Post on 16-Apr-2015
POESIA INFANTIL BRASILEIRA
DE BILAC AOS DIAS ATUAIS
Visão tradicional
• Pequena• Pobreza literária • Moralizadora• Cívica• Piegas
A poesia exemplar
Olavo Bilac• Pioneiro e um dos principais expoentes da Poesia
Infantil brasileira• Autor de Poesias Infantis (1904)• Dezenas de vezes reeditado até os anos 50/60• Estética parnasiana: rigor formal, rimas ricas,
abundância de recursos lingüísticos a serviço da musicalidade do poema
Orientação didática
• Patriotismo• Exaltação da natureza e da terra natal• Intuitos cívicos; orientação pedagógica;
moralismo ideológico
Características que levaram à adoção da obra por escolas.
O trabalho
Tal como a chuva caídaFecunda a terra, no estio, Para fecundar a vidaO trabalho se inventou.Feliz quem pode, orgulhoso,Dizer: “Nunca fui vadio:E, se hoje sou venturoso, Devo ao trabalho o que sou!”
É preciso, desde a infância, Ir preparando o futuro;Para chegar à abundância,É preciso trabalhar.Não nasce a planta perfeita,Não nasce o fruto maduro;E, para ter a colheita, É preciso semear...
Hino à Bandeira Nacional
Salve lindo pendão da esperança,Salve símbolo augusto da paz.Tua nobre presença à lembrançaA grandeza da Pátria nos traz.
Recebe o afeto que se encerraEm nosso peito juvenil.Querido símbolo da terra, Da amada terra do Brasil.
Francisca Júlia
• Paulista nascida em 1871 • Uma das figuras mais respeitadas na divulgação
da cultura e literatura entre o público infantil• Publicou Alma infantil (1912), coletânea de
recitativos, monólogos, diálogos, hinos• Livro adotado nas escolas por seguidos anos
• Exercia um parnasianismo exemplar• Da mesma forma como Bilac, o rigorismo formal
acaba sendo dissonante em relação ao gosto infantil.
Entre a “velha” e a “nova”
Entre a poesia infantil tradicional e a contemporânea, há uma diferença básica de intencionalidade: a primeira pretendia levar o seu destinatário a aprender algo para ser imitado depois; a segunda pretende levá-lo a descobrir algo à sua volta e a experimentar novas vivências que, ludicamente, se incorporarão em seu comportamento moral/existencial.
Nelly Novaes Coelho
Transição
• Muito do que se produziu após Bilac atendeu a objetivos determinados adequação dos textos aos intuitos didáticos.
• A primeira geração modernista traz, na intenção de ruptura, o apelo à sonoridade e a exploração do ritmo.
• Aspectos lúdicos tornam-se presentes na poesia infantil.
Trem de ferro Manuel Bandeira
Café com pãoCafé com pãoCafé com pãoVirge Maria que foi isto maquinista? Agora simCafé com pãoAgora sim Voa, fumaçaetc., etc.
• Realidade familiar e básica (alimento)• Situação gratificante (viagem)• Onomatopéia (jogo)• Verso curto (frases nominais) servindo ao
próprio ritmo• Diálogo que se estabelece entre o poeta e o
leitor (afetividade)
Outro exemplo é a experiência concretista de Manuel Bandeira: A Onda
a onda andaaonde anda
a onda?a onda ainda ainda ondaainda anda
aonde?aonde?a onda a onda
Visão contemporânea
• Qualidades literárias• Evidência sonora: ritmo melódico; jogos de palavras,
trocadilhos; aliterações, assonâncias, anáforas; métrica; rima• Importância do significante: palavra, forma, paralelismo sintático• Presença do lúdico• Liberdade criativa• Importância do tema e sua abordagem
Henriqueta Lisboa
O menino poeta (1943)- infância sob o olhar adulto (típico dos anos 40)- Resultado de uma visão de mundo madura- Apesar da intenção lúdica, persiste a orientação
didática.
Tico-tico
Tico-tico no fareloSinhá tem pena. Tico-tico troca as letrasSinhá tem pena.
Tico-tico não aprendeSinhá tem pena. Tico-tico analfabetoSinhá tem pena.
Por herança de Bilac...
• Grandes nomes da Literatura brasileira incluíram, em suas obras, poemas dirigidos ao público infantil.
• É o caso de Vinicius de Moraes (A arca de Noé), Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo) e Mário Quintana (Pé de pilão) – todos da geração de 30.
José Paulo Paes
• É isso ali (1984)• Olha o bicho (1989)• Poemas para brincar (1990)• Lé com Cré (1993)• Um passarinho me contou (1997)
Ferreira Gullar
• Um gato chamado Gatinho (2000)
Manoel de BarrosUm dos mais importantes nomes da poesia
nacional da atualidade; escreveu para crianças: O fazedor de amanhecer (2001)
A profissionalização do gênero
• SÉRGIO CAPARELLIBoi da cara preta (1983)33 ciberpoemas e uma fábula virtual (1996)• ROSEANA MURRAYClassificados poéticos (1984)Receita de olhar (1998)• ELIAS JOSÉUm rei e seu cavalo de pau (1986)Lua no brejo (1987)
A descoberta da Poesia infantil
• Observa-se que a grande concentração das obras do gênero foi publicada nos últimos vinte anos.
• Tal período concentra mais da metade de toda a produção poética dirigida ao público infantil no Brasil.
Temas de análise na Literatura infantil
O TIPO DE INDIVÍDUO QUE PREDOMINA NOS POEMAS INFANTIS
• A própria criança protagoniza os versos, como se vê em: Cantiga de Neném, de Henriqueta Lisboa: vai dormir / sob a carícia da lua / neste bercinho de nuvens.
• Embora protagonizada pela criança, a apresentação é feita em 3ª pessoa (já que o ponto de vista pertence ao adulto).
A própria Henriqueta Lisboa foge à regra em Consciência, poema em que uma narradora fala de si em 1ª pessoa:
Hoje completei sete anos
.........................................
Fazer pecado é feio.
Não quero fazer pecado, juro.
Mas se eu quiser, eu faço.
A PRESENÇA RARA DO ADULTO; ESTÁ REPRESENTADO, SOBRETUDO, PELOS
MAIS VELHOS
é o caso de As duas velhinhas, Mariana e Marina, em Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles).
• Em Manuel de Barros, quando dedica um poema ao avô, a presença do idoso é pautada pelo isolamento.
• A solidão é vista pelo prisma melancólico, mas compensada pela companhia dos seres da natureza e pela noção de grandeza.
Meu avô dava grandeza ao abandono.Era com ele que vinham os ventos conversar........................................................................Tenho certeza que o meu avô enriqueciaA palavra abandono.Ele ampliava a solidão dessa palavra.
PRESENÇA DE ANIMAIS NOS LIVROS INFANTIS
• Responde a vários intuitos: - sintetizar o mundo interior da criança;- substituí-la;- alegorizar virtudes e comportamentos dos
homens (tal qual se fez nas fábulas)
PRESENTES TAMBÉM NOS VERSOS, OS ANIMAIS REPRESENTAM: Aproximação leitor/tema (daí a predominância de animais domésticos);Valorização do lúdico (animais com peculiaridades físicas)
• Os patos, nessa escolha, exercem papel preponderante, por dois fatores:
- um precursor ilustre, tirado do conto de Andersen- palavra facilmente assimilável no português
Alegria(Sidônio Muralha in A televisão da bicharada, 1962)
O patinho amarelosaiu do ovode manhã cedinho.
• Vale-se da aproximação com a oralidade, por meio de:
- versos de no máximo cinco sílabas;- emprego da rima;- uso dos diminutivos
Pé de pilão(Mário Quintana, 1968)
• Pato herói da narrativa• A história traz vários elementos dos contos de
fadas• No começo, o pato quer ser fotografado de
sapato novo• Ao final, revela-se sua verdadeira identidade: é
o menino Matias que, enfeitiçado por uma bruxa malvada, fora transformado no bicho.
• Tem o feitiço desencantado por Nossa Senhora, voltando a ser menino
• O destaque do poema fica por conta da observação de situações insólitas fatos extraídos do cotidiano são enriquecidos por situações envolvendo animais personificados
• Exemplos: um pato tira retrato com sapatos novos; o “passarinho” da câmera fotográfica foge para fora da máquina e provoca uma briga que leva o caso à polícia.
• A forma poética elege o dístico, cujos versos estão em redondilha maior e rimados entre si
• O acento final recai sobre as paroxítonas e oxítonas daí se obtém a fácil dicção do poema e confere dinamismo ao relato.
O pato ganhou sapatofoi logo tirar retrato.
O macaco retratistaera mesmo um grande artista .
O menino poeta(Henriqueta Lisboa, 1943)
• Os versos, ao falar dos patos, e usando sílabas longas e sons nasais, obtêm o efeito de reproduzir o vôo dos patos pelo céu ou seu deslizar suave pela superfície da água.
Chegam de manso, de manso,finos pescoços esticam,deslizando, deslizando, ferem o espaço com o bico,deslizandona superfície do vidro.
Boi da cara preta(Sérgio Capparelli, 1983)
• Faz uso de uma riqueza sonora, aproveitando seus efeitos ao dinamismo do relato (à maneira de Quintana)
• A imagem insólita que se concebe e o cômico da situação (onde se misturam o cotidiano e o imaginário infantil) levam à ênfase do lúdico.
A patotado patoquis fazerde patoo ganso.
O gansoque era mancomas patetanão eradeu no péde bicicleta.
Riqueza estética
Destaque-se a variedade e riqueza de efeitos obtidos por meio de distintos recursos lingüísticos, a partir de um único motivo.
Temas abstratos
• A tradução de temas abstratos, de cunho filosófico, em imagens que possibilitam ou dão pistas à compreensão é recurso alcançado com maestria por alguns poetas brasileiros que se arriscam a fazê-lo.
O tempo é um fio(Henriqueta Lisboa in O menino poeta, 1943)
O tempo é um fioTecei! Tecei!Rendas de bilro com gentileza.
Com mais empenho,franças espessas.malhas e redescom mais astúcia.
• A imagem da teia e do tecido usada para aconselhar o leitor a tirar melhor proveito da existência.
A efemeridade da vida
• Em Cecília Meireles, a imagem de um vestido de Laura traduz a idéia da mudança permanente dos seres.
• Toda a beleza do tecido, o bordado multicor que brilha aos nossos olhos, a esses mesmos olhos facilmente se esvai...“se não formos depressa.”
O vestido acaba-se rapidamente, da mesma forma que tudo na vida é passageiro.
A morte
• Em “Uma flor quebrada” (Cecília Meireles in Ou isto ou aquilo, 1964), quatro estrofes tratam da “flor amarela”, que resulta do trabalho penoso da raiz, “escrava” e “descabelada negrinha”.
• Bela, a flor é pedida em casamento pelo vento, que de amor sopra tão forte a ponto de destruí-la.
Era um vento tão forteque em vez de amor trouxe morteà airosa flor tão leve.
Por meio de uma imagem, aborda-se a fragilidade de nossa existência perante o caminho natural da morte.
Recursos sonoros
• Em “As abelhas” (Vinicius de Moraes in A arca de Noé, 1974), o recurso da repetição de vogais, alongando a sílaba em caráter recitatório coletivo, reproduz-se a vida social das abelhas.
• A escolha de palavras começadas pela consoante fricativa dental sonora “z” não é aleatória e também visa a reproduzir a sonoridade das abelhas.
Raridade(José Paulo Paes in Olha o bicho, 1989)
A araraé uma ave rarapois o homem não párade ir ao mato caçá-lapara a pôr na salaem cima de um poleiroonde ela fica o dia inteirofazendo escarcéuporque já não pode voar pelo céu.
E se o homem não párade caçar arara,hoje uma ave rara,ou a arara someou então muda seu nomepara arrara.
Colar de Carolina(Cecília Meireles in Ou isto ou aquilo, 1964)
• Tem-se aliteração na repetição da consoante oclusiva velar surda “k”.
O colar de Carolina
colore o colo de cal
torna corada a menina.
• A mesma autora, em Moda da menina trombuda (id.) recorre à consoante oclusiva bilabial sonora “m”.
É a moda
da menina muda
que muda
de modos
e já não é trombuda.
A rima acaba por multiplicar as possibilidades sonoras.
• Em A chácara do Chico Bolacha, obtém-se aliteração pela repetição da fricativa palatal surda “x”.
Dizem que a chácara do Chico
só tem mesmo chuchu
e um cachorrinho coxo
que se chama Caxambu.
• Em Procissão de Pelúcia, a autora recorre à aliteração pela repetição da oclusiva bilabial surda “p” e da fricativa alveolar surda “s”.
• A oclusiva bilabial supõe barreira à dicção, enquanto a fricativa (sibilante) facilita a passagem do ar.
Essa alternância oclusiva x sibilante confere musicalidade aos versos, que acabam por reproduzir o cicio e a solenidade da procissão.
À maneira de trava-língua
• O jogo sonoro, quando restrito às oclusivas, assume caráter de trava-língua.
• É o caso de Caixinha de música (Henriqueta Lisboa)Pipa pinga
pinto pia
chuva clara
como o dia
- de cristal.
Pintando o sete(Sérgio Capparelli in Boi da cara preta, 1983)
Um pinguço pega o pito
e pita debaixo da pita.
a pita, com muita pinta,
pinta uma dúzia de pintos,
com pingos pretos de tinta.
...........................................
- Pita pinto pinga pita
pia pintos pingos pingam
pia pia pinto pinto pinto
pinga pito pinto pinga
pingo pinga pinta pia .
O barbeiro e o babeiro (id.)
O barbeiro comprou um babeiro para a baba de seu filho: - Baba agora, bebê babão,de babeiro, babar é bom.
A aliteração obtida pela repetição da bilabial “b” soma-se à possibilidade cômica resultante da confusão de sentido das palavras.
Non sense
• Abrindo espaço à imaginação, permite ao autor estender ao máximo a criatividade.
• Propõe situações fantásticas ou inverossímeis, mas aceitáveis no sentido a que se prestam: divertir o leitor.
A casa(Vinicius de Moraes in A arca de Noé, 1974)
Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada.
Guaraná com canudinho(Sérgio Capparelli)
“Uma vaca entrou num barE pediu um guaraná.” Ao potencializar a fantasia na direção do
absurdo, o poema torna-se surrealista e mágico. O inusitado também se manifesta em “O fazedor
de amanhecer”, de Manoel de Barros, onde um inventor cria engenhocas sem qualquer utilidade, entre elas a que utiliza o poeta.
O fazedor de amanhecer
Sou leso em tratagens com máquinas.Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis. Em toda a minha vida só engenhei 3 máquinasComo sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.Um fazedor de amanhecerPara usamento de poetasE um platinado de mandioca para o fordeco de meu irmão.
Recriando o tradicional
• Intertextualidade• Procedimentos originais baseando-se no velho• Incorporação de conteúdos• Significação nova ao antigo
História embrulhada(Elias José in Lua no brejo, 1987)
Atirei o pauNo gato-tôMas acertei no péDo pato-tô.
Dona Chica-caAdmirou-se-seDo berrô, do berrôQue o pato deu.
Ouvindo de Dona Chica
A risada-da
O pato ficou pirado-dô
E atacou Dona Chica
De bicada-da.
Roda(José Paulo Paes in Um passarinho me contou, 1997)
• O autor incorpora à cantiga de roda “Ciranda cirandinha” aos seus versos.
• O resultado é original: o caráter inovador advém do sentido novo que se dá a vocábulos do texto antigo
• Introduz-se aí o aspecto surrealista: “ciranda” se desdobra em “ciro” que não anda e a “meia-volta” torna-se tanto a “meia” que pode furar, quanto a “volta sem meia ou sapato”.
• O autor tira proveito da ambigüidade das palavras da cantiga de roda mais popular do Brasil para, ao desmembrá-las, dar-lhes novas significações, a partir da multiplicação de possibilidades...
... BEM AO SABOR E BOM GOSTO DA ATUAL POESIA INFANTIL BRASILEIRA.