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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Educação
Mestrado em Educação
ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO ENTRE A PROFESSORA E OS ALUNOS NA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR AFONSO
GOULART, LAGOA DA PRATA/MG: CONQUISTAS, RESISTÊNCIAS E PERSISTÊNCIAS
Núbia Ketyllen Zeferino
Belo Horizonte 2007
NÚBIA KETYLLEN ZEFERINO
ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO ENTRE A PROFESSORA E OS ALUNOS NA ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR AFONSO GOULART, LAGOA DA
PRATA/MG: CONQUISTAS, RESISTÊNCIAS E PERSISTÊNCIAS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação – da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de Concentração: Sociologia e História da Profissão Docente e da Educação Escolar
Orientadora: Profª Drª Leila de Alvarenga Mafra
Belo Horizonte 2007
FICHA CATALOGRÁFICA Elaborada pela Biblioteca da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Zeferino, Núbia Ketyllen Z43e As estratégias de interação entre a professora e os alunos na Escola Municipal Professor Afonso Goulart, Lagoa da Prata/MG: conquistas, resistências e persistências / Núbia Ketyllen Zeferino. Belo Horizonte, 2007. 229f. Orientador: Leila de Alvarenga Mafra Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Educação. Bibliografia. 1. Professores e alunos. 2. Análise de interação em educação. 3. Ensino fundamental – Lagoa da Prata (MG). 4. Ambiente de sala de aula. 5. Ambiente escolar. 6. Condições sociais. I. Mafra, Leila de Alvarenga. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 37.064
À memória de Dindinha, minha avó materna.
Dela fica o ensinamento de que disciplina é importante até
mesmo para alçarmos vôos mais altos rumo à realização
dos nossos projetos de vida. Assim, não corremos o
risco de prejudicarmos a nós mesmos, nem aos outros.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho se concretizou com a ajuda de muitas pessoas, dentre as quais
destaco a professora Leila de Alvarenga Mafra. Considero-me privilegiada em tê-la
como orientadora por sua competência profissional, por sua ética na condução deste
estudo e respeito ao meu tempo e interesses de pesquisa.
Aos professores e funcionários do Programa de Pós-Graduação – Mestrado
em Educação da Pontifícia Universidade Católica. Também aos colegas, pela
convivência e aprendizado profícuos: Tereza Cota, por compartilhar os bons e maus
momentos; Cynthia Terra, Welessandra Benfica, Helder Pinto, Cátia Andrade, Maria
Cristina Caetano, June Vinhal e Aurélio Ginja, pela amizade construída. Com pesar
por não tê-lo mais entre nós, Frederico Amaral – ficam a saudade, as boas
lembranças e o orgulho de tê-lo conhecido...
Meus sinceros agradecimentos a cada uma das pessoas de Lagoa da
Prata/MG que me acolheram e, de alguma forma, contribuíram com informações
preciosas sobre aspectos da cidade, em conversas informais – e formais, também!
À Secretária Municipal de Educação e Cultura de Lagoa da Prata/MG, Simone
de Almeida Bessas, pela abertura e confiança depositada nesta pesquisa, bem
como a todos os funcionários da Secretaria, principalmente, Marília Martins, sempre
disposta a colaborar no que fosse preciso.
À Escola Municipal Professor Afonso Goulart, constituída por diferentes
histórias de vida que se juntam e formam a cultura desse estabelecimento escolar,
deixando em mim suas marcas. A seus funcionários e profissionais, que me
acolheram prontamente, o meu carinho e agradecimento sinceros, especialmente, à
professora da sala de aula pesquisada, sem a qual a pesquisa não se concretizaria,
e aos alunos da Fase IV, pela paciência e carinho.
Ao Professor Dr. Roberto Valadão, um dos grandes incentivadores desta
conquista.
À minha mãe e amiga, que me ensinou as primeiras lições sobre o que é e
como se tornar pesquisadora, e pelo apoio incondicional.
Ao meu pai, pelas ausências que me ensinaram a valorizar as oportunidades
que temos para estarmos juntos com pessoas queridas e torná-las grandes
momentos.
Às minhas irmãs, que proporcionaram os momentos leves da minha vida, em
oposição ao árduo trabalho da pesquisa.
Ao Petrônio, pelo apoio incomensurável e por patrocinar este projeto que
traçamos juntos e que hoje se concretiza.
A qualidade principal do sociólogo [pesquisador] não pode ser a de “interprete” final, mas sim uma qualidade de artesão,
preocupado com os detalhes e com o ciclo completo de sua produção, introduzindo sua ciência nos momentos menos
“brilhantes”, mas mais determinantes da pesquisa [...]. Em vez de refletir assim que acabar a pesquisa, o sociólogo
[pesquisador] deve fazê-lo a cada instante e, particularmente, naqueles momentos banais, aparentemente anódinos, em que tudo leva a crer que não há nada a se pensar (LAHIRE, 2004, p
16).
RESUMO
Com esta pesquisa, objetiva-se descrever e analisar as interações
estabelecidas entre os alunos das camadas populares e o seu grupo de amigos e
entre estes e a professora, em uma turma de Fase IV do Ciclo Complementar de
Alfabetização (CCA)/Ensino Fundamental, na Escola Municipal Professor Afonso
Goulart em Lagoa da Prata, Minas Gerais. Investigou-se de que forma as interações
entre a professora e os alunos estariam ou não sendo marcadas pelo meio
sociocultural e pela escola em que estão inseridos os atores escolares. Nesse
sentido, indaga-se: Como os alunos e a professora percebem, traduzem e
expressam as formas de interação que vão sendo construídas entre eles na sala de
aula e em outras situações vivenciadas na instituição escolar? Que estratégias de
interação são postas em ação por esses atores, na situação da aula? Na pesquisa,
predominantemente qualitativa, utilizaram-se como procedimentos de coleta de
informações: observação empírica; onze entrevistas semi-estruturadas; diário de
campo, com descrição sobre o espaço da sala de aula, rituais de entrada/saída de
alunos e professores na escola e na sala de aula, sala de professores, recreio,
pátios e corredores da instituição, festividades, reunião de pais da turma, reunião de
professores, aulas de Educação Física, que aconteciam, rotineiramente, na quadra
poliesportiva em frente à Escola, assim como atividades extra-escolares. Foram
entrevistados nove, dos vinte e sete alunos da turma investigada, a professora da
turma e a supervisora da escola. A conclusão que se alcança, com este estudo, é
que as estratégias de interação engendradas pelos atores escolares variam
mediante a situação pedagógica, as regras do jogo escolar e o outro com o qual se
estabelece a interação. Assim, a professora e os alunos geram, inventam e
reproduzem estratégias de interação na situação da aula em um processo de
negociação e renegociação constante. As marcas da escola e do meio social em
que se encontram inseridos esses atores escolares foram observadas em algumas
situações, mas, em outras, mostraram-se ínfimas.
Palavras-chave: interação professora-alunos; regras do jogo escolar; estratégias nas
situações de aula.
ABSTRACT
This research describes and analyzes teacher and students interactions, in a
fourth grade classroom, in the Public Primary School Afonso Goulart, within a lower
social class district, in city of Lagoa da Prata, Minas Gerais, Brazil. The study also
attempted to find out, in this classroom, if peer groups behavior and friendship
bounds, influences the interaction between these students and their teacher. Firstly,
we inquire if the school interactions were conditioned by social and cultural
characteristics of the neighborhood students came from, by school culture and its
pedagogical organization. Secondly, we asked if pupils and teacher, perceive,
translate, express, and frame specific forms of interaction, which emerge from
situations and experiences lived by them, outside the school. Thirdly, we inquire
which interaction strategies are placed in motion, by these actors, in the classroom
learning situations, and within school inner space? As a qualitative research we rely
upon several methodological procedures for data collection: a) tree month of field
work within the school to carry out observations and registration of the school live,
rituals, corridor, teachers meeting, PTA meetings, pedagogical organization, and
extra-curriculum activities, such as, sport activities, festivities, Physical Education
practices; b) classroom observation and registering of teacher and students
interactions; c) eleven semi-structuralized interviews carried out with nine classroom
students, with the classroom teacher, and with the School supervisor. This study
reveals that interaction strategies produced by the observed school actors vary
according to pedagogical situation, to the school rules established to play the “school
game”, and to the other school actor with whom interaction is established. Therefore,
teacher and students develop, invent and reproduce strategies of interaction in
classroom learning situation, which requires from them a constant process of
negotiation and renegotiation. The school culture characteristics are clearly
introduced into classroom interaction situations, but the student social and economic
background is mostly neglected within school activities and interactions situations.
Key words: teacher-students interaction; the school game; strategies in learning
situations.
LISTA DE FIGURAS
1. Mapa do município de Lagoa da Prata/MG 81
2. Praia Lagoa da Prata 82
3. Mapa dos bairros de Lagoa da Prata/MG 91
4. Quadra municipal do bairro Gomes 92
5. Vista externa da Escola Municipal Professor Afonso Goulart 94
6. Vista interna da Escola Municipal Professor Afonso Goulart 95
7. Pátio descoberto 97
8. Corredor direito 100
9. Corredor esquerdo 102
10. Banheiro masculino 103
11. Pátio coberto 103
12. Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG 114
13. Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG 117
14. Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG 119
15. Poesia como pretexto pedagógico 128
16. Cartão de Páscoa 129
17. A sala de aula, os alunos e a professora da fase IV 130
18. Vista frontal da sala de aula com os alunos e a professora 131
19. Extrato de atividade (Anexo C) 155
20. Extrato de atividade (Anexo D) 156
21. Extrato de atividade de Matemática (Anexo E) 157
22. Atividade de Matemática 157
23. Redação da aluna Émile 192
24. Fragmento de redação do aluno Pedro 192
25. Fragmento de redação do aluno Nélio 193
26. Fragmento de redação do aluno André 193
27. Fragmento de redação do aluno Caio 193
28. Fragmento de redação do aluno Hernane 193
29. Fragmento de redação da aluna Naiara 193
30. Fragmento de redação do aluno Marcone 194
31. Fragmento de redação do aluno Marcos 194
32. Fragmento de redação da aluna Joana 194
33. Fragmento de redação da aluna Adriana 194
34. Fragmento de redação da aluna Renata 194
35. Fragmento de redação da aluna Rosana 195
36. Fragmento de redação do aluno Moisés 195
37. Fragmento de redação do aluno Josias 195
38. Fragmento de redação da aluna Maria Clara 195
39. Fragmento de redação do aluno Tales 195
40. Fragmento de redação do aluno Eurídes 196
LISTA DE GRÁFICOS
1. Distribuição dos alunos da EMPAG por bairros 49
2. Avaliação da primeira turma da fase III – 1º sem./2005 51
3. Avaliação da segunda turma da fase III – 1º sem./2005 51
4. Avaliação da terceira turma da fase III – 1º sem./2005 52
5. Avaliação da primeira turma da fase III – 2º sem./2005 53
6. Avaliação da segunda turma da fase III – 2º sem./2005 53
7. Avaliação da terceira turma da fase III – 2º sem./2005 54
8. Avaliação da turma da fase IV – 1º sem./2006 57
LISTA DE QUADROS
1. Perfil dos Alunos Entrevistados 64
2. Avaliação de Desempenho da Professora Pesquisada 70
3. Cargo/Função e Formação das Profissionais 106
4. Cargo/Função e Formação dos Professores 106
5. Concurso para Professores e Especialistas – Fev. 2006 110
LISTA DE TABELAS
1. Médias Comparadas da Avaliação do Rendimento Escolar na Quarta Série 55
entre as Escolas Municipais e Estaduais do Brasil, de Minas Gerais,
de Lagoa da Prata/MG e da EMPAG – Língua Portuguesa, 2005
2. Médias Comparadas da Avaliação do Rendimento Escolar na Quarta Série 55
entre as Escolas Municipais e Estaduais do Brasil, de Minas Gerais,
de Lagoa da Prata/MG e da EMPAG – Matemática, 2005
3. Distribuição das Escolas nas Redes de Ensino, Município de Lagoa 87
da Prata/MG, 2005
4. População em Idade Escolar na Educação Básica, Município de 87
Lagoa da Prata/MG, 2005
5. Matrículas na Educação Básica, Município de Lagoa da Prata/MG, 2005 88
6. Distribuição dos Professores por Tempo de Magistério, 108
Município de Lagoa da Prata/MG, 2005
7. Distribuição dos Professores por Idade, Município de 109
Lagoa da Prata/MG, 2005
LISTA DE SIGLAS
ASCALP Associação de Catadores de Lagoa da Prata
CCA Ciclo Complementar de Alfabetização
CEAC Centro Especializado de Atendimento à Criança
CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
CEMEI Centro Municipal de Educação Infantil
CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais
CIA Ciclo Inicial de Alfabetização
CIAOM Companhia Industrial e Agrícola do Oeste de Minas
EMPAG Escola Municipal Professor Afonso Goulart
EUA Estados Unidos da América
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
INDE Instituto National d’Études Démographiques
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
MG Minas Gerais
OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PROMAE Programa Municipal de Atenção ao Educando
PPS Partido Popular Socialista
PSB Programa Saúde Bucal
PSF Programa Saúde Família
PT Partido dos Trabalhadores
SAAE Serviço Autônomo de Água e Esgoto
SAEB Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEBRAE Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEMEC Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Lagoa da Prata
SIDERPRATA Siderúrgica Lagoa da Prata
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura
LISTA DE ABREVIATURAS
fig. figura
graf. gráfico
km quilômetro
m² metro quadrado
tab. tabela
SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...............................................................................................18 1.1 Interações escolares: diferentes abordagens............................................22 1.2 Interacionismo Simbólico: a vida cotidiana da escola e a interação
professor-aluno na sala de aula...................................................................25 1.3 Relação professor-aluno na escola e na sala de aula no campo da
Psicologia Social e Escolar..........................................................................35 1.4 Estrutura da dissertação...............................................................................40 2 ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA........................................42 2.1 Escolha da escola e da turma......................................................................44 2.2 Turma da fase IV............................................................................................49 2.2.1 Turmas de fase III – ano letivo de 2005 e fase IV – primeiro
semestre de 2006...........................................................................................50 2.3 Procedimentos utilizados.............................................................................57 2.3.1 Pesquisa em documentos............................................................................58 2.3.2 Diário de campo.............................................................................................58 2.3.3 Entrevistas.....................................................................................................60 2.4 Seleção de alunos e alunas para entrevista...............................................62 2.5 Perfil da professora da EMPAG....................................................................65 2.6 Perfil da supervisora da EMPAG..................................................................71 2.7 Organização e análise das informações, observações e depoimentos coletados em campo..............................................................75 3 MEIO SOCIOCULTURAL E ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR AFONSO GOULART: CIDADE, SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CORPO PROFISSIONAL DA ESCOLA......................................................77 3.1 Lagoa da Prata...............................................................................................79 3.1.1 Aspectos socioculturais...............................................................................83 3.1.2 Desenvolvimento econômico da cidade.....................................................85 3.2 Educação em Lagoa da Prata/MG................................................................86
3.2.1 Rede Municipal de Educação de Lagoa da Prata/MG................................89 3.3 Meio sociocultural: bairro Gomes................................................................90
3.4 Escola Municipal Professor Afonso Goulart: características físicas, distribuição espacial e relações profissionais...........................................93
3.4.1 Corpo profissional da EMPAG...................................................................104 3.4.2 Ambiente escolar e dificuldades vivenciadas pelos professores em
seu cotidiano................................................................................................112 4 INTERAÇÕES ENTRE PROFESSORA E ALUNOS EM SITUAÇÕES DE
AULA.............................................................................................................125 4.1 Estratégias de interação na sala de aula: dimensões física, simbólica e pedagógica................................................................................................126 4.2 Estratégia de conquista do carinho da professora..................................135 4.3 Estratégias de resistência às regras disciplinares da sala de aula........139 4.4 Estratégia de negociação no ritual da oração que marca o início da
aula................................................................................................................149 4.5 Solidariedade no trabalho pedagógico como estratégia de interação...152 4.6 Estratégia de interação na interface da predileção e do desafeto com
diferentes grupos de alunos.......................................................................163 4.7 Rótulos como estratégia de jogo escolar na interface entre professora e alunos....................................................................................174 4.8 Autoridade pedagógica como estratégia docente...................................178 4.9 Estratégias de interação em outros espaços escolares: pátios,
corredores, quadra de educação física.....................................................184 CONCLUSÃO: ESCOLA E SALA DE AULA COMO PALCO DE ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO......................................................................................................198 REFERÊNCIAS........................................................................................................206 APÊNDICES.............................................................................................................214 ANEXOS..................................................................................................................222
1 INTRODUÇÃO
O cotidiano escolar constitui-se como uma esfera definida no tempo e no espaço social, autônoma, em parte, onde se joga uma partida certamente codificada – ao mesmo tempo institucional e socialmente – mas cujo resultado é todavia incerto. (SIROTA, 1994, p. 9).
A escola e a sala de aula se apresentam como um palco, onde professores e
alunos protagonizam cenas de interações sociais típicas do universo no qual estão
envolvidos. A despeito das descrições usualmente enfadonhas que as escolas e as
salas de aula freqüentemente recebem nas pesquisas educacionais, Sirota (1994),
Perrenoud (1995) e Carvalho (1999) ressaltam a contribuição positiva de
pesquisadores da Sociologia da Educação, pela capacidade de atingirem o âmago
das interações nesse espaço, para além da “fossilização”, também argumentada por
Resende (2003). De forma semelhante, Tura (2000) detém o seu olhar sobre a
escola, interessando-se por vivências, disputas e práticas encetadas pela circulação
das culturas docente e discente, aspectos desconhecidos ou desconsiderados pelos
professores no cotidiano das escolas em que atuam.
Por conseguinte, esta investigação privilegia a visão dinamizadora das
interações pedagógicas, referendada pelos autores mencionados, em oposição às
abordagens mais imobilistas da vida escolar. No cotidiano dinâmico da escola e das
salas de aula, os atores escolares se expressam por meio de feições faciais,
entrecruzamento de olhares, gestos e emoções, formas de falar e ouvir, diálogo e
lapsos de fala e também por silêncios. Nesse sentido, acredita-se que as interações
entre professor e alunos são apreendidas, de modo mais eficiente pelo pesquisador,
quando este toma o lugar do outro e vivencia com ele as interações sociais
peculiares à vida cotidiana que ele leva (WOODS, 1999). Assim, objetiva-se, com
esta pesquisa, penetrar no cenário de uma escola e vivenciar, junto aos atores
escolares de uma turma do Ensino Fundamental, as interações engendradas por
eles, em situações diversas, tendo a sala de aula como lócus principal do estudo.
O interesse em pesquisar as interações entre a professora e seus alunos e
entre os colegas de uma turma – nos anos iniciais do Ensino Fundamental de uma
escola da Rede Pública Municipal na cidade de Lagoa da Prata, estado de Minas
Gerais (MG), – surge, inicialmente, pela escassez de estudos sobre as interações
escolares em cidades do interior, comparativamente aos encontrados sobre as
grandes capitais e suas áreas metropolitanas. Tal interesse é reforçado pela
trajetória escolar da pesquisadora cursada em escolas públicas de Lagoa da Prata,
cidade situada aproximadamente a 211km de Belo Horizonte (MG).
A experiência nos estágios curriculares do Curso de Pedagogia, em Belo
Horizonte, também foi essencial na definição do campo e do objeto de estudo desta
pesquisa. A começar pela escolha dos anos iniciais, a que Lahire (2004, p. 56) se
refere como o “primeiro andar do edifício escolar”, os quais instigam a pesquisadora,
por representar os primeiros contatos da criança com o ambiente da sala de aula e o
início de uma trajetória escolar que tem influenciado as opções e a “mobilidade
social futura dos alunos” (COULON, 1995b, p. 48). Além disso, a convivência com os
alunos de camadas menos favorecidas e seus respectivos professores, durante
esses estágios, fomentou o interesse da pesquisadora em investigar como esse
perfil de atores escolares interagiam no espaço da escola e da sala de aula. Esta,
considerada por Sirota (1994), uma “caixa-preta” com inúmeros sentidos a serem
indagados.
No entendimento de Sirota (1994), e também no de Mead (1967), no interior
da sala de aula e na dinâmica do cotidiano escolar professores e alunos
desempenham papéis, não apenas como agentes, mas também como atores
sociais, envolvidos em um processo de interação social em que as ações dos outros
são percebidas, interpretadas e respondidas individual ou coletivamente. Esses
atores atuariam nos objetos do mundo social empírico a partir de suas significações,
sentidos e percepções que os orientam e os mobilizam em suas ações. Além disso,
os significados atribuídos aos objetos estariam propensos a mudanças ocasionadas
pelas “novas linhas de ação” traçadas pelo ator (FELIPPE, 2003, p. 23). Nesse
sentido, indaga-se inicialmente: Como os alunos e o professor percebem, traduzem
e expressam as interações que vão sendo construídas entre eles na sala de aula e
em situações vivenciadas na instituição escolar e fora dela? Que estratégias de
interação são postas em ação pelo docente e seu grupo de alunos nas situações de
aula?
Em estudos realizados por pesquisadores como Brophy e Good (1974), Sirota
(1994) e Aquino (1996), constatou-se que o enfoque das principais pesquisas sobre
escola e sala de aula está centrado, ora na figura do professor, ora na figura do
aluno. A esta pesquisadora interessa, portanto, avançar nos estudos sobre essa
temática, com o objetivo de pesquisar e analisar que tipos de interação são
engendrados entre esses dois atores sociais e entre os grupos de amigos ali
constituídos e como as condições de produção dessas interações, normalmente
negligenciadas, marcam e reestruturam as ações dos atores envolvidos.
Observa-se que as principais pesquisas sobre as interações entre professores
e alunos, que analisam o processo interacional desses atores, a partir do meio social
e do contexto escolar onde estão inseridos, revelam que professores e alunos
influenciam e são influenciados pela situação pedagógica na sala de aula e pelos
demais espaços de interação de que o ambiente escolar dispõe (ZANTEN;
DEROUET; SIROTA, 1995). Sirota (1994), Coulon (1995b) e Woods (1999) apontam
não ser suficiente a descrição das interações na sala de aula e na escola sem
relacioná-las ao contexto sociocultural que os atores escolares vivenciam. Da
mesma forma, Bernstein (1982) não restringe o estudo da sala de aula ao âmbito da
escola, pois outras relações sociais são estabelecidas entre esta e o meio social,
condição por ele considerada essencial para a realização dos processos de
produção e reprodução culturais.
O estudo realizado por Liénard e Servais (1982), com crianças de camadas
populares, ilustra bem alguns aspectos dessa situação. Essas crianças, ao
freqüentarem a escola do seu meio social, apresentam um modo peculiar de
interação no espaço da sala de aula que requer dos professores maneiras também
peculiares de convivência com elas. Os autores citados observam que crianças de
camadas populares são, freqüentemente, consideradas “desajeitadas” e de difícil
adaptação ao ambiente da sala de aula, possivelmente devido às relações que elas
estabelecem com o espaço físico restrito e mal dividido que possuem em suas
casas. Sendo assim, as dificuldades de adaptação à sala de aula e à escola seriam
devidas à estruturação espacial imposta pela forma escolar e pela exigência de
condutas apropriadas a esse espaço físico.
A pesquisa desenvolvida por Lana (2004) apresenta algumas contribuições a
respeito das percepções dos alunos de camadas populares sobre a escola e a sala
de aula. A autora ressalta que o rigor disciplinar nas salas de aula pesquisadas
tende a restringir o acesso dos alunos ao conhecimento formal e impõe limites a
outros conhecimentos e experiências apresentados pelos alunos nas interações com
os colegas e com as professoras. Tais restrições ocorriam, ainda, porque as
professoras concediam importância excessiva a atividades curriculares prescritas e
não permitiam a participação espontânea dos alunos. A escola centrava-se, pois, no
disciplinamento, o que tendia a dificultar o processo formativo dos alunos “para além
daquilo que o conteúdo e o cotidiano escolar ensinam e determinam” (LANA, 2004,
p. 144).
Historicamente, estudos realizados entre os anos de 1950 e 1970 mostram
que as crianças de camadas sociais menos favorecidas encontram maiores
dificuldades nas tarefas e atividades formais da escola e são, conseqüentemente,
mais afetadas pelas desigualdades culturais diante da escola e ao longo do
processo de escolarização (FORQUIN, 1995). A esse respeito, Bourdieu (2003a, p.
53) é enfático:
Para que sejam favorecidos os mais favorecidos e desfavorecidos os mais desfavorecidos, é necessário e suficiente que a escola ignore, no âmbito dos conteúdos que transmite, dos métodos e técnicas de transmissão e dos critérios de avaliação, as desigualdades culturais entre as crianças de diferentes classes sociais.
A respeito das interações entre os indivíduos na sociedade, Bourdieu (1983,
p. 75) ressalta que “a verdade da interação nunca reside inteiramente na interação”.
Com isso, o autor destaca a posição social dos indivíduos na estrutura social, os
sistemas de relações simbólicas que eles constroem, as competências lingüísticas
incorporadas ao longo de sua história particular: “A própria interação deve sua forma
às estruturas objetivas que produziram as disposições dos agentes em interação e
que lhes atribuem suas posições relativas na interação e fora dela.” (BOURDIEU,
1983, p. 74). Dessa forma, pode-se reconhecer que o contexto sociocultural, o
ambiente escolar e o espaço da sala de aula se inter-relacionam na produção de
interações entre os atores escolares, o que nos leva a indagar: De que modo o
ambiente escolar e o meio social marcam as interações entre os atores escolares?
Como as interações entre os atores escolares podem condicionar o aprendizado de
conhecimentos e saberes valorizados pela escola como sucesso escolar?
A partir dessas referências, neste estudo os processos cotidianos de
interação entre os atores escolares serão examinados para além do espaço da sala
de aula. O desafio proposto é investigar esses processos na interface com a
instituição escolar e com o meio social onde está localizada a escola, ressaltando,
assim, as condições de produção dessas interações. Como esclarece Bernstein
(1984), a sala de aula apresenta continuidades e descontinuidades intrinsecamente
relacionadas ao mundo cotidiano que a criança vivencia na escola e fora dela.
Objetiva-se, com esta pesquisa, identificar e analisar estratégias de interação
entre professor e alunos em situações pedagógicas, consideradas como portadoras
de uma pedagogia visível e invisível (BERNSTEIN, 1984). Nessas situações, as
regras do jogo escolar podem, ou não, ser explicitadas; podem, ou não, ser
compreendidas e executadas pelos atores escolares. Nesse processo, as regras
subjacentes às interações escolares, segundo Bernstein (1982), vão configurando
um determinado discurso pedagógico que se estabelece como visível ou invisível no
cotidiano escolar vivenciado pelos alunos e professores. Esse autor recorre ao jogo
como o conceito básico da pedagogia invisível, pois o jogar encoraja cada criança a
estabelecer sua própria marca para além do que está previamente demarcado para
ela (BERNSTEIN, 1984). Nesse sentido, a pedagogia invisível engloba as interações
no campo implícito e a pedagogia visível explicita e demarca as regras, hierarquias,
espaços e tempos escolares.
Ao analisar Bernstein (1984), Nogueira (2004, p. 24) destaca o fato de que
este ‘implícito’ implica duas concepções: a primeira se refere ao que está naturalmente inscrito na própria situação escolar, como, por exemplo as questões de organização e distribuição do tempo e do espaço escolar; a segunda, chamada de ‘implícito perverso’ se liga às questões mais complexas de ocultação e dissimulação permanentes [...]. (grifos da autora).
1.1 Interações escolares: diferentes abordagens
A interação professor-aluno na sala de aula e na escola tem sido analisada
por diferentes abordagens, dentre as quais se destacam: Interacionismo Simbólico;
Psicologia Social; Nova Sociologia da Educação; Antropologia; Etnometodologia.
Sirota (1994, p. 16) expõe a difícil tarefa em manter “uma ordem rigorosa” na
descrição cronológica desses estudos, cujos acontecimentos não ocorrem
linearmente. A autora constata as inúmeras possibilidades de apresentação da
referida temática, que pode ser organizada historicamente, por países, por
disciplinas, por escolas ou por correntes teóricas, mostrando a complexidade em
abordar, em um mesmo trabalho, todos os teóricos envolvidos no tema.
Compartilhamos essa dificuldade na retomada dos estudos sobre as interações
escolares, ao observarmos rupturas e entrecruzamentos nas correntes de
pensamento, muitas vezes, ocorridos em épocas e países diferentes. Ressaltamos,
inicialmente, a influência de Émile Durkheim como parâmetro teórico entre os
sociólogos que o sucederam, tanto por pautar diferenças, como para dar
continuidade a sua concepção sobre o lugar social da escola e da sala de aula nas
sociedades contemporâneas. Na seqüência, optou-se por discutir algumas
premissas de Talcott Parsons sobre a escola e a sala de aula, as quais conferem a
esse autor um certo “isolamento teórico” (JOAS, 1999, p. 130), vis-à-vis, a
concepção defendida pelo Interacionismo Simbólico e pela Psicologia Social sobre a
cena escolar.
No início do século XX, na França, Durkheim1 desenvolve um “trabalho
inaugural”, ao referir-se à sala de aula como um objeto próprio da Sociologia da
Educação (TURA, 2006, p. 59). Nessa teoria, o educador seria responsável pela
função educativa de adaptação do indivíduo (aluno), de modo a integrá-lo à vida em
sociedade e, assim, contribuir para a manutenção da ordem social. À educação
caberia formar um homem em resposta às necessidades da sociedade. Para isso,
desde a infância, deveriam ser inculcados na criança conceitos essenciais à vida
coletiva. Junto à família, a função do educador seria “sobrepor ao ser individual e
insocial que somos ao nascer, um ser inteiramente novo”, o ser social (DURKHEIM,
1984, p. 32). Para formar seres sociais e cidadãos responsáveis, os mestres
deveriam se fundamentar nos elementos constitutivos de uma moral social como
condição necessária à integração social dos alunos, cuja exigência funcional era que
estes tivessem a obrigação de aprender e os professores, a incumbência de educá-
los sob os grandes ideais do seu país (DURKHEIM, 1984). Dessa forma, o educador
tinha a responsabilidade de utilizar a educação como forma de incutir nos alunos um
modo de agir e pensar que os preparasse para a vida em sociedade (TURA, 2006).
A esse propósito, Tura (2006, p. 28) esclarece que a educação moral em Durkheim
visava a “fortalecer os laços sociais, desenvolver o amor pela coletividade, facilitar a
1 Considerado um dos pais fundadores da Sociologia, desenvolveu seus estudos na França, onde
nasceu (1858-1917) (DURKHEIM, 1978).
internalização de uma ordem normativa” e disseminar valores e objetivos comuns
em prol da regulação social. Tudo isso atrelado as suas crenças no poder do Estado
para resolver os problemas da nação.
Tal processo educativo dependeria muito de um posicionamento autoritário do
educador, porém, exercido com paciência e persistência, uma vez que, para
Durkheim, a diversidade de aptidões, assim como a divisão do trabalho social,
demonstravam que nem todos tinham sensibilidade para meditar ou pensar,
havendo, pois, os “homens de sensibilidade” e os “homens de ação” (DURKHEIM,
1984, p. 8). Desse modo, a escola se afirmaria como uma instituição social para
preparar o indivíduo para atuar na sociedade, integrando-o à ordem social e
ensinando-o a se adequar às regras. Como sistematiza Durkheim (1984, p. 250):
É necessário que a criança aprenda o respeito pela regra; é necessário que ela aprenda a cumprir o seu dever, porque esse é o seu dever, porque a isso se sente obrigada [...]. Essa aprendizagem, que seria muito incompleta no seio da família, é na escola que se deve fazer. Na escola, com efeito, existe todo um sistema de regras que predeterminam o comportamento da criança.
Em meados do século passado, nos Estados Unidos da América (EUA),
Talcott Parsons (1902-1979), a figura central do estrutural-funcionalismo (MAFRA,
2005), lança luz sobre a sala de aula e seu complexo processo de socialização, que
implicaria a internalização, pelos atores sociais, de valores e normas adequados aos
papéis exigidos pela sociedade. Parsons (1968), em artigo publicado em 1959 –
“The School Class as a Social System” –, problematiza a classe escolar e sua
função socializadora, cujo “papel transformador ativo” é compreendido como uma
ação do homem em busca de seus objetivos, dependentes de esforços próprios e
motivação para isso.
No pensamento educacional de Parsons (1968), a sala de aula é o principal
espaço de socialização, onde o indivíduo seria preparado pelo professor para
desempenhar papéis adultos, assumir responsabilidades e adquirir habilidades
individuais, em uma perspectiva não apenas adaptativa, mas ativa, e
transformadora. O indivíduo seria livre para realizar suas ações, a partir da
internalização dos valores sociais, em uma sociedade liberal regulada por normas
morais.
Conforme Mafra (2005, p. 41), a sala de aula, na concepção parsoniana,
“seria, em princípio, o agente básico a partir do qual são gerados, nos indivíduos, os
diferentes componentes de responsabilidade e capacidade e de atribuição da
energia humana, do ponto de vista da sociedade”. Parsons (1968) espera que a
escola promova a socialização da criança, de modo que ela aprenda a ser e a se
sentir um membro funcionalmente integrado à sociedade. Nesse sentido, acentua-se
o problema da seleção escolar, atribuindo-a ao desempenho dos alunos, que
“ocorria, sobretudo, ao longo da escola primária, quando a criança dava os primeiros
passos fora do ambiente familiar” (MAFRA, 2005, p. 41).
1.2 Interacionismo Simbólico: a vida cotidiana da escola e a interação professor-aluno na sala de aula
O Interacionismo Simbólico tem suas raízes na Filosofia e pragmatismo de
John Dewey, mas é desenvolvido por George Herbert Mead, que se referia a ele
como behaviorismo social. O desenvolvimento do Interacionismo Simbólico ocorreu
paralelamente à Escola de Chicago, onde Mead desenvolveu sua teoria, no período
em que atuou como professor e pesquisador2. São vários os departamentos
vinculados a essa Escola, criada desde o final do século XIX – Filosofia, Sociologia,
Ciência Política, Economia –, que, de acordo com Eufrásio (1995), apresenta uma
importante história intelectual para a Sociologia, pelos estudos realizados por
sociólogos a ela vinculados. A Escola de Chicago se destaca como “a primeira
corrente própria e madura da Sociologia dos Estados Unidos” (EUFRÁSIO, 1995, p.
57). Herbert Blumer é um desses sociólogos a desenvolver um trabalho relevante,
como professor da Universidade de Chicago. O termo ‘interacionismo simbólico’ foi
cunhado por ele em 1937. Tentando ser fiel à teoria de Mead, Blumer sistematizou
os pressupostos metodológicos do Interacionismo Simbólico e as diferenças em
2 Nascido em 1863, Mead participou, com John Dewey, como pesquisador na Escola de Chicago, no
período de 1894 a 1904; foi presidente da Associação de Pais de Alunos (1902-1903); redator-chefe da revista publicada pela Universidade de Chicago: The Elementary School Teacher (1907-1909) e escritor de vários artigos entre 1896 e1909 (COULON, 1995b). H. Mead lecionou na Universidade de Chicago entre 1893 e 1931, ano em que faleceu (HAGUETE, 2005).
relação à abordagem psicológica, pelo fato de o Interacionismo Simbólico ter sido
estudado também pela Psicologia Social (HAGUETE, 2005).
Blumer citado por Eufrásio (1995) alerta para a orientação variada, ampla,
eclética e diversificada do Departamento de Sociologia da Escola de Chicago, que
não se restringia ao Interacionismo Simbólico. No entanto, destacamos a
perspectiva interacionista pelas suas relações com a escola, a sala de aula e as
interações que professores e alunos estabelecem nesses espaços.
Mind, Self and Society reúne textos, notas de aulas e artigos compilados por
ex-alunos do professor Mead, organizados com o intuito de sistematizar sua teoria
em um livro, que ele não deixou escrito, restringindo-se à publicação de artigos. A
obra foi publicada em 1934, três anos depois de sua morte. No livro, Mead se propôs
a “corrigir as deficiências de uma psicologia individualista”, buscando, segundo ele,
entender o ato individual dentro do ato social (MEAD, 1967). Felippe (2003), em
análise da obra de Mead, observa alguns aspectos importantes e de grande
contribuição para se compreender o indivíduo e a sociedade. Dentre os aspectos
apontados, destacam-se: os antecedentes históricos da sociedade sobre o indivíduo
– elementos socioculturais que desempenham função fundamental na internalização
e formação do eu – e a relevância das relações sociais na autoconscientização do
indivíduo. Outro aspecto mencionado por Mead refere-se à:
concepção dos atores com relação ao mundo social empírico que constitui a essência da pesquisa sociológica. A experiência imediata, as interações diárias e o sentido atribuído pelos atores aos objetos, acontecimentos e símbolos do mundo social empírico desses atores é o que importa investigar (FELIPPE, 2003, p. 12).
O mundo social empírico, portanto, refere-se ao entorno dos indivíduos ou
grupos, composto por objetos físicos, abstratos ou sociais, considerados “criações
sociais” (FELIPPE, 2003, p. 18). As ações dos atores, por sua vez, resultam de
definição e interpretação desses objetos.
Ao detalhar a interação social vivida em um mundo social empírico, Mead e
Blumer assinalam duas formas de interação. A primeira delas é o que Mead
denomina “conversação de gestos”, a qual Blumer classifica de “interação não
simbólica” – para caracterizar uma resposta instintiva em que não há interpretação
do ato (FELIPPE, 2003, p. 20, grifos da autora). A segunda forma de interação,
conforme Mead (1967), é “emprego de símbolos significativos”, o que para Blumer
significa “interação simbólica” – envolve um processo de interpretação e
compreensão dos atos dos outros (FELIPPE, 2003, p. 20, grifos da autora). Os
símbolos, nesse caso, são gestos conscientes imbricados de significados,
interpretados que se desencadeiam em linguagem-expressão (FELIPPE, 2003).
Sendo assim, o termo ‘interacionismo simbólico’ cunhado por Blumer é a
tradução do que Mead chamava símbolos significativos. Segundo esses autores, a
interação ocorre na medida em que as ações dos outros são interpretadas,
significadas e respondidas individual ou coletivamente. O significado está nos
agentes e não nos objetos. Os agentes atuam a partir de suas significações, mas “as
pessoas podem rever os significados que atribuem aos objetos e assim traçar novas
linhas de ação” (FELIPPE, 2003, p. 23). É nesse sentido que Sirota (1994, p. 12)
define a interação como “o lugar de uma troca onde cada um se posiciona, mas
também onde o comportamento de cada ator social cria uma nova dinâmica e
redefine o contexto”.
O espaço educativo tomado como um mundo social empírico é impregnado
de símbolos, significantes e significativos. Recorrendo a Mead, Felippe (2003)
descreve os símbolos significantes como aqueles que têm o poder de provocar o
outro que o toma como símbolo na sua experiência particular. Um mesmo símbolo
pode ter vários significados, dependendo do ator que interage com ele. Concorda-se
com Felippe (2003, p. 22, grifo da autora) – mudanças “só ocorrem quando mudam
os significados dos objetos que povoam os mundos em que esse processo é
desenvolvido”. Destaca-se também que a interação não só é uma forma de
expressão, mas também uma dimensão inserida na ordem social, pelo fato de que
os significados são produtos sociais e, portanto, engendrados nas interações
ocorridas socialmente pelos indivíduos (MEAD, 1967).
O Departamento de Sociologia da Escola de Chicago é considerado o lugar
de origem das pesquisas interacionistas, cujos primeiros estudos não se voltaram
exclusivamente para a escola, ou para a sala de aula. As investigações iniciais
foram realizadas com trabalhadores imigrantes sazonais, gangues e delinqüentes,
guetos, relações entre os diferentes grupos culturais, étnicos e raciais, incluindo
crimes e problemas sociais que a sociedade norte-americana apresentava. Aluno da
Escola de Chicago, Willard Waller (1967) foi o precursor dos estudos interacionistas
em educação nos Estados Unidos, ao realizar uma pesquisa etnográfica em escolas
e em salas de aula (COULON, 1995b). Na década de 1930, Waller, em sua obra que
se tornou um clássico – The Sociology of Teaching –, lançada em 1932 e ampliada e
reeditada em 1967, perscruta e descreve a vida social cotidiana da instituição
escolar, constituída pelos significados atribuídos e construídos nas interações entre
seus atores, pelos acontecimentos corriqueiros e atitudes comuns dos que nela
conviviam. Ele se consagra pelo pioneirismo de sua pesquisa e pelos resultados
alcançados. Observando e descrevendo o funcionamento cotidiano das escolas
rurais e de pequenas cidades, W. Waller penetra as salas de aula, analisa os papéis
que professores e alunos desempenham3 e os elos entre as escolas e a comunidade
que as rodeiam. O seu objetivo é apontar práticas docentes que favoreçam a
eficácia do professor na interação com os alunos, muitas vezes balizadas por
conflitos.
Na análise de Waller (1967), dois conflitos são apontados como recorrentes
no ambiente escolar: i) o distanciamento entre a vida da comunidade e a vida
escolar; ii) as divergências entre a cultura docente e a cultura discente, acentuadas
pela “imposição” da cultura do adulto sobre a criança. Em razão disso, Waller (1967)
defende que a “imposição” não é a prática indicada para amenizar tais conflitos, ao
contrário, esta tende a aguçar, ainda mais, uma relação de “dominação e
subordinação”, por meio da qual passam a imperar a hostilidade e o distanciamento
entre professor e alunos. Tal postura autoritária do professor facilitaria a “ordem” e a
“disciplina” na escola e nas salas de aula, caso fossem acatadas pelos alunos, ao se
apresentarem dóceis às “imposições” do adulto. No entanto, Coulon (1995b, p. 69)
ressalta uma descoberta fundamental na obra de Waller, que é a resistência dos
alunos: “as interações na sala de aula são, muitas vezes, uma luta: chegam até
mesmo a dar lugar a uma verdadeira guerra que opõe, em particular, os professores
e os alunos”. Essa batalha entre professor e alunos, em parte, Waller atribui à
incompetência das instituições escolares, que ele considera enfadonhas pela
rotinização e burocratização das práticas escolares que estimulam a “rebelião dos
alunos” e não primam pelo desenvolvimento da “personalidade” (WALLER, 1967, p.
445, tradução nossa).
3 Howard Becker, em crítica à obra de Waller, questiona a aplicação de seus métodos e a veracidade
de sua pesquisa etnográfica (COULON, 1995b).
A pesquisa interacionista de Waller difere da concepção durkheimiana pela
importância que atribui aos significados que os atores imprimem às interações
sociais que eles estabelecem (CASTRO, 2002).
À pioneira pesquisa realizada por Waller (1967), seguem-se outros estudos
sociointeracionistas, desenvolvidos por Howard Becker4 e seus colaboradores, sobre
“as variações socioculturais que afetam as relações professores-alunos” (SIROTA,
1994, p. 17) e, sobretudo, a “cultura estudantil” de alunos da Faculdade de Medicina
(COULON, 1995b, p. 70).
As pesquisas que tomam a sala de aula e seus atores como objeto de análise
reaparecem após a eclosão dos survey researches – ao final dos anos de 1960 e
início da década de 1970. Entre 1940 e 1960, foram divulgados resultados de
diferentes enquetes nacionais, sobre as desigualdades de oportunidades
educacionais, realizadas na França5, Inglaterra6, Estados Unidos7 e em outros
países. Os resultados dessas pesquisas demonstravam a forte influência da origem
social sobre a trajetória escolar dos alunos de camadas populares e apontavam
outros fatores que interferiam na escolarização regular dessas crianças, tais como:
ambiente familiar, ambiente escolar, sexo e diferenças étnico-culturais (FORQUIN,
1995). Esses relatórios desmistificaram a teoria das aptidões naturais, deslocando o
enfoque do fracasso, inerente às características biopsicológicas do indivíduo, para o
seu meio social (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004). Nogueira (1995, p. 29) enfatiza
que “todas essas estatísticas demonstravam claramente que eram as disparidades
nas oportunidades educacionais” que traziam à baila a questão das desigualdades
escolares.
No entanto, Coulon (1995b) ressalta que o enfoque das pesquisas
macrossociais nas desigualdades escolares diante da escola e na escola teria
negligenciado os processos de interação entre os atores sociais nos espaços
escolares. A retomada dos estudos sobre professor e alunos exigia, portanto,
investigações que fizessem a passagem da análise dos determinantes
4 Sirota (1994) e Coulon (1995b) citam os artigos: Social-class Variations in the Teacher-Pupil
Relationship (1957) e Boys in White (1961) de Howard Becker, aluno de doutorado da Escola de Chicago.
5 Instituto National d’Études Démographiques (INDE): França, no período de 1962 a 1972; Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): Paris, a partir de 1971.
6 Realizadas na Grã-Bretanha. Relatórios divulgados desde 1954, por exemplo: Early Leaving, Crowther, Newsom, Robbins, Plowden.
7 Relatório Coleman. Relatório publicado nos Estados Unidos em 1966: Equalitu of Educational Opportunity.
macrossociais para os processos educacionais no interior da instituição escolar e da
sala de aula. É nesse contexto que ressurge o interesse no campo educacional
sobre os professores e alunos, em suas interações na sala de aula. Do ponto de
vista de Paiva (2002), a abordagem interacionista tem sido pouco discutida na
bibliografia de pesquisa em Educação no Brasil. Parte das pesquisas brasileiras e
outras de pesquisadores estrangeiros – Liénard e Servais (1982); Keddie (1982);
Geer (1982); Sirota (1994); Woods (1999) – serão analisadas no Capítulo 4 desta
dissertação, nas discussões sobre as regras do jogo escolar e as estratégias de
interação da professora e dos alunos da sala de aula investigada. Em especial, as
pesquisas de Sirota (1994), Perrenoud (1995) e Carvalho (1999), são de suma
importância nesse trabalho por analisarem o posicionamento de professores e
alunos contextualizados no ambiente escolar e social onde estão situados.
O desenvolvimento da pesquisa de Sirota (1994), sob a perspectiva
interacionista, combina a visão micro e macrossociológica, em uma escola primária.
Esta autora analisa comportamentos e discursos de alguns professores e alunos –
atores de sua pesquisa –, face à existência de crianças de camadas populares,
médias e altas. A partir da distinção dessas posições sociais, e observação do
posicionamento dos professores e dos alunos nas interações sociais que eles
estabeleciam, Sirota (1994) identificou maior consonância entre pais, alunos e
professores de posição social média, em relação aos demais níveis: “não há nem
ausência nem concorrência, mas complementaridade e reconhecimento de um
mesmo sistema de valores.” (SIROTA, 1994, p 154).
Em relação aos ofícios de professores e alunos, Perrenoud (1995) contribui
nessa presente pesquisa para a compreensão das estratégias de interação
articuladas pelos atores nas escolas e salas de aula, ao definir o ofício de aluno.
Perrenoud (1995, p 202) interpreta o ofício de aluno como uma trajetória cumulativa,
aprimorada, autônoma, em parte, e, acima de tudo, um saber aprendido pela
“apropriação das representações, imitação das práticas e interiorização de
condicionalismos objetivos”, que, segundo ele são entremeados e reforçados,
mutuamente.
Ao buscar indícios de prática de cuidado docente na escola primária,
Carvalho (1999) constata em sua pesquisa que o trabalho docente é relacional e,
portanto, sempre haverá envolvimento emocional nas relações estabelecidas, o que
independe do perfil de relacionamento buscado pelos professores: mais afetivo, ou
mais distanciado/preservado. O cuidado, segundo a autora, é uma prática aprendida
no cotidiano, nas interações ocorridas nas salas de aula, entre os professores na
escola, na socialização profissional dos professores – um processo interacional
produzido e reproduzido na cultura escolar.
Esses pesquisadores compartilham da visão interacionista, e se distanciam
da abordagem psicológica em que preponderam as expectativas, motivações e
situações que insinuam comportamentos aos indivíduos. O Interacionismo Simbólico
não funciona como
uma lista prescritiva de comportamentos a partir da qual se seleciona o comportamento, nem como um manual do tipo “faça você mesmo” que sirva para todas as ocasiões, mas sim como um modelo mais abstrato que oferece uma orientação mais geral. A conduta apropriada é construída através de um processo interativo e interpretativo. (WOODS, 1999, p. 49, grifos do autor).
O sentido atribuído ao mundo social empírico é um dos aspectos
imprescindíveis do Interacionismo Simbólico. É esse sentido que permite ao ator
interpretar cada situação, sem precisar recorrer a esquemas de sentido já
determinados, pois emerge do processo social “um processo formativo e não uma
aplicação sistemática de sentidos já estabelecidos” (HAGUETE, 2005, p. 36).
Embora não descarte essa hipótese, Coulon (1995a) tem uma visão complementar a
essa afirmação, ao mencionar que a constante interação entre consciência individual
e realidade objetiva produziria transformação social. As situações da vida social
seriam definidas pelos indivíduos, também (embora, não unicamente) por intermédio
de suas atitudes anteriores – que o informam sobre um determinado ambiente e lhes
permitem interpretá-lo.
Para isso, Coulon (1995a, p. 41) utiliza a noção de “situação”, criada por
William Thomas8 e aprofundada por Waller.
8 A noção de situação criada por W. Thomas, em 1918, em seu livro The Polish Peasant in Europe
and América, não obteve muita repercussão. Ele voltou a utilizá-la, de modo mais proeminente, em 1923, em The Unadjusted Girl: with Cases and Standpoint for Behavior Analysis. O termo ‘situação’ ganhou projeção na obra de W. Waller, The Sociology of Teaching, em 1932, e foi discutido também por Coulon (1995a) em A Escola de Chicago.
Ela depende ao mesmo tempo da ordem social tal como se apresenta ao indivíduo e da história pessoal deste. Sempre há um conflito entre a definição espontânea de uma situação por um indivíduo e as definições sociais que sua sociedade lhe oferece.
The Definition of the Situation é um dos capítulos do livro de Waller (1967),
em que ele trata a “situação” como um processo, no qual o indivíduo tem autonomia
para exercer suas atitudes, mas, ao mesmo tempo, é regulado pela imposição da
situação. Segundo esse autor, há aspectos e acontecimentos nas situações que
afetam a vida dos indivíduos. De fato, a definição da situação pela qual se explora e
se sente através do comportamento e do pensamento, as possibilidades de uma
situação, é um processo, na maioria das vezes, intimamente subjetivo que é
elaborado mais de uma vez na mente de cada um. O ator social pode ser bastante
afetado pela definição da situação que um outro alcança. As atitudes de outros são
elementos dinâmicos em uma situação indefinida que se apresenta a qualquer um e,
como resultado dessas atitudes, o ator social, possivelmente, pode vir a definir a
situação em uma direção, ou em outra. Por essa razão, pode-se dizer que um ator
social define a situação para outro (WALLER, 1967).
A situação nas salas de aulas, portanto, seria definida pelos atores em meio à
transmissão, socialização e integração de conhecimentos científicos e socioculturais.
Todavia, a efusão de situações diferenciadas, em um mesmo espaço, pode gerar
conflitos e alianças, enfim, maneiras contraditórias de conceber a situação da sala
de aula (COULON, 1995b). Goffman (1975, p. 21) complementa essa afirmação ao
reconhecer que a interação social pode se tornar “confusa e embaraçosa” diante das
imprevisibilidades das situações. As conseqüências da desorganização na interação
podem comprometer a confiabilidade na atuação dos atores, caso eles demonstrem
insegurança ou dificuldade de lidar com situações imprevisíveis.
Diante disso, os atores escolares têm o recurso das estratégias para lidarem
com situações embaraçosas. As estratégias em Goffman (1975, p. 22) são “práticas
preventivas”, “protetoras”, ou “defensivas” e ainda “técnicas” empregadas a que o
indivíduo recorre para se salvaguardar de uma situação projetada por outro.
Entendemos estratégia também como o “lugar em que a intenção individual e as
restrições exteriores se encontram” (WOODS apud SIROTA, 1994). Da mesma
forma, Geer (1982), Perrenoud (1995), Resende (2003) atribuem à estratégia um
processo de negociação e renegociação constante das situações vivenciadas, em
que os atores escolares não permanecem passivos diante das regras do jogo
escolar ou das contingências das situações.
A definição de interação apresentada por Goffman (1975, p. 29) aproxima-se
da definição de interação do Interacionismo Simbólico no aspecto da “influência
recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quando em presença física
imediata”. Distanciando-se, no entanto, da abordagem interacionista quanto à auto-
interação e interação com o mundo social, que nem sempre requer a presença do
outro. Por essa razão, Goffman (1975) e também Berger e Luckmann (1985)
exploram a interação face a face. Esse tipo de interação é o mais caro para eles
pela possibilidade de apreender diretamente, no outro, as feições, os gestos, a
postura corporal e quaisquer outros sinais e tipos expressivos.
Em 1966, Peter Berger e Thomas Luckmann lançaram A Construção Social
da Realidade, cujo desenvolvimento teórico abre a possibilidade de analisarmos a
educação sob muitos aspectos. Eles afirmavam: “Não posso existir na vida cotidiana
sem estar continuamente em interação e comunicação com os outros.” (BERGER e
LUCKMANN, 1985, p. 40). No entanto, eles consideram o processo de interação
dual, por ser imprevisível – dependente da situação e das atitudes alheias – e
previsível. Nesse caso, os autores consideram mais previsíveis as interações com
aqueles com quem se compartilham repetidas experiências. A interação face a face
acontece por meio do que os autores denominam “tipificações” ou “esquemas
tipificadores”. O interesse e a intimidade com o outro na interação social
dependeriam do grau de parentesco e de amizade, do campo de atuação, do cargo
ou da posição ocupada, do papel social, enfim, das tipificações exercidas
socialmente. Estas influenciariam, para mais ou para menos, a intensidade e o
anonimato da experiência com o outro na vida cotidiana.
Berger e Luckmann (1985) mencionam em seu livro que a intersubjetividade
da realidade da vida cotidiana se constitui pelas diferenciações entre as visões de
mundo de vários atores sobre uma realidade, em torno do “aqui e agora”, partilhada
de diversos modos pelos atores sociais. Transferindo esse conceito para o espaço
socioeducativo da escola, observamos que o professor e os alunos vão constituindo
seus ofícios e elaborando sentidos e significados nas convivências cotidianas no
contexto escolar e na sala de aula, por meio de uma interação repleta de
discordâncias e concordâncias, de negação ou deferimento. Os saberes do cotidiano
escolar são socialmente construídos a partir da interpretação e da ação de cada ator
em particular. Nessa teoria, a “objetivação da subjetivação humana” diz respeito ao
uso de objetos para simbolizar ou sinalizar uma intenção explícita. Os autores
exemplificam esse termo com objetos que têm a função instrumental (objetiva), ou o
uso significativo, como faca ou arma, que podem ser utilizados para atos de
violência, apesar de não ser esta a sua função social.
Sobre o “conhecimento da vida cotidiana”, Berger e Luckmann (1985, p. 68)
demonstram haver conhecimentos igualmente partilhados entre o eu e o outro e
aqueles não partilhados com ninguém: “o modo de trapacear no jogo”, por exemplo.
Esses autores se aproximam do pensamento de Mead (1967) na dialética entre
sociedade e indivíduo e reconhecem essa influência:
Mead e sua escola sugerem uma interessante possibilidade para o que poderia ser chamado psicologia sociológica, isto é, uma psicologia que deriva suas perspectivas fundamentais da compreensão sociológica da condição humana. (BERGER e LUCKMANN, 1985, p. 243).
Mediante as explicitações na perspectiva do Interacionismo Simbólico, é
possível confirmar, com base em Mead (1967) e Blumer citado por Felippe (2003), a
importância dos significados que professores e alunos têm um do outro e de si
mesmos, no ambiente social e empírico da sala de aula. Além disso, o
Interacionismo Simbólico concorda que há uma cultura, um conjunto de regras e
valores e significações que guiam as ações (individuais ou coletivas) e permitem
prever ações dos outros (COULON, 1995b). O Interacionismo Simbólico ressalta a
importância de se assumir o lugar do outro quando se quer compreender as atitudes
e os significados atribuídos por um determinado agente no mundo social empírico
(WOODS, 1999).
A argumentação acerca da interação como ação conjunta ou coletiva na
concepção de Blumer, conforme salienta Haguete (2005), difere da visão
funcionalista, ou seja, não são as normas que definem a ação humana e sim o
processo social da vida em grupo. A interação não é meramente determinante de
comportamento; os grupos ou o sujeito existem em ação e atividade contínuas.
Diferentemente da concepção durkheimiana, o Interacionismo Simbólico “afirma que
é a concepção que os agentes têm do mundo social que constitui, em última
instância, o objeto essencial da investigação sociológica” (COULON, 1995a, p. 20).
Uma vez que, segundo Castro (2002), a visão interacionista está voltada para a
interação dos atores e enquanto atores sociais deixam o papel passivo para
assumirem um papel ativo na sociedade.
Relação professor-aluno na escola e na sala de aula no campo da Psicologia Social e Escolar
A publicação de Introdução à Psicologia Social, em 1908, escrito por William
McDougall, na Inglaterra, marca o nascimento da Psicologia Social. Pouco mais de
dez anos depois, a teoria dos instintos e das disposições mentais inatas,
desenvolvida em seu livro, foi negada pela psicologia behaviorista que enfatizava a
importância da aprendizagem no comportamento social (MATA MACHADO, 1987).
Assim, a oposição por parte da psicologia behaviorista ocasionou uma mudança por
volta de 1920: a ênfase nos instintos é substituída pela ênfase nas atitudes. A
diferença entre esses conceitos estaria na crença de que a atitude é aprendida e
não inata, como defendia McDougall.
Apesar de a Psicologia Social nascer na Inglaterra, a produção científica
dessa corrente teórica acontece, majoritariamente, nos Estados Unidos, com o
objetivo de “minimizar os conflitos através da alteração e/ou criação de atitudes, que
visavam a uma harmonização das relações grupais, para garantir a produtividade,
em uma sociedade seriamente comprometida pelas conseqüências do pós-guerra”9.
(FLECHA, 1996, p. 71). Pelas inferências de Mata Machado (1987), percebe-se que
o pensamento teórico-psicológico de William James e, sobretudo, a teoria sobre o
behaviorismo social de Mead, também contribuíram no desenvolvimento da
Psicologia Social. De fato, ao longo dos escritos de Mind, Self and Society (1967),
percebem-se as referências de Mead às doutrinas de James, ainda que as
reformulando em alguns casos.
Um dos primeiros estudos sobre a interação professor-alunos na perspectiva
da Psicologia Social e Escolar é a pesquisa experimental realizada por Rosenthal e
Jacobson, publicada em 1968. Os autores esclarecem que os comportamentos, as
atitudes e sobremaneira, as expectativas do professor afetavam não só o êxito 9 Esse período pós-guerra refere-se, principalmente, à Segunda Guerra Mundial.
escolar dos alunos, como o desenvolvimento intelectual. A pesquisa envolveu 18
turmas de uma escola pública primária de meios populares, das quais foram
selecionados alguns nomes de alunos, aleatoriamente. Os nomes foram
apresentados a seus respectivos professores, levando-os a crer que haviam obtido
excelentes notas em um teste final (embora o teste não tenha sido realizado). A
partir dessa informação, observou-se, após alguns meses, uma melhora
considerável no aproveitamento desses alunos em relação a seus colegas. Com
isso, os autores afirmam que o “efeito Pigmalião” funcionaria como uma profecia
auto-realizadora, proclamada pelo professor, a partir de pré-noções e expectativas
sobre o comportamento do aluno (RASCHE e KUDE, 1986).
Forquin (1995), entretanto, ao analisar o estudo de Rosenthal e Jacobson,
ressalta que os professores não estão isentos de imputar julgamentos errados a
seus alunos e alerta que o “efeito Pigmalião” não possui um efeito automático, ou a
geração de práticas instantâneas nos alunos.
Outro importante estudo sobre expectativas do professor foi realizado por
Rist, na década de 1970 (RASCHE e KUDE, 1986). Ele observou que aspectos da
aparência física, como cor da pele, tipo de cabelo, odor e higiene, tornaram-se
atributos de seleção, utilizados pela professora pesquisada, para a distribuição dos
alunos em sala. Os considerados ‘bem-apresentáveis’ foram agrupados na mesa
número um e os outros alunos, distribuídos nas mesas de números dois e três. Em
outra sala, Rist percebeu a mesma distinção, porém, as mesas eram diferenciadas
por: “tigres” – para os melhores alunos, de acordo com o conceito da professora;
“cardeais” e “palhaços” – para os piores. As expectativas negativas do professor,
segundo Rasche e Kude (1986), podem afetar não só a classificação dos alunos por
mesas, como também inibir o espírito criativo da criança, ou persuadi-la de que o
seu destino é o fracasso escolar.
De forma semelhante, Brophy e Good (1974) se dedicaram ao levantamento
de alguns estudos sobre a relação professor-aluno em sala de aula, nos quais
observam que o principal foco das pesquisas era o comportamento do professor –
considerado inapropriado em algumas situações. As diferenças no comportamento
dos professores que concediam mais atenção aos alunos de camada média do que
aos de origem menos favorecida poderiam estar influenciando negativamente os que
recebiam pouca, ou nenhuma atenção e, positivamente, os que reagiam de acordo
com o esperado pelo professor. Além desses quesitos, os autores observaram que a
relação professor-aluno era também influenciada pela diferenciação quanto a origem
social, etnia, gênero e dialetos.
Em revisão do campo de pesquisa acerca da interação professor-aluno, entre
1950 e 1970, Mello (1975) reforça a opinião de Brophy e Good (1974) de que,
geralmente, a ênfase dos estudos recaía sobre a figura do professor, considerado
como estimulador do aluno. O que equivale dizer que os docentes eram
classificados como bons ou ruins tendo por referência o ensino que eles
ministravam, além da competência e habilidades estreitamente vinculadas ao
rendimento dos alunos. Em referência a estatísticas, muito desenvolvidas nesse
período, Mello (1975, p. 23) argumenta que uma abordagem metodológica voltada
para descrições mais objetivas e menos subjetivas dos comportamentos geraria “um
registro mais confiável”. Essa crítica valorizava as variáveis observadas na revisão
de Mello (1975), que abarcam: clareza e validade na exposição de conteúdos;
aproveitamento pelo professor das idéias dos alunos; criticismo e controle para
“justificar a autoridade”; entusiasmo e envolvimento; tipos de perguntas e exploração
de perguntas do aluno (MELLO, 1975, p. 24). Essas variáveis evidenciavam uma
“situação de influência interpessoal”, na qual a expectativa do professor para com o
aluno era analisada pelo pesquisador utilizando técnicas de avaliação, segundo a
autora, mais seguras e controladas que as observações interacionistas (MELLO,
1975, p. 26).
Nessa mesma perspectiva comportamental e de expectativas, Costa (1994)
discute em seu livro a relação professor-alunos, com estes modificando e sendo
modificados pelo objeto de conhecimento, o que ocasionaria uma relação de causa
(determinantes) e efeito (determinados). O comportamento dos professores e suas
expectativas frente aos alunos poderiam minimizar ou maximizar as situações de
aprendizagem escolar, expandindo, assim, a responsabilidade dos professores.
Segundo Costa (1994), os professores visualizam, sentem e têm expectativas em
relação aos alunos (implícitas ou explícitas) que interferem na conduta desses
alunos. A partir dessa premissa, Costa (1994) menciona algumas classificações que
foram atribuídas às crianças, como: excelentes, inteligentes, brilhantes, para as de
melhor desempenho; débeis mentais, atrasadas, deficientes, para aquelas que não
obtinham êxito na escola e não se enquadravam em seus padrões. Na maioria dos
casos, segundo Costa (1994), essas últimas classificações pareciam ser atribuídas a
alunos negros e também aos menos favorecidos.
Como iniciativa de combate a essas anomalias, os testes de inteligência
passam a ser utilizados para distinguir o normal do patológico. Porém, observa-se
nessa distinção uma forma de se justificar o fracasso escolar apenas pelas
capacidades biopsicológicas e comportamentais das crianças, isentando o sistema
escolar e a mediação de outros determinantes nos resultados escolares de suas
responsabilidades. Em suas considerações, Costa (1994) chama a atenção para a
questão do déficit como diferença, não como deficiência, de modo que o
desconhecimento não signifique anormalidade, mas o potencial de um agente para
descobrir algo novo.
As iniciativas do professor em sala, na concepção de Aquino (1996), são
primordiais e interferem na conduta do aluno – apesar de se considerar a
importância da reciprocidade: docente-discente – “a aprendizagem do aluno pode
ser mais ou menos facilitada”, a partir do tipo de interação que o professor
estabelece com eles (ABREU e MASETTO apud AQUINO, 1996, p. 22). A
importância da relação professor-alunos, de acordo com Leite (1997, p. 312),
não se limita à apresentação dos papéis diferentes. Uma vez colocados na sala de aula, professor e alunos passam a constituir um grupo novo, com uma dinâmica própria, e entre eles se desenvolvem, muitas vezes, intensas relações interpessoais.
Há ainda, nos tempos hodiernos, tendências de análise que enfocam as
habilidades interpessoais do professor, o que pôde ser observado na pesquisa de
Del Prette et al. (1998). As variáveis observadas nessa pesquisa são comparáveis
às citadas no trabalho de Mello (1975), visto que são identificadas classes e
subclasses de variabilidade de desempenho do professor. Em geral, são elas: ações
orientadas para estruturação da participação, estruturação do conteúdo e
configurações interativas. Os autores concluem que, quando
o professor organiza mais efetivamente a atividade, consegue compartilhar com os alunos a estruturação de conteúdos e aumentar as oportunidades de interações sociais em sala de aula, descentralizando seu papel, ao contrário do que acontece na concepção tradicional de ensino. Esse tipo de avaliação fornece subsídios para compreender a passagem de responsabilidade ao aluno quando se estabelece uma estrutura de conteúdo sobreposta à de participação. (DEL PRETTE et al., 1998, p. 10).
A concepção da Psicologia Social quanto à interação professor-aluno difere
da concepção sociológica, pois, segundo Haguete (2005), a ênfase recai sobre o
estudo científico do comportamento humano, em que as influências sociais sobre o
indivíduo praticamente não são abordadas. Os valores sociais (objetivos) e o “como”
as pessoas agem seriam pertencentes à Sociologia, enquanto as atitudes
(subjetivas) e o “porquê” estariam ligados à Psicologia Social.
No desenvolvimento da presente pesquisa, tomam-se, como referência
principal, os pressupostos da Sociologia Interacionista e das contribuições dos
estudos sociológicos. Pressupõe-se, portanto, que a situação pedagógica não é
neutra e condiciona o processo interacional de professor e alunos (BOURDIEU e
PASSERON, 1970; SIROTA, 1994). Concebe-se ainda, nesta pesquisa, que o
sucesso ou o fracasso no percurso escolar dos alunos está relacionado ao trabalho
interacional recíproco entre professor e alunos, e entre alunos e seu grupo de
amigos, em relação às disposições escolares construídas e transformadas na e pela
ação da escola e pelas formas como esta mobiliza os alunos em relação a seus
objetivos. É a partir das discussões desses estudos que emergem as questões que
orientam a presente pesquisa:
Como os grupos de alunos e a professora percebem, traduzem e
expressam as interações que vão sendo construídas entre eles nas situações de
aula?
Como a professora e os alunos se posicionam frente ao outro no espaço
da sala de aula, em outros espaços de interação da escola e nos ambientes
externos à escola?
Como as interações – entre a professora e seu grupo de alunos e entre os
alunos – podem influenciar o aprendizado de conhecimentos e saberes valorizados
pela escola, como o sucesso escolar?
Que estratégias são postas em ação pela professora e pelos alunos frente
às regras do jogo escolar nas suas interações, nas situações de aula?
De que modo o ambiente escolar e o meio social marcam as interações
entre a professora e seus alunos e entre os grupos de pares?
Delineadas as questões e hipóteses norteadoras da pesquisa, procedeu-se à
observação, descrição e análise: (i) do modo como as interações sociais são
estabelecidas entre os alunos das camadas populares e seu grupo de amigos e
entre os alunos e a professora; (ii) das possíveis influências engendradas pela
situação pedagógica nas interações entre esses atores em sala de aula, na escola e
em ambientes externos a ela; (iii) da forma em que as interações da professora e
dos alunos estariam, ou não, sendo marcadas por aspectos do meio social e do
ambiente cultural em que estão inseridos, ou seja, pelas condições objetivas de
promoção dessas interações. Assim, a complexidade do mundo social empírico educacional possibilitaria
analisar três dimensões diferenciadas que influenciam as interações:
(i) interação sociedade-escola: os atores socioculturais trazem a
sociedade para dentro da escola, na forma da estrutura institucional,
hierarquias, métodos pedagógicos, políticas educacionais e relações
de poder, o que Postic (1984, p. 13) denomina “marcas da sociedade”;
(ii) interação entre a instituição escolar e seus atores: alunos e professora
tendem a incorporar ou rejeitar o ethos escolar, assim como também a
influenciá-lo no cotidiano;
(iii) interação no espaço da sala de aula: aqui, a professora e os alunos
parecem fruir de ações e interações previsíveis e imprevisíveis, visíveis
e invisíveis.
Estrutura da dissertação
No Capítulo 1 – Introdução – são apresentados e discutidos alguns estudos
sobre os processos interacionais entre professor-alunos na escola e na sala de aula,
realizados por diversos pesquisadores, objetivando delimitar o campo desta
pesquisa, a partir de resultados já coletados.
Em Abordagem Metodológica da Pesquisa – Capítulo 2 – estão incluídos os
critérios para escolha da cidade, da escola e da turma pesquisada, bem como o
perfil dos atores educacionais. Ressaltam-se também os procedimentos,
instrumentos, organização e análise das informações e depoimentos coletados em
campo.
No Capítulo 3 – Meio Sociocultural e Escola Municipal Professor Afonso
Goulart: Cidade, Sistema Municipal de Educação e Corpo Profissional da Escola –
são descritos os aspectos socioculturais, econômicos e educacionais de Lagoa da
Prata, bem como o meio sociocultural e a escola pesquisada, onde estão inseridos
os atores centrais desta investigação.
No Capítulo 4, as Interações entre Professora e Alunos em Sala de Aula são
analisadas, tendo em vista as estratégias de interações engendradas pela
professora e os alunos da Fase IV, do Ciclo Complementar de Alfabetização, nas
situações de aula vivenciadas.
A Conclusão: Escola e sala de aula como palco das estratégias de interação
encerra este estudo, porém, abre outras possibilidades de análise acerca dos
processos interacionais no interior da sala de aula, sobretudo em cidades do interior.
2 ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA
Para saber construir o objeto e conhecer o objeto que é construído, é necessário ter consciência de que todo objeto propriamente científico é consciente e metodicamente construído. (BOURDIEU; CHAMBOREDON; PASSERON, 1999, p. 64).
O fato de se privilegiar nesta pesquisa as interações entre professora e
alunos nos conduz a optar pela investigação qualitativa, por ser este o método mais
adequado às questões e objetivos propostos. Na concepção de Bogdan e Biklen
(1994, p. 16), a investigação qualitativa favorece “a compreensão dos
comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação”. Por isso, nas
situações interacionais investigadas, direcionou-se o olhar de pesquisador para o
lugar do outro, para apreender a concepção dos atores educacionais sobre o mundo
social empírico (WOODS, 1999). Coriat (2004, p. 307) convida-nos a refletir sobre
essa postura de pesquisador ao enfatizar que, “para provocar transformações
naquilo que temos ao lado, é necessário olhar as coisas muito conhecidas, a partir
de outro lugar”, sem nos esquecermos de que o trabalho do pesquisador na situação
a ser investigada deve deixar de lado o olhar ingênuo e ater-se a um olhar
aprimorado com base na teoria estudada (TURA, 2000).
Contudo, a inserção no espaço da pesquisa envolveu também um processo
de objetivação/subjetivação, que, de acordo com Bourdieu; Passeron; Chamboredon
(1999), requer a necessária acuidade do pesquisador em discernir os momentos em
que se deve distanciar ou se aproximar do objeto de pesquisa. Da mesma forma,
Woods (1999) refere-se à dosagem do envolvimento e distanciamento do
investigador como aspectos imprescindíveis no trabalho de campo. Essas questões
suscitadas cooperaram para que a percepção da pesquisa em campo atentasse
para “o fenômeno em si e não só os seus efeitos”, ou seja, para a forma como são
construídas as interações entre os atores escolares e as estratégias que eles
manifestam nas situações de aula (FELIPPE, 2003, p. 10).
Objetivou-se circunscrever esta investigação às diferenciações elucidadas por
Postic (1995), no que diz respeito às interações que o aluno estabelece com o
docente, que não são as mesmas para com os de seu próprio grupo. As interações
diferem, dependendo da posição que o ator ocupa na situação pedagógica. Ou seja:
há momentos em que é o professor quem ocupa o papel principal; em outros, o
aluno – e isso interfere na interação que eles estabelecem, no posicionamento de
um frente ao outro (MEAD, 1967). As observações coletadas pela pesquisadora, no
cotidiano da sala de aula, da escola e demais situações, em outros espaços não
escolares, focalizaram os processos interacionais da professora e alunos, de acordo
com três dimensões da interação definidas neste projeto. Uma delas diz respeito às
atividades do professor para com o seu grupo de alunos. Objetiva-se explorar as
ações do professor quanto ao planejamento didático das aulas, estratégias para
organização do espaço da sala de aula, a dinâmica da prática de ensino e a
mobilização pessoal em relação a sua prática e carreira docente. A segunda
dimensão volta-se para os processos de aceitação ou rejeição por parte dos alunos,
face às atividades propostas pelo professor: em que medida eles se mobilizam e
criam estratégias que interferem, positiva ou negativamente, na forma como os
professores organizam o trabalho pedagógico e como se dá o processo de
aprendizagem dos conhecimentos e saberes a serem adquiridos e apreendidos. A
terceira dimensão refere-se às interações entre os alunos, reciprocamente,
procurando apreender como se realiza a distribuição e participação dos alunos no
espaço da aula, o aprendizado de atitudes e saberes, troca de informações, disputas
e brincadeiras que dinamizam a vida escolar e dos grupos de amigos.
Essas três dimensões da interação apresentam cenas diferentes de atuação
do professor e dos alunos, possibilitando ao pesquisador assistir a esses atores em
situações variadas, prioritariamente, no espaço da sala de aula.
Priorizou-se a sala de aula porque, nela, os atores escolares permanecem a
maior parte do tempo, em situações pedagógicas. Entretanto, em alguns momentos,
a sala de aula deixou de ser o espaço onde ocorriam as interações, em prol de
outros espaços escolares e não escolares. Nessas situações, a professora e os
alunos foram acompanhados com a finalidade de se apreender e compreender
situações variadas que envolvem as rotinas escolares. Não foram ignorados os
espaços escolares que apresentaram situações de interação importantes de serem
registradas para a compreensão das estratégias de interação estabelecidas, que
compreendem: o movimento de entrada/saída de alunos e professores; o recreio;
pátios; corredores; encenação de uma peça teatral; sala dos professores, secretaria
e demais ambientes da escola. Além disso, atividades realizadas fora da escola –
como a visita à Associação dos Catadores de Lagoa da Prata (ASCALP) – e em
aulas de Educação Física, que aconteciam, rotineiramente, na quadra poliesportiva
em frente à escola, também foram acompanhadas pela pesquisadora.
A pesquisadora adotou uma postura que evitasse intervenções nas aulas,
sentando-se sempre ao fundo da sala de aula, discernindo as respostas dos alunos
às solicitações da professora e de seu grupo de amigos e da professora em relação
aos alunos. Houve, por parte dos alunos em relação à pesquisadora, inúmeras
interações espontâneas que, às vezes, tumultuavam as aulas. Eles lhe agradavam
com lanches e presentes, demonstravam desejar sua companhia no horário do
recreio, na visita à ASCALP e nos ensaios da peça teatral a ser encenada, na
escola, em comemoração ao Dia das Mães. Em sala de aula, eles entregavam à
pesquisadora folhas de trabalhos que seriam destinadas apenas a alunos e
requeriam à professora a participação da pesquisadora nas atividades por eles
realizadas (ANEXO A). Nas aulas de Educação Física, disputavam a sua atenção
para o bom desempenho nos jogos desportivos.
Apesar de a pesquisa de campo ter ocorrido, majoritariamente, no turno da
manhã, durante três semanas foram realizadas observações em horário integral,
incluindo o turno da tarde; por duas vezes, houve participação da pesquisadora em
reuniões de professores em um terceiro turno, na mesma escola. As investigações
em campo no turno da manhã se restringiam ao horário de 07:00 às 11:10min.; à
tarde, de 12:30 às 16:40min. As reuniões de professoras e especialistas começavam
às 17:00h e terminavam às 19:00h. Nas três primeiras semanas de observação,
objetivou-se conhecer todos os ambientes da escola e as interações que ocorriam
nesses espaços – reunião de pais da turma pesquisada, reunião de professores,
secretaria, sala dos professores –, para, a partir da quarta semana, iniciar-se a
pesquisa com a turma selecionada. Entre os meses de março e junho de 2006,
foram totalizadas cerca de 250 horas de observação na escola, incluindo as
entrevistas gravadas.
2.1 Escolha da escola e da turma
O fato de conhecer a cidade de Lagoa da Prata/MG e os profissionais que
atuam na rede pública local e o interesse pessoal por alunos de escola pública e de
camadas populares direcionaram a pesquisadora para a escolha de uma instituição
escolar da rede pública municipal dessa cidade. O primeiro contato com o campo de
pesquisa aconteceu em dezembro de 2005, por meio de uma “entrevista informal”10
(TURA, 2000, p. 140) com a Secretária Municipal de Educação e Cultura de Lagoa
da Prata/MG, que demonstrou satisfação em receber a pesquisadora em quaisquer
escolas da rede municipal que atendessem ao interesse da pesquisa.
Assim, alguns critérios foram estabelecidos, de modo a nortear a seleção da
escola, lócus da pesquisa: (i) oferecer os anos iniciais do Ensino Fundamental; (ii)
estar em funcionamento há algum tempo; (iii) oferecer, à pesquisadora, situações
interativas a serem observadas no espaço da sala de aula em relação à instituição
escolar e ao meio social; (iv) boa receptividade por parte da diretora, dos
professores e funcionários da escola.
Em seguida, partiu-se para os primeiros contatos com algumas escolas e
respectivas diretoras. Foram visitadas três escolas que, a princípio, demonstravam
atender aos critérios definidos. A escolha recaiu sobre a Escola Municipal Professor
Afonso Goulart11 (EMPAG): localiza-se em uma região que atende a alunos de
camadas populares no perímetro urbano da cidade de Lagoa da Prata/MG; foi criada
há 15 anos; sua diretora demonstrou receptividade à pesquisadora. Nos demais
contatos com a diretora da escola selecionada, colheram-se informações12 que
certificassem a escolha e a realização da pesquisa naquela instituição de ensino.
A partir dos dados informados pela escola, objetivou-se identificar uma turma
que estivesse vivenciando o período de transição do primeiro segmento do Ensino
Fundamental para o segundo segmento. A decisão pela Fase IV está circunscrita ao
tempo escolar dos alunos, supondo-se que assim seriam manifestados traços mais
visíveis de incorporação, rejeição, reconhecimento e estratégias por parte deles ao
lidarem com as regras do jogo escolar nas interações estabelecidas com os amigos
e com a professora. Pelo mesmo motivo, optou-se por uma professora com tempo
de magistério entre 6 e 15 anos13 de experiência, que fosse efetiva e atuante nos
10 Tura (2000) faz uso desse termo para se referir a entrevistas que acontecem sem roteiro
estruturado e/ou sem combinação prévia. 11 A pesquisadora foi devidamente autorizada pela supervisora (na entrevista) e pela Secretária
Municipal de Educação (ANEXO F) a utilizar o nome verdadeiro da escola. 12 Foi enviado um formulário pela pesquisadora à escola, solicitando dados relativos ao ano de
fundação da escola; número de alunos; número de professores e respectivos tempos de experiência no magistério e jornada de trabalho; número de turmas etc. (APÊNDICE A).
13 De acordo com Cardoso (2001), professores novatos: trabalham há até cinco anos no magistério; professores intermediários: entre 6 e 15 anos; professores experientes: há mais de 16 anos.
anos iniciais do Ensino Fundamental. Apoiamo-nos em Huberman (1995) para
definir a escolha de uma professora com esse perfil; segundo o autor, esse “ciclo de
vida profissional dos professores” já teria superado a “entrada na carreira”
caracterizada pela fase de descoberta por parte dos “principiantes” (HUBERMAN,
1995, p. 39). A fase de estabilização apresenta, por parte dos professores, conforme
Huberman, sentimentos de competência pedagógica, confiança, flexibilidade,
descontração, segurança, prazer, humor, espontaneidade e conforto. Sentimentos
pouco percebidos antes da estabilização, em decorrência das incertezas e
insucessos que tendem a restringir a espontaneidade em “certa rigidez pedagógica”
(HUBERMAN, 1995, p. 41). Com a ressalva de que a fase de estabilização comporta
variáveis de uma pessoa para outra, nessa fase os professores preocupam-se
menos consigo próprios e mais com os objetivos didáticos. Portanto, na visão desse
autor, sentem-se mais à vontade para enfrentar situações complexas e inesperadas.
Segundo esses critérios, a professora Patrícia, que leciona na Fase IV,
apresentava o perfil adequado. Negociou-se, junto à direção da escola, uma
observação extraclasse por um período de aproximadamente três semanas. Vencido
esse prazo, seria iniciada a observação na turma da Fase IV do Ciclo Complementar
de Alfabetização (CCA).
Passadas as três semanas de observação do espaço escolar e chegado o
momento da observação no interior da sala de aula, apesar de já terem sido
combinados os procedimentos de participação da pesquisadora nas aulas, houve
um retraimento da diretora, que elencou uma série de dificuldades em acolhê-la em
sala de aula em horário integral. A diretora indagou sobre a possibilidade de
permanência em meio horário das aulas, além de auxiliar a professora em suas
tarefas docentes. Foram explicitados os interesses e procedimentos da pesquisa,
bem como as limitações que estes impunham à pesquisadora no auxílio à
professora. Após conversa a sós com a professora, a diretora encaminhou-lhe a
pesquisadora, que foi acolhida pela professora com o cumprimento: “Seja bem-
vinda!”.
No decorrer da pesquisa de campo, especificamente, na sétima semana de
observação, a pesquisadora deparou-se com imprevistos já preditos por Bourdieu
(2006): “nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades” partilhadas
por todos os pesquisadores. Elegantemente, a diretora convidou a pesquisadora a
continuar em sala de aula apenas metade do horário da aula – antes ou depois do
recreio –, alegando cansaço aparente da professora e receio de que esta solicitasse
licença médica, o que acarretaria problemas no desenvolvimento dos alunos e na
organização escolar. Segundo a diretora, a professora era uma pessoa alegre,
animada e, ultimamente, vinha se mostrando cansada, abatida e triste. A diretora
enfatizou que aquela decisão fora assumida por ela e pela supervisora, a fim de
melhorar o trabalho pedagógico desenvolvido pela professora em sala de aula.
Ambas já haviam conversado com a professora e, visando à qualidade do ensino e
ao bem-estar da professora, optaram por reduzir o horário de observação, caso a
pesquisadora concordasse. Segundo ela, “a Patrícia é boa demais e eu tenho
observado que tem (sic) alguma coisa errada com ela, por isso a gente (sic) está
tentando ajudar.” (Diretora Ronara, diário de campo, 19 abr. 2007). Acrescentou,
ainda, que o professor tem uma forma de chamar os alunos à atenção que não é a
mesma quando há alguém na sala – “ainda mais uma pesquisadora de mestrado!” –
e isso podia estar dificultando o trabalho da professora, “não que ela não fosse
capaz, pelo contrário, a Patrícia é uma professora muito boa, mas esse (sic) ano ela
pegou (sic) uma turma problemática, você tinha que ter vindo aqui há três anos
atrás14 (sic) [...]” (Diretora Ronara, diário de campo, 20 mar. 2007).
Embora a pesquisadora não se declarasse contrariamente à decisão da
diretora e da supervisora, também não se mostrou a favor. O seu posicionamento foi
de adequação àquelas “exigências”, o que marcaria uma nova fase da pesquisa. Ao
ouvir a opinião da professora, constatou que ela fora favorável à redução do horário
de presença da pesquisadora em sala de aula. Segundo ela, a diretora estivera
sempre atenta durante aquele período, questionando-a sobre a presença da
pesquisadora em sala e colocando-se à disposição para quaisquer eventualidades.
A professora explicitou que não atribuía à pesquisadora os problemas existentes
com a turma, apesar de, muitas vezes, sentir-se receosa nos momentos de chamar
os alunos à atenção. Segundo ela, “quando temos visita em casa e saímos do
banho, não aparecemos perto dela de toalha; da mesma forma, na sala de aula
temos que respeitar a visita, não é tudo que a gente pode fazer e falar (sic).”
(Professora Patrícia, diário de campo, 19 abr. 2007). As explicações fornecidas
14 A diretora se refere à gestão do Partido dos Trabalhadores no mandato de 2001 a 2004, em que
ela se sentia mais atendida pela secretária municipal de Educação nas questões pedagógicas que envolviam a escola. Na última eleição para a prefeitura, esse prefeito se candidatou, em uma tentativa de reeleição, mas perdeu para o atual prefeito, do Partido Popular Socialista (PPS), gestão 2005-2008.
revelaram que a professora sentia-se “desnuda” na presença da pesquisadora. Ela
acrescentou que não sabia se pelo fato de ser mais rígida com os alunos nas
quintas e sextas-feiras eles se comportavam melhor, ou se era devido à ausência15
da pesquisadora naqueles dias. Tal fato, segundo ela, era difícil afirmar com certeza.
Por ter vivenciado uma situação parecida em sua pesquisa empírica, Carvalho
(1999, p. 100) afirma que “a sala de aula parece ser um recesso quase inviolável
para a maioria dos professores, constituindo-se um espaço considerado particular,
que eles não desejam partilhar com outros adultos”. Contudo, essa situação emergiu
no decorrer da observação em campo, pois, inicialmente, a professora não
demonstrou resistência.
Não obstante, a justificativa da professora investigada apresenta certa
discrepância entre “aparência” e realidade (GOFFMAN, 1975, p. 48). A aparência,
na visão desse autor, é a tendência em esconder parte do trabalho considerado
inadequado de ser apresentado ao outro, na interação, pelo receio de que haja
ruptura na imagem idealizada. A professora deixa transparecer, pela sua
comparação, que esteve utilizando estratégias em razão da nova situação que se
formava nas aulas pela “visita” da pesquisadora. Talvez, o controle de seus ímpetos,
visando a preservar a sua imagem docente e a impressão que passaria. A esse
desempenho particular na interação, Goffman (1975, p. 29) denomina “fachada”, a
qual
funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação.
A professora demonstrou alívio e tranqüilidade pela medida, que, a princípio,
parecia ter sido tomada unicamente pela direção e coordenação pedagógica. Assim,
a observação na sala de aula passou a ocorrer de 07:00h até o recreio, ou do
recreio até 11:10min. (término do primeiro turno).
15 A professora se refere às ausências necessárias para os encontros quinzenais de atividade de
pesquisa, do Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação – PUC Minas, que aconteciam em Belo Horizonte/MG.
2.2 Turma da fase IV
A turma observada é composta por 27 alunos da Fase IV do Ciclo
Complementar de Alfabetização, embora o número de alunos tenha oscilado entre
27 e 29 no decorrer do período da pesquisa. Na primeira semana, houve uma troca
de alunos entre as duas turmas de Fase IV existentes na escola (ambas no turno da
manhã). Em seguida, duas transferências: entrada de um aluno e saída de outro
para uma escola na mesma cidade. Além disso, um dos meninos da turma esteve
ausente às aulas por 15 dias, fato que mobilizou a coordenação pedagógica da
escola. Foi necessário encaminhar o caso ao Conselho Tutelar, que tomou as
medidas necessárias para o retorno do aluno às aulas. Segundo a diretora, o
Conselho Tutelar visitara a residência do aluno e verificou que o alcoolismo do pai
estava influenciando a vida escolar do filho.
Em consulta ao arquivo da escola, às fichas de matrículas dos alunos da
turma pesquisada, verificou-se que eles pertencem a famílias de camadas populares
oriundas, majoritariamente, do bairro Gomes, onde está localizada a EMPAG, e
minimamente de outros bairros (GRÁF. 1).
02468
1012141618
B. Gomes
B. Nossa Sra. dasGraçasB. Sta. Eugênia II
B. Mangabeiras
B. Etelvina Miranda
Gráfico 1: Distribuição dos alunos da EMPAG por bairros Fonte: Dados da pesquisa de campo
Do total de 27 alunos, 17 residiam no bairro Gomes; 6 alunos, no bairro
Nossa Senhora das Graças; 2 alunos, no bairro Santa Eugênia II e 1 aluno em
Mangabeiras e 1 aluno em Etelvina Miranda.
Os meninos eram em maior número na turma – somavam 15 – e as meninas,
12. Não havia alunos oriundos da zona rural; em toda a escola, apenas 8 alunos
utilizavam o transporte escolar rural. O ano de nascimento dos alunos da Fase IV
investigada variava entre 1995 a 1996, o que corresponde a 10 e 11 anos de idade,
própria a essa fase de escolarização. Dentre eles, duas alunas e quatro alunos eram
registrados apenas no nome da mãe.
Objetivando um melhor delineamento do perfil dos alunos dessa turma,
investigou-se em que condições escolares eles ingressaram nessa fase. Verificou-se
que, no ano anterior ao de realização da pesquisa (2005), as três turmas de Fase III,
que hoje compõem as duas de Fase IV, foram atingidas por problemas de
rotatividade de professoras, com a passagem de até quatro professoras por uma
mesma turma. Segundo a diretora, esse fato seria um dos que explicariam um grupo
de alunos tão fracos naquele ano corrente. Em uma das Reuniões de Módulo II, a
diretora expôs a situação de fracasso escolar de alguns alunos da Fase IV, que,
segundo ela, encontravam-se “sem saber ler e escrever” (Diretora Ronara, diário de
campo, 22 mar. 2006).
Tal afirmação instigou a pesquisadora a levantar mais informações sobre as
turmas de Fase III da EMPAG do ano anterior (2005), objetivando compreender o
processo de escolarização vivenciado pelos alunos da atual Fase IV, uma vez que a
grande maioria dos alunos da fase III anterior, matriculou-se nessa mesma escola,
para a fase posterior, a fase IV.
2.2.1 Turmas de fase III – ano letivo de 2005 e fase IV – primeiro semestre de
2006
A seguir, far-se-á uma exposição restrita das avaliações de desempenho dos
alunos, realizadas semestralmente pela supervisora, que demonstram ser uma fonte
adequada para a análise proposta. Os dados quantitativos apresentam um
panorama geral do processo de aprendizagem da Fase III no primeiro e segundo
semestres de 2005, contribuindo, assim, para a visualização do perfil com que os
alunos ingressaram na Fase IV – objeto de observação da pesquisa – em 2006. O
ano letivo de 2005 se iniciou com 81 alunos, distribuídos em três turmas da Fase III.
Na avaliação do primeiro semestre a que os alunos foram submetidos (junho
de 2005), a primeira turma demonstrou habilidade em todas as disciplinas,
observando-se alto índice de conceitos ‘Ótimo’ e ‘Muito bom’, não havendo
incidência de conceitos inferiores a estes. Do total de 33 alunos, 22 alunos
obtiveram ‘Ótimo’ em Português e 11, ‘Muito bom’. Em Matemática e Ciências, 23
alunos obtiveram ‘Ótimo’ e 10, ‘Muito bom’. O resultado em Geografia e História foi
semelhante: 24 alunos obtiveram ‘Ótimo’ e 9, ‘Muito bom’. Em Educação Artística,
Educação Física e Educação Religiosa, a grande maioria alcançou conceito ‘Ótimo’
(GRÁF. 2).
05
101520253035
Português
Matemáti
ca
Ciência
s
Geograf
ia
História
Ed. Artí
stica
Ed. Físi
ca
Ed. Reli
giosa
ÓtimoMuito Bom
Gráfico 2: Avaliação da primeira turma da fase III – 1º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
O desempenho da segunda turma – 22 alunos – difere do apresentado na
primeira turma pelo alto índice de conceito ‘Muito bom’, obtido pela totalidade dos
alunos em Ciências, Geografia, História, Educação Artística, Educação Física.
Diverge também pelo baixo índice de conceito ‘Ótimo’, diagnosticado apenas em
Português (4 alunos), Matemática (2 alunos) e Educação Religiosa (2 alunos).
Registra-se o conceito ‘Bom’, ainda que em baixa escala, em Português (1 aluno) e
Matemática (3 alunos) (GRÁF. 3).
05
10152025
Português
Matemáti
ca
Ciência
s
Geograf
ia
História
Ed. Artí
stica
Ed. Físi
ca
Ed. Reli
giosa
Ótimo
MuitoBomBom
Gráfico 3: Avaliação da segunda turma da fase III – 1º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
Na terceira turma, com 26 alunos, observamos a predominância do conceito
‘Ótimo’, exceto na disciplina de Português, em que 12 alunos obtiveram conceito
‘Muito bom’; superando, assim, o número de 10 alunos com o conceito ‘Ótimo’; e 4
alunos com o conceito ‘Bom’. A ressalva em relação às turmas apresentadas
anteriormente, é o aumento do conceito ‘Bom’ em Português, 4 alunos; Matemática,
3; Ciências, 2; Geografia, 2; História, também 2 alunos (GRÁF. 4).
05
1015202530
Português
Matemáti
ca
Ciência
s
Geograf
ia
História
Ed. Artí
stica
Ed. Físi
ca
Ed. Reli
giosa
Ótimo Muito BomBom
Gráfico 4: Avaliação da terceira turma da fase III – 1º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
Os dados apresentados demonstram que, na avaliação do primeiro semestre
do ano, em geral, Português e Matemática foram as disciplinas em que os alunos
apresentaram mais dificuldade nas três turmas. Observa-se, também, que na
primeira e na terceira turma predomina o conceito ‘Ótimo’, enquanto na segunda
predomina o conceito ‘Muito bom’.
Um dado comum às três turmas consideradas foi observado no segundo
semestre: decréscimo no número de alunos. A primeira turma apresentou o maior
índice de evasão: iniciou o primeiro semestre com 33 alunos e encerrou o segundo
com 23. Comparativamente ao primeiro semestre, a turma apresentou queda no
desempenho em Matemática – 13 alunos obtiveram conceito ‘Bom’; 8, conceito
‘Ótimo’; 2 alunos, conceito ‘Muito bom’ – e em Geografia/História – 15 alunos:
conceito ‘Bom’; 2, conceito ‘Ótimo’; 2 alunos atingiram os conceitos ‘Ótimo’ e
‘Regular’, respectivamente. Em Português, assim como em Ciências, o conceito
‘Ótimo’ manteve-se superior aos demais conceitos (GRÁF. 5).
02468
10121416
Português Matemática Ciências Geo/Hist
ÓtimoMuito BomBomRegular
Gráfico 5: Avaliação da primeira turma da fase III – 2º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
Nota-se que a redução de alunos na segunda turma – de 22 para 20 – não foi
tão alta como na primeira e na terceira turma. Os dados apresentam um aluno com
conceito ‘Regular’ em Português e Matemática, o que não ocorreu no primeiro
semestre nessa turma. Em Ciências e Geografia/História, observa-se um resultado
equivalente: 14 alunos ascenderam do conceito ‘Muito bom’ ao ‘Ótimo’ e 5 alunos
mantiveram-se com o conceito ‘Muito bom’. Não obstante, 1 aluno, que apresentara
conceito anterior ‘Muito bom’, obteve um conceito ‘Bom’ em ambas as disciplinas.
Em Português, 14 alunos obtiveram conceito ‘Muito bom’; 4 foram classificados no
conceito ‘Ótimo’; 1, conceito ‘Bom’ e 1, conceito ‘Regular’. De forma semelhante, a
disciplina Matemática apresenta alunos em todos os conceitos, porém, houve
incidência maior de alunos com conceito ‘Ótimo’ – 10 alunos; ‘Muito bom’ – 6; ‘Bom’
– 3; ‘Regular’ – 1 (GRÁF. 6).
02468
10121416
Português Matemática Ciências Geo/Hist
ÓtimoMuito BomBomRegular
Gráfico 6: Avaliação da segunda turma da fase III – 2º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
A terceira turma encerra o ano letivo de 2005 com redução de 8 alunos – de
26, no primeiro semestre, passa a 18 no segundo semestre. Além disso, há queda
na produção dos alunos em todas as disciplinas avaliadas. O conceito ‘Ótimo’
desaparece, comumente; o conceito ‘Bom’ prevalece em Matemática – 12 alunos – e
Ciências – 8 alunos – e lidera absoluto em Geografia/História; o conceito ‘Regular’
fica equilibrado no mesmo nível de ‘Muito bom’ e ‘Bom’ em Português, com 6 alunos
em cada um desses conceitos. Em Matemática, 2 alunos apresentam o conceito
‘Regular’ e em Ciências, 3 (GRÁF. 7).
02468
101214161820
Português Matemática Ciências Geo/Hist
ÓtimoMuito BomBomRegular
Gráfico 7: Avaliação da terceira turma da fase III – 2º sem./2005 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
O panorama do desempenho escolar dos alunos da Fase III, referente ao ano
letivo de 2005, está intrinsecamente relacionado à turma pesquisada (Fase IV), isso
porque 97% dos alunos mantiveram-se matriculados na mesma escola, na fase
subseqüente. Contudo, tanto no discurso da diretora como no da professora da
turma, os alunos apresentavam seqüelas originárias do baixo rendimento escolar da
fase anterior.
Esses resultados foram cotejados com as análises reunidas em Prova Brasil16
2005: Avaliação do Rendimento Escolar (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E
PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2005)17, o que permite verificar
que dificuldades pedagógicas não são exclusividade das turmas da Fase III da E. M.
Professor Afonso Goulart, como enfatizou a diretora.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
(2005) divulgou uma média nacional de desempenho escolar das quartas séries
(Fase IV), em Língua Portuguesa (Tabela 1) e Matemática (Tabela 2), na qual a
EMPAG obteve as piores médias, em comparação com as escolas estaduais e
municipais de Lagoa da Prata/MG, de Minas Gerais e do Brasil. 16 Prova Brasil é o nome utilizado nas publicações da Avaliação Nacional do Rendimento Escolar
(ANRESC), instituída pelas Portarias nº 931, de 21 de março de 2005, e nº 69, de 04 de maio de 2005.
17 Disponível em: <http://www.provabrasil.inep.gov.br>. Acesso em: 21 jan. 2007. A publicação não especifica os conteúdos analisados em cada disciplina (Língua Portuguesa e Matemática).
TABELA 1 Médias Comparadas da Avaliação do Rendimento Escolar na Quarta Série
entre as Escolas Municipais e Estaduais do Brasil, de Minas Gerais, de Lagoa da Prata/MG e da EMPAG – Língua Portuguesa, 2005
Brasil Minas Gerais Lagoa da Prata
Escola Média Escola Média Escola Média Escola MédiaEstadual 176,07 Estadual 182,11 Estadual 195,20 EMPAG 168,80
Municipal 171,09 Municipal 182,11 Municipal 176,29
Fonte: INEP (2005)
TABELA 2 Médias Comparadas da Avaliação do Rendimento Escolar na Quarta Série
entre as Escolas Municipais e Estaduais do Brasil, de Minas Gerais, de Lagoa da Prata/MG e da EMPAG – Matemática, 2005
Brasil Minas Gerais Lagoa da Prata
Escola Média Escola Média Escola Média Escola MédiaEstadual 182,25 Estadual 190,80 Estadual 200,30 EMPAG 173,95
Municipal 178,66 Municipal 190,16 Municipal 185,57
Fonte: INEP (2005)
Em ambas as tabelas, observa-se que o desempenho das escolas estaduais
da cidade de Lagoa da Prata/MG, em Língua Portuguesa e Matemática, está
superior às médias nacional e estadual. Entretanto, fica evidente, na leitura dessas
tabelas, a baixa média atingida pela EMPAG, inclusive, abaixo das demais escolas
municipais. Na disciplina curricular de Matemática (Tabela 2), todas as médias se
elevaram, o que acentuou, ainda mais, o distanciamento entre a EMPAG e as outras
escolas, uma vez que o seu crescimento foi nitidamente inferior.
Os resultados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (2005) expõem o baixo nível de aprendizagem com
que os alunos da Fase IV, da EMPAG, concluíram o ano letivo de 2005. Apontam,
também, a possibilidade e o potencial que a escola tem de apresentar um
desempenho melhor, tendo em vista as médias municipais, estaduais e nacionais
atingidas. Com isso, lançam um desafio à escola. Desafio que a diretora e a
supervisora parecem ter assumido em seus relatos, bem como a professora Patrícia,
em seu depoimento, gravado.
A professora revelou-se assustada com a turma e diz-se consciente do
grande desafio a ser enfrentado.
Eu acho que eu assustei (sic) tanto com o nível que tava (sic), que eu pus elas (sic) tudo (sic) apavorada (sic) também. Então, assim, a primeira opção foi a de fazer o remanejamento das turma (sic), porque, são duas turma (sic) e tem a outra que ainda estava em condição pior. Então eu pedi, né, (sic) sugeri que fizesse (sic) uma turma mais... não homogênea, porque não existe. Mas, mais semelhante os níveis (sic), pra (sic) facilitar o trabalho da professora, tanto o da outra, né (sic) quanto o meu trabalho. E, aí, foi feito. E depois elas colocaram a sugestão do reforço, né. (sic) Então nós selecionamos os meninos que tava (sic) com maior dificuldade, pra (sic) tá (sic) sendo (sic) auxiliado no reforço. Então, eu acredito até, que esse reforço, num (sic) sei, não posso afirmar, mas a maioria dos reforço (sic) tá (sic) na fase quatro. Que a professora de reforço tá (sic) atendeno, (sic) né, (sic) pra (sic) tá (sic) auxiliano (sic). Já fizemos os encaminhamentos pra (sic) psicopedagoga, né, (sic) pra (sic) tá (sic) auxiliano (sic) também. E assim, é, a supervisora, principalmente, se propôs de (sic) tá (sic) ajudano (sic) em tudo que precisar, tanto é que tudo que eu preciso, posso contar com ela. Ela tá (sic) sempre me auxiliano (sic). A participação da escola num (sic) todo é muito grande. (Entrevista, professora Patrícia).
Assim, a professora confirma o depoimento da diretora – de que tentativas e
esforços foram e estão sendo feitos para auxiliar os alunos.
Após um semestre com a turma da Fase IV, a pesquisadora se dispôs a
analisar a avaliação a que os alunos foram submetidos no final do primeiro semestre
de 2006. Esse procedimento possibilita avaliar resultados, ainda que de forma
parcial, dos avanços ou retrocessos atingidos (GRÁF. 8). É importante salientar que
não houve rigor na padronização de todas as avaliações prescritas pelas
supervisoras. As disciplinas avaliadas foram reduzidas ao longo dos semestres,
deixando de constar, primeiramente, Educação Artística, Educação Física e
Educação Religiosa (GRÁFS. 5, 6 e 7), Ciências e Geografia/História (GRÁF. 8).
Nos próximos indicadores, portanto, as áreas de Português e Matemática são
desdobradas e apontam resultados de conteúdos específicos de cada área avaliada.
Além do mais, essas avaliações são direcionadas exclusivamente aos discentes.
Os resultados mostram que muitas das dificuldades observadas nos alunos
no ano anterior (2005) ainda não haviam sido superadas no primeiro semestre de
2006. Observa-se que o conceito ‘Bom’ foi superior, ou igual, aos conceitos ‘Muito
bom’ e ‘Ótimo’ em 5 dos 8 conteúdos avaliados. Essa situação só não foi recorrente
em Leitura – 11 alunos alcançaram o conceito ‘Ótimo’; 11 alunos, ‘Muito bom’;
Sistema de Numeração – 9 alunos, conceito Ótimo’; 9 alunos, ‘Muito bom’; Espaço e
Forma – 13 alunos, conceito ‘Ótimo’; 14, ‘Muito bom’. Esse último conteúdo,
inclusive, apresenta o melhor índice alcançado pelos alunos. Quanto ao conceito
‘Regular’, só não se constatou a sua incidência em Interpretação de Texto e Espaço
e Forma. Os alunos demonstraram alto grau de dificuldade (‘Regular’) nos seguintes
conteúdos: Leitura – 2 alunos; Ortografia – 4 alunos; Produção de Texto – 6 alunos;
Sistema de Numeração – 2 alunos; Operações Matemáticas – 3 alunos; Grandezas
e Medidas – 2 alunos (GRÁF. 8).
0
3
6
9
12
15
Leitura
Interpretação
Ortografia
Produção de texto
Sistema de numeração
Operações matemáticas
Grandezas e medidas
Espaço e forma
Ótimo
MuitoBomBom
Regular
Gráfico 8: Avaliação da turma da fase IV – 1º sem./2006 Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
Os dados nos levam a ponderar as dificuldades a serem superadas pela
professora e alunos dessa turma, bem como pela coordenação pedagógica e
direção da escola, ao longo do ano.
2.3 Procedimentos utilizados
Para o desenvolvimento da investigação qualitativa, foram necessários
instrumentos e procedimentos que auxiliassem a observação empírica. É nesse
sentido que nos propomos a discutir, a seguir, os procedimentos e instrumentos
metodológicos que possibilitaram definir a escolha dos atores da pesquisa para as
entrevistas, a elaboração dos roteiros das entrevistas semi-estruturadas com os
alunos, a professora e a supervisora e respectivas análises.
2.3.1 Pesquisa em documentos
As observações diárias e as entrevistas semi-estruturadas demonstraram ser
os procedimentos mais eficazes para a coleta de informações, pertinência aos
objetivos propostos e às questões norteadoras desta pesquisa. Contudo, não menos
importante, foi a pesquisa documental nas fichas de matrícula dos alunos da
EMPAG, nas avaliações semestrais destes, na avaliação de desempenho da
professora da turma pesquisada, nos dados cadastrais dos professores, no projeto
político-pedagógico da instituição de ensino, na proposta político-pedagógica da
rede municipal e outros documentos disponíveis para descrição da escola e do meio
social a que os atores escolares pertencem.
A pesquisa documental foi realizada em: arquivos da Secretaria Municipal de
Educação e Cultura da cidade, site da Prefeitura de Lagoa da Prata/MG18, INEP19,
IBGE20, JMPM21, sites locais22, arquivos da Escola Municipal Professor Afonso
Goulart; livros e arquivos da biblioteca pública municipal local, com o interesse de
justapor as informações coletadas pela observação da pesquisadora e pelos relatos
das entrevistas, ou, apenas complementá-las.
A descrição do meio social em que a escola está inserida e da turma
pesquisada demandaram consultas a documentos com informações mais gerais
sobre o processo de criação, o espaço físico, as condições socioculturais e o
ambiente escolar. Essas informações compuseram o perfil e as características da
escola – do seu alunado e corpo docente –, do bairro e da cidade, que formam o
cenário desta pesquisa.
2.3.2 Diário de campo
18 Disponível em: <http://www.lagoadaprata.mg.gov.br>. Acesso em: 18 set. 2006. 19 Disponível em: <http://www.inep.gov.br/basica/saeb/default.asp>. Acesso em 20 jul. 2006. 20 Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 15 jul. 2006. 21 Disponível em: <http://www.jmpm.com.br >. Acesso em: 20 fev. 2006. 22 Disponível em: <http://www.conhecalagoa.hpg.com.br>. Acesso em: 5 out.
2006/<http://www.lagoadaprata.com.br>. Acesso em: 25 ago. 2006.
As observações foram registradas em um diário de campo, que se tornou uma
fonte valiosa de impressões, de onde se extraíram características e especificidades
das interações engendradas pelos atores escolares. A forma de escrita do diário
obedeceu a critérios rigorosos de descrição, mas não de desenvolvimento da escrita
elaborada, pois sua finalidade era subsidiar a descrição das situações e posterior
transcrição e construção analítica dos dados da pesquisa.
No início da observação em campo, houve muita curiosidade por parte de
toda a comunidade escolar em relação à presença da pesquisadora. Após algum
tempo na escola, a curiosidade foi diminuindo e a aproximação dos profissionais e
funcionários pôde ser percebida em inúmeras situações cotidianas, como:
solicitações para que a pesquisadora auxiliasse no transporte do televisor para a
sala em que seria exibido um vídeo; acionar a campainha do sinal da escola;
colaborar no recreio dos alunos. Com relação a estes, o tempo de convivência em
sala de aula contribuiu para aumentar as manifestações de carinho com que os
alunos brindavam a pesquisadora, presentes desde os primeiros contatos. Em
certas ocasiões, alguns pais pediram informações à pesquisadora, supondo que ela
fizesse parte do corpo profissional da escola.
Três reações de professoras do turno da tarde merecem comentários, por sua
natureza bastante curiosa. Há de se levar em conta o reduzido número de horas de
observação nesse turno, em relação ao turno da manhã. No primeiro dia de
observação, uma das professoras perguntou à pesquisadora se ela era advogada.
Causou estranheza a suposição da professora sobre a profissão da pesquisadora,
por esta considerar incomum a presença de advogados em escolas. No quarto dia
da pesquisa empírica, em reunião com três professoras, a pesquisadora foi
questionada sobre o motivo de sua presença na escola. Ao serem informadas sobre
a pesquisa de Mestrado, as professoras mostraram-se interessadas pelo tema e
objetivos explicitados. No entanto, uma delas, ironicamente, pediu à pesquisadora
que lhe desse a solução para esse tipo de problema, assim que detectasse as
causas. Essa atitude contrastou com o acolhimento que algumas professoras
demonstraram ao reencontrar a pesquisadora, ou ao ser apresentada a ela e saber
sobre a pesquisa. A terceira reação, também surpreendente, partiu da vice-diretora.
Em uma ocasião (Diário de campo, 20 mar. 2006), ela se aproximou da
pesquisadora e lhe perguntou: “Você está fazendo (sic) mestrado, né!? (sic) [...] Eu
achei que era (sic) estágio de Pedagogia.” Esse tipo de pergunta revelou que não
houvera diálogo entre ela e a diretora a respeito da presença da pesquisadora na
escola, bem como os objetivos da pesquisa. As três situações comprovam a
importância da apresentação da pesquisadora à escola e vice-versa, o que não
aconteceu em razão da falta de iniciativa da diretora nesse sentido. A apresentação
e o acolhimento partiam dos momentos de interação nos cafés, antes do início das
aulas, nos lanches do recreio, nas reuniões pedagógicas ou em algum intervalo de
aula.
Inicialmente, as anotações diárias estavam sendo registradas exaustivamente
na sala dos professores, no pátio e dentro da sala de aula. No entanto, esse
procedimento aguçava a curiosidade da supervisora a respeito do conteúdo
anotado, além de criar constrangimento para a professora observada – que
explicitou à pesquisadora sua preocupação com as anotações realizadas – e
provocar o interesse dos alunos. Para não criar embaraços, a pesquisadora mudou
o procedimento para registrar as notas de campo. Ainda assim, a pesquisadora
encontrava dificuldade, pois, mesmo que a professora não a visse registrando as
notas de campo, os alunos se incumbiam de divulgar o fato a todos os presentes. As
inferências deles valorizavam a agilidade da escrita, a quantidade de registros e a
admiração e satisfação em verem prescritas no diário de campo da pesquisadora as
mesmas atividades que eles desempenhavam. Reduziu-se, então, a tarefa de
registros na escola, que passou a ser executada em casa. O material descrito em
campo foi posteriormente digitado e arquivado no computador.
2.3.3 Entrevistas
Segundo Bogdan e Biklen (1994), por meio de entrevistas semi-estruturadas é
possível apreender os sentidos e significados proferidos pelo próprio sujeito, sobre a
maneira como estes interpretam aspectos do mundo. A importância destinada ao
discurso dos atores escolares contribuiu para a organização do procedimento das
entrevistas: o convite foi feito com antecedência; após o consentimento deles,
garantiu-se sigilo sobre suas identidades, utilizando-se pseudônimos escolhidos por
eles. Alguns aspectos da entrevista foram previamente acordados com os
entrevistados, como: permissão para gravá-la, autorização para utilização das
informações na pesquisa, exposição da temática escolhida, escolhas do local e
horário. A professora da turma pesquisada descartou a proposição levantada pela
pesquisadora em solicitar autorização dos pais ou responsáveis para a realização da
entrevista com os alunos. Segundo ela, a autorização docente para atividades
realizadas na escola seria suficiente.
A pesquisadora objetivou explorar a percepção dos atores escolares a
respeito da interação construída entre eles e como esta é traduzida e expressa no
cotidiano das aulas. As entrevistas ocorreram no início do mês de junho de 2006,
após o período de observação direta das interações nas situações de aulas. Foram
realizadas entrevistas com nove alunos da turma selecionada (APÊNDICE A); com a
professora da turma investigada (APÊNDICE B); com a supervisora pedagógica
representando a escola (APÊNDICE C). Apenas a entrevista com a professora foi
realizada em dois encontros; cada um deles durou em média 40 minutos e
totalizaram pouco mais de sete horas.
Foram explicitados aos entrevistados os temas que seriam abordados. A
entrevista com os alunos iniciou-se pelas questões referentes ao meio sociocultural
e urbano em que os alunos convivem, para, posteriormente, abordar-se aspectos
referentes à escola, à sala de aula e às interações entre professora e alunos. Não
necessariamente nessa ordem, mas se visava a deixar os alunos mais à vontade
para se expressarem sobre os temas referentes às suas vidas escolares, após
dialogarem sobre o cotidiano vivenciado fora da escola.
De modo geral, não houve restrição nem constrangimento pelo fato de as
entrevistas serem gravadas. Apenas a supervisora manifestou-se, em tom de humor,
solicitando que fossem corrigidos “erros” de português que porventura aparecessem;
depois, interessou-se sobre o seu desempenho nas narrativas. Um aluno e uma
aluna demonstraram interesse pelo modelo e tamanho do gravador digital utilizado
nas entrevistas. Apenas Marcos e Émile (pseudônimos) buscavam incrementar os
seus relatos, narrando situações do cotidiano que não constavam dos tópicos da
entrevista. Marcos, que se interessava por futebol, tecia comentários paralelos a
esse respeito. Ele conversou com a pesquisadora sobre a iminência dos jogos da
Copa do Mundo de Futebol, externando sua admiração por Gilberto Silva, jogador da
seleção brasileira e seu conterrâneo. Os demais alunos se mostraram pouco à
vontade para se expressarem em suas respostas. Às vezes, pareciam
amedrontados e acuados para opinarem, ou nem opinavam.
Das entrevistas com os atores, pôde-se abstrair que “quando uma pessoa faz
indicações à outra, ela o faz indicando objetos significativos para ela, que fazem
parte do seu mundo” (HAGUETE, 2005, p. 37). Desse modo, os entrevistados não
só respondiam a uma interpelação da pesquisadora, como também expunham nas
suas respostas a interpretação que eles assimilaram dessa interação e o sentido
atribuído por eles.
Por solicitação da diretora, a entrevista com os cinco alunos e as quatro
alunas ocorreu em um ambiente diferente do da entrevista com a professora e a
supervisora. Como a escola havia recebido alguns microcomputadores e
impressoras para montagem de um futuro laboratório de informática, os
equipamentos estavam provisoriamente guardados na sala em que a pesquisadora
considerara adequada para as entrevistas. Entretanto, a diretora não queria que os
alunos visitassem essa sala enquanto os microcomputadores não fossem instalados
em outro ambiente. O receio da diretora era de que a notícia sobre os equipamentos
fosse disseminada para fora da escola e esta se tornasse alvo de furto. Assim, a
liberdade e a espontaneidade dos alunos durante as entrevistas tiveram a limitação
de espaço, pois a sala destinada à entrevista com os alunos era um dos ambientes
da secretaria, um local sem porta, separado da sala da secretária apenas por uma
cortina. Essa tênue separação se constituiu em outro empecilho, pois permitia que
fosse ouvido, nesse ambiente, um programa de rádio (Padre Marcelo Rossi),
diariamente sintonizado pela secretária em sua sala. Como também não houve
mobilização da escola em relação ao bem-estar dos entrevistados no que diz
respeito à limpeza e organização da sala, a pesquisadora se incumbiu de preparar,
previamente, o ambiente para as entrevistas. Algumas vezes, as entrevistas eram
interrompidas pelas especialistas, que procuravam materiais no armário instalado
naquela sala.
2.4 Seleção de alunos e alunas para entrevista
A seleção de alunos e alunas a serem entrevistados obedeceu a critérios
preestabelecidos, de modo a contemplar uma gama de características diferenciadas
observada na turma, objetivando riqueza e diversidade de informações favorecidas
pela heterogeneidade das narrativas a serem prestadas nas entrevistas. A
pesquisadora expôs à professora o interesse em entrevistar alguns alunos
previamente escolhidos, mas, com os alunos, combinou-se uma escolha por meio de
sorteio. Os alunos ficaram eufóricos e, ainda que por pouco tempo, a entrevista se
tornou motivo de disputa entre alguns deles. Dentre os 27 alunos, foi escolhido um
terço para as entrevistas, respeitando-se a proporção de predominância de meninos
na sala de aula: 15 meninos e 12 meninas. Em decorrência desse total de alunos,
obtiveram-se cinco meninos e quatro meninas nos sete grupos de pertencimento
percebidos pela pesquisadora, após três meses de acompanhamento da turma:
i) no grupo de alunos mais afetivos: Maria Angélica, Andréia, Marcos e Sueli (menino). Esse grupo se destaca pelas “relações emocionais significativas
entre adultos e crianças”. Na pesquisa de Carvalho (1999, p. 214), ressaltam-se os
professores. Neste estudo, a professora e os alunos.
ii) no grupo de oposição e resistência à professora e às regras escolares:
Marcos, Eurídes e Pedro. Nesse grupo, são percebidas “tentativas intencionais ou
conscientes por parte dos estudantes de subverter ou sabotar a instrução dos
professores ou as regras e normas estabelecidas pelas autoridades escolares”
(McLAREN, 1992, p. 128).
iii) no grupo com dificuldade de assimilação das regras escolares: Émile, Andréia, Marcos, Eurídes, Pedro. Na visão de Sirota (1994), esse grupo apresenta
pouco conhecimento das regras do jogo escolar, diferentemente do grupo de
resistência, que, ao transgredi-las, demonstra conhecê-las bem.
iv) no grupo de alunos mais solicitados pela professora: Maria Clara e André.
Este é composto por alunos com características que apontam para um maior
número de intervenções “insistentes e espontâneas” nas aulas (SIROTA, 1994, p.
60). As respostas e solicitações, por parte da professora, são mais freqüentes em
relação ao tratamento dispensado aos outros amigos de turma (SIROTA, 1994).
v) no grupo de alunos menos solicitados pela professora e pelos pares:
Marcos, Sueli (menino), Eurídes e Pedro. Sirota (1994) expõe a capacidade que o
professor tem de acentuar, ainda mais, a diferenciação dos alunos, ao instar menos
vezes, à interação, os alunos considerados mais fracos. Além disso, os professores
parecem considerar suas respostas menos ágeis que a dos melhores alunos
(SIROTA, 1994).
vi) no grupo composto por alunos mais, ou menos extrovertidos e
comunicativos: Maria Angélica e Marcos; Émile, Andréia, Pedro e Eurídes. Os
alunos mais extrovertidos desse grupo demonstram segurança em participar das
aulas. Assim, eles tomam a palavra “e sem que uma pergunta seja realmente
formulada e feita pelo professor”, segundo Sirota (1994, p. 60), eles intervêm nas
aulas com mais freqüência. O oposto ocorre com os menos extrovertidos e
comunicativos.
vii) no grupo dos alunos solidários: Maria Angélica e Sueli (menino). Na
percepção de Perrenoud (1995, p. 132), esse grupo é composto por aqueles que
demonstram interesse em organizar, coordenar e, inclusive, tornarem-se “porta-
vozes” da turma.
De acordo com as características que mais se sobressaíam, assim os
apresentamos no quadro 1:
Alu
nas
1 ÉMILE
Todos os alunos entrevistados são naturais de Lagoa da Prata/MG, com exceção de Émile, natural de Três Marias/MG. Émile mora no bairro Gomes, com os pais, em uma família de cinco filhos, na qual ela é filha caçula. Sua mãe é doméstica, e seu pai, cortador de lenha.
2 MARIA
ANGÉLICA
Mora no bairro Nossa Senhora das Graças, com a mãe e dois irmãos. Maria Angélica relatou: “minha mãe trabalha na fábrica de foguete; meu pai separou da minha mãe quando eu era pequena”.
3 MARIA CLARA
Mora no bairro Etelvina Miranda. É filha caçula; vive com o pai e um irmão solteiro; tem três irmãos casados. A profissão de seu pai é pedreiro, a de sua mãe, ela não soube responder, apenas esclareceu: “minha mãe separou do meu pai”.
4 ANDRÉIA
Mora no bairro Gomes. É registrada apenas no nome da mãe; morou por muito tempo com a avó materna; atualmente, mora com a mãe, o padrasto e três irmãos. Sua mãe trabalha na fábrica de foguete e seu padrasto faz “bico23”, conforme seu depoimento.
23 ‘Bico’, na linguagem popular, significa trabalho incerto; “pequenos ganhos avulsos e/ou tarefa
ocasional que os possibilita; biscate, galho” (FERREIRA, 2004, p. 176).
Alu
nos
5 SUELI
(menino)
É filho caçula e mora com os pais, dois irmãos e três sobrinhos no bairro Nossa Senhora das Graças. Quando perguntado sobre qual nome gostaria de escolher, ele respondeu ‘Sueli’. Ele disse que era o nome de sua mãe e o escolheu porque ela era muito carinhosa com ele. Optou-se, então, por acrescentar “menino” entre parênteses todas as vezes que aparecer o seu nome, por se tratar de um pseudônimo feminino atrelado a um menino. A mãe desse aluno trabalha como doméstica e seu pai trabalha no plantio e colheita de café na região.
6 MARCOS Mora no bairro Gomes. Filho único. Morou sete anos com a avó materna; há poucos meses está morando com sua mãe e seu padrasto. Segundo Marcos, seu padrasto trabalha como viajante (vendedor), e sua mãe não está trabalhando.
7 EURÍDES
Mora no bairro Gomes com a mãe, uma irmã mais nova e os avós maternos. Demonstrou dúvida para esclarecer se o padrasto morava com eles: “fora meu padrasto que fica lá de vez em quando”. Sua mãe é dona de casa e a renda familiar deles provém da padaria que seus avós mantêm, à frente da casa em que eles moram.
8 PEDRO
Mora no bairro Gomes. É registrado apenas no nome da mãe, que trabalha em uma pastelaria. Filho caçula, Pedro mora com a mãe, duas irmãs e o padrasto, que é retireiro e entregador de leite. No depoimento do aluno ficou evidente a admiração que ele sente por essa profissão: “meu pai trabalha de caminhão azul dele, tinha o nome dele no caminhão de carrear leite”.
9 ANDRÉ É filho caçula e mora com os pais e um irmão no bairro Gomes. A sua mãe trabalha fazendo crochê; e seu pai é caminhoneiro.
Quadro 1: Perfil dos Alunos Entrevistados Fonte: Entrevista com os alunos; ficha de matrícula dos alunos
Além do critério do grupo de pertencimento, foram selecionados alunos e
alunas que atraíram a atenção da pesquisadora, no decorrer da observação, pela
interação que estabeleciam com os demais colegas e com a professora,
destacando-se, dentre os pares, por suas ações instigantes.
2.5 Perfil da professora da EMPAG
A professora, que escolheu ser chamada por Patrícia, é natural de Lagoa da
Prata/MG, tem 35 anos, é casada com um comerciário da cidade e tem duas filhas
solteiras.
Patrícia é membro atuante da Igreja Católica e imprimia esse traço de sua
personalidade na convivência escolar. Atualmente, a professora mora em um bairro
vizinho ao bairro Gomes e se desloca para a escola de motocicleta. Ela relatou já ter
trabalhado no comércio antes de exercer o magistério.
A partir do momento que eu entrei na sala de aula a primeira vez, eu vi que era aquilo ali que eu queria pra (sic) mim. Então, passei a gostar mesmo. Então, eu trabalho por vocação, poderia ter optado por outra coisa, (sic) poderia ter feito (sic) faculdade de outra coisa, né? (sic). Quando eu fui fazer (sic) faculdade, eu pensei duas vezes se era aquilo mesmo que eu queria e optei por gosto mesmo (sic). (Entrevista, professora Patrícia).
Patrícia declarou ter recebido, em seus primeiros anos de exercício do
magistério, muita orientação e apoio de sua irmã mais velha, que leciona há mais de
20 anos. Ela tenta esclarecer que não foi influenciada pela irmã na escolha da
profissão, ao mesmo tempo em que deixa transparecer que a irmã foi um “espelho”
e um exemplo a ser seguido.
Eu acho também que eu me espelhei muito nela ao almejar ser professora. Porque eu via que ela era professora e aquilo satisfazia ela (sic). Então, quer dizer, cê (sic) pensa: aquilo ali deve ser bom, né? (sic). Então, eu me espelhava, eu achava que seria bom pra (sic) mim, como era pra (sic) ela. (Entrevista, professora Patrícia).
Esse aspecto vai ao encontro de um dos resultados apresentados pela
UNESCO (2004), em que a maioria dos professores brasileiros, correspondente a
35%, declarou incidência de irmãos professores na família. Os outros percentuais,
em menor escala, estiveram alocados a pais, marido/companheiro, filho, ou outro
familiar.
A formação inicial para o magistério em nível médio, na experiência de
Patrícia, ocorreu na habilitação Magistério. Em seguida, cursou Pedagogia, em uma
universidade24 particular, a única existente na cidade de Lagoa da Prata, fazendo
parte das primeiras turmas formadas. Posteriormente, especializou-se em
Psicopedagogia, pós-graduação lato sensu, em Formiga/MG, a 65km de Lagoa da
Prata/MG. Em quatro momentos diferentes da pesquisa de campo, a professora
manifestou interesse em ingressar no Mestrado. Referia-se a essa etapa como “um
sonho a ser realizado; se Deus quiser, ainda vou fazer”. Em suas aulas, algumas
vezes, apontou o Mestrado como uma contribuição do pesquisador para o país, na
medida em que este investiga problemas para apresentar soluções à nação. Na
reunião de pais, apresentou-lhes a pesquisadora, enfatizando que o Mestrado era
bastante desejado por ela e que alimentava a esperança de cursá-lo.
A professora possui uma experiência de 10 anos como docente na rede
municipal, o que, para Huberman (1995), significa a fase de estabilização
profissional. Com isso, apoiando-nos também em Cardoso (2001), classificamos a
professora no nível intermediário de experiência no magistério (6 a 14 anos). Além
dessa experiência, a professora atua em uma jornada dupla de trabalho há três
anos, na rede estadual, como supervisora pedagógica. Sobre o trabalho em dois
turnos (manhã e tarde), a professora manifestou algumas vezes, aos alunos e à
pesquisadora, interesse em se dedicar à docência em apenas um horário. Ela
justificava a jornada dupla de trabalho por necessidade financeira25. Segundo ela, se
ganhasse o suficiente em um turno, não trabalharia em sistema de dobra:
Eu acho que a gente (sic) cansa (sic) muito, né? (sic). Então, assim, desgasta. Às vezes, a produtividade não é tão boa quanto se a gente (sic) trabalhasse só (sic) um horário, né? (sic). Então, eu percebo que quando eu trabalhava (sic) só um horário, eu tinha mais tempo pra (sic) estar planejando, pra (sic) corrigir as atividades; eu não precisava usar o final de semana como eu estou usando agora. Então, isso me desgasta e, conseqüentemente, influi no meu trabalho, eu sei que influi, porque o meu esforço não é a mesma coisa, né? (sic). Agora, além da questão salarial [...]. (Entrevista, professora Patrícia).
Paradoxalmente, a professora se declarava indecisa, caso precisasse
escolher entre o magistério e a supervisão pedagógica: 24 A unidade da Universidade de Itaúna em Lagoa da Prata foi inaugurada em 2000 e iniciou
oferecendo os cursos de Pedagogia, Letras e Administração. Posteriormente, passou a oferecer apenas os dois primeiros. A graduação em Pedagogia, nessa universidade, é concluída em três anos e seis meses, equivalente a sete períodos.
25 O vencimento estipulado para a categoria de professores era de R$678,14, na época da pesquisa.
Eu não sei se eu poderia escolher entre as duas profissões, porque as duas me agrada (sic). A partir do momento que eu comecei a trabalhar na supervisão, eu gostei muito do trabalho de tá (sic) auxiliando, né (sic), na educação, porque aí você tá (sic) fazendo um intercâmbio entre os professores e alunos e esse trabalho é muito gostoso também. (Entrevista, professora Patrícia).
Patrícia trabalha na Escola Municipal Professor Afonso Goulart há três anos
consecutivos, período em que esteve exclusivamente com a Fase IV. Em anos
anteriores, viveu a mesma experiência no magistério em outras escolas da rede
municipal. Nesses três anos, como docente na escola investigada, relata que a
direção manteve-se a mesma, mas a rotatividade de especialistas educacionais,
professoras e serventes escolares foi bastante intensa. A supervisora e a diretora,
sempre que havia oportunidade, elogiavam Patrícia. Elas não lhe poupavam
adjetivos: “esforçada”, “uma pessoa ótima”, “com força de vontade”, “muito
boazinha”, “uma gracinha de pessoa” (Registros de diário de campo).
A professora Patrícia confirmou o bom relacionamento que mantém com a
diretora e a supervisora, mas lamentou a ausência de uma colega com quem
pudesse dialogar sobre a prática docente, o que ela denominou “troca de
experiências”. Percebe-se em seu relato um sentimento de isolamento profissional e
um interesse em conquistar um interlocutor para planejamentos pedagógicos,
trabalhos conjuntos e desenvolvimentos de atividades comuns:
Porque aqui eu não tenho com quem trocar, né? (sic). São só duas fases IV, e... né? (sic), você deve ter percebido, a outra professora não é muito de troca, ela chegou a falar pra (sic) mim que não queria planejar, que não planejaria junto. Nós começamos a planejar, não deu certo [...] ela falou que não ia mais lá em casa, porque meu tempo é difícil e que, é, não conciliava com o dela, né? (sic). Então, também não convidei (sic) mais pra (sic) planejar. Porque ela deixou bem claro. E antes disso, ela falou pra (sic) mim que não planejava com ninguém, que eu era a primeira pessoa que ela tava (sic) planejando junto. Então, quer dizer, eu senti assim, um retraimento, não querer (sic). Então, eu acho essa dificuldade. Eu gostaria muito. Porque eu acho que o trabalho em conjunto é muito melhor, a troca de experiências. Como eu vou trabalhando, eu tenho que passar pra (sic) pessoa isso, ela vai ter que passar pra (sic) mim. Então, isso eu gosto (sic). Eu vou buscar coisas (sic) com professores de fase III? Elas não tão (sic) trabalhando, né? (sic). Então, se eu busque, (sic) eu busco fora, não é aqui na escola. (Entrevista, professora Patrícia).
A forma de expressão/comunicação nessas últimas narrativas da professora e
também em outras, que serão citadas ao longo do texto, são percebidas como
“desvios distintivos”, termo utilizado por Bourdieu (1996) para exemplificar estilos de
expressão que marcam o locutor pela apropriação de determinado estilo lingüístico
(BOURDIEU, 1996, p. 39). Esse autor entende que a linguagem está
intrinsecamente relacionada às condições sociais nas quais ela é adquirida.
Portanto, os diferentes usos sociais da língua estariam em conformidade com as
diferenças sociais e econômicas e o meio social original do locutor. Tais diferenças
nos “estilos expressivos” marcam a distinção entre linguagem coloquial, ou popular,
e linguagem culta, ou legítima. A manutenção da língua legítima, segundo Bourdieu
(1996), é perpetuada por um trabalho permanente, exercido também pelas escolas,
sobretudo pelo professor – seu representante legítimo:
A expressão correta, ou melhor, corrigida, deve o essencial de suas propriedades sociais ao fato de que só pode ser produzida por locutores que detêm o domínio prático das regras eruditas, explicitamente constituídas por um trabalho de codificação e expressamente inculcadas por um trabalho pedagógico. (BOURDIEU, 1996, p. 48, grifos do autor).
O uso correto da língua culta, para Bourdieu (1996), depende da competência
gramatical incorporada no estado prático das disposições – “habitus lingüístico” –
adquirido em um processo lento e prolongado (BOURDIEU, 1996, p. 59).
Percebe-se nas falas da professora a coexistência de registro lingüístico culto
e popular, paradoxalmente. Por um lado, apesar de a professora Patrícia expressar-
se incorretamente, constatou-se, nas interações sociais que a professora
estabelecia com suas colegas, interesse e esforço em expressar-se corretamente.
Além disso, ela identificava tipos de pronúncias também incorretas nas falas dos
alunos e exigia deles comunicação e expressão corretas. Reconhecendo e
assumindo a legitimidade que autoriza o docente a corrigir falas coloquiais dos
alunos, a professora, por várias vezes, admoestava-os por algumas palavras mal
pronunciadas. Certa vez, um aluno respondeu a seu colega “di”, quando queria dizer
“dei”. A professora o ouviu e imediatamente o corrigiu: “Não é ‘di’, é ‘dei’. Fase IV
não pode falar assim, o ano que vem vocês estarão no colégio.” (Professora
Patrícia, diário de campo, 19 abr. 2006). Ela parecia abominar essa palavra dita
erroneamente pela sua reação nervosa e impaciente. Patrícia relatou o
acontecimento às suas colegas, na sala dos professores, lamentando-o e reforçando
o desapontamento que sente pelo uso incorreto da língua culta pronunciada por
seus alunos. Por outro lado, a sua pronúncia incorreta não lhe dava legitimidade
para corrigir os alunos que repetiriam, provavelmente, erros semelhantes aos
cometidos por ela.
Por meio de uma Avaliação de Desempenho dos Professores26 da Rede
Municipal, realizada anualmente pela SEMEC, a pesquisadora pôde aprofundar um
pouco mais a caracterização dessa professora. Na denominada Avaliação de
Desempenho, mas que demonstra ser uma auto-avaliação de desempenho,
realizada em dezembro de 2005, a professora Patrícia destacou as suas seguintes
qualidades: pontualidade, responsabilidade, dedicação, compromisso, carinho com
os alunos e gosto pelo trabalho. As dificuldades apontadas foram: falta de tempo
para mais dedicação às turmas; tom de voz muito alto, causando-lhe perda da voz;
incapacidade para solucionar as dificuldades dos alunos. No quesito ‘Metas’, citou:
ministrar aula com voz mais tranqüila, para não se cansar tanto; continuar inovando
em seu trabalho; cativar mais os alunos com dificuldades, resgatando-os na
aprendizagem e disciplina. Havia também um quadro de desempenho, no qual a
professora se auto-avaliaria, assinalando os conceitos ‘Ótimo’, ‘Muito Bom’, ‘Bom’ e
‘Regular’. Observa-se que não houve marcações nos espaços referentes a ‘Bom’ e
‘Regular’, em contrapartida à predominância de ‘Ótimo’ (Quadro 2).
Avaliação de Desempenho O MB B R
1 Qualidade do trabalho X
2 Planejamento e produtividade no trabalho X
3 Iniciativa e criatividade X
4 Presteza X
5 Aperfeiçoamento profissional X
6 Assiduidade X
7 Pontualidade X
8 Uso adequado dos equipamentos e instalações de serviço X
9 Zelo pelo patrimônio escolar e aproveitamento dos X
26 Dados disponibilizados à pesquisadora pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC)
de Lagoa da Prata/MG.
recursos
10 Trabalho em equipe X
11 Ética profissional e relacionamento humano X
12 Adaptabilidade X
13 Relacionamento com os alunos X
14 Direção da escola X
15 Relacionamento com a comunidade escolar X Quadro 2: Avaliação de Desempenho da Professora Pesquisada Fonte: Arquivo da SEMEC, Lagoa da Prata/MG
A auto-avaliação, cujos critérios foram todos assinalados pela própria
professora, trazia a sua assinatura, da diretora, da supervisora, de uma servente
escolar e de uma professora (Conselho de Classe), que relataram:
Realmente é um profissional dedicado que se preocupa com o aprendizado do aluno. Suas qualidades são inumeras (sic), sendo assim (sic) nossa sugestão foi para uma de suas dificuldades (sic) o ‘tom de voz’, que procure um especialista para que não tenha problemas futuro (sic).
No momento da entrevista realizada ao final do segundo semestre de 2006,
em que foi solicitado à professora que procedesse a uma auto-avaliação e
comentasse pontos a serem melhorados, ela citou a falta de tempo para
planejamentos devido à jornada dupla de trabalho que exerce, além da carência de
“troca de experiências” (Entrevista, professora Patrícia).
2.6 Perfil da supervisora da EMPAG
Daniela27 é solteira, filha caçula em uma família de três irmãos. Natural de
Lagoa da Prata/MG, graduou-se em Pedagogia nessa mesma cidade e concluiu a
pós-graduação lato sensu, ambas cursadas em universidades particulares. Porém, o
curso de Pedagogia não lhe foi oneroso, pois Daniela fez parte de um programa da
27 Pseudônimo escolhido pela supervisora entrevistada.
prefeitura que atua em parceria com universidades da região, isentando os alunos
selecionados das mensalidades correntes. Pretende em breve retomar o curso
interrompido de Direito. É uma profissional muito jovem – 25 anos de idade
completos –, que iniciou o exercício no magistério em 2001. Ela contabiliza três anos
e seis meses de experiência docente e um ano e seis meses de supervisão
pedagógica. A contagem de cinco anos de seu tempo indica que essa profissional se
encontra no nível ‘inexperiente’.
Daniela não exerce o magistério em regime de dedicação exclusiva, haja vista
suas vendas autônomas de roupa – inclusive comercializadas na escola –; a função
de secretária, que revelou já ter desempenhado em consultório odontológico; as
aulas particulares que ministrava concomitantemente ao trabalho desenvolvido na
escola, na época da pesquisa. Por algumas vezes, essa supervisora demonstrou
sua insatisfação com o salário28 que recebia. Talvez, por isso, complementava-o
com o salário resultante de outras atividades.
A supervisora começou a atuar na EMPAG em 2005, como professora da
fase introdutória do Ciclo Inicial de Alfabetização. No ano desta pesquisa, ela estava
ocupando o cargo de supervisora. A inexperiência profissional é um tema que
parece preocupar Daniela, por suas excessivas confirmações na entrevista de que
possui uma vasta experiência:
Só que eu tenho uma vivência muito grande com a escola, porque eu cresci no meio da escola, minha mãe – 28 anos de profissão – aposentou (sic) o ano passado. Tenho duas tias pedagogas, então (sic) eu cresci no meio da escola, então (sic) eu sempre convivi, sempre gostei e sempre soube sobre o meio da escola. Eu gosto, sei o que tô (sic) falano (sic), o que que (sic) eu faço. Não falo o que eu não sei, quando não sei procuro saber. Mas, pesquiso bastante, envolvo (sic) bastante mesmo, faço porque eu gosto mesmo, tenho prazer em trabalhar com educação. (Entrevista, supervisora Daniela).
Daniela reitera as suas experiências profissionais na entrevista: “Então, eu
trabalhei por muitos anos na zona rural: Martins, Fundão, Mirandas29 [...]; já trabalhei
com a supervisão em Japaraíba (MG) também, entendeu?”
28 O valor de R$1.178,00 na época da pesquisa. 29 Nomes de povoados da zona rural do município de Lagoa da Prata/MG, onde funcionam escolas
mantidas e atendidas pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura da mesma cidade.
A supervisora parecia sentir-se pressionada por suas colegas, que,
freqüentemente, atribuíam as falhas no seu desempenho profissional ao pouco
tempo de exercício no magistério e na supervisão. Em razão disso, trazemos à cena
um extrato da entrevista, em que ela faz uma auto-avaliação profissional positiva:
Porque antes de eu tá (sic) formando em Pedagogia, eu trabalhei no Projeto PETI [Programa de Erradicação do Trabalho Infantil]. Então (sic) eu trabalhei durante dois anos e meio no PETI, me (sic) deu uma carga muito grande. Porque no PETI, eu tinha que ter dinamismo, criatividade, porque as crianças me cobravam isso, crianças com problemas que eu nunca imaginava que Lagoa da Prata tinha (sic), e crianças adoráveis, dóceis, tinha (sic) aquelas que tinha (sic) problemas demais, revoltadas (sic) tudo, mas as que eu tive (sic) prazer de conviver foi muito bom, sabe. Foi uma carga enorme, porque eu convivi com todo tipo de criança e fiquei preparada pra (sic) todo tipo de turma, porque era multiseriado, (sic) eu tinha crianças lá de sete a quatorze anos. E tinha criança de todo nível de dificuldade de aprendizagem e todo nível de inteligência também. Então eu saí, bastante... com uma carga bem boa. (Entrevista, supervisora Daniela).
Sua ênfase na dedicação profissional, no depoimento a seguir, remete ao
“habitus professoral” (SILVA, 2005), no sentido de estar incorporado a sua prática,
como ela mesma diz, é algo “natural [...] acontece, assim, sem a gente parar pra
(sic) pensar” na ação pedagógica. Apreende-se dos depoimentos, nas entrevistas
formais e informais de Daniela, que o “habitus professoral” foi conquistado, em parte,
pela influência familiar, por sua mobilização e também pela prática aliada à formação
inicial. Assim, ela pretende descrever que o seu cotidiano na escola transcorre com
desenvoltura.
Todos os dias, eu tô (sic) dentro da sala auxiliando os professores e os alunos como eu te (sic) disse, porque o trabalho é um todo. Então (sic) nunca aconteceu comigo (sic) deu (sic) ter que esperar atitude delas, nem eu ter que ir lá oferecer ajuda. Isso acontece, assim, sem a gente parar pra (sic) pensar. Sempre algum menininho chega e pergunta, aí a gente conversa: “ah, tal, tal, aconteceu isso”; “ai, eu tô (sic) precisando disso”; “isso aconteceu, que que cê (sic) sugere pra (sic) mim isso?” Sabe, é tão natural que às vezes, acontece até fora da escola, entendeu: “ah, Daniela, um momento cívico assim, assim, como que você poderia me ajudar?” Eu falo assim: “não, pode deixar que eu vou tentar de (sic) ajudar assim, assim, assim”. Então, até fora, professor é o seguinte: em qualquer festa que cê (sic) vai, que tiver duas, vai falar de criança [risos]. (Entrevista, supervisora Daniela, grifos nossos).
Abstrai-se também desse depoimento a disponibilidade em situações nas
quais questões pedagógicas são tratadas, inclusive fora do âmbito escolar. O seu
perfil comunicativo é coerente à visão exposta nesse relato e explica, por outro lado,
a constatação em campo de discussões sobre moda e beleza fomentadas por ela no
ambiente escolar. Ela se interessa por assuntos que envolvem todos a sua volta; é
desenvolta nas interações que estabelece e, da mesma forma, é aberta sobre a sua
vida pessoal e assuntos que a envolvam. Esse perfil extrovertido tomava-lhe muito
tempo em interações sociais em detrimento das interações pedagógicas, como
percebido no desenrolar da pesquisa de campo. Daniela mostrava-se disposta a
ajudar, mas não foi citada pela professora e pelos alunos como referência na
EMPAG.
Na entrevista, Daniela mostrou-se mais envolvida com os projetos da escola e
com a comunidade escolar do que foi registrado no diário de campo sobre o
desenvolvimento prático do seu trabalho.
Eu vejo o trabalho pedagógico como um suporte pro (sic) professor, né? (sic) A gente vai tá (sic) orientando o professor dentro e fora de sala de aula e tá (sic) orientando também os alunos, entendeu? Dentro da disciplina, dentro dum (sic) conteúdo que o professor, talvez, naquele momento não domina, vai tá (sic) te (sic) pedindo um suporte, pro (sic) cê (sic) tá (sic) auxiliando. É... dentro das avaliações diagnósticas, os projetos que a gente (sic) cria dentro da escola. Pra (sic) tá (sic) facilitando o aprendizado deles. (Entrevista, supervisora Daniela).
Ao falar sobre o seu trabalho pedagógico, como especialista da Educação,
Daniela não deixou de mencionar os professores, os alunos e a comunidade. No
depoimento que se segue, essa dimensão fica mais evidente, deixando
transparecer, ao mesmo tempo, suas responsabilidades e as indefinições sobre as
atribuições do “cuidado” que Carvalho (1999) identificou em sua pesquisa.
Como eu te (sic) falei, o meu trabalho pedagógico não fica só aqui, entre professor e o aluno, vai também como um todo pra (sic) família: eu saio, vou atrás dos pais, quero saber porque que (sic) os meninos tá (sic) faltando, vou procurar a realidade deles dentro de casa pra (sic) mim (sic) poder saber como lidar com eles aqui na escola. Tem menino, que no dia, mal tomou café em casa, não jantou um dia antes, não tem condição de tá (sic) tomando banho pra (sic) vim (sic) pra (sic) Escola. [...] Talvez ele tá (sic) nervoso porque ele não comeu, tá (sic) nervoso porque a mãe apanhou do pai. [...] Tem (sic) os meninos aqui que é (sic) abusado sexualmente. Como
que uma criança vai ter capacidade de tá (sic) desenvolvendo de uma forma como se nada tivesse acontecendo? Eles não têm esse domínio de separar casa e escola, entendeu? Por isso que a escola tem que ser uma base pra (sic) eles, pra (sic) eles terem esse convívio natural. (Entrevista, supervisora Daniela).
Nesse depoimento, Daniela é pontual ao estabelecer os vínculos entre as
dificuldades dos alunos e as querelas enfrentadas por eles no meio social em que
vivem. Não isenta a escola nem a si mesma da responsabilidade educacional que
lhes compete frente a tais percalços, mas atribui o insucesso dos alunos a um
problema social. Essa visão está comumente interligada à constatada por Carvalho
(1999, p. 198, grifos da autora) em sua pesquisa: “‘cuidado’ e ensino, educação
integral e instrução não se opunham, mas ao contrário se reforçavam mutuamente”.
2.7 Organização e análise das informações, observações e depoimentos coletados em campo
As entrevistas realizadas com a supervisora, a professora e os alunos foram
transcritas pela própria pesquisadora, procurando reviver o momento dos relatos e
apreender deles os significados dos depoimentos traduzidos em gestos, lapsos de
fala, pausas, silêncios, forma de olhar e demais expressões físicas e faciais que
complementavam o sentido e/ou a intenção das palavras proferidas pelos
entrevistados. Após a transcrição das entrevistas e de posse do material empírico
recolhido que formou a base para a análise realizada, iniciou-se a fase de análise
das informações coletadas.
Organizar o material recolhido compreendeu classificá-lo, categorizá-lo e
torná-lo compreensível por meio da redação da pesquisa, com o interesse de
detalhar as interações da professora e dos alunos, tendo em vista os objetivos
propostos neste estudo. Em parte, utilizou-se a Análise do Discurso como
instrumento de análise. Procurou-se respeitar as expressões gramaticais dos atores
escolares que compõem a trama desta pesquisa, como foram proferidas, por
perceber que esta era a forma de comunicação verbal e, muitas vezes, de escrita30,
que eles utilizavam no cotidiano escolar. É desse modo que dispomos das
construções discursivas representadas pelas falas dos atores, nas entrevistas e nas
aulas, que, às vezes, aparecem ainda como extratos dessas falas (RESENDE,
2003), e por isso também, não deveriam ser normalizadas. A valorização do
discurso original feito pelos interlocutores exigiu um processo de interpretação pela
pesquisadora, e de inúmeras escutas das falas na entrevista, compondo um
movimento investigativo e relacional entre o meio social, a escola e as vivências nas
situações de aula presenciadas.
A partir do olhar sensibilizado pela dinâmica das interações que se
desdobraram nas situações de aula, e com base nos aportes teóricos dos autores
pesquisados e das observações devidamente organizadas, iniciou-se o processo de
textualização. Não apenas como uma forma escrita de simples exposição, mas
conforme Oliveira (1996), uma produção de conhecimento que objetiva aprimorar a
capacidade de analisar o problema anteriormente proposto.
O processo de organização do material recolhido em campo se deu por meio
de categorização das informações coletadas. Diante disso, objetivou-se definir os
eixos temáticos em consonância com os objetivos desta pesquisa. Os capítulos
apresentam a análise detalhada das observações, entrevistas e documentos
recolhidos, de forma complementar e integradora. No entanto, reconhece-se que as
análises apresentadas, neste estudo, não esgotam as possibilidades de pesquisa,
haja vista a riqueza das situações engendradas pelos atores escolares que
protagonizaram a trama e registradas neste estudo.
30 Observou-se o registro lingüístico popular, com uso de termos coloquiais na escrita de algumas
atividades escolares, das quais dispomos no Capítulo 4 desta dissertação.
3 MEIO SOCIOCULTURAL E ESCOLA MUNICIPAL PROFESSOR AFONSO GOULART: CIDADE, SISTEMA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E CORPO PROFISSIONAL DA ESCOLA
Qualquer sistema escolar traz a marca da sociedade que o produziu e está organizado segundo a concepção da vida social, dos organismos da vida econômica, das relações sociais, que animam essa sociedade. (POSTIC, 1984, p. 13).
Neste capítulo descrevemos, inicialmente, os aspectos históricos,
geográficos, econômicos, sociais e culturais da cidade de Lagoa da Prata/MG, o
cenário da pesquisa. Destacamos, a seguir, as características da educação na
cidade, o bairro onde se localiza a EMPAG e as atividades culturais disponibilizadas
nesse meio, objetivando relacionar os aspectos da cultura local e o ambiente
escolar. Com isso, pretende-se assumir o desafio de investigar de que modo o meio
social e o ambiente escolar podem influenciar as interações que a professora e os
alunos da turma observada estabelecem nas diferentes situações pedagógicas da
aula registradas.
São descritas, também, as características físicas e pedagógicas da Escola
Municipal Professor Afonso Goulart, com o objetivo de se obter uma visão geral dos
ambientes em que ocorrem os processos de interação entre os atores escolares.
Finalmente, traçamos o perfil dos profissionais da escola, indicando o cargo ocupado
e a formação profissional, a faixa etária e o tempo de exercício no magistério, além
das relações de trabalho construídas no ambiente escolar.
O interesse na descrição do ambiente sociocultural que circunscreve a
EMPAG advém do entendimento de que as práticas e experiências vivenciadas fora
da escola, segundo Bourdieu (2003b), dentre outras dimensões, podem influenciar
as interações escolares devido à maior ou menor proximidade entre as disposições
incorporadas pelos alunos e as práticas culturais valorizadas no ambiente escolar. O
estilo de vida, o gosto e o interesse por determinadas práticas sociais e culturais,
segundo Castro (2002) citando Bourdieu, são adquiridos no convívio com a família
(nuclear e ampliada) e no valor a essas práticas disseminado no seio familiar.
O desempenho escolar dos alunos estaria, portanto, relacionado ao capital
cultural no seu estado incorporado31, transmitido pela família e pelas experiências
fora dela, cultivado pelo próprio agente. Nogueira e Nogueira (2004, p. 61) expõem o
ponto de vista de Bourdieu ao ressaltarem que
a educação escolar, no caso das crianças oriundas de meios culturalmente favorecidos, seria uma espécie de continuação da educação familiar, enquanto para as outras crianças significaria algo estranho, distante, ou mesmo, ameaçador.
A relação entre o meio social e a escola, apontada nos resultados de
pesquisas empíricas no campo da Sociologia da Educação (BOURDIEU e
PASSERON, 1970; FORQUIN, 1995), mostra que a escola não é neutra, e de forma
explícita ou dissimulada trata desigualmente os alunos de diferentes meios sociais e
acentua, ao longo do percurso escolar, as desvantagens daqueles oriundos dos
meios desfavorecidos, bem como as vantagens dos alunos dos meios socialmente
favorecidos.
Por sua vez, Lahire (2004, p. 25, grifos do autor) demonstra em sua pesquisa,
que a omissão parental nas famílias de camadas populares é um mito. A criança
seria educada pelos pais a “outorgar uma grande importância ao ‘bom
comportamento’ e ao respeito à autoridade do professor”, como uma forma de
assegurar o êxito na escola. Para ele, a mobilização escolar depende da
configuração familiar específica, dos investimentos pessoais dos atores em relação
a sua vida escolar adquiridos na convivência social, razões pelas quais o sucesso
escolar nos meios populares poderia se concretizar.
Nesse sentido, a análise das interações entre a professora e os alunos na
sala de aula e na escola deve ser referenciada ao meio social em que se encontram
os atores escolares, objetivando apreender possíveis influências daquele sobre a
vida escolar destes. Acredita-se que a professora e os alunos podem apresentar, no
ambiente escolar e na sala de aula, expectativas, visões, estratégias, experiências,
gostos e estilos de vida adquiridos e acessados no meio social ao qual pertencem.
31 Bourdieu (2003d), no artigo Os Três Estados do Capital Cultural, distingue o capital cultural em:
incorporado (cultura internalizada), objetivado (objetos de valor cultural) e institucionalizado (certificados de competência).
Para Bourdieu (2003a, p. 61, grifo do autor), somente uma instituição como a
escola, cuja responsabilidade fosse
transmitir ao maior número possível de pessoas, pelo aprendizado e pelo exercício, as atitudes e as aptidões que fazem o homem “culto”, poderia compensar (pelo menos parcialmente) as desvantagens daqueles que não encontram em seu meio familiar a incitação à prática cultural.
Segundo Sirota (1994), a escola é um lócus privilegiado de aprendizagem,
mas também de convivência, ou seja, de um outro tipo de aprendizagem, não
sistematizada. Assim, no âmbito da escola ocorrem interações simultâneas formais,
informais, entre grupos, entre pares, entre professora e alunos, bem como auto-
interações, como prescreve o Interacionismo Simbólico. Nos ambientes educativos,
dentro e fora da escola, podem ser ampliados ou restringidos os espaços de
convivência e de sociabilidade, em função de ações e interações estabelecidas, e de
conhecimentos, valores, aprendizagens e experiências diversas oferecidas aos
atores escolares.
3.1 Lagoa da Prata
A iniciativa e o esforço no sentido de empreender o resgate histórico da
cidade de Lagoa da Prata foram bastante dificultados pela ausência de fontes locais
que pudessem ampliar e aprofundar tal conhecimento. Foi identificado apenas um
livro sobre a cidade – Lagoa da Prata: Retiro do Pântano (Oliveira, 1998) – que
caminha cronologicamente, de tempos inabitáveis na história do município, por volta
do século XVIII, até a época mais atual, tentando articular todas as características
do município. A obra, como um esforço positivo e necessário de reunir dados
históricos, apresenta um caráter mais literário do que científico.
A pesquisa sobre o desenvolvimento da cidade de Lagoa da Prata/MG nos
remonta a um tempo supostamente inóspito, em que os mananciais de água eram
predominantes, devido às lagoas e rios, especialmente o rio São Francisco, que
compunham o território alagadiço. Embora haja suposições de habitação indígena, é
por volta de 1789 que são encontrados os primeiros vestígios de habitantes naquela
região. O Pântano, como era conhecido o território, passou então a receber
tropeiros, andarilhos e mineiros. A busca por novas descobertas, ou seja, por novas
minas de ouro, foi uma das causas de maiores aglomerações às margens do rio São
Francisco na região pantaneira. Seguindo esse objetivo, os mineiros, de passagem
por ali, procurando o descanso necessário, usufruíam a economia agropecuária que
nasceu da necessidade em atendê-los. O povoamento começou a se expandir às
margens do rio São Francisco, onde atividades econômicas de agricultura e
pecuária passaram a ter fins de abastecimento dos aglomerados populacionais dos
que viviam da lavra do ouro nas zonas de mineração.
Contam-nos os registros históricos que, em 1862, missionários franciscanos,
em visita àquela região, ao avistarem uma lagoa, que mais tarde viria a dar nome à
cidade, encantaram-se com a sua beleza, proporcionada pelo espetáculo da
natureza: os raios do sol refletidos nas águas límpidas da lagoa pareciam moedas
cor de prata, por isso, eles a nomearam de Lagoa das Pratas. E esse nome passou
a ser uma referência àquele local.
Foi justamente nas proximidades da Lagoa das Pratas que o fundador coronel
Carlos José Bernardes Sobrinho edificou o seu casarão em 1875. A partir daí, o
Pântano ganhou forma de aldeia e, em 1897, um projeto para ascender à condição
de povoado, inclusive com uma capela ao centro – lugar de destaque, que
demonstra a importância da Igreja Católica, presente desde o traçado do povoado.
Em 1889, concretiza-se a demarcação do povoado do Pântano. Logo depois, com a
morte do coronel, em 1900, foi celebrada a primeira missa na capela, em sua
intenção. A capela recebeu o nome de São Carlos e o Pântano passou a ser
chamado de São Carlos do Pântano, em homenagem ao fundador do povoado.
A criação da primeira linha ferroviária, com a inauguração da estação em
1916, acenou o início do progresso para São Carlos do Pântano. Pouco depois,
foram criadas as primeiras estradas e, assim, em 1925, o povoado passou a distrito
de Lagoa da Prata. O distrito foi se desenvolvendo paulatinamente. Em 1926, surgiu
a primeira instalação de iluminação elétrica, o começo de um processo que se
ampliaria mais tarde. A emancipação de Lagoa da Prata – de distrito ligado
administrativamente a Santo Antônio do Monte/MG a município – aconteceu em 27
de dezembro de 1938. O progresso foi favorecido também, dentre outros fatores,
pela presença da Companhia Industrial e Agrícola do Oeste de Minas (CIAOM), que
opera no município desde 1945, e da Embaré Indústrias Alimentícias S/A, desde
1948. Nesse ínterim, surgiram as primeiras linhas de ônibus intermunicipais e, em
1969, uma linha urbana. A cidade está, portanto, com 68 anos completos.
Atualmente, o distrito de Martins Guimarães pertence ao território lagopratense.
Lagoa da Prata fica localizada aproximadamente a 211km da capital, Belo
Horizonte, na região do alto rio São Francisco, no centro-oeste de Minas Gerais.
Segundo dados do IBGE, em 1938 Lagoa da Prata contava com 2.417 habitantes.
No entanto, a estimativa do último censo da Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (2006) eleva seu índice populacional para mais de 44.000
habitantes, sendo a grande maioria moradora da zona urbana, aproximadamente
98% residentes. Ainda, segundo dados do censo 2005 do IBGE, a extensão
territorial de seu município ocupa uma área de 440km², rico em belezas naturais,
como: grutas, cachoeiras, lagoas naturais, rios, sobretudo o rio São Francisco, que
limita o município a oeste (FIG. 1).
Figura 1: Mapa do município de Lagoa da Prata/MG Fonte: LE SANN; GUADALUPE; MEIRELES (2002)
A lagoa de Lagoa da Prata, localizada no perímetro urbano do município, foi
transformada em praia pública artificial e inaugurada em 1968. Hoje, ela é
considerada patrimônio público e faz parte do Parque Ecológico Francisco de Assis
Resende32, vinculado à Secretaria Municipal de Meio Ambiente desde 1991. A praia
é o cartão-postal e principal ponto turístico do município, que atrai turistas,
principalmente, pelo clima ameno da cidade, denominado clima tropical, com verões
quentes e chuvosos e invernos secos. A média anual varia entre 21° e 22°C, porém,
com picos de até 28°C em meses mais quentes (LE SANN; GUADALUPE;
MEIRELLES, 2002). O complexo da praia é composto por quadra de vôlei e de
peteca, bar, sauna, parque infantil, ancoradouro de pedalinho e de canoa, bancos
espalhados pelos aconchegantes jardins às sombras das palmeiras (FIG. 2).
Figura 2: Praia Lagoa da Prata Fonte: Prefeitura Municipal de Lagoa da Prata
32 Segundo o site oficial da Prefeitura Municipal de Lagoa da Prata/MG
(www.lagoadaprata.mg.gov.br), foi realizado, por meio de convênio entre a prefeitura e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudo nas grutas e cavernas do município, constatando que existe na região um potencial espeleológico a ser devidamente estudado e explorado turística e ecologicamente, existindo grutas e cavernas de rara beleza, flora e fauna bastante diversificada.
3.1.1 Aspectos socioculturais
Transitando por essa cidade plana e arborizada, é impossível não admirar o
seu planejamento urbanístico, caracterizado por quarteirões bem traçados, de ruas e
passeios largos. Talvez, por isso, um dos meios de transporte mais utilizados na
cidade e que impressiona, principalmente aos turistas, sejam as bicicletas.
Entretanto, não há ciclovias na cidade, o que dificulta um pouco o tráfego de
pessoas, carros, motocicletas e bicicletas.
A cidade tem um ambiente pacato que transmite o jeito peculiar de se viver de
muitos lugares no interior, sobretudo em Minas Gerais. O jeito de ser lagopratense
pode ser percebido por meio de: (i) conversas nas portas das casas e comércios; (ii)
constantes cumprimentos entre as pessoas pelas ruas, que demonstram um círculo
de amizade intenso; (iii) passos tranqüilos; (iv) trânsito tranqüilo. Saindo das
principais ruas da cidade, onde se concentra o maior número de estabelecimentos
comerciais, e percorrendo as ruas secundárias, onde há maior número de
residências, nota-se um estilo de vida mais sossegado ainda – os bancos nas
calçadas das casas parecem ser um pretexto para reuniões de grupos de amigos.
O patrimônio arquitetônico da cidade de Lagoa da Prata pode ser apreciado
em visitas ao único museu da cidade, casarão que pertenceu ao fundador coronel
Carlos José Bernardes Sobrinho, construído em 1875. Atualmente, o Museu
Municipal encontra-se desativado e em ruínas. Segundo site oficial da prefeitura da
cidade, há um projeto arquitetônico de recuperação e reforma do Museu,
necessitando de recursos financeiros para execução da obra. Já o Casarão Donana,
propriedade particular, construído no ano de 1880, mantém-se em bom estado de
conservação. A Estação Ferroviária, inaugurada em 1916, e a Ponte Olegário Maciel
sobre o rio São Francisco, inaugurada em 1925, também são consideradas
monumentos históricos. A ponte de ferro veio da Alemanha como doação
intermediada pelo vereador da cidade, Alexandre Bernardes Primo, e do então
governador do estado Melo Viana. A Escola Municipal Dr. Jacinto Campos, fundada
em 1928 e ainda em funcionamento, atende ao Ensino Fundamental (primeiros
ciclos). A Igreja Matriz São Carlos Borromeu foi concluída em 1954 e já passou por
reformas.
Lagoa da Prata mantém as tradições da culinária mineira, que pode ser
apreciada nos restaurantes e nos diversos bares que, juntos, chegam a somar mais
de 700 estabelecimentos (LE SANN; GUADALUPE; MEIRELLES, 2002).
A cidade tem um grande potencial turístico, especialmente nas atividades de
turismo ecológico, devido a sua natureza exuberante, muito embora a perspectiva do
ecoturismo careça de incentivos, divulgação e investimentos. Algumas atividades já
são praticadas no município, como: trekking (caminhada longa); hikking (caminhada
curta); rapel (descida com cordas em cachoeiras, paredões e abismos); ciclismo;
canoagem; pesca desportiva; cavalgada e moto traill. Além disso, a cidade mantém
tradição no carnaval e festas que já fazem parte do Calendário Anual de Eventos,
como a Semana Santa, Corpus Christi, Forrós Juninos, Festa de Reinado ou
Congado, Expô Lagoa, Festa da Cana e do Leite, Festa de São Sebastião, dentre
outras.
O lazer em Lagoa da Prata gera controvérsias, como constatado em duas
pesquisas realizadas na cidade. Para Le Sann; Guadalupe; Meireles (2002, p. 39),
“existem várias possibilidades de lazer”, referindo-se a bibliotecas públicas, centros
poliesportivos, campo de futebol municipal, praça de esportes municipal, clubes
particulares, além dos pontos turísticos da cidade anteriormente citados. Ao
contrário, a pesquisa do Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas (2001,
p. 35) aponta “falta de opções de cultura e lazer”, por não haver cinemas ou teatros,
e os clubes existentes serem particulares. Todavia, já houve cinema na cidade, de
1916 a 1991, inclusive com o funcionamento concomitante de três cinemas – dois na
cidade e um na vila da Usina Luciânia33 (NOGUEIRA, 2005). Em ambas as
pesquisas, constam como atividades culturais e/ou de lazer: Banda Lira São Carlos;
calçadão da praia, propício à prática do cooper; ranchos à beira de rios, pela riqueza
hidrográfica do município.
A Biblioteca Municipal Central de Lagoa da Prata disponibiliza aos
pesquisadores uma espécie de dossiê, composto por artigos de temas variados
sobre a cidade, incluindo o registro de lagopratenses ilustres, com reconhecimento
nacional e mundial. Dentre eles, o notável artista plástico Heleno Nunes, cuja
pintura, que lembra as obras de Portinari, revela cenas típicas do povo mineiro. Sua 33 Com a chegada da Usina Luciânia a Lagoa da Prata, em 1948, formou-se uma vila próxima a essa
usina de açúcar e álcool, para facilitar o deslocamento de seus funcionários, em razão da distância significativa entre a usina e a cidade, cerca de 6km. Considerando que, naquela época, praticamente não havia meios de transporte, a não ser a caminhada a pé.
arte, que já freqüentou galerias da França, pode ser admirada nos painéis instalados
no Terminal Rodoviário de Belo Horizonte; o jogador de futebol Gilberto Silva, na
época disputando pela segunda vez a Copa do Mundo na seleção brasileira;
apresentadores de programas televisivos, políticos e profissionais liberais que são
motivo de orgulho da sociedade lagopratense. Uma informação encontrada, mas
não só nessa biblioteca, foi a inclusão de Lagoa da Prata no Livro dos Recordes
Mundiais, por terem sido plantadas, em menos de uma semana, 116.175 mudas de
árvores. Por meio de um mutirão, em outubro de 1997, o rio São Francisco teve
“parte de suas matas ciliares recuperadas”, o que beneficiou também a melhoria na
qualidade de vida dos moradores dos 37 municípios que compõem a Região do Alto
São Francisco (OLIVEIRA, 1998).
3.1.2 Desenvolvimento econômico da cidade
A cidade possui comércio lojista bastante diversificado. A base do
desenvolvimento econômico local está assentada em indústrias de grande porte,
como: Louis Dreyfus Commodities, usina de álcool e açúcar, antiga Usina Luciânia;
Embaré Indústrias Alimentícias S/A; Pharlab Indústrias Farmacêuticas Ltda.;
Siderúrgica Lagoa da Prata/MG (SIDERPRATA); fábrica de foguete e fábrica de
bicicleta.
Segundo dados do Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas
(2001), dentre os fatores que tendem a dificultar o desenvolvimento econômico do
município está, por um lado, a proximidade a Belo Horizonte, o que desestimula a
criação de outras indústrias, pela facilidade e dependência dos serviços e atividades
prestados pela capital mineira. Por outro lado, a participação inexpressiva da região
Centro-Oeste nos planos e programas estaduais e nacionais de desenvolvimento.
Quanto às atividades econômicas, o setor primário se classifica com menor
número de pessoas ocupadas; o setor secundário, em nível intermediário; e o
terciário34 ocupa um número preponderante (LE SANN; GUADALUPE; MEIRELLES,
2002).
34 O setor primário é composto por atividades que usufruem diretamente da natureza, extraindo dela o
bem de consumo. O setor secundário compõe-se de atividades que transformam a matéria-prima, a
A cana-de-açúcar é o principal produto agrícola, com a atividade de plantio e
safra é favorecida pela presença da usina açucareira. Na pecuária, a criação de
galinhas em granjas é a mais importante em Lagoa da Prata, seguida da produção
leiteira, com o leite sendo vendido no município para abastecimento da indústria de
gêneros alimentícios. No setor secundário, além das indústrias citadas, destacam-se as fábricas de
animais de pelúcia, uma vez que estes são utilizados, sobretudo, como brinde em
rifas, atividade de importância na economia local (SERVIÇO DE APOIO ÀS
PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS, 2001). O comércio de peças de bicicleta,
motocicletas e automóveis é o responsável pelo incremento do setor terciário.
3.2 Educação em Lagoa da Prata/MG
A exemplo do levantamento de informações acerca do município, as fontes
disponíveis para consultas sobre a criação da Secretaria Municipal de Educação e
Cultura (SEMEC) e o desenvolvimento do sistema municipal de ensino mostraram-
se escassas. Não há registro oficial sobre o ano de sua criação e em que condições
a SEMEC funcionou nas décadas iniciais. Em um único documento a que tivemos
acesso, pudemos comprovar que até 1984 ainda não havia secretarias e sim
departamentos municipais. O documento que trata de um programa do
Departamento Municipal de Turismo, Educação e Cultura da administração dos anos
de 1981 a 1984 demonstra, inclusive, que um único chefe era responsável por vários
departamentos municipais distintos (LAGOA DA PRATA, 1981).
Conhece-se mais da atualidade do que das atividades no passado e que
justificam a sua existência. Consta-nos que a clientela do sistema de ensino
lagopratense atual é basicamente local e não há escolas fechadas por falta de
alunos, embora seja registrada evasão de jovens no Ensino Médio para trabalhar,
especialmente, com as rifas e a safra da cana-de-açúcar (SERVIÇO DE APOIO ÀS
PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS, 2001).
partir dos elementos extraídos da natureza, em um processo de industrialização. O setor terciário é composto pelas atividades de comércio, transporte, comunicações e demais serviços nesse segmento (LE SANN; GUADALUPE; MEIRELLES, 2002).
O total de estabelecimentos escolares no município é 30: sete particulares,
sete públicos estaduais e 16 públicos municipais (TAB. 3). Na Rede Municipal, é
esta a distribuição das escolas: zona urbana: 8 escolas de Ensino Fundamental e 4
de Educação Infantil – Centros de Educação Municipal da Educação Infantil (CEMEI)
– em horário integral; 4 escolas de Ensino Fundamental na zona rural. Não há
escola pública federal na cidade.
TABELA 3 Distribuição das Escolas nas Redes de Ensino,
Município de Lagoa da Prata/MG, 2005 Redes
Níveis de Escolaridade
Estadual Municipal Particular
Educação Básica
Educação Básica Educação
Básica Educação Superior Educação
Infantil
Ensino Fundamental Zona
Urbana Zona Rural
Nº Escolas 7 4 8 4 6 1 Total de Escolas 30
Fonte: IBGE (2005); SEMEC (2006)
Pelos dados levantados por Le Sann; Guadalupe; Meirelles (2002), observa-
se que, embora haja bairros sem escola da rede pública municipal em Lagoa da
Prata, há alguns que abrigam até oito, como é o caso do Centro; seis, no bairro
Marília; quatro, no bairro Américo Silva; duas, no bairro Santa Helena, e outros dois
bairros – Chico Miranda e Gomes – com uma escola cada. A população
escolarizável, de 0 a 14 anos, nas três redes de ensino (estadual, municipal e
particular) em Lagoa da Prata, era de 12.566 crianças e adolescentes em 2005
(TAB. 4).
TABELA 4 População em Idade Escolar na Educação Básica,
Município de Lagoa da Prata/MG, 2005
População em Idade Escolar na Educação Básica Rede Estadual Rede Municipal Rede Particular
De 0 a 14 anos
Total 12.566 Fonte: IBGE (2005); SEMEC (2006)
Desse total, 12.336 alunos se matricularam na Educação Básica, assim
distribuídos: 8.050 na rede estadual, 3.243 na rede municipal e 1.043 na rede
particular (TAB. 5).
TABELA 5 Matrículas na Educação Básica,
Município de Lagoa da Prata/MG, 2005
Matrículas na Educação Básica Rede Estadual Rede Municipal Rede Particular
8.050 3.243 1.043
Total 12.336 Fonte: IBGE (2005); SEMEC (2006)
A rede estadual recebeu maior número de matrículas, ainda que com menor
número de escolas em relação à rede municipal. Portanto, as matrículas em 2005
apresentaram um número 10% superior em relação às matrículas de 2004, que
correspondiam a 11.466 alunos (FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2005).
Nas palavras de Marta35, assessora da SEMEC, a expectativa parece ser
muito positiva:
Acreditamos que as escolas atendam 100% dos alunos em idade escolar. A legislação, o ministério (sic) público (sic) está (sic) cada dia mais exigente (sic) quanto a isso e cobra (sic) da sociedade. As empresas exigem certificado de freqüência escolar dos filhos para empregar funcionários.
Analisando a população em idade escolar na Educação Básica, no município
de Lagoa da Prata, em 2005 (Tabela 4) e as matrículas correspondentes (Tabela 5),
verificamos que a expectativa dessa funcionária pode ser real, pois, como a
obrigatoriedade do ensino inicia-se aos seis anos de idade36, pode haver crianças
ainda não matriculadas por não terem atingido essa idade. Levando-se em conta os
dados apresentados na Tabela 5, notamos que mais de 98% das crianças em idade
escolar estão matriculadas e que esses números superam a média nacional de 97%
de crianças matriculadas no Ensino Fundamental (MARTINS, 2006).
35 Pseudônimo adotado. 36 A Rede Municipal de Ensino dessa cidade aderiu ao Ensino Fundamental de nove anos, iniciando
aos seis anos de idade e finalizando aos 14. O primeiro ano é chamado Fase Introdutória, seguido da Fase I, do Ciclo Inicial de Alfabetização.
3.2.1 Rede Municipal de Educação de Lagoa da Prata/MG
A Secretaria Municipal de Educação e Cultura (SEMEC) de Lagoa da Prata
tem um quadro de 340 funcionários, sem plano de carreira. Na apresentação de sua
Proposta Pedagógica para o Ensino Fundamental (2005-2008), está registrada a
intenção de que o processo de ensino-aprendizagem percorra um caminho com
vistas ao sucesso. Para isso, a Proposta Pedagógica traz Propostas Curriculares de
Português, Matemática, Ciências, História e Geografia compatíveis a cada fase do
Ciclo, com objetivos, conteúdos, procedimentos e atividades, avaliação e
periodicidade. A elaboração contou com a participação da equipe pedagógica da
rede municipal. O referencial teórico utilizado foi: Caderno com as Orientações do
Ciclo Inicial de Alfabetização do Congresso Estadual, elaborado pelo Centro de
Alfabetização, Leitura e Escrita (CEALE), Referenciais da Educação Infantil e
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
A Proposta Pedagógica do primeiro segmento do Ensino Fundamental da
rede municipal de ensino de Lagoa da Prata/MG organiza-se em Ciclo Inicial de
Alfabetização – composto pela Fase Introdutória, Fase I, Fase II – e Ciclo
Complementar de Alfabetização – Fases III e IV. As cinco fases têm duração de
cinco anos e são distribuídas da seguinte forma:
a) Ciclo Inicial de Alfabetização (CIA), com duração de três anos,
compreendendo três fases – Fase Introdutória, Fase I, Fase II. Visa ao
desenvolvimento de um conjunto de conhecimentos e habilidades considerados
fundamentais ao processo de alfabetização e letramento dos alunos.
I) Fase Introdutória – destinada aos alunos que ingressarem no Ensino
Fundamental aos seis anos completos ou a completar até 30 de abril.
II) Fase I – destinada aos alunos provenientes da Fase Introdutória, após o
cumprimento dos objetivos da referida fase.
III) Fase II – destinada aos alunos que atingiram os objetivos da Fase I, dando
continuidade ao trabalho em desenvolvimento e finalizando os objetivos previstos
para o Ciclo Inicial de Alfabetização.
b) Ciclo Complementar de Alfabetização (CCA), com duração de dois anos,
compreendendo duas fases – Fase III e Fase IV. Prima pela consolidação,
ampliação e aprofundamento dos conhecimentos e capacidades considerados
essenciais ao processo de alfabetização e letramento dos alunos.
I) Fase III – destinada aos alunos que concluíram o CIA, dando continuidade
ao processo de alfabetização e letramento desenvolvido no período anterior.
II) Fase IV – continuidade à fase III e finalizando o Ciclo Complementar de
Alfabetização.
A Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Lagoa da Prata lançou dois
projetos educacionais para o ano de 2006. O primeiro deles é o Programa Municipal
de Atenção ao Educando (PROMAE) das escolas municipais. O programa tem por
objetivo atender: (i) aos Centros Municipais de Educação Infantil (CEMEI), por meio
de atendimento nutricional, oficina de jogos e brincadeiras, oficina de dança e oficina
de contos; (ii) à Educação Infantil, com atendimento nutricional e oficina de dança;
iii) ao Ensino Fundamental, com oficinas de contos, atendimento psicopedagógico e
nutricional e projeto de informática.
O segundo projeto – Centro Especializado de Atendimento à Criança (CEAC)
– em parceria firmada com a Secretaria de Saúde, propõe-se a oferecer
atendimentos: psicológico, fonoaudiológico, neuropediátrico, nutricional,
psicopedagógico, fisioterápico e de terapia educacional às crianças do município,
das redes pública e particular.
Segundo discurso da Secretária de Educação,
A escola deve funcionar como uma orquestra, todos precisam estar em sintonia. Se houver algum deslize musical, ou seja, profissional, a equipe deverá unir forças para corrigir os erros e formar uma sinfonia perfeita. (SEMEC, 2006).
Desse discurso apreende-se o interesse da secretária em articular a proposta
pedagógica à concretização dos projetos em andamento nas escolas do município.
3.3 Meio sociocultural: bairro Gomes
Em meio a esse cenário urbano, sociocultural e educacional, destacamos,
entre os 21 bairros de Lagoa da Prata, o bairro Gomes, onde está localizada a
Escola Municipal Professor Afonso Goulart. O bairro Gomes localiza-se na região
periférica da zona norte da cidade, distante do centro, em média, 1.500 metros (FIG.
3). Ele ocupa uma área de 1.020m², o que lhe assegura a posição de terceiro maior
bairro do município (LE SANN; GUADALUPE; MEIRELLES, 2002).
Figura 3: Mapa dos bairros de Lagoa da Prata/MG Fonte: LE SANN; GUADALUPE; MEIRELES (2002)
O bairro Gomes foi fundado em 1980, ano em que começa o traçado e, logo
após, a venda dos 100 primeiros lotes, em uma área que até então era destinada à
pastagem. Os loteamentos foram sendo ampliados e, em 1984, finalizadas as
vendas dos lotes. O traçado urbanístico do bairro acompanha o da cidade – ruas e
passeios largos e quarteirões bem desenhados. De acordo com as informações do
Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) e da Companhia Energética de Minas
Gerais (CEMIG), a energia elétrica, a água encanada e a rede de esgoto já foram
instaladas em todo o bairro. Mas, o calçamento ou pavimentação ainda não
beneficiou todos os moradores, o que pôde ser constatado nos trajetos diários até à
escola, registrados no diário de campo.
O bairro Gomes parece ser bem servido por serviços públicos e sociais. No
campo da educação, possui um Centro Municipal de Educação Infantil (CEMEI) e a
Escola Municipal Professor Afonso Goulart, onde foi realizada a pesquisa, ambos
pertencentes à rede municipal de Educação. Na área da Saúde, conta com um posto
onde funciona o Programa Saúde Família (PSF) e o Programa Saúde Bucal (PSB).
Foram observados outros espaços de beneficiamento à comunidade, como: uma
horta comunitária; um campo de futebol, onde é desenvolvido um projeto de futebol
da prefeitura com crianças do bairro; uma quadra poliesportiva. Há também a
Associação dos Moradores do Bairro Gomes, fundada em 1989; três igrejas –
Católica, do Evangelho Quadrangular e Assembléia de Deus –; além do comércio,
embora mais restrito se comparado ao do centro da cidade. A quadra pública
municipal localizada em frente à Escola Municipal Professor Afonso Goulart é
utilizada para a aula de Educação Física dos alunos dessa escola. Todavia,
apresenta um aspecto descuidado, por não ter sido de fato concluída (a sua
construção se deu no início dos anos de 1990)37 e pela necessidade de reforma,
devido ao seu atual estado de abandono e má conservação (FIG. 4). Igualmente, a
Igreja Católica apresenta uma aparência de desleixo, além de se localizar em um
espaço sem calçamento.
Figura 4: Quadra municipal do bairro Gomes Fonte: Fotos da pesquisa de campo
37 A quadra está cadastrada no Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, desde novembro de
2005, como uma das obras públicas inacabadas e/ou paralisadas. Disponível em: <http://www.tce.mg.gov.br/receitadespesa/TCEMG-obrasparalisadas-2005>. Acesso em: 18 set. 2006.
Foram percorridos dois caminhos possíveis do centro da cidade até o bairro.
Em ambas as vias de acesso, há dois “leves” aclives que destoam um pouco da
característica plana que prevalece na cidade. A travessia evidenciou realidades
muito distintas, uma vez que o bairro apresenta características socioeconômicas
pouco desenvolvidas e típicas de um bairro de camada popular. As casas revelam
um aspecto simples; os estabelecimentos comerciais têm um aspecto mais informal;
muitas ruas ainda sem calçamento ou pavimentação; os meios de transporte mais
freqüentemente utilizados pela população são as bicicletas e motocicletas. Todavia,
falar de camada popular em uma cidade com menos de 45.000 habitantes e com as
características peculiares já mencionadas, requer uma diferenciação considerável
dos meios populares das grandes cidades.
A demanda estudantil da escola do bairro Gomes advém, também, conforme
identificado nas fichas de matrículas dos alunos, de outros bairros próximos, como
os de Nossa Senhora das Graças, Etelvina Miranda, Mangabeiras e Santa Eugênia
II, por essa escola ser a mais acessível a esses bairros.
Por meio de consulta ao arquivo escolar, identificamos nas fichas cadastrais
dos cerca de 400 alunos da EMPAG o perfil dos pais quanto ao trabalho nessa
região. As ocupações profissionais mais freqüentes das mães são: donas de casa,
em primeiro lugar, revelando o grande número de mães que não exercem uma
atividade profissional; em seguida, prestação de serviços domésticos, como
diaristas; balconistas; emprego em fábrica de foguete; costureiras; sacoleiras e um
único registro de mãe professora. Na seqüência, surgem os pais, no trabalho na
lavoura, safra e demais atividades rurícolas; pedreiro e servente de pedreiro;
vendedores; retireiro; operador de produção; motorista; rifeiro e tratorista. Percebe-
se que as atividades ocupadas pelas mães e pais dos alunos exigem deles pouca ou
nenhuma escolaridade. Além disso, destaca-se a questão salarial, assinalada pela
baixa remuneração mensal.
3.4 Escola Municipal Professor Afonso Goulart: características físicas, distribuição espacial e relações profissionais
Um tópico exclusivo para a apresentação da escola traduz a importância que
a ela é atribuída como possível facilitadora das interações entre professores e
alunos. Com Buffa e Pinto (2002), acreditamos que sem uma boa arquitetura escolar
é impossível ter-se boas escolas.
O nome da escola é homenagem a um professor, natural de Cordisburgo/MG,
que viveu em Lagoa da Prata por um período suficiente para criar fortes vínculos,
exercendo o mandato de vereador, presidente do primeiro clube da cidade,
funcionário público – um cidadão ativo, como apontam os registros da escola.
A criação da escola ocorreu em 1988, pela necessidade de atender aos
moradores do “novo” bairro que estava em processo de expansão, pois as demais
escolas ficavam distantes. Dois anos mais tarde, a escola foi regulamentada pelo
Parecer n. 501/90 – em 13 de julho de 1990. Inicialmente, funcionava com apenas
três salas de aula, uma cantina e dois banheiros. O crescimento da demanda de
alunos impulsionou a criação de mais cinco salas, com a mudança do portão de
entrada para uma das ruas de maior movimento. Em ampliação posterior, foram
acrescentadas três salas e um galpão, ocasionando outras mudanças, dessa vez, na
ordem das salas (FIG. 5).
Figura 5: Vista externa da Escola Municipal Professor Afonso Goulart Fonte: Fotos da pesquisa de campo
A arquitetura da escola apresenta um aspecto harmônico, apesar de a
expansão e modificações introduzidas no projeto arquitetônico inicial do prédio.
Hoje, ela ocupa quase um quarteirão, é cercada por muros e mantém uma entrada
pela rua asfaltada e mais movimentada. O portão de entrada permanece sempre
fechado, mas não trancado, e não há vigia ou outro funcionário para recepcionar os
visitantes. Se, por um lado, os muros e o portão sinalizam a importância da
identificação do visitante, por outro, passam a impressão de negligência. As pessoas
que não têm o hábito de visitar a escola sentem-se confusas sobre o procedimento
de acesso e entram na escola sem orientação, ou sem permissão. Tal
constrangimento foi presenciado algumas vezes pela pesquisadora: alguém
empurrando vagarosamente o portão com as mãos, o rosto para dentro da escola e
o resto do corpo ainda de fora, na esperança de avistar alguém que o
recepcionasse, na dúvida se era permitido ou não entrar. No entanto, os pais,
responsáveis ou visitantes que vão à escola com mais freqüência demonstram
familiaridade com o procedimento e não se intimidam com o portão.
Uma vez aberto o portão de entrada da escola e posicionando-se de costas
para ele, o visitante se vê frente a um pátio central descoberto e cimentado e se
depara com uma árvore frondosa que ocupa um lugar de destaque bem ao centro da
escola. A árvore teve seu espaço respeitado, principalmente por estar ali antes da
construção da escola (FIG. 6).
Figura 6: Vista interna da Escola Municipal Professor Afonso Goulart Fonte: Fotos da pesquisa de campo
Mais ao fundo, no pátio, há duas hastes para bandeiras, que, entretanto, não
foram hasteadas durante a realização da pesquisa. Nos dois lados do portão de
entrada, dentro da escola, nota-se grande número de bicicletas e motocicletas
estacionadas. A maioria das professoras e demais funcionários, e também alguns
alunos, utilizam esses veículos para se locomoverem. A visão que se tem da escola
na Figura 5 abrange quase totalmente a sua dimensão espacial, à exceção da horta,
localizada em um terreno ao lado e cujo acesso se dá por um portão interno na
escola.
A primeira visita à escola como pesquisadora diferenciou-se de outros
momentos em que lá esteve, pelo olhar mais atento em busca do estranhamento do
que lhe parecia familiar. Os primeiros contatos com a escola, em seus ambientes
externos às salas de aula, a princípio, transmitiam harmonia e tranqüilidade. As
conversas de alunos e professoras podiam ser ouvidas como um fundo musical
suave, em que sons de sílabas, vogais e números se afinavam e ecoavam pelos
corredores. O ambiente era calmo e silencioso, à exceção da hora do recreio. Nesse
período, ouviam-se, a mais de um quarteirão de distância, os sons estridentes que
os alunos emitiam, o que sinalizava, a quem por ali passasse, que havia uma escola
por perto. O barulho produzido no recreio contrastava com o silêncio que imperava
em outros períodos. Antes do recreio, era necessário se esforçar para ouvir as vozes
das professoras e dos alunos em seus trabalhos pedagógicos. Algumas vezes,
ouvia-se apenas o barulho característico produzido pelas serventes nos afazeres
rotineiros, como a limpeza do pátio, dos banheiros e dos corredores. Também não
se percebia nenhuma movimentação exacerbada de alunos nos corredores,
bebedouros, banheiros, tampouco das professoras.
Essa percepção inicial foi explicada pela constatação de que a escola dispõe
apenas de dois pátios a serem utilizados como espaços lúdicos, culturais, de lazer e
recreação, para as professoras e seus respectivos alunos. Assim, a arquitetura
escolar da EMPAG instigou a pesquisadora pela ausência de espaços de
sociabilidade. A supervisora parecia já ter notado um clima de pouca movimentação
na rotina da escola, inclusive, sugeriu às professoras, em uma das Reuniões de
Módulo II38, a utilização dos ambientes escolares para atividades extraclasse com os
38 O Módulo II exige presença obrigatória das professoras, da supervisora e da vice-diretora (exceto
da diretora, psicopedagoga, estagiários, serventes e secretárias). A supervisora é responsável por
alunos. Na proposta de Buffa e Pinto (2002), o auditório, o jardim, o ginásio, podem
colaborar para um clima de vida escolar mais agradável, incrementando atividades
artísticas, jogos, brincadeiras e demais momentos de recreação.
A arquitetura escolar da EMPAG apresenta deficiências por não oportunizar
“a mobilidade infantil”, sem a qual os alunos passam a vivenciar atividades escolares
com desconforto, ou nem as vivenciam (BUFFA e PINTO, 2002, p. 113). Como
exemplo, apontamos as aulas de Educação Física, que acontecem em uma quadra
pública, para a qual o professor conduz os alunos por não haver quadra esportiva na
escola. Eles atravessam a rua que separa a quadra da escola. Ao centro de uma
praça gramada e com bancos, a quadra se situa em um espaço aberto, sem portões
nem grades e ocupa um quarteirão. Apresenta, porém, um aspecto desleixado e se
encontra em péssimo estado de conservação, conforme verificado na Figura 4. No
período da pesquisa, o professor valeu-se, ordinariamente, da quadra poliesportiva
para o desenvolvimento de suas aulas.
Na falta de um parque infantil com brinquedos específicos para a diversão das
crianças no recreio, tais como escorregador, carrossel e balanço, elas mesmas
inventam suas brincadeiras, ou, geralmente, pulam corda e brincam de queimada,
com materiais disponibilizados pela escola. Mesmo privados de ambientes
educacionais adequados às finalidades pedagógicas, os alunos são alegres e
criativos em suas brincadeiras (FIG. 7).
Figura 7: Pátio descoberto Fonte: Fotos da pesquisa de campo
prestar esse “serviço de apoio pedagógico” (LAGOA DA PRATA, 2005). O único professor da escola não participa dessa reunião por ser professor-estagiário.
Entretanto, essa alegria é encoberta por certo desapontamento em épocas de
chuva: se em épocas de estiagem, o pátio descoberto atrai os alunos para brincar,
em dias de chuva causa transtornos a toda a comunidade da escola. Nessas
épocas, até as aulas de Educação Física são suspensas. Buffa e Pinto (2002, p.
113) ressaltam o respeito aos alunos quanto ao conforto “térmico, visual e auditivo”
nos projetos escolares; “não é a arquitetura que define a filosofia educacional”, mas
se pode usá-la a favor das finalidades pedagógicas.
A escola possui aparelhos de televisão e videocassete, mas, como não há
sala exclusiva para exibição, os alunos assistem aos filmes nas salas de aula.
Sendo assim, há que se carregar a televisão e o videocassete da secretaria até à
sala de aula em que haverá a exibição, com o respectivo retorno à sala da
secretaria, o que não parecia tarefa fácil, a cargo das professoras ou da supervisora.
Havia uma sala desocupada, que poderia servir a esse propósito. Entretanto, cerca
de 40 dias do início desta pesquisa, a referida sala transformou-se em um depósito
provisório de microcomputadores e impressoras, equipamentos destinados ao
Laboratório de Informática, ainda em fase de montagem. Até o término da pesquisa
de campo, as instalações do referido laboratório não haviam sido definidas.
Não há, no prédio da EMPAG, um espaço destinado exclusivamente à
alimentação, ou uma cantina para a merenda escolar. Os alunos merendam nas
próprias salas de aula. Buffa e Pinto (2002, p. 73) ressaltam a preocupação com a
salubridade e o bem-estar no discurso educacional, em meados do século XX, e
assim o reproduzem:
Partindo do princípio de que a escola primária exige ar puro abundante, luz solar e espaço, e que as primeiras condições subordinam-se à última, dedica especial atenção ao terreno que deve ter boa localização, isto é, adequada à população a que vai servir [...] e área extensa para comportar espaços para educação física, pátios e jardins.
Constata-se que a EMPAG é um prédio escolar com escassos ambientes que
proporcionem bem-estar aos atores escolares e favoreçam seus objetivos e projetos
educacionais descritos em sua Proposta Político-Pedagógica (LAGOA DA PRATA,
2005).
A descrição e análise de cada um dos ambientes da escola, que nos
propomos a tecer em seguida, expõem as condições de trabalho docente e as
oportunidades pedagógicas acessíveis aos alunos.
Em formato de um arco, o pátio é rodeado por salas – da secretaria, de aula,
da despensa, dos professores –, além do banheiro dos meninos e das meninas,
cozinha (com um pequeno pátio coberto, ao lado), consultório odontológico e
biblioteca. Não há sinalização orientando o visitante sobre a localização desses
ambientes, mas, em alguns, há uma ficha de cartolina afixada na parede, com
escrita de pincel, identificando o local. No que se refere às características físicas e
distribuição espacial da escola, observam-se similaridades a aspectos imanentes à
arquitetura escolar, como a disposição das salas, os corredores, o pátio, as figuras
dispostas nas paredes, a pintura e o muro que a cerca (FARIA FILHO, 1998).
A primeira sala, à direita de quem entra na escola, é subdividida em três
ambientes, onde funcionam: a secretaria, o atendimento psicopedagógico e as aulas
de reforço. O primeiro ambiente, destinado à secretaria, é o mais espaçoso dos três.
Nele, o atendimento ao público é realizado por duas secretárias – uma no turno da
manhã e outra no turno da tarde. O mobiliário e o equipamento de trabalho nessa
sala se restringem a uma mesa com microcomputador, sem impressora, uma mesa
com uma máquina datilográfica, um arquivo e um armário. Em uma das paredes há
uma foto emoldurada do professor Afonso Goulart. Em um quadro verde, decorado
com algumas flores, lê-se: “A Escola Afonso Goulart é para nós como um jardim
florido!” A propósito dessa mensagem, nota-se a divergência entre o modelo
disciplinador foucaultiano (FOUCAULT, 2006), presente em alguns aspectos da
arquitetura escolar, e a simbologia da natureza, que começa a se apresentar na
decoração dessa escola. Lastro que, segundo Carvalho (1999), está ligado à
transição das escolas punitivas e coercitivas para ambientes agradáveis, que
incentivam o desabrochar da criança. Os jardins de infância39, ideário que passa a
vigorar desde o início do século XIX, ao que parece, perpetua-se no imaginário
dessa escola. Em menção a esse período histórico, Carvalho (1999) relembra frases
bastante representativas, cujo sentido é conhecer a criança, como se conhece as
plantas e cuidar do corpo e da mente, vislumbrando o florescimento do saber e dos
valores, como a obediência.
39 Carvalho (1999) apresenta Froebel – discípulo de Pestalozzi – como o criador dos jardins de
infância alemães.
Dividindo espaço com a secretaria, o segundo ambiente, bem pequeno, é
reservado ao atendimento psicopedagógico nos dois turnos. O terceiro ambiente,
também pequeno, é destinado às aulas de reforço no período vespertino. Ambos os
espaços – de atendimento psicopedagógico e de reforço – são abafados, com
iluminação deficiente e separados da secretaria apenas por uma cortina. A esse
respeito, Buffa e Pinto (2002) ressaltam a tendência da arquitetura moderna nos
projetos escolares, caracterizados por prédios simples, sem adornos, porém
agradáveis, iluminados e bem ventilados, o que não foi observado nessas salas.
Após a secretaria e percorrendo os corredores da escola, há cinco salas de
aula, uma despensa e mais cinco salas de aula. Nas paredes correspondentes a
algumas salas de aula encontram-se expostos trabalhos confeccionados pelos
alunos das turmas. Não se observaram pichações, vidros quebrados ou outros sinais
de vandalismo contra a escola (FIG. 8).
Figura 8: Corredor direito Fonte: Fotos da pesquisa de campo
Esses corredores ficam desimpedidos e suas paredes são enfeitadas com os
personagens da turma dos “Ursinhos Carinhosos” e figuras que conferem sentido à
dimensão simbólica da frase escrita no quadro verde da secretaria, que compara a
escola a um “jardim florido”, muito embora não haja, de fato, nenhum jardim florido
em suas dependências. As figuras que simbolizam esse jardim são crianças
brincando sobre grama de papel, rodeadas por flores, cogumelos, pássaros e
borboletas.
Há duas portas que dão acesso à sala da direção ou “gabinete”, conforme
indicação afixada na parede. Entrando por qualquer uma delas, observa-se um
espaço subdividido em três ambientes: sala dos professores, sala da direção e sala
com materiais pedagógicos, além de um banheiro para funcionários. A entrada pela
primeira porta dá acesso direto à sala dos professores. O mobiliário desse local
consiste em armários de aço, abertos, em que são depositadas as coleções de livros
da escola, e uma mesa grande ao centro, que atende a duas finalidades: ora é
utilizada como suporte para confecção de materiais escolares, ora para o lanche dos
funcionários. Não há escaninhos onde os professores possam guardar seus
pertences. Os armários de suas salas de aula parecem ser utilizados também para
esse fim. Há, ainda, um armário com material de trabalho das professoras eventuais
e um quadro de avisos afixado em uma das paredes.
O ambiente da sala da direção, acoplado à sala dos professores, é pequeno.
Ele comporta apenas as três mesas existentes, destinadas à diretora, à vice-diretora
e à supervisora, e um banco encostado à parede, sobre o qual foi instalado o único
telefone da escola. Observou-se que não há um funcionário designado para atender
às ligações telefônicas – aquele que estiver no local e o ouvir tocando é que o
atende, como aconteceu com a pesquisadora, quando esteve, algumas vezes,
sozinha nessa sala. Percebe-se o empobrecimento do mobiliário escolar e as
dimensões insuficientes da sala da direção. A campainha que sinalizava os diversos
momentos da vida da escola (entrada/saída, início/final do recreio) está instalada
nessa sala e sua execução seguia a mesma sistemática do atendimento ao telefone:
era acionada por quem estivesse em sua adjacência. Da mesma forma, a
pesquisadora foi solicitada, uma única vez, para acioná-la. Algumas vezes, as
professoras precisaram confirmar se o sinal havia sido tocado, pois o som produzido
não era estridente o suficiente para ser ouvido com clareza. Da sala da direção e
coordenação pedagógica, tem-se acesso a um terceiro ambiente, onde há quatro
armários com materiais pedagógicos, caixa de som e um banheiro para funcionários.
Continuando o percurso pelos ambientes da escola, percebe-se que o
corredor do lado esquerdo não é tão livre quanto o outro, pois há um bebedouro
instalado entre os banheiros das meninas e dos meninos, localizados ao lado da
sala da direção (FIG. 9).
Figura 9: Corredor esquerdo Fonte: Fotos da pesquisa de campo Na Figura 10, visualiza-se um banheiro masculino, azulejado, e uma rampa
para facilitar o acesso dos alunos com necessidades especiais. Na escola, há um
aluno com deficiência física, que, segundo a vice-diretora, é independente e
praticamente dispensa ajuda para as atividades corriqueiras na escola. Em cada um
dos banheiros há três vasos sanitários e três lavabos. A diretora esclarece que
esses banheiros foram melhorias realizadas na escola na gestão municipal do
Partido dos Trabalhadores (PT), no período 2001-2004. Porém, as obras não foram
concluídas na gestão petista, faltando finalizar a pintura em uma pequena parte da
escola e a instalação das portas bang bang nos banheiros dos alunos, para evitar
que eles fiquem presos, como ocorrera outras vezes. Em uma ocasião, a
pesquisadora e a supervisora ouviram um choro de criança, que parecia vir do
banheiro. Ao saírem para verificar, encontraram uma criança presa no banheiro
feminino, por falta de maçaneta na porta, o que a impedia de abri-la [na Figura 9, o
local em que deveria haver uma maçaneta está marcado por um círculo]. Ao ouvir a
supervisora comentar a ocorrência de situações semelhantes na escola, a diretora
lamentou que as melhorias não tivessem sido finalizadas naquela gestão.
Figura 10: Banheiro masculino Fonte: Fotos da pesquisa de campo
Entre os banheiros e a cozinha há um pequeno pátio coberto, onde são
realizados os eventos de menor porte da escola, dirigidos a um número reduzido de
convidados e participantes. Esse pátio é decorado com figuras das personagens das
histórias de Walt Disney, como Pato Donald, Pluto, Mickey, além de figuras alusivas
a um jardim. É relevante mencionar que não foram observadas figuras ou
referências à beleza da cidade ou ao meio social em que está inserida a escola
(FIG. 11).
Figura 11: Pátio coberto Fonte: Fotos da pesquisa de campo
Após o pátio, seguem anexos à escola, respectivamente, um consultório
odontológico público, que atende às crianças da escola e aos moradores do bairro, e
uma biblioteca também pública municipal, cujo atendimento aos alunos da EMPAG
segue as mesmas normas de um usuário comum, externo à escola. Esses dois
anexos são os únicos que permitem acesso independente pelo lado externo da
escola, além da entrada pelo interior da escola.
A EMPAG funciona em dois turnos (manhã e tarde), porém, à noite estava
sendo cedida uma de suas salas para o Programa Brasil Alfabetizado. No total, são
18 salas de aula em funcionamento – 8 no turno da manhã e 10 no turno da tarde.
3.4.1 Corpo profissional40da EMPAG
O campo da profissão docente, que desde os anos de 1980 se acentuou no
Brasil, apresenta duas tendências principais: a da proletarização do magistério e a
da profissionalização (ARROYO, 1985; ENGUITA, 1991; NÓVOA, 1999; OLIVEIRA,
2004; VEIGA, 2006).
Na primeira tendência da proletarização, anunciada pelos teóricos da
reprodução social41, os professores estão submetidos a um processo de
desvalorização profissional. Nos trabalhos de Saviani (1984), Arroyo (1985) e Apple
(1989), essa questão é problematizada e relativizada. Apple (1989, p 170), em
análise aos teóricos da reprodução social, entende que, por um lado, os professores
são trabalhadores “controlados” pelo sistema educacional, mas, por outro lado,
esses mesmos professores recorrem à estratégia de “resistência”. Com isso, Apple
(1989) critica as teorias que tendem a enfatizar o controle e ignorar tal resistência,
como se os professores estivessem submetidos apenas à reprodução social e nada
produzissem nesse sistema. Propõe, assim, uma visão mais complexa do que a 40 Neste estudo consideramos a direção, as especialistas educacionais, as professoras e o professor
como profissionais. Os funcionários são aqueles que trabalham na escola, mas não fazem parte da equipe de profissionais: nove serventes escolares, com regime de trabalho em horário integral nos dois turnos; duas secretárias, uma para cada turno; um horticultor; um vigia, apenas para o período noturno.
41 A escola é vista como um aparelho ideológico de perpetuação da lógica de dominação da sociedade capitalista. Dentre os teóricos da reprodução social da década de 1970, destacamos: Louis Althusser (1998); Christian Baudelot e Roger Establet (1977) e Samuel Bowles e Herbert Gintis (1990).
simples reprodução. Sem ignorar a degradação do trabalho a que está exposto o
professorado, o autor aponta ainda alternativas democráticas de luta por condições
de trabalho mais favoráveis, como a ação organizada e a autonomia responsável.
A argumentação sobre desprofissionalização e profissionalização nesse
campo percorre um caminho pautado por lutas, conflitos e tensões (ROLDÃO,
2007). Para compreender o que se define por desprofissionalização, é necessário ter
claro o que seria o seu contrário, a profissionalização – “ocupação que exerce
autoridade e jurisdição exclusiva simultaneamente sobre uma área de atividade e de
formação ou conhecimento, tendo convencido o público de que os seus serviços são
os únicos aceitáveis” (OLIVEIRA, 2004). Entre a ambigüidade – desvalorização,
desqualificação, desprofissionalização ou proletarização do trabalho docente – por
um lado e a profissionalização, por outro, Enguita (1991) introduz a argumentação
da “semiprofissão”. O autor argumenta que profissionais são aqueles plenamente
autônomos em seu processo de trabalho, não tendo de se submeterem à regulação
alheia. Assim, por não considerar os professores proletários, tampouco profissionais,
Enguita (1991) classifica-os no nível intermediário e propõe a luta pela
profissionalização, esta também defendida por Nóvoa (1999).
Diante dessas argumentações teóricas, não há dúvida de que a
profissionalização do magistério é um tema controverso, sobretudo pelas
indefinições que acometem esse campo. Questões relativas à autonomia docente no
exercício de seu trabalho, salários, condições de trabalho, prestígio social,
oportunidades de promoção e vantagens, além da hierarquia profissional entre os
próprios docentes, são algumas das controvérsias apontadas por Enguita (1991).
Nesse sentido, ao optarmos, neste estudo, por tratar a direção, especialistas,
professoras e o único professor dessa escola como profissionais não estamos
desconsiderando o conteúdo teórico das tendências mencionadas. De acordo com o
trabalho de Cardoso (2001) e com a argumentação de Veiga (2006, p. 468),
entendemos que
a docência requer formação profissional para seu exercício: conhecimentos específicos para exercê-lo adequadamente ou, no mínimo, aquisição dos conhecimentos e das habilidades vinculadas à atividade docente para melhorar sua qualidade.
Na EMPAG, do grupo de 29 profissionais, 23 são professoras e um é
professor (Educação Física). A presença única do professor vai ao encontro dos
dados nacionais, apresentados por Vieira (2002), que detectam presença ínfima de
1% de homens trabalhando nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Há no turno
da manhã: 1 psicopedagoga, 1 professora-estagiária de Educação Física, 1
professora eventual e 8 professoras regentes. No turno da tarde há: 1 vice-diretora
(que trabalhava somente no período da tarde), 1 psicopedagoga, 1 professor-
estagiário de Educação Física, 1 professora de contos, 1 professora recuperadora, 1
professora eventual e 10 professoras regentes. A diretora e a supervisora
pedagógica trabalham em regime de horário integral.
A composição do corpo profissional da EMPAG, com o detalhamento do
cargo/função e respectiva formação profissional, é apresentada no Quadro 3
(direção e especialistas) e Quadro 4 (professoras e professor).
Quadro 3: Cargo/Função e Formação das Profissionais Fonte: Dados da pesquisa de campo (SEMEC) Nº CARGO/FUNÇÃO FORMAÇÃO PROFISSIONAL01 Eventual Letras 02 Eventual Normal Superior 03 Professora Matemática 04 Professora Magistério 05 Professora Magistério 06 Professora Pedagogia 07 Professora Normal Superior em curso 08 Professora Pedagogia/História/Pós-
graduação 09 Professora Magistério 10 Professora Patrícia42 Pedagogia/Pós-graduação 11 Professora História 12 Professora Letras 13 Professora Matemática/Pós-graduação 14 Professora Normal Superior 15 Professora Magistério 16 Professora Magistério 17 Professora Matemática 42 Pseudônimo da professora da sala de aula pesquisada.
Nº CARGO/FUNÇÃO FORMAÇÃO PROFISSIONAL 1 Diretora Letras 2 Vice-diretora História 3 Supervisora Pedagogia/Pós-graduação 4 Psicopedagoga Pedagogia/Pós-graduação 5 Psicopedagoga Pedagogia/Pós-graduação
(2) Efetivas em um cargo (1) Efetiva em dois cargos (2) Contratadas
18 Professora Pedagogia/Pós-graduação 19 Professora Matemática 20 Professora Pedagogia 21 Professora de reforço Pedagogia em curso 22 Professor Educação
Física Educação Física
23 Professora de contos Pedagogia em curso 24 Professora Educação
Física Educação Física
Quadro 4: Cargo/Função e Formação dos Professores Fonte: Dados da pesquisa de campo (SEMEC)
O Quadro 4 sofreu alterações ao longo da pesquisa por motivos de demissão
da professora que era aposentada em um cargo e contratada em outro e pela
transferência da professora de Educação Física, em abril de 2006, para outro setor
da prefeitura da cidade. Assim, o professor de Educação Física, que trabalhava
apenas no turno da manhã, assumiu as aulas dessa professora também no período
da tarde. Além disso, em maio de 2006 houve o retorno de uma das professoras
efetivas em um cargo, após período de licença médica.
Nas informações resumidas no Quadro 4, identificamos: uma professora
aposentada em um cargo e contratada em outro; cinco efetivas em um cargo; três
professoras efetivas em dois cargos; quatro estagiários, em função de um convênio
firmado entre a prefeitura e universidades da região. As demais, 11 professoras,
trabalhavam em regime de contrato.
Dados do levantamento do Sistema de Avaliação da Educação Básica (2004)
identificam que os
professores dos alunos com desempenho muito crítico43, em sua maioria (58%), têm no máximo oito anos de escolaridade. Entre os professores dos alunos com desempenho adequado, a escolaridade média é mais alta. Sessenta e cinco por cento possuem formação superior. Destes, 35% cursaram Pedagogia, 22% tinham licenciatura e 7% cursaram algum outro curso de nível superior.
43 Os estágios correspondem a níveis estabelecidos por uma escala do SAEB. O nível mais baixo –
muito crítico – está relacionado a alunos que não atingiram o nível 1. Aos níveis 1 e 2, portanto, corresponde o estágio crítico. Os alunos localizados no estágio intermediário (níveis 3 e 4) estão começando a desenvolver as habilidades de leitura, mas ainda aquém do nível exigido para a 4ª série ou Fase IV. Adequado: refere-se a alunos localizados no nível 5 – leitores com nível de compreensão de textos adequados à 4ª série. Avançado: leitores com habilidades consolidadas, alguns com nível além do esperado para a 4ª série. Os alunos nesse estágio estão localizados no nível 6 da escala do SAEB.
(5) Efetivas em um cargo
(3) Efetivas em dois cargos (11) Contratadas (1) Aposentada e contratada (4) Estagiários
Ao cotejarmos os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (2004)
com o Quadro 4, praticamente não observamos similaridade. Na EMPAG, todas as
professoras apresentam, no mínimo, o curso de Magistério em nível médio: 21%.
Aquelas com cursos superiores completos ou em andamento (Pedagogia; Normal
Superior, Letras, História e Matemática e Educação Física) somavam 79%. Havia
uma professora com dois cursos de graduação: História e Pedagogia. A pós-
graduação lato sensu consta do currículo de oito profissionais, incluindo a professora
Patrícia da turma observada. Não há na EMPAG profissionais com a pós-graduação
stricto sensu.
Quanto ao tempo de experiência no magistério na rede municipal, constatou-
se que os professores possuíam entre 2 e 26 anos de magistério, com
predominância do grupo que detinha até 5 anos de trabalho docente. Esses
números revelam que o corpo docente da escola é bastante jovem quanto ao tempo
de exercício do magistério. Segundo Vieira (2002) e Huberman (1995), eles não
podem ser ainda considerados professores com carreira consolidada, pois a
desistência do magistério se dá, sobretudo, até os cinco anos de experiência
docente. Entre os docentes mais experientes, encontramos seis que possuíam entre
seis e 15 anos de magistério; quatro que já haviam vivenciado acima de 21 anos e
duas professoras com mais de 25 anos de magistério (TAB. 6).
TABELA 6 Distribuição dos Professores por Tempo de Magistério,
Município de Lagoa da Prata/MG, 2005 TEMPO DE MAGISTÉRIO Nº DE PROFESSORES Até 5 anos 14 Entre 6 e 10 anos 05 Entre 11 e 15 anos 01 Entre 16 e 20 anos 00 Entre 21 e 25 anos 02 Acima de 25 anos 02
Total 24
Fonte: Dados da pesquisa de campo (SEMEC)
Na EMPAG, a faixa etária varia de 19 a 57 anos, o que representa um
conjunto diversificado quanto à idade. Até 30 anos de idade, há cinco professores
(incluindo o professor). A concentração maior está entre 31 e 40 anos: nove
profissionais. Entre 41 e 50 anos de idade, há oito professoras. Acima de 51 anos,
há duas professoras. A EMPAG apresenta maior número de profissionais na faixa
etária dos 30 anos e, igualmente, maior número de profissionais com pouca
experiência no magistério (TAB. 7).
TABELA 7 Distribuição dos Professores por Idade, Município de Lagoa da Prata/MG, 2005
IDADE Nº DE PROFESSORES Até 20 anos 01 Entre 21 e 25 anos 02 Entre 26 e 30 anos 02 Entre 31 e 35 anos 04 Entre 36 e 40 anos 05 Entre 41 e 45 anos 05 Entre 45 e 50 anos 03 Entre 51 e 60 anos 02
Total 24 Fonte: Dados da pesquisa de campo (SEMEC)
Em decorrência do elevado número de contratações no início do mandato da
gestão municipal 2005-2008, as professoras vivenciavam um momento de muita
expectativa na escola, porque, após um ano de mandato, o prefeito abriu concurso
público para provimento dos cargos de professor, especialista educacional, dentre
outros. A demanda de professoras contratadas gerou uma procura elevada ao
concurso realizado no início do ano de 2006.
As professoras com estabilidade em dois cargos não concorreram, inclusive
porque não poderiam assumir um terceiro cargo público em caso de aprovação.
Com isso, do total de 29 profissionais, 25 estavam habilitadas para realizar o
concurso, número que foi ainda reduzido pela impossibilidade de a professora e o
professor de Educação Física se inscreverem, por não terem sido abertas vagas
para provimento dessa disciplina (QUADRO 5).
Quadro 5: Concurso para Professores e Especialistas – Fev. 2006 Fonte: JMPM Consultores Associados45
Como se depreende do Quadro 5, dezoito profissionais da escola
concorreram ao cargo de professor, cuja exigência de escolaridade era o Magistério
em nível médio (44 vagas), e duas ao cargo de Especialista Educacional, exigência
de graduação em Pedagogia (oito vagas). Das professoras submetidas ao concurso,
oito foram reprovadas. Dentre as aprovadas, as colocações denunciaram os limites
na formação inicial: 119º, 166º, 171º, 200º, 221º, 227º, 269º, 292º lugares. A diretora
não compareceu à prova.
Após o concurso, apenas as duas psicopedagogas teriam condições de
permanecer na rede municipal, pois as demais profissionais ou foram reprovadas ou
não conseguiram alcançar posições que lhes garantissem ocupar as vagas
destinadas ao cargo pretendido no magistério.
Nesse sentido, a situação do concurso parecia influenciar as interações
estabelecidas no âmbito escolar, no período da pesquisa, caracterizando um
44 Pseudônimo da professora da sala de aula observada. 45 Quadro elaborado a partir da divulgação do nome dos inscritos, notas de provas e títulos e
classificação final por JMPM Consultores Associados, responsáveis pelo concurso. Disponível em: <http://www.jmpm.com.br>. Acesso em: 20 fev. 2006.
Inscreveram Cargo Pretendido Vagas Aprovada ClassificaçãoC
ON
TRA
TAD
AS
01 Psicopedagoga Esp. Educacional 08 X 3º lugar 02 Professora Professor 44 166º lugar 03 Professora Professor 44 200º lugar 04 Professora Professor 44 221º lugar 05 Prof. de contos Professor 44 227º lugar 06 Supervisora Professor 44 292º lugar 07 Professora Professor 44 Reprovada 08 Professora Professor 44 Reprovada 09 Professora Professor 44 Reprovada 10 Professora Professor 44 Reprovada 11 Professora Professor 44 Reprovada 12 Professora Professor 44 Reprovada 13 Professora Professor 44 Reprovada
ESTA
BIL
IDA
DE
EM 1
CA
RG
O 14 Psicopedagoga Professor 44 X 6º lugar
15 Prof. Patrícia44 Esp. Educacional 08 27º lugar 16 Eventual Professor 44 119º lugar 17 Professora Professor 44 171º lugar 18 Professora Professor 44 269º lugar 19 Prof. aposentada Professor 44 Reprovada 20 Diretora Professor 44 Ausente
momento marcante na vida da escola, pela insegurança profissional gerada pelo
Concurso Público Municipal de 2006.
A diretora tem uma experiência de 21 anos como professora e está na direção
da escola há quatro anos, no seu segundo mandato por reeleição. Ela afirmou: “O
meu lugar é a sala de aula” e “Ser professor é uma missão”, o que pareceu indicar
mais que um desejo de retorno à sala de aula, uma justificativa para convencer a si
mesma do retorno à sala de aula que, inevitavelmente, aconteceria em breve. A
supervisora se esforçava por ostentar e passar tranqüilidade às professoras e
mantinha suas atividades como se tivesse ainda um ano de trabalho pela frente. Às
vezes, expunha sua crença de que a contratação dos concursados só aconteceria
no próximo ano, embora crescessem os rumores de que esta se daria ainda no meio
do ano corrente. Diante disso, foi-se desvelando um clima de poucas motivações e
expectativas na escola, em que as conversas entre as professoras e especialistas
eram pouco calorosas. Muitas vezes, imperavam o silêncio e o distanciamento nas
relações de trabalho. O corpo profissional e de funcionários da EMPAG expressava
dificuldades de interação em algumas situações.
Vale ressaltar que as interações entre os profissionais e funcionários da
escola não se limitavam à vida escolar dos alunos. Em decorrência dos maus
resultados apresentados no concurso, as professoras se mostravam, não apenas
inseguras, mas fragilizadas diante dos alunos, das famílias, de seus pares e pela
repercussão social desse fato. A incerteza de permanência na escola ou de uma
futura inserção no mercado de trabalho parecia influenciar diretamente o andamento
das atividades naquela instituição escolar. A preocupação com o desemprego
tornava-se evidente na comunicação entre elas, como a registrada entre duas
professoras e a supervisora. Uma das professoras discutia com a outra a
possibilidade de comprarem um armário em comum, pois elas trabalhavam na
mesma sala – uma no turno da manhã e a outra, no turno da tarde. A professora do
turno da manhã se recusou a partilhar a compra, alegando que o afastamento do
cargo aconteceria em breve. Relatou que estava desanimada e que até desistira de
enfeitar o armário que já possui, uma vez que, no próximo semestre, ela não estaria
mais ali. A supervisora não concordou com essa resposta e se manifestou, alertando
que aquela atitude poderia comprometer o trabalho da professora com os alunos: “A
gente (sic) não pode pensar assim não (sic), parar tudo porque vai sair no meio do
ano!” (Supervisora Daniela, diário de campo, 09 mar. 2006).
3.4.2 Ambiente escolar e dificuldades vivenciadas pelos professores em seu
cotidiano
A vida social exige dos indivíduos um intenso processo de interação entre
pessoas e grupos, face a situações em diversos espaços socioculturais que se
apresentam na experiência de cada um (WOODS, 1999). A escola é um desses
espaços, uma unidade de vida e trabalho, que está inserida em um conjunto
complexo de situações concretas, repletas de estratégias pessoais de sobrevivência,
contextos históricos e especificidades regionais e locais (TURA, 2000).
Dentre os objetivos desta pesquisa, consideramos analisar as interações
entre os atores escolares em situações de aula e em consonância com a escola e o
meio social no qual estão inseridos. Nesse sentido, objetiva-se apreender de que
forma as interações entre a professora e os alunos estariam ou não sendo marcadas
pelo ethos escolar. O conceito de cultura escolar, de acordo com Forquin (1993, p.
167), refere-se a um conjunto de
conteúdos cognitivos e simbólicos, selecionados, organizados, “normalizados”, “rotinizados”, sob o efeito dos imperativos da didatização e constituem habitualmente o objeto de transmissão deliberada no contexto das escolas.
Esses conteúdos e símbolos universais e específicos de cada escola
caracterizam os estabelecimentos escolares. Na constituição da cultura escolar
(JULIA, 2001), elementos historicamente construídos foram essenciais, como:
espaço físico da escola, cursos graduados em níveis e o corpo profissional, as
relações conflituosas ou pacíficas vivenciadas pelas escolas em cada período
histórico. No entanto, apesar de as semelhanças históricas que compõem a cultura
escolar, cada escola engendra, no seu cotidiano, sua própria cultura caracterizada
pelas peculiaridades das interações dos atores educacionais que a compõem e
também pelas regras e normas de seu funcionamento interno (FORQUIN, 1993).
Dessa forma, a cultura de cada escola lhe confere identidade singular, na qual estão
presentes elementos universais – cultura escolar – e singulares – cultura da escola
(CARDOSO, 2001).
A cultura da escola revela, assim, aspectos endógenos, imbuídos de
significados, mensagens, símbolos, projetos, costumes e processos interacionais
típicos, que podem se aproximar ou distanciar dos de outra escola. Na análise da
cultura da escola objetiva-se, de um lado, apreender essas singularidades do
cotidiano escolar, o engendramento de um ethos, ou de um clima escolar, que,
conforme Mafra (2003), é constituído no interior da escola pelas interações entre os
atores e as experiências por eles vivenciadas e que compõe um complexo processo
de socialização. De outro lado, nas escolas se encontram também subculturas que
compõem a cultura da escola: normas e regras de funcionamento; práticas
pedagógicas, práticas profissionais e produção de conhecimento científico (MAFRA,
2003). Mafra (2003, p. 127) cita Barroso e Benito para descrever quatro subculturas
da cultura da escola, por eles denominadas “cultura das normas”, ou “cultura
política”; “cultura estruturalista”; “cultura interacionista”; “cultura científica” ou “cultura
pedagógica”.
Assim, histórica e socialmente, “as escolas constroem uma marca própria que
as distinguem das demais”, uma “segunda natureza” no campo da representação
social dos que passam por ela, mas também, no significado dessa instituição para a
sociedade (MAFRA, 2003, p. 116). Com isso, percebemos que o ethos cultural de
uma determinada escola exprime os sentimentos e as experiências gerados pelo
conjunto de relações e práticas construídas entre os
membros das instituições e os seus alunos, e entre todos aqueles que convivem num ambiente escolar, caracterizando-se como exemplo dos possíveis efeitos do contexto social da escola nos processos de socialização. (MAFRA, 2003, p. 116).
As mensagens difundidas nas escolas também podem revelar, em parte,
aspectos da vida escolar, dos profissionais, dos alunos e do meio sociocultural a que
pertencem, pelas expressões e reflexões utilizadas. Algumas mensagens afixadas
no quadro de avisos da EMPAG, ou distribuídas aos professores, exemplificam as
reflexões e expectativas que transmitem (FIG. 12).
Figura 12: Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG Fonte: Arquivo da pesquisa de campo
Observamos que essa mensagem não apresenta o conhecimento como a
única fonte de aprendizado. São elencadas outras fontes, de onde emana o trabalho
pedagógico, direcionadas aos profissionais dessa escola: crítica; seleção; avaliação;
revisão; reconhecimento; planejamento; solução de problemas; aprendizado;
reflexão; debate; diálogo com a comunidade escolar; informação e prática. Essa
mensagem traz à baila vários aspectos que englobam a formação do profissional da
Educação e enfatiza que “apenas ter conhecimento” é pouco, frente às demais
responsabilidades e necessidades comuns ao exercício do magistério.
Ao refletir a esse respeito, Silva (2005) depreende do “habitus professoral” a
qualidade teórica e cultural da formação dos professores, desenvolvida durante o
exercício profissional, e ressalta que
No que diz respeito à formação de professores, a partir do raciocínio desenvolvido pode-se dizer que a teoria se aprende quando se está cursando a formação, mas a prática aprende-se quando se está exercendo a profissão, e somente com o exercício prático é que é desenvolvido e incorporado um tipo de habitus. (SILVA, 2005, p. 160).
A prática incorporada ao “habitus professoral” parece ser o objetivo das
mensagens difundidas nessa escola. Observamos alguma coerência entre a
mensagem apresentada e a missão da escola descrita no Projeto Político-
Pedagógico (2005-2008, s/p).
Perante a realidade em que nossa escola está situada, com uma clientela de alunos carentes não só financeiramente, mas também de valorização de sua cultura, de um saber sistemático que extrapole o seu saber, preparando o indivíduo para (sic) inserir num (sic) mundo em constante desenvolvimento científico e tecnológico, transformações, inovações em todas as áreas; (sic) fazem-se necessárias, principalmente em nossa instituição educacional: escola. Dentro desse contexto, frente ao artigo 216 da Constituição Federal, a LDB – Lei nº 9394/96, Parâmetros Curriculares Nacionais, Proposta da Escola Sagarana, nossa escola, buscar (sic) formar indivíduo num (sic) todo, não só o aluno, mas o professor, o especialista, o serviçal, enfim todo o pessoal envolvido no processo educacional e (sic) tem como objetivo principal propiciar ambientes favoráveis para o desenvolvimento de capacidades e competências como as de relação interpessoal, cognitivas (saber analisar, decidir, planejar, expor idéias, ouvir a dos outros, participar), afetivas (sentimentos, atitudes), motoras (habilidades), éticas (valores) e estéticas, valorizando também seu saber, sua cultura e ao mesmo tempo ultrapassando limites de acesso ao saber sistemático, a fim de preparar o aluno-cidadão para ser crítico, construtivo para serem (sic) pessoas (sic) que façam (sic) o bem e queiram (sic) crescer, vencer na vida e que estejam (sic) instrumentalizados (sic) para enfrentar os desafios do dia-a-dia.
Algumas palavras extraídas da missão da escola destacam a capacidade
profissional relacionada ao “saber analisar, decidir, planejar, expor idéias, ouvir a
dos outros, participar” e a competência discente, no que tange ao ser “crítico,
construtivo” para “crescer, vencer na vida e que estejam instrumentalizados (sic)
para enfrentar os desafios do dia-a-dia”. A palavra “crescer” remonta-nos também
aos símbolos da natureza presentes no imaginário dessa escola, no que diz respeito
ao desabrochar/desenvolvimento da criança devidamente acompanhado.
Tomando-as como referencial, percebe-se, novamente, a coexistência do
binômio teoria-prática, cuja intenção, parece à pesquisadora, é incitar os docentes a
aprenderem com o fazer e, assim, propor novas experiências aos alunos e a si
mesmos. De forma semelhante, Cunha (2006) propõe a compreensão da teoria-
prática ou prática-teoria na sua interface, sem o tratamento estanque que,
geralmente, elas recebem. Da mesma forma, Miranda e Resende (2006) expõem o
risco de o primado da prática sobre a teoria incorrer no reducionismo do praticismo e
da instrumentalização da teoria, em que a produção do conhecimento é orientada
para subsidiar a ação – uma noção bastante pragmática que se orienta para um fim
útil, ou, no limite, a negação da teoria. Nota-se que “a prática implica sempre uma
operação de conhecimento” (BOURDIEU, 2003c, p. 187).
Percebe-se também a importância da afetividade, a respeito da qual a diretora
se pronunciou em uma das reuniões de profissionais da escola, ressaltando a
necessidade de se valorizar sentimentos e não só teoria. A indicação da diretora
aproxima-se da “abordagem menos intelectualista, capaz de abranger a riqueza de
processos de interação e formação levada a cabo pelas professoras primárias”,
ressaltada por Carvalho (1999, p. 199). Com isso, a diretora quis recordar a missão
da EMPAG, quanto à importância de se aproveitar momentos, como a reunião de
que participavam, para dialogar, opinar e sugerir, e enfatizar: “Afonso Goulart é
missão” (Diretora Ronara, diário de campo, 22 mar.2006).
O ato de planejar, citado na primeira mensagem e na missão da escola, volta
a aparecer como tema da próxima mensagem (FIG. 13): “Planejando o tempo
escolar”. Percebemos a intenção da coordenação pedagógica da escola em
disseminar a importância do planejamento das aulas, visando ao máximo de
aproveitamento do tempo escolar.
Figura 13: Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG Fonte: Arquivo da pesquisa de campo
Nesse sentido, frases como “O planejamento não é coisa do passado! Ele é
urgente [...] é um processo de racionalização [...]” objetivam estimular essa prática.
O trabalho coletivo também é citado nesse texto com a pretensão de difundir a
responsabilidade que professores, direção, pedagogos, funcionários e pais têm no
processo educativo. A menção ao trabalho coletivo é acompanhada da ordem:
“todos devem participar”. Esse discurso, procedente da diretora, representante legal
da escola; da vice-diretora, como auxiliar da diretora; e da supervisora, como o apoio
pedagógico, passa a ter um sentido mais exortativo pela posição hierárquica que
elas ocupam (LAGOA DA PRATA, 2005; BRANDÃO, 1994).
Pelo que nos parece, esse tipo de comunicação estabelecida com as
profissionais da escola objetiva estimulá-las e, ao mesmo tempo, fazer um apelo ao
trabalho. Atitude justificável, haja vista o período de instabilidade gerado pelo grande
número de professoras não aprovadas no último concurso público municipal
realizado na cidade e a conseqüente falta de motivação pela qual passava o corpo
profissional da escola. Além disso, constata-se a preocupação com a vida coletiva
da escola, uma vez que, segundo Cunha (2006), o professor está imerso em uma
comunidade escolar e é movido também pelas aspirações de pais, alunos, demais
professores, coordenação pedagógica e direção da escola. Portanto, não deve
tomar decisões isoladas do contexto em que atua.
Nessa mesma perspectiva, insere-se a mensagem distribuída na escola no
Dia Internacional da Mulher, oito de março (FIG. 14).
Figura 14: Mensagem afixada no quadro de avisos da EMPAG Fonte: Arquivo da pesquisa de campo
A direção e a coordenação pedagógica demonstraram delicadeza e atenção
ao presentearem todas as mulheres que trabalham na escola com uma poesia46.
Além de repetir a analogia escola/jardim florido, na poesia as profissionais e
funcionárias da instituição são representadas por partes essenciais das plantas,
como “raiz, tronco, folhas, flores, frutos, essência da natureza”. Além dessas
palavras, há as flores decorativas contornando o cartão. Em referência ao trabalho,
que demarca a relevância da prática, o título da poesia apresenta-se – “Mulher tem
de ser da luta”.
46 Preservamos a identidade do autor, por ser filho da diretora, e os respectivos nomes da diretora,
vice-diretora e supervisora.
Entretanto um olhar mais acurado constata, na mensagem, a falta de
obediência à norma culta da língua portuguesa, com transgressões ao que se refere
a ortografia (‘amaço’ por ‘amasso’, ‘humus’ por ‘húmus’); pontuação (ausência de
vírgula designativa de aposto: ‘Parabéns, mulher’; uso indevido de vírgula antes da
conjunção aditiva ‘nem’: ‘Não pelo Oito de março/Nem pelo beijo e pelo abraço/Nem
pelo cheiro); flexão verbal (... mas por SERES o que és).
Nas duas primeiras mensagens (FIGS. 12 e 13), enfatizam-se a dimensão
simbólica do trabalho prático e coletivo e o aproveitamento do tempo escolar
(planejamento). A terceira mensagem (FIG. 14), entretanto, parece representar uma
recompensa pelo trabalho, relacionando-o à metáfora dos ciclos da natureza. As três
mensagens e a missão da escola exemplificam a dimensão simbólica vigente no
ambiente da EMPAG, o que será, mais adiante, explicado como um esforço
dispensado pela diretora e supervisora para fazer frente às dificuldades nas
interações e nas relações de trabalho do corpo profissional da escola.
Ainda que de forma dissonante e esparsa, a prática aliada à teoria e o
“cuidado” interligado ao trabalho pedagógico são características disseminadas nessa
escola. As mensagens afixadas no mural de informações da sala dos professores
demonstram isso. No entanto, as interações estabelecidas entre as professoras, em
alguns momentos, parecem negá-las.
Além de a situação do concurso público vivenciada na escola interferir nas
interações sociais entre os atores dessa escola, a diretora também detalhou para a
pesquisadora a situação político-pedagógica em que eles se encontravam.
Explicitamente, expôs as dificuldades que, a seu ver, estariam relacionadas à
mudança de administração municipal ocorrida em 2005. Segundo ela, até então, a
escola vivera um “período de progresso”, haja vista o momento de expansão
ocorrido pelos objetivos traçados por sua gestão há cinco anos, em um trabalho
conjunto com a SEMEC da época. A diretora apresentou à pesquisadora uma pasta
com fotos de eventos da/na Escola de 2001 a 2004, objetivando confirmar o relato a
que ela se referira como o momento áureo de sua gestão escolar. No discurso da
diretora, nota-se a insinuação de que a escola viveu um período áureo
intrinsecamente ligado ao período do partido político que estava no poder. Assim,
quando ela utiliza a palavra “progresso” para caracterizar aquele momento, tem-se a
impressão de que, no mínimo, a escola vivencia, hoje, um período de estagnação,
isso para não recorrermos ao significado oposto de progresso. Assim, a diretora
parecia justificar as poucas atividades da escola. Essa visão, somada às
conseqüências geradas pelo concurso, delineia e explica o clima de poucas
motivações pelo qual a escola passava.
Ao se concentrar no momento atual, a diretora declarou ter feito um trabalho
consigo mesma, o que também lhe exigiu muita disposição, força de vontade e
determinação, visando à manutenção das conquistas de sua gestão, a fim de que a
próxima direção não presenciasse a reedição de problemas já superados,
principalmente com relação à comunidade. Conforme seu relato, em gestões
anteriores houve situações de roubo na escola, pichação, vidros quebrados. A
diretora atribui, portanto, a sua equipe de direção escolar, o alcance da meta de
conscientização da comunidade sobre a necessidade de conservar aquilo que, para
a maioria dos alunos, é tudo o que eles possuem.
De fato, não há indícios de depredação da escola; no entanto, no período da
pesquisa de campo, a pesquisadora presenciou um ato que se considera de
“violência”, não tanto pelo grau de periculosidade, mas pelo desrespeito
manifestado. A professora e os alunos estavam reunidos no pátio coberto para um
ensaio teatral, quando foram ouvidas vozes de crianças oriundas do lado externo da
escola; logo depois, todos se assustaram com o estouro de uma bombinha
arremessada em sua direção. O barulho foi intenso, mas não houve incidente. A
professora tentou identificar quem havia lançado a bombinha, mas viu-se impedida
pela altura do muro. Todos que estavam ali por perto se assustaram – a professora,
os alunos e as serventes escolares. A professora procurou tranqüilizar os alunos,
eufóricos pelo acontecimento, e, desejando retomar o ensaio sem perda de tempo,
pediu silêncio. Pelo visto, o barulho não foi ouvido pela diretora, supervisora e
demais profissionais e funcionários da escola, pois ninguém foi ao pátio se informar
sobre o que acontecera. Esse acontecimento não foi comentado e, pelo que parece,
também não foi relatado à direção e/ou coordenação pedagógica.
A limpeza do espaço escolar também estava comprometida, talvez pela
rotatividade das serventes escolares, pela insatisfação daquelas que seriam
dispensadas em função da nomeação das concursadas e pela regulamentação do
horário de trabalho de seis para oito horas, conforme edital do concurso. Aliás, essa
última possibilidade estava desagradando todas, sobejamente. A falta de zelo na
limpeza da sala de aula da Fase IV foi comentada pela professora Patrícia, uma
única vez, quando notou restos de comida espalhados na mesa em que fora servida
a merenda no dia anterior, apesar de esse mesmo fato ter sido registrado por três
vezes no diário de campo da pesquisadora.
A diretora reconhecia os percalços pelos quais a escola passava e,
freqüentemente, manifestava sua insatisfação, como sobre o episódio da troca de
professores realizada em 2005, no início da nova gestão municipal. Segundo ela, a
troca se constituiu em um desrespeito aos alunos, ao contratarem professoras
inexperientes, que trabalhavam em padaria e/ou comércio. A diretora revelou
também insatisfação com algumas professoras atuais, as quais, embora esforçadas,
não obtiveram aprovação no concurso. Reclamou, igualmente, dos efeitos
psicológicos sobre as professoras que continuaram trabalhando após o insucesso no
concurso. Era visível a inquietação e o desapontamento da diretora com a iminente
troca de elevado número de professoras e as conseqüências pedagógicas para os
alunos e para a escola. Contraditoriamente, em uma ocasião manifestou expectativa
positiva com a efetivação do novo quadro de pessoal, o que, a seu ver, melhoraria o
andamento das atividades. Ao que parece, essa transição imobilizou o andamento
das atividades pedagógicas na escola e desencadeou um processo de expectativas
geradas pela instabilidade.
No período em que a pesquisadora esteve na secretaria, analisando as fichas
dos alunos da escola, foi convidada pela diretora para conversarem. A diretora
apresentou a ela dois avisos por escrito confeccionados e afixados pela secretária
na escola sem consulta ou autorização da direção ou da supervisora. Parecia que a
diretora estava justificando a desorganização da secretaria, além de alertar a
pesquisadora para possíveis informações erradas que poderiam ser passadas pela
funcionária e que, eventualmente, comprometeriam a escola pesquisada.
A diretora mostra muita preocupação com os problemas pessoais e sociais
dos alunos, dos professores e demais funcionários, aproximando-se deles para obter
notícias sobre a família, trabalho, adversidades, festividades e compromissos
sociais. A postura mais profissional e menos afetiva da vice-diretora a diferenciava
da diretora, embora tenham sido também observadas interações desta com os seus
colegas de trabalho. Apesar de as dificuldades, a característica mais afetiva da
diretora e a postura mais racional da vice-diretora geravam um equilíbrio que refletia,
em alguns momentos, um ambiente de trabalho positivo na escola.
Os comentários sobre concurso, contratação, desemprego estavam presentes
em praticamente todos os momentos que deveriam ser de descontração na escola.
Nas reuniões de professores, denominadas ‘Módulo II’, os comentários sempre
giravam em torno do concurso, ou de projetos escolares, ou de produtos de beleza.
Muitas, no entanto, mantinham-se em silêncio, ostentando um semblante de
preocupação e cansaço. O relacionamento entre as professoras não parecia ser de
cordialidade; notava-se, inclusive, certa indiferença nessas relações, quando uma
sequer cumprimentava a outra. Às vezes, em um aparente silêncio, percebiam-se
cochichos, na tentativa de evitar que a outra ouvisse o diálogo. Havia pequenos
grupos de docentes que se formavam por afinidade de trabalho, conforme as fases
que lecionavam, mas isso não se verificou em todos os ciclos. Especificamente, as
duas professoras da Fase IV praticamente não mantiveram contato. No geral, as
relações demonstravam frieza e as interações nem sempre aconteciam. Durante as
reuniões, havia uma revista da Avon47 que circulava entre algumas professoras e
conversas paralelas atrapalhavam o andamento das discussões. No caso de três
professoras, as conversas paralelas pareciam querer causar embaraço à
supervisora que ministrava a reunião, como forma de boicote. Entretanto, a
supervisora percebeu a manobra e em outro momento comentou:
As reuniões de Módulo II, a gente (sic) tenta fazer a melhor possível, (sic) porque está todo mundo cansado, esgotado. [...] fica meio que cansativo, (sic) porque os professores já estão cansados. Tem (sic) aquela falta de coleguismo de entender que você está fazendo seu papel, que ele poderia estar ali no seu lugar, tá (sic) entendendo? Mas eu vejo assim, pelo lado bom, eu vejo assim, que eu sempre tenho algo a oferecer. Coisas que... Eu não detenho o saber, porque ninguém detém o saber, né (sic), ninguém sabe a finalidade do saber, você aprende no dia-a-dia com os professores, com as crianças. Você aprende muito mais com elas. (Entrevista, supervisora Daniela).
A menção à prática observada nas mensagens (FIGS. 12, 13, 14) da
coordenação pedagógica, direcionadas ao corpo profissional da escola, é
reincidente nesta fala: “[...] você aprende no dia-a-dia com os professores, com as
crianças. Você aprende muito mais com elas”. Pelas indicações da supervisora, nem
ela mesma atribuía a devida importância a essas reuniões, aparentando certo
descrédito no desempenho do “seu papel”. Ao que tudo indica, a supervisora
esperava apenas o respeito das colegas pelo cumprimento do papel que ela deveria
47 Revista de circulação nacional (e internacional, também), direcionada à venda, sobretudo, de
produtos de beleza.
desempenhar naquele momento – o que lhe importava mesmo era a prática no
cotidiano. A preocupação em negar a detenção do saber: “Eu não detenho o saber,
porque ninguém detém o saber [...]”, soa paradoxal ao formato da reunião, que, às
vezes, ocorria de forma mais centralizada, pois não era comum haver trocas de
informações e contribuições entre elas sobre o cotidiano escolar. Esse discurso, em
parte, também exprime insegurança e busca eximir o profissional da sua
responsabilidade, pela insistência no dizer – “eu não detenho o saber”, “ninguém
detém o saber”, “ninguém sabe a finalidade do saber”. A condução e a organização
dessa reunião pareciam incomodar as demais participantes, pela reação negativa
que elas demonstravam.
Foram também observadas reuniões informais que aconteciam nos minutos
que antecediam o início das aulas na sala dos professores, onde era servido um
café. A pesquisadora notou a presença, mais constante, da diretora, da supervisora,
da professora Patrícia e de mais duas ou três professoras. Os assuntos que
emergiam nesses tipos de encontros na escola referiam-se a programas de
televisão, como Big Brother Brasil, novelas, mas, também, casamento e separação,
filhos, doenças e indicações de remédios para automedicação.
Era nesse ambiente escolar que a professora e os alunos da Fase IV
conviviam. Embora a professora Patrícia não tenha apresentado o mesmo grau de
insatisfação que suas colegas de trabalho, por ter estabilidade em um cargo, foram
detectadas, durante o período da pesquisa de campo, influências do ambiente
escolar e do meio social nas interações da professora com os alunos investigados
nas situações de aula em que vivenciavam a experiência escolar.
4 INTERAÇÕES ENTRE PROFESSORA E ALUNOS EM SITUAÇÕES DE AULA
A vida pode não ter muito de semelhante a um jogo, mas a interação tem (GOFFMAN, 1975, p. 223).
O ingresso no universo da sala de aula traz à cena os atores escolares –
professora e alunos – e as interações que os alunos estabelecem entre si. A sala de
aula observada, em suas dimensões física, simbólica e pedagógica, com a riqueza
de detalhes que fazem parte desse cenário, será inicialmente descrita, para
situarmos os atores no espaço escolar em que cotidianamente os processos
escolares e sociais acontecem com mais intensidade. Nesse espaço, as interações
entre a professora e os alunos são balizadas por regras, normas e práticas
pedagógicas que, a princípio, pretendem manter a harmonia no espaço da sala de
aula (SIROTA, 1994; WOODS, 1999). Algumas dessas regras preexistem aos atores
escolares, pois fazem parte da cultura escolar, ou são imanentes à cultura da escola
à qual eles pertencem. Outras, são formuladas e reformuladas pela professora e os
alunos em suas interações sociais, ou, em conseqüência do processo interacional e
da necessidade de reorganização do espaço físico e social.
No entanto, a intenção de manter a harmonia do espaço pelas normas nem
sempre é acolhida por todos os atores em determinadas situações, o que gera
novas estratégias de interação, para além das regras preestabelecidas. Neste
capítulo, analisamos a interação entre a professora e os alunos, mediada por regras
escolares, objetivando conhecer como eles se posicionam no espaço da sala de
aula e que estratégias a professora utiliza, face às imprevisibilidades das situações
escolares, vis-à-vis, o plano didático das aulas. Também é nosso objetivo
compreender as estratégias dos alunos em seus processos de aceitação e rejeição
das atividades propostas pela professora, bem como a organização, distribuição e
participação no espaço da sala de aula. Considerar-se-á a influência das interações
mediadas por regras e normas escolares inerentes aos processos de aprendizagem
de conhecimentos e saberes valorizados pela escola, objetivando o sucesso escolar.
Dentre as estratégias de interação colocadas em ação por esses atores,
destacamos: estratégias de interação na sala de aula; estratégia de conquista do
carinho da professora; estratégias de resistência às regras disciplinares dessa sala
de aula; estratégia de negociação no ritual da oração que marca o início da aula;
solidariedade no trabalho pedagógico como estratégia de interação; estratégia de
interação na interface da predileção e do desafeto com diferentes grupos de alunos;
os rótulos como estratégias de jogo escolar na interação entre a professora e os
alunos; autoridade pedagógica como estratégia docente; estratégias de interação
nos espaços exteriores à sala de aula.
4.1 Estratégias de interação na sala de aula: dimensões física, simbólica e pedagógica
A sala de aula observada é a primeira localizada no corredor direito de quem
entra na escola e, portanto, a mais distante da sala da direção, situada no corredor
oposto. A primeira impressão que se tem, na entrada dessa sala de aula, é de boa
acolhida, simbolizada por um cartaz colado na porta: “Queridas crianças, vocês
trazem vida e alegria a esta escola! Sejam bem vindas (sic)!”, assinado pelas
professoras48. No cartaz, com bordas de papel crepom colorido, há o desenho de um
palhaço ao lado da saudação de boas-vindas.
Na passagem do ambiente exterior para o interior da sala de aula, o que mais
impressiona é a riqueza de detalhes que a compõem. A professora e esses alunos
conviviam em um ambiente repleto de cartazes e desenhos. As professoras dos
turnos da manhã e da tarde sempre traziam novidades para serem afixadas às
paredes, restando pouco espaço a ser preenchido. Uma sala alegre, enfeitada e
com materiais didáticos e pedagógicos atraentes.
A sala de aula mede, aproximadamente, 35m², onde se acomodam os alunos
nas 30 carteiras e cadeiras, com espaços mais estreitos de circulação entre os
corredores e outro espaço mais amplo entre o quadro de giz e a primeira fileira de
48 Há uma professora regente nessa turma, mas os materiais eram confeccionados pelas professoras
dos dois turnos e, em algumas ocasiões, em dupla. Esse cartaz foi um trabalho conjunto entre elas, assim como os murais de decoração da sala de aula.
alunos. Os corredores entre as fileiras, muitas vezes, eram ocupados por mochilas
jogadas pelo chão, o que dificultava o acesso da professora às carteiras dos alunos.
A professora tropeçava algumas vezes nessas pastas, mas não se incomodava,
visto que, segundo ela, não havia local apropriado para os alunos guardarem suas
mochilas. Havia um armário de aço para uso da professora à frente da sala; um
outro, ao fundo, era exclusivo da professora do turno da tarde. A mesa, à frente, era
compartilhada pelas professoras.
As paredes, cuidadosamente ornamentadas, passavam por um processo
contínuo de inclusão de materiais, ou seja, na medida em que havia necessidade, as
professoras inseriam seus materiais no local que melhor lhes aprouvesse. Durante a
permanência da pesquisadora nessa sala, a professora Patrícia, algumas vezes,
incluiu nas paredes cartazes e fichas de palavras referentes aos temas
desenvolvidos em suas aulas.
Assim como na decoração da escola, a dessa sala tendia a passar a imagem
de uma sala de aula “jardim”, com uma faixa de grama que contornava todas as
paredes ao meio, justamente onde havia uma divisão da pintura: a parte superior
branca e a inferior, azul – padronizada em toda a escola. Nesse jardim estavam
espalhadas borboletas e flores, inclusive, algumas dependuradas no teto da sala de
aula. O grande mural do jardim ocupava todo o espaço ao fundo, enfeitado com
grama, flores, borboletas, macacos, fadinhas – uma delas abraçada a um livro – e
uma criança negra em um balanço. Nas laterais do grande mural, constava o nome
das professoras e suas respectivas turmas – apenas o nome das crianças estava
escrito em estrelas de papel.
Os símbolos do jardim que enfeitavam a sala de aula guardavam semelhança
com alguns enfeites espalhados pela escola. No registro de campo (20 mar. 2006), a
professora utilizou-se de uma poesia para realizar um ditado com a turma, cujo
conteúdo reforçava a comparação entre a escola e o jardim (FIG. 15).
Figura 15: Poesia como pretexto pedagógico Fonte: Dados da pesquisa
A analogia escola/jardim florido, que esteve presente nas mensagens da
direção e coordenação pedagógica, na decoração da escola e da sala de aula
reaparece no ditado, de forma mais explícita. O trabalho pedagógico da escola seria
dar conselhos, lições e amor por meio dos docentes, para que os alunos
desabrochassem, em razão do saber recebido. Além disso, as inferências religiosas
são freqüentes nas interações mobilizadas entre a professora e os alunos. Patrícia
deixava transparecer que a sua religiosidade é um dos traços importantes em sua
prática docente e na interação com as crianças. O costume diário era iniciar as aulas
com oração e utilizar-se de referências religiosas nas preleções com os alunos e em
atividades nas quais julgava possível estabelecer esse vínculo (FIG. 16).
Nossa escola Walter Neble de Freitas
Nossa escola é um jardim
As classes são os canteiros
As crianças lembram flores
e os mestres, o jardineiro.
Antes de entrar na escola,
éramos simples botões
Mas o saber nos transformou
em risonhas florações.
Do céu a planta recebe
a luz, a chuva, o calor
Neste jardim recebemos
conselhos, lições e amor.
Bendita é a escola que faz
radiantes nossos destinos
Qual Jesus, ela nos diz:
“Vinde a mim os pequeninos!”
Figura 16: Cartão de Páscoa Fonte: Dados da pesquisa
Pressupõe-se que os objetos decorativos dispostos na sala de aula
pesquisada foram intencionalmente expostos para criar uma situação didática nessa
turma. Tais objetos foram assinalados por Buffa e Pinto (2002) como aqueles cujo
propósito é alegrar e tornar as escolas e as salas de aula ambientes agradáveis. Os
símbolos que enfeitam a sala revelam figuras reais (da natureza) e imaginárias (do
mundo da fantasia e de contos). Esses recursos representam o que Goffman (1975,
p. 22) explicita como “recursos catárticos” nas pretensões e na intenção de estímulo
e expectativas pela exposição dos símbolos. Goffman (1975) afirma que a
expectativa vigente é a de que a aparência do ambiente seja coerente com as
interações vivenciadas nele, muito embora haja situações explícitas de contradições
e incoerências. De fato, a aparência da sala de aula não condiz totalmente com a
realidade vivenciada nela, pois caracteriza uma sala de aula imaginária, idealizada e
deslocada da realidade dos alunos e da cidade. Prevalecem os jardins floridos e as
figuras da Walt Disney, próximas de representações infantis universais. Não há,
assim, figuras e símbolos representando a cultura local e as belezas naturais que a
cidade oferece e que são reconhecidas como cartões-postais da cidade, como
cachoeiras, lagoas, a praia, bem como valorização das personalidades da cidade,
nos mais diversos ramos. Em meio às decorações expostas na escola e na sala de
aula, seria possível a inclusão de elementos da cultura local no ambiente escolar,
por meio de conteúdos, símbolos e materiais que valorizassem o meio sociocultural
dos atores escolares (FIG. 17).
Figura 17: A sala de aula, os alunos e a professora da fase IV Fonte: Fotos da pesquisa de campo
Com a inclusão de elementos da cultura local, não se deseja que sejam
ignorados os símbolos da cultura escolar mencionados por Tura (2000),
considerados estimuladores da aprendizagem. Trata-se, portanto, de ressaltar o
princípio da diversidade, por meio da qual a vivência social que a criança possui é
valorizada. A esse respeito, Bernstein (1982, p. 30) é enfático: “[...] esta experiência
social devia ser-lhe restituída como válida e significativa. E só pode ser-lhe restituída
se fizer parte da textura da experiência de aprendizagem que criamos”. Essa
argumentação articula, de um lado, as experiências das crianças e, de outro, as
congruências ou incongruências entre o que o professor ensina e a situação que ele
cria para isso, frente à realidade social dos alunos.
Os símbolos da cultura escolar se fizeram presentes na composição do
cenário dessa sala de aula. Havia um varal de barbante com trabalhos dos alunos
da turma da tarde, ao fundo. A parede à esquerda da turma continha: o alfabeto ao
centro, pintado em pano, com duas figuras dos lados, uma de menino, outra, de
menina; dois cartazes de pano, um de “ajudantes do dia” e outro de
“aniversariantes”, ambos com o Mickey e a Minie; um cartaz de papel intitulado
“Produção de Texto”, com gravura dos Ursinhos Carinhosos; um da Semana da
Alimentação trabalhada no mês de março; cinco cartazes de papel com a família do
P (Pa, Pe, Pi, Po, Pu). Do lado direito da turma, havia: calendário; um alfabeto com
gravuras correspondentes a cada letra; palavras dos grupos do D (Da, De, Di, Do,
Du), do F (Fa, Fe, Fi, Fo, Fu), do T (Ta, Te, Ti, To, Tu) e V (Va, Ve, Vi, Vo, Vu) (FIG.
18).
Figura 18: Vista frontal da sala de aula com os alunos e a professora Fonte: Fotos da pesquisa de campo
À frente da sala, acima do quadro de giz, visualizavam-se alguns cartazes de
papel da “turminha legal da pontuação”, com: ponto final, vírgula, ponto de
interrogação, ponto de exclamação, dois pontos, travessão, parágrafo e cinco
cartazes de papel com as vogais. O apreço da professora pela decoração e
manutenção dos objetos decorativos da sala não foi apenas percebido, como
também relatado. A professora lamentou o fato de os cartazes das vogais terem sido
borrados com água e afirmou ter sido a segunda vez que aquilo acontecia na escola.
No primeiro incidente, além de refazê-los, a professora, demonstrando seu
aborrecimento, delatou o fato à diretora, mostrando-lhe os cartazes borrados e
pedindo-lhe providências. Outra demonstração de zelo se evidenciava quando
algum cartaz, palavra, nome ou letra descolava da parede e caía no chão.
Imediatamente, a professora o recolocava na parede e, se necessário, solicitava
esse favor a algum aluno, inclusive à pesquisadora.
Da mesma forma como ocorreu na análise de Carvalho (1999) com uma de
suas professoras entrevistadas, a professora Patrícia demonstrava uma
preocupação com seus alunos, que excedia os conteúdos programáticos. Foram
registradas discussões entre ela e os alunos acerca do cuidado necessário com a
vestimenta, com o modo de se sentar e se comportar.
O cenário de sala de aula, onde a professora e esses alunos interagiram a
maior parte do tempo em que estavam na escola, para Goffman (1975) representa a
dramaturgia da vida social. Ele descreve cuidadosamente os detalhes que compõem
a representação do ator: o palco, “a mobília, a decoração, a disposição física e
outros elementos de pano de fundo” constituirão “o cenário e os suportes do palco
para o desenrolar da ação humana executada diante, dentro ou acima dele”
(GOFFMAN, 1975, p. 29), cujos personagens, platéia e trama estavam imiscuídos
entre eles próprios e várias cenas são protagonizadas concomitantemente.
Em dias mais quentes e na chegada dos alunos após a prática de atividades
físicas mais intensas, como a Educação Física e o recreio, a professora abria as
duas janelas e os dois basculantes. Entretanto, nem sempre isso era suficiente para
arejar o ambiente. Houve situações em que os alunos solicitaram à professora que
ligasse o ventilador de teto, reclamando do odor dos colegas.
Como a escola não dispõe de refeitório, a merenda escolar era trazida pelas
serventes escolares à sala e servida pela professora. Na Figura 17 é possível
visualizar, ao fundo, a disposição da merenda nessa turma e como ela era servida:
uma mesa com pratos de plástico, colheres e o caldeirão com o alimento a ser
servido. O cardápio variava de acordo com o dia da semana, mas se repetia
semanalmente. Era comum um ou outro aluno se levantar e conferir a merenda,
emitir algum comentário sobre o cheiro da comida ou manifestar o seu apetite. Mas
eles também reclamavam do cardápio, especialmente quando não era arroz
temperado, o prato preferido pelos alunos. Houve uma ocasião em que a merenda
foi distribuída pela pesquisadora.
A organização das carteiras não era sempre a mesma; a professora
procurava alternar os alunos em duplas, trios e individualmente. Uma vez
organizados, os alunos mantinham a mesma ordem do início ao fim da aula,
inclusive no período posterior ao recreio. Com raras exceções ocorriam
modificações, por algum motivo pontual, como: mudança de carteira pelo reflexo do
sol atrapalhando a visão no quadro de giz; solicitação de troca pela professora
devido à indisciplina; a altura de um aluno impedindo a visão do outro. Quanto à
limpeza, ao final do turno a sala se mostrava bastante suja, com restos de recortes
de papel e pontas de lápis espalhados pelo chão.
Ao lado da porta de entrada, havia uma lixeira de plástico, perfurada e de
tamanho médio. Apesar de suas dimensões, a lixeira tornava-se insuficiente para a
turma em dias de muitos recortes, por se encher rapidamente. Além disso, o modelo
perfurado da lixeira era contraditório ao objetivo intrínseco a ela – a limpeza: quando
os alunos a utilizavam para apontar o lápis, era comum o lixo sair pelos furos em
direção ao chão.
Requisições, como a limpeza, eram constantes no discurso dessa professora
direcionado aos alunos. A iminência da passagem deles para os últimos anos do
Ensino Fundamental, a serem cursados em “colégios”, acentuava as suas
cobranças. Este era um ponto de tensão na turma. Algumas vezes, a professora,
desapontada, mencionava a necessidade de mudança de postura por parte dos
alunos – por serem alunos de Fase IV e os mais velhos da escola, deveriam se
comportar e servir de exemplo:
Porque já tem (sic) dois anos que eu pego (sic) só turma boa. Então, agora, depois de dois anos, eu peguei essa turma muito fraca. E, assim, por ser uma fase quatro... Porque igual eu questiono, no princípio eu já peguei turmas difíceis em outras séries, mas, é, você pensa assim: “tem tempo, né, (sic) pra (sic) você tá (sic) resolvendo o problema deles”. Agora, por ser fase quatro, eu assustei demais (sic). Porque, quer dizer tá (sic) nas minhas mãos, eles só vão ter a (sic) mim. Ou eu consigo sanar essa dificuldade deles, ou eles vão ter que ficar retidos. Porque eu não posso mandar eles (sic) prum (sic) colégio, pruma (sic) quinta-série, do jeito que ele (sic) tá (sic). Então eu assustei (sic) muito. Aí, assim, eu não pensei em desistir, mas eu, assim, pensei que eu teria um desafio muito grande a ser enfrentado. (Entrevista, professora Patrícia).
Percebe-se, por suas palavras, que os alunos já deveriam ter incorporado o
habitus escolar, uma vez que estavam concluindo o primeiro segmento do Ensino
Fundamental e ingressariam, brevemente, no segundo segmento. Segundo Sirota
(1994), o primeiro segmento do Ensino Fundamental destaca-se por sua importância
propedêutica ao segundo, cujo sucesso depende de tal preparação, que, inclusive
fora iniciada na Educação Infantil visando aos primeiros anos do Ensino
Fundamental. Patrícia demonstra em sua preleção com os alunos, na entrevista e
em suas atitudes avessas à “falta de compromisso” dos alunos que eles já haviam
percorrido um caminho escolar suficiente para terem incorporado a lógica escolar. O
sucesso escolar, na concepção de Coulon (1995b), está atrelado à capacidade de a
criança superar o aprendizado do ofício de aluno e ascender ao ofício de estudante.
Nesse caso, é preciso reconhecer as regras do jogo escolar, ter disposições para
assimilá-las e, portanto, lutar, a fim de avançar e conquistar o sucesso
(PERRENOUD, 1995). Entretanto, na visão de Postic (1995), o êxito escolar é
conquistado pelo comprometimento de professores e alunos trabalhando juntos.
Esse mesmo autor retrata que o desajustamento à situação pedagógica gera
complicações no processo ensino-aprendizagem ocorrido especialmente na sala de
aula. O aluno e o professor que não se adaptam às especificações da escola,
implícita ou explicitamente, enfrentam dificuldades de “conceber e organizar
situações de aprendizagem” (POSTIC, 1995, p. 10).
Em prol do desenvolvimento dos alunos, a professora passou a exigir caderno
de caligrafia para todos eles. Segundo ela, a letra deles era inapropriada a quem iria
ingressar no ‘colégio’, no próximo ano – ou muito pequenas, ou muito grandes. A
mudança de fase parecia preocupar também a direção da escola que, como
providência, realizou a troca de horário da professora recuperadora para o turno da
manhã, com o objetivo de minimizar um dos pontos negativos do atendimento no
período da tarde: as freqüentes faltas dos alunos dessa fase que não estavam aptos
a ingressarem no ‘colégio’.
As condições desfavoráveis em que conviviam no meio social se refletiam na
escassez de material escolar. Entretanto, os alunos criavam suas estratégias de
sobrevivência:
Práticas fenomenalmente muito diferentes produzidas pelos agentes e que, por intermédio destes, foram apropriadas pelos grupos, desempenham sempre, em parte, funções de reprodução [...] são objetivamente orientadas para a conservação ou o aumento do patrimônio e, correlativamente, para a manutenção ou melhoria da posição do grupo. (BOURDIEU, 2003b, p. 113).
Tal constatação foi possível em vista dos inúmeros empréstimos entre os
alunos, inclusive entre estes e a professora. Houve situações em que a professora
precisou autorizar e mediar as cessões de lápis, borracha, régua, estilete, tesoura ou
outro tipo de material escolar que os alunos não tinham ou não levavam em
determinado dia. Tais empréstimos desviavam a atenção dos alunos e eram causa
de briga, de andança na sala, incluindo o risco de lesões corporais, pois o estilete
artesanal, com a gilete exposta, era arremessado pelos alunos, às vezes, de um
lado a outro da sala, para emprestá-lo a um colega. Esses estiletes eram permitidos
pela professora, que alertava os alunos quanto ao perigo de jogá-los ao alto, sem,
no entanto, restringir ou proibir seu uso. Na entrevista, Émile descreveu o trabalho
artesanal de confecção dos estiletes:
Num (sic) tem a caneta? Aí, a outra pontinha da caneta: não é a de cá não (referindo-se à ponta esferográfica), a de lá – a ‘bundinha’ (sic) da caneta. Aí, cê (sic) pega e queima ela (sic). Aí, não tem aquele negócio de apontar apontador? Aí, cê (sic) pega e coloca assim, essas coisa (sic). Lá onde nóis (sic) morava (sic) nóis (sic) fazia muito, sabe? Aí, os menino (sic) foi (sic) fazeno (sic) aqui, depois eu fiz também. (Entrevista, aluna Émile)
Émile tentou descrever um processo de confecção do estilete que servirá de
apontador, aproveitando a carcaça da caneta, na qual se acrescenta uma gilete a
uma de suas pontas esquentada ao fogo. Era bastante muito comum a utilização
desse instrumento pelos alunos.
4.2 Estratégia de conquista do carinho da professora
Os primeiros anos de escolarização representam para os alunos a ruptura
com algumas regalias recebidas em casa e, por outro lado, a continuidade de regras
estabelecidas no ambiente familiar. Assim, a escola se apresenta ao aluno como um
lugar diferente do de sua família em alguns aspectos, nos quais as relações e as
regras de convivência são outras e precisam ser aprendidas e exercitadas. A
começar pelo conceito de grupo, ao qual o aluno irá se integrar – ele não terá mais a
atenção exclusiva do adulto (nesse caso, o professor), como acontece no papel de
filho no ambiente familiar. O aluno será um em meio à coletividade, conferindo à sala
de aula, simultaneamente, o seu caráter coletivo e individual (LIÉNARD e SERVAIS,
1982).
A maioria dos alunos da turma pesquisada parecia ter incorporado a norma
escolar da presença de uma professora para um grupo maior de alunos; todavia,
alguns deles, mesmo estando na Fase IV, demonstravam necessidade de atenção
quase exclusiva da professora. Nesses casos, Parsons (1968) colabora no
entendimento das estratégias de conquista de carinho, pela descrição que tece
acerca do “status ocupacional atingido”, em outras palavras, “habilidade”
desenvolvida para a conquista (PARSONS, 1968, p. 49). Em algumas situações
presenciadas nas aulas, três alunas recorreram à estratégia de conquista do carinho
e da atenção mais individualizados da professora. Por essa razão, elas serão as
protagonistas do episódio que evidenciaremos neste tópico.
Waller (1967) elencou quatro desejos que movem a interação professor-
alunos, atribuindo-os tanto ao professor como aos alunos, indistintamente: desejo de
resposta, de reconhecimento, de uma nova experiência e de segurança. Os desejos
não compartilhados entre os atores escolares geram, segundo esse autor, conflitos,
que, para ele, criam e destroem, unificam e dividem, paradoxalmente. Coulon
(1995b) complementa, ao afirmar que os conflitos nem sempre são visíveis e essa
situação tácita pode, por isso mesmo, ser propulsora de conquistas nas interações,
na medida em que propiciarem a negociação desses desejos.
Os quatro desejos preditos por Waller (1967) foram percebidos na estratégia
de conquista de carinho protagonizada por Maria Angélica, Ana e Joana – alunas
que, costumeiramente, iam se encontrar com a professora na sala dos professores,
duas vezes no horário de aula: após o primeiro sinal do dia, às 07:00h; e depois do
sinal de término do recreio. As alunas objetivavam atrair a atenção da professora
com manifestações de carinho e, ao mesmo tempo, beneficiarem-se com a resposta
dela a seus afetos. Para isso, ao ouvirem o sinal, corriam para a porta da sala dos
professores de onde sairia Patrícia, pois, desse modo, reduziriam a concorrência
pela atenção da professora a três, em relação aos 27 alunos dentro da sala de aula.
As duas alunas que alcançassem primeiro a porta da sala dos professores
conseguiriam abraçar a professora – uma de cada lado –, ao passo que a terceira
apenas a acompanharia. Essa atitude era acolhida por Patrícia sem gestos explícitos
de retribuição de carinho: ela encostava seus braços sobre os ombros das alunas
que estavam mais próximas, mas não as beijava, ou abraçava, tampouco as
elogiava, ou agradecia o carinho. Entretanto, isso não parecia incomodar as alunas:
o que lhes importava era serem tocadas pela professora – gesto suficiente para que
esboçassem um semblante de satisfação. Patrícia, em sua fala, reconhece na
estratégia das alunas uma das demonstrações de afeto para com ela e cita outras:
[...] por exemplo, eles virem aqui na porta me buscar na hora do recreio... é... Trazer flores pra (sic) mim. Eles sempre trazem cartinhas, bilhetinhos, né? (sic) Eles sempre tão (sic) manifestando isso. Querer (sic) me contar alguma coisa da casa deles que aconteceu, eu acho que é um gesto de afetividade, de confiança, né? (sic). (Entrevista, professora Patrícia).
Mais que uma demonstração de carinho à professora, as alunas recorriam à
afetividade e buscavam com essa estratégia uma forma de se sentirem notadas. Por
perceberem que na sala de aula as relações entre a professora e os alunos eram
estabelecidas de forma impessoal, elas mapearam o trajeto da professora,
calcularam o tempo, para se certificarem de que valeria a pena tentar, e testaram um
contato mais próximo. Como a sala de aula dessa turma é a penúltima, no lado
oposto à sala dos professores, as alunas consideraram proveitoso esse tempo que
passariam abraçadas, ou apenas ao lado da professora. O “status conquistado”
(Parsons, 1968) pelas alunas se transformou em regra cotidiana, não só para elas,
mas para a professora, que a acatou. Colocamo-nos a pensar se esse plano se
efetivaria caso a sala de aula fosse ao lado da dos professores, ou se as alunas
inventariam outro tipo de interação mais afetiva com a professora que se
consolidasse em regra.
Assim, o ato de buscar a professora na porta da sala dos professores para
percorrer com ela alguns segundos até à sala de aula parece colocar em evidência
uma das regras peculiares à turma, conquistada pelas alunas: a de que só é
possível dar e receber carinho por meio do contato físico naquele momento e este
era um tempo a ser conquistado. Na atuação dessas alunas, percebe-se “um status
conquistado; é o status ‘ganho’ pela realização diferencial das tarefas prescritas”
(PARSONS, 1968, p. 52, grifos do autor).
A aprovação da professora pode ter se constituído, na interpretação das
alunas, em uma base para a obtenção de status e mobilidade futuros (MAFRA,
2005), embora a afetividade fosse tratada com cautela pela professora.
A gente tem que dosar: uma hora eu sou carinhosa, pra (sic) mostrar pra (sic) ele [o aluno] que ele também precisa do meu carinho, e ele consegue meu carinho. Agora tem (sic) hora que eu tenho que ser (sic) pulso firme (sic) com eles [os alunos], senão eles passam por cima de tudo. Não tem como eu ver eles (sic) fazeno (sic) as coisa errada (sic) e não ser enérgica com eles, não tem como. (Entrevista, professora Patrícia).
A professora demonstrou-se “pulso firme”, “enérgica”, no período das
observações empíricas. Praticamente, não foram presenciados momentos de bom
humor da professora, com sorrisos ou outra manifestação de alegria, nas situações
de aula. Sua postura era séria e compenetrada, sem gestos explícitos de carinho.
Embora no interior da sala de aula não fossem permitidas manifestações
explícitas de carinho, o contrário acontecia fora desse ambiente. A princípio, tem-se
a impressão de que o distanciamento menor entre a professora e os alunos na sala
de aula facilitaria as trocas afetivas. No entanto, a regra formulada pelas alunas
demonstra o oposto. Observa-se, conforme a percepção bourdieusiana, que as
alunas não conseguiram mobilidade para atingir a região demarcada pela professora
no espaço da sala de aula. Região que, segundo Bourdieu (2006), revela diferenças
de posições socioculturais proeminentes, cujo sentido da posição ocupada estaria
de acordo com a percepção, aceitação e interpretação individual. Esse autor
diferencia a posição em três momentos: (i) a posição ocupada pelos atores no
espaço; (ii) a percepção que eles têm de sua posição; (iii) a tomada de decisão
frente a essa posição. Entre posição e percepção da posição oscila a mobilidade do
ator. Todavia, a posição e a “distribuição dos poderes” estão ligadas, sobretudo, ao
capital econômico, cultural, social e simbólico dos agentes.
O confronto entre as posições da professora e das alunas definiu que a
aproximação afetiva entre elas se concretizaria em um ambiente com propensão a
um maior distanciamento físico. Pelo que parece, as regiões no espaço da sala de
aula são mais demarcadas do que as fora dela.
Uma das justificativas da estratégia de conquista do carinho da professora é a
admiração que os alunos entrevistados expressaram pela professora. Quatro deles
caracterizaram Patrícia como um modelo de beleza estética, ao responderem que o
que mais gostavam na professora era “o cabelo dela” e o fato de ela ser “limpinha”.
Outros quatro alunos referiram-se a ela como: “o jeito dela ser” (sic); “ela ser boa
professora, ser dedicada cum nóis (sic), boazinha”; “compreensiva”. Um único aluno
elogiou a autoridade que a professora exerce na turma, alegando que o castigo era
importante para punir os que não faziam as atividades. Objetiva-se compreender a
resposta de Pedro, André e Andréia sobre “o jeito dela ser” (sic) pela definição de
Goffman (1975, p. 31) ao termo “maneira”, que, para esse autor, significa “os
estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação
que o ator espera desempenhar na situação que se aproxima”. Assim, pela fala dos
dois alunos e de uma aluna, é possível pressupor que, em muitos momentos, eles
experimentaram um tratamento dócil, amável e atencioso advindo da professora.
Ainda que atitudes semelhantes a essas não tenham sido recorrentes nos registros
do diário de campo, supõe-se que esses alunos não citariam a maneira de ser da
professora, com admiração, caso não experimentassem as qualidades
mencionadas.
Em outra ocasião, em que os alunos produziram uma redação em sala,
durante a aula de Educação Religiosa; Maria Clara, Ricardo e Vanessa também
manifestaram sua admiração pela professora. Em seu texto, eles comentaram sobre
o sentimento de perda experimentado ao serem deixados pela professora da qual
gostavam (Maria Clara) e com a qual haviam se acostumado (Ricardo), referindo-se
à troca anual de professoras. Vanessa afirmou sentir-se feliz por ter Patrícia como
sua professora. No entanto, o carinho e a admiração que os alunos expressavam
representam uma das estratégias de interação, coexistindo no mesmo espaço social
com uma gama de maneiras de agir observadas na turma, que nos propomos a
discutir nos próximos tópicos.
4.3 Estratégias de resistência às regras disciplinares da sala de aula
A sala de aula é um espaço público de trabalho do professor, de direito de
acesso ao conhecimento científico e cultural por parte dos alunos, e se caracteriza
por atender a várias camadas sociais, econômicas e culturais convivendo em um
mesmo ambiente. Além disso, a sala de aula é palco das relações de poder que
ocorrem na dimensão simbólica das interações. Na percepção bourdieusiana, as
relações de poder representam forças simbólicas, em determinado campo ou
espaço social, com a finalidade de conquista, manutenção ou dominação do poder.
O espaço social é um “campo de forças” permeado por disputas, no qual os agentes
com mais poder e reconhecimento serão assim definidos, pela posição que
ocuparem (BOURDIEU, 2006). Esse autor também demonstra que a interação no
espaço social é composta por regras e estruturas próprias que definem o que pode,
ou não, ser dito e feito. Em decorrência dessas regras, o ator aplica estratégias
diversas, que podem ser ações resultantes de análise e ponderações conscientes,
como intuição prática frente a determinadas regras do jogo. Segundo Nogueira e
Catani (2003, p. 11), “o sistema de estratégias de reprodução pode ser definido
como seqüências ordenadas e orientadas de práticas que todo grupo produz para
reproduzir-se enquanto grupo”.
Nas negociações estabelecidas entre a professora e os alunos, ambos têm
regras a serem cumpridas, mas isso não os isenta de incidências conflituosas em
suas interações nem significa que as tensões entre eles desapareçam por completo
(GEER, 1982). Pelo contrário, as situações de interação nas salas de aula, segundo
Geer (1982), apresentam-se como realidades permeadas por conflitos que definem
situações reais, embora muitas vezes ignoradas. Para os professores arraigados à
concepção da não negociação com os alunos, os conflitos podem se tornar uma
arma para o exercício de seu poder. Entretanto, para esse mesmo autor, tais
embates poderiam também ser muito positivos, por oportunizarem às crianças,
desde cedo, a capacidade de se posicionar e estabelecer negociações com os
professores. Todavia, os resultados do trabalho pedagógico não serão sempre
imediatos e poderão apresentar resultados de sucesso escolar em longo prazo
(GEER, 1982).
Tais como as estratégias pessoais e comuns dos alunos, assimiladas por
Carvalho (1999) em sua pesquisa, foram registradas nessa turma da Fase IV
aquelas que dizem respeito às conversas paralelas, às idas ao cesto de lixo para
apontarem lápis, às revistas e jogos que freqüentemente eram vistos sob as
carteiras, pedidos para irem ao banheiro, perguntas criativas relacionadas ao tema
ou não, as canções entoadas inesperadamente e ‘desligamentos’ constantes à aula.
Para essas e outras estratégias postas em ação pelos atores, recorremos ao jogo,
illusio, onde, Bourdieu (2003c) explicita, os jogadores se deixam levar, opõem-se,
competem, investem e criam estratégias por meio das quais poderão optar pela
conservação, transformação ou subversão às regras, dependentes do volume de
capital de que dispõem (BONNEWITZ, 2003).
Em referência ao illusio explicitado por Bourdieu, observou-se na conversa
com os alunos que o conhecimento das regras do jogo escolar é importante tanto
para o seu cumprimento, quanto para a transgressão a elas. Na resposta à pergunta
direcionada aos alunos entrevistados – “O que é, para você, ser um bom aluno, uma
boa aluna?” – verificamos o conhecimento que eles têm das regras escolares:
1. Émile – Ah, eu num (sic) sei, eu acho que é tudo (risos).
Pesquisadora – Tudo, o quê?
Émile – Assim: estudar... é fazer tudo dentro da sala direitinho, aí eu seja (sic)
uma boa aluna.
2. Maria Angélica – É estudar muito. Não ser desobediente, não xingar a
professora.
Pesquisadora – E você vê isto na sala?
Maria Angélica – (Sinal afirmativo com a cabeça.)
Pesquisadora – O que eles fazem?
Maria Angélica – Quando a professora xinga, eles reclama (sic), reclama
(sic) baixo.
3. Maria Clara – Estudar bem, não responder à professora, cuidar da
escola, não escrever nas mesa (sic).
4. Sueli (menino) – (Pausa de 18 segundos.)
Pesquisadora – O que você acha que tem de fazer para ser um aluno cada
vez melhor?
Sueli (menino) – Respeito com a professora, não brigar com os colega (sic)
dentro da sala de aula, não conversar. Não conversar na hora que a dona Patrícia
tiver (sic) explicando.
5. Marcos – Respeito com a professora. Com todo mundo da escola, com
os amigos.
6. Eurídes – Quieto, não ficar respondendo à professora, fazer o que ela
pedir. Quando ela deixar a gente de castigo, ficar quieto, fazer o que ela pedir. Se
tiver que copiar alguma coisa, copiar, não ficar brigando com os colega (sic).
7. Andréia – Ser mais adiantada na sala. Fazer as matérias que for
preciso, fazer é... é... fazer as matéria (sic) das provas, acertar tudo. Mas eu não
acerto... eu não acerto... tem uns menino (sic) que acerta (sic) tudo.
Pesquisadora – O que você acha que acontece, que você não acerta tudo?
Andréia – Ah, eu acho que eu faço tudo errado, que eu não tenho calma, que
eu não sei direito. Porque tem umas matérias que eu não gosto de fazer.
8. Pedro – É escrever os trem (sic) que ela ensina. Fazer tudo, fazer o
dever todo dia.
9. André – Respeitar a professora, fazer os trem (sic) tudo certo. Parar de
conversar.
Para esses alunos, ser um(a) bom(a) aluno(a) significa estudar, realizar as
atividades corretamente, respeitar a professora, fazer o dever de casa, atender ao
que ela pedir, manter-se quieto. Significa também não responder à professora ou
xingá-la. Com isso, esses atores escolares apontam para a percepção de que eles
têm consciência das regras necessárias para o sucesso escolar e, ao mesmo tempo,
demonstram não concordar com todas elas, pois nem sempre as expressam na
interação. É nesse contexto que Eurídes e Marcos aparecem em cenas de aula,
utilizando-se de estratégias de resistência nas interações com a professora.
Em uma ocasião, uma das alunas apontou Eurídes à professora, pois ele não
estava realizando as atividades.
A professora, posicionada à frente da turma, perguntou-lhe: “Por que você
não está fazendo, Eurídes?” Ao que ele respondeu: “Eu não tenho lápis”.
Um aluno interferiu na conversa, informando que naquele dia havia
emprestado um lápis a ele, Eurídes. A professora, ao ouvir isso, demonstrou
irritação e, em um tom de voz bastante alto, iniciou uma discussão com Eurídes,
que, apesar de manter o tom de voz baixo, não era menos desrespeitoso:
Professora: “E se não tem lápis, não vai fazer? Você precisa me pedir. Eu
não posso adivinhar. Que gracinha é essa – ficar balançando na cadeira sem fazer
nada?”
Aluno: “Ih... Cê (sic) me dá o lápis que eu faço.”
Professora: “Olha a falta de respeito, menino, não fale assim comigo não,
que eu não vou tolerar menino me tratando com desrespeito na sala não.”
Aluno: “Ah... Eu já escutei!”
Professora: “Olha a forma como você fala comigo. Eu soube do seu mau
comportamento na outra sala, mas aqui, não. Se continuar assim, eu vou ter que te
pedir licença da sala.”
A professora lhe entregou um lápis e disse: “Fica aí sem fazer nada e ainda
some (sic) o lápis dos outros... Comece (sic) a fazer os exercícios (sic) depressa!”
A professora pediu aos alunos próximos a ele que perscrutassem o chão, na
tentativa de encontrar o lápis. Ela também se empenhou na procura, mas não o
encontraram (Diário de campo, 4 maio 2006).
Ao analisarmos as regras e as estratégias do jogo escolar sob a visão de
Goffman (1975), percebemos que frente a uma situação projetada, como a
exemplificada, o ator escolar recorrerá a técnicas ou “práticas defensivas” para se
salvaguardar da estratégia colocada em ação pelo outro na interação (GOFFMAN,
1975, p. 22). Eurídes, que na entrevista apresentara este perfil do bom aluno –
“Quieto, não ficar respondendo à professora, fazer o que ela pedir. Quando ela
deixar a gente de castigo, ficar quieto, fazer o que ela pedir. Se tiver que copiar
alguma coisa, copiar, não ficar brigando com os colega (sic).” –; utilizou, na situação
de sala de aula, “práticas defensivas” contrárias ao seu discurso. No entanto, sua
atitude de embate só foi possível porque ele tinha conhecimento das regras do jogo
escolar e, assim, fez uso do discurso para contestar a professora (MARI, 2003).
Nessa última situação, ele demarcou o seu espaço, posicionando-se contra a
professora, que o considerou desrespeitoso.
A repetição do adjetivo “quieto” na curta resposta que Eurídes concedeu à
entrevista; a observação de campo do processo interacional desse aluno e a análise
dessas informações indicam que, muitas vezes, Eurídes ficava quieto e em silêncio
como estratégia de jogo para não atrair a atenção da professora, em momentos que
ele queria negligenciar as atividades da aula. Nos registros de campo, observou-se
esse aluno brincando sozinho na carteira com seus materiais escolares, balançando-
se na cadeira e, algumas vezes, dormindo nos horários de aula sem ser percebido
(Diários de campo, 28 mar. 2006; 10 abr. 2006; 17 abr. 2006; 4 maio 2006). Com
isso, postula-se que na quietude de Eurídes o silêncio foi tomado como uma
técnica/prática/estratégia de interação (GOFFMAN, 1975; MORATO, 2001).
Na entrevista, a professora revelou que o que mais a preocupa na turma é a
falta de compromisso dos alunos.
A falta de querer mesmo. Às vezes, a gente (sic) não consegue despertar motivação neles. Então, assim, os que têm maior problema é (sic) exatamente esses que não têm compromisso. Então, às vezes, cê tá (sic) conversando com eles, eles: “ah não tô nem aí”, (sic) então esse (sic) “não tá nem aí”, não tá (sic) mesmo, não tá (sic) nem aí mesmo! Então, como é que eu vou, né (sic), eu falo com eles: “como é que eu vou abrir (sic) sua cabeça e colocar as coisas que você não quer, não tem como, você tem
que ter interesse”. Então, essa falta de compromisso deles – interesse, que não tem mesmo – é o que mais dificulta. (Entrevista, professora Patrícia)
Freqüentemente, Marcos era deixado de ‘castigo’, na companhia da diretora e
da supervisora, em razão dessa falta de compromisso referida na fala da professora.
Em uma ocasião (Diários de campo, 17 mar. 2006), de volta à sala após o
cumprimento de um ‘castigo’, Marcos foi questionado pelos amigos de turma que
buscavam certificar a veracidade da informação que chegara à sala de aula –
Marcos estivera copiando, exaustivamente, matérias de jornal impresso no gabinete.
Marcos retrucou que “lá estava mais bão!” (sic). Essa frase não pareceu sincera, e
sim mais um confronto com a professora. Frase semelhante fora pronunciada por
ele, em outra ocasião de retorno de ‘castigo’: “Lá estava bem melhor que aqui!”.
Com tal frase de impacto, Marcos estabelecia uma estratégia de interação
desafiadora com a professora. O caráter desafiador assumido pelo aluno também foi
evidenciado por Woods (1999), em seu estudo sobre o uniforme escolar,
simbolizando dois lados opostos: autoridade e opressão sobre os alunos e ordem e
liberdade conquistadas por eles. O ritual do “blazer rasgado” que, de costume,
ocorria sempre no último dia de aula, em uma ocasião aconteceu na última semana
de aulas do ano letivo de uma escola. Os alunos rasgavam o blazer do uniforme,
simbolizando transgressão à ordem e/ou postura desviante. À medida que os alunos
antecipam “o incidente do blazer rasgado” (POSTIC, 1984, p. 59) do último dia de
aulas para a última semana de aulas, desafiam a autoridade da escola, pois as
atividades eram regularmente prescritas e seguidas. Entretanto, como a interação é
aberta a redefinições e está em constante movimento, pode haver quebra da ordem
por parte dos atores, principalmente, se a interpretação da ação não for
compartilhada, o que pode ocasionar grandes conflitos.
Na interação entre o aluno Marcos e a professora Patrícia, o aluno demonstra
ter apreendido das situações de aula um jogo estratégico em que ele não pode se
recusar a cumprir o castigo determinado, mas pode contestá-lo, agredindo
verbalmente a professora (BRANDÃO, 1994). Marcos utiliza-se do deboche para
desacatar essa autoridade professoral e o faz de modo elaborado, ao criticar as
atividades pedagógicas das aulas de Patrícia. Como esclarece Goffman (1975), em
muitos casos, a dramatização de um ator escolar na cena da aula, em presença de
outros, tem a intenção de atrair a atenção e tornar-se significativa para os outros.
Para isso, o ator escolar precisa se mobilizar na interação, exibindo “fatos
confirmatórios” que ele precisa transmitir para não passar despercebido e tornar
visível o que pode estar invisível (GOFFMAN, 1975, p. 36). Esta parecia ser a
intenção de Marcos que a professora reconhece perceber, na entrevista:
Eu, hoje, eu tô (sic) adotando uma forma assim, que tá (sic) funcionando. Ele [Marcos] tá (sic) percebendo isso. A partir da hora que ele começou a aprontar, e eu tive de deixar ele (sic) sem recreio, eu parei de dar atenção pra (sic) ele. Então, ele fala as coisas, eu tô (sic) fingino (sic) que não tô (sic) ouvino (sic), né? (sic) Aí, o que que (sic) tá (sic) aconteceno (sic)? Ele tá (sic) tentano (sic) me contar sempre alguma coisa, sempre ele tá (sic) tentano (sic), querendo me falar alguma coisa pra (sic) ver, pra (sic) me provocar, pra (sic) mim (sic) ter reação positiva com ele. Quer dizer, ele tá (sic) sentino (sic), ele tá (sic) percebeno (sic) lá, que ele não tá (sic) teno (sic) a minha atenção. Isso pra (sic) ele tá (sic) doeno (sic), porque ele tá (sic) provocando, ele tá (sic) quereno (sic) conseguir essa atenção. Então, quer dizer, é importante pra (sic) ele, a afetividade minha pra (sic) com ele. (Entrevista, professora Patrícia).
Nesse depoimento, a professora reconhece o ‘castigo’ como demonstração
de sua autoridade docente, à qual Marcos estava submetido. A estratégia da
professora, por sua vez, era ignorar as provocações de Marcos e privá-lo de
afetividade, não lhe dando atenção, fingindo não ouvir o que ele dizia. Patrícia
reafirma o controle que exercia sobre a turma por meio da dosagem de atenção e
afetividade, sem, no entanto, considerar-se incoerente. O posicionamento da
professora vai ao encontro da estimativa de Waller (1967) – de que os professores
sempre recorrem à moderação afetiva visando à ordem e ao disciplinamento – e da
constatação de Carvalho (1999, p, 208) na “Escola Alexandrina”, de que controle e
“cuidado” estavam associados à afetividade e ao vínculo emocional docentes.
Postic (1995) retrata que o desajustamento à situação escolar gera
complicações no processo ensino-aprendizagem, ocorrido especialmente em sala de
aula. O aluno e o professor que não se adaptam às especificações da escola,
implícita ou explicitamente, enfrentam dificuldades de “conceber e organizar
situações de aprendizagem” (POSTIC, 1995, p. 10). Entretanto, segundo esse autor,
o sucesso escolar é conquistado pelo comprometimento de professor e alunos
trabalhando juntos, em prol do conhecimento. Em observação à prática pedagógica
interacional do professor e alunos com dificuldades de aprendizagem, Postic (1995)
percebe que é raro o professor tentar descobrir o processo cognitivo do aluno
perante uma determinada tarefa; em vez disso, o professor tenta normalmente fazê-
lo seguir o caminho que lhe pertence. Os ‘castigos’ imputados a Marcos eram
explicados pela professora como uma estratégia de punição pela falta de
compromisso dele, mas também para tentar fazê-lo atingir o sucesso escolar, assim
como os seus colegas. Segundo relato de Patrícia na entrevista, o que mais a
motiva na turma é:
o sucesso, eu acho. Porque à medida que eles vão, é, desenvolvendo (sic) mais, eles se alegram com isso. Então, no início do ano, eu coloquei pra (sic) eles. Era uma turma que tava (sic) com dificuldade, que eles não estavam no nível da fase quatro, que é onde eles estão. E agora, eles já estão começando a perceber. Eu to (sic) falano (sic) pra (sic) eles, à medida que eu vou avançando os conteúdos, eu vou mostrando que eles já estão agora já (sic), aprendendo coisas da fase quatro, conteúdo da fase quatro. Então, esse progresso pra (sic) eles é muito importante. Eles sentem isso. Esses meninos que têm compromisso, que têm interesse em aprender, eles querem estar progredindo. Então, quando eles acertam tudo, por exemplo, uma atividade, eles vibram com isso. Tanto é que eu até premio com um selinho, né? (sic) Vou incentivando sempre, e eles querem estar conseguindo (sic) sempre o sucesso. E isso pra (sic) mim também é uma motivação muito grande, perceber o tanto que eles avançaram do início do ano até agora. É querer estar sempre buscando mais pra (sic) mim. (Entrevista, professora Patrícia).
O que se depreende do discurso da professora, e que ela parece pressupor, é
que os alunos “que têm compromisso, que têm interesse em aprender” são os que
mais sentem interesse e motivação em progredir nas atividades curriculares do
conteúdo programático. Por conseguinte, estes são os mais incentivados pela
professora por meio da premiação (selinho49) concedida àqueles que obtêm
sucesso. Na argumentação da professora sobre a importância do sucesso escolar,
ela inclui não só os alunos, mas também o seu sucesso como docente. O ponto de
vista de Carvalho (1999, p. 212), apesar de se ater à prática do “cuidado” na escola
investigada, aponta aspectos da afetividade que nos ajudam a compreender a
argumentação da professora Patrícia sobre o seu sucesso, no que tange à
“gratificação, prazer, realização e até mesmo de certa sensação de poder”
experimentados por ela.
49 Os selinhos são adesivos para serem colados no caderno, com valor simbólico e cumulativo. Os
alunos os recebem, ao longo do mês, como recompensa pelo sucesso em determinada atividade. Ao final do mês, a professora confere quem foi o aluno com maior número de selinhos e lhe confere o título de vencedor com direito a um prêmio. Conforme explicação da professora, os ‘selinhos’ foram a forma encontrada por ela para motivar a turma.
Já o sucesso escolar dos alunos, na concepção de Coulon (1995b), está
atrelado à capacidade de a criança superar o aprendizado do ofício de aluno e
ascender ao ofício de estudante. Nesse caso, é preciso reconhecer as regras do
jogo, ter disposições para assimilá-las e, portanto, lutar a fim de conquistar o êxito
escolar. A uma das perguntas da entrevista – “Você acha importante estudar? Por
quê?” – os alunos responderam:
1. Émile – Vai servir pra (sic) tudo.
Pesquisadora – O que é ‘tudo’?
Émile – Assim, vai servir pra (sic) tudo: pra (sic) trabalhar, pra (sic) ensinar os
outros. É porque quando a gente vai trabaiá (sic), não tem emprego bão (sic) pra
(sic) gente trabaiá (sic). É que nem umas pessoa (sic) não ta (sic) trabaiano (sic) é
porque elas num (sic) estudou (sic) direito, uai! (sic) Aí, tem que estudar.
2. Maria Angélica – Ah, estudar muito me ajuda, porque eu quero ser
enfermeira. Pra (sic) quando nóis (sic) crescer, não ser malandro na vida, não dá
(sic) abertura pra (sic) a (sic) gente ter uma profissão ruim.
3. Maria Clara – Ah, porque quando eu crescer eu quero ter um serviço bão
(sic).
4. Andréia – Eu acho que a gente pode formar, pra (sic) fazer um trabalho
bão (sic). Minha mãe tava (sic) falano (sic), é, “estuda pro (sic) cê (sic) ter um bom
serviço”. Minha mãe estudou até a sétima série e meu pai foi até a quinta, eu acho.
Minha mãe falou que eu tenho que estudar muito, pra (sic) formar, ter um bom
serviço pra (sic) eu ajudar ela (sic) em casa. Posso ajudar minha mãe em casa, ter
um bom serviço pra (sic) minha família.
5. Sueli (menino) – A disciplina. Arrumar um bom emprego. Por causa,
quando (sic) a gente acabar de estudar, a gente ter um bom trabalho.
Pesquisadora – Sua mãe também fala isso sempre para você?
Sueli (menino) – Não, porque ela estudou só até a quinta série.
6. Marcos – Porque o meu pai estudou só a (sic) quinta-série, ele e a minha
mãe. Aí, minha mãe manda a gente vim (sic) pra (sic) escola, aí eu venho, só que eu
falto só algumas vezes. É porque se eu estudar só até a quinta-série, eu não vou
formar, aí... [...] Ah. A vida, né? (sic)”
7. Eurídes – É pra (sic), pra (sic) ter futuro, né? (sic)
8. Pedro – Porque a gente aprende a escrever, a ler, a trabaiá (sic).
9. André – A gente aprende. Ah, porque (sic) ter um trabalho melhor.
Pesquisadora – Melhor do que o quê, trabalho melhor do que de quem? André – Gente que num (sic) tem estudo e tem que trabalhar na roça, no sol
quente.
Todos os alunos e alunas, à exceção de Marcos, atribuíram à escolarização o
meio de ascensão social pelo qual se consegue um bom emprego e, assim, um
futuro melhor. Marcos, por sua vez, demonstra que reconhecer e/ou cumprir as
regras escolares nem sempre significa concordar com estas, quando exclama: “Ah.
A vida, né?” Desse modo, ele exprime pouca perspectiva para a sua trajetória
escolar e profissional, em relação às expectativas citadas por seus amigos. Alguns
alunos citam os pais como exemplos de insucesso na trajetória escolar que eles não
devem seguir. Sob essa perspectiva, Lahire (2004) ressalta a influência do universo
doméstico em que vive o aluno em sua mobilização para o sucesso escolar.
Marcos parecia trilhar um caminho inverso ao considerado por Coulon
(1995b) como trajetória de estudante, pelas tentativas de resistência às regras,
marcadas pela hostilidade, diferentemente da resistência comentada por Geer
(1982), que pode ser positiva, em situações nas quais é preciso se posicionar e se
expressar frente ao outro.
Pelo relato de Marcos, percebemos que ele vai à escola porque a sua mãe
“manda”. A conformação de sua fala – “aí eu venho” – logo é complementada pela
resistência: “só que eu falto”. Nesse caso, Perrenoud (1995, p. 121) aponta a “lógica
do controle”, constituída por três momentos: (i) o trabalho escolar partindo,
freqüentemente, de uma exigência do professor; (ii) a vigilância constante sobre as
atividades dos alunos, sendo que em casa essa função costuma ser exercida pelos
pais; (iii) a avaliação do trabalho dos alunos. O aluno é avaliado pelos
conhecimentos que ele conseguiu apreender e, punido, caso não obtenha sucesso
escolar. A punição pode apresentar um caráter seletivo pelas notas, mas também
pela pressão vivida na família e em sociedade pelos veredictos escolares que o
aluno consegue (BOURDIEU, 2006). Perrenoud (1995) conclui que nem todos
conseguem se submeter a essa lógica e obter sucesso. Para ele, o ofício de aluno e
de professor é um exercício a ser desenvolvido no contato diário, interacional e de
respeito mútuo. No entanto, é enfático: para se ter sucesso escolar, é preciso
aprender as regras do jogo escolar.
Marcos preocupa-se com a formação escolar, mas não sabe explicar o
porquê, quando exclama: “Ah. A vida, né?”. Postic (1984) cita o aspecto interacional
como preposto para influenciar os alunos no gosto pelos conhecimentos e saberes
valorizados pela escola como sucesso escolar. Sendo necessário primeiro a adesão
e, depois, o entusiasmo deles, incidindo, assim, em um “movimento crítico”, que para
ele tem o sentido de aproximação/distanciamento, no qual educador e educandos se
aproximam, se situam e se afastam em uma relação pedagógica processual e
contínua (POSTIC, 1984).
Waller (1967), com base nos dados de sua pesquisa, coletados em escolas
rurais e de pequenas cidades, demonstra que ali impera uma relação de dominação
e subordinação entre professor e alunos, na qual o professor “sempre” sai
ganhando, ao mesmo tempo em que aponta a resistência dos alunos frente à
escola, balizada pela indisciplina, hostilidade, desordem e balbúrdias. Ele investiga
os conflitos existentes entre professor e alunos permeados pela autoridade docente,
pelas formas de dominação e subordinação e pelos limites e regras impostos para
administrar a ordem. No último capítulo do livro, Waller aponta recomendações para
tais impasses de dominação e subordinação entre professor e alunos, levando em
conta a relevância da instituição escolar e a comunidade. Em uma de suas
recomendações, ele sugere o abandono da prática dominação/subordinação, apesar
de reconhecer que ela não deixará de existir completamente. Sugere ainda que
sejam extintas as barreiras entre professores e alunos, para que, no contato direto
entre eles, as mentes sejam incitadas à reflexão e, assim, livres, eles possam
contribuir para que alguma instituição escolar funcione.
Diferentemente das situações de resistência, vale ressaltar a existência de
regras do jogo escolar que, muitas vezes, não são cumpridas porque não são
compreendidas (BERNSTEIN, 1982). Algumas dessas situações e outras
estabelecidas nas interações fora do espaço da sala de aula serão tratadas a seguir.
Estratégia de negociação no ritual da oração que marca o início da aula
Em menção a Jackson, Sirota (1994) descreve que na sala de aula os atores
precisam se posicionar, conhecer as regras escolares e criar suas estratégias de
negociação constantes. Essas negociações são ações apresentadas por uma das
partes, à espera de consentimento ou repúdio. Assim, as posturas “desviadas” dos
alunos e professores são tipos de estratégias que têm muito a nos informar.
A negociação foi uma das estratégias presenciadas na turma observada.
Antes mesmo do toque do sinal que declarava abertas as atividades escolares, as
interações sociais entre a professora e os alunos ocorriam, desde os momentos
iniciais da chegada à escola. Mas, era na hora da oração que se instituía o início da
aula nessa turma, pelo ato inaugural que a professora proferia (MARI, 2003).
Enquanto o início da aula não era oficializado pela professora com o ato declarativo
da oração, ela não se incomodava com o bate-papo informal entre os alunos, dentro
da sala, uma vez que as carteiras ainda estavam sendo arrumadas. Situação inversa
acontecia logo após a acomodação de todos os alunos, quando a professora os
convidava a rezar. Nem todos os alunos rezavam, alguns pareciam distraídos, mas,
se a professora percebia isto, ela chamava a atenção destes. Certa vez, um aluno
abriu o caderno no momento da oração e a professora pediu que ele o fechasse,
pois essa não era a hora para isso. Uma aluna também aproveitou a ocasião para
apagar atividades no seu caderno e foi surpreendida pela professora, que lhe
explicou que no momento da oração não se deve fazer outra coisa. Às vezes, a
professora aproveitava a ocasião e fazia um pedido, antes da oração, como:
paciência para ela e atenção para os alunos; bênçãos para as mentes deles, a fim
de aprenderem e começarem bem o dia, ou a semana. Aquele momento incorporava
a condição preparatória para um começo de aula e, notadamente, o intuito de
acalmar os atores daquela cena de aula e preparar um ambiente propício, de acordo
com a crença da professora e dos alunos50. O tom de voz e a postura da professora,
naquele momento, distinguiam-se de outras situações de aula pela mansidão e
calma que transmitiam.
O ritual da oração já havia sido incorporado ao cotidiano da turma. Em um
determinado dia, a professora se esqueceu da oração e iniciou a aula, pedindo aos
alunos que abrissem o caderno, logo. Alguns notaram que não era esta a abertura
oficial da aula e questionaram a professora. Retomou-se, assim, a abertura da aula
pela oração.
50 Em análise à ficha de matrículas dos alunos, verificou-se que os responsáveis declararam a religião
católica, em sua maioria, e os demais, cristãos.
Nem sempre a professora os cumprimentava com um “bom-dia”. O comum
era iniciar pelas orações “Pai-Nosso” e “Bom-dia, meu Deus querido!”. Essa última
era rezada pela professora e repetida pelos alunos:
Bom-dia, meu Deus querido, as aulas já vão começar. Nós queremos que o Senhor venha conosco ficar. Aqui estamos juntinhos e vamos já trabalhar. Abençoa nossa sala, nossa escola, nosso lar.
Rivaldo, um aluno recém-chegado à turma, demonstrou ter percebido que “a
interação está aberta a redefinições” e, em constante movimento, como afirma
Woods (1999, p. 18). Esse aluno integrou-se à turma em 4 de abril de 2006, assim,
algumas regras e rituais escolares da turma já estavam estruturadas. No entanto, ele
ousou quebrar a ordem, ou seja, a forma como o ritual da oração vinha sendo
conduzido: ao invés de repetir a fala da professora, como era o costume, Rivaldo
iniciou um processo de interação propondo um jeito novo de rezar. Para Sirota
(1994, p. 65), “a infração ao ritual é sinal de uma boa integração”. Rivaldo
demonstrou isso; ele foi o único aluno que percebeu a situação, atribuiu-lhe
significado e expressou a melhor forma de satisfazer a seus interesses, utilizando-se
da estratégia de negociação (WOODS, 1999). Ele fez a oração simultaneamente à
fala da professora, que o reprimiu, mas Rivaldo foi insistente, tentando convencê-la
de que já havia memorizado a oração. Os outros alunos – notava-se por seus
olhares – pareciam admirados com a ousadia de Rivaldo. Mesmo que já soubessem
a oração, eles não tiveram o mesmo comportamento e não se manifestaram a favor
do aluno recém-chegado. Essa situação se repetiu por vários dias e, após muitas
tentativas, a professora cedeu à estratégia de insistência de Rivaldo e a oração
passou a ser rezada coletivamente. Apesar de não revelar explicitamente aos alunos
que a oração poderia ser rezada conjuntamente, a professora passou a rezar sem
dar o intervalo de tempo para os alunos a repetirem. O não-dito foi esclarecido por
Rivaldo: “pode rezar junto, não precisa repetir!” Com isso, percebe-se que esse
aluno apontou uma forma mais ágil de oração e demonstrou à professora que a
repetição era desnecessária. Instaurou-se uma nova regra nessa turma.
A atuação dos atores – professor e alunos – varia de acordo com as situações
pedagógicas. É nesse sentido que Sirota (1994) pensa a interação como o lugar da
troca, do posicionamento e suscetível a mudanças decorrentes das situações. Há
momentos em que o professor ocupa o papel principal, o que, de acordo com Sirota
(1994) e Perrenoud (1995), não exime também o aluno de, em alguns momentos
como este, exercer o papel ativo.
A ênfase nas construções interacionais na sala de aula foi estudada por
Cicourel e Mehan citados por Forquin (1995). Este os cita como pesquisadores, para
elucidar as competências do aluno no processo interacional. Os autores observam
que os alunos desenvolvem estratégias, a fim de conduzir bem as suas atividades e
atender às regras estabelecidas pelo professor. O aluno percebe as regras gerais
que regem a sala de aula, mas as interpreta e as significa de acordo com suas
habilidades de interação. Mehan citado por Forquin (1995) mostra que muitas das
regras ditadas pelo professor não dizem quando, nem como, devem ser aplicadas.
Essa tarefa parece ficar a cargo dos alunos, que terão a incumbência de decodificar
tais regras. Desse modo, alguns alunos se sobressaem em relação a outros, pois
suas formas de interação parecem estar mais próximas à interpretada pelo docente
como correta, satisfatória ou competente.
Solidariedade no trabalho pedagógico como estratégia de interação
No que tange à solidariedade no trabalho pedagógico do outro, exercida pela
professora ou pelos alunos, parte-se da análise de duas alunas, que, mais uma vez,
vemos em cena, não mais recorrendo à estratégia de conquista de carinho. Dessa
vez, Ana e Maria Angélica demonstram interesse em ajudar, mas com um propósito
tácito de se beneficiarem também do contato afetivo, forte característica dessas
alunas.
A professora solicitou à pesquisadora o recorte de alguns selinhos a serem
distribuídos aos alunos. Ao ouvirem o pedido, Ana e Maria Angélica ofereceram
ajuda e terminaram rapidamente os exercícios, deixando transparecer o interesse
em auxiliar nos recortes. Ana criou uma estratégia para agilizar a tarefa: pediu que a
pesquisadora recortasse as bordas das folhas, encarregando-se ela das colunas das
folhas. Ao ter sua sugestão acatada, ela elogiou a nova forma de trabalho, que
parecia mais veloz, e criticou Maria Angélica pela forma individualista que vinha
trabalhando. De fato, a tarefa terminou rapidamente (Diário de campo, 4 maio 2006).
O interesse dessas alunas em se aproximarem da professora, ou dos
símbolos ligados à figura da professora, demonstra uma interação cujo valor está
atrelado também à admiração que elas sentem pela professora e às coisas que lhe
pertencem. Como esclarece Geer (1982), a prática docente tende a provocar nos
alunos sentimentos de gosto ou de recusa pelas atividades pedagógicas, mas nem
sempre os professores têm essa pretensão. Esses sentimentos, em parte, são
provenientes dos efeitos da interação nos atores escolares. O conjunto de símbolos
que compõem o espaço da sala de aula, a influência das situações pedagógicas na
vida dos alunos, as interações com o professor e com os outros alunos, bem como
sua própria mobilização frente a determinada situação podem provocar adesão ou
rejeição às regras do jogo escolar (GEER, 1982).
Nessa situação de solidariedade no trabalho pedagógico, as alunas
dialogaram e buscaram possibilidades de interação, criaram regras e as testaram
com a professora. Tais estratégias demonstram que os atores em sala de aula
mantêm negociações constantes, que podem se dar no campo implícito ou explícito
(SIROTA, 1994; COULON, 1995b; WOODS, 1999). As regras explícitas que regem o
trabalho escolar são comunicadas e avaliadas, ao passo que as regras implícitas,
apesar de também serem avaliadas, estão na dimensão do simbólico, do que é feito,
mas não é revelado (BERNSTEIN, 1984).
Outro registro de campo (3 abr. 2006) traz à cena Tales e Maria Angélica
realizando uma tarefa solicitada pela professora. Em meio a tantas outras cenas de
interação que ocorriam simultaneamente na sala de aula, esta chamou a atenção da
pesquisadora: eles colavam à parede algumas fichas de palavras dos grupos P e B
que haviam caído no chão. Logo na primeira palavra, Maria Angélica corrigiu Tales,
que havido colado “paralelepípedo” no grupo B: “esta palavra não é aí não, é no P”.
Ele concordou, sorriu timidamente e recolocou a palavra no grupo correspondente.
Assim que terminou, conferiu todas as outras fichas, certificando-se de que estavam
nos lugares corretos. Maria Angélica também criticou a forma como seu amigo
manuseava a fita adesiva, deixando-a visível nas bordas das fichas, ao invés de
escondê-la atrás das fichas, como ela fazia. Além disso, a aluna utilizava a tesoura
para cortar as tiras, enquanto o aluno cortava-as com a boca.
Postic (1984) afirma que os alunos atuam na sua própria aprendizagem e na
daqueles com quem estão em comunicação. Se nessa interação Maria Angélica
ocupou uma posição de auxílio a seu amigo, na interação com Roni ela foi auxiliada.
As respostas desses alunos divergiam em uma das questões da avaliação
bimestral que eles terminavam de realizar. Na interação estabelecida entre eles,
Roni tentava convencer Maria Angélica de que sua resposta estava correta e ela se
mantinha firme e confiante na própria resposta. Minutos depois, outro aluno pede
esclarecimentos à professora acerca da mesma questão sobre a qual os dois
discutiam. Mediante a resposta da professora, Roni se volta para Maria Angélica e
exclama: “Não te falei?!” A resposta da aluna não veio por palavras, mas por ação:
ela apagou o que havia feito e refez conforme orientação de Roni (Diário de campo,
18 abr. 2006).
Percebe-se que a solidariedade contribui para o aprendizado dos alunos, pois
há uma troca de experiências em que se compartilham conhecimentos. Essas
interações proporcionam aos atores escolares envolvidos tempo para eles refazerem
suas construções e também as confirmarem na interação com o outro.
Outra situação pedagógica de solidariedade fora percebida em uma aula de
Português (Diário de campo, 22 mar. 2006). A professora solicitou aos alunos que
escolhessem uma palavra dos grupos P e B que haviam redigido no dever de casa e
a pronunciassem em voz alta, individualmente. Um aluno pronunciou ‘bovino’; a
professora, então, perguntou-lhe se ele sabia o que era ‘bovino’; diante da negativa,
explicou-lhe o significado dessa palavra, acrescentando a explicação sobre ‘suíno’ e
‘eqüino’. Um outro aluno escolheu “Bang Bang”. A professora não acatou essa
palavra, alegando que, além de ser nome próprio, é palavra inglesa, que eles não
estavam trabalhando ainda. Um aluno escolheu “Belíssima”51. A palavra, como
adjetivo feminino, foi aceita. Outro aluno pronunciou “Big Brother Brasil”52. A
professora reforçou os seus motivos para não aceitar essa expressão. Chegado o
momento de Marcos proferir a sua palavra escolhida, ele, que na entrevista
demonstrara grande interesse por futebol, escolheu “pênalti”. A professora escreveu
“penalty” – grafia da palavra em língua inglesa, com ‘y’ e sem acento – e o aluno a
corrigiu, alegando que era com ‘i’. Um impasse se criou, pois a professora insistia
em que a palavra era grafada com ‘y’ ou ‘t’ mudo ao final, sem demonstrar
conhecimento de que aquela é a grafia em língua inglesa. Tentando resolver a
questão, a professora consultou a pesquisadora sobre a grafia correta da referida 51 Nome de novela que estava sendo transmitida na época da pesquisa, em um canal aberto de
televisão. 52 Esse nome refere-se a um reality show que estava sendo transmitido na época, também pela TV
aberta.
palavra. Com cuidado, para não interferir naquele processo que lhe parecia
interessante do ponto de vista da análise, a pesquisadora respondeu que era com ‘i’,
mas sugeriu que a professora verificasse no dicionário. Ela assim o fez e comentou
com a turma: “‘pênalti’ é escrito com ‘i’ e acento circunflexo no ‘e’!”. Ao solicitar a
leitura de mais uma palavra, a professora ouviu ‘passaporte’ e comentou: “Nossa,
desta vez vocês capricharam, hein?”. Em relação a ‘passaporte’, a professora
Patrícia acreditava que era um substantivo composto separado por hífen, ou duas
palavras separadas. O aluno não concordava com a afirmação. Como da vez
anterior, a professora consultou a pesquisadora, que concordou com o aluno.
Novamente, a pesquisadora solicitou à professora que confirmasse no dicionário.
Voltando-se para o quadro, a professora chamou a atenção da turma para a grafia
correta e se desculpou pelo engano. Todos os alunos participaram dessa atividade,
inclusive a pesquisadora foi convidada a sugerir uma palavra. Citou-se também a
palavra ‘picanha’ e a professora explorou o significado desta e de outras palavras
suscitadas ao longo da atividade. O mesmo aluno que apresentou a palavra
respondeu que era um tipo de comida que o seu pai preparava: “picanha na chapa!”.
A professora acatou sua explicação e complementou o significado: “É um tipo de
carne cujo preço é muito alto em relação às outras carnes”.
A participação coletiva dos alunos também foi identificada nas correções de
atividades que a professora promovia no quadro verde, porém, nem todos aceitavam
o convite, alegando timidez. Algumas vezes surgiam intervenções espontâneas.
Rivaldo, por exemplo, foi ao quadro confirmar com a professora se a palavra
‘fôssemos’ estava grafada corretamente e apontou à professora a ausência do
acento circunflexo na letra ‘o’. Ela corrigiu rapidamente, mas não lhe agradeceu,
como em situações semelhantes com outros alunos (Diário de campo, 17 abr. 2006).
Essas atividades expunham à turma a dificuldade da professora com relação a
ortografia, conjugação verbal, concordância nominal e verbal, tanto na prescrição de
palavras no quadro como em atividades escritas distribuídas aos alunos (FIGS. 19 e
20).
Figura 19: Extrato de atividade (Anexo C) Fonte: Dados da pesquisa
Com relação ao contido na Figura 19, há três situações em desacordo com a
norma culta da Língua Portuguesa: (i) a palavra ‘opinião’ foi grafada sem a vogal ‘i’
(opnião); (ii) ausência de vírgula após a palavra ‘opinião’; (iii) o verbo ‘agir’ foi
flexionado na terceira pessoa do plural (agiram), quando a regra de concordância
verbal determina que, se o pronome interrogativo ou indefinido estiver no singular, o
verbo irá para a terceira pessoa do singular [... qual dos três animais agiu certo?].
(Em sua opinião, qual dos três animais agiu certo?).
Figura 20: Extrato de atividade (Anexo D) Fonte: Dados da pesquisa
Na Figura 20, também em desacordo com a norma culta da Língua
Portuguesa, omitiu-se a partícula apassivadora “se” [Este coelho se escondeu na
mata?].
A estratégia de solidariedade revela, nessa turma focalizada, a “precariedade
da formação intelectual” referida e constatada por Carvalho (1999, p. 163) no perfil
de uma das professoras que investigou. Além disso, incongruências entre o exemplo
da professora e as exigências na formação intelectual dos alunos, quanto aos
conhecimentos valorizados pela escola, foram percebidas em outras cenas de aula,
extraídas dos registros de campo, como a seguinte.
Transitando entre as carteiras pela sala de aula, a professora percebeu que
alguns alunos haviam redigido a palavra ‘células’53 com ‘s’ no início da palavra e
ameaçou: “Se eu ver (sic) célula escrita com ‘s’ vou pedir para escrever cem vezes!”.
Entretanto, no ditado de Português, ‘besouro’ foi ditado pela professora como
‘besourro’ (sic). Nenhum aluno notou ou comentou a pronúncia dessa palavra.
Freqüentemente, os desafios de Matemática eram transcritos no quadro e a sua
redação denunciava a falta da devida obediência à norma culta da Língua
Portuguesa. Dentre eles:
a) “Na feira tinha (sic) 2 caixas com 368 laranjas em cada. Quantas laranjas
tinha (sic) ao todo?” Na resposta, repetia-se: “Tinha (sic) ao todo 736
laranjas.”
53 Essa palavra estava sendo utilizada na aula de Ciências, cuja explanação do conteúdo trabalhado
foi revista na avaliação dessa disciplina no primeiro bimestre (Anexo E).
b) “Numa caixa cabem 245 laranjas. Quantas laranjas tem (sic) em 3
caixas?”
c) “Um comerciante colocou 96 garrafas de refrigerante em 3 caixas.
Quantos refrigerantes coube (sic) em cada caixa?”
d) “Um feirante distribuiu 58 frutas em 2 caixas. Quantas frutas ficou (sic) em
cada caixa?”
As próximas atividades demonstram-se pertinentes e ilustrativas (FIGS. 21 e
22).
Figura 21: Extrato de atividade de Matemática (Anexo E) Fonte: Dados da pesquisa
Figura 22: Atividade de Matemática Fonte: Dados da pesquisa
Faz-se a ressalva de que não houve intenção em selecionar conteúdos
curriculares, tampouco áreas disciplinares, para análise das interações entre a
professora e os alunos no presente estudo. O objetivo deste tópico é levantar
questões que permitam depreender, das estratégias de solidariedade no trabalho
pedagógico, possíveis influências no aprendizado de conhecimentos e saberes
valorizados pela escola como sucesso escolar.
O contato prolongado com a turma permite salientar que as intervenções dos
alunos nas aulas eram modestas, porém, quando aconteciam, elas agitavam as
aulas. Quando da apresentação de um globo terrestre aos alunos na disciplina
Geografia/História, um aluno perguntou à professora o que aconteceria se o núcleo
da Terra parasse de girar. A professora respondeu a ele que aquilo estava além do
que seria estudado na Fase IV, inclusive porque, segundo a professora, “isso não
aconteceria” (Diário de campo, 29 mar. 2006).
Detendo-se na pergunta da professora sobre “qual fato importante para o
Brasil vai acontecer no dia vinte e um de abril?”, um aluno se pronuncia: “o meu
aniversário”. A professora foi gentil em sua fala: “é um fato histórico na sua vida, na
vida da sua família e da sala também, mas não é nosso objeto de estudo” (Diário de
campo, 19 abr. 2006).
Em uma das aulas de História/Geografia, cujo tema era “Brasil e sua
localização no mundo”, percebe-se um cenário incrementado por dois recursos
didático-metodológicos que não faziam parte dos equipamentos da sala de aula: o
mapa-múndi e o globo terrestre requeridos junto à escola. Houve participação dos
alunos com perguntas e comentários, sempre cumprindo a exigência da professora
de manter as mãos levantadas para participação. No entanto, Rivaldo não cultivava
o hábito de levantar as mãos, como a maioria dos alunos, para se expressar. Em
outras situações, descontente por esperar para ser atendido, por três vezes ele se
levantou e foi até à professora para questioná-la. Entretanto, ao se apresentar à
professora, ela exigia que ele aprendesse a regra de levantar as mãos, para obter a
concessão da palavra.
As questões levantadas pela turma – contribuições, perguntas, desafios,
confirmações – solidarizavam e moviam o trabalho pedagógico. Os alunos
movimentavam a vida da sala de aula em diversos momentos: ao se interessarem
pela localização de Portugal e/ou do Cazaquistão no mapa-múndi ou pelo fuso
horário do Japão, perguntando: “Dona Patrícia, é verdade que quando aqui é dia, no
Japão é noite?” e a professora confirmando, para espanto de muitos alunos; quando
procuravam confirmar o conhecimento que detinham, como a hipótese levantada por
Marcos de que o mapa da Itália tem o formato de bota – a professora desconhecia
aquela informação, mas consultou o mapa, mostrou-o ao aluno e desconsiderou a
informação. Da mesma forma, Rivaldo demonstrou interesse pelo tema abordado,
quis confirmar se eles aprofundariam aquele tema na sétima série. Dessa vez, a
professora respondeu que sim e o que, especificamente, seria aprofundado. Nesse
mesmo segmento, outra aluna questionou se eles iriam discutir globalização naquela
fase. A professora esclareceu que não na Fase IV e trouxe o exemplo de sua filha,
que fizera aquele trabalho em uma fase mais avançada (Diário de campo, 29 mar.
2006). As argumentações dos alunos eram ouvidas pela professora na progressão
da aula, sendo por ela incorporadas ao seu discurso, caso estivesse de acordo com
o tema, ou dispensadas, caso desviassem do tema em estudo.
O clima de solidariedade nessa sala de aula era regulado pela professora que
concedia permissões e as restringia, conforme a situação. Percebeu-se abertura da
professora aos alunos, mas o tempo das aulas parecia ser uma preocupação
constante – “agora, vamos parar, senão, não vai dar tempo da gente (sic) terminar
isso hoje!”. A pressa, que tendia ao disciplinamento, evitando, assim, o tempo
ocioso, e também ao cumprimento prescrito na proposta curricular da Fase IV,
impedia longos depoimentos, ou a conclusão de um raciocínio em construção,
restringindo os comentários da turma ao tema em questão. Não havia
aproveitamento de comentários que a professora considerasse distante do contexto
estudado naquela disciplina. Ao contrário, eles geralmente eram reprimidos: “não é
isso que a gente (sic) está estudando!”. Nessas situações, parecia que, além do
fator tempo, Patrícia preocupava-se em se deter ao conteúdo da aula, evitando
responder aos alunos ou mesmo instigar curiosidades e contribuições deles. Estes,
por sua vez, tinham uma participação de caráter ilustrativo às exposições da
professora, como observado por Resende (2003, p. 158): “essas falas acabam
soando como concessões da professora e não como parte do discurso que ela
oficializa durante a abordagem dos conteúdos em sala de aula”.
Sob essa perspectiva, a análise de Nogueira (2004), quanto ao processo de
apropriação pelos alunos de conteúdos escolares transmitidos, mostrou-se coerente.
A autora busca em Bernstein a compreensão das formas diferenciadas das práticas
pedagógicas que nem sempre estão explicitadas e podem ocorrer no cotidiano da
escola, não se restringindo ao interior da sala de aula, mas se estendendo para toda
a atividade educacional. As estratégias de interação, mediadas pela solidariedade
pedagógica ou ausência dela, emergem, em parte, do conhecimento intelectual a
que os atores educacionais têm acesso. Em parte, também da mobilização pessoal
que impulsiona a busca e o aprimoramento desse conhecimento. Nesse sentido,
entra em cena a consonância, ou dissonância da comunidade escolar, de um lado
representada pelos pais ou responsáveis dos alunos, e do outro representada pelos
atores escolares, no que diz respeito aos seus trabalhos e projetos pedagógicos da
escola, que tem segmento nas atividades a serem aprimoradas em domicílio e vice-
versa. Lahire (2004, p. 27) se expressa a esse respeito.
O aluno que vive em um universo doméstico material e temporalmente ordenado adquire, portanto, sem o perceber, métodos de organização, estruturas cognitivas ordenadas e predispostas a funcionar como estruturas de ordenação do mundo.
Contudo, a supervisora entrevistada revela a insuficiência da solidariedade
advinda do meio social e reitera a sua visão, apresentada na descrição de seu perfil
(Capítulo 1), de que este é um problema social. Dessa vez, não assume o
envolvimento da comunidade como um projeto a ser trabalhado também pela escola.
Eu vejo os pais como um caso assim, importantíssimo na vida escolar, porque se o pai fosse presente, se tivessem (sic) conferências, cursos oferecidos aos pais, né, (sic) pra (sic) poder ter mais consciência (sic) qual que (sic) é o trabalho dentro da escola, seria de grande importância, mas isso não existe ainda. Os pais, às vezes, vêm com uma brutalidade porque cê (sic) chamou o pai aqui pra (sic) poder conversar sobre a criança [...] e acaba prejudicando (sic) falando que o filho é dele, entendeu? Porque eu sempre penso que a educação é a base de tudo, o princípio daqui. Então, eu acho que tinha [que ter] mais envolvimento com os pais, os pais tinham que ser participativos, ter essa oportunidade, que venha do Governo Federal mesmo, que seja uma norma, pra (sic) tá (sic) facilitando através de conferências mesmo, cursos a oferecer pros (sic) pais, seria interessante. (Entrevista, supervisora Daniela).
Da mesma forma, a professora Patrícia percebe pouco acompanhamento da
família na vida escolar dos alunos. Sobre a reunião de pais e responsáveis pelos
alunos dessa turma, ela comenta:
Teve (sic) uns que não procuraram mesmo [o caderno de avaliação dos alunos]. Eu tive de mandar chamar. Igual à mãe do Marcos, eu tive que mandar chamar, senão ela não viria. E alguns não vieram. Os cadernos ficaram sem ninguém olhar. Então quer dizer, cê (sic) percebe a falta de interesse da família para com o estudo dos meninos. (Entrevista, professora Patrícia).
Além da ratificação de Patrícia, foi pouco freqüente a participação de pais ou
responsáveis à porta da sala de aula para conversar com a professora sobre a vida
escolar do aluno. Uma única vez, no período da pesquisa, a professora foi
questionada por uma mãe que demonstrava preocupação com a restrição alimentar
do seu filho com diabetes em relação à salada de frutas que seria servida na aula.
Todavia, o posicionamento da professora em resposta à mãe eliminou qualquer
possibilidade de descuido para com esse aluno, demonstrando, assim, a prática do
cuidado incorporada a sua prática docente (CARVALHO, 1999). À exceção desta,
não houve outra indagação sobre a prática docente, nem mesmo na reunião de pais
ou responsáveis dos alunos, que contou com a presença de 19 representantes. A
pouca participação, nesse caso, deveu-se à carência de comentários, perguntas,
dúvidas, sugestões e críticas. Apenas uma mãe e um pai se manifestaram, inclusive,
a favor da atitude “exigente” da professora na aprendizagem e no capricho de seus
filhos com os materiais escolares. A esses pais, a professora reforçou e valorizou a
sua autoridade pedagógica, reconhecendo-se exigente e preocupada com eles.
No discurso da mãe de Sueli (menino), que se pronunciou na reunião, fica
evidente que em seu aparente elogio à professora estava implícita uma solicitação
de atenção especial a ser dispensada a seu filho. Pelos registros de campo, essa
mãe parecia ser atendida, pois Sueli (menino), por repetidas vezes, ocupava um
lugar bem próximo à professora – na primeira fileira. Apreende-se dessa situação
que a participação dos pais ou responsáveis poderia influenciar positivamente a
ação pedagógica da professora, caso fossem registradas situações freqüentes de
participação deles na vida escolar de seus filhos.
Em consonância a essa proposição, a professora da turma pesquisada
relaciona o aprendizado dos alunos à situação vivida por eles em casa e apresenta
duas situações. Em ambas, a professora atribui à família a responsabilidade pelo
sucesso ou fracasso escolar dos alunos. Na primeira delas, relata o insucesso:
Os meninos que são mais problemáticos são exatamente aqueles que as famílias são mais desestruturadas: que um dia eles tão (sic) com a mãe, outro dia ele tá (sic) com a vó (sic). Alguns não têm nem a presença da mãe, já mora (sic) direto com a vó (sic). Então, é (sic) aquelas criança (sic), que não têm (sic) uma firmeza na família, não têm uma pessoa que possa ser uma referência positiva. Isso tanto atrapalha na disciplina – porque aí, eles não tendo referência positiva, eles num (sic) tem (sic) quem obedecer; chega (sic) aqui na escola é a mesma coisa, eles acham que não tem (sic) que obedecer (sic) ninguém – quanto na aprendizagem, porque não tem
quem incentivem (sic) eles (sic), estimulem eles (sic). (Entrevista, professora Patrícia).
Na segunda situação, a professora, cita um exemplo de apoio familiar como
condição para o sucesso:
Então, a gente (sic) vê que esses meninos, mesmo os que têm dificuldade – têm muita dificuldade de aprendizagem – se têm uma referência positiva, [...] a criança sente isso, ela (sic) sente na obrigação de tá (sic) devolvendo, porque tem alguém que tá cobrando dela, tá (sic) incentivando ela (sic) em casa, tá (sic) querendo que ela aprenda. Agora, os outro (sic), ninguém tá (sic) nem aí pra (sic) eles, tanto faz aprender quanto não. Aí já é diferente. (Entrevista, professora Patrícia).
As expressões dos alunos sobre a ajuda domiciliar nas tarefas escolares
expõem o auxílio recebido por irmãs, prima, vizinho, amigo de turma e mães.
1. Émile – Quando minha irmã tá (sic) fazeno (sic) o dever, sabe? Eu fico lá
em redor dela. Aí, eu pego um livrinho e fico leno (sic). Assim, eu falo, assim: “eu
não sei isso daqui não”! Aí minha irmã pega (sic) e me ajuda. Ou senão, o vizinho
[...] me ajuda.
Pesquisadora – Como que eles a ajudam?
Émile – Não, ele vai falano (sic) assim, por exemplo, tem uma continha, ele
vai falano (sic): “contos (sic) que (sic) isso mais isso?” [...] De vez em quando eu
entende (sic). Quando eu não entende (sic), ele me ajuda, sabe?
2. Maria Angélica – Tem (sic) vez que recebo ajuda da minha prima pra (sic)
me explicar como que é.
3. Maria Clara – (Informou que recebe ajuda quando dela necessita).
4. Andréia – Ah, minha mãe toma conta [argüi a lição] de mim. É... fica lá,
tomano (sic) fatos (sic) de mim.
5. Sueli (menino) – Eu tava (sic) estudando com o Roni – minha mãe que
pediu – lá na casa dele.
Pesquisadora – Está ainda ou vocês já pararam de estudar?
Sueli (menino) – Parou (sic). 6. Marcos – Minha mãe faz [operações matemáticas] e eu tento resolver.
Nossa, ela faz uns trem (sic) lá, que ce (sic) tá (sic) é doido! [...] É tudo assim: é de
vezes, misturado com mais, menos. Nó (sic), o trem (sic) mais doido. É doido. Nossa
Senhora...
7. Eurídes – (Primeiramente, o aluno relatou que seu padrasto o atrapalha,
inclusive nos estudos domiciliares). Já a minha mãe, fica lá pra (sic) fazer dever com
a gente, aí ela fica xingando a gente, aí eu tô (sic) lá, eu vou enfezo (sic), xingo ela
(sic), aí minha mãe vai e me põe de castigo.
8. Pedro – Estudo continha com a minha irmã.
9. André – (Informou que recebe ajuda quando dela necessita).
A assistência que os alunos revelaram existir em seus depoimentos não soou
como uma prática freqüente e rotineira. No entanto, ainda que ínfima, a interação
pedagógica estendida às tarefas domiciliares emergiu na entrevista. A ela, Lahire
(2004) atribui uma parte do sucesso escolar dos alunos.
Se em casa a solidariedade pedagógica parte de algum membro da família,
nas aulas, a solidariedade parte da professora, como pode partir também dos
alunos. Tende a se tornar estratégia, pelo grau de interesse que alguns demonstram
em participar, ajudar e integrar à aula. Todavia, outras interações não requeriam dos
atores a estratégia de solidariedade no trabalho pedagógico, uma vez que eles eram
chamados à interação pela professora.
Estratégia de interação na interface da predileção e do desafeto com diferentes grupos de alunos
A professora Patrícia estabelecia uma demarcação de fronteiras no interior da
sala de aula, assim justificada por ela:
Se o menino sentir, por exemplo, que você gosta mais dele, tem uma preferência maior por ele, então ele vai se sentir o máximo na sala, né, (sic) então, aí, pode até atrapalhar a disciplina dele. É lógico que, por mais que a gente (sic) fale assim: não, eu gosto de todos, igual! Não é assim. (Entrevista, professora Patrícia).
Com isso, ela parecia estabelecer com os alunos uma relação na qual se
percebia nos melhores alunos como produtos de seus esforços intelectuais:
O gostar, até pode ser, mas você tem uma preferência maior por alguns, exatamente com aqueles meninos que são mais carinhosos com você, aqueles que mostram esse carinho através do (sic) fazer todas as atividades sem te (sic) atrapalhar; agora, nem por isso a gente (sic) deixa de gostar daqueles e de demonstrar carinho àqueles que mais precisam, né? (sic). (Entrevista, professora Patrícia).
A afirmação da professora de que tinha preferência por aqueles alunos que a
acarinhavam por meio da realização de atividades e sem atrapalhá-la, esclarece-nos
a sua predileção pelos alunos que cumpriam os seus ofícios.
Em consulta ao diário de classe da professora dessa turma, verificaram-se
registros individuais a respeito dos alunos. Os adjetivos que ela utiliza para
descrevê-los pareciam delimitar três grupos: o de melhores alunos, o de alunos
intermediários e de alunos mais fracos. Esses grupos foram identificados por Sirota
(1994), em sua pesquisa. Os professores diferenciavam os bons e maus alunos
pelas condutas, nas quais os bons alunos interagiam espontaneamente e com
intervenções insistentes. Ao passo que, no grupo dos maus alunos, os
desligamentos, deslocamentos, conversas e intervenções aconteciam de modo
bastante diferenciado do outro grupo.
No diário de classe da turma, a professora Patrícia descreve os alunos mais
fracos com adjetivos, como:
O aluno é muito lento, não tem compromisso com as tarefas de casa e seu comportamento em sala de aula não está bom. Possui muita dificuldade em ortografia, produção de texto e matemática, ficando, assim, com necessidade de grande melhora em tudo; desatenta, não faz todas as tarefas de casa, não tem capricho com suas atividades, sem compromisso; pouco esforçado, desenvolvimento lento. (Diário de classe, professora Patrícia).
Os alunos intermediários recebem as seguintes qualificações:
O aluno é muito capaz, mas não tem compromisso com os estudos. É um bom aluno, apesar de faltar às vezes com o capricho e compromisso com suas atividades. A aluna é muito apática, não participa das aulas, é muito tímida, seu desenvolvimento está bom. Precisa se esforçar e estudar mais para melhorar naquilo que necessita. Seu processo de formação é bom. (Diário de classe, professora Patrícia, grifos nossos).
Para os melhores alunos, prevalecem os elogios:
O aluno é ótimo! Está além da turma. É participativo, atento e muito responsável. Seu processo de formação é ótimo. Tem capacidade, é responsável, participativo, dedicado e muito atento, se (sic) desenvolve muito bem. (Diário de classe, professora Patrícia).
Refletindo sobre conceitos atribuídos a grupos de alunos, à luz de Sirota
(1994, p. 63), supomos que “o fato de alguns comportamentos serem próprios aos
bons alunos, implica, é verdade, que esse tipo de comportamento é, no mínimo,
admitido pelas professoras e talvez até mesmo valorizado”. Postic (1995) é enfático
ao discutir que o processo de aprendizagem dos alunos é individual, ou seja, cada
aluno tem seu tempo e características próprias. Com isso, pretende indicar a
importância de se conhecer a lógica do aluno, além de lhe propiciar oportunidades
para a interiorização de conhecimentos. Observa ainda que alunos, ao enfrentarem
dificuldades de aprendizagem e interpretação, participam menos dos diálogos
pedagógicos e respondem menos ao professor. Assim como foi constatado por
Sirota (1994), que, apesar de os professores provocarem os alunos menos bons, em
contrapartida, eles respondem menos a esses alunos.
Depreende-se dessas prescrições a percepção da professora em relação aos
alunos que interferirá nas interações que eles estabelecem nas situações de aula.
Talvez isso explique o porquê de Maria Angélica, Ana e Joana não serem as alunas
freqüentemente escolhidas pela professora para lhe prestarem favores, apesar de
oferecerem ajuda repetidas vezes. No diário de classe da professora, as três alunas
que protagonizaram cenas de estratégias de conquista de carinho receberam
adjetivos que as categorizaram no grupo de alunas médias, assim como Sirota
(1994) identificou em sua pesquisa.
Maria Angélica: “A aluna é responsável, mas desatenta, apresentando
defasagem na ortografia. Se (sic) desenvolveu bem neste bimestre, mas
precisa melhorar muito ainda. Nas matérias de estudo não foi bem.”
Ana: “É uma aluna muito boa, faltou-lhe atenção aos estudos na disciplina
Geografia/História. É capaz, participativa e com processo de formação
muito bom.”
Joana: “Aluna é participativa, um pouco responsável e tem capacidade,
mas precisa se esforçar mais. Falta estudo e maior atenção nas
realizações das atividades. Seu processo de formação é bom”.
É interessante perceber que, enquanto essas alunas precisavam se
empenhar e criar estratégias para conseguir a atenção da professora, os alunos
classificados como ótimos eram freqüentemente solicitados pela professora Patrícia,
sem despenderem esforços. Estes, por sua vez, respondiam a ela, mas sem
demonstrações de afeto físico, seguindo o exemplo da professora. Pedro percebeu
que a professora tinha suas predileções na turma e expressou isso na entrevista.
Quando perguntado: “Você acha que tem algum aluno na sala de aula que recebe
mais elogios?”, ele respondeu: “Tem. O André, o Ricardo, a Camila, a Maria Clara”.
Émile e Eurídes também se manifestaram: “assim, tem uns que recebe (sic) mais, né
(sic)? Tem uns (sic) que ela gosta mais, tem uns (sic) que ela não gosta [...]”, mas
não quiseram citar nomes. Os demais entrevistados demonstraram insegurança
para conversar sobre o assunto. Aparentando dúvida, de cabeça baixa ou com os
olhos voltados para o chão, optaram por responder “não” [Maria Angélica, Sueli
(menino) e André]. Os gestos, o silêncio e a expressão das crianças diante dessa
pergunta demonstram restrição ao princípio de expressabilidade, conforme Searle
(1981), por não disporem, suficientemente, dos elementos expressivos da língua;
pela dificuldade própria da inexperiência em entrevista; ou pelas raras oportunidades
de se expressarem. Outros alunos foram enfáticos: Maria Clara: “Todos são iguais”;
Marcos: “Ah, não sei, não; professor é assim, uai (sic). Trata todo mundo do jeito
que ela tá (sic) tratano, (sic) uai (sic)”; Andréia: “Não. Isso não tem, não. Ela trata
todo mundo do mesmo jeito. Do mesmo jeito, ela trata todo mundo”.
Outro aspecto relevante nessas respostas, aparentemente neutras, refere-se
aos significados partilhados e exercitados na interação com a professora que exigia
respeito dos alunos a sua autoridade pedagógica (WOODS, 1999). Além do mais, as
respostas, em sua totalidade, mostraram-se coerentes com a realidade observada
na turma. Em algumas situações das aulas, os alunos recebiam um tratamento
diferenciado; em outras, não. Com certa freqüência, os melhores alunos recebiam
um tratamento diferenciado da professora, mas, em determinadas situações, eles
obtinham dela a mesma atenção que os demais. Na entrevista, a professora expõe
uma estratégia de interação para lidar com as diferenças dos alunos.
Porque, por exemplo, se eu der o selinho sempre para quem terminar primeiro, o André vai ganhar, o Roni vai ganhar e a Maria Clara, sempre – são os três que terminam primeiro. Então, eu vario, por exemplo, uma hora é quem terminar primeiro, outra hora é quem acertar tudo, outra hora é quem fizer mais caprichado, quem fizer mais bonito. Tem o selinho de quem fizer mais caladinho, fazer com mais silêncio. Porque, por exemplo, o André, ele termina primeiro, mas ele não consegue fazer tudo caladinho. Ele é um menino mais, né, (sic) falante, a Maria Clara também, então, nesse ponto, ele não vai ganhar. Então, eu procuro dar atividades que, é, (sic) vão previlegiar (sic) várias coisas (sic), cada vez uma coisa (sic) diferente, para ter oportunidade de todos ganharem. Por exemplo, esse mês de maio eu não contei os selinhos ainda, porque eu (sic) tô (sic) faltando xerocar uns pra (sic) entregar. Provavelmente, quem vai ganhar é a Vanessa. Então, quer dizer, a Vanessa, (sic) não é a melhor aluna em aprendizagem, mas é uma ótima aluna em interesse, em compromisso, em disciplina. Então, ela merece ser premiada. Então, eu acho que quem vai ganhar é ela. (Entrevista, professora Patrícia).
Pela argumentação da professora nesse depoimento, a sua intenção na
distribuição do selinho, premiação mensal aos alunos que se destacam na turma,
não era apenas premiar os melhores alunos, mas dar chances a todos os alunos de
conseguirem o selinho, pela valorização de habilidades múltiplas na turma. No
entanto, Sirota (1994) e Forquin (1995) alertam para o risco de os fracassos
escolares serem conseqüências de desastres relacionais entre professores e alunos.
Sirota (1994) pôde constatar, em uma turma heterogênea de “bons, médios e
maus alunos”54, uma diferenciação no tratamento dos professores: os bons alunos
recebiam mais atenção e suas questões eram esclarecidas em maior número, em
comparação aos outros alunos. Observa-se nos estudos de Sirota (1994) que as
discrepâncias maiores infundem-se entre os bons e maus alunos, tendo em vista
que as intervenções solicitadas pelos professores ou expressas espontaneamente
ocorrem com uma incidência muito menor no grupo dos maus alunos. Além disso,
estes demonstravam ser mais distraídos, participavam menos nas aulas e eram
menos atendidos pelo professor. Segundo Sirota (1994), os maus alunos parecem,
sobretudo, abrigar-se em um outro universo de pensamento, ou em outra atividade,
cujas atitudes representam uma oposição à conversa espontânea com o professor,
ou aos pedidos de intervenção mais formais.
Em análise dos resultados das pesquisas realizadas por Cicourel e Mehan,
Forquin (1995) observa que a classificação dos alunos em níveis diferenciados
pressupõe que o atendimento do professor volta-se mais aos alunos que têm menos
54 Categorias utilizadas pela autora: bons alunos – modo de comportamento eficaz na aquisição de
aprendizagem e saber, contrário ao comportamento dos maus alunos.
necessidade de ajuda. Nessa turma, os alunos mais solicitados pela professora são
André, Ricardo e Maria Clara, que recebem as seguintes caracterizações no diário
de classe de Patrícia:
André: “O aluno é ótimo! Está além da turma. É participativo, atento e
muito responsável. Seu processo de formação é ótimo.”
Ricardo: “O aluno é muito esforçado, compromissado e participativo. Tem
um pouco de dificuldade ortográfica, mas com sua dedicação tem
conseguido melhorar. O processo de formação é ótimo.”
Maria Clara: “A aluna é ótima, participativa, responsável e dedicada, com
ótimo processo de formação.”
Para os seus amigos de turma, esses alunos eram considerados exemplos.
1. Émile – “A Maria Clara, tem (sic) vez que ela responde mais trem (sic). Ele
também responde, o André, sabe?”
2. Maria Angélica – “(sic) Todos eu gosto.”
3. Maria Clara – “Ah, o André, o Roni, o Ricardo, a Ana, a Rosana... a
Adriana, as menina (sic) da sala e os menino, (sic) só os bão (sic).”
4. Andréia – “Uma das meninas mais adiantadas é a Maria Clara, e dos
meninos, o Roni e o André.”
5. Sueli (menino) – Ele realçou “o bom comportamento de André, Maria
Clara, Rosana, Viviane, Joana, Marcone e Roni” como exemplos para ele.
6. Marcos – Cita “o André e a Maria Clara. Ah, eles é (sic) muito mais melhor
(sic) pra (sic) mim. Ah, eles têm respeito (sic) com a gente.”
7. Eurídes – “Ah, tem uns bom, (sic) médio, (sic) rui (sic).”
8. Pedro – Ele seleciona os melhores alunos: “o André... e a Maria Clara.
Eles escreve (sic) tudo e num (sic) falta, num (sic) falta (sic) nenhum um dia.”
9. André – Citado pela maioria dos amigos, tem admiração por “Ricardo”.
Os nomes de André e Maria Clara foram reincidentes na fala de seus amigos
de turma, assim como nas solicitações da professora. Apesar de não terem sido
observadas demonstrações físicas de carinho da professora para com os alunos,
elas vigoraram no universo simbólico. Por exemplo, tornou-se comum para Patrícia
solicitar sempre a esses alunos para assumirem atividades que demandavam
responsabilidade, como ir à secretaria, à cantina, transmitir recados ou mesmo
“vigiar” a turma, anotando nomes dos que estivessem atrapalhando a aula
(PANIAGO, 2005). Certa vez, a professora pediu a Maria Clara para entregar uma
matriz à professora da sala ao lado, em um dia em que não haviam sido escolhidos
os ajudantes. No entanto, no momento de recolher os livros de histórias nas
carteiras dos alunos, a professora optou pela ajudante do dia anterior (Letícia).
Patrícia também pediu a André para recolher folhas, ao invés de a Tales, o ajudante
do dia anterior, o que acontecia quando não eram escolhidos os ajudantes do dia.
Bourdieu (2006, p. 134) é enfático: “falar de um espaço social, é dizer que se
não pode juntar uma pessoa qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as
diferenças fundamentais, sobretudo econômicas e culturais”. Nesse sentido,
percebe-se, com base nesse autor, que a posição do agente e o poder que a ele é
conferido dependem da abundância de capital cultural que ele possua. Confirmando
essa visão, Forquin (1995) aponta que o indivíduo na coletividade é um ponto de
vista, que, somado a outros, pode formar classes ou grupos com interesses comuns.
E isso pode ocorrer na sala de aula: os alunos tendem a se agrupar com colegas
que compartilham um capital cultural comum. Da mesma forma, segundo Postic
(1995), o professor parece conceder mais atenção aos alunos com os quais ele se
identifica, com a ressalva de que esses agrupamentos não estarão isentos de
cisões.
É provável que a confiança que a professora depositava em André e Maria
Clara fosse decorrente de um processo interacional bem-sucedido, a ponto de eles
assumirem uma posição desejada por muitos alunos – os alunos ótimos e
preferidos. Assim, os outros alunos passaram a admirá-los em decorrência da
admiração da professora e da capacidade de manutenção desse lugar no espaço
social. André e Maria Clara vinham correspondendo a tais expectativas, o que
centralizava a preferência da professora por eles. Salientamos, portanto, que, em
certa medida, a predileção parecia estar ligada à expectativa da professora, pois, em
certa ocasião, Maria Clara contrariou a professora e mesmo assim ela não perdeu o
posto de confiança que mantinha.
Na ocasião da excursão dessa turma à Associação dos Catadores de Lagoa
da Prata (ASCALP), tão logo a professora e os alunos regressaram à Escola, o sinal
de término do recreio soou. Sem recreio, os alunos permaneceram um período
sozinhos na porta da sala de aula, esperando a professora lanchar – cerca de cinco
minutos. Eles, principalmente os meninos, brincavam de brigar e pular. Marcos,
Nélio e Roni eram os mais agitados. Marcos dava cambalhotas, caía, às vezes
parecia ter se machucado, mas não se entregava, continuava com a agitação. A
pesquisadora, que se pôs a observar os alunos até o retorno da professora, notou
que a supervisora, mesmo estando no corredor conversando com outra professora,
não se incomodou com a algazarra desses alunos nem se disponibilizou a ficar com
eles até o retorno da professora à sala de aula. Assim que os alunos avistaram a
professora vindo em direção à sala, gritaram: “a professora!” e “a dona Patrícia!” –
como um aviso aos colegas de que já era hora de pararem com a confusão.
Enquanto eles entravam na sala, sem mesmo formarem fila, a pesquisadora se
dirigia à sala dos professores. Ao chegar lá, encontrou Maria Clara, na sala da
diretora, enredando o fato de Marcos ter ‘aprontado’ naquele intervalo de tempo. A
diretora não lhe deu atenção e Maria Clara correu para a sala de aula. A
pesquisadora a acompanhou e, do corredor, pôde ouvir o xingamento da professora
que parecia estar enfurecida com os alunos. Ela não admitia que Maria Clara ou
qualquer outro aluno fosse à diretora relatar fatos inerentes à sala de aula. A
professora repetiu uma frase já enunciada em outras situações: “Aqui na sala eu sou
a autoridade”. Pela importância atribuída por Patrícia a essa situação, Maria Clara
poderia ter sido destituída da posição de responsabilidade que sustentava perante a
professora, não fosse a forte expectativa da professora que Rosenthal e Jacobson
(1969) argumentam funcionar como uma profecia auto-realizadora (RASCHE;
KUDE, 1986).
André e Maria Clara voltaram a protagonizar uma cena que demonstra a
predileção da professora. Em um determinado dia, na Semana da Alimentação, foi
programada uma atividade em que toda a turma levaria frutas para a escola, a fim
de ser preparada uma salada. A pesquisadora e a professora prepararam a salada
no período em que os alunos estavam na aula de Educação Física. No momento de
servi-la na sala de aula, André e Maria Clara foram solicitados a irem à cantina para
apanhar o caldeirão com a salada. A pesquisadora ofereceu ajuda à professora,
pois, além de o caldeirão estar demasiadamente pesado, aqueles alunos teriam de
também providenciar os copos e talheres, o que lhes exigiria diversas idas à cantina.
A resposta da professora soou defensiva: “Não, pode deixar, eles são responsáveis”.
Ao perceber que a professora não compreendera a sua intenção, a pesquisadora
explicitou a ela o motivo de sua preocupação, convencendo a professora a permitir
auxílio a André e Maria Clara. Nesse mesmo dia, Patrícia pediu a esses alunos que
oferecessem uma porção da salada à diretora, à supervisora, à eventual, à
psicopedagoga e às serventes escolares. André e Maria Clara não eram os
ajudantes do dia, o que tende a reforçar a crença da professora em conceder aos
alunos “responsáveis” atividades de maior responsabilidade. Os ajudantes do dia,
Luís e Luana, estavam classificados no diário de classe como maus alunos. Com a
alegação de que Maria Clara e André eram os alunos mais ágeis da turma, a
professora sempre os escalava para auxiliarem nas tarefas escolares, privando os
alunos menos ágeis de se exercitarem nesse aspecto.
Vários acontecimentos possibilitaram a observação de demonstrações de
predileção da professora por determinados alunos, os quais pertenciam ao grupo
dos melhores. Os alunos médios recebiam menos atenção que os primeiros e mais
atenção que os mais fracos. Em um desses episódios, a professora apagou o
quadro de giz, que estava repleto de matéria, para continuar a prescrever atividades
adicionais. Renata reclamou com a professora, pois ela estava copiando justamente
a frase que fora apagada. A professora lhe respondeu que não se importava, porque
Renata estava conversando, acrescentando que lamentava o fato, pois ela era uma
boa aluna. Renata estava classificada no diário de classe como “um pouco
desatenta, necessitando se esforçar mais para atingir os objetivos de estudo em
todas as disciplinas”. Instantes depois, a professora demonstrou ter se arrependido
de sua rispidez: antes de apagar o quadro, sempre consultava a aluna para se
certificar de que não lhe causaria transtornos.
Ao analisar os cadernos de avaliação dos alunos referentes à primeira
avaliação do ano, no primeiro semestre de 2006, a pesquisadora observou que uma
mesma questão fora avaliada diferentemente pela professora. Joana obteve um
sinal de errado para a questão e Moisés, um ponto de interrogação. Certa vez, a
professora demonstrou descontentamento com Moisés, que, segundo ela, é “um
aluno exemplar”, mas que não havia levado o dever de casa pronto. A fala da
professora demonstrava que Moisés era um bom aluno e não precisava ficar sem
recreio para fazer o dever, pois poderia tê-lo feito em casa. Disse a Moisés que
sabia do histórico dele no ano passado – repleto de faltas e ocorrências de mau
comportamento – mas que naquele ano ele havia melhorado muito.
Outro aluno, Ricardo, sofre de diabetes e por isso é alvo de atenção especial
da professora, tanto nos cuidados com a alimentação, quanto nas demais atividades
corriqueiras da sala. A professora, sempre atenta, um dia observou que Ricardo
levara um lanche diferente do habitual e o questionou a esse respeito. Ele lhe
respondeu que a nutricionista havia liberado outros tipos de alimentos para ele. Além
desta, foram observadas outras atitudes, como na Semana da Alimentação, quando
eles iriam preparar a salada de frutas. A professora perguntou a cada aluno qual
fruta poderia levar. Quando chegou a vez de Ricardo, a professora demonstrou sua
preocupação. Combinou com ele que a sua porção seria reservada antes de
adicionarem leite condensado à salada. Ele comentou que também não podia comer
laranja. Ela, então, reafirmou: “sem leite condensado e sem laranja”. A prática do
cuidado, segundo Carvalho (1999), é peculiar aos primeiros anos de escolarização e
tende a ser cada vez mais amena, na medida em que o aluno avança nos níveis de
escolaridade. O que, segundo Cardoso (2001), parece ocorrer, mais
freqüentemente, com as professoras, pelo fato de o magistério ser uma profissão
ocupada majoritariamente por mulheres, principalmente quando se trata das séries
iniciais do Ensino Fundamental.
A mãe de Ricardo também demonstrou preocupação com o preparo da
salada de frutas, pois esteve à porta da sala de aula para relembrar à professora
que laranja e açúcar estavam proibidos na alimentação de seu filho. A professora
garantiu que não se esqueceria disso e que já havia comentado com Ricardo que
sua porção seria separada. Em outro momento, a professora demonstrou
perplexidade com a atitude dessa mãe, uma vez que, em sua opinião, não havia
necessidade dessa preocupação. Perrenoud (1995), Carvalho (1999) e Cardoso
(2001) argumentam que o magistério é uma profissão que exige bastante, pois
requer afetividade, responsabilidade, cuidado e, sobremaneira, o aspecto relacional.
Além disso, o trabalho pedagógico depende da ação coletiva de vários professores e
de todos os atores envolvidos no cotidiano escolar. Demonstrar afeto é, antes, um
ato pedagógico inegável e de importância decisiva para o estabelecimento de
vínculos entre professor e aluno.
As trocas de experiências, vivências e saberes entre professores e alunos e
suas respectivas relações, com o conhecimento gestado na sala de aula, não dizem
respeito apenas aos conteúdos disciplinares. Na perspectiva de Young (1982), o
conhecimento que o professor tem de seus alunos também favorece o
desenvolvimento da comunicação pedagógica.
Certa ocasião, a professora convidou os alunos para um ensaio teatral fora da
sala de aula e prometeu que os alunos de melhor comportamento distribuiriam
alguns convites para ela. A pesquisadora observou que, quando a professora
chamava à atenção Ricardo, ela dizia: “Eu gostaria muito que você distribuísse os
convites para mim”, ou seja, a sua intenção de permitir a ele distribuir os convites
poderia ser mantida se ele parasse de conversar. Entretanto, a Marcos ela
declarava: “Desse jeito, você vai ficar na sala sem ensaio”. A grande diferença no
tratamento dispensado a um e a outro aluno reside no fato de que o bom
comportamento de Ricardo seria recompensado com a distribuição de convites, não
havendo, entretanto, punição para um comportamento não desejado. Para Marcos,
porém, não só não haveria recompensa, como ainda seria punido com a sua
eliminação do ensaio.
Em outro momento, a professora argüia os fatos matemáticos, oral e
aleatoriamente. Dentre os alunos posicionados do lado direito da sala, perguntou a
Letícia e a Ricardo; do lado esquerdo, a Antônio, a Adriana e a Caio. Letícia parecia
estar intimidada e demorou muito a responder. A professora a repreendeu, dizendo
que ela precisava decorar os fatos, caso contrário, não seria aprovada. Ricardo
também demorou a responder, todavia, obteve mais tolerância da professora.
Antônio, Adriana e Caio, que demoraram o mesmo tempo que Ricardo para
responder a um fato, foram alertados pela professora: “está bom, mas precisa
melhorar”. Segundo Perrenoud (1995, p. 64), o “jogo da seleção” implica dizer que
se os alunos não aprenderem seu ofício, eles sairão em desvantagem em relação a
outros alunos que desempenharem bem seus papéis. Perrenoud (1995, p. 121), no
entanto, discute que “cada professor tem sua forma de organizar o trabalho dos
alunos”, porém, algumas regularidades podem ser identificadas. O mesmo ocorre no
ofício de aluno, que não é igual para todos, porém, ambos têm regras a cumprir
(PERRENOUD, 1995).
Ricardo, Roni, André e Maria Clara, mais uma vez, surgem como alunos
escolhidos para tarefas que exigiam responsabilidade. Quando da única excursão
realizada pela turma à Associação dos Catadores de Lagoa da Prata (ASCALP),
esses alunos levaram perguntas formuladas em sala para a coordenadora da
Associação. A escolha desses alunos não foi aleatória, pois significava para a
professora uma apresentação à “platéia” presente (GOFFMAN, 1975) dos bons
resultados do trabalho desenvolvido por ela.
No entanto, Marcos, que não fora selecionado, viu-se tomado por uma
curiosidade espontânea e sem coragem de perguntar em voz alta, pediu à
supervisora que formulasse a pergunta por ele. Perrenoud (1995) alerta para o risco
de o pensamento crítico e criativo ser menos valorizado que a ordem e a eficiência,
no ofício do aluno, como nessa situação. Nessa mesma perspectiva, Postic (1984)
retoma o conceito de “estatuto” – que designa o lugar ocupado por um indivíduo na
sociedade – para discutir o estatuto do professor e o estatuto do aluno. Esse autor
critica os tipos de relações centradas no ensino, pois, assim, deixam de ser
considerados os alunos como atores no processo ensino-aprendizagem, o espaço
institucional e o meio social que eles representam.
Mesmo não tendo sido escolhido, pelo fato de a interação entre Marcos e a
professora ser marcada por conflitos, Marcos informou ter convidado a professora
para assistir a uma partida de futebol da qual participaria. Com isso, demonstrava
sua estima pela professora: “Quando eu jogava futebol, eu falei pra (sic) dona
Patrícia pra (sic) ela ir lá, mas ela não foi não. Eu falei pra (sic) ela que era ali, aí
depois, eu falei pra (sic) ela que era no Chico Miranda, ela não foi não.” (Entrevista,
aluno Marcos).
A professora, apesar dos conflitos existentes, reconhecia a capacidade
intelectual desse aluno:
[...] o Marcos tem muita capacidade, o Marcos é muito inteligente, só que ele não aproveita, não tem interesse, né? (sic) Falta de estrutura familiar, como nós já falamos, falta de motivação, né, (sic) é difícil identificar o que que (sic) ocasiona tudo isso. Na verdade, a gente sabe que são muitos fatores. (Entrevista, professora Patrícia).
As diferenças no tratamento dispensado aos alunos dessa turma, face à
predileção e ao desafeto, incidem em outra estratégia recorrente nas interações
entre os atores escolares – o uso de rótulos.
Rótulos como estratégia de jogo escolar na interação entre professora e alunos
Keddie (1982) mostra, em sua pesquisa, a distribuição das crianças na sala
de aula e a rotulação como conseqüência dessa distribuição. As crianças eram
separadas em grupos A, B e C, categorizados de acordo com suas capacidades
cognitivas e comportamentos em sala de aula. A autora observou que os
professores se identificavam mais com as crianças do grupo A e atribuíam às do
grupo C os comportamentos inadequados ou inapropriados.
O comportamento dos alunos era avaliado com base em juízo social, moral e
intelectual, constituindo “rótulos” sobre o caráter dos alunos, como: “brilhante”,
“aplicado”, “lento”, “cretino”, “palhaço”. Os critérios classificatórios dos professores,
preconizando o aluno ideal55, ocorreram tanto no “contexto educativo” (fora da sala
de aula), quanto no “contexto do professor” (na sala de aula). Na escola observada
por Keddie (1982), a “classe social” também era uma dimensão considerável na
definição do rótulo e da interação professor-aluno, contrariamente ao que a autora
defendia: a escola como um espaço de união, em que se deveria prezar pela
redução das diferenças. Assim, Keddie (1982) denomina de “contexto do professor”,
nessa escola, a legitimidade que o professor tem para classificar os seus alunos,
mesmo que o seu conhecimento sobre determinado aluno esteja em desacordo com
a classificação de outros colegas. Segundo Keddie (1982), a classificação tende a
acompanhar as crianças até os estágios mais avançados de escolarização e essa
marca torna-se incontestável por estar impressa em seu histórico escolar.
Houve momentos, na turma da Fase IV investigada, em que a professora se
colocava como exemplo para os alunos; assim, ela reconhecia seus defeitos e erros,
mostrava-se disposta a melhorar a cada dia, mas, segundo ela, havia o mais
importante, o respeito aos outros:
Aqui na sala vocês nunca me viram desrespeitar os outros, a mãe dos outros. Eu não quero que apelidos desse nível aconteçam de novo na sala. Eu não dou esse exemplo, portanto, não quero que vocês façam mais isso. (Professora Patrícia, diário de campo, 19 abr. 2006).
Em decorrência de implicâncias e apelidos aplicados entre os amigos de
turma, a professora geralmente intervinha de alguma forma, por meio de preleções e
exemplos, exigindo que os alunos se retratassem um com o outro.
No entanto, os apelidos na turma eram comuns, tanto por parte da professora,
como por parte dos alunos. Foram registrados, por exemplo: “perereca ambulante”
(em referência a um aluno considerado homossexual pelos colegas de turma); 55 De acordo com Keddie (1982), o conceito de aluno ideal foi criado por H. Becker. Keddie se
apropria desse conceito para especificar o aluno que sabe agir politicamente e ter atitudes críticas frente à realidade.
“jararaca” (por metáfora: pessoa má, traiçoeira ou geniosa); “bebezão” (em
referência àqueles que se molhavam ao tomarem água no bebedouro); “gago” (em
depreciação a um aluno que sofria de gagueira); “tagalera” (sic) [quando se quis
dizer que o aluno era tagarela]. O aluno que recebeu esse último apelido contestou –
não o apelido e sim a pronúncia –, corrigindo o colega: “É tagarela!” Para ele,
importava mais a forma correta de pronúncia do que o revide ao apelido
propriamente dito. Maria Clara lamentou o apelido que recebeu: “Ah, es (sic) fica
(sic) me chamando de jararaca, faz (sic) umas (sic) pegadinha (sic)...” (Entrevista,
aluna Maria Clara). Como conseqüência dos apelidos empregados, ouviam-se
sempre gargalhadas na sala de aula. Nem todos os apelidos geravam aversão,
como percebido entre duas alunas – Joana e Maria Angélica. Essa última, tratada
pelo seu nome no diminutivo, não demonstrou insatisfação e se divertia dizendo:
“Danou (sic) me chamar de Mariinha.” (Aluna Maria Angélica, diário de campo, 10
abr. 2006).
Os alunos relatavam esses acontecimentos à professora e recorriam a ela
como o auxílio moral de que eles dispunham. No entanto, no mesmo dia em que a
professora os exortou a não pronunciarem apelidos na sala, pedindo aos alunos que
seguissem o seu exemplo, ela ameaçou chamar Douglas de “papagaio”, caso ele
não parasse de conversar. Entretanto, nem Douglas nem os demais alunos
questionaram a professora por isso.
Os estigmas, na visão de Coulon (1995b), podem influenciar o estigmatizado,
a ponto de o seu comportamento tornar-se coerente ao rótulo. Rivaldo pode ter
assimilado isso, quando se descreveu: “Eu sou burro!” Nervosa, a professora
retrucou: “Então, você está no lugar errado, porque aqui só tem gente, e burro é um
animal.” (Aluno Rivaldo; professora Patrícia, diário de campo, 22 mar. 2006)
Muitas vezes, a forma de correção que a professora utilizava demonstrava e
reforçava estigmas. Em uma dessas situações, a professora repreende Marcos,
argumentando que a pesquisadora havia elogiado a turma no dia anterior e que ela
(a professora) não queria atribuir o bom comportamento da turma naquele dia à
ausência dele à aula, pois isso não seria bom para ele. Em outro momento, a
professora rasga a folha do caderno de Antônio, ao constatar que o aluno havia
saltado um espaço desnecessário entre duas atividades. No mesmo dia, a
professora alertou Marcos de que ele só iria aprender quando ela arrancasse a folha
do caderno dele e o mandasse fazer tudo de novo, com capricho, letra bonita e
atenção (Diário de campo, 05 abr. 2006).
Em outra situação, a professora está trabalhando uma receita culinária na
aula de Português. A professora direciona uma pergunta aos alunos: “Para que
serve?” Diante da resposta de uns alunos – “para comer” –, a professora ironiza:
“Vocês comem receita?” Ouvem-se risos. Então, um aluno responde o que a
professora gostaria de ouvir – “para fazer” – e ela o parabeniza por isso e escreve
no quadro de giz: “A receita serve para indicar, informar, como se faz um
determinado tipo de prato na cozinha.”
Essas situações de aula nos incitam a questionar as sutilezas da seleção e
exclusão engendradas no interior da sala de aula pelo trabalho interacional
professora-alunos e alunos-alunos (COULON, 1995b; KEEDIE, 1982). Delamont
chama a atenção para a dimensão de poder presente nas situações sociais que
pode constranger os atores da cena de aula a agirem conforme a intenção do outro,
a despeito das interpretações alheias (DELAMONT apud RESENDE, 2003).
Uma situação específica revelou a intolerância da turma ao aluno recém-
chegado à escola, que demonstrou desconhecimento das regras do jogo imanentes
a essa turma. Em uma das aulas, a professora comunica que no dia seguinte eles
iriam preparar uma salada de frutas. A curiosidade de Rivaldo, o aluno novato,
levou-o a questionar se a salada era de verdade ou de “mentirinha”. A professora
retrucou: “Tem como comer salada de fruta de plástico? Você come?” A risada da
turma ressoou imediata. Relacionando esses excertos de aula às informações
coletadas por Keddie (1982) é possível perceber que as desigualdades educacionais
penetram as escolas e as salas de aula também por meio dos tipos de interações
estabelecidas. Essas interações podem condicionar os atores escolares, a tratar
com desrespeito o outro com o qual se interage e atribuir-lhe características
pejorativas com base nas falas, comportamentos, posição social e desenvolvimento
cognitivo próprios de cada um.
A pesquisadora observou que nas situações em que as provocações partem
diretamente da professora, na interação com Rivaldo, ele não se exaspera, apenas
fixa o olhar em algum ponto e finge não ter percebido nada; ao contrário de quando
a implicância parte de seus amigos de turma. Se a professora está distraída, ele a
trata por apelido, sem ser percebido. A menos que algum de seus colegas perceba,
como aconteceu com Sueli (menino), que denunciou Rivaldo por ter apelidado a
professora, fazendo uso de um adjetivo em trocadilho com o seu nome verdadeiro. A
professora fingiu não ter ouvido o comentário. A esse respeito Delamont e Hamilton
(1997) entendem que os atores submissos a um poder nem sempre permanecem
passivos a ele, como nessa situação e em uma outra protagonizada por Marcos e
Tales – eles brincavam de imitar a professora com gestos, entonação de voz e
feições nervosas, repetindo frases por ela pronunciadas; porém, essas frases não
tinham o poder simbólico que as da professora tinham, nesse contexto (BOURDIEU,
2006).
A autoridade pedagógica da professora apresentava-se no seu “habitus
professoral”. Eram percebidas estratégias de interação que primavam pela
manutenção dessa autoridade docente e do poder simbólico que ela sustentava e
exercia.
Autoridade pedagógica como estratégia docente
A autoridade do professor é um tipo de poder “que se manifesta sob a forma
de um direito de imposição legítima, reforça o poder arbitrário que a estabelece e
que ela dissimula” (BOURDIEU e PASSERON, 1974, p. 27). Essa autoridade é
legitimada também pela escola, pelo poder que lhe é socialmente conferido, no
exercício do magistério. Bourdieu e Passeron (1974) reconhecem os professores
como representantes legítimos da cultura legítima. Nesse mesmo raciocínio, os
autores enfatizam que a autoridade pedagógica tem precisamente, por efeito,
assegurar o valor social da ação pedagógica.
Geer (1983) considera a instituição escolar vantajosa para os professores, por
se constituir em um ambiente propício ao controle da ordem, da avaliação, do
disciplinamento dos alunos e pelo apoio pedagógico recebido. Nas palavras desse
autor, “o professor tem a vantagem de jogar em casa” e quase sempre tem a vitória
a seu favor, em caso de conflitos com os alunos (GEER, 1983, p. 193).
Nas aulas, a professora Patrícia apresenta geralmente uma fisionomia séria e
compenetrada, e uma hexis corporal56 (Bourdieu, 2003c) rígida, embora receptiva;
pouco afetuosa, porém flexível; severa, mas parece discernir as situações em que
deve esboçar o seu sorriso singelo. Ela reconhecia sua autoridade pedagógica e,
por várias vezes, mencionava e demonstrava isso.
Na primeira situação, temos em cena a professora passando pelas carteiras,
vistoriando os cadernos de dever, prática que acontecia sempre nos momentos em
que os alunos estavam envolvidos em alguma atividade. Patrícia percebe que a mãe
de um aluno havia resolvido os exercícios para ele, certifica-se disso com o aluno
Marcone e convoca a atenção de toda a turma para esse fato, que ela considerou
inaceitável. A professora Patrícia enfatiza a sua autoridade para a turma com
impostação de voz enérgica, feição séria e postura firme, em meio ao silêncio e
atenção que imperam na sala de aula. Durante toda a preleção, Marcone mantém-se
de cabeça baixa e não emite opinião. No caderno dele foi registrado um recado da
professora, solicitando que a mãe não fizesse mais o dever para ele e, ao mesmo
tempo, um agradecimento pela compreensão (Diário de campo, 19 abr. 2006).
Percebe-se na postura corporal, na entonação de voz, tanto da professora quanto
dos alunos, que, como diz Bourdieu e Passeron (1974, p. 32-33), a autoridade
“condiciona a recepção da informação e, mais ainda, o cumprimento da ação
transformadora capaz de transformar essa informação em formação”.
Berger e Luckmann (1985) apontam a interação face a face como a mais
bem-sucedida das interações, porque só ela possibilita a interpretação das várias
expressividades do outro. Nesse acontecimento, os alunos perceberam que a
professora estava aborrecida, não só pelo que proferia, mas também pelo modo
como agia e se expressava. Da mesma forma, a professora percebeu que a sua
retórica, naquele momento, surtiu o efeito esperado e citou, em outras ocasiões, o
acontecimento do dever de Marcone para reafirmar a sua autoridade: “Aqui, mando
eu. Aqui, eu sou a autoridade. Na casa de vocês, quem manda é a mãe, a vó (sic)...
Na rua, vocês fazem o que quiserem, mas aqui, não.” (Professora Patrícia, diário de
campo, 19 abr. 2006; 30 maio 2006).
56 A hexis corporal é a exteriorização das disposições do corpo interiorizadas inconscientemente pelo
indivíduo ao longo de seu percurso no tempo/espaço. A hexis corresponde às posturas, ao modo de falar, de gesticular, de olhar e de andar dos agentes sociais.
Muito embora concordemos com esses autores sobre a relevância da
interação face a face, houve registros de situações em que a interação não implicou
esse contato. Patrícia, de costas para a turma, prescrevendo atividades no quadro
verde, ouviu o som emitido por uma aluna que batia com o lápis nos pés de sua
carteira. Sem olhar para trás, só de ouvir o barulho, repreendeu a aluna, Renata.
Admirada, outra aluna, Joana, disse: “A tia parece que tem olho atrás!” (Diário de
campo, 21 mar. 2006). Essa frase provocou um breve sorriso na professora, que
deixou transparecer satisfação pela observação de Joana – frase que soou como
gratificação pelo esforço e competência desempenhados pela professora.
Ao investigar os elos entre escola e comunidade e alguns casos em que os
alunos são pressionados por ambas as partes, Waller (1967) evidencia que a
autoridade exercida pelos responsáveis dos alunos no meio social e a autoridade
professoral contribuem para a revolta deles. Mas, como diz Bernstein (1984), ainda
que as mães discordem, é a professora que detém o poder. Desse modo, a
professora Patrícia recorreu à mesma argumentação a respeito do dever de casa
feito pela mãe do aluno, na reunião de pais, porém, com postura diferenciada,
conforme os interesses da professora. Patrícia, com delicadeza, calma, paciência e
entonação de voz baixa, comentou o ocorrido e pediu a colaboração dos pais quanto
ao fato.
De acordo com Goffman (1975, p. 31), a “aparência” e “maneira” de se
comportar são distintivos da “fachada”, por meio dos quais são apresentadas várias
expressões que marcam as interações com um determinado grupo. Tais expressões
são caracterizadas por vestuário, atributos físicos, padrões de linguagem, gestos
corporais e atitudes. Percebe-se que a professora Patrícia objetivava manter a
aparência e agir de maneira coerente à idealização docente dos alunos, pais e
responsáveis e profissionais da Escola. À “idealização”, Goffman (1975, p. 40) atribui
a tendência que se tem de transmitir aos outros uma impressão idealizada, “moldada
e modificada para se ajustar à compreensão e às expectativas” da situação e do
outro. Nesse sentido, Goffman (1975, p. 40, grifos do autor) mostra que “se nunca
tentássemos parecer um pouco melhores do que somos, como poderíamos melhorar
ou ‘educar-nos de fora para dentro?’” Assim, percebiam-se no seu “habitus
professoral” maneiras diferenciadas de apresentar a sua autoridade docente.
Patrícia demonstra ter incorporado a autoridade pedagógica na forma de
comunicar acontecimentos, eventos e novidades aos alunos, mesmo aqueles que
não dizem respeito a atividades ministradas por ela, mas pela diretora, supervisora e
outros. Essa interação expunha a sua tomada de posição como porta-voz da turma,
atitude que, segundo ela, era correta, porque era sua “obrigação. Eu que tô (sic)
tomando conta da turma. [...] Então, eu acho que é consciência mesmo de fazer o
certo”. Na entrevista, admitiu sentir ciúmes se alguém ignorasse a autoridade dela.
Assim, a gente, nesse ponto, é bem ciumenta, que seria né? (sic) Sei lá se a palavra é essa. Mas é assim. Isso aí eu faço questão. Então, se vai acontecer alguma coisa na Escola, eu gosto de eu estar (sic) conversando com eles, antes de mais alguém. Se vai vir uma visita, né, (sic) diferente, eu vou tá (sic) passando pra (sic) eles, né, (sic) e tá (sic) colocando eles (sic) a par de tudo também (sic). Até pra (sic) começar um projeto novo. Eu acho que primeiro eu tenho que sentar com eles e tá (sic) colocando. [...] Então eu gosto de tá (sic) colocando tudo, deixando eles (sic) a par da situação. (Entrevista, professora Patrícia).
Em determinadas situações de conflito, a professora Patrícia demarcava a
sua posição no espaço social, demonstrando, assim, o poder que detinha para
manter o aluno dentro e fora da sala de aula. A autoridade que a professora exercia
sobre os alunos, algumas vezes, adquiria conotação simbólica. O poder simbólico se
revelava nas promessas de Patrícia: “Vou te (sic) mandar para fora da sala.” Ou:
“Vou te (sic) mandar para dentro da sala” (Diário de campo, 8 maio 2006; 12 maio
2006; 15 maio 2006; 30 maio 2006). No momento em que a ameaça se efetivava, a
promessa se transformava em ordem (MARI, 2003): “Vai (sic) para fora.” Tal
expressão era inversa se as atividades estivessem acontecendo na área externa à
sala de aula: “Vai (sic) para a sala.” Os alunos obedeciam à ordem da professora, o
que confirmava e mantinha a sua autoridade pedagógica. A punição aos alunos não
se caracterizaria pelo espaço físico ao qual eles seriam “mandados”, mas pela
dimensão simbólica de serem excluídos do grupo. A explicação da professora em
não aceitar certos alunos em sala de aula apoiava-se na justificativa do mau
comportamento, relatado na entrevista: há “alguns casos que não dá pra (sic) ficar
na sala mesmo, atrapalha (sic) os outros.” (Entrevista, professora Patrícia).
O ‘castigo’ reafirmava sua autoridade docente e Patrícia reconhecia a sua
legitimidade em sancionar essas punições, por isso, fazia uso delas. Por exemplo,
ao verificar o grande número de alunos que não havia feito o dever de casa, a
professora Patrícia comentou: “Hoje, o professor de Educação Física vai ficar
satisfeito, vai (sic) pouquinhos alunos para a Educação Física” (Professora Patrícia,
diário de campo, 19 abr. 2006). Permanecer em sala de aula, distante do espaço
escolar onde as atividades pedagógicas se realizam com toda a turma, por castigo,
é permanecer longe do espaço social em que a situação da aula está acontecendo.
Assim, a privação é uma estratégia docente visando a punir os alunos por mau
comportamento, incidindo no risco de privá-los da interação social.
Contudo, a manutenção dessa incontestável autoridade docente demandava
esforços por parte da professora. Carvalho (1999, p. 205) constatou isso na escola
em que pesquisou: “a autoridade de cada um parecia depender de uma construção
cotidiana, pessoal e permanente, mais do que de uma força institucional”. Haja vista
os confrontos e as estratégias articulados pelos alunos no jogo escolar, que, muitas
vezes, geravam desentendimentos entre alguns deles e a professora, em situações
nas quais os alunos ou eram expulsos da sala de aula ou obrigados a nela
permanecerem. Nesses casos, a professora opta por tirar de cena os atores que
desestabilizam a aula. Essa ação, para Goffman (1975), é desencadeada pela
intolerância ao comportamento inadequado ao papel a ser desempenhado. A atitude
de Patrícia parece contar com a conivência dos alunos entrevistados, pelas opiniões
que eles emitiram a esse respeito, quando perguntados sobre o que eles achavam
do castigo. 1. Émile – “Não. Assim, pra (sic) uns não é bom, mas eles tá (sic)
conversando, têm que levar o castigo, né? (sic)”
2. Maria Angélica – “Acho certo, porque é muito pro (sic) nosso bem, pra
(sic) nóis (sic) aprender mais, não ficar custoso (sic) dentro da sala de aula. É pro
(sic) nosso próprio bem”.
3. Maria Clara – “Bão, (sic) pra (sic) poder ficar melhor”.
4. Andréia – “Porque é rui (sic). Ficar sem recreio, a gente fica dentro da
sala demais, (sic) sem copiar. Fica sem brincar, sem conversar. Porque tem vez que
eu esqueço de fazer dever, assim.”
5. Sueli (menino) – “Ele é importante, porque a gente tem que ter mais
disciplina.”
6. Marcos – “Ah, muito rui (sic). Porque eu já fui... Meu nome, no ano
passado... Eu já assinei 17 ocorrência (sic), aí, depois, esse (sic) ano eu não assinei
nenhuma até agora, não. Meu pai teve que vim (sic) cá, minha mãe, minha vó (sic).
Nossa, eu fiquei numa (sic) raiva porque eu fiz bagunça, é rui (sic) pra (sic) gente.
Quando ela deixa a gente de castigo, é por causa que (sic) a gente não fez as
coisas. Tem que fazer, né (sic)? Não fez, tem castigo.”
7. Eurídes – “Quando ela deixar a gente de castigo tem que ficar quieto,
fazer o que ela pedir.”
8. Pedro – “Rui (sic). Porque cê (sic) fica de castigo, os outro (sic) num (sic)
fica (sic). Porque o dia que eu faltei, aí, é, aí tinha muita coisa pra (sic) eu fazer, aí
eu fiquei sem Educação Física fazeno (sic) elas (sic). Porque eu fico conversano
(sic).”
9. André – (Permaneceu em silêncio)
A maioria dos alunos demonstrou acatar a atitude da professora. Andréia e
Pedro foram os únicos a exporem a insatisfação que sentem. Marcos mostrou
constrangimento pelos seus atos e, ao final, concordou com a professora; André não
respondeu. Concordamos com Edwards (1997, p. 17) que o ator escolar se expressa
também “no que não diz, nos silêncios, no que está reprimido”. Bourdieu (1996, p.
37) salienta que “toda dominação simbólica supõe, por parte daqueles que sofrem
seu impacto, uma forma de cumplicidade que não é submissão passiva a uma
coerção externa nem livre adesão a valores”. Para exercer a autoridade pedagógica
no campo simbólico, é preciso a aceitação do grupo, senão ela não existe. Desse
modo, colocamo-nos a refletir, se de fato os alunos assimilaram o ‘castigo’ como
uma estratégia positiva, ou eles eram cúmplices da autoridade docente no sentido
bourdieusiano.
O sistema de sinais também pode ser utilizado na interação face a face como
expressão, sem uso da linguagem do sistema vocal, segundo Berger e Luckmann
(1985). A professora utilizou-se dos sinais para admoestar um aluno (Marcone) que
estava conversando muito alto dentro da sala de aula e atrapalhando a
concentração dos outros. O sinal foi uma feição severa e enérgica, com os olhos
fitos no aluno (sem pronunciar palavra). Marcone interpretou o sinal e respondeu à
interação da professora, parando de conversar alto.
O perfil sério da professora, que ela mesma descreveu como “pulso firme”,
também era estratégico para coibir atitudes de desrespeito nas aulas. No primeiro
dia de aula de Rivaldo nessa turma (Diário de campo, 22 mar. 2006), a professora
foi chamada de “dona” por ele. Com olhar penetrante e fixo no aluno, a professora
avisou que não gostava de ser chamada assim e pediu que o seu nome fosse
sempre incluído depois do ‘dona’: “dona Patrícia”.
A autoridade docente não estava assentada apenas na forma de
disciplinamento ou no exercício do poder simbólico na turma. A professora
demonstrava abatimento pelas dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos
alunos e pela morosidade com que eles vinham evoluindo, com poucas
manifestações de melhora. No intervalo de recreio, Patrícia comentou com uma de
suas colegas a situação de fracasso escolar (LAHIRE, 2004) pela qual passava a
turma. A outra professora lhe perguntou: “Quantos alunos demonstram facilidade?”
Patrícia respondeu que eram 11 alunos. A outra professora observou que era
praticamente metade da turma, demonstrando com sua fala que era muito para a
realidade deles. Mas isso não serviu de consolo à Patrícia, que retrucou: “Não. Eu
quero todos trabalhando, aprendendo. Estou decepcionada com essa turma.” A sós
com a pesquisadora, a professora comentou que preferia corrigir os exercícios dos
alunos no domingo, para não se decepcionar tanto e não perder o seu final de
semana. De certo modo, esse depoimento ratifica o envolvimento e o
comprometimento da professora com a turma, embora ela não demonstre
expectativas satisfatórias ao se deparar com as atividades realizadas por eles. É
nesse sentido que fica explícita a sua responsabilidade, como autoridade
pedagógica, no que lhe compete ensinar conhecimentos e saberes valorizados pela
escola como sucesso escolar.
Estratégias de interação em outros espaços escolares: pátios, corredores e quadra de educação física
Liénard e Servais (1982), observam que crianças de camadas populares, são,
freqüentemente, consideradas “desajeitadas” e de difícil adaptação escolar, em
parte, pela relação que elas estabelecem com o espaço físico em casa, que,
segundo os autores, tem as divisões e repartições mal definidas, devido ao pouco
espaço a que elas têm acesso. Sendo assim, a interação dos alunos na escola
funcionaria como um meio de se identificar condutas apropriadas ou inapropriadas,
reconhecer os limites do que seria permitido ou proibido e aprender as regras do
jogo que vigoram no campo simbólico.
Em uma das aulas previamente planejadas que ocorreram no pátio da escola,
a professora propôs um jogo: “coelhinho na toca”. Ela explicou por várias vezes as
regras do jogo, que não eram complicadas – ela falaria determinado número,
aleatoriamente, e os alunos se agrupariam em cada círculo, de acordo com o
número proferido, tão logo a professora batesse palma. Em três tentativas, alguns
alunos se anteciparam à palma da professora, entraram no círculo e, por isso, foram
excluídos do jogo. A professora sentiu-se inconformada com a dificuldade de
assimilação e incompreensão deles. Em particular, confessou à pesquisadora que
estava decepcionada com a falta de atenção dos alunos (Diário de campo, 17 abr.
2006).
No momento em que a professora batia palma, foram observadas estratégias
que alguns alunos criaram para saírem vencedores: eles tentavam driblar os olhares
da professora para trapacear no jogo, mesmo correndo o risco de serem notados e,
conseqüentemente, excluídos da brincadeira. Maria Angélica venceu o jogo por
distração de sua colega que entrou no círculo antes de a professora bater palma. O
jogo mostrou-se muito confuso para os alunos. No entanto, o que chama a atenção
é o fato de os alunos que mais necessitavam exercitar os conceitos lógico-
matemáticos de espaço e forma, por não terem assimilado a lógica do jogo, serem
os primeiros excluídos.
Na lógica bourdieusiana, a escola seleciona desigualmente os alunos e
acentua a desvantagem entre aqueles oriundos dos meios desfavorecidos ao igualar
todos em um mesmo patamar de capital cultural, sendo que crianças com
disposições favoráveis à cultura escolar estariam propensas a obter êxito escolar.
Mediante tal explicitação, o autor procura demonstrar as diferenças culturais
existentes na escola e que não devem ser ignoradas. Os aspectos que
diferenciariam o habitus escolar entre os alunos seriam: dispersão, desatenção e
desligamentos constantes nas aulas, próprios dos alunos com baixo capital cultural.
Essa visão reforça a importância do envolvimento de todos os alunos nas atividades
pedagógicas, próprias da proposta curricular de ensino (LAGOA DA PRATA, 2005),
objetivando favorecer a percepção, a interpretação e a expressão dos alunos nos
jogos e brincadeiras propostos. Todavia, aos alunos excluídos do jogo foi negada a
oportunidade de melhorarem o desempenho e confrontarem suas dificuldades nas
interações com os demais colegas de turma. É nesse sentido que a noção de
espaço (BOURDIEU, 2006) é importante na compreensão da posição que cada ator
ocupa no espaço da sala de aula e na análise das relações de poder e regras que as
definem. O espaço social da sala de aula é, em princípio, um lugar com competência
para prolongar os conhecimentos da criança e aprimorá-los (CAJAL, 2001), ou para
dificultar o acesso a esse conhecimento.
No entanto, o que pôde ser percebido e que a professora revelou na
entrevista, é que ela confere considerável importância à emulação nas atividades
lúdicas, jogos e brincadeiras. Além disso, segundo Patrícia, tais atividades lúdicas
eram as que despertavam mais interesse nos alunos.
A competição, eu acho assim, é muito importante, porque na vida a gente compete. O tempo todo você tá (sic) competino (sic). Então, você trabalhar esse espírito competitivo com eles é muito importante. Igual, por exemplo, às primeiras vezes que nós jogamos bingo; eles não aceitavam perder, então, quem perdia, emburrava [...], eles não aceitavam, “ah, também não jogo mais”, né? (sic). Agora eles já aceitam bem isso aí. Então, quer dizer, foi trabalhando que venceu (sic) essa dificuldade. [...] Mas a primeira vez foi um caos. Mas nem por isso deixei de fazer. (Entrevista, professora Patrícia).
A percepção da professora foi confirmada nas narrativas dos alunos na
entrevista, ao responderem sobre quais atividades mais gostavam de realizar fora da
sala de aula.
1. Émile – Que é bão (sic)?
Pesquisadora – (Sinal afirmativo)
Émile – Nóis (sic) brincar (sic) de queimada. É mais (sic) bão! (sic) Eu adoro
brincar de queimada.
2. Maria Angélica – Pesquisa.
Pesquisadora – Que tipo de pesquisa?
Maria Angélica – É pesquisa, assim, de ir na (sic) biblioteca, por exemplo, é.
Pesquisar alguma professora, pesquisar alguma pessoa aqui da Escola que
trabalha, pelo dia da escola. Gosto na (sic) hora da dona Patrícia contar historinha
pra (sic) nóis (sic), no pátio.
3. Maria Clara – Ai! (Pausa) Educação Física, passear, brincar no pátio,
teatro.
Pesquisadora – Que tipo de brincadeira?
Maria Clara – Nós já fez (sic) duas: uma de, (sic) tipo coelhinho dentro da
toca e uma do balão amassado.
4. Andréia – Gosto lá perto da sala, ali, no pátio. Teatro. Ah, um jogo que a
dona Patrícia faz, mas tem (sic) dia que ela não pode fazer pra (sic) gente.
Pesquisadora – Qual?
Andréia – Ah, um joguinho que a gente brinca de, é, de formar números. Nóis
(sic) brinca (sic) de, é, assim de fazer os números grande (sic), sabe? Imitando o
exemplo. Ela fez um dia pra (sic) gente, tipo dourado, formar o número. Aí nóis (sic)
brincô (sic). Mas tem (sic) dia que nóis (sic) num (sic) pode brinca (sic).
Pesquisadora – Ah, sei, com os blocos dourados?
Andréia – Hã, hã.
5. Sueli (menino) – Jogo do stop (sic) nas continha (sic) de dividido (sic).
Jogo de dominó. Só que é de multiplicação, assim de... cê (sic) poder multiplicar.
6. Marcos – Ah, eu gosto de fazer Educação Fsica, é, eu gosto de,
igualzinho nóis (sic) vai (sic) fazer (sic) um teatro aqui na quadra. Tudo que eles me
chamar (sic). Handball.
7. Eurídes – Uma brincadeira – chocolate quente.
8. Pedro – Jogar queimada e futebol.
9. André – Brincadeira do desafio que dá pra (sic) gente desenvolver.
Brincadeiras na quadra, aqui no corredor.
Pôde-se apreender das entrevistas que as brincadeiras eram muito comuns
entre os alunos no meio social em que convivem. Nos tempos livres em casa,
costumavam assistir a programas de televisão, brincar e ajudar nas tarefas
domésticas. Em contrapartida, eles estudavam pouco em casa, pois nenhum deles
citou o estudo como rotina domiciliar. Eles costumavam realizar estritamente o dever
de casa e nem sempre cumpriam essa tarefa. No depoimento a seguir, na
entrevista, observamos os obstáculos que Émile tem de enfrentar para fazer as
atividades escolares em casa, sobretudo, em épocas de chuva.
Émile – Na casa (sic) que eu moro, chove lá dentro. Nossa Senhora, nóis
(sic) tem que tampar (sic) os trem (sic) tudo. [...] Assim. Eu pego a cadeira, sento,
pego outra cadeira, coloco (sic). Ah, tem (sic) vez que eu sento no chão. Ah, depois
eu pego a cadeira, sento, coloco a cadeira assim, quando eu tô (sic) em cima da
cama, eu pego. Ou senão, eu vou pra (sic) mesa lá na cozinha que é grande, cheio
(sic) de cadeira. Aí eu sento lá e faço. Minha irmã fica me ensinano (sic). [...] Ah, um
dia, o meu irmão tinha (sic) chegado do serviço, que ele trabaia (sic) na olaria, né?
(sic) Aí, eu sentei lá na sala de televisão. Sentei, fui fazer meu dever. Sentei no sofá
e coloquei a cadeira assim pra (sic) mim (sic) escrever. Aí ele chegou perto de mim,
o prato de cumê (sic) caiu em cima no (sic) meu caderno. Ah, nem (sic), ó (sic). Eu
senti um rui, (sic) sabe? Memo (sic) assim, o caderno tava (sic) acabano (sic), né?
(sic).
Pesquisadora – Então, porque estava acabando, você não se preocupou
tanto?
Émile – Ah, assim tem que (sic) preocupar, sabe por quê? Quando a gente
quiser uma coisa e ir (sic) oiá (sic) lá e tá (sic) xujo (sic). Na entrevista, outros alunos relataram situações semelhantes à de Émile,
contribuindo para o delineamento do perfil de condições pouco favoráveis ao bom
desempenho escolar pelas dificuldades em realizar tais tarefas em domicílio. Os
alunos costumam assistir a programas de televisão no período em que deveriam se
concentrar nas atividades escolares a serem feitas em casa. Nessas situações, eles
utilizam estratégias, como: “Eu pego a almofada, coloco em cima das minha (sic)
perna (sic) e faz (sic) o [dever] do caderno.” (Entrevista, aluno André). Maria Clara
esclarece: “É no sofá que eu faço. Só que eu ponho a mesinha assim [a aluna
demonstrou]: você senta e põe [a mesa] na frente.” O relato de Maria Angélica na
entrevista demonstra que, às vezes, ela se sentava no chão para estudar. Apenas
Sueli (menino) registrou o impedimento à televisão imposto por sua mãe: “Minha
mãe não deixa, porque senão a gente fica assistino (sic) as (sic) matéria (sic) da
televisão.”
Sendo assim, as aulas de Educação Física deixavam os alunos eufóricos. O
risco de não poderem participar dessa aula parecia acentuar tal interesse. Em fila,
os alunos já demonstravam entusiasmo e prazer em fazer parte de um grupo seleto
(os que não ficariam de ‘castigo’ na aula). Eles se organizavam em fila com destino
à quadra poliesportiva para a aula de Educação Física. Da fila, alguns meninos
implicaram com Marcos, pelo fato de ele ter permanecido na sala, de ‘castigo’. Ele
não revidou às implicâncias dos pares. No entanto, revoltou-se e gritou um palavrão
com a professora por mantê-lo em sala. Naquela situação, percebia-se que a fila
gerava distinção,
diferença socialmente conhecida e reconhecida para um sujeito capaz não só de perceber as diferenças, mas também de as reconhecer como significantes, interessantes, quer dizer, para um sujeito dotado da aptidão e
da inclinação para fazer as diferenças que são tidas por significativas no universo social considerado. (BOURDIEU, 2006, p. 144).
Gerava, portanto, ostentação de poder daqueles que nela estivessem – uma
situação de privilégio – e segregação dos que ficariam de ‘castigo’: Marcos, por mau
comportamento, e os alunos que não fizeram a avaliação bimestral e o dever de
casa do dia anterior. Vencido o tempo da aula de Educação Física, os alunos
voltaram para a sala, suados, comentando sobre o vencedor do jogo e relatando
outros detalhes do jogo de futebol aos colegas que permaneceram na sala. Matheus
implicou com o time perdedor. A professora ameaçou deixá-lo sem aula de
Educação Física mais uma vez, mas ele cinicamente respondeu que seria bom para
ele (Diário de campo, 12 abr. 2006).
Em outro dia (Diário de campo, 10 maio 2006), os alunos saíram da sala de
aula em fila, em direção à quadra. Permaneceram em sala de aula: Tales, Nélio e
Eurídes. Os demais alunos iniciaram a aula de Educação Física com o aquecimento
corporal ministrado pelo professor. Durante o aquecimento, os alunos aproveitaram
os exercícios para fazerem chacota. Depois, o professor dividiu os alunos em dois
grupos: o de futebol e o de queimada. O grupo de futebol ocupou grande parte da
quadra, restando apenas um pequeno espaço para os alunos da queimada. A
pesquisadora permaneceu por um tempo ao lado dos alunos que jogavam futebol.
Marcos, um dos jogadores, aproximou-se dela muitas vezes para comemorar seus
lances importantes na jogada. Ele, principalmente, sempre requisitava sua atenção,
além de Josias e Ricardo.
O jogo de futebol continuou e as meninas e o único menino, André,
chamaram a pesquisadora para ocupar o lado deles. Assim, a pesquisadora pôde
observar Vanessa brincando – o que não acontecia no recreio. Ao lhe perguntar o
porquê de ela brincar somente nas aulas de Educação Física, ela respondeu que ali
havia poucas pessoas e lá (no recreio) havia muitas.
Os alunos conseguiam se organizar e jogar três rodadas de queimada, sem
árbitro, pois o professor estava exercendo o cargo de juiz da partida de futebol. Os
próprios alunos observavam, cumpriam ou transgrediam as regras do jogo. Eles
estavam submetidos à vigilância dos colegas nos lances. Vez ou outra, Marcos,
apesar da distância, chamava a pesquisadora para ver os seus dribles com a bola e
se lamentava quando ela não estava atenta a seus gols. A aula mesclava situações
de alegria, euforia, desentendimentos e brigas, como ocorreu com Sueli (menino)
que saiu do jogo de futebol por se desentender com Marcos. A pesquisadora
percebeu a aproximação de Tales e Nélio, vindo da escola em direção à quadra.
Eles haviam escapulido do ‘castigo’ em sala e, sorrateiros, misturaram-se aos outros
jogadores de futebol. O professor perguntou se eles haviam sido liberados pela
professora e os incluiu na brincadeira, mas, logo, a eventual veio buscá-los. Essa
situação demonstra, por um lado, o interesse dos alunos pela aula de Educação
Física, e, por outro, a ação desafiadora de fugir do ‘castigo’.
As interações fora do espaço da sala de aula nos levam a analisar o ritual da
fila formada no corredor que dá acesso a essa sala. A professora da turma se
utilizava da fila como um dos meios disciplinadores para manter a ordem e o
controle dos alunos no retorno do recreio para a sala de aula, na saída para a aula
de Educação Física e atividades nos pátios da escola. Não era costume da turma
formar fila no início da aula, na saída para o recreio nem no término da aula.
Geralmente, a primeira fila do dia acontecia no retorno do recreio; na maioria
das vezes, as meninas entravam primeiro na sala que os meninos. A professora
justificava essa atitude atribuindo às meninas um comportamento melhor e se
admirava quando presenciava mau comportamento de uma ou outra menina na fila,
exclamando: “Até as meninas?” Por três vezes, a professora permitiu que os
meninos entrassem primeiro na sala de aula após o recreio. Nessas ocasiões, os
últimos meninos da fila foram pegos de surpresa. Desatentos, não notaram que os
colegas já haviam entrado na sala, pois estavam habituados a serem sempre os
últimos, sendo necessário que outros colegas os alertassem. No entanto, essa
atitude da professora pareceu à pesquisadora mais uma tentativa de inversão na
ordem escolar, pois naqueles dias as meninas haviam demonstrado mais disciplina
que os meninos. A mudança favoreceu os meninos, dando-lhes oportunidade de
experimentarem uma situação incomum.
Sempre que terminava o recreio, os alunos seguiam para a porta da sala de
aula e formavam uma fila, voluntariamente, no corredor. Alguns alunos pareciam
aproveitar esse momento para transgredir a regra, saindo da fila, ou não respeitando
a ordem de altura exigida pela professora. Nessa perspectiva, a fila não surtia o
efeito esperado por Patrícia e havia se tornado a oportunidade para parte dos alunos
apostar em um jogo que não tinha regras tão demarcadas quanto aquelas
circunscritas ao espaço físico e fechado da sala.
Parafraseando Bernstein (1984), a professora tornou visíveis as regras que
vigoravam no campo da pedagogia invisível para determinados alunos, em uma
ocasião na qual, Marcos e Pedro estavam dando cambalhota e pulando as muretas
dos corredores da escola (Diário de campo, 19 abr. 2006). Ao perceber tal atitude, a
professora os admoestou e convocou a turma para o que ela denominou “conversa
séria”. No entanto, sua estratégia de negociação com a turma revelou-se dentro da
sala de aula. Ela comunicou que, a partir daquele dia, Marcos e Pedro estariam sem
recreio até que aprendessem a se comportar. Em sua argumentação, a professora
fez um paralelo entre a sua postura enérgica e a das mães dos alunos, que lhes
infligiam castigos físicos visando ao bem deles.
Assim, a professora revelou conhecer a vida dos alunos fora do ambiente
escolar e se aproveitou disso e de sua autoridade pedagógica para lhes fazer um
apelo diretamente relacionado ao “cuidado” maternal, “tendo como núcleo a própria
afetividade e o vínculo emocional” (CARVALHO, 1999, p. 208).
Verificou-se, pelas narrativas dos alunos em suas redações, que a punição
física que eles descreveram sofrer em casa e o poder simbólico exercido pela
professora a que estavam submetidos, em parte, interferiram em seus depoimentos
na entrevista. A análise das redações que integram a atividade curricular de
Educação Religiosa corrobora essa constatação.
Dos 26 alunos que realizaram a atividade de produção de texto, 18
declararam sofrer, no meio social em que vivem, algum tipo de punição física por
parte de seus responsáveis. O conteúdo de uma das redações é apresentado na
íntegra (FIG. 23), onde é possível observar, nas escritas dos alunos, referências a
esse tipo de punição, em resposta à insinuação da atividade pedagógica: “Eu fico
assim quando...”. Das demais atividades, serão destacados fragmentos (FIGS. 24 a
40).
Figura 23: Redação da aluna Émile Fonte: Dados da pesquisa
Figura 24: Fragmento de redação do aluno Pedro Fonte: Dados da pesquisa
Figura 25: Fragmento de redação do aluno Nélio Fonte: Dados da pesquisa
Figura 26: Fragmento de redação do aluno André Fonte: Dados da pesquisa
Figura 27: Fragmento de redação do aluno Caio Fonte: Dados da pesquisa
Figura 28: Fragmento de redação do aluno Hernane Fonte: Dados da pesquisa
Figura 29: Fragmento de redação da aluna Naiara Fonte: Dados da pesquisa
Figura 30: Fragmento de redação do aluno Marcone Fonte: Dados da pesquisa
Figura 31: Fragmento de redação do aluno Marcos Fonte: Dados da pesquisa
Figura 32: Fragmento de redação da aluna Joana Fonte: Dados da pesquisa
Figura 33: Fragmento de redação da aluna Adriana Fonte: Dados da pesquisa
Figura 34: Fragmento de redação da aluna Renata Fonte: Dados da pesquisa
Figura 35: Fragmento de redação da aluna Rosana Fonte: Dados da pesquisa
Figura 36: Fragmento de redação do aluno Moisés Fonte: Dados da pesquisa
Figura 37: Fragmento de redação do aluno Josias Fonte: Dados da pesquisa
Figura 38: Fragmento de redação da aluna Maria Clara Fonte: Dados da pesquisa
Figura 39: Fragmento de redação do aluno Tales Fonte: Dados da pesquisa
Figura 40: Fragmento de redação do aluno Eurídes Fonte: Dados da pesquisa
A punição física recebida no meio familiar descrita pelos alunos e a situação
de ‘castigo’ vivenciada, em algumas ocasiões na escola, podem desencadear nos
alunos sentimentos de medo, rejeição, conformidade e adequação nas interações
escolares, conforme os significados atribuídos por eles a essas lembranças, que não
é igual para todos (MEAD, 1967).
A redução no horário de observação da pesquisadora em sala, portanto, o
afastamento parcial, ampliou a capacidade de percepção acerca de algumas
alterações na interação entre a professora e os alunos, em razão de sua ausência.
Ainda que a imprevisibilidade da situação a tenha surpreendido, a pesquisadora
assentou o exercício do distanciamento/afastamento da situação investigada –
prerrogativa da metodologia deste estudo. Observou-se uma relativa redução no
número de alunos “enviados” ao gabinete em decorrência de ‘castigo’. Outra
mudança percebida diz respeito à pontualidade no término das aulas para essa
turma, que se tornou regular, comparativamente às demais turmas, uma vez que
haviam sido constatados atrasos rotineiros na saída da professora e dos alunos
após o sinal que indicava o término do primeiro turno.
Tais alterações foram sendo acompanhadas à espreita, freqüentando
espaços próximos à sala de aula, como a secretaria. Por ora, interessa assinalar que
as constatações iniciais sobre a suposta ordem da fila não foram mais recorrentes. A
professora passou a não exigir tanta organização dos alunos na entrada na sala de
aula, permitindo que eles entrassem do modo como se encontravam –
desorganizados e eufóricos. Em uma ocasião, percebendo a ausência da fila, a
pesquisadora perguntou aos alunos se eles não iriam realizá-la naquele dia, ao que
Roni respondeu: “A fila é bagunçada assim mesmo” (Diário de campo, 17 maio
2006). Essa resposta confirmou que a desordem da fila já havia sido incorporada
pelo aluno. Além disso, enfatizou a gama de estratégias articuladas pela professora
e pelos alunos, bem como apresentou uma faceta surpreendente da interação, a de
que variam as regras conforme variam as situações. Há significados
predeterminados pela cultura escolar que podem manter comportamentos ou
modificá-los – os significados são reiterativos e estão em constante manutenção ou
superação (FELIPPE, 2003). Como acompanhamos, a fila é um desses rituais.
Ao que parece, Roni captou o arrefecimento na exigência da professora em
relação à fila, substituído pela tolerância nos momentos em que os alunos nela se
organizavam. Ainda que o ritual da fila persista, Roni expressa a sua percepção de
descrédito em relação a ela e se aproveita da situação para a bagunça. Sobre as
estratégias dos alunos, Resende (2003, p. 148) argumenta:
Pode-se, assim, afirmar que professores e alunos já recebem, da cultura escolar em geral e da cultura da instituição em que atuam, determinadas “cartas” que não foram eles que inventaram, e com as quais devem jogar. Algumas “regras” para esse jogo já são definidas, mas o desenrolar de cada partida dependerá também dos jogadores, das táticas que utilizarem, da forma como decidirem dispor as cartas e colocar em ação as regras já estipuladas, criando ainda outras ou não.
Aplicando a consideração de Resende (2003) à análise da situação
vivenciada por Roni e seus colegas, percebe-se que as mudanças nas regras dessa
turma, ocasionadas pela redução do horário de observação da pesquisadora,
provocaram mudanças de estratégias nas interações. Roni aprendeu que, nessas
situações, a regra disciplinar existia, mas poderia ser ignorada – não estava explícita
(BERNSTEIN, 1984). As mudanças de situações podem ocasionar mudanças nas
regras e nas estratégias do jogo escolar, conforme a percepção e o sentido que os
atores atribuem à situação, em face de suas interações.
Tais situações nos levam a ponderar que as interações são mais flexíveis nos
espaços fora da sala de aula. Dentro dela, o processo de negociação é mais
acirrado, mas não é inviável.
CONCLUSÃO: ESCOLA E SALA DE AULA COMO PALCO DE ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO
É uma mente humana que dá sentido ao que o olho descobre ou a imaginação inventa quando constrói uma interpretação objetivamente pessoal do que a pessoa pensa. É uma mente humana que pensa, mas é um coração que a dirige. (BRANDÃO, 2003).
A pesquisa sobre as interações sociais estabelecidas entre a professora e os
alunos, as influências engendradas pela situação pedagógica da escola e da sala de
aula e de que forma essas interações seriam ou não marcadas por aspectos do
ambiente sociocultural de pertencimento dos atores escolares pesquisados
permitem obter conclusões parciais e levantar indagações que remetem a novos
estudos. Acreditamos que estas fazem parte de um processo contínuo de
construção e reconstrução de conhecimentos e saberes inerente à pesquisa
científica. Ao final deste estudo, tem-se certeza de que ele não se encerra aqui, uma
vez que nem todas as questões foram esgotadas na investigação, o que abre um
vasto campo a futuras pesquisas e dimensiona a complexidade e amplitude do tema.
Nesse sentido, retomamos os três pressupostos levantados neste estudo, nos
quais argumentamos que: (i) a situação pedagógica (da escola e da aula) não é
socialmente neutra, o que regula e influencia o processo interacional (BOURDIEU,
PASSERON, 1970; SIROTA, 1994); (ii) a tomada de posição do ator escolar
influencia a interação de um frente ao outro (MEAD, 1967; POSTIC, 1995); (iii) os
alunos dos meios populares constroem um modo peculiar de interação escolar,
condicionado, em parte, pelas experiências acumuladas e vivenciadas no ambiente
sociocultural (LIÉNARD e SERVAIS, 1982; BERNSTEIN, 1982).
Observa-se que a partir da investigação empírica e da análise das fontes
coletadas, outros aspectos apreendidos no campo de pesquisa devem ser
acrescentados a esses pressupostos. Com isso, explicita-se a relevância das
vivências, das trocas, do jogo escolar e do lugar ocupado pelos atores sociais nas
situações pedagógicas. Para além do primeiro pressuposto é importante salientar
que o espaço social empírico das aulas e seus símbolos passam a existir como
situação pedagógica, em presença do(s) ator(es) que se apropria(m) do mundo
social empírico, compartilha(m), ou não, significados e expressa(m) as
interpretações nas interações processuais e contínuas que estabelece(m).
Quanto ao segundo pressuposto, pôde-se constatar que, de fato, o
posicionamento do ator escolar no espaço social tem o potencial de
gerar/inventar/reproduzir uma situação por meio de estratégias de interação, uma
vez que a interpretação dos símbolos ou objetos do mundo social empírico (MEAD,
1964) permite ao ator iniciar o processo interacional com o outro, conforme seus
interesses. Uma espécie de convite à interação, em que o ator escolar explicita
quais serão as regras das quais ele disporá no jogo e projeta uma situação.
Sobre a peculiaridade na interação dos alunos dos meios populares dessa
turma, observou-se a influência do meio social nas interações entre a professora e
os alunos no modo de eles se vestirem, falarem, brincarem, lidarem com os
materiais pedagógicos, além da mobilização pessoal frente às regras do jogo
escolar. Os vínculos entre os atores escolares, a escola e o meio social são
reveladores e traduzem a pouca participação da comunidade, portanto, do meio
social, na escola investigada. Da mesma forma, observa-se que o ambiente
sociocultural dos alunos é pouco explorado pela escola e pela professora, na sala de
aula.
Em consonância à pesquisa de Lana (2004), a expectativa dos alunos quanto
a sua própria escolarização é ambígua. Alguns alunos investigados percebem que a
escola pode ampliar as oportunidades de ingresso no mercado de trabalho, ao
passo que outros almejam dar prosseguimento aos estudos e se formarem em nível
superior. A mobilização dos alunos quanto à trajetória escolar nem sempre estava
em conformidade com os projetos pedagógicos desenvolvidos na escola. Às vezes,
esses alunos constroem expectativas objetivamente mais próximas do meio social a
que pertencem e das vivências familiares e locais. Exemplo disso é a pretensão de
Sueli (menino), relatada na entrevista, de que desejaria “trabalhar na Embaré e fazer
leite em pó”. Sueli (menino) lembrou-se de seu tio que trabalha nessa empresa,
demonstrando interesse em seguir o exemplo. Marcos expôs seu interesse em ser
“professor de futebol, ou jogador de futebol: goleiro”. Marcos, ao falar do sonho de
ser professor de futebol, ou goleiro, trouxe à memória Gilberto Silva, como um ídolo,
e o fez com brilho nos olhos. Ele comentou que o “marido” de sua avó trabalha na
fazenda de Gilberto Silva e não escondeu o interesse em conhecer tal fazenda, por
causa do campo de futebol que diz existir lá. Subjetivamente, parecia não se
esforçar para isso, pois, muitas vezes, perdeu a oportunidade de jogar futebol, nas
aulas de Educação Física e no recreio, por permanecer em sala de aula, de
‘castigo’, nesses períodos. A professora alegava mau comportamento, mas, nesse
caso, a punição colaborava para agravar as balbúrdias provocadas por ele nas
aulas. Pedro, muito orgulhosamente, desejava exercer a mesma profissão do
padrasto – “retirar leite”. Esses três alunos limitavam os horizontes de seus
interesses educacionais e profissionais à cidade de Lagoa da Prata/MG, ao meio
social em que vivem e a figuras marcantes para eles. Tais ambições, no entanto –
pouco exploradas e nada valorizadas nas aulas, no período observado –, explicitam
uma das razões pelas quais os alunos não demonstravam um interesse significativo
pela escola e pelo aprendizado do ofício de aluno, o que ampliava o grau de
dificuldade de adesão às regras do jogo escolar.
Para Bourdieu (1983), existiriam certos gostos e estilos de vida que se
aproximariam mais da cultura escolar difundida do que outros. Sob essa perspectiva,
as “escolhas” profissionais precoces dos alunos se vinculavam a estilos de vida que
eles experimentam no meio social e no ambiente escolar em que convivem, o que,
segundo Bourdieu (2003a, p. 52), “compromete muito fortemente” as suas decisões
futuras. Diferentemente dos alunos citados, outros apresentam escolhas distintas
pelo tempo e disposição dispensados ao seu próprio investimento escolar. Para
Émile, que aspirava a ser “advogada”; Maria Angélica, “enfermeira”; Andréia e Maria
Clara, “professora ou trabalhar em escritório”; Eurídes, interessado em “computador”
e para, André, que ambicionava “ser veterinário”, havia uma relação mais próxima
entre a dimensão simbólica da instituição escolar e suas projeções futuras. Esses
alunos, diferentemente de Sueli (menino), Marcos e Pedro, não apontaram alguém
como referência, talvez porque convivessem em um ambiente social e familiar em
que não havia pessoas mais próximas exercendo tais profissões.
Embora citados pelos alunos, não foram observados vestígios da economia e
cultura local nos símbolos da escola, que, sistematicamente, fazia alusão a um
“jardim florido” e às personagens de Walt Disney, mais próximas a um imaginário
infantil universal, difundido em leituras e pela mídia em geral.
A escola se apresentou pouco convidativa às vivências culturais por não
dispor de ambientes educativos que as favoreçam. Reforçamos, inicialmente, a
crença de que uma boa arquitetura escolar é condição indispensável para a
existência de boas escolas. O prédio parecia restringir o convívio social às salas de
aula, pela inexistência de biblioteca própria, brinquedoteca, parque infantil, quadra
esportiva, laboratório de informática, sala de exibição de filmes, auditório – que
proporcionasse tanto encontros culturais como apresentação de peças teatrais ou
quaisquer outras atividades que incentivassem e permitissem a afluência dos
familiares dos alunos, bem como da comunidade no entorno da escola. Além disso,
não foi constatada a existência de projetos pedagógicos respeitando e valorizando
as belezas naturais da cidade; a relevância da economia local – em alguns casos,
tida como referência nacional –; a história de Lagoa da Prata representada nos seus
patrimônios históricos e as personalidades da cidade que contribuem na constituição
da cultura local.
É importante destacar um acontecimento externo à escola e à sala de aula,
que influenciou negativamente as interações entre a professora e os alunos: a
situação do concurso municipal. Especialmente, o clima de desmotivação afetava o
envolvimento de toda a comunidade escolar na comemoração de eventos escolares.
Muitas vezes, a ausência dessas comemorações privava a professora e os alunos
de participarem de festividades próprias do calendário escolar, ou de “rituais da
escola”, como cita McLaren (1992).
Do ponto de vista interacionista, os atores desempenham sempre os mesmos
papéis de professora e alunos, porém, em cenas de aula inéditas que eles mesmos
inauguravam. Dependendo da situação pedagógica, esse cenário podia incitar a
interação, mostrar-se pouco convidativo, apresentar novidades, atrair a participação
individual ou coletiva, parecer trivial e tantas outras possibilidades que se abriam. As
estratégias no processo interacional entre a professora e os alunos moviam o
cotidiano escolar e se revelaram surpreendentes, permeadas por situações
imprevisíveis.
Retomando as regras do jogo escolar, vivenciadas pela professora e pelos
alunos dessa turma, percebeu-se que cada episódio trazia consigo insinuações que
requeriam estratégias diversificadas de participação dos atores escolares no jogo
escolar. Nesse processo interativo, a estratégia do aluno fazia diferença, pois a
professora poderia beneficiá-lo ou desmerecer o seu sucesso no jogo escolar.
Desse modo, as interações variavam conforme as situações e isso pôde ser
percebido, reiteradas vezes, na atuação e desempenho, tanto da professora como
dos alunos, cujas ações e reações correspondem à situação e ao outro com quem
interagiam. Em Goffman (1975), a ação social desencadeada pelo ator, de fato,
envolve uma gama de articulações que variam de acordo com a “platéia”, com os
deveres próprios de cada situação (regras) e com os direitos (estratégias) que
balizam as interações.
Se o outro representava os pais dos alunos, a professora lhe dispensava um
atendimento diferenciado, caracterizado por mudanças no tom de voz, modo de falar
e agir, nas expressões faciais e corporais e recursos pedagógicos utilizados. Nas
Reuniões de “Módulo II”, com as demais profissionais da escola, Patrícia mantinha
interações menos participativas do que as estabelecidas no espaço da sala de aula.
Este era o jogo da professora e ela obtinha sucesso com essa atuação, visto que a
comunidade escolar, de um modo geral, respeitava-a. Os adjetivos utilizados para
caracterizá-la, por parte da direção e da coordenação pedagógica da escola, bem
como da SEMEC, indicavam claramente isso. Apenas uma professora manifestou
estranheza com relação à dificuldade relatada por Patrícia no “domínio (disciplinar)
da turma”, inclusive acarretando atrasos rotineiros no horário de término de suas
aulas. É notório que a professora Patrícia estava ciente da autoridade pedagógica
conferida ao seu papel de professora, aplicava tal autoridade e a considerava
importante, embora variasse a maneira de atuação de acordo com o “outro
generalizado”, o outro parceiro da interação (MEAD, 1967).
As estratégias de interação dos alunos também eram contraditórias. Muitas
vezes, os mesmos alunos reconheciam a autoridade pedagógica da professora e
eram coniventes com ela. Em outras ocasiões, tentavam burlar e transgredir as
regras. Nas interações sociais entre a professora e os alunos em situações de aula,
chamavam a atenção as estratégias de conquista, de resistência e de persistência
convivendo simultaneamente em um mesmo espaço. O sucesso das estratégias de
interação dos alunos dependia do espaço em que aconteciam. Eram facilitadas ou
dificultadas pelas interações e pela proximidade, física e simbólica, com a
professora. Tal proximidade, que para os alunos apresentava conotação afetiva e
intelectual, estimulava-os à aprendizagem.
As regras do jogo escolar na turma não eram rígidas, o que possibilitava a um
mesmo ator escolar atuar diferentemente, em diferentes situações, como
demonstrado na atuação da professora com os alunos, da professora com os pais e
da professora nas Reuniões de “Módulo II”; bem como a atuação dos alunos. O
posicionamento da professora e dos alunos, permeado por contrastes e
semelhanças que se entrecruzavam nas situações de aula, era decorrente um do
outro e da situação nas interações que eles estabeleciam.
Pôde-se constatar que a percepção, a tradução e a expressão das interações
construídas entre os atores escolares nas situações de aula não eram iguais para
todos. Ou seja, os alunos demonstravam percepções diversificadas em relação ao
mundo social empírico. Dessa forma, as regras e normas não compartilhadas podem
não surtir o efeito implícito a elas e sugerem que as aulas comportam uma vastidão
de situações que favorecem os alunos, distintamente, uma vez que as percepções,
traduções e expressões não são iguais para todos.
A visita à Associação de Catadores de Lagoa da Prata (ASCALP), por
exemplo, realçou interesses diferentes de alguns alunos da turma, haja vista a gama
de situações educacionais que contemplou, embora não tenha havido registro de
outras visitas como esta. Eurídes demonstrou entusiasmo quando notou vários
microcomputadores no pátio da Associação, destinados à reciclagem. Ele chamou a
atenção dos colegas para os equipamentos, quis tocá-los, admirou-se com o fato e,
jocosamente, disse que levaria um deles para si. As alunas que utilizavam a
estratégia de conquista de carinho obtiveram um espaço mais acessível de contato
com a professora e dele se aproveitaram. Os alunos não foram ameaçados de
serem excluídos do grupo de amigos de turma. Essa visita, fora do âmbito da sala
de aula, ressaltou um aspecto importante: alunos com o habitus escolar incorporado
posicionavam-se mais próximos à professora do que aqueles que utilizavam a
resistência como estratégia do jogo e nem sempre eram considerados os melhores
alunos pela professora.
A Fase IV revela, por um lado, que a maioria dos alunos da turma apreendeu
as regras do jogo escolar e o ofício de aluno, pela compreensão imediata de tarefas,
como o dever de casa, a fila, o recreio, o sinal, o ritual das aulas. Mas, por outro
lado, foram percebidas dificuldades de assimilação das regras na execução de
tarefas que lhes garantiriam êxito e sucesso. O dever de casa apresenta uma
dessas situações: uma tarefa domiciliar que muitas vezes não era cumprida, embora
os alunos estivessem conscientes do castigo a que seriam submetidos. Indagamos,
então, sobre o porquê da insistência dessa prática escolar com esses alunos, em
especial, por parte da escola. Em resposta parcial a essa indagação, Carvalho e
Burity (2005, p. 14) supõem que a ineficácia do dever de casa “depende não apenas
da contribuição da família, mas, sobretudo, do planejamento pedagógico
empreendido pela professora”. As autoras apontam, também, que famílias com
menos recursos materiais e culturais encontram mais dificuldades em acompanhar
os alunos nessa tarefa domiciliar. Carvalho e Burity (2005) identificaram o dever de
casa como um problema, de forma mais evidente, nos meios populares. Na
concepção das autoras, o dever de casa pode não estar surtindo os efeitos
esperados e, mais que isso, prejudicando os próprios alunos pela tensão e conflito
que gera no ambiente familiar. De forma semelhante, a pesquisa de Resende (2006)
mostra que as mães e pais dos alunos expressaram dificuldades no
acompanhamento dos filhos no dever de casa, apesar de considerá-lo importante.
Como dificultadores, foram apontados, além do pouco tempo dos pais, “sua baixa
escolaridade [dos pais] e conseqüente falta de domínio dos conteúdos escolares, ou
mesmo, as formas discursivas utilizadas nos deveres”. (RESENDE, 2006, p. 7).
Ao final da investigação, percebemos que esta pesquisa carece de
parâmetros comparativos com outra sala de aula, com características semelhantes,
para ponderarmos com mais exatidão e refletirmos sobre os aspectos da influência
do meio social. No entanto, podemos concluir que esta investigação nos possibilitou
comparar os atores escolares consigo mesmos por meio dos depoimentos e atitudes
diversificadas que demonstraram. A professora e os alunos foram observados
atuando em situações variadas, com estratégias distintas.
Acreditamos na importância do trabalho educacional realizado pelas famílias
como contribuição e apoio ao trabalho escolar, assim como entendemos que cabe,
precipuamente, à escola e a seus professores, a tarefa de ensinar e garantir a
aprendizagem, bem como a relevância do “cuidado” da professora na interação
pedagógica, de que algumas alunas, estrategicamente, tentaram se beneficiar. É
relevante também a mobilização pessoal dos alunos (BOURDIEU, 2003a), a qual
precisa ser mais bem trabalhada pela professora no cotidiano das aulas, na
interação dos alunos com os colegas e com a professora, no sentido de favorecer o
que os alunos valorizam culturalmente. Assim, foi possível perceber o que compete
à escola aprimorar em seus alunos e a importância do trabalho de solidariedade, em
relação à escola, advindo do meio social a que os alunos pertencem, objetivando o
êxito de toda a comunidade escolar.
Ressalta-se a importância do respeito mútuo, favorável às interações entre a
professora e os alunos, haja vista o insucesso das situações apresentadas neste
estudo, nas quais vigoraram a hostilidade. O conhecimento e o respeito pelas
experiências vivenciadas pelo aluno em seu meio social podem contribuir e se tornar
uma estratégia eficiente para a prática docente. Isso, por considerar que, nessa fase
de escolarização, os alunos nem sempre têm conhecimento de quais estratégias são
mais eficientes no jogo escolar ou mesmo discernimento sobre a relevância do
aprendizado do ofício de estudante para o sucesso escolar que pretendem trilhar.
Espera-se que a sala de aula, palco das estratégias de interações interligadas
à escola e ao meio social, promova o acesso dos alunos ao conhecimento científico
e cultural e os incite a uma longa trajetória de sucesso escolar, assim como de
realização pessoal.
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APÊNDICE A – Questionário aplicado à Escola Municipal Professor Afonso Goulart
57 Objetiva-se saber se os professores trabalham de manhã e à tarde, jornada dupla de trabalho, ou
apenas em um horário.
Ano de fundação da escola:
Número de alunos (total): Número de alunos (turno da manhã): Número de alunos (turno da tarde): Número de professores (total): Número de professores (1ª série): Número de professores (2ª série): Número de professores (3ª série): Número de professores (4ª série):
Efetivos Efetivos Efetivos Efetivos
Tempo de experiência no magistério: Tempo de experiência no magistério: Tempo de experiência no magistério: Tempo de experiência no magistério:
Jornada de trabalho57: Jornada de trabalho: Jornada de trabalho: Jornada de trabalho:
Número de turmas (total):
Número de turmas (introdutório):
Número de turmas (2º período):
Número de turmas (3º período):
Número de turmas (1ª série):
Número de turmas (2ª série):
Número de turmas (3ª série):
Número de turmas (4ª série):
Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Educação Pontifícia Universidade Católica – BH/MG
Mestranda: Núbia K. Zeferino À E. M. Professor Afonso Goulart
APÊNDICE B – Roteiro de entrevista com os alunos
O aluno e o meio social 1. Quantos moram em sua casa? Quem mora com você? Quantos irmãos você
tem?
2. Você gosta do meio social onde vive? De que mais gosta nele? Há algo de que
você não gosta? Por quê?
3. As dificuldades que você enfrenta em casa e no seu meio social atrapalham os
seus estudos? Como?
4. Você convive com os seus amigos de sala de aula fora do ambiente escolar, ou
seja, no meio social onde vocês vivem? Como é a convivência de vocês: onde
se encontram e para quê? Se não se encontra com os amigos da sala de aula,
encontra-se com quem? O que costumam fazer?
5. Em casa, o que você costuma fazer? Concede algum tipo de ajuda nas
atividades domésticas? Qual? Você estuda em casa? Com que freqüência?
Aonde você faz as atividades da escola? Qual horário você utiliza para
estudar? Recebe ajuda de alguém nas tarefas escolares? De quem? Como?
6. Você faz o dever de casa todas as vezes que a professora o passa? Quando
você não faz o dever de casa, como se sente? Qual (is) é (são) a (s)
justificativa (s) por não fazê-lo? Para você, o dever de casa é importante? Por
quê? Há preocupação de sua parte pela omissão em fazer o dever de casa e
suas conseqüências? Você já recebeu castigo por isso? Qual?
7. Nos momentos de lazer, qual é a sua atividade preferida?
8. Qual o seu tipo de música preferida? Qual banda? Você toca algum
instrumento musical? Como aprendeu?
9. Qual o seu tipo de esporte preferido? Você o pratica? Aonde?
10. Que tipos de programa de TV você mais gosta de assistir?
O aluno e o ambiente escolar
1. Há quanto tempo estuda nessa escola? Você já estudou em outra? De qual
você gosta mais? Por quê?
2. Você gosta de ir à escola? De que mais gosta nela? Do que não gosta e por
quê?
3. Você falta à escola? Se falta, por qual motivo?
4. Qual o espaço da escola de que você mais gosta? Há algum ambiente na
escola que você não conhece? Você gostaria de conhecer?
5. Como é o seu relacionamento com os funcionários dessa escola?
6. Você gosta de participar de atividades fora do ambiente da sala de aula? De
que tipos de atividades? Se você pudesse sugerir, qual atividade você gostaria
de introduzir na escola?
7. O que você acha da merenda dessa escola? Ela lhe é suficiente? Esta é a
primeira refeição que você faz no dia? E depois, você almoça em casa?
8. Qual transporte você utiliza para ir à escola? Vai sozinho, acompanhado ou é
responsável por trazer alguém?
9. Você tem todos os materiais escolares sugeridos pela escola? Que estratégias
você utiliza para ludibriar a falta de material?
10. Utiliza uniforme escolar? Por quê? Você gostaria de usá-lo?
O aluno e o conhecimento escolar
1. Você gosta de estudar? Você acha importante estudar? Por quê?
2. O que é para você ser um (a) bom/boa aluno (a)?
3. De qual disciplina você mais gosta? De quais atividades dessa disciplina você
mais gosta? De quais atividades você menos gosta?
4. Você se sente preocupado nos dias das avaliações? Como você se prepara
para esses dias?
5. Você consegue estabelecer relações entre o que você aprende na escola e
suas vivências fora dela?
6. Para que servem os conhecimentos que você aprende na escola?
7. Como você utiliza na escola os conhecimentos que você aprende fora da
escola?
8. Qual profissão você admira? Qual profissão você gostaria de exercer
futuramente?
O aluno e a sala de aula
1º interação alunos-professora
1. Como é a sua interação com a professora?
2. De que você mais gosta na sua professora? Por quê?
3. Que atitudes a professora toma e você não gosta? Por quê?
4. A professora costuma demonstrar preferências por algum aluno? Tais
preferências estão ligadas a que perfil de alunos?
5. Que atitudes você acha que a professora deveria tomar com os alunos nos
momentos de muita conversa?
6. O que você acha do castigo? Por quê? Você já ficou de castigo alguma vez?
Por quê?
7. Você já assinou o livro de ocorrências nesta escola? Que tipo de problema
disciplinar você teve para que isso acontecesse?
8. Você gosta de participar das aulas?
9. Quais atividades, práticas e didáticas utilizadas pela professora você considera
mais apropriadas para a sua aprendizagem e que despertam mais motivação
para você aprender?
10. Há momentos em que você gostaria de participar mais das aulas e não
participa? Por que isso acontece?
11. Você presta atenção em tudo que a professora ensina? O que desvia sua
atenção nas aulas?
12. Você entende bem as matérias? Você pede ajuda à professora quando você
tem algum tipo de dificuldade? O que a professora faz para ajudá-lo?
2º interação alunos e seu grupo de amigos
1. Você interage bem com todos os seus amigos de sala de aula? Que
características deles lhe causam intolerância? Por quê? E que qualidades você
admira? Por quê?
2. Você se sente querido pelos seus amigos? Que tipo de comportamento você
tem que eles admiram? Por outro lado, o que você faz que eles não gostam?
3. Você se importa de emprestar material escolar para seus amigos? Há algum
que você não gosta de emprestar? Por quê?
4. O lugar que você ocupa na sala de aula foi escolhido por você ou pela
professora? Você gosta de se sentar lá ou preferiria um outro lugar? Por quê?
5. Você gosta dos amigos que se sentam perto de você? Costuma solicitar ajuda
deles em algum momento? Quando?
6. No recreio, ou na aula de Educação Física, você costuma escolher amigos para
ficarem com você? Você tem preferência por alguns?
APÊNDICE C – Roteiro de entrevista com a professora
Trabalho docente 1. Tempo que trabalha como professora. Tempo que trabalha como professora na
Rede Municipal. Tempo que trabalha como professora nessa Escola.
2. Trabalha em outra Rede? Há quanto tempo? Qual a função exercida?
3. Qual o ciclo em que atuou por mais tempo? Em qual ciclo você gosta menos de
trabalhar? Por quê? O ciclo atual, no qual trabalha, é o de sua preferência?
4. Em que a experiência tem ensinado/ajudado no seu trabalho como docente?
5. O que é para você ser professora?
6. Afetividade e trabalho docente.
7. Você gosta de ser professora? Do que mais gosta?
Trabalho pedagógico e organização pedagógica da escola
1. Importância da equipe pedagógica para o trabalho da escola e o trabalho
docente e discente.
2. Que tipo de influência a direção exerce sobre a sua prática docente na sala de
aula?
3. De que forma o trabalho da coordenação pedagógica influencia o seu trabalho
na sala de aula?
4. Condições de trabalho no tempo em que trabalha na Rede – melhorou, mantém
o mesmo nível ou piorou?
5. Como você obteve informação sobre a Proposta Curricular do Município?
Trabalho pedagógico e o meio social
1. O meio social dos alunos influencia o trabalho pedagógico na escola e na sala
de aula? De que forma?
Organização pedagógica da aula
1. Como lhe foi apresentado o programa curricular da fase IV?
2. Você considera tal programa adequado, avançado ou aquém dessa turma?
3. A quem você recorre quando necessita de ajuda para trabalhar os conteúdos?
Você é atendida?
4. Que estratégias de planejamento de aula você utiliza?
5. Como é feita a distribuição dos conteúdos na carga horária semanal e quanto
tempo é reservado a cada matéria?
6. Nessa turma, há alguma matéria que você prioriza em relação a outra? Por
quê?
7. Há necessidade de atualizar seus conhecimentos sobre os temas que vai
trabalhar com seus alunos?
Interação professora-alunos
1. Como é sua interação com os alunos? Em sua opinião, quais fatores melhor
explicam a dificuldade de aprendizagem dos alunos?
2. Com base na sua experiência como docente, cite as atividades que despertam
mais interesse nos alunos e produzem melhores resultados na aprendizagem.
3. Indique quais fatores dificultam o desenvolvimento dessas atividades.
4. Desse modo, que estratégias você utiliza para conseguir desenvolver bem o
seu trabalho com seus alunos?
5. O que você acha que pode melhorar a sua prática docente?
6. O que você acha que pode melhorar o trabalho dos alunos?
APÊNDICE D – Entrevista com a supervisora
Trabalho pedagógico e organização pedagógica da Escola 1. Qual a importância da equipe pedagógica para o trabalho da Escola?
2. Que tipo de influência a coordenação pedagógica exerce sobre a sua prática
docente na sala de aula e/ou em outros ambientes da Escola?
3. De que forma o trabalho da coordenação pedagógica influencia o aprendizado
dos alunos na sala de aula e/ou em outros ambientes da Escola?
4. O meio social dos alunos influencia o trabalho pedagógico que você exerce
nessa Escola? De que forma?
5. Como é a sua interação com a professora Patrícia?
6. Ela solicita a sua ajuda? Com que freqüência?
7. Como você conduz o seu trabalho de apoio pedagógico nesta Escola? Espera
ser solicitada ou oferece ajuda?
ANEXO A – Convite para a peça teatral realizada na escola em homenagem ao Dia das Mães
ANEXO A – Continuação
ANEXO B – Avaliação de Português – A lenda da Páscoa
Anexo C – Avaliação de Português – Interpretação de Texto
ANEXO D – Avaliação de Português – Continuação da atividade anterior
ANEXO E – Avaliação de Ciências
ANEXO F – Autorização para utilização do nome verídico da escola