Pontapé inicial para o Modernismo brasileiro · No Brasil, tal descontentamento com o estilo...

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Pontapé inicial para o Modernismo brasileiro

• O pontapé inicial do Modernismo no Brasil foi a Semana de Arte Moderna de 1922, realizada em São Paulo, de 11 a 18 de fevereiro. Esse evento foi responsável por transformar o contexto artístico e cultural urbano, tanto no âmbito da literatura, quanto das artes plásticas, da arquitetura e da música. O principal objetivo do evento era a renovação, de maneira que fosse criada uma arte essencialmente brasileira, embora inspirada nas novas tendências europeias.

• O ápice do Modernismo se deu em um contexto repleto de agitações políticas, sociais, econômicas e culturais. Em meio a isso tudo, surgiram as vanguardas artísticas desprendidas da tradição, das regras e da disciplina. O evento, assim como as obras inovadoras, sofreu relutância por parte dos conservadores paulistas que dominavam o cenário brasileiro. Habituada aos modelos estéticos mais tradicionais, a elite sentiu sua sensibilidade artística afrontada.

• A nova geração intelectual brasileira sentiu a necessidade da transformação. Viram-se, então, em um momento no qual precisavam abandonar os antigos valores estéticos, ainda muito contemplados no país, para dar lugar a um novo estilo completamente diferente. No Brasil, tal descontentamento com o estilo anterior foi mais explorado na área literária, com maior ênfase na poesia.

• As correntes de vanguarda começavam a influenciar os artistas brasileiros. Entre eles, destacam-se: Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Na pintura, influenciada pelo cubismo, expressionismo e futurismo, destacou-se Anita Malfatti.

Projeto literário da primeira geração modernista

• O grupo da Semana “não formulou um código: formou uma consciência, um movimento libertador a integrar nosso pensamento e nossa arte na nossa paisagem e no nosso espírito dentro da autêntica brasilidade.” (Menotti del Picchia)

• Para divulgar as ideias que fervilhavam e aproveitar a agitação provocada pela Semana de Arte Moderna, novos meios de realizar a circulação dos textos: revistas e manifestos.

• Revistas: Klaxon (1922). Estética (1924), A Revista (1925), Terra Roxa e Outras Terras (1926), Verde (1927).

• A multiplicação das revistas mostra que a onda modernista ia aos poucos tomando conta do centro político e econômico do país, concentrando-se nas principais capitais da região Sudeste.

• O primeiro número de Klaxon trazia um edi- torial-manifesto que des- tacava seus objetivos: a busca do atual, o culto ao progresso, a incorpo- ração de novas formas artísticas e a afirmação de que a arte não é mera cópia da realidade.

• O apoio econômico e social da elite permitiu que as propostas de vanguarda continuassem a florescer, embora não contasse com o apoio do público.

• No Brasil, a aceitação da produção modernista demorou mais para se consolidar.

Manifestos: proposição de novos caminhos estéticos

• Manifesto pau-brasil (1924): “ver com olhos livres”, fazer uso da língua sem preconceitos e resgatar todas as manifestações culturais da elite ou do povo.

• Manifesto antropófago (1928): reação ao nacionalismo ufanista do grupo da anta.

http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf

Manifestos

• Pau-Brasil: defendia a criação de uma poesia primitivista, construída com base na revisão crítica de nosso passado histórico e cultural e na aceitação e valorização das riquezas e contrastes da realidade e da cultura brasileiras.

• Antropofagia: baseado nos rituais antropofágicos dos índios brasileiros, nos quais eles devoram seus inimigos para lhes extrair força, Oswald propõe a devoração simbólica da cultura do colonizador europeu, sem com isso perder nossa identidade cultural.

• Em oposição a essas tendências, os movimentos Verde-Amarelismo e Anta, defendiam um nacionalismo ufanista, com evidente inclinação para o fascismo.

Adeus às fórmulas literárias POÉTICA

Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis Estou farto do lirismo namorador Político Raquítico Sifilítico

De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação. Manuel Bandeira

Manuel Bandeira: poeta do cotidiano humilde

Criou-me, desde eu menino,

Para arquiteto meu pai.

Foi-se um dia a saúde...

Fiz-me arquiteto? Não pude!

Sou poeta menor, perdoai!

• Evocação do Recife:

https://www.youtube.com/watch?v=hbuGBYIVx1s

Momento num café Quando o enterro passou Os homens que se achavam no café Tiraram o chapéu maquinalmente Saudavam o morto distraídos Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade Que a vida é traição E saudava a matéria que passava Liberta para sempre da alma extinta.

Profundamente

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes, cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam, errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?

— Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

Texto extraído do livro "Antologia Poética - Manuel Bandeira", Editora Nova Fronteira – Rio de Janeiro, 2001, pág. 81.