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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ELAINE CRISTINE FERNANDES DA SILVA
PROJETO DE LETRAMENTO NA SALA DE AULA:
UMA EXPERIÊNCIA COM LEITURA DE GÊNEROS TEXTUAIS
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2015
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ELAINE CRISTINE FERNANDES DA SILVA
PROJETO DE LETRAMENTO NA SALA DE AULA:
UMA EXPERIÊNCIA COM LEITURA DE GÊNEROS TEXTUAIS
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título
de Doutora em Língua Portuguesa, sob a
orientação do Professor Doutor João Hilton
Sayeg de Siqueira.
SÃO PAULO
2015
S586 Silva, Elaine Cristine Fernandes da.
Projeto de letramento na sala de aula: uma experiência com leitura de gêneros textuais. – São Paulo: s.n., 2015.
190 p. ; 30 cm. Referências: 181-190 Orientador: Prof. Dr. João Hilton Sayeg de Siqueira
Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Pós-Graduação em Língua Portuguesa, 2015.
1. Projeto de letramento – 2. Gêneros textuais – 3. Leitura – 4. Práticas sociais I. Siqueira, João Hilton Sayeg de. II. Título. CDD 469
Banca Examinadora
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A Paulinho, Patrícia e Henry,
presentes especiais de Deus, sentido maior de minha vida!
AGRADECIMENTOS
A Deus, minha fortaleza, por ter iluminado meu caminho e dado forças para
superar os desafios.
Ao Professor Doutor João Hilton Sayeg de Siqueira, meu orientador nesta
pesquisa. Meus profundos agradecimentos por me acolher e me dizer palavras
de incentivo nos momentos mais difíceis.
À Professora Doutora Dieli Vesaro Palma, minha eterna gratidão pelas
significativas contribuições no Exame de Qualificação, por partilhar comigo seus
valiosos conhecimentos e, principalmente, por acreditar em mim.
Ao Professor Doutor Rodrigo Maia Theodoro dos Santos, pela leitura atenta e
ricas contribuições no Exame de Qualificação. Sua leitura atenta possibilitou-me
aprimorar meus estudos sobre o tema da pesquisa.
Ao Paulinho, meu marido, companheiro de todos os momentos, por acreditar em
mim e me incentivar sempre. Obrigada por sua dedicação, por sua capacidade de
compreensão, pela sua presença em minha vida. Esta vitória é nossa!
À minha filha, Patrícia, por acreditar em mim e entender minhas ausências.
Ao meu filho, Henry, que suplicou várias vezes por minha presença, mas
entendeu e se privou de minha companhia durante a realização deste trabalho.
Aos meus pais, por serem o meu alicerce.
À minha querida irmã Viviane, que cuidou da minha família com muito carinho
durante as minhas ausências.
A Adriana Antunes Bento, pelo incentivo, amizade e companheirismo, por me
ouvir nas horas mais difíceis e pelas ricas trocas de experiências.
A Adriana Vieira, pela cumplicidade e por sempre torcer por mim.
À equipe da Direção do colégio, por permitirem que eu realizasse esta pesquisa.
A todos os meus amigos, professores do colégio, que colaboraram muito com a
realização desta pesquisa, compartilhando ideias que sempre enriquecem os
projetos de letramento.
Aos meus alunos, os maiores protagonistas dos projetos de letramento. Sem
eles, esta pesquisa não teria sido realizada. Obrigada por aceitarem os desafios
propostos e compartilharem tantas experiências boas comigo.
Aos amigos da Consulteg, que me incentivaram e torceram para que este
momento se tornasse possível.
À PUC, pela bolsa de estudos concedida.
RESUMO
Este estudo está inserido na linha de pesquisa de Leitura, Escrita e Ensino de Língua
Portuguesa, do Programa de Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, com enfoque na leitura voltada para o desenvolvimento de um projeto de
letramento, por meio de gêneros textuais. O objetivo geral do trabalho é contribuir para a
ampliação do conhecimento do aprendente para agir e interagir de modo crítico em
contextos específicos. Os objetivos específicos são: 1) verificar como a nossa atuação
como ensinante pode contribuir para a formação leitora e crítica dos alunos por meio de
propostas de projetos de letramento; 2) propor atividades pedagógicas para que o
aprendente, em contato com os gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus
diversos contextos visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação. Esta
pesquisa se justifica porque a nossa prática de sala de aula tem nos mostrado que os
aprendentes do Ensino Médio têm dificuldades de ler, interpretar gêneros textuais e
participar, de modo competente, em práticas sociais diversas. Tendo por hipótese que as
práticas de leitura e letramento, por meio de gêneros textuais, podem contribuir para a
formação crítica do aprendente, tivemos como referência para a abordagem de leitura
Solé (2007[1998]), Soares (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto (1984),
Moita Lopes (1996 e 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Koch e Elias (2011). Para que
o aprendente, em contato com gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus
diversos contextos visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação, valemo-
nos dos pressupostos de gêneros textuais de Marcuschi (2007 e 2008), Santos (2006),
Antunes (2002) e aos trabalhos de Dolz & Scheneuwly (2004 e 2010). No que diz
respeito às novas tecnologias e os gêneros multissemióticos, consideramos as ideias de
Santos (2002), Rojo (2012), Coscarelli (1999) e Bezerra (2008). O presente trabalho é
um estudo de caso, fundado na observação e descrição de um fenômeno em contexto
específico, conforme Flick (2004), Silva e Menezes (2001), Lüdke & André (2001),
Chizzotti (2005), Appolinário (2004), Triviños (1987) e André (2005). Os resultados
obtidos demonstram que o projeto de letramento, tendo por base os gêneros textuais,
contribui para a formação de leitor competente e crítico, propiciando que o aprendente
atue nas diversas demandas sociais.
Palavras-chave: leitura; letramento; gêneros textuais; aprendente; projeto de
letramento; práticas sociais.
ABSTRACT
This study was part of the reading line of research, writing and Portuguese Language
Teaching, the Portuguese Language Program at the Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, with a focus on reading focused on the development of a literacy project
through genres textual. The overall objective is to contribute to the expansion of the
learner's knowledge to act and interact critically in specific contexts. The specific
objectives are: 1) to see how our work as teaching being can contribute to the reader and
critical training of students through proposals for literacy projects; 2) to propose
educational activities for the learner, contact the textual genres, can handle the language
in its various contexts in order to act and interact with real communication practices. This
research is justified because our practice of classroom has shown us that learners of high
school have difficulties to read, understand genres and participate competently in various
social practices. Having the hypothesis that the practices of reading and literacy through
genres, may contribute to the formation of critical learner we had as a reference for Solé
reading approach (2007 [1998]), Smith (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 and 2013),
Zanotto (1984), Moita Lopes (1996 and 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Koch and
Elias (2011). For the learner, contact genres, can handle the language in its various
contexts in order to act and interact with real communication practices, we made use of
the assumptions of genres of Marcuschi (2007 and 2008), Santos (2006 ), Antunes
(2002) and the work of Dolz & Scheneuwly (2004 and 2010). With regard to new
technologies and genres multisemiotic, consider the ideas of Santos (2002), Rojo (2012),
Coscarelli (1999) and Bezerra (2008). This paper is a case study, based on observation
and description of a phenomenon in specific context, as Flick (2004), Silva and Menezes
(2001), Lüdke & Andrew (2001), Chizzotti (2005), Appolinário (2004) , Triviños (1987)
and Andrew (2005). The results showed that the literacy project, based on the genres,
contributes to the formation of competent and critical reader, allowing the learner to act in
different social demands.
Key-words: reading; literacy; genres; learner; literacy project; social practices.
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 13
CAPÍTULO 1
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA ............ 19
1.1. As concepções de leitura .......................................................................... 20
1.1.1. A leitura tradicional......................................................................... 20
1.1.2. A abordagem cognitivista de leitura ............................................... 22
1.1.2.1. O modelo ascendente (bottom-up) de leitura ............................. 22
1.1.2.2. O modelo descendente (top-down) de leitura ............................ 23
1.1.2.3. O modelo interativo de leitura .................................................... 24
1.1.3. A leitura na abordagem interacional .............................................. 25
1.1.4. A leitura como prática social ......................................................... 26
1.1.5. A leitura crítica na sala de aula: desafios e possibilidades ............ 28
1.1.5.1. Mediação pedagógica ................................................................. 31
1.1.5.2. Mediação pedagógica por meio de tecnologia ........................... 34
1.2. As concepções de gêneros e sequências textuais e suas contribuições
para o ensino e aprendizagem ................................................................... 37
1.3. O ensino e a aprendizagem por meio de gêneros textuais ........................ 46
1.4. As novas tecnologias e os gêneros multissemióticos ................................ 52
1.5. As transformações dos conhecimentos para fins didáticos:
a transposição didática ............................................................................. 55
1.6. A abordagem de gêneros nas diretrizes pedagógicas oficiais para
o Ensino Médio ......................................................................................... 60
CAPÍTULO 2
LETRAMENTO: IMPLICAÇÕES NO ENSINO ............................................................... 65
2.1. Conceituando letramento .......................................................................... 67
2.2. Letramento crítico ..................................................................................... 76
2.3. Letramento digital ...................................................................................... 77
2.4. Letramento multimodal ............................................................................... 83
2.5. O ensinante como agente de letramento .................................................. 86
CAPÍTULO 3
METODOLOGIA DA PESQUISA: EM BUSCA DE RESPOSTAS ...................................... 89
3.1. O problema e a hipótese ........................................................................... 89
3.2. A escolha da metodologia ......................................................................... 91
3.3. O contexto da pesquisa ............................................................................. 94
3.3.1. A proposta pedagógica do colégio ................................................. 94
3.3.1.1. Objetivos pedagógicos gerais .................................................... 95
3.3.1.2. Os princípios pedagógicos .......................................................... 95
3.3.1.3. Os objetivos específicos do Ensino Médio ................................. 98
3.3.1.4. A disciplina de Leitura e Letramento ........................................... 99
3.4. Os participantes da pesquisa ................................................................... 106
3.4.1. Os aprendentes ........................................................................... 106
3.4.2. A ensinante .................................................................................. 106
3.5. A coleta de dados ................................................................................... 106
3.6. Os procedimentos de análise .................................................................. 110
CAPÍTULO 4
PROJETO DE LETRAMENTO: ANÁLISE DOS DADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ...... 113
4.1. O projeto de letramento – O jovem no mercado de trabalho .................. 113
4.1.1. Sondagem inicial ........................................................................ 114
4.1.2. Conteúdos propostos para o projeto de letramento .................... 119
4.1.3. Habilidades e competências do aprendente ............................... 119
4.2. Subtema 1: As características e tipo de formação dos cursos de
Bacharelado, Licenciatura e Tecnológico ................................................ 126
4.2.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 1 ........................... 127
4.3. Subtema 2: As homepages de instituições que oferecem
oportunidade de trabalho para jovens estudantes .................................. 132
4.3.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 2 ........................... 133
4.4. Subtema 3: O gênero Curriculum Vitae e sua função social ................... 139
4.4.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 3 ........................... 140
4.5. Subtema 4: O gênero entrevista de emprego e sua função social ........... 147
4.5.1. Análise e discussão dos dados do Subtema 4 ........................... 147
4.6. O momento da síntese ............................................................................ 153
4.7. O processo de avaliação ......................................................................... 154
4.7.1. A avaliação mediadora ............................................................... 154
4.7.2. A avaliação da disciplina Leitura e Letramento ........................... 156
4.7.2.1. Avaliação individual ................................................................. 158
4.7.2.2. Avaliação do projeto de letramento........................................... 162
4.7.2.3. Avaliação trimestral .................................................................. 169
4.8. Considerações para projetos de letramento futuros ................................ 175
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 177
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 181
INTRODUÇÃO
Escrever é ir descobrindo que tínhamos na cabeça mais coisas do que
havíamos suposto antes.
José Saramago
As práticas sociais de leitura estão presentes no cotidiano de toda a
sociedade. Ler a bula de um remédio, ler o horóscopo no jornal, tomar um ônibus,
interpretar sinais luminosos para atravessar a rua de maneira segura, consultar a
agenda telefônica, enfim essas e outras atividades constituem formas de
utilização de leitura na sociedade. Ler com eficiência faz parte dos requisitos
básicos necessários para a nossa compreensão da realidade e atuação nos
diversos contextos sociais, pois é um instrumento que amplia nossa visão e o
nosso entendimento sobre o mundo em que vivemos.
Paulo Freire (1997) defende que a leitura deve ser vista como uma
conquista do ser humano em seu processo de evolução. Toda sociedade produz
uma memória cultural, e a leitura é um meio importante para o conhecimento e a
transformação das ideias produzidas pelo homem. Se a leitura for levada para o
âmbito crítico e reflexivo, cumpre o papel de combater a alienação, além de
promover a libertação de um povo.
Infelizmente, a realidade tem nos mostrado que muitos aprendentes1
passam pelo ambiente escolar, sem, entretanto, apropriarem-se plenamente da
1 Nesta pesquisa, optamos pela utilização do termo “aprendente” para nos referirmos a aluno e “ensinante”
para nos remetermos a professor, ambos os termos são utilizados na obra de Paulo Freire (2003), o autor
concebe o aprendente como ator do processo educativo, alguém com autonomia, capacidade de refletir,
dialogar e encontrar soluções para problemas individuais e coletivos em seu processo de aprendizagem. O
“ensinante”, por sua vez, é um docente com plena consciência de que não é detentor absoluto do
conhecimento, está aberto a diálogos e novas aprendizagens no seu processo de ensino.
INTRODUÇÃO 14
leitura e da escrita, fato que tem preocupado a sociedade e suscitado atenção
por parte daqueles que estão diretamente engajados nos debates sobre a
formação de leitores no Brasil. Diante desse cenário que envolve diretamente o
ambiente escolar, é necessário considerar: como a escola pode oferecer ao
aprendente o acesso à leitura?
A resposta a essa questão não é simples e tem nos conduzido a diversas
reflexões acerca dos desafios da leitura dentro e fora da sala de aula. Por isso, a
principal motivação para a realização deste estudo foi em razão da constatação,
por meio da nossa prática pedagógica, de que os nossos aprendentes do Ensino
Médio têm dificuldades de ler e interpretar textos diversos de circulação social.
Considerando que estamos diante de uma realidade em que saber ler e
escrever não é suficiente, pois precisamos fazer uso do ler e do escrever para
saber responder às exigências de leitura presente na sociedade, entendemos
que devemos nos valer do letramento para formar um leitor competente e crítico.
Segundo Soares (2000, p. 72), “letramento é o que as pessoas fazem com as
habilidades de leitura e escrita, em um contexto específico, e como essa
habilidade se relaciona com as necessidades, valores e práticas sociais”. Diante
dessa concepção de ensino, podemos observar que cabe à escola
“instrumentalizar” os aprendentes para que eles tenham habilidades para se
comunicar com competência na sociedade. Para a autora, o letramento
(...) não pode ser considerado um “instrumento” neutro a ser
usado nas prática sociais quando exigido, mas é essencialmente
um conjunto de práticas socialmente construídas que envolvem a
leitura e a escrita, geradas por processos sociais mais amplos, e
responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e
formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais.
(SOARES, 2000, p. 75)
Com base nesse entendimento de letramento, esta pesquisa está inserida
na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino de Língua Portuguesa, do
Programa de Língua Portuguesa, da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, com enfoque na leitura voltada para o exercício de práticas de letramento,
por meio de gêneros textuais.
INTRODUÇÃO 15
A nossa hipótese é que as práticas de leitura e letramento por meio de
gêneros textuais podem contribuir para a formação crítica do aprendente. Para
tanto, definimos as seguintes perguntas de pesquisa:
Em que medida a utilização de gêneros textuais pode propiciar que
os aprendentes se tornem competentes e críticos para interagir nas
diversas demandas sociais?
Como as práticas de leitura e letramento podem contribuir para a
formação crítica do aprendente?
Os objetivos gerais da pesquisa são:
Propiciar aos ensinantes de Língua Portuguesa conhecimento de
práticas pedagógicas acerca do ensino de leitura e letramento por
meio de gêneros textuais.
Contribuir para a ampliação de conhecimento do aprendente para
agir e interagir de modo crítico em contextos específicos.
Para a consecução dos objetivos gerais, definimos os seguintes objetivos
específicos:
Verificar como a atuação do ensinante por meio de projeto de leitura
e letramento pode contribuir para a formação leitora e crítica dos
aprendentes.
Propor atividades pedagógicas para que o aprendente, em contato com
gêneros textuais, possa lidar com a língua em seus diversos contextos
visando a agir e interagir com práticas reais de comunicação.
Para a coleta dos dados, partimos da descrição das etapas do
desenvolvimento de um projeto de letramento realizado com os aprendentes do
2º ano do Ensino Médio de um colégio da rede particular da cidade de São Paulo,
no período de fevereiro a abril de 2014, cujo tema é O jovem no mercado de
trabalho.
INTRODUÇÃO 16
Com relação à abordagem de projetos como práticas de letramento,
assumimos o conceito de projeto de letramento, conforme postula Kleiman (2000,
p. 238):
(...) uma prática social em que a escrita é utilizada para atingir
algum outro fim, que vai além da mera aprendizagem da escrita
(a aprendizagem dos aspectos formais apenas), transformando
objetivos circulares como “escrever para aprender a escrever” e
“ler para aprender a ler” em ler e escrever para compreender e
aprender aquilo que for relevante para o desenvolvimento e
realização do projeto.
Nessa perspectiva, os projetos de letramento são compreendidos como
práticas de ensino de leitura e escrita em contexto significativo, fundamentadas
na interação do sujeito com o outro, com o conhecimento e com a vida, no
sentido mais amplo. Por essa razão, privilegiamos esse entendimento nas ações
desenvolvidas em sala de aula, buscando evidenciar a importância dos projetos
como práticas de letramento que abordam a leitura como atividade significativa,
cuja característica principal é a compreensão.
Durante a realização desta pesquisa, localizamos os trabalhos de Tinoco
(2008) e Santos (2012) que também realizaram estudos sobre projetos de
letramento, porém a nossa contribuição para os estudiosos desse tema se dá
pelo fato de se tratar de um estudo de caso que nos possibilitou a reflexão de
nossa prática pedagógica acerca de um projeto de letramento concluído.
Essa pesquisa estrutura-se em quatro capítulos. No Capítulo 1 –
Perspectivas de ensino de leitura e gêneros textuais na escola – realizamos
um levantamento das concepções de leitura traçando um percurso da leitura
tradicional até a leitura crítica, tendo como referência autores como Kato (1986),
Lajolo (1985), Freire (1997 e 2005[1970]), Solé (2007[1998]), Soares (2000),
Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto (1984), Moita Lopes (1996 e 2002),
Bakhtin (2000), Koch (2002), Tinoco (2010), Koch e Elias (2011) que
compreendem que o ensino de leitura não deve resumir-se a extrair informações
principais de um texto. Além disso, abordamos as concepções de gêneros e
sequências textuais e suas contribuições para as práticas de letramento,
INTRODUÇÃO 17
pautando-nos nas concepções de gêneros textuais de Marcuschi (2008), gêneros
do discurso de Bakhtin (1988, 2000), o gênero como ação retórica proposto por
Miller (2009) e Bazerman (2006 e 2011) que entendem que cada organização
social tem seus tipos de textos e, por meio deles, criam novas realidades e novos
conhecimentos.
No Capítulo 2 – Letramento: implicações no ensino – abordamos,
inicialmente, o conceito de letramento, buscando distingui-lo do conceito de
alfabetização. Para essa distinção, tomamos por base a definição de Kato (1986)
sobre letramento e as ideias de Tfouni (1995) e Soares (2000), que distinguem
letramento e alfabetização. Além disso, discorreremos sobre os modelos de
letramento autônomo e ideológico propostos por Street (1984 e 2003). Ainda
abordamos o conceito de letramento crítico, valendo-nos dos pressupostos de
Luke e Freebody (1997) e de Moita e Rojo (2004), bem como do conceito de
multimodalidade mencionado por Dionísio (2006) e do conceito de letramentos
múltiplos segundo Rojo (2009).
No capítulo 3 – Metodologia da pesquisa: em busca de respostas –
demonstramos a metodologia e os procedimentos adotados na pesquisa; o
contexto da pesquisa, a coleta de dados e os procedimentos de análise.
No capítulo 4 – Projeto de letramento: Análise dos dados e discussão
dos resultados – descrevemos o projeto de letramento, procedemos à analise
do processo desde o planejamento até a avaliação do projeto.
Por fim, apresentamos as Considerações finais, em que procuramos
responder nossas perguntas de pesquisa e, em seguida, as Referências
bibliográficas.
O vento é o mesmo,
mas sua resposta é diferente em cada folha.
Cecília Meireles
CAPÍTULO 1 PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA
E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA
Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível.
(Paulo Freire)
Neste capítulo, realizamos um levantamento das concepções de leitura
traçando um percurso da leitura tradicional até a leitura crítica, tendo como
referência autores como Kato (1986), Lajolo (1985), Freire (1997 e 2005[1970]),
Solé (2007[1998]), Soares (2000), Kleiman (1998, 2000, 2004 e 2013), Zanotto
(1984), Moita Lopes (1996 e 2002), Bakhtin (2000), Koch (2002), Cagliari (2002),
Tinoco (2010), Koch e Elias (2011) que compreendem que o ensino de leitura
não deve resumir-se a extrair informações principais de um texto.
Na sequência, abordamos as concepções de gêneros e sequências
textuais e suas contribuições para as práticas de letramento, pautando-nos nas
concepções de gêneros textuais de Marcuschi (2008), gêneros do discurso de
Bakhtin (1988, 2000), o gênero como ação retórica proposto por Miller (2009) e
Bazerman (2006 e 2011) que entendem que cada organização social tem seus
tipos de textos e, por meio deles, criam novas realidades e novos conhecimentos.
Em relação às práticas de letramento por meio de gêneros, recorremos
aos pressupostos de Marcuschi (2007 e 2008), Santos (2006), Antunes (2002) e
aos trabalhos de Dolz & Scheneuwly (2004 e 2010). No que diz respeito às novas
tecnologias e os gêneros multissemióticos, consideramos as ideias de Santos
(2002), Rojo (2012), Coscarelli (1999) e Bezerra (2008).
Tendo em vista que o foco de nosso trabalho será analisar em que medida
a utilização dos gêneros textuais pode propiciar que os aprendentes se tornem
leitores críticos, consideramos necessária a compreensão da transposição
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 20
didática para ilustrar as transformações dos conhecimentos a serem ensinados.
Para isso, valemo-nos dos pressupostos de Chevallard (1991).
Por fim, verificamos a relação entre as práticas de leitura e letramento
baseadas em gêneros textuais, desenvolvidas por nós com aprendentes do
Ensino Médio e os pressupostos apresentados nos Parâmetros Curriculares de
Língua Portuguesa que nos darão subsídios para a reflexão sobre os
conhecimentos a serem ensinados, objeto da transposição didática. Para tanto,
consideramos os seguintes documentos oficiais publicados pelo Ministério da
Educação (MEC): Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 5ª a 8ª séries
(1998), os de Ensino Médio (1999), acrescidos dos PCN+ (2002) e das
Orientações Curriculares para o Ensino Médio (2006).
1.1. As concepções de leitura
1.1.1. A leitura tradicional
Existem várias concepções sobre a leitura. Ler parece ser algo muito simples,
entretanto se trata de uma atividade complexa, pois envolve codificação visual,
ortográfica, fonológica, semântica, sintática e pragmática. O primeiro nível a ser
desenvolvido no processo da leitura é a decodificação – o que dá acesso ao código,
considerado imprescindível para um bom desempenho em leitura. Todavia, é
necessário lembrar que decodificar não significa compreender um texto.
Kleiman (2000) aponta-nos algumas das concepções de práticas de leitura
que ainda são perpetuadas na escola e precisam ser revistas. A primeira é a
leitura como decodificação, atividade composta de automatismos que em nada
modificam a visão de mundo do aprendente. Essa atividade, muitas vezes, exige
apenas que ele responda a perguntas sobre informações já expressas no texto. A
segunda forma é a leitura como avaliação, essa prática permite que o ensinante
avalie se o aprendente está entendendo ou não o texto.
As práticas de leitura tradicionais normalmente desenvolvidas em sala de
aula consistem em aplicação de exercícios e atividades que envolvem a
decodificação de signos linguísticos. Nesse processo, é comum o ensinante
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 21
restringir a leitura ao ato de ler o texto, e o papel do aprendente é responder
algumas perguntas sobre ele. Kleiman (2004) concorda que essas atividades de
leitura, apenas com a finalidade de decodificar informação, são desmotivadoras,
na medida em que não são desafiadoras, pois ele localiza as respostas com
muita facilidade no texto.
Na leitura como decodificação, portanto, cabe ao leitor apenas extrair o
conteúdo do texto, de modo geral, inconsciente e linear, assumindo um papel
passivo em relação ao que lê. Conforme Silva, a leitura, nessa perspectiva, limita
o papel do leitor a passivamente receber as informações do texto:
A leitura não pode ser confundida com decodificação de sinais,
com reprodução mecânica de informações ou com respostas
convergentes a estímulos escritos pré-elaborados. Esta confusão
nada mais faz do que decretar a morte do leitor, transformando-o
num consumidor passivo de mensagens não-significativas e
irrelevantes. (SILVA, 1987, p. 96)
Podemos relacionar essas práticas tradicionais de leitura ao que Freire
(2005[1970], p. 66) entende por educação bancária. Nessa concepção, o
ensinante é considerado o detentor do saber que irá depositar todo o conteúdo
no aprendente que, por sua vez, é considerado uma caixa vazia e receberá o
conhecimento passivamente, sem questionamentos. Nesse sentido, é necessária
uma mudança de paradigma do processo de ensino e aprendizagem em que o
ensinante precisa considerar o aprendente um ser social, com condições de
construir conhecimento na interação.
A leitura na perspectiva tradicional restringe-se a captar informações
explícitas da superfície do texto, tornando o aprendente passivo e não crítico.
Além disso, os conteúdos são desconectados de sua realidade, não havendo
diálogo entre eles. Esse tipo de prática de leitura legitimada pela escola necessita
ser modificada, uma vez que acaba formando leitores capazes de decodificar
qualquer texto, porém com enormes dificuldades para compreenderem o que
leem. Talvez esse seja o maior desafio enfrentado pela escola. Segundo Solé
(2007[1998]), a construção de significados na leitura nos aponta a intervenção de
um leitor ativo, que realiza um esforço cognitivo durante o processo de leitura.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 22
Nessa perspectiva, é imprescindível criar condições para que o aprendente
possa estabelecer relação entre o que ele está lendo e seus conhecimentos
prévios, somente assim será possível inferir, relacionar, associar e construir
sentido para a leitura. Por isso, é necessária uma mudança, de modo a
considerar que o aprendente tenha uma atitude ativa e participativa na leitura,
contrária aos modelos tradicionais de leitura.
A leitura não se resume a simples atividade de extrair informações
objetivas de um texto, é um processo de construção de sentidos baseado em
atividades inferenciais. Formar um leitor competente supõe formar alguém que
compreende o que lê, identifica elementos implícitos, estabelece relações entre o
texto que lê e outros textos já lidos; sabe que vários sentidos podem ser
atribuídos a um texto, consegue justificar e validar a sua leitura por meio da
localização de elementos discursivos. Essas competências podem ser adquiridas
na escola através de uma prática constante de leitura de textos diversos que
circulam socialmente.
1.1.2. A abordagem cognitivista de leitura
Esta abordagem de leitura surgiu em contraposição à tradicional que
considerava a leitura como mera decifração do código. O paradigma cognitivista
de leitura tem como concepção a interação do leitor com o texto, podendo existir
múltiplas leituras, dado que a leitura não pode ser separada do pensamento.
Nesse processo de leitura, o leitor utiliza o cérebro para realizar inferências,
solucionar problemas, classificar, categorizar, formar conceitos e outros. Os
modelos cognitivistas de leitura contemplam três tipos de processamento de
informação: o bottom-up, também chamado ascendente, o modelo top-down,
chamado de descendente e o modelo interativo. Esses modelos teóricos
apresentam visões distintas.
1.1.2.1. O modelo ascendente (bottom-up) de leitura
No modelo ascendente (bottom-up), ler significa retirar a maior quantidade
possível de informações textuais. Nesse caso, o fluxo de informações se realiza
de maneira ascendente, do texto para o leitor. Este apenas recebe ou identifica o
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 23
que o texto diz, e os dados linguísticos (vocabulário e estruturas gramaticais) têm
grande importância no processo. Nesse modelo é baseado em uma concepção
estruturalista, pois se entende que a leitura é um processo instantâneo de
decodificação de letras em sons e associação deles com o significado.
Nesse primeiro, se considera que o leitor, perante o texto, processa a
leitura começando pelas letras, continuando com as palavras em um processo
ascendente, sequencial e hierárquicos que leva à compreensão do texto. As
propostas de ensino baseadas nesse modelo atribuem grande importância às
habilidades de decodificação, uma vez que consideram que o leitor pode
compreender o texto porque pode decodificá-lo totalmente. É um modelo
centrado no texto que não permite explicar fenômenos tão correntes como o fato
de que continuamente inferimos e mesmo o de que podemos compreender um
texto sem necessidade de entender em sua totalidade cada um dos seus
elementos (Solé, 1998, p. 24).
1.1.2.2. O modelo descendente (top-down) de leitura
Diferentemente do modelo ascendente, o modelo descendente top-down
coloca ênfase no conhecimento prévio do leitor, dado que enfatiza seu esforço
cognitivo na busca de informações extratextuais. Nesse modelo, o leitor é quem
atribui significado ao texto, na medida em que lê, há uma associação com o que
existe na memória do leitor. No modelo descendente, o leitor não lê letra por
letra, mas usa seu conhecimento prévio e seus recursos cognitivos para
estabelecer antecipações sobre o conteúdo do texto, fixando-se nele para
verificá-las.
Nesse modelo, o leitor utiliza mecanismos que operam no processamento
do texto, ou seja, trata-se de um jogo de adivinhação, em que o leitor escolhe
pistas presentes no texto e, a partir delas, cria expectativas e formula hipóteses.
Esses mecanismos tornam a leitura mais eficiente, mas pode levar à construção
de inferências não autorizadas.
No modelo descendente, a leitura é uma atividade de compreensão em
que o leitor busca a compreensão do texto em seu repertório de conhecimentos
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 24
acumulados ao longo de sua experiência de vida. O foco desse processo é o
leitor, e não o texto, tendo em vista que esse leitor é um sujeito ativo, que age
sobre as informações do texto. Desse modo, na busca da construção do sentido
do texto, o leitor:
ativa conhecimentos de mundo;
antecipa ou prediz conteúdos do texto (como num “jogo de
adivinhação”);
checa hipóteses (confirma ou não);
compara informações;
tira conclusões e
produz inferências (usa pistas que o próprio texto fornece).
1.1.2.3. O modelo interativo de leitura
Embora o modelo descendente represente uma evolução em relação à
abordagem ascendente por descrever a leitura como processo e não como
produto, esse modelo, segundo Leffa (1999), conseguiu apenas vislumbrar uma
parte do processo, uma vez que ignora os aspectos sociais da leitura. O impacto
do modelo descendente levou a uma tendência em se considerar tal
processamento como substituto do modelo ascendente quando, na realidade, os
dois tipos de fluxo de informação devem ser vistos como complementares, já que
operam de modo interativo na leitura.
Já o modelo interativo de leitura parte do pressuposto de que a leitura não
é uma simples atividade de decodificação de itens linguísticos, mas se trata de
um processo dinâmico de construção de sentidos, fundamentado na integração
do conhecimento prévio que o leitor traz consigo com as formas linguísticas
presentes no texto. Solé tem uma perspectiva interativa da leitura do texto
escrito, para a autora, atividade da leitura envolve o texto, a forma, o conteúdo, o
leitor, suas expectativas e os conhecimentos prévios. Nessa prática, o leitor
simultaneamente decodifica o texto, realiza seus objetivos, aciona seus
conhecimentos prévios sobre o assunto e realiza inferências. Segundo
a autora,
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 25
Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza
as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos
objetivos, ideias e experiências prévias; precisamos nos envolver
em um processo de previsão e inferência contínua, que se apoia
na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria
bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou
rejeitar as previsões e inferências antes mencionadas. (SOLÉ,
2007[1998], p. 23)
Na leitura interativa, o leitor é um agente ativo no processo da leitura, pois
ativa seus esquemas mentais e elabora hipóteses sobre o conteúdo do texto, ou
seja, faz previsões acerca das informações que poderá encontrar. Durante o
processo de leitura do texto, o leitor vai confirmando ou rejeitando suas hipóteses
iniciais, bem como elaborando outras ao fazer isso, pois contribuiu com
informações que já faziam parte de seus esquemas sobre o assunto e de suas
experiências. Esses conhecimentos resultam da interação social e, por meio
deles vamos construindo representações da realidade.
Diante do exposto, o modelo interativo valoriza o leitor como ser pensante,
o que significa um progresso no âmbito da leitura, uma vez que enfatiza o
componente cognitivo via ativação de conhecimento prévio, inferências e outros
aspectos. Sendo assim, podemos concluir que a leitura cognitiva é uma tarefa
linguística que prioriza a ação mental na medida em que o leitor lê, interpreta e
atribui significado para a leitura.
1.1.3. A leitura na abordagem interacional
Nessa abordagem de leitura, para haver compreensão do texto, considera-
se não apenas o conhecimento prévio, mas o aspecto social da leitura, como
interação leitor e autor através do texto. O leitor precisa utilizar processos de
negociação de sentidos para encontrar coerência no texto.
Segundo Kleiman (1998), o ato de ler não é apenas cognitivo, é também
um ato social. A autora acrescenta que a interação ultrapassa a relação entre
leitor e texto, uma vez que, nessa relação estão presentes “dois sujeitos”, com
conhecimentos diferentes e que interagem entre si mediado por um texto, ambos
possuem necessidades socialmente determinadas.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 26
Segundo Moita Lopes (1996, p. 141),
O leitor é visto, então como sendo parte de um processo de
negociação de significado com o escritor, por assim dizer, do
mesmo modo que dois interlocutores estão interagindo entre si na
busca do significado, ao tentar ajustar seus esquemas
respectivos. Essa interação é caracterizada por procedimentos
interpretativos que são parte da capacidade do leitor de se
engajar no discurso ao operar no nível pragmático da linguagem.
Nesse sentido, Koch e Elias (2011) também entendem que a leitura é uma
atividade interacional (dialógica), pois destacam os autores e leitores como
sujeitos sociais em uma interação dialógica na atividade da leitura e
compreensão, não limitando a leitura a aspectos cognitivos, mas ampliando-a a
uma atividade sociocognitiva interacional.
Para Kleiman (2002), a leitura é entendida como uma interação a distância
entre leitor e autor, via texto, uma vez que o autor não está presente. Nesse
contexto, a missão do leitor é construir um significado e buscar um sentido
compreensível por meio de pistas formais, formulando e reformulando hipóteses,
aceitando ou rejeitando conclusões. O autor, por sua vez, tenta buscar
constantemente a adesão do leitor, procurando os melhores argumentos e
evidências para isso. A autora destaca que “mediante a leitura, estabelece-se
uma relação entre leitor e autor que tem sido definida como de responsabilidade
mútua, pois ambos têm a zelar para que os pontos de contato sejam mantidos,
apesar das divergências possíveis em opiniões e objetivos” (p. 65).
Na abordagem interacional, a atividade da leitura instiga a criticidade dos
leitores, tendo em vista suas crenças sociais, em uma tentativa de transformar as
relações e situações já existentes. O leitor é encorajado a posicionar-se como ser
pensante, participativo e atuante, com capacidade de se promover como
indivíduo independente e intelectual.
1.1.4. A leitura como prática social
Até a década de 1980, a leitura era considerada, normalmente, como um
processo exclusivamente cognitivo. A partir da década de 1990, passou a ser
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 27
entendida como prática social, com o foco na relação entre as pessoas
envolvidas no evento social de leitura.
Segundo Soares (2000), estamos diante de uma nova realidade social em
que não basta apenas saber ler e escrever, é necessário também fazer uso do ler
e do escrever, para saber responder às exigências de leitura e de escrita
continuamente presentes na sociedade. Quando a autora afirma que um
indivíduo, além de alfabetizado, precisa ser letrado1, ela está se referindo à
maneira como ele interage com a complexidade linguística e cultural do mundo a
sua volta, passando de um mero decodificador da língua escrita a um usuário
ativo.
Nesse processo, os significados não são pré-estabelecidos e eles ocorrem
no momento em que há a troca, quando todos ouvem, discutem, negociam e
chegam a um acordo consensual sobre a leitura. Há a valorização da interação
entre todos os agentes do processo, no âmbito escolar pode ser entre
aprendente, texto e ensinante.
Para Kleiman (2013), a leitura é uma prática tanto individual quanto
coletiva, pois se caracteriza como uma experiência sociocultural pela produção
de sentidos de objetos sociais e culturais materializados em textos. Sendo assim,
a autora entende leitura como prática social e cultural e quando o indivíduo
realiza o ato da leitura, ele ativa todo o seu sistema de valores e crenças que
refletem o grupo sociocultural ao qual pertence.
Dessa forma, ao lermos qualquer texto, colocamos em ação todo o nosso
sistema de valores, crenças e atitudes que reflete o grupo social em que se deu
nossa sociabilização primária, isto é, o grupo social em que nascemos e fomos
educados. Por isso, podemos afirmar que a leitura, enquanto prática social, é
algo bastante complexo, pois ela está intimamente ligada às nossas raízes
socioculturais, aos nossos valores e crenças e à formação da nossa cidadania.
1 Termo advindo do letramento. Torna-se letrado o indivíduo ou grupo que desenvolve as habilidades não
somente de ler e de escrever, mas de utilizar leitura e escrita na sociedade, ou seja, somente alfabetizar não
garante a formação de sujeitos letrados. Para a promoção do letramento, é necessário que esses sujeitos
tenham oportunidades de vivenciar situações que envolvam a escrita e a leitura e que possam se inserir em
um mundo letrado. A abordagem sobre letramento será aprofundada no Capítulo 2 desta pesquisa.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 28
Tinoco (2010, p. 205) entende que o ensino da leitura deve ser dinâmico,
com participação ativa entre os interlocutores, e o ensinante deve criar
possibilidades para que o aprendente compreenda a leitura como uma atividade
importante no contexto escolar e se identifique como “agente capaz de responder
favoravelmente aos desafios impostos pela vida e possivelmente administráveis
pela escrita”.
No trabalho com leitura que realizamos no Ensino Médio, é importante
considerar o aprendente como um indivíduo sócio-historicamente situado em um
contexto, um sujeito que traz para a escola experiências e conhecimentos prévios
e que exerce um papel ativo no processo de leitura, não se limitando a ser um
mero decodificador, que nada tem para contribuir no ato de ler.
Entendemos que a leitura trabalhada em sala de aula deve ir além da
decodificação, que deva ser concebida como prática social que visa à
transformação do aprendente na sua formação e visão de mundo, tornando-o um
leitor maduro, que, nas palavras de Lajolo (1985, p. 53), “é aquele para quem
cada nova leitura desloca e altera o significado de tudo o que ele já leu, tornando
mais profunda sua compreensão dos livros, das gentes e da vida”.
Conceber a leitura como prática social pressupõe pensar nas múltiplas
relações que o sujeito-leitor exerce na interação com o universo sociocultural a
sua volta; é pensar em um leitor apto a usar a leitura como fonte de informação e
disseminação de cultura. Nesse sentido, o papel do ensinante em práticas de
leitura em sala de aula deve ser de um mediador entre o texto e o aprendente. É
importante que a prática de leitura seja vista como um acontecimento em que
ocorre um relacionamento entre o leitor e o texto. Esse acontecimento deve
ocorrer em circunstâncias específicas, num contexto social e cultural também
específico como sendo uma parte da vida do indivíduo e do grupo a que o leitor
pertence.
1.1.5. A leitura crítica na sala de aula: desafios e possibilidades
Ao tratarmos dos desafios e possibilidades de leitura na sala de aula,
fazemos a seguinte indagação: ler para quê? Existem muitos motivos que nos
levam a fazer uma leitura: isso pode ocorrer em decorrência de nosso próprio
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 29
interesse ou do outro que nos conduz à realização desse ato. O fato é que somos
estimulados de alguma forma e utilizamos a leitura para várias finalidades: como
fonte de informação de caráter geral ou específico; como acesso à sociedade
tecnologizada; para seguir instruções (saber como fazer); para aprender; por
prazer e outros.
Entretanto, o grande desafio do ensinante atualmente é que grande parte dos
aprendentes não gosta de ler. Na escola, muitas vezes, a leitura torna-se uma
atividade mecânica, não praticada e ampliada em casa. O ato de ler transforma-se em
mais um instrumento de avaliação nas mãos dos ensinantes, pois o resultado da
leitura é cobrado através de fichas de leitura, questionários e testes que vão, aos
poucos, mostrando aos aprendentes para que serve a leitura escolar: ler (decodificar)
para atribuir e receber nota. Normalmente, assim que terminam as avaliações, é
comum ouvirmos o aprendente dizer que esqueceu tudo o que leu, ou seja, ele
realizou uma ação mecânica de decodificação do texto.
Em oposição a essa prática de leitura tão frequente nas salas de aula, a
leitura precisa ser vista como uma prática social intrínseca ao cotidiano do
aprendente. Ela dever ser um exercício que se inicia formalmente na escola, mas
que não deve se manter apenas nesse ambiente, pois a leitura é um meio de
entrada do aprendente na sociedade letrada, dando-lhe o caráter de cidadão e a
possibilidade de mudar suas perspectivas de futuro, bem como de interferir na
sociedade em que vive.
Zanotto (1984) entende que a leitura crítica é aquela que pressupõe um
confronto do texto lido com dados do conhecimento prévio do leitor, ambos
servindo como referenciais para a atividade crítica. Nesse processo, há um leitor
maduro que tem condições de compreender as ideias expressas no texto, como
também posicionar-se diante delas.
Moita Lopes (2002) considera que, por meio da leitura, o leitor consegue
agir no mundo, discutindo e analisando fatos que ocorrem em seu cotidiano. O
autor concebe o discurso como forma de ação no mundo e entende que a
interação é a unidade básica de análise, tendo em vista que é por meio da
linguagem que os sujeitos constroem seus significados e suas identidades.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 30
A escola deve valer-se da leitura para que o aprendente leia um texto e
compreenda o que está escrito, pois não basta somente decifrar os sons da
escrita ou os significados individuais das palavras, mas é essencial compreender
o seu significado e o seu contexto. Tal entendimento remete-nos ao que Paulo
Freire (1997, p. 8) preconizou quando mencionou que a “leitura da palavra é
sempre precedida da leitura do mundo”. É justamente essa a realidade que deve
ser considerada na sala de aula, pois não podemos nos esquecer de que
fazemos leitura de tudo o que está ao nosso redor; estamos lendo o tempo todo,
e isso tem de ser perceptível para o aprendente.
Para que a leitura na sala de aula e na escola ocorra de maneira
prazerosa, é necessário levar em consideração a realidade dos aprendentes com
os quais estamos trabalhando, considerando-se a leitura de mundo que ele já
possui e pode ser desenvolvida ainda mais pelo ensinante. Por não se considerar
essa realidade do aprendente no momento do planejamento, muitas vezes ele
não se interessa pelas atividades propostas pelo ensinante, pois a leitura
proposta em sala de aula não faz parte de seu cotidiano.
A prática de interpretação de texto vai muito além do mero exercício de
responder questões, como os aprendentes estão acostumados, interpretar é
colocar em prática os conhecimentos prévios que o leitor possui e que estão
diretamente ligados ao que é lido, ou seja, para uma leitura produtiva é
necessário conseguir compreender e dominar o uso de diversos aspectos
linguísticos e extralinguísticos presentes na estrutura e nos sentidos do texto. A
respeito dessa questão, Leffa (1999, p. 24-27) ressalta que a leitura com
atribuição de sentido envolve alguns pressupostos, sendo eles:
ler consiste em usar estratégias: cada tipo de leitura exige, por parte do
leitor, uma prática diferente;
ler depende mais de informações não-visuais do que visuais: a
memória do leitor comanda sua leitura;
o conhecimento prévio está organizado em esquemas: esses
possibilitam que o cérebro organize as experiências vividas e as acione
sempre que necessário;
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 31
ler é prever: a leitura só é possível porque o leitor usa seu
conhecimento prévio para direcionar a trajetória da leitura;
ler é conhecer as convenções da escrita: o leitor precisa conhecer e
dominar as convenções da escrita (símbolos, códigos, sistemas,
relações) para compreender de maneira eficiente o texto lido.
Como podemos observar, na atividade de leitura, o papel do leitor como
construtor de sentido, o qual deve mobilizar diversas estratégias de leitura, como
a antecipação, as inferências, o papel dos contextualizadores como âncoras
textuais, seu conhecimento linguístico, enciclopédico e interacional, dentre outras
que se fizerem oportunas.
O papel do ensinante neste contexto não é somente “transmitir os
conteúdos curriculares”, ele deve ser portador de intencionalidade, estimular os
processos cognitivos nos aprendentes por meio de atividades sedutoras,
permitindo que eles sejam responsáveis por novos conhecimentos. Todas essas
atitudes somente serão possíveis se o ensinante assumir uma postura de
mediador. Na sequência, abordamos com mais profundidade a mediação
pedagógica.
1.1.5.1. Mediação pedagógica
A mediação sempre esteve presente na vida do homem, desde o momento
em que ele começou a estabelecer relações com os seus semelhantes, pois é o
processo que caracteriza a relação do homem com o mundo e com outros
homens. Na área da educação, utilizamos o conceito de mediação, caracterizada
por uma nova relação entre ensinante-aprendente e pela formação de cidadãos
participativos e preocupados com a transformação e o aperfeiçoamento da
sociedade, e refere-se, em geral, ao relacionamento ensinante-aprendente na
busca da aprendizagem como processo de construção de conhecimento.
Para Nogueira (1993, p. 17), no contexto do trabalho pedagógico realizado
pela escola, são inúmeras as formas de mediação que se estabelecem entre o
aprendente e o conhecimento. Entre elas destacamos a mediação do “outro” (o
ensinante), que ensina, permitindo a construção partilhada de conhecimento.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 32
Com relação ao envolvimento com o “outro” nas relações sociais, a
posição de Vygotsky (1989, p. 56) é bastante enfática. Em seus pressupostos,
surgem repetidas vezes o papel do outro na construção cultural do homem: “(...)
nós nos tornamos nós mesmos através dos outros”. O autor reforça a importância
do papel mediador do ensinante ao conduzir o processo educativo, sendo alguém
que cria condições para que o aprendente desenvolva as potencialidades que
estão latentes e não seja reduzido à condição de dirigido apenas, mas assuma o
papel de sujeito no processo pedagógico.
Nessa perspectiva, evidencia-se que o papel mediador do ensinante é
lançar desafios que poderão provocar avanços, atuar como elemento de
intervenção e ajuda, além de buscar alternativas para transformar a sua instrução
em processos efetivos de interação, colaborando para o desenvolvimento das
competências do aprendente.
Gutierrez e Prieto (1994) esclarecem que a mediação pedagógica é vista
como um aspecto fundamental para dar sentido à educação, que se pauta nas
constantes recriações de estratégias durante a aula, servindo para que o
aprendente possa atribuir sentido àquilo que está aprendendo. Para realizar a
mediação, o ensinante precisa ter clareza da sua intencionalidade e, ao mesmo
tempo, conhecer o processo de aprendizagem do aprendente.
Nessa concepção, o ensinante assume o papel de facilitador ou motivador
da aprendizagem e colabora para que o aprendente construa conhecimento, ou
seja, ensinar passa a ser mais do que mera transmissão de conteúdos, uma vez
que implica desenvolver, nele, o pensar, acessar informações e apropriar-se de
conceitos elaborados, de modo que possa desenvolver essa prática em seu
cotidiano dentro e fora da escola. Para Masetto (2006, p. 145-146), podem ser
consideradas como características da mediação pedagógica:
(...) dialogar permanentemente de acordo com o que acontece no
momento, trocar experiências, debater dúvidas, questões ou
problemas, apresentar perguntas orientadoras, orientar nas
carências e dificuldades técnicas ou de conhecimento quando o
aprendiz não consegue encaminhá-las sozinho, garantir a
dinâmica do processo de aprendizagem, propor situações-
problema e desafios, desencadear e incentivar reflexões, criar
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 33
intercâmbio entre a aprendizagem e a sociedade real onde nos
encontramos, nos mais diferentes aspectos, colaborar para
estabelecer conexões entre o conhecimento adquirido e novos
conceitos, colocar o aprendiz frente a frente com questões éticas,
sociais, profissionais por vezes conflitivas, colaborar para
desenvolver críticas com relação à quantidade e à validade das
informações obtidas, cooperar para que o aprendiz não seja
comandado por elas ou por que as tenha programado, colaborar
para que se aprenda a comunicar conhecimentos seja por meios
convencionais, seja por meio de novas tecnologias.
Ainda para o autor, a mediação pode ser considerada um aspecto
fundamental para dar sentido à educação, constituindo-se em recriação de
estratégias para que o aprendente possa atribuir sentido àquilo que está
aprendendo. Sendo assim, seu conhecimento não se restringe aos aspectos
cognitivos, é necessário considerar também os aspectos afetivos, contextuais,
sociais e culturais no processo de aprendizagem. Nesse sentido
A mediação pedagógica coloca em evidência o papel do sujeito
aprendiz e o fortalece como ator de atividades que lhe permitirão
aprender e conseguir atingir seus objetivos; e dá um novo
colorido ao papel do professor e aos novos materiais e elementos
com que ele deverá trabalhar para crescer e se desenvolver.
(MASETTO, 2006, p. 146)
Por meio da mediação ocorre a materialização da parceria entre ensinante
e aprendentes, considerando-se a especificidade do papel que cada um deles
possui no processo de aprendizagem. Em outras palavras, na mediação
pedagógica o ensinante pode dar voz aos aprendentes, permitindo-lhes expor
seus pensamentos, inclusive havendo momentos em que ele se adianta ao
ensinante mediador para atingir o objetivo principal: a aprendizagem.
É nessa visão de interlocução que conseguimos vislumbrar o fazer
pedagógico do ensinante de Língua Portuguesa, não só com a linguagem, mas
com todo o universo social, cultural e discursivo do aprendente, especialmente na
sua ação de leitura e produção de textos. Diante disso, alguns aspectos merecem
ser destacados, uma vez que dão direcionamento à prática pedagógica do
ensinante, tal como a concepção de sujeito, isto é, o aprendente é um indivíduo
ativo, participativo e dialógico em seu processo de aprendizagem.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 34
1.1.5.2. Mediação pedagógica por meio de tecnologia
Podemos dizer que os aprendentes nunca tiveram tantas possibilidades de se
comunicar em tempo real com seus ensinantes e com outros colegas de sala de aula.
Atualmente, graças à revolução dos meios de comunicação, grande parcela de
aprendentes consegue acessar dados e informações de um modo muito mais
interessante, com recursos de animação, cores e sons. O desafio a ser assumido por
ensinantes está em perceber as potencialidades de uso que as novas ferramentas de
comunicação oferecem para ampliar oportunidades de aprendizagem.
Em nossa trajetória como docente, percebemos que o surgimento das
Tecnologias da Informação e Comunicação – TIC possibilitaram novas formas de
transmissão dos conteúdos pedagógicos, ampliando o acesso à informação e
reconfigurando o espaço escolar. O termo “tecnologia da informação e
comunicação” não é necessariamente sinônimo de computador, no entanto ele
pode ser considerado como o principal representante dessa tecnologia, talvez
devido a sua pluralidade de utilização na solução de diversos tipos de problemas
relacionados à produção e disseminação de informação pertinente às várias
áreas do conhecimento (COSCARELLI, 2003, p. 51).
Não há dúvidas de que a utilização das TIC tem alterado o cenário da
educação, apesar de não terem surgido com preocupações educativas, com
grande frequência elas se apresentam como uma alternativa adequada e
desejável para atender às novas demandas educacionais provenientes das
mudanças advindas da economia mundial, em que cada vez mais profissionais e
pesquisadores repensam a educação, promovendo mudanças em seus objetivos,
metodologias e processos avaliativos.
As TIC presentes nas salas de aula facilitam a prática de ensino e
aprendizagem, possibilitando a ensinantes e aprendentes a participação em
atividades online que poderão trazer ótimos resultados. No entanto, para que o
recurso tecnológico realmente faça a diferença na escola, é necessário que as
instituições de ensino estejam estruturadas e equipadas, com profissionais
igualmente preparados para transformar a instituição num espaço inovador de
aprendizagem e de construção do conhecimento.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 35
Entendemos que o ensinante disposto a ser mediador e se valer das TIC
para transmitir seus conteúdos está disponível a sair da “zona de conforto” e
romper com metodologias seguras e previsíveis de aprendizado e estar apto a se
construir e reconstruir constantemente em seu fazer pedagógico. A internet, por
exemplo, pode abrir outras possibilidades ao ensinante proporcionando-lhe
estratégias diferenciadas de ensino. Segundo Moran (1995), a internet está se
tornando uma mídia poderosa para o ensino, devido às suas características. O
autor afirma que
As tecnologias permitem um novo encantamento na escola, ao
abrir suas paredes e possibilitar que alunos conversem e
pesquisem com outros alunos da mesma cidade, país ou do
exterior, no seu próprio ritmo. O mesmo acontece com os
professores. Os trabalhos de pesquisa podem ser compartilhados
por outros alunos e divulgados instantaneamente na rede para
quem quiser. Alunos e professores encontram inúmeras
bibliotecas eletrônicas, revistas online, com muitos textos,
imagens e sons, que facilitam a tarefa de preparar as aulas, fazer
trabalhos de pesquisa e ter materiais atraentes para
apresentação. O professor pode estar mais próximo do aluno.
Pode receber mensagens com dúvidas, pode passar informações
complementares para determinados alunos. Pode adaptar a sua
aula para o ritmo de cada aluno. Pode procurar ajuda em outros
colegas sobre problemas que surgem, novos programas para a
sua área de conhecimento. O processo de ensino-aprendizagem
pode ganhar assim um dinamismo, inovação e poder de
comunicação inusitados. (MORAN, 1995, p. 25)
Nessa perspectiva, entendemos que a Internet e as novas tecnologias
propiciam desafios na prática pedagógica das escolas, na medida em que o
ensinante utiliza tecnologias para dar subsídios para os aprendentes ampliarem
suas descobertas, ajudando-os em suas dúvidas.
Em consonância com as ideias de Masetto vale ressaltar que, para haver
mediação, o ensinante precisa assumir algumas posturas em relação ao uso das
TIC. Para o autor, é necessário
(...) o professor orientar os alunos a respeito de como direcionar o
uso desse recurso para as atividades de pesquisa, de busca de
informações, de construção do conhecimento e de elaboração de
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 36
trabalhos. Essa orientação é fundamental para que tão rico
instrumento de aprendizagem não se transforme em uma forma
mais caprichada de colagem de textos – como antes era feito
com textos de revistas ou de livros. (MASETTO, 2006, p. 161)
Um dos primeiros passos do ensinante que assume o papel de mediar a
aprendizagem por meio das TIC é mostrar ao aprendente como pesquisar na
internet, mostrando-lhe sites que sejam relevantes, com informações confiáveis
sobre o assunto a ser pesquisado e incentivá-lo a continuar as pesquisas. O
ensinante deve ter consciência de que não é detentor de todo o conhecimento
sobre o assunto e deve estar aberto a aprender as novas informações
pesquisadas pelo aprendente, discuti-las e o mais importante de tudo é
desenvolver nele a criticidade diante de suas pesquisas.
Segundo Masetto (2006, p. 168-170), o ensinante que se propõe ser um
mediador deve possuir algumas características, como: estar voltado para a
aprendizagem do aprendente, assumindo que ele é o centro do processo e,
portanto, as ações pedagógicas devem estar voltadas para ele; criar um clima de
mútuo respeito para com todos os participantes, estabelecendo uma atmosfera
de confiança no processo de ensino e aprendizagem; ter domínio profundo de
sua área de conhecimento, demonstrando competência atualizada quanto às
informações e aos assuntos; ser criativo e saber buscar soluções para situações
inesperadas, ser consciente de que um aprendente é diferente do outro; ser
disponível para dialogar, entre outras.
Sendo assim, a utilização das TIC nas estratégias de ensino na sala de
aula pode colaborar significativamente para alcançarmos alguns dos objetivos da
disciplina de leitura e letramento na medida em que nosso objetivo é aprimorar o
senso crítico, estabelecendo relações entre os textos analisados e o contexto
histórico-social em que estão inseridos.
Até aqui apresentamos as várias concepções de leitura, iniciamos nossa
reflexão com a leitura tradicional que envolve a decodificação de signos
linguísticos, na sequência tratamos da abordagem cognitivista, nesse processo
de leitura, o leitor utiliza o cérebro para realizar inferências, solucionar problemas,
classificar, categorizar, formar conceitos e outros, dividindo-se em três modelos
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 37
de processamento de informações: o bottom-up, o top-down e o modelo
interativo. Em seguida, refletimos sobre a leitura na abordagem interacional que
valoriza o aspecto social da leitura, como interação leitor e autor através do texto.
Na continuidade, abordamos a leitura como prática social, na qual verificamos
que a leitura é uma prática tanto individual quanto coletiva, pois se caracteriza
como uma experiência sociocultural pela produção de sentidos de objetos sociais
e culturais materializados em textos. A leitura como prática social e cultural
ocorre quando o indivíduo, durante o ato da leitura, ativa todo o seu sistema de
valores e crenças que refletem o grupo sociocultural ao qual pertence. E, por fim,
mencionamos sobre a leitura crítica na sala de aula. Ao tratarmos desse tópico,
refletimos sobre os desafios enfrentados pelo ensinante no processo da leitura
em sala de aula, bem como apontamos possibilidades para se promover a leitura
crítica, sendo uma delas o ensinante mediador e a utilização das TIC.
Diante das concepções que envolvem o processo da leitura, em nossas
práticas na aula de leitura e letramento no Ensino Médio, entendemos que os
aprendentes estão em uma faixa etária em que o desafio faz parte do seu dia a
dia. Por isso, é importante criar estratégias para desafiá-lo a ler para entender,
para conhecer e extrair conteúdo do texto, bem como para se tornar um sujeito
crítico, reflexivo e um cidadão que possui princípios éticos, morais e sociais. Para
tanto, adotamos as concepções das abordagens de leitura como prática social e
crítica, pois consideramos a leitura como uma atividade social que pressupõe a
interação entre autor, leitor, mediada pelo texto, além de nos remetermos a
outros textos que circulam na sociedade. Além disso, defendemos que a
mediação pedagógica pode possibilitar aprendizagem significativa para os
aprendentes nesse processo.
1.2. As concepções de gêneros e sequências textuais e suas contribuições
para o ensino e aprendizagem
Recentemente, na década de 1980, a linguística passou a considerar o
texto visto pelo viés do discurso. Por discurso, pode-se entender a linguagem
carregada de significado e portadora de elementos externos do mundo social e
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 38
cultural ao qual ele pertence, que se organiza por meio dos gêneros. Por isso,
ocorreu o interesse mais acentuado pelos estudos sobre os gêneros textuais.
Os estudos de gêneros textuais estão se tornando uma prática cada vez
mais multidisciplinar, uma vez que a “análise de gêneros engloba uma análise do
texto e do discurso, uma descrição da língua e visão da sociedade, e ainda tenta
responder a questões de natureza sociocultural no uso da língua de maneira
geral” (MARCUSCHI, 2008, p. 149).
Entretanto, trabalhar sob a perspectiva de gêneros não é tarefa fácil,
sobretudo se considerarmos a infinidade de textos que circulam na sociedade,
bem como a flexibilidade e dinamicidade inerentes aos gêneros. Vejamos, a
seguir, alguns teóricos que têm contribuído muito para os estudos dos gêneros.
Bakhtin apresenta uma perspectiva sobre os gêneros que tem servido de
apoio a muitos estudos sobre os gêneros do discurso. Ao falar sobre os estudos
de gêneros, não podemos deixar de mencionar a grande contribuição desse
estudioso apresentada na obra A estética da criação verbal (2000), sobretudo no
capítulo “gêneros do discurso”. Esse filósofo da linguagem apresenta-nos teorias
sobre o gênero e enfoca sua função sociocomunicativa nas diversas atividades
humanas, o que tem impulsionado muitas discussões teóricas desde a década de
1980.
Ele aborda ou concebe a linguagem em caráter dinâmico ou de forma
dinâmica, circulando em esferas de atividades que proporcionam o surgimento de
certos tipos de enunciados. O seu objeto de estudo é a linguagem praticada, são
os enunciados realizados pelos membros de qualquer esfera de comunicação
humana, uma vez que tais enunciados surgem da interação entre a linguagem e
o contexto em que ocorre a enunciação. Para o autor, o que organiza e dá forma
a uma enunciação é o contexto social em que ela se insere.
Bakhtin (1988, p. 112) define enunciado como a “unidade concreta e real
de comunicação discursiva”, ou seja, o enunciado não pode ser separado de uma
situação social. Como salienta o autor, a construção de um enunciado constitui
justamente o produto da relação do locutor com seus interlocutores uma vez que
“A palavra dirige-se a um interlocutor, ela é função da pessoa desse interlocutor,
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 39
variará se se tratar de uma pessoa do mesmo grupo social ou não, se esta for
inferior ou superior na hierarquia social”.
Segundo o filósofo, para nos comunicarmos, utilizamo-nos sempre dos
gêneros do discurso ou, em outras palavras, todos os nossos enunciados
dispõem de uma forma padrão e relativamente constante de estruturação. Por
isso, o autor define gênero como “tipos relativamente estáveis de enunciados” e
dá ênfase, sobretudo, ao termo “relativamente”, pois considera que os gêneros
podem sofrer mudanças, à medida que as esferas de atividades sofrem
mutações e se alteram com frequência.
Fiorin (2006, p. 69), baseado nos estudos de Bakhtin, entende que “os gêneros
são meios de apreender a realidade. Novos modos de ver e de conceptualizar a
realidade implicam o aparecimento de novos gêneros e a alteração dos já existentes”.
Por isso, o não conhecimento de um gênero pode representar a falta de vivência em
uma determinada atividade de certa esfera. A riqueza e a variedade dos gêneros de
discurso são infinitas, pois a variedade da atividade humana é inesgotável, e cada
esfera dessa atividade elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados,
sendo isso que denominamos gêneros do discurso.
Diante da vasta gama de gêneros existentes, Bakhtin criou uma distinção
entre gêneros primários (simples) e gêneros secundários (complexos). Os
gêneros primários são aqueles relacionados à vida cotidiana em tipos de
comunicações mais espontâneas, como bate-papo, bilhete, conversa ao telefone
etc. Já os gêneros secundários são aqueles que aparecem em situações
comunicativas com um grau maior de evolução e de complexidade cultural, como
romance, artigo científico etc., transformando e incorporando os gêneros
primários.
Para Bakhtin, o conceito de gênero do discurso permite-nos incorporar
elementos da ordem social, histórica e cognitiva, bem como considerar sua
situação de produção, desde posicionamentos ideológicos e hierárquicos dos
interlocutores, veículo de divulgação, momento histórico etc.
Bakhtin (2000, p. 279), ao observar a grande variedade de gêneros
discursivos existentes, justifica que ela ocorre pelo fato de que a própria atividade
humana e a utilização da língua em si, seja ela oral ou escrita, são aspectos que
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 40
andam conjuntamente, isto é, sempre que falamos e que nos comunicamos, nas
mais diversas situações e esferas da atividade humana, fazemos, naturalmente,
o uso dos gêneros do discurso. Nesse sentido, a noção de gêneros do discurso
possibilita-nos incorporar elementos de ordem social e histórica, permitindo-nos
considerar: a situação de produção de um determinado discurso (quem fala, para
quem, os lugares sociais dos interlocutores, posicionamentos ideológicos, qual o
veículo de comunicação, qual objetivo, etc.); conteúdo temático (o que pode ser
dito em um determinado gênero); a construção composicional (sua forma de
dizer, sua organização, conforme disponível na circulação social); e seu estilo
verbal seleção de recursos e léxicos disponíveis na língua.
A escolha do gênero, dos elementos composicionais, do estilo e de todos
os recursos linguísticos, como lexicais, morfológicos e sintáticos, pode ser
determinada por aquilo que sabemos ou imaginamos saber sobre nosso
interlocutor; aquilo que supomos que ele conheça sobre o assunto, suas
opiniões, seus preconceitos e sua situação social. Assim, os gêneros constituídos
envolvem formas razoavelmente estáveis e definidas por um conjunto
determinado de circunstâncias. Os diferentes gêneros dispõem de auditórios
precisamente organizados aos quais se adaptam.
Por isso, ao utilizarmos um determinado “gênero”, devemos considerar a
situação de produção do discurso, ou seja, quem fala, para quem fala, a posição
social dos interlocutores, o seu posicionamento ideológico, o momento histórico,
a finalidade ou intenção, o veículo de comunicação etc.
Miller, outra estudiosa de gêneros, interessa-se pela natureza social do
discurso e foi influenciada pelo pensamento de Bakhtin (2000) sobre os gêneros
do discurso. A visão de gênero como ação social é defendida por membros da
escola norte-americana. Miller, por exemplo, em seu texto, Gênero como ação
social2, publicado em 2009 na obra Estudos sobre gênero textual, agência e
tecnologia, entende que a definição de gênero não é centrada na forma ou na
substância, mas na ação que é usada para sua realização (p. 22). Segundo a
autora, os gêneros constituem “ações retóricas recorrentes” ou “artefatos
culturais” que decorrem da comunicação em ambientes específicos; é uma
2 A primeira publicação deste texto recebeu o título de Genre as social action. In: FREEDMAN, Aviva; MEDWAY,
Peter, (orgs.). Genre and the new rhetoric. London: Taylor & Francis, 1994. p. 23-42.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 41
convenção, pois deriva de ação retórica tipificada, com regras que o regulam,
conforme a cultura.
Para Miller (2009, p. 41), “a compreensão de gênero como ação retórica
está baseada nas práticas retóricas e nas convenções do discurso estabelecidas
pela sociedade como forma de ação conjunta”. Com base em tais convenções
sociais, a autora apresenta alguns elementos considerados importantes para a
compreensão do gênero: 1) refere-se a uma categoria do discurso baseada em
ações retóricas tipificadas, que adquirem significado a partir da situação e do
contexto em que está inserida; 2) como ação significativa é interpretável por meio
das regras que o regulam; 3) possui uma forma particular que se caracteriza pela
fusão entre forma e substância; 4) por meio de padrões recorrentes de uso
linguístico constitui a vida cultural do indivíduo; 5) recurso retórico que atua como
mediador entre as intenções particulares e a exigência social, motiva a conexão
entre o privado e o público, o singular e o recorrente.
A relação entre as noções de gênero e ação social também levou Miller a
se referir à teoria de Giddens a respeito da estruturação. Para esse autor,
(...) a “estruturação” descreve nossa experiência de que as
relações sociais são estruturadas no tempo e no espaço. As
estruturas das relações sociais consistem de regras e recursos;
as regras, como na linguística, são, ao mesmo tempo,
constitutivas e normativas; os recursos são os meios através dos
quais as regras se realizam. (GIDDENS apud MILLER, 2009, p. 50).
Ele entende que as atividades sociais humanas não são criadas por atores
sociais, mas continuamente recriadas por eles através dos próprios meios pelos
quais eles se expressam como atores.
Miller (2009, p. 30) defende que os nossos discursos, como gêneros
consolidados, constituem-se em convenções sociais recorrentes e até mesmo
ritualizadas. Para a autora, o que recorre não são os aspectos individuais, mas os
fenômenos intersubjetivos e sociais e o que se mantém regularmente tipificado
são as marcas da identidade do gênero textual como ação retórica baseada nas
situações recorrentes.
PERSPECTIVAS DE ENSINO DE LEITURA E GÊNEROS TEXTUAIS NA ESCOLA 42
A autora concebe gênero como ação social, pois a ação ocupa papel de
destaque, já que é por meio dela que “criamos o conhecimento e capacidade
necessários à reprodução da estrutura”. Em outras palavras, o gênero tem um
potencial estruturador da ação social porque é o elo e o mediador entre o
particular e o público, entre o indivíduo e a comunidade.
Outra contribuição importante para os estudos sobre gêneros textuais na
abordagem norte-americana é o trabalho desenvolvido por Charles Bazerman.
Inspirado no trabalho de Miller. Bazerman trabalha na mesma perspectiva de
ação social, observando as regularidades ou “rotinas sociais do dia a dia” que
dão origem a recorrências na forma e no conteúdo do ato de comunicação entre
os usuários.
Para esse autor (2011, p. 19), cada organização social tem seus tipos de
textos e, por meio deles, “criam novas realidades de significação, relações e
conhecimento”. Os textos de cada grupo social se encontram inseridos em
atividades sociais estruturadas e dependem de outros textos que influenciam a
atividade e a organização social.
De acordo com Bazerman (2011, p. 22),
(...) cada texto bem sucedido cria para seus leitores um fato
social. Os fatos sociais consistem em ações sociais significativas
realizadas pela linguagem, ou atos de fala. Esses atos são
realizados através de formas textuais padronizadas, típicas e,
portanto, inteligíveis, ou gêneros, que estão relacionadas a
outros textos e gêneros que ocorrem em circunstâncias
relacionadas.
Os vários tipos de textos se instauram em um sistema de gêneros, os
quais fazem parte dos sistemas de atividades humanas. Os pontos considerados
relevantes para definir o sistema de gêneros são: a) os gêneros encontram-se
inter-relacionados uns aos outros em contextos específicos; b) a noção de
sistema de gêneros amplia o conceito de grupo de gêneros; e c) o sistema de
gêneros seria o conjunto completo de gêneros que dão instância à participação
de todas as partes.
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Para Bazerman (2011, p. 29), ao criarmos formas tipificadas ou gêneros,
também somos levados a tipificar as situações nas quais nos encontramos. A
tipificação dá certa forma e significado às circunstâncias e direciona os tipos de
ação que acontecerão. Para o autor, uma maneira de coordenar melhor nossos
atos de fala uns com os outros é agir de modo típico, ou seja, de um modo
facilmente reconhecido como realizador de determinados atos em determinadas
circunstâncias. As tipificações auxiliam o indivíduo a identificar situações e
momentos similares, porém o identificável como gênero depende muito mais da
cultura local, de conhecimento compartilhado, da educação e do nível de
socialização do indivíduo.
Bazerman compreende os gêneros como “fenômenos de reconhecimento
psicossocial” (2011, p. 31) que integram os processos das práticas organizadas
socialmente por meio de textos orais e escritos, reconhecíveis como forma de
comunicação que coordenam atividades tipificadas e possibilitam o
compartilhamento de sentidos. Para o autor, restringir a noção de gênero a um
conjunto de traços textuais é ignorar não apenas o papel dos indivíduos na
construção dos sentidos, mas também o uso criativo para atender a novas
demandas.