comunicao e eventos especiais. A cooperao vem sendo estimulada
significativamente pela Comisso Interluterana de dilogo e pelos propsitos comuns fixados
no Convnio de Cooperao de 1998.
A IELB tem em torno de 200.000 membros, j a IECLB tem 715.000 membros
organizados na forma de comunidades, apresentando estrutura prpria. Existem mais de 65
milhes de luteranos no mundo que esto agrupados em dois blocos: a Federao Luterana
Mundial (FLM) e o Conselho Luterano Internacional (ILC). A IECLB, desde 1950 est filiada
FLM, que congrega 133 igrejas de 73 pases, abrangendo 61,7 milhes de pessoas do total
de 65 milhes de luteranos no mundo.
A IECLB, historicamente, sempre esteve vinculada a questes educacionais e na
atualidade tem os seguintes centros de formao:
32
1) trs centros de formao de obreiros e obreiras: Escola Superior de Teologia-
EST,3 localizada em So Leopoldo e reconhecida pelo MEC com nfase no
Pastorado, na Diaconia e na Educao Crist; Faculdade de Teologia em
Curitiba/PR-FATEV com nfase em Misso; Faculdade Luterana de Teologia-
FLT-MEUC em So Bento do Sul/SC autorizada pelo MEC. Essa diversidade em
termos de formao tem relao com diferentes posicionamentos teolgicos
existentes no interior da prpria igreja.
2) Escolas evanglicas da Rede Sinodal de Educao - 53 escolas de educao bsica,
sempre articuladas com as comunidades luteranas e, portanto, com a igreja local,
considerando as cidades (a grande maioria no RS) onde as escolas esto
localizadas.
3) Outros centros de formao como: Associao Diacnica Luterana, Instituto
Diaconal Bethesda, Centro Educacional Evanglico Internato Rural, Centro de
Formao Martim Lutero, Fundao Sinodal Praeses Stoer, Pastoral Popular
Luterana (PPL).
Mais recentemente, em 2002, foi assinado um protocolo de intenes entre algumas
dessas instituies (9), visando estabelecer um programa de cooperao e integrao na rea
do ensino superior. Isso se deve em funo de um movimento recente de insero no ensino
superior de algumas instituies (com exceo da EST/ So Leopoldo e SETREM/Trs de
maio, que j so mais antigas) que comea a perceber a necessidade de uma articulao de
rede tambm no que se refere ao ensino superior, uma vez que essa j uma tradio em
termos da educao bsica. Assim, a instituio em foco nessa pesquisa (BOM
JESUS/IELUSC de Joinville4) faz parte desse movimento, ao lado de outras instituies que
j tem seus cursos iniciados e outras que ainda esto em processo de elaborao dos projetos.
Em muitas situaes o cenrio acima descrito confundido com a ULBRA como se
todas escolas luteranas pertencessem a uma mesma Mantenedora. A ULBRA est vinculada a
uma congregao da IELB em Canoas RS, e representa hoje um projeto educacional de
3 A Escola Superior de Teologia vem consolidando um outro perfil junto sociedade e ampliando sua tarefa. No momento tem os seguintes Bacharelados: Teologia, Musicoterapia, Instrumento (Canto, Flauta, Piano, rgo e Violo), Msica (Sacra e Regncia Coral); Cursos Tcnicos: Msica e Enfermagem, Cursos de Latu Sensu (vrios) e Stricto Sensu (Mestrado Profissionalizante em Liturgia, Mestrado Acadmico em Teologia e Dout orado em Teologia, tendo como uma das nfases a questo da educao). A Ps-Graduao tem mantido a nota 7 nas avaliaes realizadas pelos rgos governamentais. 4 Joinville a maior cidade do Estado de Santa Catarina com aproximadamente 500.000 habitantes, distante 180 km de Florianpolis. Tem sua economia pautada pela indstria e pelo setor de servios, apresentando desafios sociais significativos oriundos de uma poltica de concentrao de renda dependente de um modelo econmico excludente e frgil em relao definio de polticas pblicas para a populao em geral.
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certa forma diverso, pois nasceu e se desenvolveu de uma forma totalmente diferente das
acima descritas, com um projeto de expanso prprio e articulado com outros referenciais. Tal
realidade mereceria um outro estudo. De toda forma, o foco dessa pesquisa no a IELB e
nem a ULBRA, e por isso estarei logo mais adiante diferenciando o contexto luterano que
aqui interessa particularmente.
2.2. REFERNCIAS DE GOVERNO
Segundo Weber, a busca da legitimidade sempre um desejo de qualquer tipo de
dominao. Segundo o autor, chamamos dominao:
a probabilidade de encontrar obedincia para ordens especficas dentro de determinado grupo de pessoas. No significa, portanto, toda espcie de possibilidade de exercer poder ou influncia sobre outras pessoas. Em cada caso individual a dominao (autoridade) assim definida pode basear-se nos mais diversos motivos de submisso: desde o hbito inconsciente at consideraes puramente racionais, referentes a fins. Certo mnimo de vontade de obedecer, isto , de interesse (externo ou interno) na obedincia, faz parte de toda relao autntica de dominao.(1991, p.139)
So trs os tipos de dominao legtima. A vigncia de sua legitimidade pode ser,
primordialmente de carter racional, tradicional e carismtico. A dominao racional est
baseada na crena da legitimidade das ordens estatudas e do direito de mando daqueles que
tem nomeao para exercer a dominao legal. Justamente nesses contornos iremos encontrar
os pressupostos da burocracia, que atravs do saber prtico dos servios fortalece uma
administrao racional. A dominao tradicional est baseada na crena implicada pelas
tradies e na legitimidade daqueles que, em virtude de suas raizes histricas, representam a
autoridade e como tal devem ser respeitados. No se obedece a estatutos, mas pessoa
indicada pela tradio. J a dominao carismtica est baseada na venerao de um sujeito,
seja pelo seu perfil herico, carter exemplar, virtude religiosa, ou qualquer outro trao de
personalidade que destaque o indivduo no contexto social. Tal liderana, de certa forma se
mantm enquanto garante bem-estar ao grupo dos adeptos. Nesses diferentes casos,
desdobram-se diferentes obedincias. No primeiro caso oebedece-se ordem impessoal,
sustentada por aspectos legais e regimentais. No segundo caso obedece-se pessoa do senhor,
nomeada pela tradio e pelos hbitos que se deseja manter em um contexto social. J no
terceiro caso obedece-se a um lder carismaticamente institudo e que adquire no seu entorno
confiana dos seus seguidores. Weber destaca em sua anlise que nenhum dos trs tipos de
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dominao costuma existir de forma pura, acabam entrelaando-se e produzindo efeitos os
mais diversos nos contornos da realidade.
Destaca-se em um primeiro momento a dominao carismtica, entendendo que ela
tem um significado especial para alguns desdobramentos da instituio luterana, objeto desta
investigao. Segundo Weber, o quadro administrativo do senhor carismtico no
preponderantemente um grupo de funcionrios profissionais, pois:
ao profeta correspondem os discpulos; ao prncpe guerreiro, o squito; ao lder, em geral, os homens de confiana. No h colocao ou destituio, nem carreira ou ascenso, mas apenas nomeao segundo a inspirao do lder, em virtude da qualificao carismtica do invocado. (1991, p.160)
A dominao carismtica resiste em aceitar pressupostos das outras duas, uma vez
porque no quer supervalorizar o racional e o uso de regras, e por outro lado enxerga no
passado o risco da continuidade e a impossibilidade da inovao. Tal realidade da mesma
forma supervalorizaria a regra e a norma. Contudo, a dominao carismtica tem dificuldade
de manter-se sem a observncia de regras, pois com o tempo coloca em risco inclusive o
reconhecimento do carisma pessoal em funo da dificuldade de coerncia. O lder genuno,
diz Weber:
em geral, anuncia, cria, exige mandamentos novos - no sentido originrio do carisma: em virtude de revelao, do orculo, da inspirao, ou ento de sua vontade criadora concreta, reconhecida devido a sua origem, pela comunidade religiosa guerreira, de partido ou outra qualquer. O reconhecimento um dever. Quando a determinada diretiva se ope outra concorrente, dada por outra pessoa com a pretenso de validade carismtica, temos uma luta pela liderana, que s pode ser decidida por meios mgicos ou pelo reconhecimento (obrigatrio) por parte da comunidade, luta em que, de um lado, somente pode estar o direito e, do outro, somente a infrao sujeita a expiao. (1991, p.160)
A dominao carismtica de toda forma pode tornar-se uma contribuio no que se
refere possibilidade de inovao de algumas prticas em diferentes contextos sociais. bom
que se diga que nesse cenrio o conceito dominao tem um sentido bastante peculiar, pois
resulta de uma ao em relao a valores que passam a ocupar o lugar de um imperativo ou
exigncia ditados por um determinado senso de dignidade, crena, justia, moral. A
legitimidade vem da certeza do sentido da ao, uma vez que ela se baseia em um pressuposto
moral e tico. A possibilidade de dominar a vontade de legitimar determinados valores que
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designam sentido e perspectiva de vida5. O que Weber ensina que o carisma, com o tempo,
tende rotinizao, e ao tornar-se permanente em um determinado contexto tende a
modificar-se, por vezes tradicionalizando-se ou racionalizando-se (legalizando-se). claro
que isso acaba acontecendo de um jeito muito particular, em funo dos seguintes motivos:
a) o interesse dos adeptos em manter e reanimar o contexto de influncia do lder;
b) o interesse ideal e material do quadro administrativo, dos homens de confiana em
manter a existncia da relao;
c) o desejo de destacar a misso e a tarefa a ser cumprida.
O que fica aqui posto implica reconhecer a fragilidade de tal liderana que, contudo,
refaz-se e se fortalece enfrentando seu limite, procurando resgatar a idia da misso e da
tarefa (geralmente vinculada a valores) desejando assim garantir a continuidade da direo,
ainda que precisando incorporar novos ingredientes, mais legais e racionais. Tal configurao
no se d apenas em funo do desejo do lder, mas sobretudo de uma vontade de
obedincia do quadro administrativo que, de certa forma, tambm preconiza a defesa de
alguns interesses e continuidades. A insero de questes legais pode inclusive integrar uma
discusso sobre a sucesso da liderana, que pode resultar na confirmao da mesma ou
possibiliades de renovao. Em todos os casos, conforme afirma Weber:
um motivo impulsor da rotinizao do carisma , naturalmente o empenho por assegurar, vale dizer, por legitimar as posies sociais de mando e as oportunidades econmicas para os sequazes e adeptos do senhor. Outro, a necessidade objetiva da adaptao das ordens e do quadro administrativo s exigncias e condies de uma administrao cotidiana. Estes constituem, particularmente, pontos de referncia para uma tradio administrativa e jurisdicional necessrios tanto a um quadro administrativo normal quanto aos dominados. Alm disso, preciso haver alguma ordenao dos cargos dos membros dos quadros administrativos. (1991, p. 166)
A incorporao, portanto, de novos temperos dominao carismtica no se d
simplesmente pela vontade do lder, mas pela vontade de manuteno de toda uma estrutura
existente. O que se apresenta at o momento no deixa dvida sobre o fato de que so
extremamente raras as associaes de dominao pertencentes somente a um ou outro dos
tipos puros de dominao. O que se pode aprender com Weber implica reconhecer que o
fundamento de toda dominao, de toda obedincia uma crena na legitimidade, no prestgio
de quem domina. Assim sendo, a dominao legal nunca totalmente legal, pois baseia-se
5 No depoimento do diretor geral da instituio fica bem expresso esse desejo de responsabilizar-se por uma direo nos termos expostos por Weber. Defende o entrevistado uma educao que valorize o talento de cada indivduo, sendo a escola um lugar onde tal empreendimento deva tornar-se possvel. Na prtica, a consolidao desse princpio em termos administrativos nem sempre encontra guarida, pelo menos isso fica anunciado em alguns pronunciamentos de professores(as).
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em uma tradio que sustenta determinados sistemas normativos, repete determinados hbitos
e, portanto, deixa-se condicionar por certas tradies. De certa forma tambm carismtica,
quando sustenta que o insucesso contnuo a runa de todo o governo, afirmando que a perda
de prestgio de um lder mobiliza a busca por outro. Da dominao carismtica pode advir o
mais puro burocratismo, que ao pressentir a perda de prestgio do lder incita uma busca pela
sustentabilidade legal e tradicional. Assim sendo, qualquer tentativa purista de anlise no se
sustenta e a seguir verifica-se na prtica de uma instituio exatamente esse entrelaamento de
dominaes, to bem expresso por Weber.
A perspectiva weberiana, ainda que parcialmente, tem uma contribuio importante
para essa pesquisa, especialmente nessa abordagem sobre a ordem legtima e seus
desdobramentos institucionais. A presena de uma liderana carismtica demarca alguns
contornos da instituio em questo. Est em cena sempre a presena de um lder,
compreendido como algum especial no que diz respeito possibilidade de inovao. A
criatividade dessa liderana por muito tempo sustentou sua legitimidade. Mas o tempo, as
experincias, os acertos e desacertos da relao do lder com o quadro administrativo mais
amplo comeam a solicitar outros temperos organizativos. O carisma fragilizado se fortalece
no normativo, no legal. Colegiados de todo tipo so constitudos com vistas a deliberar sobre
situaes do cotidiano, bem como pareceres e resolues (veja anexo 5). Resolues so
estabelecidas para definir critrios de participao em eventos cientficos, sobre concesso de
dirias para funcionrios e professores, sobre polticas de estacionamento, definio das
estruturas dos colegiados de curso com o intuito de remeter o conflito para o papel, para a
norma, ainda que nem sempre de l saia uma deliberao efetiva. De toda forma, a liderana
e/ou seus colaboradores criam mecanismos legtimos para administrar e firmar poderes e
verdades.
Arrisca-se a dizer que a liderana carismtica tem mais sustentao considerando a
lgica da educao bsica, contudo no ambiente do ensino superior tal estrutura
paulatinamente mostra-se insuficiente e frgil exigindo outros procedimentos. A estrutura do
Estado avaliativo que se impe como modelo de interao junto s instituies de ensino
superior reforam esse movimento de consolidao do legal e do normativo. Vale destacar
que ainda que estejamos nos utilizando do aporte weberiano, no estamos sustentando que os
tipos de dominao expostos pelo autor so os melhores e necessariamente esto presentes em
todo tipo de organizao. O que a investigao mostrou uma possvel aproximao entre o
que se verificou na prtica da pesquisa e o modelo terico criado por Weber.
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O lider carismtico aquele que se entrega totalmente a um projeto por acreditar que
os valores e contedos implicados so fundamentais para dar uma direo a sua vida6 e vida
daqueles que vivem o entorno da proposta. A estrutura carismtica baseia-se na fora da
absoluta dedicao e de uma tica pautada na virtude, na suposta capacidade que teria esse
sujeito virtuoso de seduzir seus colaboradores para uma ao voltada para o trabalho,
destacando uma misso e/ou tarefa a ser cumprida.
Muitas das lideranas das instituies luteranas parecem apresentar esse componente
do perfil carismtico, muitas vezes entrelaado ao componente burocrtico, produzindo um
tipo de gesto muito especfico e particular. Os discursos que ficam expressos no interior da
escola luterana implicam essa idia de dedicao absoluta pautada pela virtude e por prticas
que designam valores que necessitam ser divulgados e concretizados.
O documento Fundamentos da Escola Comunitria Luterana (anexo 6 - alguns
excertos) apresenta os princpios norteadores da poltica educacional da IECLB, o
organograma do departamento de educao e a reafirmao do pressuposto da virtude, uma
vez que defende a idia de que o resultado do esforo educacional implica a formao de
pessoas sbias que na sociedade so desafiadas a constituir solidariedade, igualdade de
oportunidades e justia para todos.
O que se pode verificar por intermdio das ferramentas de trabalho dessa pesquisa
que o discurso em questo parece no admitir nenhuma soberania exterior a si mesmo, o que
para Foucault significa dizer que existe uma primazia do discurso sobre o visvel. O visvel
no a base do dizvel, ele , depende antes, do discurso (embora no se possa reduzi-lo ao
discurso). O funcionamento desse procedimento discursivo busca estratgias para aproximar,
encaixar o dizvel com o visvel para produzir efeitos, identidades, descries e interpretaes
sobre a escola comunitria luterana. Ainda que o dizvel no esteja no visvel, a possibilidade
est sempre presente e, portanto, justifica o discurso.
O que se pode verificar que o vis religioso nos diferentes discursos incluiu sempre a
questo do seletivo, do virtuoso, do modelo exemplar (veja por exemplo a Carta de
Princpios). Os documentos normativos destacam essa funo, apresentando a Mantenedora
6 Destaco aqui a publicao da tese de doutorado do diretor geral, na forma de livro entitulado: Liderana na gesto por projetos-Desenvolvimento da liderana na gesto de percursos na organizao educacional (2003) que justamente ressalta o seu entendimento sobre histria de vida e possveis relaes com o desempenho da atividade profissional. A definio de lder apresentada pela publicao destaca a pessoa, sua experincia , analisa a partir de auto-percepes e hetero-percepes o sentido e significado da administrao. Conclui apontando que a escola luterana, que advoga o estilo participativo e solidrio, entende que so as pessoas que nela trabalham que, pelo seu testemunho, do nome e contedo escola.