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Universidade Presbiteriana Mackenzie
PARADIGMA OU CAMPO:UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O
PROCESSO DE PROJETO
Alessandra Márcia De Freitas Stefani
SÃO PAULO │ 2014
PARADIGMA OU CAMPO:UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O
PROCESSO DE PROJETO
Alessandra Márcia De Freitas Stefani
Tese apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie, como
requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e
Urbanismo
Orientadora: Prof. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima
SÃO PAULO │ 2014
S816p Stefani, Alessandra Márcia de Freitas.Paradigma ou campo: uma análise da produção acadêmica so-
bre o processo de projeto / Alessandra Márcia de Freitas Stefani.– 2014.
282 f. : il. ; 30 cm.
Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – UniversidadePresbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.
Referências bibliográficas: f. 197-205.
1. Pesquisa acadêmica em projeto. 2. Processo de projeto. 3.Processo de projeto digital. 4. Modelo de projeto digital. I. Títu-lo.
CDD 745.2
Alessandra Márcia de Freitas Stefani
PARADIGMA OU CAMPO:UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE O
PROCESSO DE PROJETO
Tese apresentada ao curso de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do título de Doutor
Aprovada em: _____/ _____/_____
Banca Examinadora
________________________________________________
Prof. Dra. Ana Gabriela Godinho LimaUniversidade Presbiteriana Mackenzie
________________________________________________
Prof. Dra. Teresa Maria RiccettiUniversidade Presbiteriana Mackenzie
________________________________________________
Prof. Dr. Michael BiggsUniversity of Hertfordshire
________________________________________________
Prof. Dra. Cecília Helena Godoy Rodrigues dos SantosUniversidade Presbiteriana Mackenzie
________________________________________________
Prof. Dra. Maria Alice Junqueira Bastos
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
Para Felipe, meu querido sobrinho.
Um raio de luz em minha vida.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
AGRADECIMENTOS
À Dra. Ana Gabriela Godinho Lima minha eterna gratidão por orientar-
me nesta jornada de conhecimento, e que, com muita gentileza,
sabedoria e paciência ajudou-me a centrar-me nas questões essenciais
da natureza da minha investigação e concluir o trabalho.
À Dra. Teresa Maria Riccetti, pelas sugestões apresentadas no momento
da qualificação, pela colaboração e incentivo na minha trajetória de
pesquisa acadêmica em projeto.
Ao Dr. Michael Biggs, pelas sugestões de enquadramento teórico para
minha investigação no momento de qualificação.
À Dra. Nara Sílvia Marcondes Martins, pelo incentivo à minha participação
e produção na pesquisa acadêmica na Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Aos meus pais, Angelina da Silva Freitas Stefani e Gilberto Stefani, pelo
incentivo amoroso e apoio constante em minhas decisões pessoais e
profissionais.
À minha irmã, Gilseane de Freitas Stefani, pela imensa paciência em ouvir
minhas dúvidas e questionamentos desta investigação e muitas vezes
ajudar a verbalizar meus pensamentos, pelo intenso esforço dedicado à
correção da escrita acadêmica. A sua presença e ajuda, que me auxiliou
a finalizar este relatório.
À minha irmã, Lizandre de Freitas Stefani, que se não estava presente
fisicamente na elaboração desta tese, esteve e participou da construção
da dissertação do meu mestrado, meu primeiro passo em pesquisa
acadêmica.
Às queridas amigas Ireneide Ulliana Rosa, Henny Aguiar Bizarro Rosa
Favaro e Grace Kishimoto e aos amigos Marcelo Silva Oliveira e Ivo
Eduardo Roman Pons, pela presença e energia positiva nesta caminhada.
Este trabalho foi financiado em parte pelo Fundo Mackenzie de Pesquisa.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
RESUMO
Esta pesquisa se dá no contexto da FAU-Mackenzie, a partir da
experiência da autora como professora de Computação Gráfica no curso
de Design, e propõe uma reflexão sobre a discussão acadêmica acerca
do impacto das ferramentas digitais no processo de projeto.
Tem como objetivo principal identificar fatores presentes no discurso
acadêmico, que ajudem a compreender em que medida as ferramentas
digitais estão efetivamente moldando um novo paradigma de processo
de projeto ou se, em última análise, o que há de novo é a construção de
um discurso, que ao configurar e delimitar um campo de pesquisa
busca valorizar protagonistas e agentes que na cena tradicional dos
discursos acadêmicos acerca do processo de projeto não mereceriam o
mesmo destaque.
Utiliza como fundamentação teórica as ferramentas de pensamento –
habitus, campo e capital - tal como construída por Pierre Bourdieu e a
noção de transição de paradigmas, definida por Thomas Kuhn, para
mapear o campo de pesquisa em projeto e investigar o Modelo de
projeto digital apresentado por Rivka Oxman, no texto ‘Theory and
Design in the First Digital Age’, publicado na revista Design Studies, 2006.
A fim de analisar o processo de projeto em âmbito acadêmico, a tese faz
um recorte de estudo sobre a produção textual de dois autores
considerados referências no campo de pesquisa em projeto - Rivka
Oxman e Nigel Cross, que são aqui eleitos como porta-vozes de seus
campos e respectivas comunidades científicas.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
Esta pesquisa teórica baseou-se em um levantamento bibliográfico
extenso da produção intelectual publicada pelos autores referenciados e
considera tais textos como narrativas e discursos dos autores para
ambientar o objeto de estudo – processo de projeto digital - no contexto
social de sua produção científica e cultural.
Entre as contribuições presentes neste estudo estão um quadro de
questões sobre as lacunas não respondidas no modelo de projeto digital
de Oxman, contribuição que pode servir de base para futuras pesquisas
e investigações sobre este tema.
Além disso, outra contribuição deste estudo foi a apresentação integral
da tradução do texto ‘Theory and Design in the First Digital Age’ (2006),
de Rivka Oxman, que preenche uma lacuna na pesquisa em projeto
digital no Brasil, já que existem poucos textos traduzidos desta produção
acadêmica.
Palavras-chave: Pesquisa acadêmica em projeto. Processo de projeto.
Processo de Projeto Digital. Modelo de Projeto Digital.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
ABSTRACT
This research takes place in the context of FAU-Mackenzie and from the
author's experience as Computer Graphic Professor of Designer, who
proposes a reflection on the academic discussion about the impact of
digital tools in the design process.
Having as main objective to identify factors in academic discourse to help
understanding in what extent digital tools are effectively shaping a new
paradigm or if what is new lately is the construction of a discourse
configuring and defining a research field aiming to add value to players
and agents who would not deserve within the scene of traditional
academic discourses the same spotlight in design process.
It uses as theoretical foundation Pierre Bourdieu´s thinking tools -
habitus, field and capital - as well as the notion of paradigm shift by
Thomas Kuhn in order to map design research field and to investigate
the digital design model presented by Rivka Oxman in her article ‘Theory
and Design in the First Digital Age', published in Design Studies
Magazine, 2006.
In order to analyze academic context for design process this thesis focus
on textual production of two authors considered references in the field
of design research - Rivka Oxman and Nigel Cross - who are elected by
this study as spokespersons of their fields and their scientific
communities.
This theoretical research was based on an extensive bibliographic survey
of intellectual production made by the referenced authors and it
considers their texts as narratives and discourses to understand our
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
studied object – the digital design process – within its social context of
their scientific and cultural production.
Among the contributions belonging to this study there is one table with
some unanswered questions about left over blanks in digital design by
Oxman which can function as themes for future research and
investigations with regards to digital design model.
In addition, another benefit of this study was the presentation of the full
translation of the article 'Theory and Design in The First Digital Age'
(2006), by Rivka Oxman, which fills a gap in the Brazilian research as
there are only a few texts translated about digital design in the academic
production.
Keywords: Academic Design Research. Design Process. Digital Design
Process. Digital Design Model.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01
Croqui de Sheinman.
Fonte: CROSS (2011, p. 89) .................................................................................. 27
Figura 02
Transformação sequencial algorítmica.
Fonte: TERZIDIS (2006, p. 79) .......................................................................... 27
Figura 03
Croqui de Niemeyer.
Fonte: archdaily.com.br ....................................................................................... 27
Figura 04
Projeto topológico de Farah Farah, Technion, Israel.
Fonte: OXMAN (2008, p. 43) ............................................................................ 28
Figura 05
Diagrama de um campo social.
Fonte: THOMSON (2008, p. 72) ....................................................................... 32
Figura 06
Estratégia de Gordon Murray.
Fonte: CROSS (2007b, p. 95) ........................................................................... 80
Figura 07
Estratégia de Kenneth Grange.
Fonte: CROSS (2007b, p. 95) ........................................................................... 80
Figura 08
Estratégia de Victor Scheinman.
Fonte: CROSS (2007b, p. 95) ............................................................................ 81
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
Figura 09
Modelo de estratégia de projeto seguido por projetistas criativos.
Fonte: CROSS (2007b, p. 96) ............................................................................ 81
Figura 10
Modelo de coevolução de problema-solução.
Fonte: DORST; CROSS (2001, p. 435) ............................................................ 83
Figura 11
Fases principais do processo de projeto da equipe de Ivan, John e Kerry.
Fonte: CROSS (2011d, p. 122) ............................................................................. 85
Figura 12
Fases principais do processo de projeto da equipe de Scheinman.
Fonte: CROSS (2011d, p. 123) ............................................................................. 86
Figura 13
Análise de esquema de emergência de cadeira derivado
de representações genéricas.
Fonte: OXMAN (1999, p. 219) ............................................................................ 115
Figura 14
Modelo de “ver-mover-ver” ampliado com reflexão em ação de Schön.
Fonte: OXMAN (2002, p. 137) ........................................................................... 117
Figura 15
Emergência sintática.
Fonte: OXMAN (2002, p. 141) ........................................................................... 118
Figura 16
Emergência semântica.
Fonte: OXMAN (2002, p. 143) .......................................................................... 119
Figura 17
‘Re-cognição em emergência visual’ – um modelo expandido
de emergência.
Fonte: OXMAN (2002, p. 158) .......................................................................... 122
Figura 18
Esquema genérico.
Fonte: OXMAN (2006, p. 241), tradução APÊNDICE J, p. 247............... 136
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
Figura 19
Esquema genérico: símbolos, fronteiras e ligações.
Fonte: OXMAN (2006, p. 242), tradução APÊNDICE J, p. 248............. 137
Figura 20
Modelo baseado em papel.
Fonte: OXMAN (2006, p. 245), tradução APÊNDICE J, p. 252 ............. 139
Figura 21
Modelo descritivo de CAD.
Fonte: OXMAN (2006, p. 247), tradução APÊNDICE J, p. 254 ............. 140
Figura 22
Modelo CAD de geração-avaliação.
Fonte: OXMAN (2006, p. 248), tradução APÊNDICE J, p. 255................. 141
Figura 23
Modelos de formação.
Fonte: OXMAN (2006, p. 250), tradução APÊNDICE J, p. 260................. 142
Figura 24
Modelos gerativos.
Fonte: OXMAN (2006, p. 255), tradução APÊNDICE J, p. 265.................. 145
Figura 25
Modelo de formação baseada em performance.
Fonte: OXMAN (2006, p. 258), tradução APÊNDICE J, p. 269.................. 147
Figura 26
Modelos gerativo baseado em performance.
Fonte: OXMAN (2006, p. 259), tradução APÊNDICE J, p. 270.................. 148
Figura 27
Modelo composto integrado.
Fonte: OXMAN (2006, p. 261), tradução APÊNDICE J, p. 272................... 149
Figura 28
Comparação entre Modelo descritivo de CAD (Fig. 21) x
Modelos de formação (Fig. 23).
Fonte: OXMAN (2006), tradução APÊNDICE J, p. 254, 260...................... 165
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
Figura 29
Comparação entre Modelo gerativos (Fig. 24) x
Modelo de formação baseada em performance (Fig. 25) x
Modelos gerativo baseado em performance (Fig. 26).
Fonte: OXMAN (2006), tradução APÊNDICE J, p. 265, 269, 270............. 166
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................. .....................18
1.1 O Argumento .......................................................................................18
1.2 Referencial Teórico ............................................................................22
1.2.1 ‘Ferramentas de pensamento’ de Bourdieu ..................................25
1.2.2 Noção de transição de paradigma de Kuhn ..................................36
1.3 Estrutura da Tese .................................................. .............................44
2. O CAMPO DE PESQUISA ACADÊMICAEM MODOS DO SABER PROJETAR ................................................49
2.1 Porta-voz do Campo: Nigel Cross ..................................................53
2.2 Campo de Pesquisa Acadêmica emModos Do Saber Projetar .................................................................59
2.2.1 Métodos e metodologia de projeto .................................................59
2.2.1.1 Estágio prescritivo de pesquisa em projeto .........................................612.2.1.2 Estágio descritivo de pesquisa em projeto ...........................................622.2.1.3 Estágio observacional de pesquisa em projeto ...............................66
2.2.2 Modos do saber projetar......................................................................68
2.2.3 Prática reflexiva de projeto ................................................................73
2.2.4 Pensamento de projeto .......................................................................76
3. O CAMPO DE PESQUISA ACADÊMICAEM PROJETO AUXILIADO POR COMPUTADORES ..................... 88
3.1 A lógica de projeto de Herbert A. Simon ..........................................92
3.2 Campo de Pesquisa Acadêmica emProjeto Auxiliado por computadores ..................................................94
3.2.1 Projetar como uma atividade de resolução de problemas(1960 a 1980) ..........................................................................................96
3.2.2 Projetar como uma atividade baseada em conhecimento(1980 a 1995) ..........................................................................................99
3.2.3 Projetar como uma atividade social (1995 a 2000) ...................102
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
3.3 Porta-voz do campo: Rivka Oxman ....................................................105
3.4 Cognição de projeto e computação .....................................................112
3.4.1 Re-representação de projeto ..............................................................113
3.4.2 Emergência em projeto ........................................................................116
4. COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO ‘TEORIA E PROJETO DAPRIMEIRA ERA DIGITAL’, À LUZ DAS FERRAMENTAS DEPENSAMENTO DE BOURDIEU E DO CONCEITO DETRANSIÇÃO DE PARADIGMA DE KUHN .......................................126
4.1 Precedentes de pesquisa de Rivka Oxman na formulação deprojeto digital ...............................................................................................128
4.2 O projeto digital por Rivka Oxman ......................................................131
4.2.1 Teoria e prática do projeto digital ....................................................131
4.2.2 Exemplares de projeto digital ...........................................................133
4.2.3 Modelos de processos de projeto digital .......................................135
4.2.4 Impactos do modelo de processo de projeto digital
segundo Oxman ....................................................................................149
4.3 Paradigma ou campo? .............................................................................153
4.3.1 Implicações da redução da atividade de projetarao processo de projeto ........................................................................153
4.3.2 A prática reflexiva de Schön no projeto digital ...........................157
4.3.3 A lógica do projeto de Simon no projeto digital .........................158
5. COMENTÁRIOS DAS ESTRATÉGIAS DE PROCESSO, GERAÇÃO EFORMULAÇÃO DE PROBLEMAS NO MODELO DE PROJETODIGITAL À LUZ DO CONJUNTO DE CONHECIMENTOSDO CAMPO DE PESQUISA ACADÊMICA EM MODOSDO SABER PROJETAR ................................................................... ..162
5.1 Estratégia de processo de projeto digital .......................................163
5.1.1 A apropriação das formas de projetar do campo de pesquisaacadêmica em projeto auxiliado por computadores .................163
5.1.2 A questão da interação no modelo de projeto digital ..............165
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
5.1.3 Ausência de modelagem computacional para etapade Avaliação do modelo de projeto digital ...................................169
5.1.4 O posicionamento central do projetista nomodelo de projeto digital ...................................................................171
5.2 Estratégia de Geração de projeto digital .........................................173
5.2.1 Geração, Representação e Interação ..............................................173
5.2.2 Croquis no projeto digital ...................................................................176
5.2.3 Geração e adoção de conceito nomodelo de projeto digital ...................................................................179
5.3 Estratégia para formulação de problemas deprojeto digital................................................................................................181
5.3.1 A formulação de problemas nopensamento de projeto digital .........................................................182
5.3.2 Experiências mal sucedidas de relacionar problema e soluçãode uma maneira lógica no campo de pesquisaem projeto auxiliado por computadores .......................................186
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 189
REFERÊNCIAS ................................................................. ........................ 197
APÊNDICE A
Tema dos Congressos CAAD ..........................................................................206
APÊNDICE B
Participação de Rivka Oxman em Congressos CAAD .............................208
APÊNDICE C
Produção Acadêmica de Rivka Oxman ........................................................210
APÊNDICE D
Artigos Rivka Oxman.
Tema (EXPERT SYSTEM) .................................................................................214
APÊNDICE E
Artigos Rivka Oxman.
Tema (KNOWLEDGE-BASED SYSTEM IN DESIGN) ………………………......215
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
APÊNDICE F
Artigos Rivka Oxman.
Tema (COGNITION AND DESIGN) ...................................................................219
APÊNDICE G
Artigos Rivka Oxman.
Tema (DESIGN WEB SPACE) ...........................................................................222
APÊNDICE H
Artigos Rivka Oxman.
Tema (DIGITAL DESIGN) ...................................................................................225
APÊNDICE I
Artigos Rivka Oxman.
Palavra-chave (DIGITAL DESIGN) ..................................................................229
APÊNDICE J
Tradução
Texto: ‘Theory and Design in the First Digital Age’ ....................................231
APÊNDICE K
Produção Acadêmica de Nigel Cross .............................................................280
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Argumento
O foco central desta pesquisa reside na reflexão sobre a discussão
acadêmica acerca do impacto das ferramentas digitais no processo de
projeto.
Esta reflexão dirige-se, especificamente, a identificar fatores presentes
no discurso acadêmico, que ajudem a compreender em que medida as
ferramentas digitais estão efetivamente moldando um novo paradigma
de processo de projeto ou se, em última análise, o que há de novo é a
construção de um discurso, que ao configurar e delimitar um campo
de pesquisa busca valorizar protagonistas e agentes que na cena
tradicional dos discursos acadêmicos acerca do processo de projeto não
mereceriam o mesmo destaque. Cabe notar que, para efeito da
argumentação apresentada nesta tese, utilizamos a noção de campo tal
como construída por Pierre Bourdieu (1989, 2004a, 2004b, 2006), e que
detalharemos mais adiante.
O recorte deste estudo delineia-se sobre a produção textual de dois
autores considerados referências no campo de pesquisa em projeto:
Rivka Oxman e Nigel Cross. Este campo de pesquisa e conhecimento de
projeto congrega diferentes comunidades, ou subcampos de pesquisa
em projeto, dos quais os autores acima são reconhecidamente
representantes.
Rivka Oxman é arquiteta, israelense, com bacharelado, mestrado (1983)
e doutorado (1988) na Technion - Israel Institute of Technology e
participante ativa da comunidade científica de pesquisa em projeto
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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auxiliado por computadores. Esta comunidade reúne-se em torno dos
congressos de projeto arquitetônico auxiliado por computadores (ver
APÊNDICE A) na América do Norte (ACADIA1), na Europa (eCAADe2 e
CAAD Futures3), na Ásia (CAADRIA4), América Latina (SIGRADI5) e
Arábia Saudita e região (ASCAAD 6 ). A produção científica destes
congressos é reunida na base de dados online, CUMINCAD 7 , que
condensa toda a produção científica dos congressos de todos os
continentes, desde a época dos primeiros congressos no início dos anos
1980. Além desta produção textual, a comunidade de projeto auxiliado
por computadores mantém o periódico ‘International Journal of
Architectural Computing’, desde 2002, e relações estreitas com o
periódico inglês ‘Environment and Planning B’, desde a década de 1970.
Oxman possui uma produção acadêmica empírica e teórica expressiva
intelectualmente e em quantidade. Segundo o levantamento deste
estudo, em termos bibliográficos, são 109 artigos e capítulos de livros
(ver APÊNDICE C), publicados de 1986 a 2012. Nas suas atividades de
pesquisa, ela desenvolveu softwares, realizou pesquisa empírica para
analisar aspectos cognitivos do processo de projeto e elaborou questões
teóricas do processo de projeto digital.
O que destaca Oxman em sua comunidade científica é a participação
ativa no periódico científico britânico Design Studies, com textos sobre
cognição de projeto, computação, e processo de projeto auxiliado por
computadores. A autora publica nessa revista desde os anos 1990 e, em
1996, editou um volume especial sobre ‘Cognição de Projeto e
Computação’ (Special issue: Design Cognition, 1996, v. 17, n. 4) com
1 ACADIA – Association For Computer Design In Architecture
2 eCAADe – Education And Research Computer Aided Architectural In Europe
3 CAAD Futures – Computer Aided Architectural Design Futures
4 CAADRIA – Computer Aided Architectural Design Research In Asia
5 SIGRADI – Sociedad Iberoamericana de Gráfica Digital
6 ASCAAD – Arab Society Compuper Aided Architectural Design
7 Cumulative Index of Computer Aided Architectural Design
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20
ênfase na escolha de autores que abordam a ciência cognitivista para
tratar o pensamento de projeto. Em 2002, ganhou o prêmio de melhor
artigo do ano publicado pela Design Studies, o que fez com que se
tornasse um membro do corpo editorial desta revista. Em 2006, editou
um volume especial na Design Studies sobre ‘Projeto Digital’ (Special
Issue: Digital Design, 2006, v. 27, n. 3) onde pleiteou a existência de um
novo paradigma para projeto, baseando-se na configuração de
modelos de processo de projeto com ferramentas digitais gerativas,
no texto ‘Teoria e Projeto na Primeira Era Digital’ (Theory and Design in
the First Digital Age).
Nigel Cross é arquiteto, inglês, com bacharelado em arquitetura na
University of Bath, mestrado e doutorado na UMIST- University of
Manchester Institute of Science and Technology e representa a
comunidade científica de pesquisa em ‘modos do saber projetar’, que
começa a se organizar em meados da década de 1970 para contestar o
enquadramento matemático e científico que o Movimento de Métodos
de Projeto da década de 1960 imprimiu ao projeto. Tal comunidade
estrutura-se na década de 1980, em função da organização do campo de
estudos em projeto como uma terceira área da educação, ao lado das
ciências e humanidades, conforme argumentação de L. Bruce Archer
(1979) e do próprio Cross (1982). Esta comunidade organizou–se em
torno do periódico científico britânico Design Studies, lançado em 1979,
cujo objetivo inicial foi estabelecer as bases teóricas para moldar a
disciplina de projeto.
Cross tem um papel central para a comunidade pesquisa em projeto no
momento em que os atores da cena de pesquisa em projeto se
organizam para moldar a estrutura da disciplina de projeto. Ele participa
da elaboração e organização dos valores intrínsecos de projeto como
sujeito de estudo, derivados de modelos de como projetistas pensam e
atuam, ou como o autor nomeou ‘modos do saber projetar’. Tal conjunto
de diretrizes para a disciplina de projeto está explicitada no artigo
‘Designerly Ways of Knowing’, publicado em 1982, na revista Design
Studies. A revista tornou-se uma parte essencial para a ação de Cross de
estruturação do campo de estudos em projeto. O autor, que participou
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
21
da fundação da revista em 1979, é editor chefe da mesma desde 1984 até
os dias atuais.
Cross, além de estabelecer as diretrizes para organizar projeto como
sujeito de estudo e para moldar a disciplina de projeto, construiu uma
produção intelectual acadêmica significativa (ver APÊNDICE J),
exercendo no campo de estudos de projeto um papel similar ao de um
alfaiate, alinhavando e costurando as produções dos mestres do
Movimento de Métodos de Projeto - John Christopher Jones, Christopher
Alexander, Horst W. J. Rittel e L. Bruce Archer - com a geração em
ascensão intelectual no campo - Bryan Lawson, Jane Darke e anos depois
Kees Dorst e Gabriela Goldschmidt - para construir um conjunto
significativo de conhecimentos da atividade de projeto, para elaborar a
visão que é atualmente a visão preponderante do campo de estudos em
projeto, que a comunidade como um todo reconhece como pensamento
de projeto.
O reconhecimento adquirido por Cross ao longo de sua trajetória
intelectual, acadêmica e institucional está associado à pertinência e à
perseverança na construção de conhecimento sobre a atividade de
projeto, a afirmação e construção do campo de estudos em projeto, e à
participação na construção e estruturação de instituições de referência
para campo de projeto como a revista Design Studies, a Design Research
Society (DRS) e o Design Thinking Research Symposium.
A reflexão aqui apresentada escolheu denominar Oxman e Cross porta-
vozes das matrizes disciplinares de suas respectivas comunidades
científicas de pesquisa. O objetivo é utilizar o domínio das narrativas que
tais autores impõem ao campo de estudo de projeto para analisar o
processo de projeto em âmbito acadêmico.
Vale ressaltar que, embora ambos tenham sido eleitos porta-vozes, o
papel de cada um como tal difere por conta do capital simbólico que
possuem e esta diferença é explicitada nesta tese. Cross já delineou,
construiu e estruturou um subcampo de pesquisa em projeto junto com
sua comunidade, o que nesta tese chamamos de ‘campo de pesquisa
acadêmica em modos do saber projetar’. Já Oxman está pleiteando uma
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
22
transição de paradigma para o campo de pesquisa em projeto, com a
apresentação de modelos de processo de projeto digital.
A revista Design Studies constitui o contexto, a plataforma, e é o ponto
de contato de Oxman (que pertence à comunidade científica de
pesquisa em projeto auxiliado por computadores) com o campo de
pesquisa em ‘modos do saber projetar’, este liderado por Nigel Cross.
Nesta investigação, tratamos esta instituição intelectual – a revista
Design Studies - como o espaço em que atuam os principais autores de
pesquisa em projeto, com suas agendas e agências em que se travam os
jogos intelectuais para capitalização cultural dos agentes.
1.2 Referencial teórico
O quadro teórico utilizado para as análises empreendidas nesta pesquisa
constrói-se fundamentalmente sobre dois autores - Pierre Bourdieu
(1930-2002) e Thomas S. Kuhn (1922-1996).
O trabalho do sociólogo francês Pierre Bourdieu estende-se por uma
extensa variedade de objetos e temas de estudo, atravessando os limites
disciplinares que delimitam a sociologia, antropologia, educação, história
cultural, linguística e filosofia. Segundo Grenfell (2008), dois aspectos
caracterizam sua abordagem da sociologia, a primeira corresponde a
uma compreensão particular do elo entre a prática e a teoria, e a
segunda, diz respeito ao conjunto singular de termos para empregar no
curso de análise e discussões dos resultados de suas investigações. Tais
termos são chamados por ele de “ferramentas de pensamento” e
surgiram no curso das pesquisas empíricas realizadas. Habitus, campo e
capital, as “ferramentas de pensamento” de Bourdieu, são utilizadas para
iluminar os processos sociais ainda não desvelados, reprimidos; e para o
conhecimento dos mecanismos sociais tácitos de dominação e da
manutenção das hierarquias, que produzem tanto as exclusões como as
prerrogativas.
A produção intelectual do americano Thomas Kuhn contribuiu para o
“giro histórico” na filosofia e para a metodologia da ciência. O autor
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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estudou física na Universidade de Harvard, e não comungava da visão da
racionalidade lógico-científica acerca da ciência. A sua abordagem da
existência de “revoluções científicas” seguia na contramão do
pensamento de orientação positivista. Kuhn, segundo González (2004),
ofereceu um enfoque incompatível com uma posição lógico-
metodológica, considerava que as “revoluções científicas” comportavam
conteúdos incomensuráveis na Ciência. A estrutura das revoluções
científicas, construção de Kuhn da distinção entre “ciência normal” e
“ciência revolucionária”, é definida pela distinção entre períodos em que
se aprofundava a investigação sobre a base de conhecimento já
disponível e períodos em que buscava, no plano teórico e prático, a
substituição do conjunto de conhecimentos, a ruptura semântica,
epistemológica, metodológica descrita como “revolução científica”.
Pierre Bourdieu
No caso do primeiro autor, utilizamos as assim chamadas “ferramentas
de pensamento8” habitus, campo e capital, de Bourdieu (2004a, 2004b,
2006) como instrumentos metodológicos, utilizados como filtros de
leitura dos textos de Oxman e Cross, particularmente no que se refere ao
emprego de ferramentas digitais. Em outras palavras, o objetivo é
observar se ao longo dos textos de ambos os autores podemos
identificar a presença de um campo cultural, constituído nos termos de
Bourdieu, detalhado mais adiante.
Uma vez entendido que há um campo estabelecido, trataremos de
identificar, sempre por meio de textos, evidências de manejo de
conhecimentos e comportamentos que, ao serem interpretados sob a
ótica do habitus e do capital, também detalhado mais adiante, nos
fornecem um quadro do que pode estar em jogo quando abordados os
papéis das ferramentas digitais nos processos de projeto, e em que
medida este “jogo” estaria de fato afetando e transformando os
8 Michael Grenfell (2008, p. 47) denominou os conceitos-chave de Pierre Bourdieu“thinking tools”.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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paradigmas correntes, nos quais se insere a discussão acerca do
processo de projeto em âmbito acadêmico.
Para compreender uma produção cultural, Bourdieu (2004b, p. 20-21)
apresenta a hipótese de que existe um “universo intermediário” entre “o
texto e o contexto” do objeto em estudo, ou seja, o campo, que nesta
investigação é representado pelo processo de projeto (o constructo
cultural).
Entre o texto e o contexto do processo de projeto, afirma Bourdieu
(2004b, p. 20-21), estão “inseridos agentes e instituições que produzem,
reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência”. É o caso de
Rivka Oxman e Nigel Cross (agentes dos campos), dos congressos de
projeto auxiliado por computadores e da revista Design Studies (no caso
as instituições produtoras e reprodutoras). “Esse universo é um mundo
social como os outros, mas que obedece a leis sociais mais ou menos
específicas” (BOURDIEU, 2004b, p. 20-21) e não simplesmente às leis de
descobertas científicas ou técnicas, como vemos normalmente em
campos de estudos científicos de tradições positivistas.
Com o enquadramento teórico das ferramentas de pensamento habitus,
campo, e capital, de Bourdieu, é possível compreender a existência da
teoria de projeto digital de Oxman, que é baseada em modelos de
processo de projeto digital, no sistema de relações constitutivo da classe
dos fatos reais e possíveis, aos quais pertence sociologicamente, ou seja,
em relação ao conhecimento estruturado pela pesquisa em ‘modos do
saber projetar’. Com tal ação de investigação, apreendemos o objeto de
estudo de maneira não individual, nem irredutível, e muito menos com
reverência, descartando a tradição positivista da ciência (BOURDIEU,
2007, p.183-184).
Thomas S. Kuhn
Com relação ao segundo autor, Thomas S. Kuhn (2009, 2011), esta
pesquisa apoia-se em seu conceito de transição de paradigmas
associado às revoluções científicas para analisar o avanço científico
proposto para o novo paradigma de projeto apoiado em ferramentas
digitais.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
25
A teoria da estrutura das revoluções científicas de Kuhn foi elaborada em
1962, de acordo com o autor, para resgatar os estudos científicos dos
estereótipos a-históricos extraídos dos textos como repositórios de
fatos, teorias e métodos. Se por um lado Kuhn aponta para a necessidade
de determinar quando fatos científicos foram inventados ou
descobertos, por outro, devemos olhar com cuidado erros, acertos e
desenvolvimentos por acumulação do fazer científico.
Neste estudo, Kuhn (2011) apresentou os dois sentidos de paradigma de
sua teoria: o sentido global, que estabelece o paradigma como matriz
disciplinar no qual se incluem todos os objetos de compromissos do
grupo de investigadores, comprometidos com as mesmas regras e
padrões para a prática científica; e o sentido exemplar, no qual um
conjunto de compromissos e soluções é aceito pelo grupo como
paradigmático, como modelo concreto para a gênese e a continuação de
uma tradição de pesquisa determinada.
A partir destes dois sentidos de paradigma, esta pesquisa utiliza os
conceitos de Kuhn para identificar elementos das matrizes disciplinares
que se referem ao ‘campo de pesquisa acadêmica em modos do saber
projetar’ e ao ‘campo de pesquisa acadêmica em projeto auxiliado por
computadores’, e apresenta suas obras exemplares, ou seja, aspectos
que são aceitos como paradigmáticos pela ‘comunidade científica de
pesquisa em modos do saber projetar’ e ‘comunidade científica de
pesquisa em projeto auxiliado por computadores’.
1.2.1 ‘Ferramentas de Pensamento’ de Bourdieu
A teoria do campo é compreendida como uma metodologia que articula
as três principais ferramentas de pensamento do autor: habitus, campo
e capital. Estes conceitos, disseminados em vários livros do autor na
década de 1970 e 1980, foram explicitados por Bourdieu em entrevista
dada a Loic J. D. Wacquant, publicada no artigo ‘Towards a Reflexive
Sociology: A Workshop with Pierre Bourdieu’, em 1989.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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A relação entre as três ferramentas constitui a “lógica da prática” de
Bourdieu, de acordo com Karl Maton (2008). A lógica da prática é o
resultado de uma ação organizada dos agentes, mas “obscura e de dupla
relação” entre habitus e campo, que demanda uma relação de
interconexão de estrutura e tendência (disposição, predisposição,
propensão, inclinação). Bourdieu (1986 apud MATON, 2008, p. 51)
sumariza a relação entre os três conceitos na seguinte equação:
[(habitus) (capital)] + campo = prática.
Embora Bourdieu tenha inserido os conceitos em uma relação
matemática simbólica, ele mesmo deixa bem claro que as relações entre
todos os conceitos são “interdependentes” e trata-se de um “trio co-
construído”. Nenhuma das ferramentas habitus, campo e capital devem
ter primazia ou dominância sobre as outras, ou “as três estão enroladas
num emaranhado juntas como em um nó Górdio, que somente podem
ser entendidas por uma desconstrução caso a caso” (BOURDIEU apud
THOMSON, 2008, p.69).
Este estudo busca, neste momento, compreender cada uma destas
ferramentas com maior profundidade, iniciando pelo habitus, que é um
conceito que por um lado expressa a forma como os indivíduos
desenvolvem suas atitudes e disposições e, por outro lado, as formas
como esses indivíduos engajam-se em determinadas práticas. O habitus
está relacionado ao conhecimento canônico que uma pessoa domina, ao
conhecimento dos problemas do campo em que esta pessoa se insere e
à sua capacidade de solucionar tais problemas.
No caso de projeto, podemos utilizar o exemplo da habilidade em
sketches/croquis e do domínio das habilidades computacionais para
compreender o habitus do projetista do campo de estudos em projeto.
Assim, o habitus da comunidade de projeto, por exemplo, dispõe os
indivíduos a certas atividades e perspectivas que expressam os valores
constituídos culturalmente e historicamente pelo campo em questão.
Uma obra de arte, ou uma citação, ou um croqui, ou um algoritmo tem
significado e interesse para alguém apenas se esta pessoa possuir
competência cultural, ou seja, os códigos e cânones para entender o que
está ali codificado. O croqui de Scheinman (Fig. 1) por exemplo
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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apresenta decisões e soluções para problemas de projeto para um
acessório de bicicleta. Já o exercício de projeto de Terzidis (Fig. 2)
apresenta o algoritmo (expressões matemáticas) para a transformação
sequencial de um cubo na direção x e y para gerar uma implantação, um
posicionamento dos cubos em um espaço. Ambos os desenhos sugerem
visões da matriz cultural dos dois projetistas. Scheinman (Fig. 1)
estabelece uma conversa com o projeto através do croqui e Terzidis (Fig.
2) estabelece uma conversa com o projeto através da construção do
algoritmo, da expressão matemática.
Fig.1 – Croqui de Sheinman. Fig.2 - Transformação sequencialFonte: Cross, 2011, p. 89. Algorítmica. Fonte: Terzidis, 2006, p. 79.
Retirados os croquis ou desenhos computadorizados baseados em
algoritmo de seu contexto de projeto, seu valor e relevância alteram-se.
Fig.3 – Croqui de Oscar Niemeyer. Fonte: archdaily.com.br
O croqui de Oscar Niemeyer (Fig. 3) apresenta a estratégia
composicional baseada na rotação do componente que estrutura o
espaço e é um elemento estrutural do projeto, enquanto que o modelo
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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tridimensional computacional de Farah Farah (Fig. 4) esboça a
composição da geometria topológica para o projeto. Ambos projetistas
demonstram habilidades diferentes para apresentar os projetos com
meios visuais de natureza analógica (Fig. 3) e digital (Fig. 4), e
habilidades diferentes para usar geometrias euclidianas (Fig.3) e
topológicas (Fig. 4).
Neste entendimento de habitus, o indivíduo identifica-se e é identificado
pelas habilidades aprendidas e conquistadas, no campo de estudos a que
pertence.
Fig.4 – Projeto topológico de Farah Farah, Technion, Israel. Fonte: Oxman, 2008, p. 43.
Ana Gabriela G. Lima (2009) inicia a discussão sobre o conceito de
habitus para ilustrar o mesmo, com uma ponderação de Maton (2008)
de que, frequentemente, em nosso comportamento cotidiano nos
sentimos como se fossemos agentes livres e, em certa medida,
imprevisíveis. Entretanto, baseamos nossas decisões cotidianas e
suposições nos comportamentos e nas atitudes previsíveis dos outros.
Maton ainda considera esclarecedor o ponto de partida do pensamento
de Bourdieu; “tudo do meu pensamento foi iniciado deste ponto: como
o comportamento pode ser regulado sem ser um produto de obediência
às regras explícitas? ”
Em outras palavras, Bourdieu questiona como aestrutura social e a conduta individual podem serreconciliadas, e (para usar os termos de Durkheim)como o “outro” e o “eu” social são uma ajuda a si
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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mesmo para moldar um ao outro (MATON, 2008, p.50, tradução da autora9).
Ainda no texto de Lima (2009), Maton comparece discutindo como o
habitus conceitualiza a relação entre o objetivo e o subjetivo, por meio
do “outro” e “eu” social que descrevem como os fatos sociais são
internalizados. A autora também se refere à explicação de Robert Moore
(2008), para quem, aqueles com habitus bem formados são mais
elevados em estruturas sociais, já que nem todo habitus e suas instâncias
de capital cultural são acordados com igual valor na sociedade. Por
exemplo, o habitus do artista versus o habitus do artesão, ou então o
habitus do cientista versus o habitus do projetista.
Visualizamos a diferença de capital cultural entre cientistas e projetista
através do embate que se travou na comunidade de pesquisa em projeto,
na década de 1960, ainda parcialmente organizada para moldar projeto
à ciência, ou desenvolver uma ‘ciência projeto’ (design science), com as
tentativas para construir um método de projeto racionalizado e
científico.
Depois de um aprofundamento sobre o habitus, a seguir, esta pesquisa
busca aprofundar a compreensão sobre o campo descrito por Bourdieu.
Quanto ao campo, Lima (2009) descreve tal conceito de Bourdieu como
estando relacionado com o espaço social no qual interações, transações
e eventos ocorrem. Na perspectiva do autor, uma análise do espaço
social significa não só localizar o objeto de investigação em seu contexto
histórico específico, seja ele local/nacional/internacional e relacional,
bem como interrogar os modos pelos quais conhecimentos prévios sobre
o objeto em investigação foram gerados.
O campo é uma metáfora de Bourdieu para representar os âmbitos da
prática cultural. Assim, um campo pode ser definido como uma série de
instituições, regras (doxa), rituais, convenções, categorias, designações
e compromissos que constituem uma hierarquia objetiva, e que produz
9 In other words, Bourdieu asks how social structure and individual agency can be reconciled,and (to use Durkheim´s terms) how the “outer” social, and “inner”, self-help to shape eachother (MATON, 2008, p. 50).
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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e autoriza certos discursos e atividades. Um campo é também
constituído pelos conflitos que ocorrem quando grupos de indivíduos
tentam determinar o que constitui o capital dentro daquele campo e
como aquele capital deve ser distribuído. No caso desta pesquisa, a
proficiência no uso de ferramentas digitais no processo de projeto é
considerada um capital pois o domínio de tais instrumentos implica para
um conjunto de pessoas no campo de pesquisa em projeto um sinal de
inovação, de contemporaneidade.
Patrícia Thomson (2008, p. 68-74) delineia o campo em três tipos de
analogias: o campo de futebol, os campos de força da ficção científica e
o campo de força da física. Na primeira imagem, um campo de futebol é
definido como um lugar limitado onde o jogo é jogado. A fim de jogar,
os jogadores assumem suas posições no campo. O jogo tem regras
específicas junto com habilidades básicas que jogadores novatos devem
aprender antes de começarem a jogar. O que jogadores podem fazer e
onde eles podem ir durante o jogo depende na sua posição do campo. A
condição atual física do campo (se ele estiver molhado, seco e bem
gramado ou cheio de buracos), também tem um efeito no que os
jogadores podem fazer e então como o jogo pode ser jogado. Campos
são moldados diferentemente de acordo com o jogo que é jogado. Eles
têm suas próprias regras, histórias, jogadores, estrelas, legendas e
conhecimento.
Nos campos culturais vislumbrados nesta pesquisa por meio dos textos
dos autores representantes das comunidades de pesquisa em projeto -
Cross e Oxman, brilham jogadores diferentes. No campo cultural
manifestado nos textos de Cross brilham Bruce Archer (1922-2005),
Donald Schön (1930-1997), Bryan Lawson, Kees Dorst e já no campo
visível dos textos de Oxman jogam ilustres jogadores como Herbert
Simon (1916-2001). William Mitchell (1944-2010), John Gero e George
Stiny.
Em alguns textos da trajetória da pesquisa dos autores Cross e Oxman,
jogadores de um campo aparecem, são mencionados e referenciados em
outro campo. Por exemplo, no período da investigação de Oxman, de
cognição de projeto e computação (1995 – 2006), a autora investiga os
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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elementos da teoria de prática-reflexiva de projeto de Donald Schön.
Herbert Simon, por exemplo, é citado por Cross em 1982, pela definição
de que o fenômeno de estudo na cultura de projeto é o mundo artificial.
Segundo Lima, embora Thomson não mencione isso, “algumas regras e
comportamentos em todos os jogos não são explícitos ou formalizados,
mas cada jogador no time aprende como se comportar a fim de continuar
jogando o jogo, ou seja, ganhar e permanecer no jogo” (2009, p.10).
O segundo campo descrito por Thomson, o campo de força da ficção
científica, é construído por meio do estabelecimento de uma fronteira
entre o que está acontecendo internamente e o que está acontecendo
fora.
As atividades dentro seguem padrões regulares eordenados e têm alguma previsibilidade: sem isto, omundo social dentro do campo de força poderia seranárquico e parar de funcionar. A ordem social emespaçonaves de ficção científica é hierarquicamenteestruturada: ninguém é igual e há algumas pessoasque são dominantes e que têm poder de decisãosobre os modos nos quais os pequenos mundossociais operam (THOMSON, 2009, p.70, tradução daautora10).
Lima (2009), afirma que a espaçonave nesta analogia pode ser
entendida como um campo de força, feito para proteger o ambiente
interior do externo, e dentro do qual os indivíduos organizam-se de
acordo com determinada hierarquia. Cabe lembrar que os indivíduos
ocupam simultaneamente vários campos sociais, tais como o econômico,
educacional, artes, burocrático, político, etc.
O terceiro campo, o que se refere ao domínio da física, Thomson (2009,
p.71) entende o campo de força como ele é geralmente representado:
“um conjunto de vetores que ilustram as forças empregadas por um
objeto sobre o outro”.
10 The activities inside follow regular and ordered patterns and have some predictability:without this, the social world inside the force field would become anarchic and cease tofunction. The social order on fictional space ships is hierarchically structured: noteveryone is equal, and there are some people who are dominant and who have decision-making power over the ways in which the little social world functions (THOMSON, 2009,p.70).
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De acordo com Lima (2009), a analogia com os campos de força
estudados na física é útil como forma de análise da sobreposição e dos
elementos rivais - que constituem a sociedade, ou o espaço social -
considerando campo como um universo das relações sociais constituídas
por membros do campo, com suas próprias lógicas, habitus, capitais e
interesses.
Compreender a dinâmica entre habitus e campo, conforme a construção
de Bourdieu, implica em algum entendimento sobre sua noção de capital.
Assim, começamos a relacionar os conceitos de capital com o de habitus
e campo e, também, com os diferentes tipos de capital: o cultural, o
econômico, o social, o científico e o simbólico.
Bourdieu propõe que o capital cultural e o econômico operam como dois
polos hierarquizados no campo social (Fig. 5): “Em um polo, o dominante
economicamente ou temporalmente e as posições dominadas
culturalmente e, em outro, as posições culturalmente dominantes e
economicamente dominadas” (BOURDIEU apud THOMSON, 1988, p.71).
Fig. 5. Diagrama de um campo social. Fonte: Thomson, 2008, p. 72.
De acordo com Bourdieu (2006), para entender a estrutura e o
funcionamento do mundo social, é necessário reconhecer a noção de
capital como uma noção que vai além do aspecto econômico. As formas
de capital cultural e social podem ser vistas como “transubstanciadas”
em formas de capital econômico.
O capital cultural é uma forma de valor associada ao gosto culturalmente
aceito, aos padrões de consumo, atributos, habilidades e premiações.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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Dentro do campo da educação, por exemplo, um título acadêmico
constitui-se em capital cultural.
Segundo Lima (2009), um aspecto importante que Moore (2008) ilumina
é o contraste entre a natureza do capital econômico explícito e a
natureza velada do capital cultural. O criador é abertamente um
instrumento de mudança auto interessado. A troca mercantil não é de
um valor intrínseco, mas é sempre um meio para um fim (lucro, interesse,
uma recompensa, etc.).
Assim como o capital cultural, outro conceito que interfere no habitus e
no campo do indivíduo é a doxa. Doxa, de acordo com Cecília Deer
(2008), é um conjunto de valores e discursos essenciais que um campo
articula, tais como seus princípios fundamentais, e que tendem a ser
vistos como inerentemente verdadeiros e necessários. Para Bourdieu, a
“atitude dóxica” significa a obediência incorporada e inconsciente às
condições que são, de fato, bastante arbitrárias e contingentes.
Na mesma linha de raciocínio está o capital simbólico, que é a forma de
capital ou valor não reconhecida como tal. Prestígio e reputação
brilhante, por exemplo, operam como capital simbólico porque não
significam nada em si mesmos, mas dependem das pessoas acreditarem
que alguém possui essas qualidades.
Em nossa pesquisa, Nigel Cross, possui prestígio e reputação no campo
de pesquisa em projeto, como nenhum outro autor. Em 2005, Cross,
recebeu o prêmio máximo da Design Research Society (DRS), ‘Lifetime
Achievement Award’, por sua efetiva contribuição em promover
mudanças no desenvolvimento de pesquisa em projeto. Antes dele, só
Bruce Archer e John Chris Jones receberam tal prêmio, seus mestres.
Bourdieu (apud MOORE, 2008) afirma que isto é também verdade para
outras formas de capital simbólico. O capital simbólico está associado
com os habitus bem formados e definidos, ele representa aquele mais
alto em capital cultural, embora nem todos os habitus bem formados
sejam iguais perante a sociedade.
O capital simbólico, segundo Bourdieu:
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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[...] em seus modos distintivos, nega e reprime seuinstrumentalismo para proclamar a si mesmo comodesinteressado e de valor intrínseco. No campo dasartes, por exemplo, o capital cultural é apresentadocomo reflexo do valor intrínseco do trabalho de arteem si mesmo (“essencialismo”) e a capacidade decertos talentos individuais (aqueles com “distinção”)em reconhecer e apreciar aquelas qualidadesessenciais (MOORE, 2008, p. 103 – 104, tradução daautora11).
Ainda, nos diferentes tipos de capital, uma das formas que precisam ser
compreendidas é o capital científico. Este, de acordo com Moore (2008),
é materializado na forma de livros lançados, instrumentos e artefatos
gerados pelo campo e em laboratórios de pesquisas do assunto. O
habitus associado ao capital científico traduz-se no domínio do
conhecimento dos problemas do campo e nas técnicas para resolver tais
problemas.
Compreendidas as ferramentas habitus, campo e capital, podemos então
dizer que, os indivíduos que personificam mais claramente os habitus de
um grupo, seu capital (em todos os tipos de capital existentes) tornam-
se então representantes do campo que participam. Estes indivíduos são
reconhecidos e legitimados pelas pessoas que se consideram membros
da comunidade em questão e assumem uma realidade social
representada.
Personificações são experts investidos de autoridade em função do
capital simbólico, que personificam uma ficção social a que eles dão
existência, na e por sua própria existência, e da qual recebem de volta
seu próprio poder (BOURDIEU, 2004a). A percepção da realidade social
do campo, as perspectivas e os pontos de vistas dos agentes sobre a
realidade são visões tomadas a partir de determinada posição no espaço
social, revelando uma apreensão ativa do campo.
11 […] in their distinctive ways, deny and suppress their instrumentalism by proclaimingthemselves to be disinterested and of intrinsic worth. In the field of the arts, for example,cultural capital is presented as reflecting the intrinsic value of art works in themselves(“essentialism”) and the capacity of certain gifted individuals (those with “distinction”) torecognize and appreciate those essential qualities (MOORE, 2008, p.103-104).
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Neste sentido, cada campo tem seu próprio porta-voz que “é substituto
do grupo, que existe somente através dessa delegação e que fale e age
através dele” (BOURDIEU, 2004 a, p. 168).
Nigel Cross é a personificação do campo de pesquisa acadêmica em
modos do saber projeto e, portanto, é legitimado como porta-voz deste
campo. Como porta-voz, Cross representa e reconhece outros autores
da mesma comunidade em seus textos.
Como exemplo podemos citar a apropriação do termo ‘designerly ways
of knowing’, título do artigo seminal de Cross, de 1982, do texto
‘Whatever became of Design Methodology? ’, de Bruce Archer. Tal texto
foi escrito para lançar a revista Design Studies (1979) e estabelecer a
base teórica para tratar projeto como uma disciplina coerente de estudo.
My present belief, formed over the past years, is thatthere exists a designerly way of thinking andcommunicating that is both different from scientificand scholarly ways of thinking and communicating,and as powerful as scientific and scholarly methods ofenquiry, when applied to its own kinds of problems(ARCHER, 1979, p. 17, grifo da autora12).
Rivka Oxman, por sua vez, personifica o campo de pesquisa acadêmica
em projeto auxiliado por computadores. A autora personifica sua
comunidade, e em seus textos há referências direta ou indiretamente sua
comunidade de pesquisa formada por Herbert A. Simon, William Mitchell,
John Gero e George Stiny.
O campo de pesquisa acadêmica em projeto, representado por Cross, é
questionado por Oxman, em função do desenvolvimento de novas
12 Optamos por deixar o texto em inglês para apontar a correspondência de sentido
entre ‘designerly ways of knowing’ e ‘designerly way of thinking and communicating’.
Tradução da citação direta pela autora: “Minha crença atual, formada ao longo dos
últimos anos, é que existe um modo de pensar e comunicar ‘de projetar’ que são ambos
diferentes tanto das formas científicas e acadêmicas de pensar e de se comunicar, e tão
poderosa quanto os métodos científicos e acadêmicos de investigação, quando
aplicado aos seus próprios tipos de problemas” (ARCHER, 1979, p. 17).
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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tecnologias para projeto, no texto ‘Teoria e Projeto na Primeira Era
Digital’ (2006). Para a autora, as mudanças representam um nível
profundo de alteração, o que estaria por gerar um novo paradigma para
projeto.
O campo intelectual, no qual o embate entre Oxman e Cross acontece, é
a revista Design Studies. Nela, o jogo é jogado, lembrando que como
disse Bourdieu (apud THOMSON, 2008, p. 78) “o jogo que é jogado nos
campos não tem um vencedor final, isso é um jogo sem fim e este sempre
implica no potencial para mudança a qualquer momento”.
Cross, que é o fundador da revista Design Studies, detém o habitus e
capital do campo de estudos em projeto. Já Oxman ganhou o
reconhecimento da sua produção intelectual (capital científico e cultural)
no mesmo campo, no entanto, seu habitus advém de uma comunidade
específica do campo, o de projeto auxiliado por computadores.
Como observação final a esta seção do texto, cabe observar que, ao
longo do texto, os termos "campo" e "comunidade" são empregados
com o mesmo significado, ou seja, àquele referente à noção acima
descrita de Pierre Bourdieu.
1.2.2 Noção de transição de paradigma de Kuhn
Thomas Kuhn proporcionou uma visão histórica da atividade científica
como fator chave para analisar a existência das revoluções científicas e
propor para a mesma uma estrutura, explicitada no livro ‘A estrutura das
revoluções científicas’, em 1962. Até a apresentação de sua visão, a
ciência era descrita como uma acumulação de descobertas e invenções
individuais, baseadas no conceito de desenvolvimento da ciência por
acumulação. A sua visão permitiu procurar e analisar dados históricos
para responder às questões postas pelo estereótipo a-histórico de textos
científicos, tanto “para determinar quando e por quem cada fato, teoria
ou lei científica contemporânea foi descoberta ou inventada”, quanto
para “descrever e explicar os amontoados de erros, mitos e superstições
que inibiram a acumulação mais rápida dos elementos constituintes do
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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moderno texto científico” (KUHN, 2011, p. 20). Esta visão permitiu uma
concepção fragmentária da ciência, diferente da visão evolucionista
preponderante na história da ciência.
O giro histórico promovido pelo autor permitiu a distinção conceitual
entre Ciência normal e Ciência revolucionária (KUHN, 2011). A primeira
permitia o aprofundamento e ampliação do conhecimento já
conquistado, explicitado no conjunto de paradigmas compartilhados
pela disciplina. Durante esse período o campo científico debruça-se
sobre o conhecimento dos fatos relevantes que o paradigma apresenta,
aumentando a correlação entre os fatos e as predições que o paradigma
estabelece, construindo uma rede articulada de conhecimentos sobre o
paradigma.
A segunda distinção conceitual, a Ciência Revolucionária, destaca os
momentos na ciência em que se realiza a substituição de um paradigma
por outro. Esta ruptura (semântica, epistemológica, metodológica) foi
descrita como ‘revolução científica’.
Segundo Kuhn (2011), o paradigma deixa de funcionar de modo
adequado para atender aspectos da natureza dirigidos anteriormente
pelo paradigma compartilhado, gerando o sentimento de funcionamento
defeituoso, que pode levar à crise de ruptura. A crise se estabelece no
campo e a necessidade de escolher entre paradigmas em competição
fica eminente.
O processo de ruptura de paradigmas realiza-se observando algumas
etapas:
A consciência prévia da anomalia, a emergênciagradual e simultânea de um reconhecimento tanto noplano conceitual como no plano da observação e aconsequente mudança das categorias eprocedimentos paradigmáticos – mudança muitasvezes acompanhada por resistências (KUHN, 2011, p.89).
Para uma reflexão mais apropriada sobre a ruptura de paradigma no
pensamento de projeto, vale uma reavaliação sobre o que é paradigma
e como podemos definir ou marcar uma mudança de paradigma em
determinadas áreas de conhecimento.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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O que é paradigma?
Thomas Kuhn estabelece o conceito de paradigma no livro “A Estrutura
das Revoluções Científicas”, em 1962. Nele, e em alguns escritos
posteriores, Kuhn afirma que toda e qualquer comunidade científica
possui um paradigma ou um conjunto de paradigmas.
Para o autor, uma comunidade pode se transformar em função de
alguma realização científica notável, abandonar um conjunto de
preceitos estruturados pelo paradigma anterior para adotar um novo,
que é mais poderoso e pode redefinir todas as linhas de trabalho que
coexistiam então.
De acordo com Kuhn (2011a, p. 222-223):
[...] uma comunidade científica é formada pelospraticantes de uma especialidade. Estes foramsubmetidos a uma iniciação profissional e educaçãosimilares, numa extensão sem paralelos na maioria dasoutras disciplinas. Neste processo absorveram amesma literatura técnica e dela retiraram muitas dasmesmas lições. Normalmente as fronteiras dessaliteratura-padrão marcam os limites de um objeto deestudo científico e em geral cada comunidade possuium objeto de estudo próprio.
Kuhn (2011c) denominou o período de coexistência de várias linhas de
pensamento em uma ciência como pré-paradigmático e o posterior
como pós-paradigmático.
Pré-paradigmático refere-se ao momento do campo antes que o mesmo
se defina em prol de um determinado modelo ou padrão aceito, um
paradigma. No período pré-paradigmático coexistem várias escolas
rivais, cada qual com uma defesa totalmente diversa sobre um mesmo
tema de estudo.
Já o período pós-paradigmático é definido pelo abandono de um
conjunto de paradigmas por todas as escolas para a adoção de um novo,
que reorganiza o campo e empodera o comportamento profissional da
comunidade remanescente.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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No texto ‘Reconsiderações acerca dos paradigmas’, Thomas Kuhn (2011c,
p. 311-337) apresenta dois sentidos que o termo “paradigma” tem no livro
‘A estrutura das revoluções científicas’, de 1962.
Um sentido de “paradigma” é global e abarca todosos compromissos compartilhados por um grupocientífico. O outro isola um tipo de compromissoparticularmente importante e é, portanto, umsubconjunto do primeiro (KUHN, 2009, p. 312).
O primeiro sentido para “paradigma”, o sentido global, é substituído pelo
autor pela expressão “matriz disciplinar” para facilitar sua compreensão.
Segundo Kuhn (2011c), “disciplinar” significa que é de posse comum dos
praticantes de uma disciplina profissional e “matriz” por que é composta
por elementos ordenados de vários tipos, com especificidades.
Os constituintes da matriz disciplinar incluem amaioria ou todos aqueles objetos de compromisso dogrupo descritos no livro como paradigmas, partes deparadigmas ou paradigmáticos (KUHN, 2011c, p. 315).
Para o reconhecimento da operação cognitiva do grupo e leitura desta
“matriz disciplinar”, Kuhn descreveu três componentes constituintes da
mesma, nomeando-os “generalizações simbólicas, modelos e
exemplares” (KUHN, 2011c, p. 315-316).
‘Generalizações simbólicas’ são expressões empregadas sem
questionamento pelo grupo, que podem ser formuladas sem grande
esforço, de forma lógica como os símbolos, tais como as fórmulas
matemáticas. Os modelos fornecem à comunidade científica as
analogias preferidas pelos membros da comunidade em questão. No
caso de analogias profundamente mantidas, tornam-se a ontologia da
comunidade científica.
Já o componente ‘exemplares’ refere-se às soluções aceitas pelo grupo
como “paradigmáticas”. O termo ‘exemplares’, para Kuhn, é outro nome
para o segundo sentido de paradigma no livro.
O segundo sentido de paradigma – que Kuhn descreveu como um
subconjunto do primeiro sentido, o global, deriva da observação e
reconhecimento dos membros da comunidade para um tipo de
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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compromisso particularmente importante do grupo, um conjunto de
soluções de problemas aceitas pelo grupo como ‘exemplares’, ou como
‘paradigmáticas’.
Os três componentes da “matriz disciplinar” constituem a capacidade da
comunidade científica de “funcionar como produtora e validadora de
conhecimento sólido” (KUHN, 2011c, p. 316). E nesta pesquisa, estes
componentes foram utilizados para configurar a matriz disciplinar da
comunidade científica de pesquisa em modos do saber projetar e da
comunidade científica em projeto auxiliado por computadores.
A caracterização de revolução científica
A primeira pergunta que se instala é a validade de se aplicar a estrutura
da revolução científica para campo de pesquisa e conhecimento em
projeto. Como apontamos no argumento, na década de 1980, a campo
de pesquisa de projeto afirmou-se como um campo de estudo diverso
das ciências e das humanidades. O enquadramento teórico de Kuhn, da
revolução científica a um sujeito de estudo autônomo em relação à
ciência como projeto, é consentido por Kuhn quando o autor conceitua
paradigma como uma matriz disciplinar compartilhada por uma
comunidade científica. O autor permite-nos então questionar, com
tranquilidade, se está sendo moldado um novo paradigma de processo
de projeto para o campo de pesquisa em projeto.
A segunda questão que se coloca à investigação deste estudo é que a
natureza da ruptura de paradigmas em relação ao processo de projeto,
que Oxman reivindica para o campo de pesquisa em projeto, diz respeito
a alterações tecnológicas dos meios e ferramentas de projeto. Esta
ruptura está no espectro da Tecnologia e não da Ciência.
Uma das dificuldades de tratar uma questão tecnológica como uma
revolução científica é que, como demonstrado por Juana M. Martinez
(2004, p. 344), a revolução tecnológica não tem a finalidade de produzir
um “produto verdadeiro” e sim um “produto eficiente para resolver os
problemas práticos”. E, também, não supõe a abolição das teorias
empregadas anteriormente, ou seja, não pressupõe a substituição de
conceitos de paradigmas anteriores.
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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Martinez (2004, p. 346) afirma que as formas de fazer da tecnologia
requerem a existência de artefatos anteriores como pressupostos
necessários para o desenvolvimento de novas tecnologias e, em certos
aspectos, as formas anteriores continuam vigentes.
Outra interessante questão apontada por Martinez é a relatividade e
flexibilidade que Kuhn adotou para o conceito de ruptura de paradigmas.
Ele afirma que, em alguns casos, quando o acordo não é possível, pode
existir uma mudança por persuasão. E, tal mudança por persuasão
aplica-se com mais propriedade em cenários de uso de tecnologia.
[...] pois se bem concorrem motivos estritamenteracionais nas mudanças, por tratar-se de umaatividade com uma intrínseca dimensão social se vêmais afetada por elementos externos que atuamcomo fatores decisivos nas mudanças tecnológicas(MARTINEZ, 2004 p. 346).
A noção de Kuhn de transição de paradigma supõe uma mudança de
‘visão de mundo’, mesmo que somente para os participantes daquela
comunidade. A forma diferente de interpretar a realidade permitirá a
reordenação dos elementos disponíveis, conduzindo a novos horizontes
de possibilidades para a disciplina, mas não necessariamente uma
alteração ontológica da área de pesquisa e conhecimento. Não é alterada
a realidade da qual se parte, mas sim a interpretação, a compreensão e
aplicação dela.
Essa interpretação e compreensão da alteração da realidade, no caso da
tecnologia, podem não só produzir vocabulários diferentes
(característicos de ruptura de paradigma) com pontos de vistas
incomensuráveis para uma mesma situação, como também podem fazer
surgir objetos, artefatos nunca antes existentes, cuja designação será
igualmente nova (MARTINEZ, 2004).
A questão que se coloca é se tais “produtos e léxicos novos da
Tecnologia” são “necessariamente revolucionários” (MARTINEZ, 2004,
p.351).
Como podemos observar nos capítulos 2 e 3 desta investigação - em que
analisamos o ‘campo de pesquisa acadêmica em modos do saber
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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projetar’ e o ‘campo de pesquisa acadêmica em projeto auxiliado por
computadores’, com suas matrizes disciplinares e paradigmas
preponderantes de processo de projeto - observamos a preponderância
de duas visões de projeto, que reconhecemos como paradigmas, para o
campo de pesquisa em projeto.
O paradigma de projeto como resolução de problemas foi esmiuçado no
livro ‘The Sciences of the Artificial’, de Herbert A. Simon e tornou-se
preponderante no ‘campo de pesquisa acadêmica em projeto auxiliado
por computadores’. Esta literatura é um divisor de águas no campo de
projeto, pois foi contestada durante a década de 1970, abrindo espaço
no campo de pesquisa em projeto para a formulação de um paradigma
novo de projeto como prática reflexiva, desenvolvido no livro ‘The
Reflective Practitioner’, de Donald Schön, em 1983. Utilizaremos neste
estudo então, o termo paradigma, para tratar de duas visões diferentes
de projeto, de naturezas de abordagens diferentes para projetar.
Estes dois paradigmas de projeto coexistem no campo de pesquisa em
projeto desde então. Correspondem a duas linhas de pensamento: uma
abordagem positivista (Simon) para projetar, que imprime ao projeto
uma base racional-técnica de operação - para operar os problemas de
projeto, e outra abordagem construtivista para projetar (Schön), que
imprime ao projeto uma base racional prática - artística, intuitiva, social
e construtiva de operação - para operar situações de incerteza,
singularidade e de conflito de valores em projeto.
Estas duas abordagens de projeto têm forças complementares nas
atividades em projeto (DORST; DIJKHUIS, 1995), e elas têm
preponderâncias, importâncias diferentes em comunidades de estudos
em projeto.
A comunidade científica que nos anos 1960 investigou métodos
sistemáticos de projeto e na década de 1970 debruçou-se sobre a
investigação da natureza ‘mal definida’ dos problemas de projeto, aqui,
neste estudo denominamos ‘comunidade de pesquisa acadêmica em
modos do saber projetar’. Esta comunidade não adotou o tratamento
lógico que Simon imprimiu a projeto – a lógica de projeto. Já o grupo
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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que durante os anos 1960 investiu em linguagens de programação, em
construção de softwares de análise, síntese e avaliação de projeto,
adotou a lógica de projeto baseada em otimização de problemas de
Simon e levou adiante a introdução dos computadores no universo de
projeto. Neste estudo denominamos este grupo de ‘comunidade de
pesquisa acadêmica em projeto auxiliado por computadores’.
Como dissemos, Kuhn explica que quando o paradigma deixa de
funcionar de modo adequado gera o sentimento de funcionamento
defeituoso, o que pode levar à crise de ruptura. A crise pode não
necessariamente levar a uma substituição de um paradigma por outro,
mas pode fazer emergir um novo paradigma. Neste estudo, entendemos
que o sentimento de inadequação do conjunto de conhecimento, fez
emergir um novo paradigma de projeto – a prática reflexiva de projeto,
que se traduziu em um rearranjo dos pesquisadores do campo de
pesquisa em projeto, em duas comunidades de pesquisa em projeto com
visões diferentes sobre projeto, como delineadas nos parágrafos acima.
Entendemos que a nova ‘visão de mundo’ da prática reflexiva em projeto
fez emergir uma forma diferente de interpretar e compreender a
realidade, gerando novos vocabulários e pontos de vistas novos de
projeto, como a epistemologia baseada na prática (SCHÖN, 1983), que
elaborou o conceito de ‘reflexão-em-ação’ para atividade de projetar
através da interação com meios visuais, e do ‘enquadramento do
problema’, que pressupõe que para formular o problema que será
resolvido, projetistas devem enquadrar uma situação problemática de
projeto, estabelecer limites e relações e impor uma moldura coerente
para guiar movimentos de projeto subsequentes. O vocabulário
‘reflexão-em-ação’ e ‘enquadramento de problema’ constituíram-se em
uma interpretação e compreensão diferente da realidade de projeto, nos
idos da década de 1980. Hoje, tais pontos de vistas fazem parte de nossa
realidade projetual contemporânea.
Sendo assim, esclarecemos que nesta investigação para identificar
fatores presentes em discurso, das comunidades de Oxman e de Cross,
a fim de buscar compreender em que medida as ferramentas digitais
moldam um novo paradigma de processo de projeto, foi necessário
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realizar a investigação sobre o paradigma de projeto apresentado por
Oxman é diferente da visão de projeto de Simon e da visão de projeto
de Schön.
Kuhn (2011a) já assinalava que investigar o modo da aceitação do
paradigma pela comunidade cientifica é fundamental para descobrir
como tomam formas as revoluções científicas e, que devemos recorrer à
instrumentos metodológicos para examinar as técnicas de
argumentação persuasivas, efetivas dentro dos grupos científicos. Em
nosso estudo, tais instrumentos são as ‘ferramentas de pensamento’ de
Bourdieu: habitus, campo e capital.
1.3 Estrutura da tese
O primeiro capítulo apresenta o argumento deste estudo que busca
compreender em que medida as ferramentas digitais estão efetivamente
moldando um novo paradigma de processo de projeto ou se, em última
análise, o que há de novo é a construção de um discurso que, ao
configurar e delimitar um campo de pesquisa, busca valorizar
protagonistas e agentes na cena tradicional dos discursos acadêmicos
acerca do processo de projeto. Além disso, trata dos referenciais teóricos
utilizados: as ferramentas de pensamento de Bourdieu e o conceito de
transição de paradigmas de Kuhn.
No caso de Bourdieu, o referencial trabalhado são as três principais
ferramentas de pensamento do autor, o habitus, campo e capital e a
constituição da lógica da prática a partir das mesmas. A lógica da prática
é o resultado de uma ação organizada dos agentes entre habitus e
campo, que demanda uma relação de interconexão de estrutura e
tendência - disposição, predisposição, propensão, inclinação. Bourdieu
sumariza a relação entre os três conceitos na seguinte equação:
[(habitus) (capital)] + campo = prática.
Já em Kuhn, este estudo utiliza sua visão histórica da atividade científica
como fator chave para analisar a existência das revoluções científicas e
propor à mesma uma estrutura. O giro histórico promovido pelo autor
Paradigma ou Campo: uma análise da produção acadêmica sobre o processo de projeto│Alessandra Márcia De Freitas Stefani│
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permitiu a distinção conceitual entre Ciência normal e Ciência
revolucionária, que no campo científico se traduz em construir uma rede
articulada de conhecimentos sobre a matriz disciplinar em questão e
eventualmente, na transição de paradigmas, romper esta rede de
conhecimentos vigentes.
No segundo capítulo, este estudo faz uma análise do ‘campo de pesquisa
acadêmica em modos do saber projetar’, representado por seu porta-voz
Nigel Cross. O estudo demonstra o fio condutor da narrativa de Cross
para o ‘campo de pesquisa acadêmica em modos do saber projetar’, uma
subdivisão do campo de pesquisa em Projeto que aconteceu a partir da
sistematização da pesquisa em Projeto como uma terceira área de
conhecimento, ao lado das Ciências e Humanidades, na década de 1980.
Tal sistematização foi estabelecida no artigo ‘Designerly Ways of
Knowing’ e serviu de base para o programa de pesquisa deste novo
subcampo, dedicado a estudar como os projetistas pensam e agem
durante o processo de projetar.
No terceiro capítulo, esta investigação dedica-se a mostrar a trajetória
seguida pelo ‘campo de pesquisa acadêmica em projeto auxiliado por
computadores’, a partir de sua origem e desdobramentos. O capítulo
trata da lógica de projeto de Herbert A. Simon e das formas de projetar
existentes neste campo nas décadas de 1960 até 2000, definidos por
William Mitchell. Apresentamos Rivka Oxman como porta-voz do ‘campo
de pesquisa acadêmica em projeto auxiliado por computadores’ e
analisamos sua produção relativa à cognição de projeto e computação,
representados no conceito de re-representação de projeto e emergência
em projeto.
No quarto capítulo, este estudo comenta o texto ‘Teoria e projeto da
primeira era digital’, de Oxman, no qual a autora propõe um n