Post on 09-Dec-2018
1
A CIDADANIA: PERSPECTIVAS, POSSIBILIDADES E SENTIDOS NO ENSINO
DA GEOGRAFIA ESCOLAR.
Marcielly Lima Coneição¹
Adão Fogaça ²
PROBLEMATIZANDO A CIDADANIA NA GEOGRAFIA ESCOLAR
Este artigo é produto da minha pesquisa de TFC – Trabalho Final de Curso de
licenciatura em Geografia na Universidade Federal de Mato Grosso - UFMT. Aqui
trago às reflexões sobre o meu processo de formação desde o primeiro contato com o
ambiente escolar, até a compreensão do sentido da cidadania e da própria Geografia no
ensino e a elaboração do projeto educativo e análise dos desenhos elaborados pelos
alunos na aplicação do projeto.
Já no primeiro contato com escola nas disciplinas de oficinas entregadas e
estágio supervisionado I, os graduandos do curso de licenciatura em Geografia, foram
aconselhados a examinar os documentos escolares: PPP (projeto politico pedagógico),
planos de ensino, planos de aulas e os livros didáticos. Estas análises possibilitam o
professor estagiário entender o processo de construção das aulas e a organização da
escola.
Ao examinar estes documentos as palavras: cidadania, cidadão, e as frases:
exercício da cidadania, cidadão critico e cidadão consciente, ressurgiram.
Resumidamente, no plano de ensino da professora, estava descrito que ensino da
Geografia escolar produziria cidadãos críticos, e a apropriação dos conteúdos da
Geografia, possibilitaria os alunos exercerem a sua cidadania.
Partindo desse pressuposto, a cidadania tem uma relação intrínseca com a
Geografia escolar, pois recebe a incumbência de formar cidadãos críticos e conscientes.
2
1 Universidade Federal de Matogrosso - Marcielly-lima@hotmail.com
2 Universidade Federal de Matogrosso - Fogacabrasil2010@hotmail.com
Entretanto, através dos estágios pode-se notar que pouco se fala de cidadania, e fazendo
uma retrospectiva do curso de licenciatura em Geografia, observamos que nunca foi
debatido em aula o tema, contudo, nos textos discutidos nas disciplinas da graduação, a
palavra cidadania e cidadão crítico e/ou consciente estiveram sempre presentes. A partir
daí uma questão se colocava: a cidadania estava em todo lugar, mas não estava em lugar
nenhum.
Busca-se nesse trabalho identificar a visão do aluno sobre a cidadania, e para
alcançar este objetivo, foi elaborado um projeto educativo aplicado na escola, onde
foram recolhidos desenhos nos quais os estudantes puderam representar suas
perspectivas em relação à cidadania, e a partir desses desenhos poderemos entender a
visão do aluno e como ele representa a cidadania e como ele entende o processo de
construção da cidadania e se percebe nesse processo.
O projeto educativo consistiu em discernir a compreensão social e individual dos
alunos e, assim, potencializá-las, fazendo com que os alunos do primeiro ano do ensino
médio, se reconhecessem como sujeitos sociais e cidadãos. O projeto educativo foi
aplicado no dia 02 de dezembro de 2014, nas turmas do 1° ano A e D ensino médio da
Escola Estadual Leovegildo de Melo, localizada no bairro CPA III, setor V, Cuiabá-
MT.
O objetivo do projeto foi construir juntamente com os alunos um debate crítico
sobre contradições da nossa sociedade, de ordem civil, politica e social. Analisando o
artigo 1° da constituição de 1988, utilizando charges, música, e elaborando desenhos e
croquis.
3
O projeto foi aplicado em duas aulas, primeiramente iniciamos a aula com uma
avaliação diagnostica, antes de introduzir o assunto. Esta avaliação compreender o que
os alunos entenderam por cidadania, como é representada essa palavra para eles no
cotidiano, solicitamos que os alunos desenhassem algo que representasse a palavra
cidadania, e a partir dessa atividade começamos a discutir o tema da aula.
Apresentamos aos alunos Art. 1° da Constituição Federal de 1988, com o intuito
de mostrar aos alunos a cidadania como fundamento da constituição. Segue o artigo:
TÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito e tem como fundamentos:
I - A soberania;
II - A cidadania;
III - A dignidade da pessoa humana;
IV - Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - O pluralismo político
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Nesse momento da aula levamos os alunos à reflexão a respeito dos avanços
obtidos tanto no que se refere aos direitos e garantias fundamentais, quanto em relação
aos direitos coletivos, a importância que a chamada Constituição Cidadã teve e tem para
a retomada das ações e políticas públicas, após o fim da ditadura militar – na medida em
4
que promoveu a ampliação das liberdades civis e dos direitos e garantias são
fundamentais para o cidadão.
Elencando os direitos garantidos na constituição no Artigo 3° pedimos que os
alunos refletissem sobre a realidade desses direitos no cotidiano. Durante esse momento
da aula foram utilizadas algumas charges que faziam uma crítica à questão da
desigualdade social, da exploração nas relações de trabalho, a violência, a precarização
da saúde, da educação, segurança. Segue o artigo:
Artigo 3° Constituem objetivos fundamentais da república federativa do Brasil:
I- Construir uma sociedade livre, justa e solidaria;
II- Garantir o desenvolvimento nacional;
III- Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais;
IV- Promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade
ou quaisquer outras formas de discriminação.
Após este debate foi apresentado o clipe da música “O Cidadão”, do cantor Zé
Ramalho. Segue a letra:
Cidadão
(Zé Ramalho)
Ta vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Eram quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz desconfiado
"Tu tá aí admirado?
Ou tá querendo roubar?"
Meu domingo tá perdido
Vou pra casa entristecido
Dá vontade de beber
E pra aumentar meu tédio
Eu nem posso olhar pro prédio
Que eu ajudei a fazer
Tá vendo aquele colégio, moço?
Eu também trabalhei lá
Lá eu quase me arrebento
Fiz a massa, pus cimento
Ajudei a rebocar
Minha filha inocente
Vem pra mim toda contente
"Pai, vou me matricular"
5
Mas me diz um cidadão
"Criança de pé no chão
Aqui não pode estudar"
Essa dor doeu mais forte
Por que é que eu deixei o norte?
Eu me pus a me dizer
Lá a seca castigava
Mas o pouco que eu plantava
Tinha direito a comer
Ta vendo aquela igreja, moço?
Onde o padre diz amém
Pus o sino e o badalo
Enchi minha mão de calo
Lá eu trabalhei também
Lá foi que valeu a pena
Tem quermesse, tem novena
E o padre me deixa entrar
Foi lá que Cristo me disse
“Rapaz deixe de tolice
Não se deixe amedrontar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asa
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
Fui eu quem criou a terra
Enchi o rio, fiz a serra
Não deixei nada faltar
Hoje o homem criou asas
E na maioria das casas
Eu também não posso entrar
6
Após ouvir o clipe pedimos aos alunos que descrevessem o que eles observaram
na letra da música que se parece com a realidade. A música O Cidadão fala exatamente
da desigualdade social que impossibilita a cidadania de ser concreta. Essa música foi
introdução à questão do não acesso à cidade pela população pobre trabalhadora, a
precarização da educação, da saúde e da segurança.
Discutimos com os alunos a luta de classes e a exploração do trabalho, a
construção desigual do espaço geográfico e a falta de acesso do cidadão a cidade e as
suas instituições de cultura, lazer, esporte e educação de qualidade.
A última atividade foi à elaboração dos croquis, foi pedido aos alunos que
representassem a cidade que eles moram e identificassem nela locais onde eles têm e
não têm acesso.
CIDADANIA: PERSPECTIVAS E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE
GEOGRAFIA ESCOLAR.
A educação é compreendida como o principal instrumento de promoção da
cidadania. Assis e De Lima (2011) compreendem a educação como um processo
contínuo que se inicia na infância com conhecimentos advindos da família sendo a
primeira etapa, posteriormente, a escola com papel extremamente importante, pois é um
espaço institucionalizado de ensino e por fim a sociedade que contribui para formação
do caráter do individuo. As uniões desses três eixos educacionais contribuem e
influenciam diretamente na educação e na formação do cidadão.
Em uma perspectiva de igualdade de direitos e deveres os parâmetros
Curriculares Nacionais – PCN, Brasil (1996), desde as séries iniciais, apontam para a
necessidade de que educação possa atuar, decisivamente, no processo de construção da
cidadania, tendo como meta o ideal de uma crescente igualdade de direitos entre os
cidadãos, baseado nos princípios democráticos. Fazendo com que a escola se transforme
em um espaço social de construção dos significados éticos necessários e contitutivos de
toda e qualquer ação de cidadania, propondo o debate e dicussões “a dignidade do ser
humano, a igualdade de direitos e a importância da solidariedade e do respeito.
7
A Geografia nesse sentido contribui com o conhecimento do espaço, este
produto e produtor das relações sociais. Através das leituras espaciais mais abrangentes
das divisões sociais e territoriais do trabalho, tendo como condutora de análise a
acumulação capitalista, entendemos que a apropriação desse espaço é desigual.
O Estado reorganiza territorialmente a relação
capital e trabalho transformando a estrutura regional em
centro-periferia, tornando o país urbano, com um intenso
processo de metropolização. A concentração territorial
intensifica os bolsões de pobreza e, consequentemente,
conflitos; aumentando a marginalidade e criminalidade,
atos de violência que são cada vez mais intensos, frente ao
crescente desemprego; gerando o crescimento
desordenado das maiores cidades, principalmente das
metrópoles. (Conceição, 2005, p.168)
Damiani (2001) considera que a noção de cidadania envolve o sentido que se
tem do lugar e do espaço, já que se trata da materialização das relações de todas as
ordens, próximas ou distantes. Conhecer o espaço é conhecer a rede de relações a que se
está sujeito, da qual se é sujeito. Alienação do espaço e cidadania configuram um
antagonismo a considerar.
A partir das leituras dos autores nos capitulos anteriores e dos desenhos
recolhidos em sala de aula, concluimos que ao se tratar de cidadania que há um total
afastamento do real, do simbolico e o imaginário. A cidadania simbólica é
representativa, contratual imposta pelo estado, segue imagens 01.
Imagem 01
8
Fonte: Arquivo pessoal
A cidadania imaginária é a idealização que vem com o discurso da
sustentabilidade e do politicamente correto, e da ideologia da concientização e que
reduz e despolitiza a cidadania.
Nesse viés, os meios de comunicação de massa viabilizam a despolitização da
sociedade, repassando de forma direta e indireta a responsabilidae ao individuo, ao
tempo que massifica um discurso de culpabilidade social.
Desta forma, paradoxalmente, se faz uma reinversão de
papéis. Conforme o Banco Mundial, serãos os próprios
pobres responsáveis pela garantia dos seus direitos, através
da gestão participação e da cooperação de garantia do
desenvolvimento sustetável. Portanto, cabendo ao pobre
superar sua pobreza. Conceição, 2005. P. 168.
Imagem 04
9
Fonte: Arquivo pessoal
E a cidadania é real, é do vivido, subversiva e de luta, que percebe a
desigualdade, a exploração do trabalho humano, a precarização da vida, percebe as
constradições e ao compreender-las, busca-se a superação. Representando nos desenhos
as necessidades básicas dos alunos de uma casa para morar e de se alimentar. Nessas
representações os alunos denunciam que a cidade para eles se resumiu em um trajeto:
casa, escola igreja, e por não ter poder de consumo não tem acesso a cidade na
totalidade.
Imagem 07
10
Fonte: Arquivo pessoal
A partir dos materiais recolhidos na aplicação do projeto, pode-se chegar há um dos
objetivos, identificar a visão dos alunos sobre o conceito de cidadania e o sentido da
mesma para cada um.
A elaboração dos desenhos como avaliação diagnostica, teve o objetivo de
compreender a representação da cidadania para os alunos aquilo que lhe são imposto,
pelo estado e pela escola. Grande parte dos alunos colocaram uma casa como o centro,
levando a entender que para eles o direito a moradia era primordial. Em todos os
desenhos o ambiente urbano foi representado com uma casa, a naturza ao redor e um
sujeito/cidadão.
CONCLUSÃO
Como já descrito no decorrer deste trabalho, a cidadania tornou-se o sentido de
se ensinar geografia na escola e, talvez o sentido da própria escola. Os conteúdos e os
caminhos que percorrem essa cidadania produzem um de tipo de cidadão e um projeto
de sociedade.
A cidadania e os direitos foram conquistas importantes para todos os países no
mundo (e em cada um se deu em um tempo e de uma forma diferente), inclusive a
brasileira, contudo, a cidadania em sua construção histórica é um mecanismo utilizado
para amenizar a desigualdade social produzida pelo capitalismo, mas não para eliminá-
11
la, todavia, nunca foi a intenção atingir igualdade econômica e social, erradicando a
pobreza. A cidadania vem reconfigurando no decorrer do tempo histórico e tem
encorpado o discurso da sustentabilidade e a ideologia da conscientização, que reduz a
cidadania e despolitiza.
A cidadania em muitos momentos se confunde com a educação porque uma é a
possibilidade da outra. Em uma sociedade onde alguns têm poder e direito e a maioria
não, absolutamente, é inatingível à ideia de cidadania.
Fundamental é ter a clareza que para alcançarmos a eliminação da extrema
desigualdade social em que vivemos, devemos superar esta educação fadada à
aprendizagem mecânica e empobrecedora do trabalho alienado (afinal, é preciso saber
ler para manusear máquinas) e como instrumento do estado de controle e manipulação
coletiva, inimiga da emancipação humana, da autonomia, e da formação de estudantes
politizados.
Como Considera Damiani (2001) é preciso que homem/mulher comum chegue
ao nível da razão, da totalidade, do movimento, da história, para discernir
completamente as condições em que vive se apropriando do espaço, se percebendo
como produtor e produto deste espaço, para que este se realize como espaço social.
Assim existe cria-se a possibilidade do individuo recuperar as perdas da privação e lutar
por construções novas, resgatando sua cidadania.
BIBLIOGRAFIA
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002
CONCEIÇÃO, Alexandrina Luz. A Geografia do espaço da miséria. Sergipe, 2005
Disponível em www.Scientiaplena.org.br Acesso em Novembro de 2015.
CEZAR, Alexandre. Acesso á justiça e cidadania/Alexandre Cesar – Cuiabá:
Ed.UFMT, 2002.
DAMIANI, A. L. A Geografia e a construção da cidadania. In: CARLOS, Ana Fani
Alessandri(Org.). A geografia na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2001
12
GALVÃO, Roberto C. S. & PINTO, A. M. Cidadania, participação e educação na
história do Brasil. Revista Histed br on-line. VII Seminário de Estudos e Pesquisas
“História, Sociedade e Educação no Brasil”. Unicamp: Campinas – SP, de 10 a julho de
2006.
GALVÃO, Roberto Carlos Simões.; Educação, cidadania e participação política:
Análise crítica da vinculação histórica entre educação e cidadania no Brasil.
ANPUH – XXIII SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – Londrina, 2005.
LIMA, Edenilson Ernesto de. ASSIS, Graciano Júnior de.; Escola, família e
sociedade: diferentes espaços na construção da cidadania. – FURG
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Editores Zahar,
1967.
NODARI, Paulo Cezar. Educação, Cultura e Cidadania. In: 31a. Reunião Anual da
Anped: Constituição Brasileira, Direitos Humanos e Educação, 2008, Caxambu - MG.
Constituição Brasileira, Direitos Humanos e Educação. Caxambu - MG: Anped,
2008. v. Único. p. 1-14
SOUZA, Manuel Fernandes, Neto. Aula de Geografia e Algumas Crônicas. 2ª ed.
Campina Grande: Bagagem, 2008. v .1.
__. Lei 9.394 de 20 de dezembro 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. Disponível em: Acessado em novembro de 2015.