Para Cuba, corncarinho - DIREITO · sa. Está para a ditadura cubana, hoje.mais ou menos como...

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Fundado em 1875Julio Mesquita (1891-192.7)Julio de Mesquita Filho (1927-1969)Erancisco Mesquita (192.7-1969)Luiz Carlos Mesquita (1952.-1970)

José Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1988)Julio de Mesquita Neto (1969-1996)Luiz Vieira de Carvalho Mesquita (1959-1997)

Américo de Campos (1875-1884)Nestor Rangel Pestana (192.7-1933)Plínio Barreto (1927-1958)

Para Cuba,corncarinho

BUCCI

Avisita da bloguei-ra cubana YoaniSánchez ao Bra-sil, esta semana,mobilizou opi-niões de todo ti-

po. Ainda ontem, em Brasília,parlamentares reagiram de mo-dos antagônicos à presença de-la no Congresso Nacional. Uns,como o senador petista Eduar-do Suplicy, puseram-se de pé pa-ra aplaudi-Ia. Outros torceramo nariz. Representantes de auto-denominados "movimentos so-ciais" esgoelavam-se para xingá-Ia de "agente da ClA", etc., co-mo já tinham feito no Recife.

Eram reações esperadas, as-sim como era esperado que Yoa-ni roubasse a cena em todos osnoticiários. Simpatizantes dogoverno cubano, mesmo os deboa-fé, dizem que tudo não pas-sa de propaganda da imprensaburguesa contra o socialismodos irmãos Castro. Não é bemassim. Colunista deste jornal,autora do livro De Cuba, com Ca-rinho (Editora Contexto), umaantologia de crônicas em quedescreve com acidez e delicade-za o seu cotidiano em Havana,Yoani é uma dessas pessoas quese tomam símbolo de uma cau-sa. Está para a ditadura cubaIla,

no que mais importa, ela é notí-cia porque, em sua saga pessoal,se escancara a grande contradi-ção da qual Cuba nunca soubese libertar. Em Yoani vemos osignificado final de mais demeio século da tirania da opi-nião que tomou conta da ilha.Na história dessa blogueira po-demos vislumbrar o que foi fei-to (e desfeito) das utopias cole-tivistas que ainda enrijecem afisionomia da América Latina.Sob qualquer perspectiva, Yoa-ni é notícia. Os seus movimen-tos interessam a qualquer cida-dão que preze a liberdade.

É certo que autocracias exis-tem em toda parte do globo ter-restre, enclausurando dissiden-tes (como em Cuba) e perse-guindo homossexuais (os deCuba chegaram a ser confina-dos). Por que, então, falar tantode Cuba e tanto de Yoani Sán-chez? Porque essa mulher é aprova viva da promessa libertá-ria não cumprida pelos Castros,uma promessa que seduziu e en-volveu, em seu início, algumasdas maiores inteligências donosso continente. Falar deCuba - e de Yoani - é entender anossa História.

Aívêm as acusações conheci-das. Elarecebe fortunas do exte-

não faz, pois, entre outras coi-sas, critica o bloqueio impostopor Washington contra Cuba-,por que isso deveria retirar delao direito de ir e vir? Com baseem que princípio dos direitoshumanos?

O fato é que a simples existên-cia de Yoani Sánchez desmasca-ra o arbítrio que se fantasia dedemocracia participativa. A de-mocracia não se resume ao res-peito à vontade da maioria (se éque, em Cuba, a maioria apoiamesmo o regime); a democraciaexige igual respeito aos direitosda minoria, mesmo que essa mi-noria não passe de uma só pes-soa. O socialismo que cobra seupreço em liberdade não podeser chamado de igualitário. O so-cialismo que faz a História girarpara trás, que volta no tempo, .que adota uma ordem mais re-pressiva e mais primitiva que ado liberalismo político, nãoconstitui um avanço, como sediz, mas um retrocesso (quasesempre com traços de selvage-ria). Quando as massas, embria-gadas pela crença de que exer-cem o poder das multidões, mar-cham para silenciar os desvían-tes, a serviço de um governo, oque se tem é o germe do totalita-rismo, nunca a libertação.-~_....••

sa. Está para a ditadura cubana,hoje.mais ou menos como Nel-son Mandela, guardadas as pro-porções, esteve para o apartheidna África do Sul, tempos atrás.Conquistou notoriedade inter-nacional e foi apontada comouma das pessoas mais influen-tes do mundo pela revista Time.

Os militantes que aqui a hosti-lizam com ares de fúria deve-riam parar para refletir e consi-derar, ao menos considerar a hi-pótese de que o interesse públi-co em torno da figura frágil des-sa mulher não venha de nenhu-ma estratégia de propaganda en-gendrada pelo imperialismoianque. Não somos todos nós,aqui, cordeiros obedientes doTio Sam, por mais que tenha-mos um dedo de simpatia porBarack Obama (por sinal, é bempouco provável que o Tio Sam,esteja ele onde estiver, estejapreocupado com uma bloguei-ra de Havana). Yoani Sánchez énotícia não por obra de umaconspiração internacional. Emprimeiro lugar, ela é notícia, emboa parte, graças à barulheirade seus detratores, que fazemcom que sua passagem por aquivire um incidente de parar otrânsito. Em segundo lugar, e

das. J:<.Jarece Derortunas uo eXLe-rior. Colabora com oimperialis-mo. Mente. Ora, e daí? Mesmoque isso seja absolutamente ver -dadeiro, não muda nada. Mes-

Yoani Sánchez é a provaviva da promessalibertária não cumpridapelos irmãos Castro

mo que ela não passe de umaembusteira, isso por acaso reti-ra dela o direito de viajar paraonde bem entender?

Agora Yoani conseguiu o seupassaporte, mas não foi sim-ples. Foram 20 tentativas frus-tradas. Ela era uma prisioneira,como muitos de seus conterrâ-neos são até hoje. O regime cas-trista, acuado, teve de ceder, te-ve de outorgar-lhe o documen-to como se fosse um indulto.Mas até aqui vinha prevalecen-do o argumento de que, sob sus-peita de ser uma agente provo-cadora, uma cubana não pode-ria sair do país. Os militantesque ahostilizam deveriam refle-tir um pouco: desde quando is-so é democracia? Mesmo queYoani defendesse abertamenteos Estados Unidos - o que ela

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Que agora, no Brasil, alguns ,.'f,.,'.

iavens tenham tentado, aos ber-ros, impedir Yoani de falar écompreensível. Talvez seja atéaceitável. Apesar de deselegan-.'te, esse tipo de protesto faz par-te do código gestual do embate _político (este modesto escrevi-nhador, quando estudante, jáparticipou de manifestações as-sim, tentando cassar a palavradas autoridades do governo emsolenidades públicas). Mas ago-ra a ilusão que move os manifes-tantes contra Yoani é mais pro-blemática. Eles tentam supri-mir a expressão de uma pessoacomum, para que nela ninguémveja o vazio insuportável do re-gime político que adotaram co-mo religião.

No Jornal Nacional de terça-feira, o senador Suplicy, ao ladoda visitante cubana, apareceucom o rosto transtornado, gri-tando, tentando acalmar os quea insultavam: "Tenham cora-gem de ouvir!".

Não adiantou. Eles estavamsurdos. Inabaláveis em sua fé.

JORNALISTA, É PROFESSORDA ECA-USP E DA ESPM