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Novembro 2010
PRÉ-DIAGNÓSTICO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
DO CONCELHO DE ESPINHO
CAPÍTULO | TOXICODEPENDÊNCIAS
- SUBCAPÍTULO | Consumos Abusivos de Álcool
Versão Provisória | Documento de Trabalho
2
PROBLEMAS LIGADOS AO ÁLCOOL
A produção de substâncias alcoólicas remonta ao período neolítico com o fabrico e ingestão de
cerveja crendo-se, inclusive, que terá sido no período paleolítico que o homem conheceu, de
forma acidental, os efeitos da ingestão do mel fermentado (Mello, Barrais e Breda, 2001: 9).
Assim, o consumo de álcool tem estado presente em todas as sociedades, ao longo dos
tempos, ocupando um importante papel ao nível social, cultural e mesmo religioso. Ao nível do
consumo detecta-se um duplo significado: por um lado, enquanto substância de carácter quase
mágico, com um papel de celebração, de ritualização, de aproximação, prazer e libação; por
outro lado, enquanto fonte de receita e produto comercial de elevado valor, factor de
desenvolvimento económico para alguns países (IDT: 2010, 3).
Objectivamente, o álcool e o tabaco partilham a mesma posição face à legislação e são
considerados por muitas pessoas, quer do plano académico, quer da sociedade civil, como
drogas leves. A diferença entre as duas reside na dimensão subjectiva inerente ao seu
consumo, ou seja, nas representações veiculadas pela sociedade, que colocam o tabaco num
plano altamente desfavorável e perigoso para a saúde pública, como tão bem exemplificam as
restrições impostas ao consumo de tabaco em locais públicos, ou as campanhas organizadas
contra o tabaco. O álcool, por seu turno, reúne representações bem diferenciadas, sendo
consensualmente associado ao lazer, à diversão e à vida nocturna, denotando-se um
enraizamento profundo do seu consumo na cultura portuguesa.
Numa perspectiva de adição, podemos afirmar que o álcool é a droga mais consumida do
mundo. O World Development Report 2007 do Banco Mundial evidencia que cerca de 50% das
pessoas com 15 ou mais anos, consumiram álcool no ano anterior e que a proporção de jovens
que consomem bebidas alcoólicas ultrapassa os 60%.
O consumo nocivo do álcool representa um problema com uma dimensão mundial que urge
endereçar de forma coerente e consistente. A Carta Europeia de 1995 sobre o álcool
estabelece que ‘todas as pessoas têm direito a uma família, comunidade e ambiente laboral
protegidos dos acidentes, da violência e de outras consequências negativas do consumo de
álcool’. Mais ainda, reafirma-se que ‘todas as pessoas têm direito a uma informação e
educação imparciais, iniciadas tão cedo quanto possível, sobre as consequências do consumo
do álcool na saúde, na família e na sociedade’ e que ‘todas as pessoas que não consomem
álcool por escolha pessoal ou por razões de saúde têm o direito de ser protegidas de pressão
para beber, de publicidade agressiva e devem ser apoiadas activamente na sua decisão’.
Os efeitos nocivos do álcool incluem diversas e diferentes consequências físicas, psicológicas
e sociais para os seus consumidores, sendo importante clarificar que estes efeitos e
consequências não surgem apenas de uma relação de dependência da substância, mas
também, em diferentes estágios de consumo e em determinadas circunstâncias (por exemplo,
na gravidez ou quando consumido por menores), ou até mesmo pontualmente, se atendermos
3
a intoxicações que podem derivar de um único consumo (mesmo que esporádico) ou às
vítimas de acidentes de tráfego, cuja causa resida na ingestão de bebidas alcoólicas.
O debate conceptual sobre o álcool (e problemas associados) não tem sido pacífico e hoje
tende-se a estender o seu campo de influência, encarando-se o álcool não só como uma
patologia individual e social do indivíduo mas, também, colectiva, situada no âmbito da saúde
pública. Melo, Barrais e Breda (2001) propõem um esquema adaptado de Carwrisht e Shaw
que permite situar a multiplicidade de factores que, em permanente interacção, determinam a
incidência e prevalência dos problemas ligados ao álcool (PLA) - a construção da definição da
história natural da doença, bem como, os alvos e estratégias de prevenção. Este esquema
compreende os factores individuais (fisiológicos, bioquímicos, genéticos, psicológicos e
espirituais) e factores socioeconómicos e culturais (vitivinícolas, antropológicos e culturais,
económicos, jurídicos e políticos) que interagem com as características individuais, de maior ou
menor vulnerabilidade, e a protecção específica do indivíduo ou grupo face ao álcool1, ou seja,
com os hábitos, usos, comportamentos e “modelos de beber” de cada indivíduo. Estes factores
afiguram-se determinantes para o surgimento de PLA e afectam não só o indivíduo mas,
também, a sua família, o seu trabalho e a sociedade em geral (Melo, Barrais e Breda: 2001,
22).
Efectivamente, em termos físicos imediatos, os efeitos nocivos do álcool causam uma
descoordenação muscular e a diminuição das capacidades de atenção, compreensão,
raciocínio e reacção. A médio e longo prazo, a sua ingestão pode provocar inúmeras patologias
como sejam a hepatite, gastroenterite, pancreatite, arritmia, trauma, acidentes
cardiovasculares, impotência, danos em fetos, deficiências nutricionais, entre muitos outros. No
campo psicológico o consumo de álcool pode causar insónias, depressão, ansiedade e
amnésia podendo mesmo ocorrer, em casos mais graves, alucinações, mudanças de
personalidade ou demência que podem culminar em tentativas de suicídio.
No campo social o álcool interfere nos universos familiar, profissional e social, originando uma
panóplia de consequências que começam com a degradação física e psicológica do indivíduo e
culminam com a deterioração das suas relações pessoais e sociais. No sistema familiar, a
dependência do álcool conduz, muitas vezes, a casos de crises conjugais graves, a situações
de violência doméstica e/ou à destabilização psicológica dos cônjuges e dos filhos, entre
outras. No plano profissional provoca a diminuição do rendimento laboral, o aumento do
absentismo e dos riscos de acidentes. Quanto ao domínio social, o consumo é correlacionado
com perturbações nas relações sociais e da ordem pública, incluindo-se, nesta categoria,
situações de acidentes rodoviários, homicídio, roubo, violação e mesmo de vitimação, uma vez
que, quando alcoolizadas, as pessoas ficam mais vulneráveis a ataques exteriores.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) distingue três tipos de consumos perigosos de álcool:
consumo de risco; consumo nocivo e dependência. A primeira classificação, consumo de risco,
é um padrão de consumo que pode vir a implicar dano físico ou mental se esse consumo 1 Em relação a este último caso (protecção específica de um grupo), cite-se o exemplo da religião islâmica que apela à abstinência dos seus seguidores.
4
persistir. Já o consumo nocivo é um padrão de consumo que causa danos à saúde, quer físicos
quer mentais mas que, todavia, não satisfaz os critérios de dependência. Por fim, a
dependência, é um padrão de consumo constituído por um conjunto de aspectos clínicos e
comportamentais que podem desenvolver-se após repetido uso de álcool, como seja o desejo
intenso de consumir bebidas alcoólicas, o descontrolo sobre o seu uso, a continuação dos
consumos apesar das consequências, uma grande importância dada aos consumos em
detrimento de outras actividades e obrigações, o aumento da tolerância ao álcool e a
prevalência de sintomas de privação quando o consumo é descontinuado.
Nesta linha e segundo a OMS, um “(...) alcoólico é um bebedor excessivo, cuja dependência
em relação ao álcool, é acompanhado de perturbações mentais, da saúde física, da relação
com os outros e do seu comportamento social e económico (...)”[1987, cit. por Centro Regional
de Alcoologia de Lisboa, 1999, pág. 41]. Por sua vez, o Manual de Diagnóstico e Estatística
das Perturbações Mentais (DSM-IV-TR) define a dependência como “um conjunto de sintomas
cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicativos que o sujeito continua a utilizar a
substância apesar dos problemas significativos com esta. Existe um padrão de auto-
administração repetida que resulta geralmente em tolerância, abstinência e comportamento
compulsivo quanto ao consumo de drogas”.
Ainda no âmbito da definição de alcoolismo há que ter em atenção a distinção entre dois
conceitos, por diversas vezes confundidos: alcoolismo agudo e alcoolismo crónico. No primeiro
caso, existe uma ingestão única de uma grande quantidade de álcool, num dia ou num espaço
curto de tempo, podendo este estado ir desde a excitação psíquica até ao coma alcoólico. O
alcoolismo crónico, por seu turno, pressupõe uma ingestão excessiva habitual de bebidas
alcoólicas, com frequência, repartidas ao longo do dia em várias doses, que vão mantendo
uma alcoolização permanente do organismo.
Em suma, o consumo nocivo de álcool não só tem consequências para quem bebe, mas afecta
também terceiros e a sociedade em geral. Os padrões nocivos e perigosos de consumo de
álcool têm consequências significativas em matéria de saúde pública, para além de gerarem
custos no sector dos cuidados de saúde, no sector da justiça e ainda no que âmbito da ordem
e seguranças públicas tendo, por tal, efeitos negativos no desenvolvimento económico e na
sociedade em geral. Os padrões nocivos e perigosos de consumo de álcool são, portanto, um
determinante de saúde fundamental que urge endereçar, nomeadamente no que respeita a
prevenção, a detecção precoce e o tratamento de Problemas Ligados ao Álcool (PLA) (IDT,
2010, 10).
Panorama Europeu |
A Europa é a zona do mundo com consumo mais elevado de álcool, com cerca de 11 litros per
capita, embora se verifique um decréscimo considerável comparativamente aos 15 litros per
capita consumidos em meados anos 70. Por outro lado, e se a esmagadora maioria dos
5
Europeus bebem álcool, será de referir que cerca de 55 milhões de adultos (15%) se abstêm
(Anderson e Baumberg: 2006, 77).
No que respeita a produção, verifica-se que a Europa desempenha um papel central no
mercado global do álcool, produzindo um quarto do álcool mundial e mais de metade da
produção mundial de vinho. Quanto ao comércio, o papel do álcool sobressai ainda mais, com
70% das exportações do álcool e pouco menos de metade das importações mundiais a
envolver a União Europeia. De facto, e apesar de a maioria deste comércio ser concretizado
entre países da UE, o comércio do álcool contribui com aproximadamente 9 biliões de euros
para a balança comercial da UE. Como tal, a indústria das bebidas alcoólicas assume um papel
considerável em muitos países europeus, quer em termos dos dividendos públicos e privados
que advêm da produção e do comércio, quer ao nível dos postos de trabalho que cria, tanto no
domínio da produção, como da rede de distribuição. Note-se, por exemplo, que os impostos
directos sobre produtos alcoólicos totalizaram, em 2001, 25 milhões de euros, excluindo
impostos sobre a venda e outros impostos pagos na rede de distribuição (ibidem: 47).
Já quanto aos comportamentos de risco, estima-se que 23 milhões de europeus (5% de
homens e 1% de mulheres) são dependentes do álcool, tendo-se determinado que o álcool é
responsável por 7,4% de todas as incapacidades e mortes prematuras na UE e que ocorrem,
aproximadamente, 115 000 mortes por ano em pessoas até aos 70 anos correlacionadas com
o álcool (IDT: 2010, 13).
Além de ser uma droga de dependência, o álcool é causa de 60 tipos diferentes de doenças e
problemas, incluindo ferimentos, perturbações mentais e comportamentais, problemas
gastrointestinais, cancros, doenças cardiovasculares, perturbações imunológicas, doenças
pulmonares, doenças ósseas e musculares, perturbações reprodutivas e danos pré-natais
(Anderson e Baumberg: 2006, 131)
Mais ainda, o álcool causa actos de violência, homicídios (4 em cada 10 de todos os
assassinatos e mortes violentas), suicídios (1 em cada 6 de todos os suicídios), acidentes
rodoviários (1 em cada 3 de todas as mortes na estrada), por 60.000 nascimentos abaixo do
peso normal, por prejuízos no desenvolvimento cerebral do feto relacionados com défices
intelectuais nas crianças, sendo a maior causa de debilidade mental evitável na Europa (IDT:
2010, 14).
Na UE existem entre 5 a 9 milhões de crianças que vivem em famílias negativamente
afectadas pelo álcool. A Comissão das Comunidades Europeias (2006) estima que 16% de
todos os casos de abuso infantil e negligência são causados pelo álcool, referindo-se que a
quantidade de crianças que já nascem afectadas pelos seus efeitos é ainda incalculável.
A nível laboral, a OMS estima que o consumo de álcool reduz a produtividade em mais de
10%, estando também implicados aspectos associados a morbimortalidade. Segundo a
Organização Internacional do Trabalho (1996) entre 3% a 5% da população trabalhadora é
dependente de álcool e 25% está em risco de se tornar dependente (IDT: 2010, 15).
6
Quanto à sinistralidade rodoviária calcula-se que cerca de um quarto dos acidentes pode estar
relacionado com o consumo de álcool e que, na UE, morrem pelo menos 10 000 pessoas por
ano em acidentes rodoviários provocados pelo álcool. São sobretudo os jovens entre os 18 e
os 24 anos quem corre perigo. Nesta faixa etária, 35% a 45% das mortes devem-se a
acidentes de viação. Para os adolescentes, os acidentes de viação são a causa mais comum
de morte (47%, segundo diversas fontes). No que se refere aos acidentes por condução sob
influência do álcool, dois terços das pessoas envolvidas tinham entre 15 e 34 anos e 96% eram
homens (Comissão das Comunidades Europeias: 2006, 10).
Os custos sociais e económicos resultantes das consequências negativas do consumo são
elevadíssimos e têm conduzido a uma crescente preocupação, não só da OMS, mas de vários
organismos da União Europeia. Os custos tangíveis do álcool para a Europa foram estimados
em €125 biliões no ano de 2003, incluindo o equivalente a €60 biliões por perda de
produtividade, pelo absentismo, pelo desemprego e pela perda de anos de vida laboral devida
a morte prematura. Os custos intangíveis do álcool (que traduzem o valor que as pessoas
atribuem ao sofrimento e à perda de vidas) foram estimados em €270 biliões para o ano de
2003 (Anderson e Baumberg: 2006, 47).
Panorama Nacional |
No que concerne ao panorama português, o consumo de álcool assume contornos peculiares,
sobretudo, pela projecção que obtém em termos culturais e económicos. Por um lado, teremos
que ter em consideração que somos um dos países da União Europeia com maior tradição
vinícola e vitivinícola, sendo o consumo um elemento ritual profundamente enraizado nos
costumes portugueses. Bastará, neste âmbito, relembrar que o Douro é tido como a mais
antiga região demarcada do mundo, repleta de tradições multisseculares, ou recordar a
panóplia de alusões e incentivos ao consumo de álcool expressos pela sabedoria popular
(“Azeite, vinho e amigo: melhor o antigo”, “Bom vinho dispensa pregão”, “A boa comida requer
bom vinho” “Abril frio, pão e vinho”, “A bom amigo com teu pão e com teu vinho”).
Por outro lado, o sector vitivinícola assume uma poderosa importância para várias áreas da
nossa economia representando um dos mais principais segmentos, tanto da produção agrícola,
como do sector transformador agro-alimentar, tendo sido descrito, em 1993, no relatório Porter
(realizado pela empresa Monitor Group para o governo de Cavaco Silva), como uma das áreas
capazes de alcançar um maior potencial económico, estabelecendo-se num segundo relatório
(realizado em 2004 pela mesma empresa para a ViniPortugal) um planeamento estratégico de
dinamização das exportações para mercados mais receptivos à exportação de vinhos. Esta
estratégia económica delineada para o sector conduziu, em 2006, a um aumento das
exportações para o mercado americano na ordem dos 12% (mais 5% do que o inicialmente
previsto).
7
Estes contornos culturais e económicos aliados à extrema facilidade de adquirir álcool no
contexto português contribuem, indiscutivelmente, para que o nosso país se situe na linha da
frente da União Europeia, com um dos maiores consumos de bebidas alcoólicas e de
prevalência de problemas ligados ao álcool, sendo o alcoolismo considerado pelo governo
como a maior toxicodependência dos Portugueses2.
Em 2003, segundo dados do relatório World Drink Trends (2005) Portugal ocupava o 8.º lugar
do consumo mundial, com um consumo estimado de cerca de 9,6 litros de etanol per capita, o
que corresponde ao consumo acumulado de 58,7 litros de cerveja (23º lugar no ranking
mundial do consumo de cerveja), 42 litros de vinho (4º lugar) e cerca de 3,3 litros de bebidas
destiladas (32º lugar demonstrando-se um aumento relativamente aos anos transactos).
Estima-se que cerca de 10% da população Portuguesa apresente graves incapacidades
ligadas ao álcool, enquanto cerca de 60% da população consome regularmente álcool em
detrimento de apenas 15 a 25% que se abstêm ou consomem esporadicamente bebidas
alcoólicas (Mello, Barrais e Breda, 2001: 25). Recorrendo de novo ao Relatório World Drink
Trend 2005, constatamos que aproximadamente 1,8 milhões de portugueses são bebedores
excessivos e doentes alcoólicos crónicos.
O Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoactivas na População Geral – Portugal
2007 (Balsa et al., 2008) é o único estudo Português que abrange a população nacional
residente no continente e nas ilhas, com idades compreendidas entre os 15 e os 64 anos de
idade, tendo contabilizado uma amostra total de 15 000 indivíduos.
Segundo os elementos recolhidos nesta investigação, a prevalência do consumo de bebidas
alcoólicas em Portugal aumentou 3,5%, entre 2001 e 2008, de 75,6% para 79,1%, observando-
se um aumento da prevalência dos consumos para todos os grupos etários. Apenas 20,7% dos
portugueses entre os 15 e os 65 anos nunca beberam, ao passo que 41,6% já beberam 6 ou
mais bebidas em pelo menos uma ocasião (8,1% fazem-no duas ou mais vezes por mês, 1,8%
fazem-no quatro ou mais vezes por semana e 1,3% fazem-no diariamente). Uma percentagem
de 20,7% dos portugueses embriagou-se no último ano, sendo que 7,8% fê-lo no último mês.
Já no que concerne a sinistralidade rodoviária verifica-se que o consumo de álcool está
também fortemente associado às mortes na estrada, nomeadamente nos jovens portugueses.
De facto, e não obstante a evolução favorável verificada nos últimos anos, Portugal continua a
ter um dos piores índices europeus de sinistralidade rodoviária - o número de vítimas mortais
em acidentes de viação que apresentavam taxa de álcool no sangue igual ou superior a 0,5 g/l
diminuiu 14,8%, passando de 358 em 2004, para 305 em 2007.
O número de crimes de condução com taxa de álcool igual ou superior a 1,2 gramas/litro
registados pelas autoridades voltou a aumentar, no ano de 2008, situando-se em 201 por cada
100 mil habitantes, enquanto em 2007 este valor era de 194 (INE, Indicadores Sociais: 2008,
5.)
2 Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, de 29 de Novembro (referente ao extinto ‘Plano de Acção contra o Alcoolismo’).
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A taxa de mortalidade padronizada por doenças atribuíveis ao álcool antes dos 65 anos foi de
18,8% em 2006 (Alto-Comissariado da Saúde, 2008).
Por último e no que concerne a crianças vivendo em famílias afectadas pelo álcool, os dados
da Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco (CNPCJR/ISS, I.P. 2005-
2006) revelam que 40,1% das situações sinalizadas às CPCJ, pertenciam a agregados
familiares com problemática de álcool que afectava ambos os responsáveis pelo agregado em
que vivem as crianças e os jovens (2225 num total de 5552 casos referenciados por qualquer
razão) (IDT: 2010, 19).
O Álcool e os Jovens Portugueses |
Preocupante será o crescente consumo entre grupos que são, por norma, mais vulneráveis aos
efeitos nocivos do álcool – os jovens e o sexo feminino. Actualmente, o álcool é percepcionado
como elemento integrante do quotidiano e o seu consumo considerado uma acção usual e
trivial associada principalmente ao lazer, ao divertimento e à socialização; é comummente
procurado e utilizado devido aos seus efeitos, que se julgam estimulantes e que, entre outros
sintomas, potenciam a desinibição, a loquacidade ou a euforia.
A facilidade do acesso, de forma praticamente ilimitada, potencia as condições de risco da
dependência. De facto, muito embora seja proibida a venda de álcool a menores de 16 anos
continuamos a assistir, junto dos estabelecimentos comerciais, a uma aplicação permissiva da
legislação notando-se um acesso generalizado a bebidas alcoólicas, independentemente da
idade do cliente.
Sabemos que a fronteira entre o consumidor normal, consumidor excessivo e o consumidor
com dependência física e psíquica se dilui numa sociedade em que é prática comum, aceitável
e incentivada, o que aumenta, em grande medida, a noção de nocividade potencial do álcool.
Marti citado por Cabral afirma que a “adolescência é o período em que as características do
indivíduo favorecem em maior grau o início do consumo de drogas, e inclusive, a sua tendência
para a dependência (…) o estímulo para beber cerveja pode partir do meio familiar (pais bebem
regularmente) ou do social, em particular do grupo de amigos” (Marti cit Cabral: s/d, 181).
Consequentemente, devemos ter em atenção que muito embora o consumo de álcool seja uma
prática social lícita, consensualmente positiva e divertida, deve ser entendido, paralelamente,
como um factor de risco de comportamentos aditivos uma vez que, em excesso e sob a
influência de aspectos individuais e socioeconómicos propícios, o álcool pode causar
dependência com consequências particularmente gravosas no momento da adolescência, face
ao impacte negativo que o consumo regular e frequente pode provocar no desenvolvimento
cognitivo e psicossocial dos jovens.
Segundo Dawson et al (2008) as pessoas que iniciam o consumo de álcool durante a
adolescência têm maior probabilidade de sofrer as consequências do consumo excessivo de
álcool ao chegarem à idade adulta, entre as quais o risco de desenvolver dependência
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(Dawson et al., 2008). Outros autores (Jefferis et al., 2005) verificam ainda consequências
directas a nível do sistema nervoso central, com défices cognitivos e de memória, limitações a
nível da aprendizagem, como também aumento da criminalidade ao atingirem a idade adulta.
Em Portugal, existem dois grandes estudos, promovidos/financiados pelo IDT, que retratam a
realidade nacional sobre o consumo de substâncias psicoactivas junto dos jovens, a saber: o
ESPAD – European School Survey on Alcohol and Other Drugs (Inquérito Europeu sobre o
Consumo de Álcool e Outras Drogas) e o INME – Inquérito Nacional em Meio Escolar.
O ESPAD tem uma periodicidade de 4 anos e foi promovido em 1995, 1999, 2003 e 2007
permitindo um conhecimento aprofundado sobre a evolução dos consumos de substâncias
psicoactivas entre os jovens nascidos em 1991.
No inquérito de 2007 e em todos os 35 países participantes, pelo menos dois terços dos
estudantes ingeriram álcool pelo menos uma vez ao longo da sua vida, com uma média
aproximada dos 90%, sendo que cerca de 82% consumiu nos últimos 12 meses e 61% nos
últimos 30 dias (Götz e Hibell, 2007, 4).
No que diz respeito a Portugal, as principais conclusões de 2007 apontam genericamente para
dados concordantes com as tendências verificadas nos últimos estudos ESPAD. Assim, em
termos comparativos, Portugal tem surgido no grupo de países com as mais baixas
prevalências de consumo, embora se verifique, de 2003 para 2007, um aumento significativo
dos padrões de consumos intensivos (aliás, o maior da Europa), nomeadamente de episódios
de embriaguez e de binge drinking3; observando-se que a percentagem de estudantes que
referem este tipo de consumo durante os últimos 30 dias aumentou na ordem dos 31%, isto é,
de 25% para 56% (ibidem, 5).
Por seu turno, o INME – Inquérito Nacional em Meio Escolar, realizou-se em 2001 e 2006
permitindo caracterizar de forma aprofundada os consumos dos alunos do 3º ciclo (7º, 8º e 9º
anos de escolaridade) e do Secundário (10.º, 11.º e 12.º anos de escolaridade) das diferentes
regiões do território nacional.
Os resultados obtidos quanto ao consumo de álcool permitem constatar que a percentagem
dos alunos que já consumiu uma bebida alcoólica diminuiu entre os alunos do 3º ciclo - de 67%
(2001) para 60% (2006) - e entre os alunos do secundário - de 91% (2001) para 87% (2006).
Paralelamente, as percentagens dos que consumiram álcool nos ‘últimos 12 meses’
demonstram uma tendência para decrescerem junto dos alunos do 3º ciclo (na ordem dos 2%)
e para aumentarem cerca de 4% nos alunos do secundário.
Observa-se ainda, um aumento relevante no que concerne a prevalência dos alunos que
consumiram nos ‘últimos 30 dias anteriores à inquirição’ no grupo do 3º Ciclo (28%) e no
secundário (de 20%) (Feijão: 2010, 34). Este acréscimo poderá reflectir um aumento dos
alunos com consumos regulares, embora os indicadores referentes a ocorrências nos últimos
30 dias sejam particularmente sensíveis às variações decorrentes da existência de ocasiões
3 O consumo esporádico excessivo ou binge drinking é o consumo que excede 5 a 6 bebidas no homem e 4 a 5 bebidas na mulher, numa só ocasião e num espaço de tempo limitado, estando associado a uma maior probabilidade de sofrer consequências adversas.
10
especiais de consumo (festas, festivais, etc) que podem alterar o padrão ‘normal’ dos
comportamentos no período temporal em análise (ibidem, 43).
Por outro lado, um dado preocupante será o aumento do número de bebedeiras apesar de,
para a maioria dos alunos que as declaram, elas terem acontecido “apenas uma vez por outra”
nos “últimos 12 meses”. Em 2006, 12% dos alunos do 3º ciclo apanharam uma ‘bebedeira’ nos
últimos 12 meses, ao passo que este indicador congrega uma percentagem de 30% dos alunos
do secundário.
Em ambos os estudos, a cerveja salienta-se como a bebida com maior prevalência de
consumo nos dois grupos de escolaridade, constatando-se uma diminuição do consumo das
bebidas destiladas.
Os alunos do 3º ciclo apontam como locais mais frequentes de consumo excessivo de álcool as
discotecas, bares, festas e a casa dos amigos, ao passo que os do secundário indicam as
discotecas, bares e festas. Estes dados traduzem o uso do álcool em contextos recreativos
onde, entre outras, desempenha a função de promover a socialização dos adolescentes e o
processo de autonomização relativo aos pais e o desenvolvimento da capacidade de gestão da
vida e das suas vicissitudes.
Assim, o consumo de substâncias psicoactivas na adolescência tem que ser entendido no
quadro global do processo de desenvolvimento do adolescente como parte integrante do
processo de se tornar adulto, constituindo uma tentativa para alcançar a condição de adulto
pela qual os adolescentes tanto anseiam. O resultado dessa aventura, embora bastante
condicionado pelo passado de cada adolescente – herança genética, características biológicas,
contextos em que se desenvolveu, estilo de vida, subcultura juvenil em que está inserido, etc.
(Comas et al., 2003; Jessor et al., 1991; Matos, 2008; Pais, 1993) - vai resultar também, em
grande parte, do investimento e das capacidades do próprio adolescente (ibidem, 44).
Refira-se, por último, os resultados de 2002 e 2006 do inquérito HBSC – Health Behaviour in
School-aged Children (Matos et al., 2001, 2008) realizado no âmbito da OMS entre os alunos
do 6º, 8º e 10º anos de escolaridade. Os elementos recolhidos neste estudo sugerem que, no
geral, os jovens que já experimentaram, bem como os consumidores regulares e abusivos de
álcool, apresentam um perfil de afastamento em relação à família, à escola e ao convívio com
os colegas em meio escolar. Apresentam também, com mais frequência, envolvimento com
experimentação e consumo de tabaco e substâncias ilícitas e envolvimento em lutas e
situações de violência na escola.
Naturalmente, existem diversos factores de risco e de protecção que influenciam o consumo e
o tipo de consumo de substâncias psicoactivas na adolescência. São vários os estudos que
apontam a influência dos pares considerando-se que o consumo de álcool é utilizado como
uma forma de obter a aprovação social por parte dos amigos (Cardenal & Adell, 2000, Sieving,
Perry & Williams, 2000). Não obstante, a influência parental continua a ser a mais importante,
pelo menos no que respeita a iniciação do consumo de álcool (Kuntsche, E. & Kuendig, H.,
2006).
11
Por outro lado, o comportamento anterior ou o próprio consumo de determinadas substâncias
constitui, de acordo com a literatura, um dos principais factores determinantes deste mesmo
consumo. O tabaco é referido como a porta de entrada para o consumo de outras substâncias,
como o álcool e drogas ilícitas (Cardenal & Aldell, 2000; Perry & Staufacker, 1996; Sells &
Blum, 1996). De igual modo, o álcool é apontado como precursor da progressão para outras
drogas (Allen, Leadbeater & Aber, 1994; Kandel, 1998; Weinber, Rahdert, Colliver & Glantz,
1998). (Simões et al: 2006, 50)
Consumos Locais |
A dependência do álcool foi priorizada pela Núcleo Local de Inserção (NLI) do Rendimento
Social de Inserção, em 2010, como uma das problemáticas sociais que urge endereçar no
concelho de Espinho, tendo-se previsto em Plano de Acção proceder à caracterização
diagnostica da população com problemas de alcoolismo, com o intuito de garantir um apoio
mais adequado neste domínio.
Não obstante a prioridade atribuída pelos técnicos à necessidade de conhecimento sobre o
consumo e os problemas ligados ao álcool no concelho, deparamo-nos com a escassez e
dispersão dos dados relativos a este tema. Desde logo, surge uma dificuldade associada ao
facto de não podermos proceder ao cruzamento dos dados cedidos pelas diferentes
instituições. Por tal, torna-se difícil evitar a sobreposição dos elementos quantitativos, não nos
sendo possível apresentar um quadro fidedigno do número real de pessoas residentes no
município que são dependentes do álcool.
Feita a devida ressalva, os elementos que de seguida expomos provêem das seguintes fontes:
- Agrupamento dos Centros de Saúde do Grande Porto IX Espinho/Gaia;
- Centro Social de Paramos;
- ‘Estilos de Vida e Padrões de Consumo Juvenis’ – estudo levado a termo pela Rede Social de
Espinho em 2007.
- NASCE – Grupo de Amigos da Saúde do Concelho de Espinho;
- Polícia de Segurança Pública, Comando Distrital de Aveiro, Divisão Policial de Espinho;
- Instituto de Segurança Social, Centro Distrital de Aveiro, Unidade de Desenvolvimento Social
de Espinho;
Em Fevereiro de 2010, a Segurança Social e as instituições locais4 sinalizaram um total de 91
pessoas com dependência do álcool, que correspondem a aproximadamente 5,8% do total de
pessoas residentes no concelho de Espinho, acompanhadas no âmbito de Acção Social e de
Rendimento Social de Inserção (RSI).
Do total de pessoas acompanhadas, 50,5% estão integradas no RSI e correspondem a cerca
de 8,4% do conjunto de beneficiários do RSI residentes no concelho de Espinho. Uma
percentagem de 49,4% das pessoas identificadas como dependentes do álcool é
4 Associação de Desenvolvimento do Concelho de Espinho, Centro Social de Paramos e CerciEspinho.
12
acompanhada no âmbito da Acção Social e correspondem a cerca de 4,5% do total de pessoas
que detêm processos de Acção Social.
É necessário ter em atenção que as pessoas aqui identificadas enquadram-se no grupo de
pessoas dependentes do álcool e como tal, não se contabilizam pessoas com comportamentos
nocivos e/ou de risco.
A esmagadora maioria do grupo é constituída por homens que sobressaem com um valor total
de 79,1%. No que respeita a organização familiar, observamos que mais de metade das
pessoas identificadas com problemas de dependência do álcool reside ou ‘sozinha’ (29,7%) ou
num ‘casal com filhos’ (29,7%). Um conjunto de 19,8% vive com o ‘cônjuge (casal)’, enquanto
11% reside ‘com outro familiar’ e 8,8% com ‘pais/irmãos’. Apenas uma minoria de 1,1% reside
‘com outra pessoa que não pertence à sua família’. Significa isto que 70,4% dos indivíduos
alcoólicos acompanhados pela Segurança Social e pelas restantes entidades concelhias
dispõem de uma estrutura familiar que poderá ser influenciada, em maior ou menor grau, pelo
alcoolismo, sendo que já referimos neste documento as consequências nefastas que esta
doença poderá exercer no universo familiar.
Quanto às diferenças mediante o enquadramento institucional – se são acompanhadas ao nível
da Acção Social ou do RSI – observamos que existem mais mulheres com dependência do
álcool no âmbito da acção social (26,7%) do que no RSI (15,2%). Sobressai ainda o facto de as
pessoas enquadradas no âmbito da Acção Social se sobreporem às do RSI em relação ao
número de pessoas que residem com um ‘cônjuge (casal)’ (24,4%), bem como as que residem
com ‘pais/filhos’ (15,6%) e ‘com outro familiar’ (15,6%). Os beneficiários de RSI, por sua vez,
congregam uma maioria no que respeita as pessoas que vivem ‘sozinhas’ (34,8%), as que
vivem numa situação de ‘casal com filhos’ (41,3%) e as que habitam ‘com outra pessoa que
não familiar’ (19,6%).
Tabela 1 - Caracterização dos beneficiários com dependência do álcool, residentes no concelho de Espinho e apoiados pela Segurança Social, segundo o enquadramento (Acção Social ou Rendimento Social de Inserção)
Tipologias
Beneficiários
Acção Social RSI Total
N % N % N %
Total 45 100 46 100 91 100
Género Feminino 12 26,7 7 15,2 19 20,9
Masculino 33 73,3 39 84,8 72 79,1
Organização Familiar
Sozinho 11 24,4 16 34,8 27 29,7
Casal 11 24,4 7 15,2 18 19,8
Casal Com Filhos 8 17,8 19 41,3 27 29,7
Pais/Irmãos 7 15,6 1 2,2 8 8,8
Com outro Familiar 7 15,6 3 6,5 10 11,0
Com outra pessoa não familiar
1 2,2 9 19,6 1 1,1
Fonte: Unidade de Desenvolvimento Social de Espinho, ISS, I.P., Fevereiro 2010;
13
A Segurança Social e as instituições locais atribuíram um total de €3.435,05 em apoios
económicos a pessoas com dependência do álcool. A esmagadora maioria dos apoios
económicos são conferidos a beneficiários do RSI (€2.763,77) e visam, sobretudo, o apoio em
‘medicamentos’ (58,2%) e ‘alimentação’ (16,4%).
Note-se, no entanto, que 10,9% dos apoios enquadram-se no âmbito do ‘alojamento’ e foram,
exclusivamente, concedidos a pessoas abrangidas pela Acção Social. Uma percentagem de
9,1% é relativa a apoios referentes a ‘transportes’, 5,5% correlacionam-se com o ‘apoio a filhos
menores’ e outros tantos dizem respeito à categoria ‘outras’. Uma pequena minoria dos apoios
concedidos (1,8%) reporta à categoria de ‘ajudas técnicas’.
Tabela 2 - Apoios Económicos atribuídos pela Segurança Social a beneficiários com problemas de alcoolismo residentes no concelho de Espinho segundo a tipologia, por enquadramento (Acção Social ou Rendimento Social de Inserção).
Acção Social
RSI Total
N N N %
Total 3* 52 55 100
Alojamento 6 0 6 10,9
Alimentação 0 9 9 16,4
Medicamentos 1 31 32 58,2
Transportes 0 5 5 9,1
Ajudas Técnicas 0 1 1 1,8
Apoio a Filhos Menores 0 3 3 5,5
Outras 0 3 3 5,5
Comparticipação da Segurança Social 671,28 2.763,77 3.435,05 * Foram dados 7 apoios económicos a 3 pessoas que são acompanhadas no âmbito da Acção Social. Fonte: Unidade de Desenvolvimento Social de Espinho, ISS, I.P., Fevereiro 2010;
O Centro de Paramos é uma das instituições que actua no âmbito do consumo abusivo de
álcool, dando respostas diferenciadas a esta problemática sob diferentes vertentes,
nomeadamente através do trabalho desenvolvido com jovens no Centro Comunitário ‘Espaço
Vivo’ e do projecto de prevenção das toxicodependências ‘(Re)Agir’, bem como da intervenção
junto de adultos promovida pela Comunidade de Inserção. Todas estas pessoas na sua maioria
estão também identificadas noutras respostas sociais locais como por exemplo ao nível da
Acção Social e RSI, entre outros.
Não obstante, a Equipa de Redução de Riscos SMACTE identificou 17 pessoas dependentes
de álcool, que são acompanhadas por esta equipa essencialmente ao nível da alimentação,
com o objectivo de diminuir os efeitos nocivos desta substância.
O contacto com estes utentes acontece essencialmente quando estes estão sob o efeito da
substância, o que dificulta a relação e a comunicação com os mesmos (inviabilizando a
execução da educação para a saúde e os devidos encaminhamentos), chegando, por vezes, a
prejudicar o contacto com os restantes utentes que procuram a unidade móvel. Neste sentido,
a equipa tem avaliado esta população caso a caso, acusando algumas dificuldades em
desenvolver intervenções com um carácter mais estruturado.
14
Segundo esta equipa, existe uma necessidade premente de intervir junto dos consumidores
problemáticos, não associados à utilização de drogas (que, sublinha-se, têm características
bastante diferentes, logo exigem igualmente respostas diferentes). No entanto é assumida a
dificuldade em encontrar estratégias adequadas, pelo que optou por aguardar por directrizes
mais concretas por parte do IDT, no que concerne a intervenção em redução de riscos em
contexto de rua, junto das pessoas que consomem excessivamente e que são dependentes de
álcool.
Numa outra perspectiva e no âmbito do diagnóstico concelhio sobre o consumo abusivo do
álcool, o ACES Espinho/Gaia levou a termo um levantamento sociodemográfico das pessoas
que frequentaram a consulta de alcoologia do Centro de Saúde de Espinho, procurando-se
complementar os dados obtidos com a perspectiva dos técnicos que actuam o terreno, através
de uma entrevista realizada com o Dr. Rogério Ramos (médico responsável pela consulta de
alcoologia) e com a Dra. Helena Leite (técnica superior de serviço social afecta ao Centro de
Saúde de Espinho até Outubro de 2010).
A consulta de alcoologia iniciou-se em 1985 e terminou em 2010 na sequência da atribuição
das competências de intervenção no âmbito do álcool ao Instituto da Droga e da
Toxicodependência. Em rigor, deseja-se que tal decisão seja repensada, à luz do Plano
Nacional de Redução dos Problemas Ligados ao Álcool e da Rede de Referenciação para
Pessoas com Problemas Ligados ao Álcool. Esta Rede, estruturada em três níveis de
intervenção, reserva aos Cuidados de Saúde Primários, ao IDT, IP e aos Cuidados
Hospitalares, com particular relevo para os Serviços e Departamentos de Saúde Mental, papéis
de extrema relevância.
São os seguintes os diferentes níveis de intervenção:
Nível 1 – destinado a Médicos de Família e Equipas de Resposta aos PLA dos Cuidados de
Saúde Primários: Detecção precoce; Consumo de risco/ Consumo nocivo/abuso Dependência
ligeira; Intervenção breve.
Nível 2 – destinada à Equipa de Tratamento – CRI (IDT.IP): Consumo nocivo/abuso
referenciado de outras estruturas; Dependência moderada; Policonsumos.
Nível 3 – assegurada por UA / IDT. IP; Departamentos de Saúde Mental e Hospitais
psiquiátricos; Comunidades terapêuticas e Hospitais Gerais: Dependência grave; Dependência
ligeira ou moderada se condições có-morbidas psiquiátricas; Populações especiais.
Assim, os dados que se expõem de seguida correspondem ao número de pessoas que
frequentaram a consulta de alcoologia no Centro de Saúde de Espinho, desde o início deste
serviço até ao seu término e são complementados com a perspectiva dos técnicos de saúde
entrevistados.
Foram identificadas um total de 640 pessoas o que corresponde a uma média de 36 novas
pessoas por ano. O Dr. Rogério Ramos, por seu turno, menciona uma média 50 novos casos
por ano referindo ainda que alguns estudos realizados há alguns anos atrás apontavam para a
existência de aproximadamente 1500 indivíduos alcoólicos em Espinho, valor este que estaria
15
dentro da média nacional. A disparidade entre os dados identificados no levantamento
realizado e os referidos pelo Dr. Rogério é justificada pelo facto de algumas pessoas terem
sido eliminadas da listagem por motivo de falecimento.
Note-se que nem todas as pessoas que frequentaram esta consulta são dependentes do álcool
- efectivamente, esta consulta abrange pessoas com comportamentos nocivos, de risco e
dependentes do álcool verificando-se que uma grande percentagem, nomeadamente nos
últimos anos, era encaminhada pelo tribunal, na sequência de processos de violência
doméstica, de condutores apanhados com valores de alcoolemia superiores ao valor legal, bem
como de condutores envolvidos em acidentes de viação resultantes destas condições.
Tabela 3 – Número de pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia do Centro de Saúde de Espinho segundo o sexo.
Sexo N %
Masculino 523 81,7
Feminino 117 18,3
Total 640 100,0 Fonte: ACES Espinho/Gaia, Maio 2010.
A par dos tribunais, mencionam-se encaminhamentos realizados pelos técnicos de saúde
(médicos de família e psicólogos) e os técnicos de acção social das entidades concelhias, bem
como alguns casos encaminhados por familiares e amigos.
A este propósito os técnicos consideram importante distinguir os casos encaminhados pelo
tribunal que correspondem, muitas vezes, a consumos esporádicos e excessivos e não a
situações de alcoolismo, tornando-se necessário diferenciar o tipo de intervenção a adoptar
nuns e noutros casos.
De facto, e no primeiro caso (consumos excessivos) a actuação passa, sobretudo, pela
transmissão de informação e pelas consultas individuais. No caso de doentes alcoólicos a
metodologia de intervenção consistia, numa primeira fase, numa ‘desintoxicação alcoólica’ e na
frequência de psicoterapia de grupo, em grupos constituídos por 5 a 6 indivíduos. Esta fase
tinha uma duração aproximada de duas semanas, com tratamentos diários de uma hora.
Findas as duas semanas de tratamento e na última sessão (sessão de modelagem) estava
presente um elemento do NASCE – Núcleo de Amigos da Saúde do Concelho de Espinho,
para o qual os indivíduos eram encaminhados e que ficava responsável pelo acompanhamento
pós-cura e pelo apoio ao nível da reinserção social dos doentes. Após estas duas semanas de
tratamento, os doentes eram acompanhados mensalmente no primeiro ano e de dois em dois
meses no segundo ano, passando-se para um espaçamento gradual das consultas, consoante
a necessidade e as especificidades de cada caso.
Por outro lado, e no que concerne os encaminhamentos realizados pelos técnicos da CPCJ ou
de acompanhamento de RSI, há que salientar a extrema dificuldade de intervenção nestes
casos,
16
‘(...) enquanto que antigamente as pessoas vinham porque havia necessidade, eram
pressionadas pela família, aqui eram chamadas pelo subsídio, para receber o subsídio tinham
que ir à consulta... a desmotivação é enorme, motivar um indivíduo destes é muito diferente.”
Quanto à taxa de sucesso das intervenções realizadas no âmbito da consulta de alcoologia,
refere-se uma taxa aproximada de 55% referindo-se que alguns estudos realizados não
indicam diferenças significativas entre o tratamento em ambulatório e o internamento.
No que respeita o escalão etário e segundo o levantamento realizado, a média das idades
situa-se nos 59,05 anos, desconhecendo-se a idade de 70 indivíduos. Chama-se, no entanto, à
atenção para o facto de os dados divulgados pelo Centro de Saúde reportam a um período
temporal de 25 anos e que as idades foram calculadas tendo por base o ano de 2010
pressupondo-se, assim, que as idades actuais aqui referenciadas estão desfasadas em relação
ao período da consulta inicial de cada indivíduo. Não obstante, é-nos possível verificar que as
pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia são, na sua esmagadora maioria, adultos
que revelam um uso abusivo do álcool.
Tabela 3 – Número de pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia do Centro de Saúde de Espinho segundo o escalão etário.
Escalão Etário N % % Válida
Valido
25-29 1 ,2 ,2
30-34 8 1,3 1,4
35-39 22 3,4 3,9
40-44 48 7,5 8,4
45-49 67 10,5 11,8
50-54 96 15,0 16,8
55-59 67 10,5 11,8
60-64 65 10,2 11,4
65-69 66 10,3 11,6
70-74 45 7,0 7,9
75-79 43 6,7 7,5
80 e mais anos 42 6,6 7,4
Total 570 89,1 100,0
Desconhecido 70 10,9
Total 640 100,0
Fonte: ACES Espinho/Gaia, Maio 2010.
Segundo os técnicos entrevistados, a idade média das pessoas dependentes de álcool situa-se
nos 40 anos, sendo que nos últimos anos se tem vindo a denotar uma alteração nos padrões
de consumo, uma vez que aparecem cada vez mais jovens com consumos problemáticos de
álcool. Aliás, em alguns casos, são acompanhados pelos próprios pais que manifestam
preocupação com os seus filhos.
17
“O alcoolismo de que estamos a falar de há 25 anos, é sempre em idades depois dos 25 a 30
anos, porque o tempo necessário para ser criada a dependência alcoólica são pelo menos 10
anos, apesar de eles começarem a beber cedo...” Segundo “(...) estudos mais antigos, era com
a entrada na tropa com 20 anos, havia o pico, e depois esperávamos e lá tínhamos os doentes
alcoólicos, portanto era essa década, dos 30, 40 anos, a média será pelos 40, 40 e tal anos,
que era o período de intoxicação... Ultimamente isso começou-se a alterar, são mais novos (...)
o grau de intoxicação dos doentes que tínhamos antigamente era muito mais intenso, portanto,
eles apareciam mais tarde, agora aparecem mais cedo mas com um grau de intoxicação muito
menor. Mas (...) o acesso ao médico está facilitado e portanto vão mais cedo (...).”
Uma das grandes mais-valias do levantamento efectuado pelo ACES Espinho/Gaia diz respeito
à identificação territorial, quanto à freguesia de residência, do consumo abusivo do álcool no
concelho de Espinho. Desconhecendo-se o local onde 14 pessoas habitam, observamos que a
maioria das pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia reside na freguesia de Anta
(25,3%) e em Espinho (35%), seguindo-se a freguesia de Silvalde com 21,3%. A freguesia de
Paramos congrega uma percentagem de 14,1% e a de Guetim, 3,1%. Note-se que cerca de
9,1% das pessoas identificadas residem fora do concelho, nomeadamente em concelhos
circunvizinhos, como sejam Nogueira da Regedoura, Esmoriz, São Félix da Marinha, Vila Nova
de Gaia, entre outros locais contíguos ao município.
Tabela 5 – Número de pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia do Centro de Saúde segundo a freguesia de residência
Freguesia N % % Válida
Valido
Anta 162 25,3 25,9
Espinho 160 25,0 25,6
Guetim 20 3,1 3,2
Paramos 90 14,1 14,4
Silvalde 136 21,3 21,7
Fora do Concelho 58 9,1 9,3
Total 626 97,8 100,0
Desconhecido 14 2,2
Total 640 100,0 Fonte: Agrupamento dos Centros de Saúde Vila Nova de Gaia/Espinho, Maio 2010.
Quanto às intervenções a delinear, os técnicos de saúde consideram prioritário investir, ao
nível local, em programas de prevenção que actuem nas escolas. Actualmente, deparamo-nos
com novos padrões de consumo juvenis – os jovens consomem álcool de uma forma muito
intensa e revelam, por tal, um modelo de consumo completamente diferente, tornando-se
imprescindível adoptar novas acções que privilegiem a prevenção. Por outro lado, salienta-se a
importância da proximidade das respostas aos cidadãos e da actuação ao nível da reinserção
social dos doentes alcoólicos.
18
Desde Outubro 1991 existe em Espinho, o Núcleo de Amigos da Saúde do Concelho de
Espinho (NASCE), cujos objectivos são: combater o uso excessivo de bebidas alcoólicas,
motivar os doentes alcoólicos para o tratamento, ajudar os alcoólicos tratados a reintegrar-se
na sociedade, promover o bem-estar físico, mental e social, bem como acompanhar os doentes
alcoólicos durante o tratamento.
Este grupo conta com um espaço informal mas com uma metodologia de trabalho intencional,
porque estruturada, que proporciona aos presentes um contexto ideal para partilha de
experiências entre pares, ou seja, entre pessoas que vivenciaram ou vivenciam os problemas
resultantes do consumo exagerado de bebidas alcoólicas. Neste contexto as pessoas estão
entre iguais, identificam-se e sobretudo não julgam o próximo, dado que todos procuram
reorganizar a sua vida (individual, familiar, laboral, comunitária), onde o álcool não pode ter
lugar, procurando dar um novo sentido à vida.
Nestas reuniões os elementos presentes reforçam a sua abstinência, descobrindo as suas
forças e admitindo as suas fraquezas perante os outros. Neste espaço,o doente cria condições
para se auto-dominar e ultrapassar o desejo compulsivo de consumir uma substância (álcool),
através do aumento da sua autoconfiança/auto-estima reforçando, desta forma, a sua
abstinência.
De acordo com a sistematização efectuada ao longo da intervenção do NASCE, regista-se no
concelho de Espinho um assinalável número de indivíduos com largo historial de consumo de
álcool. Este consumo incide, cada vez mais, em ambos os sexos e em idades precoces. No
entanto, o NASCE é mais frequentado por elementos do sexo masculino, uma vez que mais
facilmente assumem a situação de dependência, enquanto no sexo feminino o consumo
excessivo de bebidas alcoólicas é menos tolerável socialmente, logo, mais difícil de assumir
este consumo e, consequentemente o seu tratamento.
A grande maioria dos doentes alcoólicos que têm frequentado o NASCE, são caracterizados
por baixos níveis de escolaridade, apresentando uma situação profissional de alguma
instabilidade, encontrando-se alguns em situação de desemprego. Nalguns casos verifica-se
uma perda do estatuto de marido/mulher e/ou pai/mãe, consequência da incapacidade de
exercer esse papel devido à centralidade no álcool por parte do doente, desvalorizando o seu
papel na família surgindo, por vezes, a quebra dos laços familiares.
Não obstante, e na perspectiva do NASCE, o alcoolismo continua a ser um problema muito
desvalorizado pelo consumidor e por algumas famílias, que procuram ajuda, quase sempre, em
situações limite, muitas vezes motivados por problemas judiciais ou por situações graves de
saúde. Mesmo assim, os cônjuges de alguns doentes alcoólicos assinalam o período de
tratamento como um momento de viragem nas suas vidas, assumindo a importância de
acompanhar o doente alcoólico ao longo do processo de tratamento.
A presença da família é fundamental em todo este processo dado que o alcoolismo é um
problema familiar. O consumo exagerado de bebidas alcoólicas por parte de um elemento do
agregado familiar tem um profundo impacto sobre a família, daí que a própria família deva ser
19
alvo de intervenção a par do tratamento realizado com o doente. Residualmente, existem
alcoólicos que, por ausência de retaguarda familiar, se encontram em situação de sem-abrigo,
ocupando casas devolutas do centro da cidade.
Por último, contamos neste estudo com as informações cedidas pela Polícia de Segurança
Pública (PSP), Comando Distrital de Aveiro, Divisão Policial de Espinho. Esta entidade reporta
que no ano de 2009 foram realizadas cerca de 63 operações STOP, onde foram apanhados 90
condutores com uma taxa de alcoolemia igual ou superior a 0,5 g/l inferior a 0,8 g/l, 14
condutores com uma taxa igual ou superior a 0,8 g/l e 51 condutores com uma taxa de
alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l. Concludentemente, em 2009 foram apanhadas 155
pessoas com taxas de alcoolemia superiores ao limite legal permitido. Por outro lado,
contabilizam-se cerca de 19 acidentes de viação em que foram intervenientes indivíduos com
álcool no sangue, embora não se registe nenhuma morte por acidente.
Consumos Juvenis Locais |
Em 2007 a Rede Social de Espinho publicou o estudo ‘Estilos de Vida e Padrões de Consumo
Juvenis’ com um duplo objectivo: por um lado, pretendia-se descortinar padrões locais de
consumo juvenil de drogas lícitas e ilícitas e, por outro, abordar os estilos de vida com o intuito
de dar a conhecer os jovens, os seus interesses, actividades e percepções (de si e dos outros).
Refira-se que, ao nível da amostra, recolheram-se um total de 698 questionários válidos –
número que equivale a uma representatividade de 23% da população estudantil concelhia.
Nesta linha, este estudo de investigação contribuiu para aprofundar o tema do alcoolismo, aqui
em foco, uma vez que foi possível abordar o consumo de álcool por parte dos jovens que
frequentam os estabelecimentos escolares do município.
Assim, e no que concerne os conhecimentos e percepções evidenciados em relação ao álcool
observou-se que, quando confrontados com diferentes descrições de um alcoólico, 29,1% dos
jovens assinalou a definição errada indiciando algum desconhecimento nesta matéria e,
consequentemente uma maior necessidade de investir na informação e sensibilização da
população estudante sobre o álcool e os seus malefícios. Dentro das definições erradas, será
interessante verificar que 20,8% dos jovens assinalaram a definição que remete um alcoólico
para uma pessoa depressiva, com perturbações mentais.
Analisando os hábitos de consumo de álcool dos inquiridos, deveremos ter em conta as
transformações sofridas pela sociedade portuguesa nos últimos tempos, que se reflectiram,
também, numa mudança do consumo de bebidas alcoólicas. Segundo Cabral a “importância
epidemiológica do álcool não acontece só porque é a droga mais consumida por adolescentes
e jovens mas também, pelo protagonismo que o seu consumo adquiriu nos tempos livres como
substância de referência nas relações sociais dos jovens” (Cabral s/d, 185). Assim, o acto do
consumo de álcool está associado a uma componente essencial, articulada e dinamizadora dos
tempos livres dos jovens, dos espaços de sociabilidades, diversão e lazer dos mesmos.
20
Os elementos obtidos permitem-nos observar que apenas 20,3% dos jovens inquiridos nunca
experimentou álcool, contra 41,6% que já o apreciou mas não o consome regularmente. Já
24,6% refere alguma regularidade do consumo e casos raros de embriagues, enquanto 2,2%
afirma que consome regularmente aos fins-de-semana, sendo o estado de embriagues
constante.
É incontestável a associação entre o consumo de álcool e os espaços de lazer e sociabilidade
observando-se que 95% dos consumidores ocasionais e regulares costumam beber em
discotecas.
Muito embora se observe que existem mais rapazes que afirmam consumir regularmente álcool
(41,3% contra 35,8% de raparigas) e que existem mais raparigas (45,8%) a afirmarem que «já
experimentaram mas não costumam beber» os testes estatísticos aplicados (Mann-Whitney U,
p = 0,682) demonstram que as diferenças que se constatam ao nível do género não são
estatisticamente significativas. Efectivamente, e segundo o Observatório Europeu da Droga e
da Toxicodependência existem estudos que comprovam que as diferenças entre os padrões de
consumo se estão a reduzir e que as semelhanças entre as experiências de consumo de
drogas ao longo da vida, em indivíduos de dois sexos, estão a aumentar, nomeadamente entre
a população escolar (Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, 2005).
Por outro lado, e apesar de existir uma diferença notória no que concerne ao consumo de
álcool por ano de escolaridade, observamos que a soma do conjunto dos alunos que «já
experimentou mas não costuma beber», com aqueles que «costumam beber álcool» é, em
todos os anos, superior ao número de alunos que nunca experimentaram álcool, inclusive no 7º
e 8º ano. Notamos, todavia, que à medida que o ano de escolaridade aumenta, aumenta
também o número de alunos que ingere bebidas alcoólicas, salientando-se que são muito
poucos os alunos que, no 10º, 11º e 12º anos, referem nunca terem experimentado álcool (17,
4 e 6 alunos, respectivamente). Mais de metade dos alunos do 11º (60,7%) e 12º anos (57,5%)
consomem regularmente álcool, enquanto o 10º ano, por seu turno, apresenta uma
percentagem de 44,8% de consumo regular.
A par das habilitações literárias procurou-se também averiguar se o insucesso escolar constitui
ou não, junto da amostra inquirida, um factor de risco. Detectou-se efectivamente uma
associação entre os alunos que já repetiram algum ano de escolaridade e o consumo de álcool
(p = 0,000), muito embora não a possamos considerar muito significativa uma vez que, quando
complementada com o teste Lambda, para evidenciar a força dessa correlação, observamos
uma associação muito fraca entre ambas as variáveis (p = 0,000).
Quanto à influência que a idade dos alunos pode ter nesta tipologia de consumo, alguns
afirmam já terem experimentado álcool aos 11 anos sendo, aliás, expressivo o número de
jovens que com 12 e 13 anos já o experimentaram. Contudo, mais de metade, entre os 11 e os
13 anos, afirma nunca o ter feito. Entre os 14 e os 15 anos a maioria refere já ter
experimentado e a partir dos 16 anos entre 50% a 60% dos alunos costumam consumir
21
regularmente álcool. A média dos alunos que já experimentaram e costumam consumir álcool
situa-se nos 15,7 anos de idade.
A importância do estado de espírito do indivíduo no consumo do álcool enquadra-se no âmbito
da corrente psicológica de natureza comportamental preconizada por Watson, Skiner, Miller,
que defende que o alcoolismo deve ser entendido não enquanto um sintoma, mas sim como
uma doença, um comportamento inadaptado e mal aprendido que se torna patológico. Neste
quadro, o álcool passa a ser utilizado normalmente para reduzir a tensão e a ansiedade e
produzir um sentimento de alívio e bem-estar, o que constitui um reforço para a persistência e
repetição do comportamento alcoólico (Melo, Barrais e Breda, 2001: 9).
Nesta linha, o estudo realizado em Portugal por Matos et al (2001) apresenta algumas
correlações entre o consumo de álcool e o estado de espírito (feliz/infeliz) dos alunos, alegando
que os jovens que não se sentem felizes são aqueles que referem mais frequentemente já ter
experimentado álcool. Não obstante estes resultados nacionais, os aferidos no concelho,
demonstram que não existe relação entre os estados de espírito e o consumo de álcool. De
facto, a grande maioria dos alunos considera-se bastante e muito feliz e, segundo o teste de
Kruskal-Wallis aplicado (p = 0,229), o estado de espírito não parece influenciar o consumo de
álcool.
Síntese Conclusiva |
O objectivo do presente subcapítulo foi o de concretizar uma abordagem aos consumos
abusivos de álcool no concelho de Espinho, partindo-se do pressuposto de que um
conhecimento mais aprofundado da realidade nos permitirá concretizar um planeamento
estratégico das respostas que se enquadram no âmbito da redução do consumo de drogas
licitas, bem como da diminuição das dependências.
Especificamente no que concerne o consumo de álcool importa salientar alguns aspectos
particulares: em primeiro lugar, a facilidade de acesso a esta substância e o papel que assume
a nível económico (em termos dos dividendos e dos postos de trabalho que cria) quer na rede
de produção, como na de distribuição. Por outro lado, o consumo de álcool pode exercer um
efeito nocivo com graves consequências quando consumido em excesso, não apenas em
casos de dependência, mas também em casos de consumos pontuais. De facto e como se
pode verificar ao longo deste documento, atribuem-se ao álcool 60 tipos de diferentes doenças,
bem como actos de violência, acidentes rodoviários e mortes, entre outras consequências
negativas.
Ao nível das tendências de consumo, observamos que a Europa é a zona do mundo com um
consumo mais elevado de álcool, estimando-se que 23 milhões de europeus (5% de homens e
1% de mulheres) são dependentes do álcool, que 7,4% de todas as incapacidades e mortes
prematuras na UE são atribuíveis ao álcool e que ocorrem, aproximadamente, 115 000 mortes
por ano em pessoas até aos 70 anos correlacionadas com o álcool (IDT: 2010, 13).
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Quanto ao panorama nacional, e em 2003, Portugal ocupava o 8º lugar do consumo mundial,
calculando-se que 60% da população portuguesa consuma regularmente álcool, que 10%
apresente graves incapacidades ligadas a esta droga e que 1,8 milhões de portugueses são
bebedores excessivos e doentes alcoólicos crónicos. No que respeita a população juvenil, o
ESPAD demonstrou que Portugal tem surgido no grupo de países com as mais baixas
prevalências de consumo, embora se verifique, de 2003 para 2007, um aumento significativo
dos padrões de consumos intensivos (aliás, o maior da Europa), nomeadamente de episódios
de embriaguez e de binge drinking.
Os elementos recolhidos ao nível local revelam que existiam, em 2010, cerca de 91 pessoas
alcoólicas (79,1% das quais pertencem ao sexo masculino) acompanhadas pela Segurança
Social e pelas entidades concelhias que actuam no âmbito da Acção Social, que correspondem
a aproximadamente 5,8% do total de pessoas acompanhadas. O Centro Social de Paramos,
por sua vez, e para além das pessoas que já estão englobadas ao nível da Acção Social, dá
apoio a 17 pessoas dependentes do álcool, através da Equipa de Rua. Estes casos, referem-
se, na sua maioria, a pessoas mais afastadas das estruturas formais de saúde e de apoio
psicossocial.
O Agrupamento dos Centros de Saúde do Grande Porto IX Espinho/Gaia levou a termo um
levantamento sociodemográfico das pessoas que frequentaram a consulta de alcoologia do
Centro de Saúde de Espinho, entre 1985 e 2010, tendo-se identificado um total de 640
pessoas. Não obstante é necessário referir que nem todas elas são dependentes.
Os técnicos de saúde responsáveis por esta consulta referem que os estudos realizados há
uns anos apontavam para a existência de aproximadamente 1500 alcoólicos residentes no
município. Quanto à taxa de sucesso da intervenção realizada na consulta de alcoologia
aponta-se para uma percentagem na ordem dos 55%.
Apesar de se calcular que a média de idades dos doentes se situe nos 40 anos observa-se,
actualmente, uma mudança nas tendências de consumo face ao número crescente de casos
de pessoas mais jovens com consumos abusivos de álcool. Nesta linha, referem-se algumas
alterações no modelo de consumo – se entre as pessoas mais velhas o grau de intoxicação é
superior, junto das pessoas mais novas detecta-se uma maior intensidade no consumo.
Este organismo chama ainda à atenção para a necessidade de diferenciar a intervenção
consoante a existência de um caso de dependência ou um caso de consumo pontual
excessivo. Mais, salienta-se a dificuldade de intervenção junto de pessoas que frequentam a
consulta de alcoologia para poderem auferir de subsídios, como sejam os beneficiários do
Rendimento Social de Inserção.
De acordo com a sistematização efectuada ao longo da intervenção do NASCE (Núcleo de
Amigos da Saúde do Concelho de Espinho), regista-se no concelho de Espinho um assinalável
número de indivíduos com largo historial de consumo de álcool, sendo que este consumo
incide, cada vez mais, em ambos os sexos e em idades precoces. A grande maioria dos
doentes alcoólicos, acompanhados por esta entidade, detém baixos níveis de escolaridade e
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apresenta uma situação profissional instável e, em alguns casos, de desemprego. Verifica-se,
em certas situações, uma perda do estatuto de marido/mulher e/ou pai/mãe assistindo-se, por
vezes, à quebra dos laços familiares.
A PSP, por seu turno, reporta que em 2009 foram apanhadas 155 pessoas com taxas de
alcoolemia superiores ao limite legal permitido. Por outro lado, contabilizam-se cerca de 19
acidentes de viação em que foram intervenientes indivíduos alcoolizados, embora não se
registe nenhuma morte por acidente.
Por fim, e no âmbito dos consumos juvenis de álcool, os dados apurados pela Rede Social de
Espinho num estudo realizado em 2007, junto de 698 jovens que frequentavam as escolas
concelhias (entre o 7º e o 12º anos de escolaridade), revelam que apenas 20,3% dos jovens
inquiridos nunca experimentou álcool e que mais de metade dos alunos do 11º (60,7%) e 12º
anos (57,5%) consomem regularmente álcool, enquanto o 10º ano, por seu turno, apresenta
uma percentagem de 44,8% de consumo regular. Entre os alunos que costumam consumir
regularmente álcool apuramos que 41,3% são rapazes e que 35,8% são raparigas.
No que respeita o escalão etário detectamos que mais de metade dos alunos entre os 11 e os
13 anos afirma nunca ter experimentado álcool, enquanto a partir dos 16 anos entre 50% a
60% dos alunos costumam consumir regularmente álcool. A média dos que já experimentaram
e costumam consumir álcool situa-se nos 15,7 anos de idade.
Considerando que actualmente as respostas locais ao nível do tratamento assumem um
carácter supramunicipal e se situam no âmbito da intervenção do IDT (nomeadamente da
Equipa de Tratamento de Santa Maria da Feira) julga-se fundamental apostar numa
metodologia de intervenção em rede, baseada num carácter de proximidade. Por outro lado, os
técnicos auscultados consideram prioritário apostar no âmbito da prevenção, junto da
população estudantil, e na adopção de novos modelos de intervenção mais ajustados aos
modelos de consumo abusivo de álcool que se detectam entre os jovens.
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