POESIA INFANTIL BRASILEIRA DE BILAC AOS DIAS ATUAIS.

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POESIA INFANTIL BRASILEIRA

DE BILAC AOS DIAS ATUAIS

Visão tradicional

• Pequena• Pobreza literária • Moralizadora• Cívica• Piegas

A poesia exemplar

Olavo Bilac• Pioneiro e um dos principais expoentes da Poesia

Infantil brasileira• Autor de Poesias Infantis (1904)• Dezenas de vezes reeditado até os anos 50/60• Estética parnasiana: rigor formal, rimas ricas,

abundância de recursos lingüísticos a serviço da musicalidade do poema

Orientação didática

• Patriotismo• Exaltação da natureza e da terra natal• Intuitos cívicos; orientação pedagógica;

moralismo ideológico

Características que levaram à adoção da obra por escolas.

O trabalho

Tal como a chuva caídaFecunda a terra, no estio, Para fecundar a vidaO trabalho se inventou.Feliz quem pode, orgulhoso,Dizer: “Nunca fui vadio:E, se hoje sou venturoso, Devo ao trabalho o que sou!”

É preciso, desde a infância, Ir preparando o futuro;Para chegar à abundância,É preciso trabalhar.Não nasce a planta perfeita,Não nasce o fruto maduro;E, para ter a colheita, É preciso semear...

Hino à Bandeira Nacional

Salve lindo pendão da esperança,Salve símbolo augusto da paz.Tua nobre presença à lembrançaA grandeza da Pátria nos traz.

Recebe o afeto que se encerraEm nosso peito juvenil.Querido símbolo da terra, Da amada terra do Brasil.

Francisca Júlia

• Paulista nascida em 1871 • Uma das figuras mais respeitadas na divulgação

da cultura e literatura entre o público infantil• Publicou Alma infantil (1912), coletânea de

recitativos, monólogos, diálogos, hinos• Livro adotado nas escolas por seguidos anos

• Exercia um parnasianismo exemplar• Da mesma forma como Bilac, o rigorismo formal

acaba sendo dissonante em relação ao gosto infantil.

Entre a “velha” e a “nova”

Entre a poesia infantil tradicional e a contemporânea, há uma diferença básica de intencionalidade: a primeira pretendia levar o seu destinatário a aprender algo para ser imitado depois; a segunda pretende levá-lo a descobrir algo à sua volta e a experimentar novas vivências que, ludicamente, se incorporarão em seu comportamento moral/existencial.

Nelly Novaes Coelho

Transição

• Muito do que se produziu após Bilac atendeu a objetivos determinados adequação dos textos aos intuitos didáticos.

• A primeira geração modernista traz, na intenção de ruptura, o apelo à sonoridade e a exploração do ritmo.

• Aspectos lúdicos tornam-se presentes na poesia infantil.

Trem de ferro Manuel Bandeira

Café com pãoCafé com pãoCafé com pãoVirge Maria que foi isto maquinista? Agora simCafé com pãoAgora sim Voa, fumaçaetc., etc.

• Realidade familiar e básica (alimento)• Situação gratificante (viagem)• Onomatopéia (jogo)• Verso curto (frases nominais) servindo ao

próprio ritmo• Diálogo que se estabelece entre o poeta e o

leitor (afetividade)

Outro exemplo é a experiência concretista de Manuel Bandeira: A Onda

a onda andaaonde anda

a onda?a onda ainda ainda ondaainda anda

aonde?aonde?a onda a onda

Visão contemporânea

• Qualidades literárias• Evidência sonora: ritmo melódico; jogos de palavras,

trocadilhos; aliterações, assonâncias, anáforas; métrica; rima• Importância do significante: palavra, forma, paralelismo sintático• Presença do lúdico• Liberdade criativa• Importância do tema e sua abordagem

Henriqueta Lisboa

O menino poeta (1943)- infância sob o olhar adulto (típico dos anos 40)- Resultado de uma visão de mundo madura- Apesar da intenção lúdica, persiste a orientação

didática.

Tico-tico

Tico-tico no fareloSinhá tem pena. Tico-tico troca as letrasSinhá tem pena.

Tico-tico não aprendeSinhá tem pena. Tico-tico analfabetoSinhá tem pena.

Por herança de Bilac...

• Grandes nomes da Literatura brasileira incluíram, em suas obras, poemas dirigidos ao público infantil.

• É o caso de Vinicius de Moraes (A arca de Noé), Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo) e Mário Quintana (Pé de pilão) – todos da geração de 30.

José Paulo Paes

• É isso ali (1984)• Olha o bicho (1989)• Poemas para brincar (1990)• Lé com Cré (1993)• Um passarinho me contou (1997)

Ferreira Gullar

• Um gato chamado Gatinho (2000)

Manoel de BarrosUm dos mais importantes nomes da poesia

nacional da atualidade; escreveu para crianças: O fazedor de amanhecer (2001)

A profissionalização do gênero

• SÉRGIO CAPARELLIBoi da cara preta (1983)33 ciberpoemas e uma fábula virtual (1996)• ROSEANA MURRAYClassificados poéticos (1984)Receita de olhar (1998)• ELIAS JOSÉUm rei e seu cavalo de pau (1986)Lua no brejo (1987)

A descoberta da Poesia infantil

• Observa-se que a grande concentração das obras do gênero foi publicada nos últimos vinte anos.

• Tal período concentra mais da metade de toda a produção poética dirigida ao público infantil no Brasil.

Temas de análise na Literatura infantil

O TIPO DE INDIVÍDUO QUE PREDOMINA NOS POEMAS INFANTIS

• A própria criança protagoniza os versos, como se vê em: Cantiga de Neném, de Henriqueta Lisboa: vai dormir / sob a carícia da lua / neste bercinho de nuvens.

• Embora protagonizada pela criança, a apresentação é feita em 3ª pessoa (já que o ponto de vista pertence ao adulto).

A própria Henriqueta Lisboa foge à regra em Consciência, poema em que uma narradora fala de si em 1ª pessoa:

Hoje completei sete anos

.........................................

Fazer pecado é feio.

Não quero fazer pecado, juro.

Mas se eu quiser, eu faço.

A PRESENÇA RARA DO ADULTO; ESTÁ REPRESENTADO, SOBRETUDO, PELOS

MAIS VELHOS

é o caso de As duas velhinhas, Mariana e Marina, em Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles).

• Em Manuel de Barros, quando dedica um poema ao avô, a presença do idoso é pautada pelo isolamento.

• A solidão é vista pelo prisma melancólico, mas compensada pela companhia dos seres da natureza e pela noção de grandeza.

Meu avô dava grandeza ao abandono.Era com ele que vinham os ventos conversar........................................................................Tenho certeza que o meu avô enriqueciaA palavra abandono.Ele ampliava a solidão dessa palavra.

PRESENÇA DE ANIMAIS NOS LIVROS INFANTIS

• Responde a vários intuitos: - sintetizar o mundo interior da criança;- substituí-la;- alegorizar virtudes e comportamentos dos

homens (tal qual se fez nas fábulas)

PRESENTES TAMBÉM NOS VERSOS, OS ANIMAIS REPRESENTAM: Aproximação leitor/tema (daí a predominância de animais domésticos);Valorização do lúdico (animais com peculiaridades físicas)

• Os patos, nessa escolha, exercem papel preponderante, por dois fatores:

- um precursor ilustre, tirado do conto de Andersen- palavra facilmente assimilável no português

Alegria(Sidônio Muralha in A televisão da bicharada, 1962)

O patinho amarelosaiu do ovode manhã cedinho.

• Vale-se da aproximação com a oralidade, por meio de:

- versos de no máximo cinco sílabas;- emprego da rima;- uso dos diminutivos

Pé de pilão(Mário Quintana, 1968)

• Pato herói da narrativa• A história traz vários elementos dos contos de

fadas• No começo, o pato quer ser fotografado de

sapato novo• Ao final, revela-se sua verdadeira identidade: é

o menino Matias que, enfeitiçado por uma bruxa malvada, fora transformado no bicho.

• Tem o feitiço desencantado por Nossa Senhora, voltando a ser menino

• O destaque do poema fica por conta da observação de situações insólitas fatos extraídos do cotidiano são enriquecidos por situações envolvendo animais personificados

• Exemplos: um pato tira retrato com sapatos novos; o “passarinho” da câmera fotográfica foge para fora da máquina e provoca uma briga que leva o caso à polícia.

• A forma poética elege o dístico, cujos versos estão em redondilha maior e rimados entre si

• O acento final recai sobre as paroxítonas e oxítonas daí se obtém a fácil dicção do poema e confere dinamismo ao relato.

O pato ganhou sapatofoi logo tirar retrato.

O macaco retratistaera mesmo um grande artista .

O menino poeta(Henriqueta Lisboa, 1943)

• Os versos, ao falar dos patos, e usando sílabas longas e sons nasais, obtêm o efeito de reproduzir o vôo dos patos pelo céu ou seu deslizar suave pela superfície da água.

Chegam de manso, de manso,finos pescoços esticam,deslizando, deslizando, ferem o espaço com o bico,deslizandona superfície do vidro.

Boi da cara preta(Sérgio Capparelli, 1983)

• Faz uso de uma riqueza sonora, aproveitando seus efeitos ao dinamismo do relato (à maneira de Quintana)

• A imagem insólita que se concebe e o cômico da situação (onde se misturam o cotidiano e o imaginário infantil) levam à ênfase do lúdico.

A patotado patoquis fazerde patoo ganso.

O gansoque era mancomas patetanão eradeu no péde bicicleta.

Riqueza estética

Destaque-se a variedade e riqueza de efeitos obtidos por meio de distintos recursos lingüísticos, a partir de um único motivo.

Temas abstratos

• A tradução de temas abstratos, de cunho filosófico, em imagens que possibilitam ou dão pistas à compreensão é recurso alcançado com maestria por alguns poetas brasileiros que se arriscam a fazê-lo.

O tempo é um fio(Henriqueta Lisboa in O menino poeta, 1943)

O tempo é um fioTecei! Tecei!Rendas de bilro com gentileza.

Com mais empenho,franças espessas.malhas e redescom mais astúcia.

• A imagem da teia e do tecido usada para aconselhar o leitor a tirar melhor proveito da existência.

A efemeridade da vida

• Em Cecília Meireles, a imagem de um vestido de Laura traduz a idéia da mudança permanente dos seres.

• Toda a beleza do tecido, o bordado multicor que brilha aos nossos olhos, a esses mesmos olhos facilmente se esvai...“se não formos depressa.”

O vestido acaba-se rapidamente, da mesma forma que tudo na vida é passageiro.

A morte

• Em “Uma flor quebrada” (Cecília Meireles in Ou isto ou aquilo, 1964), quatro estrofes tratam da “flor amarela”, que resulta do trabalho penoso da raiz, “escrava” e “descabelada negrinha”.

• Bela, a flor é pedida em casamento pelo vento, que de amor sopra tão forte a ponto de destruí-la.

Era um vento tão forteque em vez de amor trouxe morteà airosa flor tão leve.

Por meio de uma imagem, aborda-se a fragilidade de nossa existência perante o caminho natural da morte.

Recursos sonoros

• Em “As abelhas” (Vinicius de Moraes in A arca de Noé, 1974), o recurso da repetição de vogais, alongando a sílaba em caráter recitatório coletivo, reproduz-se a vida social das abelhas.

• A escolha de palavras começadas pela consoante fricativa dental sonora “z” não é aleatória e também visa a reproduzir a sonoridade das abelhas.

Raridade(José Paulo Paes in Olha o bicho, 1989)

A araraé uma ave rarapois o homem não párade ir ao mato caçá-lapara a pôr na salaem cima de um poleiroonde ela fica o dia inteirofazendo escarcéuporque já não pode voar pelo céu.

E se o homem não párade caçar arara,hoje uma ave rara,ou a arara someou então muda seu nomepara arrara.

Colar de Carolina(Cecília Meireles in Ou isto ou aquilo, 1964)

• Tem-se aliteração na repetição da consoante oclusiva velar surda “k”.

O colar de Carolina

colore o colo de cal

torna corada a menina.

• A mesma autora, em Moda da menina trombuda (id.) recorre à consoante oclusiva bilabial sonora “m”.

É a moda

da menina muda

que muda

de modos

e já não é trombuda.

A rima acaba por multiplicar as possibilidades sonoras.

• Em A chácara do Chico Bolacha, obtém-se aliteração pela repetição da fricativa palatal surda “x”.

Dizem que a chácara do Chico

só tem mesmo chuchu

e um cachorrinho coxo

que se chama Caxambu.

• Em Procissão de Pelúcia, a autora recorre à aliteração pela repetição da oclusiva bilabial surda “p” e da fricativa alveolar surda “s”.

• A oclusiva bilabial supõe barreira à dicção, enquanto a fricativa (sibilante) facilita a passagem do ar.

Essa alternância oclusiva x sibilante confere musicalidade aos versos, que acabam por reproduzir o cicio e a solenidade da procissão.

À maneira de trava-língua

• O jogo sonoro, quando restrito às oclusivas, assume caráter de trava-língua.

• É o caso de Caixinha de música (Henriqueta Lisboa)Pipa pinga

pinto pia

chuva clara

como o dia

- de cristal.

Pintando o sete(Sérgio Capparelli in Boi da cara preta, 1983)

Um pinguço pega o pito

e pita debaixo da pita.

a pita, com muita pinta,

pinta uma dúzia de pintos,

com pingos pretos de tinta.

...........................................

- Pita pinto pinga pita

pia pintos pingos pingam

pia pia pinto pinto pinto

pinga pito pinto pinga

pingo pinga pinta pia .

O barbeiro e o babeiro (id.)

O barbeiro comprou um babeiro para a baba de seu filho: - Baba agora, bebê babão,de babeiro, babar é bom.

A aliteração obtida pela repetição da bilabial “b” soma-se à possibilidade cômica resultante da confusão de sentido das palavras.

Non sense

• Abrindo espaço à imaginação, permite ao autor estender ao máximo a criatividade.

• Propõe situações fantásticas ou inverossímeis, mas aceitáveis no sentido a que se prestam: divertir o leitor.

A casa(Vinicius de Moraes in A arca de Noé, 1974)

Era uma casa

Muito engraçada

Não tinha teto

Não tinha nada.

Guaraná com canudinho(Sérgio Capparelli)

“Uma vaca entrou num barE pediu um guaraná.” Ao potencializar a fantasia na direção do

absurdo, o poema torna-se surrealista e mágico. O inusitado também se manifesta em “O fazedor

de amanhecer”, de Manoel de Barros, onde um inventor cria engenhocas sem qualquer utilidade, entre elas a que utiliza o poeta.

O fazedor de amanhecer

Sou leso em tratagens com máquinas.Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis. Em toda a minha vida só engenhei 3 máquinasComo sejam:

Uma pequena manivela para pegar no sono.Um fazedor de amanhecerPara usamento de poetasE um platinado de mandioca para o fordeco de meu irmão.

Recriando o tradicional

• Intertextualidade• Procedimentos originais baseando-se no velho• Incorporação de conteúdos• Significação nova ao antigo

História embrulhada(Elias José in Lua no brejo, 1987)

Atirei o pauNo gato-tôMas acertei no péDo pato-tô.

Dona Chica-caAdmirou-se-seDo berrô, do berrôQue o pato deu.

Ouvindo de Dona Chica

A risada-da

O pato ficou pirado-dô

E atacou Dona Chica

De bicada-da.

Roda(José Paulo Paes in Um passarinho me contou, 1997)

• O autor incorpora à cantiga de roda “Ciranda cirandinha” aos seus versos.

• O resultado é original: o caráter inovador advém do sentido novo que se dá a vocábulos do texto antigo

• Introduz-se aí o aspecto surrealista: “ciranda” se desdobra em “ciro” que não anda e a “meia-volta” torna-se tanto a “meia” que pode furar, quanto a “volta sem meia ou sapato”.

• O autor tira proveito da ambigüidade das palavras da cantiga de roda mais popular do Brasil para, ao desmembrá-las, dar-lhes novas significações, a partir da multiplicação de possibilidades...

... BEM AO SABOR E BOM GOSTO DA ATUAL POESIA INFANTIL BRASILEIRA.