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POESIA E SENSIBILIZAÇÃO: A POESIA COMO INSTRUMENTO PARA A
FORMAÇÃO DE LEITORES DE LIVROS E DA REALIDADE NO SEGUNDO
ANO DO ENSINO MÉDIO.1
Carlos Henrique de Fresta dos Santos2
ResumoO presente artigo relata as experiências vivenciadas a partir de uma proposta de ensino de Língua Portuguesa, elaborada no decorrer do PDE. Trata-se da busca de respostas às questões que se levantam com as constantes transformações da sociedade, suscitadas no debate didático-pedagógico no âmbito da escola pública. Além de propor uma linha de trabalho que visa atrair a atenção e a concentração dos jovens e combater arduamente o fracasso escolar, o objetivo central está na emancipação do estudante, na instrumentalização do sujeito para o exercício da cidadania. Explorou-se a poesia na perspectiva de apresentar o debate entre a teoria e a prática educativa, a partir de leituras e discussões realizadas no PDE 2007, e na aplicação de uma proposta lúdica e inovadora de trabalho que possibilitasse a empatia e identificação dos alunos. Propõe-se, nesta pesquisa, o trabalho com uma linguagem viva e dinâmica, aproximando com isso os alunos dos sentidos que a linguagem tem nas suas vidas.
Língua Portuguesa – Poesia – Cidadania
Abstract
This article reports the experiences from a proposal for teaching of Portuguese Lan-guage, developed during the PDE. This is the search for answers to questions that arise with the constant changes of society, raised in the discussion, didactic teaching within the school. Besides proposing a line of work that aims to attract the attention and con-centration of young and fighting hard school failure, the central goal is the emancipation of the student, the instrumentation of the subject for the exercise of citizenship. Ex-plored to make poetry from the perspective of the debate between theory and education-al practice, from readings and discussions in the PDE in 2007, and implementation of innovative and entertaining a proposal to allow the work of empathy and identification of students. It is proposed in this research, working with a language alive and dynamic, bringing with it the students the sense that language has on their lives.
Portuguese Language - Poetry - Citizenship
1Trabalho realizado por ocasião da conclusão do PDE 2007, sob a orientação do Professor Doutor Altair Pivovar.2Professor PDE, Licenciado em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa, Especialista em Literatura e Professor QPM do Estado do Paraná.
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1. INTRODUÇÃO
As constantes transformações da sociedade suscitam uma série de interrogações
para o ser humano. Para aqueles que exercem o magistério, surgem inúmeras questões:
onde se posiciona o ensino nesse novo tempo e espaço? Como oferecer uma educação
transformadora, desafiadora e libertadora? Quem ou o que será o protagonista dessas
mudanças? As respostas estão presentes, mesmo que não tão evidentes, no cotidiano dos
professores que procuram realizar a mudança para a construção da sonhada escola
pública de qualidade. Apesar disso, na maioria das vezes, os docentes encontram a
frustração da reprovação, da evasão e da falta de interesse por parte dos alunos.
Contudo, é perceptível a preocupação objetiva de muitos educadores em desenvolver
métodos, ambientes e projetos pedagógicos para atrair a atenção e a concentração dos
jovens, em combater arduamente o fracasso escolar.
O profissional da educação engajado trava o enfrentamento do complexo
contexto social e econômico atual, reconhecendo o aprendizado como resultado direto
da práxis humana, considerando a necessidade de liberdade, de expressão e de
realização dos anseios de cada educando. Compreender que uma das mais importantes
referências pedagógicas no processo de educação reside nas experiências pessoais dos
próprios alunos, em suas histórias de vida e impressões sobre o mundo é o primeiro
passo no sentido de concretizar um trabalho significativo que atinja o objetivo final da
escola: ensinar e aprender. Assim, o educador termina por se comprometer com a
emancipação humana e a transformação social.
Em se tratando do ensino de Língua Portuguesa, a poesia pode desempenhar um
importante papel na administração dessa vontade, porém buscar uma proposta
pedagógica inovadora exige que se mergulhe na vida da comunidade escolar e no seu
ambiente sociocultural como um todo. Portanto, apesar de nos faltarem respostas
objetivas e sobrarem dúvidas subjetivas, o fato é que o modelo de ensino de Língua
Portuguesa vem se mostrando arcaico, apesar da boa vontade de todos os educadores,
principalmente e mais especificamente no trabalho com poesia e com a arte de modo
geral.
A pretensão deste artigo é apresentar o debate entre a teoria e a prática
educativa, no tocante ao trabalho com a poesia, a partir de leituras, discussões realizadas
no PDE 2007 e na aplicação de uma proposta lúdica e inovadora de trabalho com a
poesia, que possibilitasse a empatia e identificação dos alunos. Propõe-se, nesta
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pesquisa, o trabalho com uma linguagem viva e dinâmica, aproximando com isso os
alunos dos sentidos que a linguagem tem nas suas vidas.
2. A POSTURA DOCENTE NO TRABALHO COM A LITERATURA: ATITUDE
DE FACILITAÇÃO OU CASTRAÇÃO DA CAPACIDADE CRIADORA?
O trabalho criativo com literatura, principalmente com a poesia, pode viabilizar
a maior participação de todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem e agir
diretamente na qualidade do ensino de Língua Portuguesa oferecido, na formação de
leitores e, principalmente na formação de cidadãos críticos, conscientes de sua condição
social. A expressão da emoção presente nas artes aproxima as pessoas e facilita a
interação entre professor e aluno, a troca de experiências e de idéias. Amplia a
possibilidade de aprendizado de todo o grupo. Contudo, não há trabalho inventivo que
se sustente com a realidade na qual estão inseridos alunos e professores da Rede
Estadual de Ensino, com suas (tantas) limitações financeiras e estruturais.
No estado do Paraná, muito tem sido feito no sentido de melhorar as condições
do trabalho docente, a exemplo da implantação da TV pen-drive, a expansão dos
Laboratórios de Informática das Unidades de Ensino, a criação da Biblioteca do
Professor, o Projeto Folhas, a elaboração do Livro Didático Público pelos próprios
professores da rede e mesmo o PDE3. No entanto, ainda há muito o que avançar na
questão de materiais didáticos e de apoio à prática docente, no acervo das bibliotecas e
na formação continuada dos profissionais da educação, que são elementos básicos no
suporte da prática educativa diária.
A reflexão reside no fato de que, se o trabalho do educador é complexo,
dependente de tantos fatores externos e internos do sistema de ensino, abordar a poesia
vai além, pois lida diretamente com a sensibilidade, com a criatividade e com a emoção.
Isso é o que faz a iniciativa ser tão delicada e subjetiva. A meta a ser atingida por meio
da sensibilização é a formação plena dos alunos, por isso exige muita dedicação, uma
profunda concentração e um ambiente propício, que possibilite a participação nas
atividades.
Todavia, o cotidiano escolar ainda não contribui para o sucesso dos trabalhos
inovadores: as salas de aula superlotadas, com alunos desmotivados e muitas vezes
3Maiores informações acerca das iniciativas do Governo do Estado do Paraná são encontradas no Portal Dia-a-Dia Educação, no endereço www.diaadiaeducacao.pr.gov.br.
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abandonados pela família; os professores sobrecarregados com a burocracia que os
afunda numa quantidade cada vez maior de papéis a serem preenchidos; e a falta de
segurança que permite que a violência e as drogas invadam o cotidiano de muitas
escolas. Há iniciativas de fomentar uma evolução dos meios tecnológicos, mas ainda há
que se investir em tempo e em recursos no desenvolvimento humano do processo
educacional, temos uma longa caminhada até romper os paradigmas de manutenção do
status quo.
Tudo isso nos transporta para o círculo vicioso do famoso pacto da
mediocridade, no qual o professor finge que ensina e o aluno finge que aprende, pois o
professor que trabalha com uma carga horária extensa, sem atualização acadêmica
constante e com seu tempo ocupado por excesso de atividades alheias ao processo
educativo, termina por ministrar uma aula castradora, que limita a produção de
conhecimento, transformando o cotidiano escolar numa monotonia infinita e fatigante,
que é produto e reprodutora do sistema alienante posto.
Nesse quadro, não é surpreendente que o ensino se torne inoperante, nem que
aflore a questão da indisciplina generalizada tão prejudicial ao trabalho em sala de aula.
No caso da poesia, podemos observar que muitas vezes os alunos não se percebem
amantes da leitura, mas alguns deles até são freqüentadores ou escritores de blogs na
Internet, autores de rimas em letras de RAP de qualidade, apesar de sofrerem
diariamente a castração de sua criatividade no âmbito da escola. É a negação das
limitações impostas pelo ambiente escolar, de suas amarras e da constante “tentativa” de
institucionalizar o aluno e cortar-lhe as possibilidades de criação.4
Ao analisar o trabalho com a literatura nas escolas, faz-se necessário considerar
que há um desinteresse da grande maioria dos alunos pela prática da leitura, mais
notadamente quando se trata do texto poético. Assim, justifica-se a pesquisa voltada
para a discussão de estratégias metodológicas que possam contribuir para a reversão
dessa realidade, visando à elaboração de propostas que partam da realidade objetiva da
comunidade escolar, da valorização da capacidade criadora do grupo e da consideração
dos aspectos sócio-econômico-culturais que interagem dialeticamente com o espaço
escolar. Nessa medida, leva-se em consideração a totalidade de categorias que formam a
visão de mundo do educando, sabendo-se que a sociedade é tocada pelo processo
4 AVERBUCK, Ligia Morrone (p. 65). in ZILBERMAN, R. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
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educacional e por ele é determinada, ao mesmo tempo em que o determina e dita seu
tom.
O trabalho com a literatura não pode se ater à mera prática de decorar e declamar
poesias de forma mecânica, descontextualizada, sem sentido nem sentimento, como
bem afirma Drummond: "Sei que se consome poesia na sala de aula, que se decoram
versos e se estimulam pequenas declamadoras, mas será isto cultivar o núcleo poético
da pessoa?” 5
Ler não é uma tarefa fácil, especialmente quando o alvo é o jovem que, muitas
vezes, encontra nos meios de comunicação de massa um atrativo muito maior que a
leitura proposta pela escola. Tendo em vista essa problemática, faz-se necessária a
ressignificação do trabalho com a poesia, de modo que esse gênero textual possa ser
utilizado como recurso cognitivo e comunicativo. Ou seja, fazer ver que a poesia pode
ser um lugar de resistência, de fomento de idéias, se vivenciada a partir de um trabalho
pedagógico que possibilite recuperar a expressão do aluno.
Nessa medida, enfocamos o papel da emoção no aprendizado. Sem emoção não
há criação. A certeza é que é através da descoberta do prazer de um bom texto que se
adquire o hábito de leitura e de que essa descoberta se dará mais facilmente na infância
e, provavelmente, na escola6. O texto literário possibilita um conhecimento pleno e
interpretativo da realidade do ser humano, em oposição ao saber fragmentado, alienado
e manipulador que pode estar presente em outros tipos de textos. Portanto, nesse
contexto, urge trabalhar a poesia e, a partir dela, abrir as portas para todas as leituras
que se apresentam em nosso dia-a-dia, convidando o leitor a participar e a emitir
opiniões, levando-o a sentir as emoções presentes nos diversos textos, cultivando nos
jovens o gosto pela arte e pela descoberta do novo.
Portanto, a maior herança que a educação escolar pode deixar a um aluno é o
que visa esse projeto – a capacidade de ler, o gosto pela leitura – pois se ele passar pela
escola e aprender pouco, mas for um bom leitor, terá nos livros, revistas, sites da
Internet e outros materiais um prolongamento da sua formação e poderá desenvolver-se
muito além do que a escola esperaria de um aluno ideal. Dessa forma, o trabalho segue
no sentido de que todos possam assumir os compromissos sociais e participar
ativamente da construção da história.
5 ANDRADE, Carlos Drummond de. A educação do ser poético. In: Arte e Educação, 19746 Maior aprofundamento teórico acerca do tema na produção de AVERBUCK, Ligia Morrone (p. 65). in ZILBERMAN, R. Leitura em crise na escola: as alternativas do professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.
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Além disso, a poesia é um elemento importante a ser utilizado como suporte da
formação da personalidade, da estruturação do indivíduo e de seu autoconhecimento. A
individualidade afirma-se e reafirma-se na possibilidade de expressar-se por meio da
poesia, ao identificar-se com a obra lida. A experiência libertadora e lúdica de poder
compor, de manifestar-se por meio da linguagem, faz da poesia um elemento
fundamental de comunicação e auxilia na formação do senso estético7. Trabalhar a
poesia e, a partir dela, abrir as portas para as várias leituras que se apresentam em nosso
dia-a-dia, faz sentido quando a proposta é a de educar para o mundo.
Esse processo se dá no convite ao leitor para que participe ativamente,
emitindo opiniões, o que termina por levá-lo a sentir emoções presentes nos diversos
textos para buscar informações práticas, satisfazer curiosidades, informar-se sobre o que
acontece no mundo, divertir-se, relacionar-se.
A gama de diferentes emoções que a poesia traduz é o que seduz para o
verdadeiro aprendizado. E a poesia fruto da sensibilidade do poeta visa à sensibilidade
do leitor através da palavra que, dita na hora certa ou trabalhada no momento adequado,
pode transformar uma situação. Ser íntimo das palavras, possuí-las como um recurso, é
um direito fundamental de todos. E a poesia, arte das palavras, possibilita a conquista de
uma nova realidade, porém sem compromisso com aspectos morais ou instrutivos. A
possibilidade de trazer novos significados às palavras, de reinventar seu sentido em um
contexto pessoal, faz da poesia uma forma de expressão diferente, cheia de simbologias
que são passíveis de diferentes interpretações.8
O sentimento é a matéria-prima fundamental na composição poética. O arranjo
das palavras, a estruturação do texto, da rima e da métrica são apenas os elementos
facilitadores da composição, da comunicação. O leitor se identifica com o texto e o
interpreta de acordo com sua experiência pessoal, cria gosto e lê aquilo que se faz a real
expressão do que pensa e do que sente. Por isso é que a poesia é um meio de se chegar
ao aprendizado através da emoção e da sensibilidade, não um conteúdo a mais em uma
longa lista a ser memorizada.
Não se trata de afirmar que a poesia é a panacéia da educação, longe disso, ela
é mais um meio pelo qual o educador pode iniciar um trabalho significativo que toque
7AVERBUCK, Ligia Morrone (p. 69). in ZILBERMAN, R. Leitura em crise na escola: as alternativas do
professor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.8PAIXÃO, Fernando. O que é poesia? Coleção primeiros passos. São Pulo Editora Brasiliense: 1991.
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aos alunos, que os faça sentir impulsionados ao ato de aprender, refletir e crescer.
Sabendo que a escola representa para alguns alunos a única oportunidade de ler, faz-se
necessário propiciar nas salas de aula a dinamização da cultura viva, diversificada e
criativa, que representa o conjunto de formas de pensar, agir e sentir das pessoas.
Tendo em vista que o atual modelo de ensino da língua materna vem se
mostrando arcaico e desmotivador, levando principalmente os filhos de classes menos
favorecidas a evadirem-se da escola ou a permanecerem “estudando” sem interesse,
propõe-se um trabalho diferenciado, lúdico, através da poesia, para mobilizar os jovens
a participarem como protagonistas do seu próprio aprendizado.
A poesia perdeu-se no tempo e no espaço escolar. Urge resgatá-la. Não se trata,
porém da escola assumir a responsabilidade de fazer poetas: sua responsabilidade é a de
proporcionar o acesso ao conhecimento e ao prazer de conhecer textos poéticos. Foi o
que buscou-se na elaboração dessa proposta de ação.
3. MATRIZES TEÓRICAS UTILIZADAS: A BASE PARA A ELABORAÇÃO
DA PROPOSTA
Para o planejamento da intervenção prática, utilizou-se os textos Ciclos de
Aprendizagem: uma proposta para a elaboração de materiais didáticos9, de Christiane
Gioppo e Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica10, de João Luiz Gasparin.
Ambos materiais que propõem alternativas para a estruturação do trabalho docente,
desde o planejamento até a avaliação, conforme pode-se ver a seguir:
Considerações sobre Ciclos de Aprendizagem: uma proposta para a elaboração
de materiais didáticos
A metodologia de Gioppo, apresentada nesse texto adaptado de A Avaliação em
Ciências Naturais11, se divide em cinco estágios de atuação em sala de aula, o que
facilita a explicação didática de sua teorização. Todas as fases da estratégia de trabalho
proposta são permeadas pela avaliação diagnóstica e cumulativa, objetivando o
acompanhamento do desenvolvimento do educando em todo o decorrer do processo
9 GIOPPO, C; Silva. Ciclo de Aprendizagem: uma proposta para a elaboração de matérias didáticos. Texto adaptado. GIOPPO, C; Silva R. V. e BARRA V. M. M. A Avaliação em Ciências naturais. Curitiba: Editora da UFPR/ MEC, 200610GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. São Paulo: Autores Associados, 2003.11 GIOPPO, C; Silva R. V. e BARRA V. M. M. Op.cit.
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pedagógico. Essa avaliação é subsidiada por perguntas reflexivas, propostas nos temas
para debates, que reforçarão conceitos, conteúdos e produções do processo inteiro. A
diagnose do quadro se dá a partir da argumentação presente no discurso utilizado, que
revela a abstração individual, a desenvoltura na generalização dos conceitos e no avanço
para a transposição dos conhecimento adquiridos para a sua realidade concreta.
No primeiro estágio, denominado Envolvimento, os alunos têm o primeiro
contato com a metodologia de trabalho e seus objetivos. O professor explicita o que é
esperado para a aprendizagem e faz uma avaliação diagnóstica do grupo para conseguir
reconhecer o entendimento dos alunos sobre o tema a ser tratado e, assim, traçar a
estratégia para a abordagem do assunto de forma que pareça atrativa ao grupo.
O estágio de Exploração, que vem em seguida, busca engajar os alunos em
investigações cooperativas, atividade de pesquisa em grupos e debates, que levam a
turma à construção de uma experiência comum em relação ao objeto do estudo o que,
segundo a autora, permite o estabelecimento de um conhecimento mínimo, o
compartilhamento dos diferentes entendimentos presentes na turma.
Em seguida, se inicia o estágio de Explicação, que consiste na discussão
mediada pelo educador, que deverá auxiliar na interpretação dos pontos levantados
pelos alunos, nos dados que coletaram e na descrição da investigação feita. Esse estágio
visa o início da superação do senso comum, a elaboração dos conteúdos e leitura a
crítica do aprendizado.
Os conhecimentos adquiridos são reforçados e reelaborados, mediante a práxis
pedagógica do educador, no estágio de Elaboração ou Aprofundamento, o quarto
momento do processo. Neste ponto, os conceitos científicos são transpostos para a
realidade concreta dos alunos, que podem fazer generalizações a partir do conhecido,
conferindo uma maior significação prática ao conteúdo abordado. São debatidas
questões sociais da realidade dos educandos, a partir da leitura e releitura de mundo, sob
a luz dos conceitos apreendidos nas leituras, pesquisas, debates e exposições que
ocorreram em todo o processo.
A Avaliação Final, que é o quinto e último estágio da proposta, é o ponto
culminante, em que se verifica a elaboração do tema, o estabelecimento de conexões
entre o conteúdo apreendido e a sua aplicação em situações cotidianas, a possibilidade
de retomada de alguns de seus pontos ou a total reestruturação dos trabalhos a partir de
outras estratégias. É o procedimento por meio do qual o professor acompanha o
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desenvolvimento do aprendizado dos alunos e efetiva o aprimoramento do seu próprio
trabalho pedagógico.
Considerações sobre Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica
O método desenvolvido por Gasparin se baseia no método dialético de
construção do conhecimento prática-teoria-prática e nos passos da pedagogia histórico-
crítica propostos por Saviani em Escola e Democracia12. O autor apresenta cinco
capítulos divididos em três partes, a saber:
A Parte I, denominada Prática Social: Nível de desenvolvimento atual do
educando, aborda a ação prática do professor que apresenta os conteúdos e estabelece
um diálogo em que os alunos expressam a sua vivência pessoal sobre o assunto. Ela é
composta pelo capítulo Prática Social Inicial do Conteúdo: O que os alunos a o
professor já sabem, que afirma que o primeiro passo do trabalho pedagógico
caracteriza-se como uma mobilização do aluno para a construção do conhecimento
escolar. Nesse momento parte-se da realidade objetiva do entorno dos educandos e faz-
se um contato inicial com o tema a ser estudado, motiva-se o estudante a participar do
processo e busca-se dar significado aos conteúdos a serem abordados, conforme afirma
Gasparin: “Uma das formas para motivar os alunos é
conhecer sua prática social imediata a respeito do
conteúdo curricular proposto. Como também ouvi-los
sobre a prática social mediata, isto é, aquela prática
que não depende diretamente do indivíduo, e sim das
relações sociais como um todo. Conhecer essas duas
dimensões do conteúdo constitui uma forma básica de
criar interesse para uma aprendizagem significativa do
aluno e uma prática docente também significativa.”13
Ou seja, esse é o ponto de partida para uma pedagogia que privilegia a relação
significativa entre conhecimento e prática social, que se pretende fazer relevante para os
sujeitos envolvidos.
Já a Parte II, Teoria: Zona de desenvolvimento imediato do educando, constitui
a teorização metodológica do processo de trabalho com o conteúdo escolar e
12 SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 1999.13 GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. São Paulo: Autores Associados, 2003.
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compreende quatro capítulos: Problematização: Explicitação dos principais problemas
da prática social, Instrumentalização: Ações didático-pedagógicas para a
aprendizagem, Catarse: Expressão elaborada da nova forma de entender a prática
social e Prática Social Final do Conteúdo: Nova proposta de ação a partir do conteúdo
aprendido.
Na etapa Problematização: Explicitação dos principais problemas da prática
social, o autor aponta a problematização como tarefa fundamental para o
encaminhamento de todo o processo de trabalho educativo, uma vez que ela representa
um elemento-chave na transição entre a prática e a teoria, entre o fazer cotidiano e a
cultura elaborada.
O objetivo é elencar problemas relevantes na prática social, que precisam ser
resolvidos no cotidiano das pessoas ou da sociedade, mas que estabelecem relação com
conteúdo a ser trabalhado, bem como a investigação de alternativas para solucionar
essas questões.
No momento da Instrumentalização: Ações didático-pedagógicas para a
aprendizagem, o docente age em conjunto com o grupo para a construção do
conhecimento científico, no sentido da elaboração da aprendizagem, com a apresentação
sistemática do conteúdo por parte do professor e por meio da ação intencional dos
alunos de se apropriarem desse conhecimento. De acordo com o autor, isso é o que
possibilita a aprendizagem do conhecimento científico, a apropriação dos saberes
sistematizados pela humanidade ao longo da história.
O próximo passo é a Catarse: Expressão elaborada da nova forma de entender
a prática social, que tem a síntese como operação fundamental. Nesse instante o
estudante é desafiado a demonstrar o quanto se aproximou da solução dos problemas
levantados, sistematizando e manifestando o que assimilou no decorrer das aulas, por
meio do seu discurso e/ou suas produções.
Por fim, a Parte III, Prática Social: Nível de desenvolviemnto atual do
educando, apresenta o capítulo Prática Social Final do Conteúdo: Nova proposta de
ação a partir do conteúdo aprendido, no qual é tratado o resultado objetivo de toda a
jornada. De acordo com o autor, é o ponto de chegada do processo pedagógico na
pedagogia histórico-crítica
Esse passo da metodologia é caracterizado pelo retorno à prática social, a
transposição do teórico para o prático. Levando-se em consideração que “Prática Social
Inicial” e “Prática Social Final” constituem um todo dialético, freqüentemente
11
contraditório, no qual se evidencia uma luta constante entre o velho e o novo”,
conforme Gasparin, essa fase de maior clareza deve transformar a visão de mundo de
todos aqueles que se envolveram nos trabalhos. Cabe ao educador, conduzir o
fechamento das atividades com uma proposta de ação efetiva que anteveja o que cada
um poderá transformar na sua realidade, assumindo compromissos com a sociedade,
agora que está de posse de novos conceitos.
4. A EXPERIÊNCIA NO PDE COMO OPORTUNIDADE PARA O
EMBASAMENTO DA PROPOSTA: NOVOS DEBATES E NOVAS IDÉIAS A
PARTIR DA ORIENTAÇÃO DA PESQUISA
Aparentemente o que tem tornado o trabalho com Língua Portuguesa difícil e
desmotivador são as amarras que prendem professores, alunos, pais de alunos e, de certa
forma, a escola ao passado, mesmo que contra a vontade de todos e apesar da
consciência do fato. O tempo passa e a escola que sonhamos parece estar cada vez mais
distante.
O ensino de Língua Portuguesa, quando voltado para a gramática normativa, não
dá conta da expectativa dos educandos, muito menos de suas necessidades práticas, e
não resolve o problema da leitura e da escrita na escola. Em contrapartida, temos a
linguagem artística, que entra no terreno do imprevisível, prima pela criatividade. Abre
caminhos, tocando a sensibilidade e liberando emoções no leitor.
É em resposta a este desafio que se propõe uma atividade que se baseia no aporte
teórico levantado e na observação diária do trabalho educativo, para propor a utilização
da poesia como meio para conferir significado ao trabalho com Literatura em Língua
Portuguesa.
Para que se fizesse a delimitação do objeto de estudo da pesquisa e do
referencial teórico para fundamentar o seu desenvolvimento, aconteceram quatro
encontros de orientação. Ficou determinado que a pesquisa estaria voltada para o
resgate do trabalho com a poesia, mais especificamente o texto poético como estratégia
para formação de leitores a partir da quinta série do ensino fundamental, porém
propondo uma renovação no modo como esse tipo de gênero textual vem sendo
trabalhado tradicionalmente. Nesse sentido, o conhecimento das terminologias técnicas
como rima, ritmo e quadras, passaria a ter apenas uma função secundária ou
complementar nessa proposta. Posteriormente, o projeto passou a ter seu foco em três
12
turmas do ensino médio do Colégio Estadual Papa João Paulo I, onde o autor da
pesquisa atua como docente de Língua Portuguesa e Literatura. Tal alteração no campo
de pesquisa ocorreu pela necessidade de adaptação da proposta às turmas em que
lecionava. Foram feitas alterações nas atividades trabalhadas para que ficassem de
acordo com a faixa etária e o nível de conhecimento que os alunos do ensino médio já
possuem.
Foi elaborado o material para o Projeto Folhas14 com algumas atividades
pertinentes ao trabalho com a poesia e estas, além de outras tantas, foram aplicadas no
universo de pesquisa delimitado, buscando-se elementos práticos que subsidiassem a
escrita deste artigo.
Também se determinou a estruturação de um trabalho com o GTR15, para que os
professores participantes estivessem sensibilizados em relação ao texto poético, o que é
fundamental para o êxito dessa iniciativa, uma vez que é preciso sentir a necessidade e
reconhecer a relevância do ato de ler para poder incentivar o hábito da leitura em seus
alunos, principalmente no caso da poesia. O trabalho com a emoção pressupõe plena
dedicação. Desse modo, a discussão esteve centrada no estudo da poesia como um meio
para a sensibilização do aluno, a partir da sensibilidade do professor e do artista. Em
outras palavras, a poesia pode mostrar que o objeto de ensino para a disciplina de
Língua Portuguesa é mais atraente ou motivador quando se percebe que a língua é
trabalhada artesanalmente. Esse trabalho foi mais uma via de auxílio nos
ecaminhamentos da pesquisa, pois permitiu a interação com outros educadores da área e
seus pareceres a respeito da a proposta.
5. PROPOSTA PARA O TRABALHO COM POESIA: UMA ALTERNATIVA DE
TRANSFORMAÇÃO DA PRÁXIS DOCENTE
A elaboração de uma proposta educativa com poesia, na perspectiva de
emancipação do leitor busca incentivar o hábito da leitura, desenvolvendo o senso
crítico, a criatividade e o contato com poesias através de uma metodologia diferenciada,
inserindo os alunos do ensino médio no universo poético, familiarizando-os com a
linguagem poética e com a forma gráfica dos textos.
14Para aprofundar o conhecimento sobre esta proposta e conhecer as produções dos professores da rede Estadual de Ensino do Estado do Paraná, pode-se visitar o site http://www.diaadia.pr.gov.br/projetofolhas.15 Maiores informações sobre o GTR em: http://www.pde.pr.gov.br.
13
Trata-se de oportunizar aos alunos uma nova perspectiva de apropriação do
conhecimento da literatura como forma de complementação e incentivo à leitura, nesse
caso, também de proporcionar a expansão e expressão de sentimentos, conforme afirma
Paulo Freire16, “Queremos uma pedagogia que, sem renunciar à exigência do rigor,
admita a espontaneidade, o sentimento, a emoção, e aceite, como ponto de partida, o
que eu chamaria de ‘o aqui e o agora’ perceptivo, histórico e social dos alunos”. O
resultado almejado é a emancipação do leitor/escritor, o desenvolvimento do raciocínio,
a concentração, a percepção sensorial, o pensamento reflexivo e o senso estético os
quais têm oportunidade de se tornarem uma base sólida na formação do educando.
Na proposta de ação elaborada, o primeiro contato dos alunos com a
metodologia adotada se dá quando o professor apresenta os conteúdos objetivos a serem
trabalhados o que, de acordo com Gasparin17, auxilia os educandos a assumirem uma
maior um comprometimento com o encaminhamento do processo pedagógico e seus
objetivos.
A metodologia de trabalho se dividiu em quatro momentos, com objetivos
ligados à questão social, à reflexão acerca da realidade objetiva que os alunos vivenciam
e ao conhecimento e sensibilização por meio da poesia com vistas à exploração da
expressão escrita, conforme descrito a seguir:
• conhecer as semelhanças entre poesia e música (letras de músicas), como formas
de expressão;
• reconhecer e utilizar diferentes formas de expressão escrita;
• refletir acerca da sociedade e da realidade socioeconômica vivenciada
diariamente;
• compreender a construção histórica de alguns conceitos sociais atuais;
• produzir e interpretar resultados de pesquisas bibliográficas e de campo;
• desenvolver e aprimorar formas de expressão oral em debates e apresentações
em seminários;
• debater sobre a exclusão social de etnia, cor, gênero, econômica e cultural.
• reconhecer as características de alguns poemas – rima, estrutura, métrica.
A primeira parte dos trabalhos compreendeu um bloco de quatro horas/aula, que
se iniciou com um conjunto de aulas expositivo-dialógicas, permeadas pelo debate 16 FREIRE, P & CAMPOS, M. O. Leitura da Palavra... leitura do mundo. Rio de Janeiro: O Correio da Unesco, vol. 19, n. 2, 1991.17 GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. São Paulo: Autores Associados, 2003.
14
provocado pela leitura da citação de Albert Einstein, que diz: “Época triste a nossa em
que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo”, do texto do Gênesis 1. 1-
26, da Bíblia Sagrada18, do poema “Significado”, de Helena Kolody19. do Artigo I da
Declaração Universal dos Direitos Humanos20 e do trecho da Lei nº 7.716/89, com a
Redação dada pela Lei nº 9.45921 que versa:
“ Art 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 20º Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena: reclusão de um a três anos e multa.”
Foi encaminhada uma reflexão acerca daquilo que é ponto comum e o que é
específico na temática abordada nesses textos, com a abertura de espaço de debate entre
o grupo para a troca de idéias e impressões.
Foram escolhidos, entre o grupo, alguns alunos relatores, para acompanhar todo
o processo e fazer o registro escrito de todos os momentos do projeto, até a avaliação.
A citação de Ítalo Moriconi22 aborda a fusão conceitual entre poesia e canção,
conforme pode-se observar:
“Na verdade, a indistinção e até certo ponto a fusão conceitual entre poesia e canção tem uma longa historia em nossa cultura literária. Foi exatamente nesse ponto de confluência que começou a tradição poética na língua portuguesa. As medievais cantigas de amor e de amigo, que inauguraram a poesia sentimental lusa, eram letras de composições musicais, como seus nomes bem indicam – cantigas. Pois suas melodias perderam-se no tempo e as letras sobreviveram, viraram literatura pura, literatura de livro. Literatura é texto que se guarda.”
Este é o ponto de partida para atividades com as duas linguagens, tendo como
objeto de mobilização inicial a letra da música Todo Camburão Tem um Pouco de
Navio Negreiro23, de Marcelo Yuka, do grupo musical O Rappa. O trabalho é conduzido 18 Gen 1. 1-26, Bíblia Sagrada.19 Poema “Significado” em Kolody, Helena. Sinfonia da vida. Paraná. Org.Tereza Hatue de Rezende: Pólo Editorial do Paraná, 1997.20 Artigo I da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948.21 Lei Nº 7.716/89 Redação dada pela Lei Nº 9.459, de 15/05/97).22 MORICONI, Ítalo. Como e por que Ler: Poesia Brasileira do Século XX. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.23 Música “Todo Camburão Tem Um Pouco de Navio Negreiro”, de Marcelo Yuka do grupo musical O Rappa.
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para a reflexão sobre a existência da discriminação racial no Brasil e no mundo. Esse foi
um momento determinante para o projeto, pois ligar o conteúdo à realidade diária do
grupo faz-se fundamental para a mobilização inicial, que dita o envolvimento dos
educandos e seu compromisso com a proposta de trabalho, conforme afirma
Vasconcellos24:“Conhecer a realidade dos educandos implica
em fazer um mapeamento, um levantamento das
representações do conhecimento dos alunos sobre o
tema de estudo. A mobilização é o momento de solicitar
a visão/concepção que os alunos têm a respeito do
objeto (senso comum, 'síncrese')” 25
A música é apresentada em CD e, após as considerações do grupo, se apresenta a
poesia Navio Negreiro, de Castro Alves, para que se faça um paralelo entre as duas,
observando as semelhanças de tema, o contexto histórico em que cada uma foi escrita,
as transformações sociais que ocorreram no período histórico entre uma e outra
composição e o que ainda perdura daquela realidade da colonização do Brasil.
Os alunos respondem a algumas questões escritas de cunho reflexivo a respeito
da escravidão, dos aparelhos de repressão, da reprodução de modelos antigos na
sociedade atual e da relação entre os textos apresentados com a sua realidade
quotidiana.
Os alunos destacaram o caso dos brasileiros que foram barrados na Espanha,
durante a discussão, já que esta era uma notícia recente. Foi interessante ver como se
desenvolveu um discurso contra a xenofobia, um tema sobre o qual eles disseram nunca
ter refletido antes. Outros alunos aprofundaram o tema relatando que as leis que
envolvem direitos humanos não são muito conhecidas pelas pessoas mais humildes e
nem respeitadas por todos, sendo que algumas delas só estão no papel ou beneficiam os
poderosos. Todos pareceram concordar.
Uma aluna comentou o casamento de uma moça branca e rica com um rapaz
negro e morador de favela, que apareceu em uma novela e que foi tratado como sendo
polêmico. Para ela o fato do casamento de pessoas de etnias diferentes não é algo nada
assustador, mas afirmou que julgava fantasioso demais o jeito que a mídia aborda este
24VASCONCELlOS, Celso dos S. Construção do Conhecimento em Sala de Aula. São Paulo: Libertad, 1993.25 VASCONCELlOS, Celso dos S. Construção do Conhecimento em Sala de Aula. São Paulo: Libertad, 1993.
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tema. Parece que esta opinião foi consensual, pois a maioria dos alunos concordou ou
com gestos ou com palavras afirmativas.
Em seguida, os alunos foram fazer uma pesquisa individual em jornais, revistas,
livros; para colher histórias, depoimentos com seus pais, avós, vizinhos, amigos sobre
os assuntos: discriminação étnica, violência policial, desigualdade social. Eles
produziram textos que expressaram as suas conclusões sobre o assunto.
Neste ponto foram formados grupos de três ou quatro participantes, para que
elaborassem um trabalho a ser apresentado oralmente para o grande grupo, com cartazes
ilustrados com imagens, poesias, letras de músicas, desenhos e/ou colagens a serem
expostos posteriormente para todo o Colégio. Todo o trabalho de preparação do
seminário e da exposição foi acompanhado pelo professor, que auxiliou na
sistematização e montagem das falas e dos cartazes para que a ortografia, a questão
visual e a informação fossem observadas. A pesquisa proposta, na qual foram
levantados poemas já conhecidos por eles, suas famílias, pessoas da comunidade, em
livros e na Internet, teve a socialização dos resultados em um momento de apresentação
e debate no grande grupo. A avaliação se deu pela observação constante e anotações no
decorrer das apresentações dos resultados. Nessa fase deve ocorrer a apreensão “dos
instrumentos teóricos e práticos necessários ao equacionamento dos problemas
detectados na prática social”, conforme Saviani26
Em virtude disso, os educandos, com auxílio e orientação do professor,
apropriam-se do conhecimento socialmente produzido e sistematizado para enfrentar e
responder aos problemas levantados.
A avaliação27 adotada é processual, diagnóstica e cumulativa, observando o
desenvolvimento individual de cada aluno, com base na participação nos debates, nas
respostas das atividades escritas propostas, na pesquisa realizada, na apresentação oral e
escrita do seminário.
SEGUNDO MOMENTO:
No segundo momento, com duração de três horas/aula, foi retomado o trabalho
comparativo entre a música Todo Camburão tem um Pouco de Navio Negreiro e o
poema O Navio Negreiro28, de Castro Alves. A gravação de Caetano Veloso e Maria
26 SAVIANI, Dermeval. Escola e Democracia. Campinas: Autores Associados, 1999. 27 Mais informações a respeito em: LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem Escolar: estudos e proposições. São Paulo: SP: Cortez, 2003.28 Poema “O Navio Negreiro” in ALVES, Castro in: Espumas flutuantes, 1870.
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Betânia, na qual esse poema em ritmo de Rap29, foi apresentada à turma e se recuperou
tal paralelo traçado anteriormente.
O professor fez uma exposição reforçando as condições precárias de transporte
dos escravos, levantadas nas pesquisas dos alunos e citadas no trecho do Navio
Negreiro que foi musicado, a crítica a um comportamento social negativo por parte das
autoridades policiais, da imprensa e da omissão das pessoas apresentados na música
Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro, d`O Rappa, relacionando os
múltiplos significados assumidos pela palavra “camburão”, a partir da sua comparação
com um navio negreiro.
Iniciou-se nesse momento um espaço para a troca de idéias e impressões dos
alunos sobre o tema e seus conhecimentos anteriores sobre a escravidão em geral. Em
seguida, abriu-se a discussão sobre a poesia e a música, na qual houve uma participação
maior do professor, explicando e lembrando aos alunos que a poesia tem sua origem nas
cantigas trovadorescas, cujas melodias se perderam, ficando apenas o texto literário.
Essa discussão se justifica evidentemente pela proposta de atividade que virá em
seguida.
Foram respondidas algumas questões propostas pelo professor que, além de
abordar a questão da escravidão, fazem refletir sobre figuras de linguagem e sobre como
é possível escrever acerca de algo que se conhece na teoria, mesmo sem nunca ter
vivenciado tal realidade.
A avaliação diagnóstica e cumulativa foi mantida, com base no desenvolvimento
individual de cada aluno, a partir do observado nas aulas anteriores, da sua participação
nos debates e das respostas dadas nas atividades escritas propostas.
TERCEIRO MOMENTO:
O professor conduziu uma discussão a respeito da discriminação racial, abrindo
espaço para o debate entre os alunos, mediando os conflitos e aprofundando o tema ao
ampliar a discussão para outros problemas sociais como as diferenças de classe social, o
trabalho infantil, a prostituição infantil e a adulta, a corrupção em todas as esferas
públicas e em empresas privadas, a falta de policiamento adequado, a falta de um
atendimento digno de saúde pública e a mortalidade infantil, para abordar a atualidade
dos versos de Navio Negreiro30 de Castro Alves.
29 CD Livro (1998), de Caetano Veloso.30 Poema “O Navio Negreiro” in ALVES, Castro in: Espumas flutuantes, 1870.
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No debate, os alunos levantaram questões como o fato de o preconceito ter
diferentes faces, de não estar atrelado apenas à etnia. Um aluno afirmou que, na verdade
“o preconceito é muito mais social”, referindo-se ao fato de que a discriminação não
está relacionada somente à etnia, mas à classe social de quem discrimina e de quem
sofre a discriminação, principalmente no que diz respeito à justiça
Uma aluna afirmou que “O governo é negligente”, no tocante à falta de acesso à
saúde, à educação, à moradia digna, ao emprego e ao lazer que a maioria das pessoas
enfrenta.
O debate se tornou extremamente polêmico quando uma aluna levantou a
discussão que diz respeito às relações homossexuais, que estão cada vez mais em
evidência na mídia. Nesse caso, os alunos demonstraram um profundo preconceito com
opiniões que parecem não entender a condição humana dessas pessoas, negando,
portanto, seus direitos, como se essa postura fosse realmente a mais acertada. Direitos
como ao casamento homossexual, à adoção de uma criança e até mesmo à herança
foram discutidos de forma bem acalorada. Contudo, por se tratar realmente de um tema
polêmico na sociedade e na mídia, houve uma provocação do professor para que os
alunos apresentarem esse tema em seus trabalhos .
Em seguida, um aluno levantou a questão da mulher que também é discriminada
socialmente, mesmo que venha conquistando o seu espaço no mundo a cada dia. A
violência doméstica, a discriminação de gênero no mercado de trabalho, a falta de vagas
em creches, foram tópicos abordados e eles concluíram que ainda há muito o que fazer
para garantir a igualdade de oportunidades para as pessoas.
Então, o professor apresentou o poema O Bicho31, de Manuel Bandeira, e fez
com que se debatesse o seu tema, buscando aproximações entre uma e outra obra
apresentadas. Foram realizadas atividades escritas de interpretação e produção de texto,
ilustração e reflexão com base nas discussões e no poema.
Na seqüência, o tema poesia foi retomado, como forma de expressão artística,
analisando figuras de linguagem, estrutura, métrica e rimas utilizadas pelos poetas.
Foi proposta uma reflexão sobre a poesia, com base no poema Autopsicografia32,
de Fernando Pessoa, e em Os Poemas33, de Mário Quintana. Seguiu-se a proposta de
31BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 198032Poema Autopsicografia, encontrado em PESSOA, Fernando. Os melhores poemas de Fernando pessoa, seleção de Tereza Rita Lopes. São Paulo :Global, 1985.33Os poemas, poesia encontrada no livro QUINTANA, Mário. Esconderijos do tempo. Porto Alegre: L&PM,1980.
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uma atividade de pesquisa sobre poesia, em grupos de quatro ou cinco alunos, em que a
idéia é tentar lembrar-se de alguma poesia, perguntar a alguém próximo sobre alguma,
ou encontrar uma nos livros da biblioteca do colégio, registrando-a em folhas de papel
sulfite para apresentar em uma leitura em sala de aula.
QUARTO MOMENTO:
Neste último bloco de atividades, com previsão para a duração de quatro
horas/aula, o professor retomou as aulas anteriores, comentando a peculiaridade da
poesia em seu modo especial de exprimir as coisas, os sentimentos, as emoções,
definindo-a como linguagem viva, com símbolos abstratos criados por quem escreve.
Na seqüência, abordou diferentes tipos de composições em poesia, enfatizando o
soneto34 e o haikai35, solicitando aos alunos que participem interativamente, colocando
suas opiniões e impressões. Então, foi proposta uma pesquisa individual sobre o soneto
e o haikai, levantando as características que diferenciam esses dois tipos de poema entre
si e alguns exemplos de cada um para que os alunos possam refletir a respeito da
miríade de variações possíveis para expressão por meio da composição escrita.
Foi montado um debate onde todos apresentaram os resultados de suas
pesquisas, fizeram leitura dos exemplos que coletaram, discutiram as diferenças entre os
dois tipos de poesia e comentaram suas impressões.
As músicas A Novidade36, de Gilberto Gil e Comida37, de Arnaldo Antunes,
Marcelo Fromer e Sérgio Brito, foram apresentadas: primeiro em letra impressa, depois
em CD. Com base na letra das músicas, se encaminhou a discussão a respeito das
relações sociais nelas abordadas, a diferença de objetos de desejo das diferentes classes
sociais e o direito à cidadania.
Os alunos foram conduzidos à discussão sobre as necessidades e os direitos do
ser humano, colocando suas opiniões, sua visão da realidade e seus anseios. Um dos
pontos levantados por eles no decorrer da discussão foi o desconhecimento das leis
pelas camadas mais pobres da sociedade e o conseqüente favorecimento da classe mais
abastadas. Ainda levantaram a necessidade de uma educação de qualidade ofertada a
todos, para que o abismo que separa economicamente as pessoas não seja reproduzido
34Para tanto, o planejamento prevê a utilização do Soneto Conclusão, em Andrade, Carlos Drummond. O melhor da poesia brasileira. Rio de janeiro: José Olimpio:200535O exemplo utilizado no planejamento é Haikai, encontrado em Leminski, Paulo. Melhores poemas de Paulo Leminski, seleção Fred Góes, Álvaro Martins. São Paulo: Gaia, 2006.36A Novidade, música de Gilberto Gil37Comida, música de Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito
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no campo do conhecimento, já que a ignorância da maioria faz com que as injustiças
sociais sejam ainda mais cruéis.
A seguir foi apresentada outra forma de escrever poesia, o acróstico. O professor
apresentou essa composição e alguns exemplos. Então, os alunos criaram acrósticos em
oficina de poesia. A escolha do acróstico possibilita a prática da produção escrita, de
forma simples, lúdica e criativa, uma vez que delimita bem o espaço de composição a
partir das letras que compõem a palavra geradora – que por ter sido escolhida a partir de
uma reflexão social pessoal, possibilita a externalização dos conceitos do meio em que
vive sob aspectos culturais, de gênero e classe, elaborados e reelaborados no decorrer de
toda a proposta.
Essa atividade serviu como fechamento dos trabalhos. Foi o momento de
reflexão acerca de toda a caminhada, da avaliação pessoal de cada um sobre o processo,
o seu desenvolvimento individual e o do grupo, dos trabalhos propostos, dos
conhecimentos e da metodologia adotada.
A avaliação final se mantave nos mesmos moldes, diagnóstica e cumulativa,
observando o desenvolvimento individual de cada aluno, a partir das aulas anteriores,
com base na participação nos debates, nas respostas das atividades escritas
desenvolvidas e na pesquisa proposta, bem como na apresentação de seu resultado para
o grande grupo.
A partir dessa experiência prática, busca-se possibilitar ao aluno compreender e
analisar a linguagem poética para desenvolver a criação de suas poesias, percebendo a
importância dos escritores consagrados na formação de leitores/escritores, ou seja, na
sua própria formação, além promover momentos de lazer por meio da leitura, da escrita
da audição e da declamação de textos poéticos. Contudo, procurando ofertar ao aluno a
oportunidade de perceber melhor sua realidade social a partir da sua sala de aula, de seu
colégio, de seu bairro e através de suas habilidades de leitor/escritor criticar, sugerir e
até interferir ativamente nas possíveis mudanças.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O FINAL DO PERCURSO, A DESCOBERTA
DE QUE O CAMINHO ESTÁ COMEÇANDO
Qualquer trabalho em educação exige muito esforço para seu
desenvolvimento, pois romper com os paradigmas, limites e práticas cristalizadas
depende de uma abertura para o desacomodar-se. O princípio de qualquer inovação vem
21
do impulso para livrar-se dos hábitos enraizados e recriar a prática docente com base em
impressões pessoais sobre a realidade, leituras acumuladas durante a trajetória de
formação, pesquisas e conclusões tiradas no cotidiano da escola.
O desafio de tentar mudar o aparentemente imutável, o que já está
estabelecido historicamente como verdade absoluta, é um nadar contra a correnteza de
rio caudaloso.
O trabalho com texto poético e a música é muito desvalorizado na sociedade
capitalista em que a lógica que impera é tão egoísta, objetiva, prática e calculista. Nessa
realidade não há espaço para o coletivo, para o respeito ao próximo, para a cidadania,
para o sentimento. Contudo, é justamente dentro desse contexto que se tornam
imprescindíveis trabalhos que mobilizem os sentimentos dos jovens, que canalizem essa
energia positiva, humanizado mais o espaço escolar. A arte tem esse poder. Foi o que se
pode constatar na implementação desse projeto.
Os resultados dos trabalhos dos alunos superaram as expectativas. Foi
gratificante. Os jovens demonstraram muito compromisso com as atividades propostas e
principalmente com a realidade social na qual estão inseridos, mostrando um profundo
conhecimento dos problemas de sua escola, de seu bairro e do seu país – a
conscientização é o primeiro passo para a tomada de atitude. Na ampla maioria das
vezes, basta o momento de reflexão para que as experiências venham à tona, para que se
sintetize uma leitura da realidade. Foi o que ocorreu, confirmando a colocação de
Gasparin:“Na Catarse o educando é capaz de situar
e entender as questões sociais postas no início e
trabalhadas nas demais fases, ressituando o conteúdo
em uma nova totalidade social e dando à aprendizagem
um novo sentido. Percebe, então, que não aprendeu
apenas um conteúdo, mas algo que tem significado e
utilidade para a sua vida, algo que lhe exige o
compromisso de atuar na transformação social. O
conteúdo tem agora para ele uma significação:
constitui-se um novo instrumento de trabalho, de luta,
de construção da realidade pessoal e social.”38
38 GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica. São Paulo: Autores Associados, 2003.
22
Os alunos se mostraram seduzidos pela proposta de trabalho, pela
consideração ao seu conhecimento prévio, e conseguiram, no geral, atingir um patamar
diferenciado em seu discurso argumentativo. Partindo do conhecido, ficou mais simples
encontrar respostas para as aflições, compreender as complexidades sociais do meio que
os circunda e superar o senso comum com a mediação do conhecimento científico. Isso
posto, a implementação dessa proposta confirma Saviani, quando fala “da apropriação
pelas camadas populares das ferramentas culturais necessárias à luta que travam
diuturnamente para se libertar das condições de exploração em que vivem” Houve um
acordar para estabelecer a relação entre o mundo e o contexto escolar, entre suas
posturas individuais e coletivas como afirmação ou negação da realidade e sua
conseqüente manutenção ou transformação.
A criatividade se demonstrou na medida em que foi possibilitado o uso de
diferentes canais de expressão. A segurança do discurso aumentou na proporção do
respeito que se dava às falas, aos posicionamentos.
Essa evolução ocorrida durante o processo de aplicação desse projeto
confirma a expectativa relativa ao potencial de compreensão e elaboração de cada
educando nos momentos de debates e na produção escrita. Essa descoberta de cada um
sobre si mesmo e seu grupo, fez com que a autoconfiança fosse a base da superação.
Ao ver-se valorizado e respeitado, cada um ampliou sua perspectiva de
análise para além dos modelos impostos pela sociedade como únicos, compreenderam e
passaram a dar ouvidos à palavra do colega. Parecem ter avançado na valorização da
cultura popular e é nesse sentido que se pode notar, já nas relações interpessoais de sala
de aula, uma nova postura de convivência e valorização dos pares, os alunos têm
demonstrado uma nova postura ante às diferenças, o que se relaciona com o objetivo de
transformação da prática social enunciado por Gasparin:
“Prática social – explicita em que consiste
o novo agir do educando, seu retorno à prática inicial,
prática essa vista agora sob uma nova perspectiva, uma
vez que passou pelo estudo teórico, implicando então
uma nova forma de ação, unindo teoria e prática. São
mostradas, ainda as intenções e os compromissos
sociais do aluno por ter aprendido o novo conteúdo.”39
39 GASPARIN, João Luiz. Ibid.
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Não se trata de uma revolução, apenas a confirmação de que a vontade pode
ser o ponto de partida para a transformação. Não é o fim do caminho, apenas um passo
de uma longa caminhada em busca de aprimoramento do ensino da Língua Portuguesa.