Post on 14-Mar-2020
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
MESTRADO E DOUTORADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Jardel Gores
LUGARES DE MEMÓRIA EM DISPUTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DE
PRAÇAS E PARQUES EM RIO DO SUL – SC / BRASIL
Santa Cruz do Sul
2017
Jardel Gores
LUGARES DE MEMÓRIA EM DISPUTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS
PRAÇAS E PARQUES EM RIO DO SUL – SC / BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional – Mestrado, Área de concentração
em Desenvolvimento Regional, Linha de
Pesquisa em Território, Planejamento e
Sustentabilidade, da Universidade de Santa
Cruz do Sul – UNISC, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
em Desenvolvimento Regional.
Orientador: Prof. Dr. Olgário Paulo Vogt.
Santa Cruz do Sul
2017
Jardel Gores
LUGARES DE MEMÓRIA EM DISPUTA: UMA ANÁLISE A PARTIR DAS
PRAÇAS E PARQUES EM RIO DO SUL – SC / BRASIL
Esta dissertação foi submetida ao Programa
de Pós-Graduação em Desenvolvimento
Regional – Mestrado, Área de concentração
em Desenvolvimento Regional, Linha de
Pesquisa em Território, Planejamento e
Sustentabilidade, Universidade de Santa
Cruz do Sul – UNISC, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre
em Desenvolvimento Regional.
Prof. Dr. Olgário Paulo Vogt
Professor orientador – PPGDR/UNISC
Prof. Dra. Erica Karnopp
Professora examinadora – PPGDR/UNISC
Prof. Dr. Nivaldo Machado
Professor examinador – UFSC
Santa Cruz do Sul
2017
AGRADECIMENTOS
Como já dizia o cantor Raul Seixas, em seu Prelúdio, “Sonho que se sonha só / É só um
sonho que se sonha só / Mas sonho que se sonha junto é realidade”…
Agradeço nesse momento a todos aqueles pensadores, poetas e músicos que fizeram e
fazem parte da realização desse sonho, ou assim da conclusão do mestrado, pois em
momentos difíceis foram eles que estiveram mais perto de mim, compreendendo-me e
inspirando. Dessa forma, agradeço muito a Belchior, Chico, Caetano, Cartola, Nara, Ney, Di,
Paulo, Nelson, Antônio, Jocafi, Emílio, Alceu, Maria, Gal, Gil, Rita, Tim, Jorge, Zé,
Amelinha, Martinho, Paulinho, Luiz, Sá, Guarabira, Agepê, João, Ednardo, Fagner, Cátia,
Pinduca, Elba, Aldo, Figueroas, Wanderley, entre tantos outros. Sem esses certamente não
teria refletido sobre os posicionamentos e desejos nesse trabalho!
Agradeço, ainda, em especial e infinitamente, a toda minha família. Com muito carinho
a minha mãe Ezonete Alves Gores e meus irmãos, Fábio e Mateus, que sempre me
incentivaram e transmitiram força nos momentos mais confusos e contraditórios dessa etapa
da vida, acreditando em minha capacidade. Destaco também nesses agradecimentos o meu
pai, Dorvalino Gores que, por não acreditar ou não se interessar por muitas das minhas
escolhas, tornou-me mais forte e persistente em meus ideais. Não posso deixar de agradecer a
minha companheira Thiara Lindner, sem a qual o sonho de concluir o mestrado, fornecendo
às nossas vidas maiores possibilidades e conhecimentos não seria tão real.
Também devo ainda agradecer os bons momentos compartilhados com os
companheiros de estudo, cuja amizade, paciência e compreensão estiveram presentes ao longo
do curso dessa dissertação: obrigado Bruna, Vanessa, Ana, Ismael. Obrigado à professora
Erica Karnopp, que considero um exemplo profissional a ser seguido e cuja colaboração
tornou meu sonho em ser mestre mais próximo, sempre me alertando com sábias palavras que
“fácil é entrar, difícil é sair”!
Não posso deixar de agradecer imensamente àquele que com muita paciência e
dedicação me guiou, o professor Olgário Paulo Vogt, já que é por seus conselhos e sua ajuda
que estou chegando ao “final” dessa etapa. Deixo ainda os agradecimentos à Universidade de
Santa Cruz do Sul pelo apoio financeiro fornecido através da Bolsa Institucional para
Programas de Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul que me foi concedida
durante o ano de 2016.
O revolucionário verdadeiro é guiado por grandes
sentimentos de amor. É impossível pensar num
revolucionário autêntico sem esta qualidade.
CASTRO, Nils. Che y el Modo Contemporáneo de
Amar, Casa de las Américas, n. 58, 1970.
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo analisar o território dos lugares de memória,
bem como a formação da memória coletiva, dinâmica essa que, permeando a
sociedade ao longo da história, apresenta-se com destaque no espaço urbano. A partir
desses espaços, urbanos e públicos, representados por Praças e Parques, buscamos
constatar que, além da oferta de qualidade de vida, tais locais materializados
representam constante disputa pela memória ou pelo esquecimento. Desta forma, o
objetivo estabelecido ao longo desse trabalho consistiu em perceber e relacionar a
importância que Praças e Parques possuem no espaço público, na forma que esses se
envolvem com a disputa dos lugares de memória ao longo da história. Buscando
responder ou exemplificar essa situação, focamos a atenção na história urbana do
Brasil, apresentando as mudanças conceituais e práticas que Praças e Parques sofreram
principalmente nos séculos XX e XXI. A partir do viés histórico, destacamos também
ao munícipio de Rio do Sul, localizado na região do Alto Vale do Itajaí, no Estado
catarinense. Esse representa um importante polo de desenvolvimento para a região,
ocupando lugar de destaque no cenário catarinense, referência para o desenvolvimento
regional. Rio do Sul constituiu, ao longo de sua história, importantes lugares públicos,
situação que norteia nossa questão empírica e reforça nosso objetivo geral. Tal
questão é complementada pelos objetivos específicos, onde buscamos analisar o
processo histórico das Praças e dos Parques e as formas e usos dos lugares públicos
urbanos pela população. Analisar quais os aspectos da memória coletiva estão
presentes para a população da cidade acerca dos espaços investigados é outro
importante caminho, presente nos objetivos específicos. Justificou-se a pesquisa por
estar direcionada aos lugares públicos, lugares de desenvolvimento local que
contribuem na formação das cidades, como um campo de diversos significados e
símbolos. Foram utilizadas, como técnicas de pesquisa, a revisão bibliográfica, a
pesquisa documental e a técnica de entrevistas. Essas últimas foram realizadas com
pessoas que estiveram envolvidas diretamente no processo de construção dos espaços
públicos apresentados a Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus. Para a
interpretação dos dados levantados com essa técnica foi utilizada a análise de
conteúdo, tendo como ponto de partida o interior da fala, buscando a partir dela a
especificidade histórica e totalizante que a produz. Desta maneira, foram analisados os
diferentes processos de construção e representação que as Praças e Parques formaram
no âmbito da memória coletiva por meio dos discursos, imagens, reportagens e
entrevistas. Conclui-se que as Praças e os Parques representam – além de importantes
espaços para o desenvolvimento das cidades – arenas onde a memória está
constantemente em disputa, em formação e reformulação, envolvendo tanto a
lembrança quanto o esquecimento.
Palavras-chave: Memória; Disputa; Lugares; Praças; Parques.
ABSTRACT
.
This research intends to analyze the territory of the places of memory, as well as the
formation of collective memory that passes through societies over its history,
highlighting urban spaces. By looking into public and urban spaces like squares and
parks, we intend to verify that more than benefit life´s quality, this places, when
materialized, represent places of constant disputes for memory or forgetfulness. In that
way, this work objectifies the realization and relation of the importance of squares and
parks as public spaces by looking at the way that they are involved in a dispute for
places of memory through history. Looking forward to answer or exemplify this
situation, we focus our attention in Brazilian´s urban history, showing the conceptual
and practical changes that parks and squares had suffer over the mainly in the
centuries XX e XXI. With a historical perspective, we also look to the Rio do Sul
(South River) county, in the Alto Vale do Itajaí (Itajaí´s High Valley) region in the
Santa Catarina (Saint Catherine) state. This is an important development center in the
region in a prominent place in the state´s economy, being a reference in the regional
development. Rio do Sul had constitutes important public spaces over history and
that´s what guides our empirical perspective and serve as basis to our objectives. This
issue is also in the complementary objectives that intend to analyze the historical
processes of parks and squares and its architecture and functions of the public urban
spaces to the population. By looking at which are the aspects of collective memory
that are important to the citizens about the spaces that we analyzed is another
important question to this research. This necessity is justify by the necessity to look to
public spaces as regional development places that contribute to the formation of cities
in a field full of symbols and meanings. As research techniques, we used a
bibliographic review, documental research and interviews realized with people
directly involved in the construction processes of the public spaces of the Praça do
Trabalhador (Worker´s Square) and the Harry Hobus´s Park. To analyze the data we
used techniques of content analysis, looking from the inside of the speech so then we
can understand its historical and universal specificities. In this way, we analyzed the
different processes of construction and representation of parks and squares in the
collective memory by its discourses, images, reports and interviews. As a conclusion,
we present that parks and squares are important spaces in the city´s development, but
are also important places of dispute for the memory, its formation and reformulation
that includes the memory, but also the forgetfulness.
Keywords: Memory; Dispute; Places; Squares; Parks.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 01 – Território brasileiro, com destaque para o marco histórico do Tratado
de Tordesilhas e o município catarinense de Laguna........................................................
Ilustração 02 – Estrada com principais estabelecimentos do distrito de Bella Alliança,
1917...................................................................................................................................
Ilustração 03 – Traçado ferroviário da Estrada de Ferro Santa Catarina na região do
Vale do Itajaí, 1909/1971..................................................................................................
Ilustração 04 – Ponte ferroviária dos Arcos, sobre o rio Itajaí do Sul, no município de
Rio do Sul, década de 1930...............................................................................................
Ilustração 05 – Catedral São João Batista, um dos destaques da arquitetura urbana de
Rio do Sul..........................................................................................................................
Ilustração 06 – Localização do Alto Vale do Itajaí no Estado de Santa Catarina.............
Ilustração 07 – Praça do Trabalhador................................................................................
Ilustração 08 – Praça e Busto Gino Alberto de Lotto.......................................................
Ilustração 09 – Praça do Trabalhador................................................................................
Ilustração 10 – Praça do Trabalhador................................................................................
Ilustração 11 – Parque Harry Hobus.................................................................................
Ilustração 12 – Parque Harry Hobus.................................................................................
Ilustração 13 – Parque Harry Hobus.................................................................................
Ilustração 14 – Parque Harry Hobus.................................................................................
Ilustração 15 – Parque Harry Hobus.................................................................................
Ilustração 16 – Visão panorâmica do Elevado José Thomé, sobre o Parque Harry
Hobus................................................................................................................................
Ilustração 17 – Elevado José Thomé com destaque para mosaicos na parte lateral,
acima do Parque Harry Hobus..........................................................................................
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LISTA DE TABELAS
Tabela 01 – Rendas estaduais e arrecadações no Município de Blumenau durante os
anos de 1927-1929............................................................................................................
Tabela 02 – População dos municípios do Alto Vale do Itajaí.........................................
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77
LISTA DE ABREVIATURAS
ACIRS Associação Comercial e Industrial de Rio do Sul
AMAVI Associação dos Municípios do Alto Vale do Itajaí
BADESC Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.
BIPSS Bolsa Institucional para Programas de Pós-Graduação da Universidade de Santa
Cruz do Sul
DEM Partido Democratas
FEDAVI Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
PC do B Partido Comunista do Brasil
PDT Partido Democrático Trabalhista
PFL Partido da Frente Liberal
PL Partido Liberal
PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro
PPB Partido Progressista Brasileiro
PPS Partido Popular Socialista
PSB Partido Socialista Brasileiro
PSD Partido Social Democrático
PSDB Partido da Social Democracia Brasileira
PR Partido Republicano
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PT Partido dos Trabalhadores
PTN Partido Trabalhista Nacional
SC Santa Catarina
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul
UNIDAVI Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí
SUMÁRIO
1
2
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
3
3.1
3.2
3.3
3.4
3.5
4
4.1
4.2
4.3
5
INTRODUÇÃO...................................................................................................
PRAÇAS E PARQUES: LUGARES DE MEMÓRIA E MEMÓRIA
COLETIVA ........................................................................................................
Lugares de memória...........................................................................................
Memória coletiva.................................................................................................
Praças e Parques no Brasil.................................................................................
O lugar da Praça no Brasil...............................................................................
O lugar do Parque no Brasil.............................................................................
RIO DO SUL, “CAPITAL” DO ALTO VALE DO ITAJAÍ..........................
O povoamento do litoral de Santa Catarina.....................................................
A colonização alemã no Vale do Itajaí..............................................................
Rio do Sul como distrito de Blumenau..............................................................
A emancipação de Rio do Sul.............................................................................
O desenvolvimento do espaço urbano em Rio do Sul......................................
OS LUGARES DA PRAÇA E DO PARQUE EM RIO DO SUL – SC /
BRASIL................................................................................................................
Praça do Trabalhador........................................................................................
Parque Harry Hobus..........................................................................................
A Praça do Trabalhador, o Parque Harry Hobus e a disputa pela
memória coletiva dos lugares...........................................................................
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................
REFERÊNCIAS..................................................................................................
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1 INTRODUÇÃO
O Brasil, nas últimas décadas do século XX, passou por um intenso processo de
urbanização em que, segundo o IBGE (1960), aconteceu uma intensa e maciça migração das
áreas rurais em direção às cidades. Diferentes fatores tentam explicar essa mudança – ou
êxodo rural – que tem sua raiz nos anos de 1930. Nesse momento se estabeleceu no Brasil o
processo de industrialização, seja como reflexo direto da Segunda Revolução Industrial ou
como consequência da necessidade crescente de atender diferentes mercados internacionais.
Nesse contexto, associado ainda a fatores como a mecanização do campo e a concentração
fundiária – lógicas que se apresentaram no mesmo período –, a migração do campo para a
cidade se tornou aceita e necessária a todo aquele que desejava prosperar.
A partir da década de 1950, em um mundo pós-Segunda Guerra Mundial, marcado por
conflitos ideológicos em diferentes sociedades e partes do globo, as pessoas passaram a
buscar novas realidades nas quais viver e sobreviver era uma necessidade. Os espaços urbanos
começavam, assim, a atrair cada vez mais pessoas com expectativas de encontrar ali melhores
meios de viver, diferentes opções de trabalho e áreas de lazer.
Vale lembrar que a valorização do espaço urbano, no que tange o caso brasileiro,
aconteceu a partir do processo de industrialização, promovido principalmente pelos
presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Foi ainda em torno do primeiro
cinquentenário do século passado que diferentes cidadãos brasileiros – e até de outras
nacionalidades – foram atraídos para os espaços urbanos, possivelmente como um reflexo da
propaganda do desenvolvimento industrial e seus "benefícios”.
Dessa forma, as últimas décadas do século passado (1960/1970/1980) são marcantes
porque consolidaram o grande crescimento urbano no Brasil, com destaque para a presença de
mais da metade da população nos espaços urbanos. Segundo a Taxa de Urbanização das
Regiões Brasileiras, dados do IBGE (2010) dos últimos 60 anos, a população rural aumentou
cerca de 12% enquanto a urbana passou de 13 para 138 milhões de habitantes, um aumento de
mais de 1.000% (GOBBI, 2014). Sabemos, entretanto, que esses dados são suscetíveis às suas
análises, especialmente no que se refere às delimitações do que é considerado urbano ou rural.
Apesar disso, consideramos que o século passado configurou o uso estratégico do espaço
urbano, tornando-o atraente para inúmeros cidadãos.
Partindo das mudanças conjunturais ou de características que as cidades brasileiras
adquiriram, determinados lugares públicos – abertos, livres e, muitas vezes, marcados por
atrativos naturais – tornaram-se importantes e imprescindíveis para o conforto dos cidadãos e
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para o melhoramento das cidades. As Praças e Parques representam, na história da
urbanização brasileira, lugares públicos de destaque. Apesar de terem sofrido significativas
mudanças conceituais e estruturais ao longo do tempo e da história, representam ainda lugares
de desenvolvimento urbano, haja vista que o conceito de lazer é intrínseco à gênese desses
lugares. Assim, conhecer e perceber a importância que esses possuem na sociedade atual é
compreender o processo da urbanização acelerada do país, posto que com o fortalecimento
das cidades as Praças e Parques assumiram a responsabilidade pelo bem estar social e público.
Contudo, essa dissertação busca, além de perceber e debater a importância que os
lugares públicos conquistaram no solo urbano, compreender como eles se tornaram detentores
de memória. Dito de outra maneira, buscamos nessa dissertação analisar em que medida a
materialização dos lugares públicos, objetivados em Praças e Parques, expressam processos
históricos de formação da memória coletiva. Pareceu-nos necessário, assim, analisar o
processo histórico da construção desses, bem como as suas formas e usos pela população ao
longo do tempo, refletindo sobre os aspectos e a formação da memória coletiva.
Desta forma, a “função” e os interesses que se pautaram sobre determinados lugares
públicos, no transcorrer de diferentes governos e ao longo do tempo, fazem-se interessantes
para percebermos como alguns se tornaram lugares vivos da memória ou lugares almejados e
disputados – não diferente do que compreendemos ser o campo da memória coletiva.
O Parque Harry Hobus e a Praça do Trabalhador foram os selecionados na cidade de
Rio do Sul, em Santa Catarina, pois, enquanto lugares públicos, suscitam ideologias
diferentes, materializadas em períodos políticos distintos. Destacam-se no espaço urbano pelo
fato de o Parque representar o único público do munícipio rio-sulense; a Praça, por sua vez,
homenageia diretamente os trabalhadores da região. Assim, evocam ideais específicos,
destacando o interesse dos indivíduos que detiveram certo poder político. Por fazerem parte
de Rio do Sul, principal município do Alto Vale do Itajaí – vistas questões populacionais e
econômicas – adquirem referência para localidades vizinhas, representando o quão importante
pode ser a construção de lugares públicos para a elite e com isso a formação da memória local
e regional.
Rio do Sul, município que em 2017 completa 86 anos de emancipação política de
Blumenau, elegeu ao longo de sua história importantes personalidades políticas que,
inclusive, alcançaram destaque estadual, fato marcado na memória regional. Partindo desta
afirmação, não é estranho perceber a importância estratégica de certos lugares públicos no
cotidiano da cidade. Nesses os monumentos, os bustos e as estátuas fazem homenagens com a
intenção de manter viva a história política – e muitas vezes elitizada – do município.
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Buscando apresentar essa relação e o interesse que os lugares Praça e Parque
conquistaram ao longo da história, representando diferentes ideologias, certos conceitos e
metodologias foram acionados para compreender tais dinâmicas. Partindo da questão
bibliográfica, em que Fábio Robba e Silvio Soares Macedo (2002) debatem o lugar Praça, e
Silvio Soares Macedo e Francine Gramacho Sakata (2002) apresentam o histórico dos
Parques, fundamentamos essa pesquisa em relação aos conceitos de lugares públicos.
A Praça corresponde a um lugar público e urbano, histórico e tradicional, associado
normalmente a recreações urbanas, incrustado no seio da urbe e diferenciado do Parque. Esse
representa um lugar mais recente em relação àquela. É geralmente verde ou ajardinado, nem
sempre público, podendo representar ainda a revitalização das Praças. O Parque, cujo viés, até
o século XX era bastante elitista, passou, a partir desse período, a representar lugares de
acesso comum, necessários para o desenvolvimento urbano e a qualidade de vida, em um
contexto de revitalização de diferentes centros urbanos.
No campo da reminiscência, destacamos Pierre Nora (1993), que apresentará a ideia de
formação dos lugares de memória. Maurice Halbwachs (2004), juntamente com Michel
Pollack (1989), ao destacar a memória coletiva, são os autores que melhor expressam nossos
entendimentos sobre o complexo campo da formação da memória e sua constante disputa.
É de nossa compreensão que esses conceitos – lugares de memória e memória coletiva
nos espaços públicos e urbanos – dialogam diretamente com a criação de Praças e Parques.
Segundo Neto (2011), essa questão representa um nó de problema, tocando a teoria de Marx e
apresentando nosso mote norteador. Assim, evidenciamos que o estudo e análise que
pretendemos apresentar busca compreender os sentidos e os objetivos que estão
“impregnados” na materialização das Praças e dos Parques.
Quanto a questão método e aos procedimentos técnicos elaborados, optamos por
apresentar uma revisão bibliográfica, além de realizarmos as entrevistas e busca de material
documental, destacando-se nesse último processo as análises de jornais, entre arquivos
públicos e privados. Tal caminho buscou relacionar diferentes percepções sobre as edificações
da Praça do Trabalhador e do Parque Harry Hobus.
Assim, estruturamos essa dissertação em cinco capítulos, buscando apresentar a
formação dos lugares de memória, com uma análise da formação de Praças e Parques ao
longo da história brasileira, bem como os embates ideológicos travados nesses espaços
públicos. Depois dessa introdução, iniciamos o capítulo que aborda especificamente a questão
dos lugares de memória, suas implicações e “conflitos”. Apresentamos os estudos de Pierre
Nora (1993) durante o século XX sobre sociedade francesa, acrescentando a formação da
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memória coletiva e as percepções cunhadas no mesmo período por Maurice Halbwachs
(2004). Nos subitens desse capítulo apresentamos também um histórico das Praças e dos
Parques no Brasil, buscando remontar tanto a importância quanto às transformações que esses
lugares sofreram ao longo do tempo, redefinindo o espaço citadino e as questões sociais ali
deflagradas.
No capítulo três, apresentamos um histórico sobre o povoamento do litoral de Santa
Catarina, processo que depois se liga ao surgimento de diferentes colônias em áreas do
interior do Estado. A partir da ocupação das áreas litorâneas e do interior catarinense,
verifica-se, durante o século XVII e XVIII, intenso movimento de companhias colonizadoras
pelo território catarinense que ainda passava por delimitações geográficas. O surgimento da
colônia de Blumenau, em 1850, fala dos movimentos colonizadores e migratórios pelo
Estado. Essa colônia adquire destaque em nossa pesquisa por estar diretamente ligada à
história política do que hoje é compreendido como o município de Rio do Sul. No mesmo
capítulo, além de apresentar a criação e a emancipação política de Rio do Sul, buscamos
caracterizar o desenvolvimento alcançado pelo município ao longo de sua história, tornando-o
um polo regional.
Rio do Sul, na condição de município desde 1931, depois de intenso desenvolvimento
agrícola e do engajamento de lideranças políticas para sua autonomia política, tornou-se, ao
longo do século passado, município referência para outros que lhe são limítrofes no Alto Vale
do Itajaí. Esse fato pode ser confirmado pela referência regionalmente divulgada da cidade
como a “capital do Alto Vale do Itajaí”, haja vista a prestação de serviços que Rio do Sul
fornece para a região, destacando-se a saúde, a educação e o lazer, entre outros serviços.
Partindo ao capítulo quatro, apresentamos as questões empíricas, onde o histórico da
Praça do Trabalhador e do Parque Harry Hobus são destacados por adquirirem e
representarem, em Rio do Sul, momentos políticos e ideológicos distintos. Através de jornais
da época que relatam o momento inaugural – além do próprio processo de construção –,
somados às entrevistas e possíveis reflexões sobre essas, tais lugares públicos de Rio do Sul
são apresentados. Tanto o lugar da Praça quanto o do Parque são ainda compreendidos e
estudados a partir dos monumentos, bustos e imagens ali presentes, haja vista que diferentes
construções remetem ao campo da memória presente nesses lugares públicos.
No capítulo final desta dissertação apresentamos novas possibilidades de compreender
os lugares da memória e da formação da memória coletiva, em parceria com o espaço urbano.
Consciente da complexidade de tais conceitos e dos meandros que podem apresentar tal
caminho, buscamos focar atenção em dois lugares públicos, Praça e Parque, afirmando que os
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mesmos, além de serem importantes para o desenvolvimento do lugar, representam um campo
de disputa.
16
2 PRAÇAS E PARQUES, LUGARES DE MEMÓRIA E MEMÓRIA COLETIVA
Este capítulo está estruturado em dois eixos temáticos. O primeiro eixo centra a
discussão em torno de duas categorias conceituais basilares para o enfoque dado no decorrer
desta pesquisa. Estamos nos referindo aos “lugares de memória” e à “memória coletiva”. A
expressão “lugares de memória” foi inicialmente problematizada pelo historiador francês
Pierre Nora. Já para a discussão do conceito de “memória coletiva” e os usos que se fazem
dessa memória, três autores principais serão revisitados: Maurice Halbwachs, Michael Pollak
e Jacques Le Goff. A predileção pelo diálogo com esses quatro teóricos não impede,
obviamente, que ao longo do texto outros pensadores sejam referendados na perspectiva do
enriquecimento do debate colocado.
Apesar da primeira parte do texto estar estruturado sobre esses dois conceitos,
entendemos que os mesmos estão interligados em torno da disputa que se dá pela apropriação
da memória nos lugares públicos urbanos como Praças e Parques enquanto eixos teóricos.
Logo, não se tratam de duas categorias paradoxais, contraditórias, mas complementares.
O segundo eixo temático se pauta sobre os lugares públicos urbanos, mais
especificamente sobre a constituição de Praças e Parques ao longo da formação e evolução da
história urbana brasileira. Essa parte da pesquisa é elaborada a partir de uma revisão
bibliográfica. Aqui os autores referenciais são os arquitetos e urbanistas Fábio Robba, Sílvio
Soares Macedo e Francine Mariliz Gramacho Sakata. É no estudo de Praças e Parques
públicos presentes nas cidades que buscamos compreender a formação da memória coletiva
dos lugares e, em consequência, relacionar tal memória coletiva com disputas políticas.
O intuito é refletir sobre os significados sociais e políticos que os lugares públicos
encerram por meio de seus nomes, placas e estruturas artísticas projetadas. Acreditamos que,
embora aparentemente Praças e Parques sirvam apenas para embelezar a cidade e se
transformar em lugares de diversão e de lazer, esses são dotados, igualmente, de um
significado político marcante, isso porque constituem-se em territórios de preservação de uma
suposta memória coletiva de um grupo.
2.1 Lugares de memória
Diferentes lugares urbanos, representações e patrimônios podem ser sinônimos para os
lugares de memória. São lugares que envolvem vivências sociais, busca por identidade,
reconhecimento e manipulações constantes. Tal dinâmica é verificada nos mais diferentes
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momentos da história pois, na constante busca pelo conhecimento e reconhecimento – na
busca pela “imortalidade” de seus feitos – o homem encontrou em determinados lugares a
possibilidade de promulgação de uma posteridade.
Pierre Nora é um dos mais conhecidos e destacados historiadores contemporâneos da
França. Sua numerosa obra inclui Les Lieux de Mémoire (1984), publicação coletiva
composta de três tomos e um total de sete volumes com textos destinados a fornecer um
inventário dos lugares e objetos nos quais se demonstra a memória nacional da França. Os
lugares de memória é um vasto trabalho teórico e prático por ele dirigido, escrito ao longo de
quase 10 anos com o apoio de historiadores, sociólogos, antropólogos e memorialistas
franceses que se esforçaram para investigar os lugares simbólicos constitutivos de sua nação.
Depois do empreendimento pioneiro de Pierre Nora, projetos de fôlego similares surgiram em
outros países como a Itália, a Espanha, a Alemanha e Israel.
Atento às profundas transformações políticas, sociais e econômicas que impactavam as
tradições francesas na década de 1970, Pierre Nora (1993) passou a dar especial atenção aos
estudos sobre a memória. Constatou na França o desaparecimento de antigos costumes, de
antigas tradições, de antigas paisagens, de antigos sítios, de antigas culinárias, de antigos tipos
de sociedades, de antigos artesanatos que ainda restavam e da antiga classe operária sobre o
qual o Partido Comunista da França se edificara. Reparou que havia todo um fenômeno de
memória e de reapropriação de antigas tradições. Essas transformações vieram acompanhadas
na França por “uma revalorização evidente do passado nacional” (BREFE, 1999, p. 23)
gerando um aumento progressivo do culto ao patrimônio. Nesse sentido afirma que:
Nenhuma época foi tão voluntariamente produtora de arquivos como a
nossa, não somente pelo volume que a sociedade moderna normalmente
produz, não somente pelos meios técnicos de produção e de conservação de
que dispõe, mas pela superstição e respeito ao vestígio. À medida em que
desaparece a memória tradicional, nós nos sentimos obrigados a acumular
religiosamente vestígios, documentos, imagens, discursos, sinais visíveis do
que foi, como se esse dossiê cada vez mais prolífero devesse se tornar prova
em não se sabe que tribunal da história (NORA, 1993, p. 15).
É nesse contexto de marcantes mudanças de atitude em relação ao futuro e ao passado
que desenvolve o conceito de “lugares de memória”, categoria conceitual que foi sendo
elaborada e lapidada ao longo do tempo. Em seu clássico texto intitulado Entre memória e
história, publicado na língua portuguesa, Pierre Nora (1993) trabalha a complexa relação que
para ele existe entre memória e história. Nora (1993, p. 08) defende que memória e história
estão longe de serem sinônimos, opondo-se uma a outra:
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A memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela
está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta
do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo
vivido no eterno presente; a história uma representação do passado. Porque é
afetiva e mágica, a memória não se acomoda a detalhes que a confortam; ela
se alimenta de lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,
particulares ou simbólicas, sensível a todas as transferências, cenas, censuras
ou projeções. A história, porque operação intelectual e laicizante, demanda
análise e discurso crítico.
Sendo memória e história duas coisas distintas, Nora (1993) defende que no mundo
contemporâneo, pós-industrial, a história-memória típica do século XIX desaparecerá. A
memória não mais existe, tendo sido transformada em história. Logo, a memória existente não
seria outra coisa senão história: “Tudo o que é chamado hoje de memória não é, portanto,
memória, mas já história. Tudo o que é chamado de clarão de memória é a finalização de seu
desaparecimento no fogo da história” (NORA, 1993, p. 14). A razão pela qual tanto se teria
passado a falar de memória seria justamente pelo fato de ela não mais existir.
Na inexistência de uma memória espontânea e verdadeira, seria possível acessar a uma
memória reconstruída. E reconstruída, obviamente, pela história. Assim:
Os lugares de memória nascem e vivem do sentimento que não há memória
espontânea, que é preciso criar arquivos, organizar celebrações, manter
aniversários, pronunciar elogios fúnebres, notariar atas, porque estas
operações não são naturais (NORA, 1993, p. 13).
Ainda de acordo com esse historiador francês, que juntamente com Jacques Le Goff,
Philppe Ariès e Michele Vovelle, lidera a terceira geração da Escola dos Annales,
Os lugares de memória são, antes de tudo, restos. [...] São os rituais de uma
sociedade sem ritual; sacralizações passageiras numa sociedade que
dessacraliza; fidelidades particulares de uma sociedade que aplaina os
particularismos; diferenciações efetivas numa sociedade que nivela por
princípio; sinais de reconhecimento e de pertencimento de grupo numa
sociedade (NORA, 1993, p. 12).
Conforme Nora (1993), os lugares de memória correspondem, simultaneamente e em
graus diversos, aos três sentidos da palavra, quais sejam: material, simbólico e funcional.
Material, pelo conteúdo, o apoio para os sentidos; funcional, porque transporta e transmite
memórias; e simbólico porque caracteriza, representa, expressa um acontecimento, uma
experiência. Dessa forma, um lugar com características aparentemente apenas materiais, como
é o caso de um arquivo, só seria um “lugar de memória” caso a imaginação o investisse de
19
uma aura simbólica. Já um lugar puramente funcional, como um manual de aula, um
testamento, uma associação de antigos combatentes, só entraria na categoria “lugares de
memória” se fosse objeto de um ritual. Já um minuto de silêncio, que teria a aparência de uma
significação simbólica, seria ao mesmo tempo o recorte material de uma unidade temporal e
serviria, periodicamente, para uma chamada concentrada da lembrança.
A grande “onda memorial” que foi detectada na França na década de 1980 por Nora não
foi algo particular e circunscrito a esse país europeu. A valorização da memória, da história e
do patrimônio histórico cultural é, na realidade, um fenômeno de caráter ocidental
indiscutível. No último quartel do século XX nos Estados Unidos e em países da Europa
passou-se a comemorar datas nacionais – como, por exemplo, a da Queda da Bastilha na
França –, memoriais passaram a ser construídos –, entre outros para relembrar o Holocausto
judeu, na Alemanha. Esses, indiscutivelmente, são dotados de um caráter pedagógico de
indução de comportamento, além de visar ao efeito moral da correção e da reparação. Velhos
centros urbanos foram restaurados e documentários históricos foram produzidos em grande
profusão. Nos países do Leste da Europa, questões relacionadas à memória e ao esquecimento
dela ocupam posições centrais (VOGT, 2008). O mundo, conforme afirma Huyssen (2000),
passou a ser literalmente “museualizado”.
Ao mesmo tempo, no meio acadêmico brasileiro, passou a haver uma profícua produção
historiográfica sobre o centenário da abolição da escravidão, o da Proclamação da República,
os quinhentos anos do descobrimento da América e do Brasil. Fora do meio acadêmico,
pipocaram em todos os lugares estudos de genealogia de famílias, encontros e festas de
sobrenome passaram a ser realizadas cada vez em maior profusão. François Hartog (1997)
afirma que as comemorações passam a definir um novo calendário da vida pública, impondo
seu ritmo e suas datas.
Essa verdadeira obsessão pelo passado fez com que fosse criado um grande e
interessante mercado da memória. A indústria da memória, ao que nos parece, é uma
decorrência da globalização, da revolução tecnológica, da mídia de massa, dos novos padrões
de consumo e da mobilidade que transformaram a temporalidade da vida. A aceleração
contemporânea do tempo e da própria história banaliza a invenção, faz suceder
alucinantemente os engenhos e dá aos homens a sensação de que o presente lhes foge,
desorientando os espíritos e alterando a percepção histórica (SANTOS, 1997). Ao mesmo
tempo, o meio técnico científico-informacional aproxima os lugares, fazendo com que os
espaços e os indivíduos, em graus diversos, estejam integrados no sistema-mundo.
20
Para se opor ao efeito devastador e desintegrador da aceleração da história, segurar
traços e vestígios do passado passou a ser uma necessidade vital (RIBEIRO, 2004). A
preservação da memória coletiva é elemento indispensável para a coesão e a identificação de
um grupo. Por isso, como nunca antes na trajetória da humanidade, esse parece ser também
um período em que tradições passam a ser inventadas (HOBSBAWM; RANGER, 1984). São
inventadas porque, obviamente, não mais existem.
A noção de “lugares de memória” exposta inialmente por Pierre Nora (1993)
transformou-se em um estrondoso sucesso e culminou abrindo novas perspectivas de análise
“ganhando uma espécie de vida própria, tornado-se até mesmo verbete de dicionário e, muitas
vezes, sendo utilizada de maneira um pouco distorcida” (BREFE, 1999, p. 29). A recepção do
conceito foi atravessada por apropriações diversas, críticas e controvérsias, terminando por
escapar do controle do seu autor, extrapolando, inclusive, ao campo acadêmico
(GONÇALVES, 2012) pois “Não só na academia fala-se em ‘lugar de memória’, mas também
nos meios político e social” (LIMA, 2010). Essa banalização – ou interpretação empobrecida
– que o conceito de “lugares de memória” adquiriu está em choque, mesmo em conflito com
aquilo que seu formulador pensava.
Um lugar de memória, para mim, não poderia nunca ser reduzido a um
objeto material, mas sim, ao contrário. A noção é feita para liberar a
significação simbólica, memorial – portanto, abstrata – dos objetos que
podem ser materiais, mas na maior parte das vezes não o são. Na verdade,
existem somente lugares de memória imateriais, senão seria suficiente que
falássemos de memoriais (BREFE, 1999, p. 30).
Pierre Nora (1993) defende ainda que a noção de “lugares de memória” não é
exportável e que o conceito trabalhado nos três tomos de Les Lieux de Mémoire são válidos
somente para a França. “A expressão lieux de mémoire é completamente intraduzível na
maior parte das línguas, isso porque ela não pode ser investida das mesmas significações
históricas, afetiva e emotiva como ela é na França” (BREFE, 1999, p. 30).
Os objetos de estudo inicialmente contemplados por Nora ganharam novos usos e se
cruzaram com outras categorias conceituas. Assim, a noção de lugares de memória tornou-se
um rico instrumental de trabalho para os historiadores empenhados em pesquisar essa
complexa relação entre memória e história no âmbito internacional, nacional, regional e local.
Tudo isso se deu ainda que a revelia do seu criador (BREFE, 1999).
Em decorrência disso, o conceito de “lugares de memória” tornou-se extremamente
abrangente e de múltiplas implicações. Como as categorias conceituais não são estáticas e
fechadas em si mesmas, passamos a adotar, nessa dissertação de mestrado, o conceito de
21
forma muito semelhante à de tantos outros estudos brasileiros. Assim, a compreensão que
aqui temos a respeito de “lugares de memória” diz respeito a um lugar – que não
necessariamente é um espaço geográfico – que serve de referência e de identificação para
determinadas pessoas ou grupos. Trata-se, no dizer de Lima (2010, p 11), de um lugar “que
carrega muitas simbologias que podem evocar e parar o tempo, bloquear o esquecimento,
fixar, imortalizar, materializar o imaterial”.
No que diz respeito ao objeto desta dissertação – Praças e Parques enquanto lugares
públicos –, dificilmente vamos encontrar nomes, monumentos e placas comemorativas
homenageando mulheres, indígenas, negros e caboclos. A não ser como resultado de embates
políticos ocasionais, não há interesse em destacar tais grupos em lugares que reforçam
identidades ou que rememoram questões polêmicas relacionadas.
Assim, compreender os lugares de memória é compreender também as Praças e Parques
públicos, bem como as representações contidas nestes espaços, onde é possível medir nosso
grau de cidadania e de representatividade coletiva. Os monumentos contidos nesses lugares
públicos de alguma maneira nos fazem evocar ou criar imagens sobre o passado, pois:
Os monumentos da cidade enaltecem os empreendedores, que possuem
rostos, corpos inteiros e figuras altivas vestidas dignamente, dinâmicas,
encenando a sua disposição, honestidade e altivez, representadas em matéria
prima nobre, normalmente em bronze. Os trabalhadores, por sua vez,
desfigurados, enaltecem sua força de trabalho e sua produção. [...] No nosso
país, onde o analfabetismo começou a ser minoria há poucos anos, não é
estranho que a cultura tenha sido predominantemente visual (COSTA, 2003,
p. 70).
É neste ínterim que podemos encontrar a intenção de manipulação social e a formação
dos lugares de memória que constantemente emanam dos espaços urbanos e públicos.
Territorializa-se o comum e o cotidiano, fazendo-nos compreender o quão desejável e
imprescindível é o poder sobre determinados lugares para diferentes agentes, grupos ou
personalidades.
Como nos lembra Frota (2010), os indivíduos por meio de suas relações com o meio e
com a cidade exprimem em todos os seus equipamentos e lugares os seus anseios e
necessidades, fazendo valer a importância dos mais diferentes lugares públicos. Assim a
Praça, não diferente do Parque, são lugares planejados no espaço urbano contemporâneo, não
apenas para o passeio, diversão e lazer, ou como um lugar sinônimo de trabalho para
diferentes cidadãos, mas pensada e planejada como um lugar de memória e importante
representação social.
22
Certamente os lugares de memória merecem nossa atenção, pois esses não nascem sem
intencionalidade, mas representam claramente ideais de indivíduos e grupos com poder de
manipulação. Esses buscam uniformizar a memória, quando não criá-la em seu próprio
benefício.
2.2 Memória coletiva
O campo da memória coletiva, firmado e fomentado nos lugares de memória, é outro
conceito que merece especial atenção. Encontra-se no debate da memória coletiva a
possibilidade real de compreender a intenção de diferentes ações e atitudes, no caminho da
história e nos lugares de memória. Destacamos que o campo da memória é rico e diverso,
podendo e devendo ser compreendido e analisado sobre diferentes facetas, especialmente em
uma sociedade onde as cidades tornaram-se palcos constantes de embates e necessidades entre
os mais diferentes cidadãos.
Maurice Halbwachs (2004) é a grande referência da qual derivam as reflexões
contemporâneas sobre memória coletiva. Este sociólogo francês da escola durkheimiana, e
opositor do regime de ultra direita do nacional socialismo alemão, foi detido pela Gestapo,
durante a Segunda Guerra Mundial quando da ocupação da França pelo exército alemão.
Deportado para Buchenwald, um campo de concentração nazista, foi executado em 1945.
Escreveu seus principais trabalhos entre as décadas de 1920 e 1940. Sua obra seminal, A
memória coletiva, foi publicada pela primeira vez em 1950. Trata-se, portanto, de uma obra
póstuma que, algumas décadas depois, passou a ter um reconhecimento inesperado
(RICOEUR, 2007).
Segundo esse teórico, as memórias são construções dos grupos sociais. São os grupos
sociais dos quais o indivíduo participa que determinam o que é memorável e os lugares onde
essa memória será preservada (HALBWACHS, 2004) ou, conforme sintetiza Recoeur (2007,
p. 130), “o texto diz fundamentalmente isto: para lembrar precisa-se dos outros”. Dito de
outra forma, não nos lembramos sozinhos.
Para Halbachs (2004, p. 30) há uma intrínseca relação entre memória individual e
memória coletiva:
[...] nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são lembranças
pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais só nós
estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É porque, em
realidade, nunca estamos sós. Não é necessário que outros homens estejam
23
lá, que se distingam materialmente de nós: porque temos sempre conosco e
em nós uma quantidade de pessoas que não se confundem.
A memória coletiva é social e engloba, portanto, a de um determinado grupo de
pertencimento ou identificação. O grupo de referência, conforme Schmidt e Mahfoud (1993,
p. 288), “é um grupo do qual o indivíduo já fez parte e com o qual estabeleceu uma
comunidade de pensamentos, identificou-se e confundiu seu passado”. Cada componente de
um determinado grupo se identifica com essa memória coletiva. As pessoas, obviamente, não
pertencem somente a um determinado grupo mas, ao longo de suas vidas, integram grupos
diversos. Os componentes de cada coletividade (religiosa, escolar, profissional, recreativa,
política, entre outras) são portadores de uma memória que é consensuada nas relações que se
estabelecem entre os membros das mesmas coletividades. Nesse contexto se constroem
lembranças, impregnadas das memórias, de formas. Essas se criam ainda que não estejamos
na presença dos outros; o nosso lembrar e as maneiras como percebemos e vemos o que nos
cerca se constitui a partir desse emaranhado de experiências (HALBWACHS, 2004). A
lembrança é, assim, fruto de um processo coletivo e se encontra inserido em um contexto
social específico. Ainda de acordo com Halbwachs (2004, p. 38)
[...] para que a nossa memória se aproveite da memória dos outros, não basta
que estes nos apresentem seus testemunhos: também é preciso que ela não
tenha deixado de concordar com as memórias deles e que existam muitos
pontos de contato entre uma e outras para que a lembrança que nos fazem
recordar venha a ser constituída sobre uma base comum [...].
A partir das teorizações de Halbwachs (2004) podemos afirmar que as memórias são
construídas por grupos sociais. São os indivíduos que lembram no sentido literal, físico, mas
são os grupos sociais que determinam o que é memorável e a forma como os acontecimentos
serão lembrados. Os indivíduos se identificam com os acontecimentos públicos de
importância para seu grupo. Logo, é impossível existir uma memória estritamente e
exclusivamente individual, haja vista que “as lembranças dos indivíduos são, sempre,
construídas a partir de sua relação de pertença a um grupo” (SCHMIDT; MAHFOUD, 1993,
p. 291).
Outra questão apontada por Halbwachs (2004, p. 75-76) é que o presente incide sobre a
memória de fatos passados. Nesse sentido afirma que “a lembrança é em larga medida uma
reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora
manifestou-se já bem alterada”.
24
Um dos discípulos de Maurice Halbwachs foi o sociólogo e historiador Michael Pollak.
Nascido em Viena, na Áutria, em 1942, ele faleceu em Paris em 1992. Pollak destaca que, a
priori, a memória parece ser um fenômeno pessoal, particular, íntimo da pessoa. No entanto,
ao se seguir os ensinamentos deixados por Halbwachs, constata que ela é um fenômeno
coletivo e social “construído coletivamente e submetido a flutuações, transformações,
mudanças constantes” (POLLAK, 1992, p. 201).
Para Pollak (1992) seriam três os elementos constitutivos da memória individual e
coletiva. Em primeiro lugar, os acontecimentos vividos pessoalmente pelo indivíduo. “Em
segundo lugar, os acontecimentos vividos ‘por tabela’, isto é, acontecimentos vividos pelo
grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer” (POLLAK, 1992, p. 201).
Seriam acontecimentos dos quais o indivíduo não necessariamente teria participado, mas que
no seu imaginário teriam tomado tamanha relevância que, ao fim, seria quase impossível à
pessoa saber se compartilhou ou não dos fatos narrados. Defende Pollak (1992) que nesses
acontecimentos “vividos por tabela” ocorreria um fenômeno de projeção ou de identificação
com determinado passado que seria tão intenso que se poderia falar em uma memória quase
herdada. Além desses acontecimentos, a memória seria constituída por pessoas, personagens
encontrados no decorrer da vida e aqueles frequentados indiretamente, que não
necessariamente pertenceram ao espaço-tempo do indivíduo, mas que se transformaram até se
tornarem conhecidos da pessoa. Além dos acontecimentos e personagens, arrola também os
lugares. “Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança, que
pode ser uma lembrança pessoal, mas também pode não ter apoio no tempo cronológico”
(POLLAK, 1992, p. 202). Como exemplo, o mesmo autor cita que os lugares de
comemoração ou os monumentos aos mortos poderiam servir de base para uma relembrança
de um período que a pessoa teria vivido por si mesma ou por tabela.
Esses três elementos constitutivos da memória – acontecimentos, personagens e lugares
– conhecidos direta ou indiretamente, poderiam, portanto, dizer respeito a acontecimentos,
personagens e lugares reais, empiricamente fundada em fatos concretos, assim como
poderiam se tratar da projeção de outros eventos.
Pollak (1992) também faz uma menção sobre os esquecimentos, os silenciamentos e os
não-ditos da memória. Como a memória é um fenômeno construído, consciente ou
inconscientemente, por grupos, nem tudo fica gravado ou registrado. A memória é fruto de
disputa porque reforça sentimentos de pertencimento e demarca fronteiras sociais de
coletividades como partidos, sindicatos, igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações, entre
outros. Ou seja, a referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das
25
instituições que compõe uma sociedade para definir seu lugar respectivo, sua
complementariedade, mas também as oposições irredutíveis (POLLAK, 1989). Assim, à
memória dita oficial dos grupos dominantes muitas vezes se contrapõe a uma outra,
marginalizada, subterrânea, oriunda de grupos excluídos, ficando mais ou menos evidente que
ela pode ser motivo de disputa entre várias organizações.
Outro autor que considera crucial o conceito de memória para as ciências humanas é o
historiador francês Jacques Le Goff (1994) que defende que durante o século XIX a memória
coletiva dá um grande salto com o aparecimento de arquivos, museus e bibliotecas. São
incorporados também aos calendários nacionais uma série de festas comemorativas para
lembrar ao povo de recordações relacionadas com a história política das nações. Isso
acontece, por exemplo, na França, para fazer recordar a Revolução Francesa de 1789, e nos
Estados Unidos após a Guerra da Secessão, quando é introduzido o Memorial Day. No caso
do Brasil, a República instaurada no final de 1889 introduz os feriados de 15 de novembro e
de 21 de abril. O primeiro para rememorar anualmente o dia em que foi proclamada a nova
forma de governo, e o segundo para homenagear Joaquim José da Silva Xavier, o conhecido
Tiradentes, transformado em mártir e herói nacional pelo novo regime.
Mas além de datas para rememorar grandes feitos nacionais, aquela centúria foi
também pródiga no aparecimento de novos suportes comemorativos:
[...] moedas, medalhas, selos de correio multiplicam-se. A partir de meados
do século XIX, aproximadamente, uma nova vaga de estatuária, uma nova
civilização da inscrição (monumentos, placas de paredes, placas
comemorativas nas casas de mortos ilustres) submerge as nações europeias
(LE GOFF, 1996, p. 464).
Contudo, a implantação e difusão de datas e de símbolos comemorativos e de
rememoroação não foi um atributo específico de movimentos revolucionários como a
Revolução Francesa e a Revolução Americana. Ela é também um apanágio dos conservadores
e nacionalistas para quem a memória é um instrumento de governo, como fica claro em Le
Goff (1996, p. 463): “A comemoração do passado atinge o auge na Alemanha nazista e na
Itália fascista”.
O fato da memória coletiva se constituir em um importante elemento na constituição da
identidade coletiva explicaria porque ela é também um instrumento e um objeto de poder.
Assim, tornar-se senhor da memória e do esquecimento passa a ser uma das grandes
preocupações das classes, dos grupos e dos indivíduos que dominaram ou dominam as
sociedades históricas. Como em um pedido de engajamento, Le Goff (1996) encerra
26
conclamando que devemos trabalhar para que a memória coletiva sirva para a libertação e não
para a servidão dos homens.
De fato, o campo das memórias constitui-se em uma espécie de campo de batalha,
escondendo por vezes conflitos e tensões existentes nos mais diferentes processos históricos
de dominação. Destacam Uczai e Marcon (2003) que por meio dos nomes das ruas, praças e
monumentos de uma cidade, podemos perceber uma linguagem dominante, porém não isenta
de tensões e conflitos constantes. Dessa forma, a memória pode ser entendida como um dos
mais sólidos alicerces de dominação e poder, pois se pauta na formação da memória a
possibilidade de oprimir, excluir, dominar e conquistar (COSTA, 2003). Em suma, a
intenção de dominar a memória, entrelaçar fatos e interpretá-los é o desejo de controlar o
presente. Isso porque a lembrança se estabelece, possui força, poder e representação,
condições para subjugar e dominar o passado, o presente e, quem sabe, até mesmo o futuro
dos homens.
Cruz (1992) escreve sobre os lugares de memória quando analisa os monumentos com a
finalidade de marcar, na cidade, uma representação de aspirações ou ambições pessoais ou
coletivas que são concretizadas em edifícios, monumentos ou equipamentos urbanos. Esses
monumentos, quando permanecem, podem adquirir outros significados, impostos por novas
interpretações pela sociedade, ou outros usos, conforme sua natureza. Quando analisados em
todas as suas características, poderão fornecer seu significado social.
Frotscher (2003), percebendo tal artimanha política, nos informa que o ato de se erigir
monumentos é muitas vezes tão explícito que um dos primeiros atos após uma mudança de
governo é a eliminação de “lugares de memória” do anterior. O autor fornece diferentes
exemplos e reflexões históricas nos períodos do advento da República no Brasil e na
Revolução de 1930.
Encontramos – nos chamados lugares de memória e, em destaque, nas Praças e Parques
da atualidade – uma busca por determinada lembrança ou recordação específica do que se
deseja preservar, influenciada por um grupo que coloca o que é necessário recordar.
Especialmente a nível regional, onde se almeja a memória, é que se faz importante manter a
reminiscência viva e presente no cotidiano, materializada em espaços públicos. O fazer
lembrar ou esquecer determinada situação é característica marcante no constante “jogo de
poder” representado por Praças e Parques.
Frota (2010) reconhece as Praças como um importante equipamento das cidades, um
espaço onde podemos analisar os usos da memória e sua representação no imaginário
individual e coletivo, como representação de um local privilegiado por todos. Sendo assim, a
27
Praça e o Parque surgem como lugares ideais para a celebração da memória, haja vista a
importância central que tais lugares têm para os indivíduos. Os lugares de memória
normalmente buscam evocar a lembrança de indivíduos ou de grupos representativos de um
determinado tipo de poder político, econômico ou de influência social. Assim, atuais
detentores de poder, ao criar homenagens em espaços públicos, procuram reverenciar pessoas
ou grupos com os quais se identificam.
Cotidianamente nos deparamos com lugares de memória homenageando os imigrantes,
famílias específicas ou ainda determinados feitos históricos, fazendo reproduzir a história
tradicional das datas, dos grandes feitos e de seus heróis. Dessa maneira, outras histórias ou
pessoas representativas ou ligadas, por exemplo, a combativos movimentos sociais sofrem
constantes críticas e são silenciadas, descaracterizando sua participação em acontecimentos,
como destaca (RAMPINELLI 2003).
2.3 Praças e Parques no Brasil
Nesta seção apresentamos um “resgate” histórico das Praças e Parques no Brasil,
apresentando as diferentes características e significados que esses lugares adquiriram. O nosso
intuito é demostrar que apesar do lugar Praça e Parque possuírem importância ímpar para o
desenvolvimento urbano, foram construídos e usados de formas diferentes ao longo do tempo,
representando assim algumas particularidades ao conceituarmos e analisarmos esses dois
lugares públicos.
As Praças e Parques no Brasil, além de importantes lugares públicos, teoricamente
destinados somente ao lazer e fruição da população, podem possibilitar outras interpretações
quando analisados os significados simbólicos de contornos políticos, econômicos e culturais
que carregam e representam. As Praças e Parques que buscamos historicizar podem revelar-se
locais que remetem a múltiplas análises, dentre as quais sua funcionalidade, as forma de lazer
e convivência que propiciam, o reconhecimento que possuem e os usos do espaço
democrático ou invisível que possibilitam (PACHECO, 2007).
Destacamos que é no estudo de Praças e Parques públicos, presentes na história do
espaço urbano, que podemos compreender também a formação da memória. Debatendo a
disputa dos lugares de memória, conceito apresentado anteriormente por Nora (1993) e
Halbwachs (2004), podemos afirmar que inúmeras são as transformações ocorridas nos
espaços urbanos ao longo do tempo, com destaque para o século XX.
28
Desta forma, as Praças modificaram-se em suas características e, em muito, alteraram
seus conceitos, ou seja: “Ao longo dos tempos, com a evolução das cidades, alterou-se
significativamente o papel da praça na urbe; todavia, o caráter social que sempre a
caracterizou, permaneceu e permanece como a sua mais intrínseca qualidade” (ROBBA;
MACEDO, 2002, p. 15).
Apesar de serem lugares diferentes, essa situação, segundo Macedo e Sakata (2002, p.
15), não é diferente no que tange ao lugar Parque, onde: “Somente nos últimos vinte anos do
século XX observa-se um interesse político crescente pela implantação e formação de Parques
públicos. Essa tendência é influenciada pela crescente urbanização do país, que levou a
grande maioria da população a residir em cidades”.
Buscar perceber os diferentes significados e conceitos, isso entre as transformações e a
importância que o lugar Praça e Parque adquiriram na história do espaço urbano, parece-nos
fundamental. A partir de diferentes observações e reflexões sobre os espaços públicos,
podemos compreender as várias intenções que se pautam sobre esses lugares, redefinindo e
apresentando as mudanças estratégicas que tais lugares sofreram, confundindo em muito o
viés público e social desses mesmos.
Borges (2011) afirma que as Praças – e acrescentamos que o mesmo vale para os
Parques – enquanto equipamentos urbanos, atendem a um número diverso e distinto da
população e podem ter suas funções alternadas entre o dia e a noite. Em alguns casos, podem
se tornar referência histórica e turística por se tratarem de formas urbanas geralmente
relacionadas à origem das cidades. Assim, as Praças, que normalmente estão associadas a
desempenhar funções de lazer, de entretenimento e de embelezamento de cidades,
dependendo das situações, podem ter outros usos ou funções. Elas podem, por exemplo, ser
lugares representativos de uma estratégia política e ideológica de grupos.
Desta forma, apesar de Robba e Macedo (2002) apresentarem que a Praça e o Parque
são cotidianamente lembrados como espaços livres, públicos, urbanos e destinados ao lazer,
bem como ao convívio da população, devendo, por isso mesmo, estar livres de veículos, eles
adquirem outros significados. Pollak (1989), ao analisar espaços públicos no continente
europeu afirma que esses podem constantemente representar campos de disputa pela
memória. Esses lugares públicos, no Brasil, não possuem um histórico diferente, haja vista a
relação e formulação história das Praças e Parques brasileiros com os europeus.
29
2.4 O lugar da Praça no Brasil
Entender o lugar Praça no Brasil requer o exercício de conhecer a formação do espaço
urbano colonial brasileiro. O contexto que lhe deu origem remonta ao século XVI, com o
desenvolvimento das primeiras vilas e povoados. Sabemos que inúmeras são as funções que
as Praças desempenharam ao longo da história nos mais diferentes territórios. A formação do
lugar Praça no Brasil é um processo complexo em virtude das mudanças ocorridas durante os
séculos. Para tanto, é importante relembrar que Portugal, coroa ou metrópole da colônia
brasileira levou para seus domínios coloniais, desde o século XVI, regramentos de
povoamento e de organização dos espaços urbanos. Em torno de religião e da construção da
igreja surgiram naquele contexto os primeiros povoados e os embriões das primeiras cidades,
com destaque para o “centro urbano”.
Marx (1980), citado por Robba e Macedo (2002), destaca que as cidades coloniais
brasileiras foram fundadas sempre a partir da doação de uma área de sesmaria para
determinado santo, com a construção de uma capela e a instituição de uma paróquia em seu
louvor. Desse modo, destacamos a importância que a religião Católica adquiriu durante o
período de vigência do padroado quando, em diferentes pontos do território colonial,
nasceram as cidades. Nessas, como destacam Robba e Macedo (2002), foram deixados
lugares em frente aos templos que se constituíram as Praças. Surgiram, assim, as mais antigas
Praças brasileiras.
Historicamente, adquiriam em seu entorno outras construções, tais como casario e
outras edificações administrativas que compunham as nascentes freguesias, arraiais ou vilas
coloniais.
O espaço deixado em frente aos templos é justamente o espaço de formação
da praça. Conforme a povoação cresce, o adro da igreja se consolida, como
um elo entre a comunidade e a paróquia, o mais importante polo da vila e o
centro da vida sacra e mundana, pois atrai para o seu entorno as mais ricas
residências, os mais importantes prédios públicos e o melhor comércio
(ROBBA; MACEDO, 2002, p. 19).
Marx (1980) citado por Robba e Macedo (2002), ao buscar analisar a gênese desse lugar
público no Brasil, também reforça a relação histórica entre o seu nascer e a presença marcante
e típica das capelas, igrejas, conventos ou irmandades religiosas. O mesmo autor destaca que
a Praça favoreceu, nesse contexto, a reunião de várias pessoas e possibilitou a realização de
30
inúmeras atividades diferentes, sejam de expressão e reunião do poder público, de cunho
religioso ou de lazer para diferentes cidadãos.
Tais características, verificadas no histórico de inúmeras Praças, é reafirmada por
Robba e Macedo (2002) que salientam que as atividades sacras e profanas, civis e militares
dividiam esse lugar, sempre defronte à Igreja Católica, representando um lugar de uso
comum.
A praça – até esse momento chamada de largo, terreiro e rosário – era o
espaço de interação de todos os elementos da sociedade, abarcando os vários
estratos sociais. Era ali que a população da cidade colonial manifestava sua
territorialidade, os fiéis demostravam sua fé, os poderosos, seu poder, e os
pobres, sua pobreza. Era um espaço polivalente, palco de muitas
manifestações dos costumes e hábitos da população, lugar de articulação
entre os diversos estratos da sociedade colonial (ROBBA; MACEDO, 2002,
p. 22).
Dessa maneira, buscando perceber a estruturação e característica das Praças brasileiras
ao longo do tempo, deparamo-nos com Santos (2001) que destaca a ideia de ordem social que
girava em torno da Praça no período colonial, tido como o principal ponto no núcleo urbano.
O autor ressalta que o conjunto formado pela Praça, pelo pelourinho e pela igreja se
complementam, destacando-se o cenário urbano, representando a ordem social necessária às
coisas nas colônias.
Tal compreensão não difere da importância que Caldeira (2010) atribui à Praça,
destacando que, a partir do momento em que houve a valorização estética desse equipamento
público, foram associadas à ela as construções de edifícios institucionais e religiosos, como as
Casas de Câmara e igrejas matrizes. Como também lembram Robba e Macedo (2002), a
Praça, desde os seus primórdios no Brasil, adquiriu funções importantes, como centro de
expressões de cunho militar, político, de mercado e de recreação. Tudo isso acontecia no
mesmo lugar. As mesmas ainda são lembradas por abarcarem manifestações ou funções
simultaneamente, o que as diferencia das clássicas Praças portuguesas do mesmo período –
onde cabia a cada Praça certa função ou papel específico, como analisou Caldeira (2010).
Desta forma, podemos perceber que as Praças coloniais do Brasil já refletem, com
bastante ênfase, o conceito cotidiano que atribuímos a elas hoje, ou seja, um lugar público,
comum, aberto a diferentes manifestações e usos, bem como um marco de destaque no espaço
urbano.
As mudanças pelas quais passou o lugar da Praça no Brasil foram lentas e graduais,
como lembram Robba e Macedo (2002). Foi apenas em finais do século XVIII e início do
XIX, em decorrência de uma clara influência francesa e inglesa, com a absorção de ideais de
31
cunho social, que os lugares públicos brasileiros passaram por mudanças. As Praças pelo
Brasil sofreram pequenas alterações durante centenas de anos de história colonial, porém, na
condição de colônia de exploração, e existindo no país certo conservadorismo político,
compreendemos que o desenvolvimento de ideais sociais apenas engatinhava (ROBBA;
MACEDO, 2002).
O Brasil, buscando conectar-se com a nova ordem social, econômica e produtiva global
da virada do século XIX para o século XX, muito se espelhou nas transformações advindas da
Europa. Semelhante ao que Robba e Macedo (2002) trazem, acreditamos que o país, nesse
período, adentra na lógica das campanhas de modernização, salubridade e embelezamento das
urbes, com reformas e estratégias para transformar a cidade colonial em republicana.
A partir desse momento e das transformações políticas e econômicas pelo qual o Brasil
passava em fins do século XIX, procede-se ao ajardinamento das Praças, seu embelezamento
e a criação de novas funções para esses lugares. O país, que então adentrava no contexto
republicano, necessitava ainda de novas perspectivas, ícones ou personagens que pudessem
afirmar a nova situação do país, bem como do novo momento econômico que surgia.
As transformações ocorridas na segunda metade do século XIX, com o
enriquecimento do país em função da exportação de produtos como o café e
a borracha, foram marcantes e sinalizaram mudanças significativas na forma
da construção da cidade brasileira no final do século XIX e começo do
século XX [...] (ROBBA; MACEDO, 2002, p. 22).
Foi com essas mudanças na política (o advento da República) e na economia (o
desenvolvimento de setores ligados à aristocracia cafeeira), que a Praça modificou-se, pois
agora o poder e seu contexto estavam se modificando. Em tal circunstância, acompanha a
mudança no centro da cidade e, com isso, apaga-se a velha ordem e os ultrapassados
monumentos, símbolos ou estátuas, representativos de outros tempos.
Frotscher (2003), analisando a passagem política do século XIX para o XX – da
monarquia à república –, é enfática ao afirmar que o governo, de tempos em tempos, se
apropria da história, da realidade, e incute à sociedade toda uma carga de valores. Entre esses
aparecem os conceitos lealdade e o amor ao Brasil, tentando-se, com isso, transformá-lo em
arquétipo a ser seguido.
A partir de tais constatações, e do momento histórico ímpar as modificações foram
profundas nos conceitos de Praça e consequentemente, do espaço urbano. As bibliografias que
debatem esse período trazem que além do ajardinamento da Praça, ocorreu o embelezamento
direto de um lugar que estava sendo entendido como “antigo, sujo, e pobre em estrutura”. Tal
32
situação é sentida mais declaradamente no Rio de Janeiro, capital do Brasil até 1960, onde,
desde a chegada da família real portuguesa, em 1808, o espaço público foi modificado. Assim
podemos compreender que o século XIX foi já em seu início polêmico, culminando no
alvorecer do século XX com mudanças no campo econômico, político e social, com destaque
para as ditas campanhas sanitaristas.
Embalados pelas políticas sanitaristas vigentes, o processo de remodelação
urbana foi usado como justificativa para expulsar as camadas mais pobres da
população que porventura ocupassem as áreas centrais. [...] A abertura da
Avenida Central no Rio de Janeiro seguiu o modelo parisiense não só na
questão estética e formal, mas também na questão política. A população
pobre, feia e suja que habitava o centro colonial do Rio foi banida, passando
a ocupar os morros adjacentes (ROBBA; MACEDO, 2002, p. 28).
Matos (2002), reforçando essa questão, destaca que uma das primeiras vias a delinear a
cidade foi a política de higiene sanitarista. O olhar médico, conjugado à ação, observação e
transformação do engenheiro, unido ainda à política de intervenção do Estado planejador e
reformulador, pretendia de todas as formas neutralizar o espaço, ou reformulá-lo em benefício
próprio.
Dessa forma, podemos compreender que as transformações que aconteceram no espaço
urbano, aí incluído o lugar da Praça, não representam diretamente um processo de aceitação
unânime e geral da população. A reformulação de qualquer espaço urbano é sempre algo
polêmico e complexo, pois interfere no cotidiano, na identidade e na memória de todos
aqueles que dividem tais lugares.
Contudo, o coração da cidade, incorporando inúmeras manifestações e estando em
constante relação com o poder da Igreja, tornou-se diferente nas Praças que nasciam no
alvorecer do século XX. Esses novos lugares públicos, além de serem conhecidos como
Praças ajardinadas, “inauguraram” uma maneira única de ver tais lugares, redirecionando
atividades que antes eram desempenhadas fora dali.
A partir das Praças-jardim começaram a se desenvolver atividades de recreação, lazer
contemplativo, convivência da população e passeio. Essas atividades acabaram por se tornar
algo típico e intrínseco a esses espaços, como enfatizam Robba e Macedo (2002, p. 22):
Também nesse momento as ruas e as praças mais importantes passam a
receber tratamento de jardim, sendo ornadas com canteiros de árvores e
flores ornamentais. Como era de se esperar, o sucesso do processo de
ajardinamento da cidade é enorme, e algumas das praças coloniais mais
antigas e tradicionais receberam vegetação e tratamento de jardim, perdendo
algumas das suas peculiaridades como largo, pátio e terreiro.
33
Robba e Macedo (2002) destacam, ainda, que nas primeiras décadas do século XX as
Praças não se caracterizavam mais pelo que havia em seu entorno, mas sim, por serem
espaços projetados, pensados e construídos para o povo, para um grupo maior. Ressaltando
que a dimensão de “povo” para esse período da história não abrangia exatamente todos os
grupos da sociedade.
Partindo dessas transformações, as Praças adquiriram muitas das características que
ainda as permeiam, ou seja, lugar de lazer, passeio, descanso, encontro, entre inúmeras outras
funções cotidianas. Cabe lembrar que foi sobre as Praças contemporâneas, entendidas também
como Praças modernas, que os espaços urbanos foram reformulados. Pensar nesses lugares
não deve ser um exercício desligado da sua dinâmica, ou seja, do crescimento populacional e
do processo de urbanização que o Brasil apresentou no transcurso do último século. Nesse
contexto, o adensamento de áreas centrais e a expansão dos limites periféricos da malha
urbana fez indispensável a opção por áreas de lazer para a cidade e para seus cidadãos
(ROBBA; MACEDO, 2002).
Frota (2010) reforça que as cidades tornaram-se verdadeiros palcos das relações
existentes entre os sujeitos em suas vivências, exprimindo em seus equipamentos, lugares e
espaços, os seus anseios e suas necessidades. Essa situação fez as Praças obterem destaque no
espaço urbano pelo que elas proporcionavam aos inúmeros cidadãos.
Robba e Macedo (2002) atribuem destaque para as cidades de São Paulo e Rio de
Janeiro. Essas, ao tornarem-se metrópoles, passaram a abrigar enormes contingentes
populacionais. Analisam que, em decorrência desse fator, essas urbes forçaram-se à
reconstrução e à ampliação da infraestrutura urbana, destacando o transporte, a habitação e o
lazer. Os autores, a partir do crescimento das cidades, conceituam essas novas áreas urbanas
como Praças modernas, onde a população passou a valorizar cada vez mais os espaços livres
ajardinados, em resposta ao constante processo de urbanização e verticalização das cidades.
Porém não se trata mais de construir praças que sejam simples cenários
bucólicos: a praça é um espaço livre, que deve ser destinado ao lazer. O lazer
contemplativo e o caráter de convivência social continuam sempre presente;
o lazer esportivo e a recreação infantil foram definitivamente incorporados;
o lazer cultural começou a se manifestar com vigor no programa moderno.
Os equipamentos, como quadras esportivas, playgrounds e brinquedos
infantis, palcos e anfiteatros ao ar livre, passaram a ser implantados com
frequência, confirmando essas novas formas de uso da praça (ROBBA;
MACEDO, 2002, p. 37).
A partir do segundo cinquentenário do século passado, as Praças no Brasil não se
resumiam a caminhos dos transeuntes, mas começaram a ser idealizadas para a permanência
34
desses. Com isso, Robba e Macedo (2002) percebem um desenvolvimento quanto à qualidade
da urbanização, haja vista que os planos diretores das cidades, ou as políticas de
desenvolvimento dos munícipios caminharam para serem eficientes e contínuos, apostando no
fator “verde”, e objetivando aumentar o nível de qualidade de vida dos seus habitantes.
Curitiba é um exemplo dado pelos autores, pois ganhou uma série de Praças e lugares livres,
destacando e transformando a cidade em uma espécie de capital ecológica.
Dessa maneira, não apenas em Curitiba, mas em municipalidades de diferentes regiões
do Brasil, o lugar Praça passou por redefinições, visto que a articulação entre as pessoas e o
próprio lugar comunitário, público, e em alguns lugares, verde trouxe valorização crescente da
Praça. Podemos ainda afirmar que a partir dessa valorização, ela retoma seu conceito central
na cidade. Volta a ser palco de inúmeras atividades como o comércio, os serviços e o lazer,
lembrando a tradição da antiga Praça colonial, banidas ou redimensionadas no século XIX,
com o processo de ajardinamento (ROBBA; MACEDO, 2002).
Ao debater as mudanças verificadas em países em desenvolvimento, utilizamo-nos do
que Robba e Macedo (2002) interpretam sobre a existência de metrópoles, inchadas e
superpopulosas, que centralizam grande parte da produção, investimentos, oportunidades
diversas e recursos financeiros, atraindo cada vez mais pessoas em busca de trabalho. Tais
sinais reforçam a necessidade de lugares públicos de lazer, de contemplação, de troca de
experiências cotidianas, ou seja, da necessidade do espaço Praça.
Sendo assim, o lugar da Praça constitui atualmente um lugar recheado de significados,
multifuncional e adaptável rapidamente a diferentes fins, muito além daqueles valores
estéticos verificados no Brasil do século XVI. As Praças tornaram-se espaços referenciais, de
inclusão social, de sinônimo de lazer e de desenvolvimento urbano, firmando-se como lugares
fundamentais nas cidades contemporâneas.
2.5 O lugar do Parque no Brasil
Ao falarmos de espaço urbano brasileiro, muitas definições de Parque podem surgir – já
que durante o século XX muitos foram os estudos sobre o tema. Possíveis confusões nos
conceitos e usos entre Praças e Parques também pode ser comuns, mas, apesar do cunho
urbano e público que caracteriza esses lugares, o Parque representou no Brasil a
modernização dos lugares públicos, se caracterizando por ser um lugar mais amplo e verde.
Porém, não diferentemente do exposto por Macedo e Sakata (2002), acreditamos que a
primeira imagem que nos vem à mente de um Parque é aquela relacionada a um lugar
35
bucólico, relvado, com a presença de um lago, transposto por uma romântica ponte, onde
chorões plantados debruçam-se sobre as águas, emoldurando um bosque frondoso. Ou ainda,
àquela imagem de um lugar com um grande gramado envolvido por arranha-céus, semelhante
aos de Nova York, destacando a imagem emblemática do Central Park, nos Estados Unidos.
Não que tais imagens ou configurações de Parques não sirvam como exemplos para
compreendermos esse lugar no Brasil. Mas, antes de qualquer visão romântica ou moderna,
devemos ter claro que na atualidade o Parque é compreendido por um espaço livre ao público,
estruturado por vegetação e dedicado ao lazer da população humana (MACEDO; SAKATA,
2002).
Em outras palavras, Whately (2008) avalia que o Parque é também um lugar de cultura
e de paz, onde as camadas sociais convivem com direitos e deveres iguais e onde os seres
humanos convivem com as outras espécies vivas, vegetais e animais. Tal autora desmistifica a
ideia de Parque, afirmando que os paulistas, por exemplo, passaram a ser pensados não apenas
como importantes no urbanismo ou enquanto equipamentos de lazer e contemplação, mas
como parte de um todo sistêmico que é a cidade. Dessa forma, enfrentando problemas de
crescente urbanização, associada ao uso e ocupação do solo, os Parques podem se constituir
em um dos últimos refúgios para a proteção e para a conservação da biodiversidade. Além
disso, ainda oferecem espaços para lazer, educação e entretenimento, colocando pessoas em
contato com a natureza, contribuindo, assim, para a melhora da qualidade de vida.
Com isso, para melhor compreender o sentido histórico e as características que os
Parques tomaram no Brasil, buscamos rememorar o surgimento dos primeiros Parques. Nesse
sentido, seguimos a trajetória realizada por Macedo e Sakata (2002), autores que sustentam
que o mais antigo Parque urbano no Brasil data de 1783. Trata-se do Passeio Público no Rio
de Janeiro. Em um período anterior à constituição do Brasil, como nação, esse lugar foi o
grande ponto de encontro da população carioca no final do século XVIII e durante o século
XIX. Segundo os arquitetos e urbanistas, o Passeio Público no Rio de Janeiro representava, já
naquela época, um lugar em que em seu interior podia-se observar, além de variadas espécies
da flora nacional, obras de arte confeccionadas pelo renomado Mestre Valentim, semelhantes
a chafarizes e esculturas.
Outro lugar público de destaque, conhecido como o primeiro Parque da cidade de São
Paulo, foi o Jardim Público, hoje conhecido como Parque da Luz, que tem seu projeto
iniciado em 1798. Com recursos levantados por cidadãos comuns em troca de patentes de
oficiais de milícia, ficou pronto apenas em 1825 devido à falta de infraestrutura da época,
representando o único ponto de lazer da cidade naquele período (WHATELY 2008).
36
Contudo, no Brasil, os primeiros grandes Parques foram construídos após a vinda da
família real portuguesa, sendo inicialmente bastante elitizados. O estilo ou estrutura dos
Parques, a partir de então, sofreram influência e tendências do estilo norte americano e
europeu, associados às necessidades locais. Enquanto que nos Estados Unidos e na Europa os
Parques surgem da urgência de se atender às necessidades da massa urbana das cidades do
século XIX, no Brasil eles vieram a ser “figura complementar ao cenário das elites
emergentes, que controlavam a Nação e procuravam construir uma configuração urbana
compatível aos modelos ingleses e franceses” (BOVO, 2008, p. 75).
Lugares públicos semelhantes ao encontrados no Rio de Janeiro e em São Paulo – como
o Passeio Público Carioca e o Jardim Público paulista, os quais vieram a obter destaque no
século XIX – ocuparam, a importância que até então obtinham os velhos largos e terreiros,
expressões empregadas às Praças antigas. Sendo lugares ajardinados, foram importantes
lugares para as elites locais, modernizando o Brasil e embelezando as cidades.
Ianni (1992) destaca que tal modernização no Brasil foi a marca das décadas finais do
século XIX, período que tornou cada vez mais evidente a preocupação com as implicações
sociais, econômicas, políticas e culturais relacionadas ao término do regime monárquico e à
extinção do trabalho escravo. São movimentos e mudanças que não podemos desconsiderar
quando buscamos perceber as mudanças urbanas dirigidas por uma elite que, naquele
contexto, buscava apagar um passado de opressão social.
Foi ainda nesse período que os conceitos de Praça e Parque adquiriram certas
semelhanças, compreendidos ambos como lugares arborizados, de contemplação e elementos
de modernidade. Estes conceitos foram em muito espelhados em padrões europeus, continente
que passava por importantes mudanças sociais e urbanas desde o século XVIII.
Mas, no Brasil, o acesso cotidiano aos Parques estava distante da população em geral.
Eram, então, considerados um equipamento desnecessário pela população, haja vista seu
papel no embelezamento das cidades, não atendendo às necessidades urbanas ou propriamente
a práticas de lazer. Atribuições destinadas ao lazer e ao melhoramento na qualidade de vida
foram vagarosamente incluídas nos Parques ao longo do século XX, principalmente com o
surgimento da problemática das metrópoles.
As cidades brasileiras, durante todo o século XIX e mesmo no século XX,
em especial na sua primeira metade, expandiram-se de um modo não-
contínuo, sempre dotadas de vazios urbanos, sendo o parque considerado
equipamento desnecessário para o lazer imediato e cotidiano da população.
O país, rico em recursos naturais de porte (águas, matas, praias), ofereceu
por todos esses anos incontáveis possibilidades de espaço e lazer. Nas
37
várzeas, fundos de vale, banhados e riachos, o hábito do passeio, do banho,
do jogo e do piquenique sempre foi muito popular. [...] Os vazios urbanos,
imensas áreas de terra, geralmente várzeas de rios, que praticamente
recortavam todas as cidades do país, foram, por mais de cem anos, os
verdadeiros antecessores das áreas de lazer urbano formais, do tipo praticado
em praças ou parques (MACEDO; SAKATA, 2002, p. 24).
Desta forma, o Parque tornou-se, a partir de sua materialização no Brasil, um lugar de
destaque e importância, porém sempre em constante transformação. O lugar inaugurou, no
século XIX, significativas mudanças no cenário urbano, pois, mesmo alheio a muitas
necessidades sociais de uma massa urbana que emergia, trouxe consigo o viés da
modernização. Não diferente do que aconteceu com muitas Praças, os Parques tiveram
influências de mudanças diretas acontecidas na Europa, destacando-se as advindas da França,
país que vivia intensamente o que a história classificou como Belle Époque.
Whately (2008), ao estudar os Parques urbanos municipais de São Paulo, nos fornece
exemplos clássicos do surgimento de tais lugares, afirmando que os Parques, de forma geral,
passaram por três interessantes movimentos, no que se refere à sua dinâmica em São Paulo e
no Brasil.
O primeiro deles, concentrado entre o final do século XIX e início do século
XX, foi marcado pelo incremento da economia cafeeira e pela transformação
do antigo burgo na grande cidade que é São Paulo. Naquele momento, os
parques, de inspiração largamente francesa, eram criados como locais de
cultura, pontos de encontro para a sociedade paulistana. [...] Um segundo
movimento, detectado quando a cidade já alterara significativamente sua
fisionomia e transformara-se, de fato, numa metrópole, coloca a criação de
parques a partir de remanescentes de grandes fazendas, chácaras e
propriedades da elite paulistana [...] Por fim, o movimento atual traz a real
necessidade de proporcionar a criação de novas áreas, em especial nas
periferias da cidade, onde ela continua a crescer. É neste ponto que
detectamos o surgimento de parques muitas vezes pequenos, no entanto
profundamente necessários para proporcionar melhor qualidade de vida aos
paulistanos (WHATELY, 2008, p. 13).
No breve histórico que Whately (2008) apresenta, compreendemos que o processo que
envolveu a criação e reformulação dos Parques em São Paulo não foi diferente do que
aconteceu no Rio de Janeiro, capital do Brasil durante o século XIX e maior parte do século
XX. O Rio de Janeiro, na história da urbanização brasileira, foi uma cidade que viveu
intensamente as transformações urbanas, relacionadas à Independência do Brasil, ocorrida em
1822. Telégrafos, telefones, palacetes, correios, serviços bancários, ministérios, faculdades,
embaixadas e sede de novas corporações surgiram e se instalaram na cidade no decorrer
daquele século, redimensionando o espaço urbano, como registram Macedo e Sakata (2002).
38
Necessitando de uma nova imagem, seja pelo desenvolvimento econômico ou social,
atrelado ao fato do Brasil agora ser independente, a cidade do Rio do Janeiro buscou
possibilidades de materializar seus novos ideais e objetivos, sobretudo com os recursos que a
capital angariava. Nasciam, no século XIX, e se destacavam no espaço urbano carioca os três
primeiros Parques públicos do Brasil: o Campo de Santana, o Passeio Público e o Jardim
Botânico, como lembram Macedo e Sakata (2002). Esses lugares, não possuindo o conceito
primário de Parque, morfologicamente eram já assim entendidos. Apresentado a possibilidade
do passeio ao ar livre, traziam um tratamento paisagístico e o fator da aclimação, além de um
determinado traçado ou desenho (MACEDO; SAKATA, 2002).
Ainda durante o desenrolar do século XIX iniciou-se o período republicano, inaugurado
no Brasil em 1889. Novas transformações do cenário político nacional passam a alterar os
lugares públicos. O ditame da vez, segundo Ianni (1992), era a ordem e o progresso, período
em que o Brasil buscava outro ritmo de desenvolvimento na história, incentivando o trabalho
livre, as migrações e a europeização. Tudo isso era em uma tentativa clara de esquecimento
dos séculos de escravismo, situação que viria a fomentar ideias e movimentos sociais
rebatidas nos centros urbanos.
Foi a partir desse contexto que o modelo urbano foi rediscutido ou, no sentido mais real
das transformações, imposto, pois, pelo mesmo caminho que seguiram as Praças, os Parques
deveriam se transformar em sinônimos de modernidade. O espaço urbano tornou-se palco de
experiências, de troca e, assim, de vivências cotidianas; teoricamente o Parque se tornou um
importante espaço público para os mais diferentes cidadãos. Contudo, foi na prática que a
construção ou as reformulações desses lugares esbarraram em inúmeros problemas para uma
boa parcela da população que, em muitos casos, foi removida de determinados lugares.
O período republicano caracterizou-se, nos seus primórdios, por um processo
de expressiva modelagem urbana, que, sob a égide da salubridade,
transforma áreas inteira das cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Santos
em espaços saudáveis, dotados de toda a infra-estrutura necessária à vida
moderna das elites. A ocupação dessas áreas provoca, entretanto, a expulsão
dos antigos moradores para lugares de pior acesso, como no caso da capital
federal, onde aos antigos habitantes de tugúrios e cortiços só foi permitida a
moradia em áreas de morro (MACEDO; SAKATA, 2002, p. 24).
A partir destas situações complexas em que o processo para construir ou reformular o
espaço urbano chocava-se com o desalojamento de inúmeras famílias, encontramos na
história do século passado diferentes movimentações populares que, organizadas ou não,
sofreram em muito com o processo de reformulação do espaço urbano contemporâneo.
39
Iniciou-se então o processo de demolição das residências da área central, que
a grande imprensa saudou denominando-o com simpatia de a
“Regeneração”. Para os atingidos pelo ato era a ditadura do “bota-abaixo”, já
que não estavam previstas quaisquer indenizações para os despejados e suas
famílias, nem se tomou qualquer providência para realocá-los. Só lhes cabia
arrebanhar suas famílias, juntar os parcos bens que possuíam e desaparecer
de cena. Na inexistência de alternativas essas multidões juntaram restos de
madeira dos caixotes de mercadorias descartados no porto e se puseram a
montar com eles toscos barracões nas encostas íngremes dos morros que
cercam a cidade, cobrindo-os com folhas-de-flandres de latões de querosene
desdobradas. Era a disseminação das favelas (SEVCENKO, 1998, p. 23).
Com essas transformações a sociedade, no início do século XX, passou por dificuldades
no que se refere a “planos de urbanização”, em que todo o espaço urbano foi profundamente
alterado. Originando novos padrões de vida e cultura, Macedo e Sakata (2002) analisam que a
construção dos Parques, no início do século passado, foi pequena, concentrando-se
especialmente em grandes cidades, estâncias de veraneios e em áreas centrais, porém não
deixou de ser um movimento conturbado e polêmico.
Situação diferente, referente à multiplicação dos Parques pelas cidades brasileira, deu-se
apenas a partir do final dos anos 1960, quando se inicia um processo de investimento público
e sistemático na criação de Parques, não mais voltados diretamente para a elite. Tal
movimento é entendido como reflexo direto do crescimento urbano e populacional. Assim,
com a divulgação do pensamento ecológico, os Parques ficaram muito mais próximos do fator
natureza, o que não passou desapreciado pelos transeuntes (MACEDO; SAKATA, 2002).
Partindo disso, Whately (2008) apresenta exemplos de São Paulo, importante metrópole
brasileira também no que se refere à urbanização contemporânea. Frisa que deve ser objetivo
do poder público criar espaços públicos, além de ampliar o número de Parques, inclusive os
Lineares – caracterizados como uma intervenção urbanística, associada aos cursos d'água e
com o principal objetivo proteger e recuperar os ecossistemas. A mesma autora afirma que
assim se amplia a área verde, melhora-se a qualidade de vida da população e evitam-se
problemas com o escoamento da água em época de chuvas, por exemplo.
Dessa maneira, partindo do último cinquentenário do século passado, podemos
mencionar diversos Parques munidos de áreas de lazer, pistas de caminhada, áreas
arborizadas, equipamentos para ginástica e área infantil que representam e caracterizam
atualmente os lugares públicos de uso comum e cotidiano.
Vale lembrar que aquele estereótipo de espaço romântico, relacionado ao dos Parques
antigos, ficou no passado, cabendo à paisagem do Parque ser a “praia urbana”.
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O final do século é marcado pela consolidação da praia urbana como um
grande parque – no caso, privilegiam o branco e o azul da areia e do mar,
enquanto o verde da vegetação é colocado em segundo plano. Muitas
cidades costeiras possuem extensas áreas tratadas paisagisticamente ao longo
de suas principais praias, com projetos bastante sofisticados, que priorizam
as atividades esportivas e o hábito de comer fora de casa, ao ar livre, em
quiosques e mesas de bar, valorizando a tropicalidade das palmeiras e das
amendoeiras e os grandes pisos de paginações elaboradas (MACEDO;
SAKATA, 2002, p. 50).
Tais reflexões realizadas primeiramente sobre o lugar Praça e, depois, sobre o lugar
Parque público, indiferente da região e período onde se encontram, nos indicam que eles têm,
na contemporaneidade, o objetivo de servir à população, melhorando e proporcionando
qualidade de vida aos mais diferentes cidadãos. Dessa forma, guardadas às singularidades –
em que a Praça se destacou como centro social das antigas cidades e o Parque representou a
valorização de uma área maior e verde nas cidades atuais – tais lugares reforçam a
importância de preservar e desenvolver, no âmbito público, lugares de uso comum. Com a
“velocidade” ou a intensidade das transformações contemporâneas, faz-se mais importante e
legítimo preservar, valorizar e criar diferentes lugares urbanos públicos.
Desta forma, a partir das percepções e dos textos dos autores trabalhados, entendemos
que há diferenciações entre Praças e Parques, pois, apesar de representarem clássicos lugares
públicos nas cidades, guardam em si conceitos e representações distintas ao longo do tempo.
A Praça representa um lugar muitas vezes histórico, de sociabilidade ímpar, pois ao seu
entorno diferentes edificações se materializaram, originando as mais antigas cidades
brasileiras. É um lugar de visibilidade e possiblidades cidadãs no cenário urbano.
O lugar Parque, por sua vez, é entendido na realidade brasileira como contemporâneo,
presente no cenário urbano a partir do século XIX e começo do século XX, atendendo
principalmente às grandes cidades do Brasil e sua elite cidadã. Esse, em alguns casos, podem
até representar lugares privados. Difere da Praça por ser um lugar arborizado e amplo,
modernizando o conceito de lugar público na atualidade.
41
3 RIO DO SUL, CAPITAL DO ALTO VALE DO ITAJAÍ
Neste capítulo buscamos apresentar, primeiramente, o processo de ocupação do litoral
norte catarinense, dinâmica que em muito se relacionou com a colonização do restante do
Estado, originando as primeiras fundações europeias em Santa Catarina. Da ocupação
litorânea no Estado catarinense, seguimos apresentando a região do Alto Vale do Itajaí, mais
precisamente Rio do Sul, onde se destacou o processo de colonização alemã. Em uma terceira
etapa, focamos atenção no Distrito de Bella Alliança, pertencente historicamente a Blumenau.
De sua emancipação, temos o município de Rio do Sul; então debatemos as conquistas do
distrito que desembocou no processo de emancipação política em 1930.
A parte final deste capítulo adentra na formação de Rio do Sul e de seu espaço urbano.
Defendemos que, pautado no desenvolvimento da agricultura entre outras futuras atividades
que se desenvolveram ali, o município passou a ser conhecido popularmente como a “Capital
do Alto Vale do Itajaí”. Cabe ainda destacar que esse item tem como propósito apresentar as
características que fizeram com que essa localidade se tornasse um polo regional e adquirisse
importância no cenário de desenvolvimento catarinense.
3.1 O povoamento do litoral de Santa Catarina
Dos quatro povoados mais antigos do atual território do Estado de Santa Catarina, três
deles aconteceram na costa litorânea e um no interior do Estado. No litoral, surgiram
inicialmente os municípios de São Francisco do Sul, Florianópolis e Laguna, que constituem
os pontos iniciais da ocupação catarinense. No interior, no caminho das tropas que ligava o
Rio Grande do Sul com Sorocaba (SP), surgiu Lages. Desses pontos iniciais a população se
espraiou pelo litoral e interior do Estado.
Com as grandes navegações e a expansão marítima e comercial europeia, realizadas a
partir dos séculos XV e XVI, o território brasileiro, inserido nesse o catarinense, era
delimitado pelo famoso Tratado de Tordesilhas. Firmado em 1494 pelos impérios da Espanha
e de Portugal, estabelecia a divisão da América do Sul, demonstrando que os europeus
estavam ampliando os limites do mundo até então conhecido por eles.
Prado Junior (1994) destaca que a expansão marítima dos países da Europa se origina
de empresas comerciais, destacando-se inicialmente Portugal e Espanha. As conquistas desses
dois reinos foram levadas a efeito por navegadores que eram financiados por suas monarquias
42
nacionais, alargando o horizonte europeu oceano afora. No que diz respeito especificamente
ao atual território de Santa Catarina:
Nas regiões Sul, as povoações litorâneas se desenvolveram em função da
política expansionista de Portugal. No interior, os paulistas foram a razão de
ser das fazendas e vilas, devido ao comércio do gado. Assim, a jurisdição de
São Paulo estendia-se até o rio Uruguai na divisa com o Rio Grande do Sul.
A vila de Lages foi fundada por Corrêa Pinto a mando do marquês de
Cascaes, governador de São Paulo, em área que estava sujeita àquele
governo (SANTOS, 2004, p. 83).
As chamadas grandes navegações estão inseridas em um processo de desenvolvimento
da economia mercantil e do fortalecimento do extrato social burguês, processo intitulado de
Revolução Comercial (séculos XV-XVIII) que levou os europeus a observar o continente
americano com outro prisma. Nesse sentido, ocuparam as terras não com o intuito de povoar a
América, mas sim com a intenção de promover o comércio. Disso resultou o relativo desprezo
por esse território “primitivo e vazio” que era a América. Inicialmente a intenção de ocupar se
restringia apenas a agentes comerciais, funcionários e militares que, organizados em feitorias
destinadas a mercadejar com os nativos, deveriam servir de articulação entre rotas marítimas e
os territórios dominados pela Europa (PRADO JÚNIOR, 1994).
Nesse contexto, a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas não estabeleceu, em
definitivo, o que hoje conhecemos ser o território de Santa Catarina. Contudo, enquanto
marco histórico inicial, possibilita refletirmos sobre os interesses e as necessidades de
diferentes nações europeias em explorar o território brasileiro e catarinense. Esse acordo, em
uma de suas extremidades, “passa sobre” o litoral catarinense, mais precisamente sobre o
local onde, posteriormente, se desenvolveu o povoado de Laguna, uma das mais antigas
povoações catarinenses (COSTA, 2011).
43
Ilustração 01 – Território brasileiro, com destaque para o marco histórico do Tratado de Tordesilhas e o
município catarinense de Laguna
Fonte: Albuquerque, 2016.
Destacamos que nesse contexto, das grandes navegações europeias, tratados e acordos
não foram firmados no anseio de “boa vizinhança”. Se constituíam, muito mais, em um alerta
para outras nações que almejavam, de alguma maneira, adquirir riquezas no “novo mundo”,
inexplorado e com inúmeras riquezas naturais.
Navios ingleses e franceses, bem como italianos e espanhóis começaram a
percorrer o litoral brasileiro, fazendo reconhecimento da nova terra,
procurando riquezas de seu solo e tentando encontrar, ao sul, uma passagem
que ligasse o Oceano Atlântico ao Pacífico, revelando assim um novo
caminho às Índias (FRAGA, 2005, p. 21).
Dessa forma, o litoral catarinense presenciou, no já século XVI, algumas expedições de
navegadores europeus que singraram pela sua costa fazendo o reconhecimento, o que
contribuiu para a fundação das primeiras ocupações em Santa Catarina. Santos (1977),
debatendo a ocupação do litoral catarinense, de seus antigos povoamentos, se posiciona de
acordo com Prado Júnior (1981) quanto à ocupação sistemática do seu litoral. Afirma ele que
como a região apresentava-se como ponto estratégico aos êxitos militares portugueses ante a
disputa espanhola, a vinda em massa de açorianos a Santa Catarina foi planejada e promovida
para que esses dessem base aos projetos expansionistas de Portugal. Dessa forma, a ocupação
44
da Ilha de Santa Catarina e de áreas adjacentes acabou sendo caracterizada pelo contexto
político que a desencadeou, como também destaca Cunha (2003).
De acordo com Fraga (2005), dentre os primeiros navegadores que se supõe ter chegado
ao hoje território catarinense, está Binot Paulmier de Gounneville. Esse navegador, saindo na
data de 24 de junho de 1503 do porto francês de Honfleur, aportou em 06 ou 07 de janeiro de
1504 em local incerto da Ilha de São Francisco. Essa foi somente uma expedição de
reconhecimento que não redundou em efetivo povoamento da área. Outros navegadores,
velejando pelo mesmo caminho percorrido anteriormente pelo francês, também foram
responsáveis pelo reconhecimento da costa Atlântica de Santa Catarina. É o caso de Juan Dias
de Sólis, espanhol que desembarcou na Ilha de São Francisco em 1553. Credita-se a Sólis a
denominação do lugar, como apresenta Fraga (2005). Além de fazer o reconhecimento da
região, essa expedição deixou na Ilha uma parte de sua tripulação. Em menos de dois anos,
em decorrência de ataques de tribos indígenas, esse pequeno núcleo de povoamento acabou
desaparecendo.
O surgimento da povoação de São Francisco do Sul, de acordo com Fraga (2005), se dá
a partir da chegada de Manoel Lourenço de Andrade que, por volta de 1658, levantou
povoamento às margens do Rio São Francisco, com mulher, filhos, agregados e escravizados,
legando características à vila nascente.
Diferente não é a história da antiga Ilha dos Patos, posteriormente denominada de Nossa
Senhora do Desterro, hoje Florianópolis. Foram inúmeras as visitas de portugueses e
espanhóis àquela ilha ao longo do século XVI, seja no sentido de passagem e abastecimento
das frotas que se deslocavam em direção ao Rio da Prata, seja como refúgio de náufragos ou
desertores.
A ilha de Santa Catarina foi um importante ponto estratégico-naval durante
um período de longa duração. [...] O primeiro navegador a assegurar
corretamente que se tratava de uma ilha, foi Sebastião Caboto, em 1526. Há
vasta documentação sobre o aportamento de Caboto e a nova denominação
criada por ele à Ilha. Ao publicar seus mapas referentes àquela expedição,
denominava a ilha existente na região de “Porto dos Patos”. O nome de Ilha
de Santa Catarina apareceu pela primeira vez no mapa-múndi de Diego
Ribeiro em 1529. [...] O povoamento do território catarinense está
intimamente ligado aos interesses de navegadores portugueses e espanhóis,
que estiveram no litoral de Santa Catarina, utilizada como ponto de apoio
para atingir, principalmente, a região do Rio da Prata (SOUZA, 2013, p. 64).
Porém, passados alguns decênios da presença dos primeiros navegadores pela Ilha de
Santa Catarina, verifica-se, em 1675, a presença de Francisco Dias Velho, paulista que se
45
fixou na ilha, trazendo consigo considerável séquito, sendo por isso lembrado como um dos
mais antigos colonizadores dessa área.
Em 1675 Francisco Dias Velho, paulista que andara pela região com seu pai,
capturando índios, decidiu fixar-se na ilha. Trouxe a família (D. Maria Pires
Fernandes, a esposa, três filhos e três filhas), dois sacerdotes, alguns
agregados e 500 índios domesticados. Mandou erguer uma capela a Nossa
Senhora do Desterro (provavelmente onde hoje se situa a Praça XV de
Novembro), e as primeiras cabanas de nova povoação. Orientou a cultura da
mandioca e de cana-de-açúcar, dedicou-se à criação de gado e a mineração
(FRAGA, 2005, p. 24).
Apesar da família de Francisco Dias Velho ser aniquilada pela sucessiva presença e
ataques de piratas na Ilha de Santa de Santa Catarina, o povoado não foi extinto, mas teve
uma existência difícil até meados do século XVIII. Com a sua emancipação administrativa,
ocorrida em 1726, com a criação da Capitania de Santa Catarina, efetivada em 1738, e com o
surgimento de colônias de casais açorianos, a partir de 1748, a vila se consolidou e se
desenvolveu.
O terceiro ponto do litoral catarinense, conhecido geograficamente e historicamente
pelos antigos navegadores, era denominado como Santo Antônio dos Anjos da Laguna, não
diferentemente dos outros locais acima mencionados, era ambicionado por se tratar de ponto
estratégico na expansão marítima portuguesa rumo ao Rio da Prata. Em 1680, na margem
esquerda do Rio da Prata, em frente a Buenos Aires, havia sido fundada a Colônia do
Santíssimo Sacramento pelos portugueses.
De acordo com Cabral (1987), no ano de 1676, Domingos de Brito Peixoto, em parceria
com a Coroa Portuguesa, organizou uma expedição com o objetivo de explorar terras ao sul
que não fossem habitadas. Preparou a bandeira, reuniu consigo familiares, escravizados,
armas e mantimentos. Saindo de Santos (SP), depois de quatro meses de viagem por terra,
atravessando rios e rompendo matas, tendo perdido mais da metade dos escravizados que
trazia, chegou a Laguna.
Ainda conforme Cabral (1987) e Fraga (2005), novas e diferentes tentativas foram feitas
por Domingos de Brito Peixoto para povoar efetivamente Laguna, empenhando e perdendo
grande parte de seus bens. Tal empreendimento teve sucesso após doze anos quando, em
1682, teve início a construção da igreja matriz, dedicada ao fundador e invocando a proteção
de um santo, como era de costume da época. Nesse caso, o padroeiro homenageado foi Santo
Antônio dos Anjos.
Esses três povoados litorâneos enfrentaram, de início, uma série de obstáculos que
impediram seu desenvolvimento. Dificuldades relacionadas a grandes distâncias para a
46
provisão de mantimentos, o desconhecimento do meio natural e os conflitos com
comunidades autóctones. Assim, tanto o povoamento de Santo Antônio dos Anjos da Laguna,
quanto o de São Francisco do Sul e da Ilha de Santa Catarina levaram décadas, se não séculos,
para adquirir significância econômica e política e, assim, estabelecerem-se como municípios
ou cidades de destaque.
Descrevemos assim, muito sucintamente, o processo de ocupação dessas três regiões do
litoral catarinense. Acreditamos que a gênese da ocupação do Vale do Itajaí esteja diretamente
ligada com o povoamento da costa norte de Santa Catarina. Foi em terras pertencentes ao
município de São Francisco do Sul que se deu a colonização, principalmente com imigrantes
alemães, do Vale do Itajaí. A montante dessa vila portuária surgiria Blumenau e,
posteriormente, Rio do Sul (FRAGA, 2005).
Ao tratarmos da ocupação do Estado de Santa Catarina, é preciso considerar que seu
território divide-se em duas grandes porções: a do litoral e encostas e a do planalto.
Analisando o processo do seu povoamento, percebe-se que a colonização se deu,
primeiramente, “respeitando” as condições naturais, onde transpor rios, superar a Mata
Atlântica e, com isso desbravar o relevo peculiar e acidentado da região não foram tarefas
fáceis, haja vista a precariedade de mecanismos na época e a falta de conhecimento sobre os
meios naturais.
Santos (1977) também argumenta que:
A floresta tropical que cobria toda essa área teve de ser vencida pelo
imigrante. O esforço e o risco para tal conquista evidentemente, não foram
pequenos. Enfrentando febres tropicais, grande teor de umidades, chuvas
torrenciais, e toda uma ecologia diferente da europeia, o imigrante ainda teve
pela frente o fato da floresta abrigar uma população que para ele era
totalmente estranha: a população indígena Xogleng (SANTOS, 1977, p. 81).
Observadas as questões geográficas e naturais do meio tão peculiar do Estado
catarinense, que se encontra dividido em litoral, encostas e planalto, ocorreu o povoamento do
território. Como verificamos acima, três dos núcleos de ocupações primitivas se deram no
litoral. A partir desse momento poderemos contatar também que, historicamente, a
colonização alemã, italiana e de outras procedências étnicas europeias desenvolveu-se
preferencialmente nos vales e nas encostas, regiões localizadas entre o litoral e o planalto.
47
3.2 A colonização alemã no Vale do Itajaí
Na Província de Santa Catarina a primeira colônia alemã surgiu no ano de 1829, no
litoral. Trata-se da colônia de São Pedro de Alcântara, que recebeu esse nome em homenagem
ao primeiro Imperador do Brasil, D. Pedro I. Essa Colônia, apesar de receber imigrantes de
uma Europa ainda não industrializada e, portanto, trabalhadores vinculados à agricultura
camponesa representativos de uma Europa Pré-Revolução Industrial, demonstra em âmbito
catarinense as mudanças que se iniciavam.
Na mesma época e contexto de colonização, destacamos, igualmente, o surgimento da
colônia de Nova-Itália, no ano de 1836. Esse empreendimento deu-se pela atração de
imigrantes italianos que passaram a ocupar lotes de terra no vale do Rio Tijucas. Ambas as
colônias colaboraram para a ocupação de outras regiões de Santa Catarina com imigrantes de
ascendência étnica italiana e alemã.
A colônia de São Pedro de Alcântara representou o início de várias outras tentativas de
colonização. Algumas dessas iniciativas não tiveram o êxito esperado. Outras se constituíram
em um sinônimo de prosperidade. Esse foi o caso da colônia Blumenau, iniciada em setembro
de 1850 no Vale do Itajaí, quando da chegada dos primeiros 16 imigrantes alemães ao local.
Esse também foi o caso da colônia D. Francisca, criada em 1851 no litoral norte, da qual
resultaria o expressivo município de Joinville. A partir desses dois núcleos, os imigrantes
foram aos poucos abrindo novas colônias, em uma sucessão que termina com a ocupação de
todo o Vale do Itajaí, situação estudada por Santos (2004).
S eyferth (2011), analisando a formação da colônia fundada por Hermann Blumenau,
central na região que compreende o Vale do Itajaí, salienta que os primeiros estrangeiros que
se fixaram ali em 1836 eram alemães egressos de São Pedro de Alcântara. Apesar dessa ter
sido formada por poucas famílias, já demostrava um fluxo de migrantes para a região do Vale
do Itajaí. Sobre Blumenau, vale destacar as táticas de propagandas em jornais que o seu
proprietário, Hermann Blumenau, fazia na Europa para atrair potenciais imigrantes e, com
isso, povoar aquele território. Apresentava-se a vinda para a América como o melhor negócio
a ser feito, sobretudo com as complicações relacionadas ao crescimento populacional e a falta
de oportunidade econômica nos estados germânicos (DAGNONI; WARTHA, 2011).
Seyferth (2011) aponta que Hermann Blumenau e seus auxiliares mais próximos
viajaram muitas vezes para a Alemanha para recrutar emigrantes que pudessem viajar sem
subsídios e, em alguns casos, para casar, mantendo contatos com pessoas notáveis. Por outro
48
lado, a autora ainda destaca que o empreendimento colonial foi visitado por um grande
número de compatriotas, muitos dos quais ali permaneceram por vários anos.
O casal Gustav (um pastor protestante) e Therese Stutzer é um bom
exemplo: eles viveram em Blumenau durante quase uma década e, voltando
para a Alemanha, publicaram vários livros sobre a região e também obras de
ficção, acentuando o “caráter” germânico da colônia, que consideravam uma
pequena Alemanha no Brasil (SEYFERTH, 2011, p. 50).
Silva (1988) afirma ainda que, para atrair os insatisfeitos, Hermann Blumenau
divulgou então em jornais alemães a sua própria impressão sobre o Brasil, buscando estimular
a emigração para a região. Foi assim que publicou na Alemanha, no ano de 1851, a obra
intitulada, Guia de Instrução aos Emigrantes para a Província de Santa Catarina. Como
resultado, atraiu 17 pessoas, sendo oito homens solteiros, três homens casados, duas mulheres
solteiras, duas mulheres casadas e duas crianças. Lembrando que em 1850 o mesmo já
fundara a sua própria colônia na Província de Santa Catarina.
Assim, Seyferth (2011) afirma que a colonização do Vale do Itajaí só começou
verdadeiramente com a fundação de Blumenau, em 1850, já no contexto de abertura às
iniciativas particulares. Nos empreendimentos privados as empresas de colonização, formadas
para essa finalidade, podiam receber por compra ou concessão áreas de terras devolutas de até
seis léguas quadradas para demarcá-las em lotes para venda a colonos-imigrantes (arcando
também com as despesas de propaganda na Europa).
Para entender melhor à dinâmica da ocupação dos vales no território catarinense,
devemos volver os olhos para as transformações que vinham ocorrendo na Europa do século
XIX, focando atenção especial na Revolução Industrial. As mudanças internas que ocorriam
naquele continente, em que o capitalismo em gestação provocava profundas mudanças sociais
e econômicas, liberava força de trabalho aos borbotões. Embora obviamente tenham sido
diversos os fatores que fizeram com que milhões de pessoas emigrassem para a América, as
consequências advindas do crescimento demográfico, da industrialização, da urbanização e da
proletarização pela qual passavam muitas das nações europeias certamente tiveram papel
proeminente.
A Europa estava vivendo grandes mudanças internas. A revolução industrial
estava a liberar grande quantidade de mão-de-obra, tanto no campo quanto
nas cidades. Convulsões políticas também assolavam o território europeu,
criando insegurança e estimulando a saída de muita gente. Além disso,
empresas europeias que tinham interesses na importação de matérias-primas
das áreas coloniais, e por isso possuíam uma complexa frota para transporte,
passaram a se interessar pelos negócios de colonização. Todo esse conjunto,
aliado a escassez de mão-de-obra, que passou a haver a partir do momento
49
em que a Inglaterra proibiu o tráfico de escravos africanos, orientou os
governos das áreas coloniais a favor da imigração (SANTOS, 2004, p. 67).
Seyferth (1974) destaca que no decorrer do século XIX o que muito colaborou para a
chegada de imigrantes na região do Vale do Itajaí foi o processo de unificação pelo qual
passaram a Alemanha e a Itália. Como esses processos ocorreram, no dizer do chanceler
alemão, “a ferro e fogo”, ou seja, através de sangrentas guerras, muitas famílias atravessarem
o oceano Atlântico em busca de paz. Cunha (2003), falando do mesmo processo, encontra nos
estudos de Santos (1977), um contexto intenso de transformações na Europa e no mundo
além-mar. Destaca que as empresas europeias, possuindo interesses na importação de
matérias-primas das áreas coloniais, passaram a se interessar pelos negócios de colonização
na América.
Buscando entender ainda mais o processo de ocupação do Vale do Itajaí, destacamos
que nas terras do Brasil Meridional a lavoura cafeeira não se tornou realidade. Na produção
de café, como já está bem estudado pela historiografia, predominava a grande exploração
fundiária e o uso da força de trabalho do cativo. No Vale do Itajaí, praticava-se a policultura
mediante a utilização da mão de obra familiar em pequenos lotes de terra. Prado Júnior (1981)
afirma que nas regiões onde era inexistente a grande lavoura, a imigração se estendeu de
forma diversa. No sul, por exemplo, o interesse dos governos locais das províncias era
conseguir, através da povoação, preencher áreas, desenvolver atividades econômicas,
fomentar rendas públicas, fazendo com que a imigração fosse constantemente motivada.
Apesar da mão-de-obra escravizada ter sido empregada em diversas atividades no meio
rural e nos centros urbanos no Brasil Meridional, sua utilização não foi uma prática no Vale
do Itajaí. As fundações dessas colônias aconteceram em um contexto de enfraquecimento do
sistema escravagista de produção em nível regional e nacional.
Segundo Santos (2004), no sul do Brasil, em meados do século XIX, os governos das
províncias de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul começaram a se interessar
pelo desbravamento de largas faixas de florestas. Apoiados pelo governo imperial, passaram a
fazer concessões de terras para companhias particulares que se obrigavam a trazer e também a
assentar imigrantes europeus. Era do interesse das empresas colonizadoras e dos governos o
sucesso dos empreendimentos coloniais, razão pela qual auxiliavam os colonos no que fosse
necessário.
Entre as colônias agrícolas que se instalaram em propriedades privadas, originando
posteriormente importantes cidades, surgiu Blumenau. Foi exatamente como desdobramento
50
desse empreendimento que se originou o distrito e depois o município de Rio do Sul, bem
como de tantos outros que hoje fazem parte do Alto Vale do Itajaí.
Assim, a colônia Blumenau, criada por iniciativa particular, foi fundada a 60
quilômetros da foz do rio Itajaí-Açu, onde termina sua parte navegável, devido ao estreito
vale ali existente – lembrando que na época a navegação era o transporte fundamental. Como
sede de colônia, Blumenau tornou-se símbolo da colonização alemã no Estado e,
consequentemente, adquiriu formas de cidade germânica onde se cultivam e preservam traços
culturais dos antepassados (FRAGA, 2005).
Blumenau passou a ter destaque a partir de 1860, quando seu fundador, Hermann
Blumenau passou parte da posse da colônia para o governo Imperial, não perdendo, contudo,
o poder administrativo da colônia. Tampouco perdeu seu desejo de expandi-la pelas margens
dos afluentes do Rio Itajaí-Açu, situação que motivava a vinda de mais imigrantes para a
região – principalmente alemães, italianos e poloneses, dentre outros grupos étnicos, em
menor expressão.
A segunda metade do século XIX foi, indiscutivelmente, um período ímpar na dinâmica
de ocupação das terras do Vale do Itajaí e de suas adjacências, pois os diferentes
acontecimentos na política nacional, somados às transformações territoriais registradas na
Europa ocasionaram significativas mudanças na região. Ocorre uma expressiva expansão
agrícola nos vales da “Região de Colonização Europeia” catarinense e, em consequência, uma
considerável expansão comercial na região, haja vista o número de imigrantes que a
procuravam, adquirindo terras e buscando constituir famílias.
Seyferth (1974), estudando a importância da dinâmica agrícola surgida no cotidiano da
colonização, onde produção e comercialização de produtos excedentes eram fundamentais,
nos remete à instalação das populares vendas:
Logo no início da colonização o comércio se fazia no nível da troca, ou
melhor, se permutavam as mercadorias: o colono deixava na venda uma
parte da produção agrícola do seu lote e levava sal, toucinho, ferramentas,
óleo, tecidos e armas. Os colonos chamavam a isto de Trock, corruptela do
termo português troca, pelo simples fato de que não entrava dinheiro nessa
transação (SEYFERTH, 1974, p. 96).
Vale lembrar que a colônia Blumenau apenas passou à categoria de município em 1880,
desligando-se politicamente de Itajaí em 10 de janeiro de 1883. Assim, conseguiu maioridade
política e administrativa, despertando possibilidades reais para que seus distritos alcançassem
suas futuras emancipações.
51
Do território inicial do município de Blumenau desmembraram-se posteriormente
outros municípios, dentre os quais Rio do Sul, primeiro distrito a se emancipar. Isso ocorreu
em 1930 em virtude do desenvolvimento econômico e das vantagens que o este espaço já
apresentava, considerando ainda a distância que apresentava da sede (97 km). Do jornal “A
Cidade”, de 1929, Saul (1999) apresenta fatores como a existência de luz elétrica, correio,
telégrafo, coletorias federal e estadual, hotéis de primeira ordem, grupo escolar, hospital, entre
outros estabelecimentos, como as vantagens registradas na imprensa escrita que comprovam o
desenvolvimento do distrito. Ainda nessa condição, Rio do Sul representava já um território
em pleno desenvolvimento econômico, fato verificado pela pujança da agricultura, atrelada ao
fator geográfico, haja vista sua localização entre o Vale do Itajaí e o Planalto catarinense.
Essa questão é importante porque o Planalto adquirira importância econômica ao nascer
do século XX, principalmente por fazer parte do caminho das tropas. O Alto Vale do Itajaí,
região mais distante de Blumenau, servia como um braço de sua sede, como um espaço
estratégico para a expansão das colônias alemãs em direção à encosta do planalto. Nesse
sentido, Rio do Sul cumpria a função de interligar geograficamente o Vale do Itajaí com o
Planalto Catarinense.
Apresentando essas reflexões, Dagnoni e Wartha (2011) afirmam que Emil Odebrecht,
em 1863, iniciara uma de suas expedições para o Planalto Serrano a fim de reconhecer o local
e encontrar um caminho que comunicasse Blumenau a Curitibanos. Essa era, na época, uma
importante região criadora de gado do Planalto catarinense. Emil Odebrecht mandou abrir um
“picadão” ou estrada rudimentar entre Blumenau e Curitibanos que foi em muito utilizado
pelas correntes de povoamento que tinham como destino o Alto Vale do Itajaí. Esse caminho
abriu possibilidades para o povoamento em tais regiões, dando condições para o surgimento
do futuro município de Rio do Sul.
Havia uma razão estratégica para que o governo imperial destinasse essas
áreas à colonização: era preciso abrir vias de comunicação entre o litoral e o
planalto e isto só seria viável acompanhando o vale dos rios... Em Santa
Catarina, principalmente não havia comunicação entre a capital Desterro e o
planalto e foi com essa finalidade que se deu estímulo à colonização alemã
no Vale do Itajaí (SEYFERTH, 1974, p. 31).
Nesse sentido, o contínuo aumento da população blumenauense gerou um movimento
significativo de pessoas para essas estradas rudimentares que, oficialmente, ainda não estavam
delimitadas por nenhuma companhia colonizadora. Não há dúvida que os desafios em
transpor a natureza desconhecida foram inúmeros, com destaque para a malária e o percurso
dos rios (FRAGA, 2005).
52
Colonizadores descendentes dos primeiros imigrantes passaram a procurar o
Alto Vale do Itajaí, pois encontravam dificuldades em conseguir terras nas
proximidades da sede (da colônia Blumenau) devido ao alto preço, ao
esgotamento do solo e ao próprio aumento populacional que forçava a
aquisição de novas aéreas. Assim sendo a migração interna intensificou-se a
partir da segunda metade do século XIX (DAGNONI; WARTHA, 2011, p.
30).
Assim, entre o final do século XIX e o começo do século passado, iniciou-se o
desenvolvimento das localidades e povoados “acima” de Blumenau, ou em direção ao
Planalto e ao Oeste catarinense. Esses povoamentos seguiram o fluxo do Rio Itajaí-Açu e
foram responsáveis por originar os municípios de Rio do Sul, entre tantos outros do Alto Vale
do Itajaí.
3.3 Rio do Sul como distrito de Blumenau
Os registros mais antigos referentes ao atual município de Rio do Sul datam de 1863,
ano em que o engenheiro Emílio Odebrecht, da colônia Blumenau, subiu o Rio laja-Açu, até à
confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, local onde hoje o município de Rio do Sul
se desenvolve. O engenheiro relatou em seu diário não encontrar ali nenhum tipo de habitação
humana para além da barra do Rio Benedito, onde hoje se encontra a municipalidade de
Indaial (FERREIRA, 1959).
Somente em 1867 Emil Odebrecht voltou a passar pelo território de Rio do Sul,
deixando após sua passagem a “picada” que, em 1874, se transformou em caminho de
cargueiros e durante muitos anos foi à única ligação de Blumenau com o Planalto, mais
especificamente com Curitibanos. Considera-se que o povoamento foi mais demorado em Rio
do Sul, posto que entre Blumenau e Rio do Sul haviam grandes áreas à espera do trabalho
fecundo do colono, como destaca Ferreira (1959).
Porém, a partir de 1892 as comunicações entre Blumenau e Curitibanos se intensificam,
fazendo de Rio do Sul – naquele período Braço do Sul – um dos principais caminhos de
passagem. Anos antes, em 1890, verificamos ainda a instalação de uma balsa para a travessia
do Rio Itajaí do Sul, fato que despertou a vinda de novos colonos. Entre eles, destacamos
Francisco Frankenberger e Basílio Correa de Negredo que iniciaram o núcleo para o
desenvolvimento do atual município de Rio do Sul (DAGNONI; WARTHA, 2011).
Ferreira (1959) salienta que o surgimento de Rio do Sul, além de se relacionar o
caminho entre Blumenau e Curitibanos, está também atrelado à importância que os rios
53
adquiriam naquele período. Salienta que os sertanejos, vindos do baixo Itajaí-Açu, paravam
naquele ponto, e depois continuavam, sempre subindo os rios que ofereciam mais terras à
ocupação. O contínuo aumento da população da colônia Blumenau ocasionava o constante
movimento dessa massa de sertanejos para as terras ainda não ocupadas.
Para penetrar no interior recoberto pela Mata Atlântica era necessário acompanhar o
curso dos rios, das nascentes no Planalto até a foz e se instalar nos vales. A criação da colônia
de São Pedro de Alcântara, em frente à ilha de Santa Catarina, onde se localiza hoje a capital
do Estado, carecia de rio navegável para o escoamento da produção dos colonos ali instalados
pela política imperial. Seus moradores, em sua maioria imigrantes alemães, vieram povoar as
terras do baixo e do médio Vale do Itajaí, como salientam Dagnoni e Wartha (2011).
Voltando ao ano de 1892, destacamos novamente que Braço do Sul, denominação do
atual município de Rio do Sul, não passava de mataria e uma estrada rudimentar. Elevada à
categoria de distrito de Blumenau em 13 de abril de 1912, Braço do Sul passou a se chamar
Bella Alliança, nome que perdurou até 15 de abril de 1930, quando a localidade tornou-se
município e ficou efetivamente conhecida como Rio do Sul. A emancipação é analisada por
Saul (1999) e também está presente na obra de Fraga (2005).
O povoado de Braço do Sul foi elevado à condição de vila e sede do 5°
distrito de Blumenau pela Lei Municipal n° 61, de 13 de março de 1912,
passando a chamar-se Bella Alliança. Esta nova situação política decorreu de
seu desenvolvimento, pois, “vivendo do comércio mantido pelos colonos,
impôs-se as demais povoações da região, por ser o centro de abastecimento
de uma zona mais povoada” (SAUL, 1999, p. 47).
A justificativa para cada nome ou troca de nome pelo qual a localidade de Rio do Sul
passou ao longo de sua história pode ser explicada por diversos fatores. Primeiramente, pelas
questões geográficas e hidrográficas, típicas de uma região de vales, com inúmeros rios e
relevo acidentado. Com isso, no Vale do Itajaí, surgiram justificativas para o nome Braço do
Sul que, em relação a Blumenau, refletia a nascente do rio Itajaí-Açu, semelhante a uma
extensão natural ao sul da sede. A segunda troca de nome se refere ao desenvolvimento
econômico e à prosperidade da agricultura da localidade, posto que Bella Alliança, nome
então adotado, buscava destacar e fortalecer o potencial nascente na mesma região do Vale do
Itajaí. Esse se deu com a chegada da estrada de rodagem, em 1908 e, consequentemente, de
novas famílias de colonos.
Por fim, em um terceiro momento, já na situação da conquista da emancipação política,
surge o nome de Rio do Sul. Destaca-se novamente aqui o fator hidrográfico do município,
valorizando a profunda relação que os rios exercem nessa região, haja vista o nascimento do
54
Rio Itajaí-Açu, principal rio do Vale do Itajaí e uma das principais bacias hidrográficas de
Santa Catarina.
Saul (1999) confirma a ideia de que as trocas de nomes referentes ao atual município de
Rio do Sul remontam a diferentes acontecimentos políticos e naturais. Sustenta que a elevação
do povoado de Braço do Sul à condição de distrito de Blumenau, em 13 de março de 1912,
está relacionada ao desenvolvimento que a localidade apresentava, destacando o comércio,
mais desenvolvido se comparado ao mantido por colonos de outros distritos próximos à
colônia Blumenau.
Fato curioso está relacionado ao atual município de Lontras, vizinho de Rio do Sul. Essa
localidade, nos finais do século XIX, apresentava mais possibilidades de efetivar um intenso
povoamento. Apresentava-se muito mais progressista do que Bella Alliança pois, segundo
Ferreira (1959), tomou destaque quando, em 1894, foi construída a estrada de rodagem, de
Blumenau a Lontras, trazendo consigo considerável grau de desenvolvimento para tal
povoado.
Em 1905, por exemplo, enquanto a futura cidade de Rio do Sul, contava com
8 edificações, Matador possuía 12 e Lontras 20. Em todos esses povoados,
porém, não havia qualquer característico de vida urbana. Toda a região era
simplesmente uma parte da vasta zona agrícola do distrito de Indaial
(FERREIRA, 1959, p. 297).
De fato, apesar do primeiro estabelecimento comercial em Bella Alliança surgir em
1903, constituindo um marco histórico importante, o distrito ainda não diferia de outras áreas
do antigo município de Blumenau. Tal situação começou a mudar apenas em 1908, quando o
Governo do Estado construiu a estrada de rodagem que, subindo o curso do rio Itajaí do Sul,
encontrava a localidade. Essa obra permitiu um aumento considerável da população do local.
Atraídos pelos trabalhos na estrada, muitos dos trabalhadores se fixaram em suas margens
uma vez findadas as obras (FERREIRA, 1959).
Contudo, não devemos pensar que a partir desse momento o povoamento no distrito de
Bella Alliança se fez de forma intensa. Devemos ser cautelosos, pois não podemos esquecer
que temos a presença de “selvagens”, ou dos habitantes originários na região. Esses, ao que
tudo indica, amedrontavam os colonos. A literatura regional apresenta apreciável número de
atentados a moradores isolados e a tropeiros que transitavam pelo caminho
Blumenau/Curitibanos, como lembra Ferreira (1959). Com tal entrave para o povoamento
mais intensivo do distrito de Bella Alliança e região, o governo federal buscou encontrar uma
55
solução. Mandou criar um aldeamento de indígenas no Vale do Rio Plate, hoje município de
José Boiteux, localizado ao norte da região do Alto Vale do Itajaí.
Com isso Bella Alliança, na condição de distrito, passava a ser uma interessante opção
de povoamento para inúmeras famílias que sofriam com o alto preço das terras nas colônias já
formadas. Ou mesmo para aqueles que não podiam manter o mesmo padrão de vida dentro de
um mesmo lote, pelo elevado número de filhos que geralmente constituíam as famílias e,
assim, necessitavam e buscavam novos horizontes (FERREIRA, 1959).
Colaço e Klanovicz (1999) atentam às necessidades de vias de comunicação e de uma
infraestrutura voltada ao comércio. Fornecem ainda um mapa referente ao ano de 1917,
deixado por Alfredo Cardoso. Tal representação, que destaca o distrito de Bella Alliança,
indica a existência de 30 estabelecimentos ao longo do “traçado sede”, demostrando as
características que o distrito vinha adquirindo na época.
Ilustração 02 - Estrada com principais estabelecimentos do distrito de Bella Alliança, 1917
Fonte: Cardoso, S.D
Desta maneira, a autora busca demostrar, através da quantidade e da diversidade dos
estabelecimentos presentes no Distrito, o desenvolvimento que o mesmo vinha adquirindo:
Em 1904, foi estabelecida a primeira venda e modesto hotel de propriedade
de Rudolf Odebrecht. A partir dos primeiros estabelecimentos comerciais
outros negócios começaram a surgir na região, como por exemplo: a
primeira indústria artesanal, uma cervejaria, a Funilaria de Georg Lucas, que
fabricava todo o tipo de utensílios domésticos, atendendo ate a região de
56
Caxias do Sul. No ano de 1909, era instalada a primeira oficina de ferreiro,
cujo proprietário era Edgar Odebrecht. No Distrito de Bella Alliança, em
1910, estabeleceu-se o primeiro marceneiro, Adolf Hoeltgebaum, o alfaiate
Gustav Berndt e o sapateiro Karl Gerhard. Em 1915 instala-se a primeira
indústria de artefatos de couro, de propriedade de Ângelo Tomio. Neste
mesmo ano surge a primeira serraria, administrada por Frederico Feldmann.
Na década de vinte existia uma pequena indústria que fabricava charutos,
chapéus de palhas e vassouras. A empresa era dirigida por Luiz Dorigatti e
tinha como sócios Domênico Largura, Arcângelo Bazzanela e André
Largura. Localizava-se onde hoje está instalado o Banco do Bradesco.
Funcionou de 1924 até o início da década de 1930, produzindo também, em
1927, chapéus para senhoras (COLAÇO, 1999, p.160).
Tal desenvolvimento que o distrito adquiria, somado ao fato que em 1919 o governo do
Estado contratara a abertura e a construção de numerosas estradas e em pagamento concedia
terras devolutas para que os concessionários as colonizassem, fizeram com que Bella Alliança
e região do Alto Vale tivessem um considerável crescimento populacional.
Esses, dividindo as terras em lotes, abrindo-lhes estradas, verificaram, desde
logo, que a expansão natural das antigas colônias mais próximas não era
suficiente para garantir-lhes o progresso dos núcleos que fundavam.
Percorreram o litoral, fazendo propaganda de colonização que iniciavam. Da
expansão da população de um mesmo vale, como até então se mostravam as
correntes de povoamento, estas passaram a abranger todo o litoral.
Araranguá, Urussanga, Criciúma e outras velhas e prósperas colônias de
origem italiana, do sul do Estado, viram sair de seus territórios os colonos
que se foram estabelecer nos novos núcleos. Rio do Testo, Encruzilhada,
Rodeio, etc... de Blumenau, continuaram a dar braços para o
desenvolvimento de Rio do Sul. A par do aumento da população, provocado
pelas correntes de povoamento, merece especial reparo a evolução urbana
(FERREIRA, 1959, p. 298).
Em seu relatório, referente ao ano de 1919, o Intendente de Blumenau destacava o
considerável número de moradores residentes no distrito de Bella Alliança. Naquela
oportunidade, o distrito contava com 5.150 habitantes (COLAÇO; KLANOVICZ 1999).
Nos anos de 1920, apesar de alguns jornais da época já apresentarem Bella Alliança
como local com intenso desenvolvimento econômico, atrelado ao sucesso da agricultura de
subsistência e de seu comércio com povoados vizinhos, Ferreira (1959) ainda menciona
preocupação com ataques de indígenas. Essa situação fez que o distrito, semelhante a outros
povoados próximos, concentrasse sua população. Ou seja, motivados pela necessidade de
defesa, muitos habitantes construíam suas casas próximas umas das outras.
Ferreira (1959) argumenta que Bella Alliança desenvolveu-se primeiramente pautada no
setor agrícola, principalmente nas margens dos rios, com destaque a nascente do Rio Itajaí-
Açu, confluência dos rios Itajaí do Sul com o Itajaí do Oeste. Esse local, preferido pelos
57
primeiros povoadores do município, permitiu que se lavrasse a terra perto das suas habitações,
de maneira a contar, quando preciso, com o auxílio dos vizinhos.
Assim, entre conquistas e desafios, o nome do distrito passou a aparecer na imprensa
escrita, tanto em jornais da capital catarinense quanto na imprensa regional. Saul (1999)
menciona uma matéria publicada no jornal “República”, de Florianópolis, em 29 de abril de
1927, em que aparece o rápido desenvolvimento de Bella Alliança em Blumenau, distrito que,
já em seu início, representava uma vigorosa promessa de grandeza pelo rápido e
extraordinário progresso que vinha apresentando.
Seguindo ainda a constatação feita por Saul (1999), no jornal “A Cidade”, periódico
com circulação em Blumenau e região, no ano de 1929, encontramos a seguinte reflexão e
consideração a respeito da próspera localidade e seu desenvolver nos últimos anos: “Bella
Alliança como um dos mais importantes distritos do município, como polo industrial, onde o
progresso tinha acabado com as lutas entre as famílias de colonos com os nativos selvagens”
(SAUL, 1999, p. 49).
Ainda referente ao período histórico onde Rio do Sul pertenceu a Blumenau, Pellizzetti
(1985), escritora que debateu em diferentes obras a dinâmica e consolidação do Alto Vale do
Itajaí como região de destaque econômico e social no cenário catarinense, avaliou que o
distrito de Bella Alliança representava importante localidade no cenário catarinense e,
consequentemente, para Blumenau. Isso se refletia no crescente número de habitantes, e
principalmente, em retornos financeiros para o município sede (DAGNONI; WARTHA,
2011). Números referentes à arrecadação do município, bem como em outras regiões e
distritos, traziam destaque para a importância que o distrito de Bella Alliança possuía na
economia municipal.
A Tabela 01 refere-se às arrecadações e os maiores percentuais sobre alguns distritos
durante os anos de 1927-1929 e registra que, além de Blumenau, o distrito de Bella Alliança
destacava-se a nível estadual, sendo os dois polos de maior arrecadação. Esses dados vêm
reforçar o poder que o distrito conquistava.
58
Tabela 01 - Rendas estaduais e arrecadações no Município de Blumenau durante os anos de 1927- 1929
Fonte: Relatório da gestão do Município de Blumenau durante o ano de 1929. Blumenau, A. Koehler,
1930. In: Pellizzetti, 1985, p. 79.
Com isso, nas primeiras décadas do século XX encontramos os fatores decisivos que
deflagraram o processo emancipatório de Rio do Sul. Dessa maneira, o fator econômico,
amparado pelo desenvolvimento da agricultura, marcaram de forma decisiva o processo
histórico que emancipou o município de Rio do Sul, haja vista que tais situações adquiriam
cada vez mais força e destaque no Alto Vale do Itajaí.
Desde o princípio da instalação das primeiras famílias de colonos nos finais
do século XIX, a agricultura de subsistência foi a principal atividade da
região. Milho, mandioca, batata, fumo entre outros, foram gêneros agrícolas
que estiveram presentes na formação da agricultura do Alto Vale do Itajaí. A
pequena propriedade rural, formada na composição familiar com muitos
filhos possuía na religião cristã a base que lançava valores para a vida
cotidiana de toda a comunidade (DAGNONI; WARTHA, 2011, p. 110).
Pellizzetti (1985) analisando a Lei n. 1.639, de 5 de outubro de 1928 da Assembleia
Legislativa Catarinense, cujo regulamento regrou todo o processo de emancipação do distrito
de Bella Alliança, destaca que em 1927 já havia condições emancipatórias e um intenso
debate objetivando a conquista da autonomia política e administrativa, pois:
As condições exigidas para a consecução do desmembramento de um
distrito, como no caso, já se concretizavam em 1927. Pela Lei número 1639,
de 5 de outubro de 1928 da Assembleia Legislativa Catarinense, ou artigo 4
da Lei Orgânica Municipal, os requisitos necessários para autonomia
exigiam uma população superior a 15.000 habitantes e uma renda superior a
50 contos apresentados à Prefeitura de Blumenau. A essas exigências legais
antecipavam-se os requisitos necessários a Rio do Sul. No decorrer da
polêmica separatista o movimento de 1927, que teria seu objetivo realizado
59
em 1930, e concretizado em 1931, se constatou nesse período V Distrito uma
instituição de crédito que foi realmente uma das molas propulsoras de sua
total independência, com a criação de um Banco (PELLIZZETTI, 1985,
p.55).
A agricultura era a mola propulsora do distrito, onde se destacavam cultivos de produtos
de subsistência, com destaque para o milho, a batata, a mandioca, entre outros, visando
atender principalmente às comunidades próximas e ao abastecimento da cidade de Blumenau.
Com a superação da primeira etapa – a da adaptação e da fixação do homem ao meio – outras
atividades foram surgindo. Os primeiros anos de colonização haviam ficado para trás, a
abertura de campos para plantações de diversas culturas agrícolas começava a criar
excedentes, o que contribuiu para um significativo desenvolvimento experimentado pelo
distrito. (DAGNONI; WARTHA, 2011). Outro fator que contribuía para o crescimento
econômico redundava, como apontado, de sua localização geográfica, possível ligação e
ponto de passagem entre as regiões Litorânea e o Planalto catarinense, fazendo com que
inúmeros viajantes encontrassem nessa localidade um ponto de parada e abastecimento.
Ferreira (1959) destaca que isto ocasionou, em Bella Alliança, um movimento constante
de passageiros, criando hospedarias e outros pequenos estabelecimentos de comércio.
Serrarias também foram instaladas, gerando empregos a trabalhadores que residiam na região.
Dessa forma, Bella Alliança, vivendo do comércio e da agricultura promovida pelos colonos,
destacava-se das demais povoações da região representando um núcleo de abastecimento e
uma zona mais densamente povoada, cuja população se estabelecera às margens dos três rios
ali existentes e das estradas abertas.
Dagnoni e Wartha (2011) ainda reforçam a ideia que Rio do Sul era caminho
obrigatório dos tropeiros, comerciantes e aventureiros. O distrito, favorecido por sua
geografia, tinha na passagem de tropeiros e comerciantes a possibilidade de centralizar e
oferecer diversos serviços e produtos, desenvolvendo, em consequência, sua economia. Nessa
perspectiva, em 1927 se intensificam entre os cidadãos as condições e desejos da
emancipação política. O desenvolvimento da agricultura, do comércio e também dos serviços
culminaram em desejos efetivos de uma definitiva autonomia e emancipação política e
administrativa em relação ao município mãe, Blumenau.
Assim, Rio do Sul, tendo superado os desafios das típicas comunidades ou povoados
localizados em áreas distantes do litoral catarinense – de fixação, adaptação e abertura de vias
de comunicação – buscava também conquistar outros horizontes. Podemos considerar que a
própria elevação da localidade à categoria de distrito, conquistada em 1912, e o posterior
60
desenvolvimento econômico e social alcançado nos anos seguintes desenvolveram nos rio-
sulenses o desejo pela autonomia e elevação à categoria de município
O Banco de Crédito Popular e Agrícola de Bella Alliança, criado em 24 de maio de
1928, possivelmente foi um dos fatores que deu novas perspectivas à população do distrito e
de seus anseios de emancipação. Surgido em um período diferente daquele da chegada das
primeiras famílias, o Banco veio reforçar o caráter de destaque econômico da localidade.
Verificando os empreendimentos econômicos que o Distrito de Bella Alliança apresentava na
década de 1920, percebemos que seu progresso material estava alicerçado na agricultura de
vários cultivos praticados na região. Daí originaram-se os fundamentos para o processo de
emancipação.
3.4 A emancipação de Rio do Sul
Ao buscarmos debater os fatores que levaram Rio do Sul ao processo ou movimento
emancipacionista, voltamos às primeiras décadas do século XX, pois, nesse tempo, o
desenvolvimento da economia já era realidade no Alto Vale do Itajaí. Partindo desse fator
econômico, conquistado principalmente com o através da agricultura, o distrito de Bella
Alliança, no Alto Vale do Itajaí, desenvolveu-se e encontrou o nome de Ermenbergo
Pellizzetti, personagem que aparece com destaque no que tange ao processo emancipatório.
De ideias socialistas, deixou a Itália, em 1896. Com planos propostos pelas
suas novas reflexões, emigrou para o Brasil, às suas expensas. Voltou à Itália
em 1904 e 1923. Na antiga capital da República, depois de percorrer o norte
do país, interessou-se por soluções diversas de modo de produção
latifundiária, porque, neste aspecto, sua visão ideológica era a de pequena
propriedade, conforme seu Plano de Petrópolis, em sua coletânea. Com a
intenção de se dedicar a uma vida rural, exerceu antes, outras atividades. Foi
escriturário na fábrica de tecidos Alliança, no Rio. Não procurou, então,
associações capitalistas e logo se tornou vice-presidente da uma Liga dos
Operários que, na verdade, era composta de um número de intelectuais
italianos, de acordo com suas memórias. Ligou-se em 1901, à colonização
estrangeira da região catarinense de Blumenau (Vale do Itajaí), com planos
de desenvolver seu projeto de conciliação entre o capital e o trabalho [...]
(PELLIZZETTI, 1997, p. 31).
Ermenbergo Pellizzetti, com experiências nas mais diversas áreas do saber, como
agronomia, pecuária, cooperativismo, política, educação, militarismo, entre outros, foi um
imigrante italiano que se radicou no Brasil. Sua trajetória está intimamente imbricada com o
próprio desenvolvimento econômico e social de Santa Catarina, com destaque para a sua
atuação na região do Alto Vale do Itajaí (DAGNONI; WARTHA, 2011). Chegando a
61
Blumenau no ano de 1901, dedicou-se à implantação de estradas, dentre as quais a Estrada de
Ferro de Santa Catarina e, mais tarde, no ano de 1910, a Estrada Rio do Sul–Trombudo,
importantes vias de comunicação para o desenvolvimento da região.
Esse imigrante é ainda lembrado em diferentes regiões do Estado. Em 1911, foi o
empreiteiro principal de inúmeras estradas no Alto Vale do Itajaí. O personagem foi também
um grande incentivador do cooperativismo e ajudou na criação da Liga dos Lavradores. Em
1914, transferiu-se para Bella Alliança, onde ocupou várias funções de destaque social e
político. Nessa última esfera, merece especial menção a sua eleição para Deputado para o
Congresso Representativo do Estado na décima segunda legislatura, acontecida entre 1925-
1927 e, posteriormente, para deputado à Assembleia Constituinte Estadual, na décima terceira
legislatura, ocorrida entre os anos de 1928-1930.
O personagem em enfoque foi também responsável pela edição do jornal “O Agricultor”
e pela criação do primeiro Banco Rural do Estado (Banco de Crédito Popular e Agrícola de
Bella Alliança), no ano de 1928. Esse banco era uma sociedade cooperativa de crédito
organizada de acordo com o preconizado pelo sistema Luzzatti. O Banco buscava fomentar o
crédito e propagar o cooperativismo, sob diversos modos e entre as várias classes sociais,
situação que fez com que despertasse simpatia em várias camadas da sociedade. A respeito
desse empreendimento, o estudo de Pellizzetti (1985) destaca que:
O banco tinha como objetivo geral “combater a usura mediante uma taxa
módica de juros e de lucros em suas operações, aproximando numa
colaboração direta, os que dispõem de economias e os que delas careçam
para o desenvolvimento em modo peculiar, do pequeno trabalho”
(PELLIZZETTI, 1985, p. 63).
Detentor de um largo cacife político, Pellizzetti tornou-se o líder e idealizador do
processo de emancipação política de Rio do Sul. Sua filha, Beatriz Pellizzetti Lolla (1997),
debate em diferentes publicações os conhecimentos e a contribuição de seu pai para o
município de Rio do Sul, salientando que a vasta experiência adquirida por ele ao longo dos
anos no meio rural e político, fez do mesmo um líder de destaque na antiga Bella Alliança.
Lolla (1997), ao abordar a trajetória de seu pai, relata também que Ermenbergo
Pellizzeti, atento às expansões de áreas coloniais habitáveis e ao desenvolvimento pelo qual
passava o distrito, conheceu claramente o contexto no qual estava inserido, fazendo uma
leitura nítida da realidade. Ermenbergo, projetando a emancipação do distrito de Bella
Alliança, teria desagradado muito algumas autoridades políticas de Blumenau.
62
Em conformidade com a lógica de ocupação que se apresentou no Alto Vale do Itajaí, as
pequenas propriedades rurais haviam se multiplicado na região. Praticamente todo o trabalho
realizado nessas unidades produtivas provinha de núcleos familiares. Ermenbergo Pellizzetti
foi aquele que conseguiu aglutinar os desejos dos agricultores de Bella Alliança. Passados
alguns anos do início do século XX, a localidade, além de ser sinônimo de progresso,
apresentava uma rede social e comercial importante. Porém, ficava bastante distante da sede
do município, a cidade de Blumenau.
Em 1927 o V Distrito de Bella Aliança (ou Rio do Sul) já esboçava seus
motivos para uma autonomia político-administrativa, através de uma reunião
efetuada por representantes expressivos no ambiente colonizador.
Estudavam-se os meios de trocar idéias para a realização desse
desmembramento. Essas pretensões podiam ser realizadas devido ao alto
índice de crescimento financeiro do V distrito. Todo esse processo de
independência local foi tratado pelo parlamentar Ermenbergo Pellizzetti, na
Assembleia Legislativa do Estado, que enfrentou sérias polêmicas em torno
dos interesses políticos e econômicos da cúpula administrativa do antigo
município blumenauense (PELLIZZETTI, 1985, p. 54).
O processo de emancipação tomava força nos mais diferentes espaços, situação que faz
lembrar a criação das Domingueiras Agrícolas, evento criado por Ermenbergo Pellizzetti. Em
tal espaço, era possível a difusão de todo o conhecimento agrícola, troca de experiências e a
comercialização de produtos. Nessas ocasiões, certamente, a emancipação era assunto
amplamente discutido, como destacaram Dagnoni e Wartha (2011). Por outro lado, alguns
fatores faziam com que parcela dos habitantes de Blumenau, principalmente os mais
conservadores, não aderissem, de forma alguma, ao movimento emancipacionista. A grande
extensão territorial do novo município e a dependência econômica e política em relação à
sede Blumenau eram apontados como entraves no processo de desenvolvimento (DAGNONI
E WARTHA, 2011).
Desta forma, Saul (1999), analisando a emancipação e evolução político-administrativa
de Rio do Sul, concentra sua atenção no dia 23 de agosto de 1930, quando uma comitiva de
representantes de Bella Alliança foi recebida pelo Presidente do Estado, Bulcão Viana.
Em 23 de agosto, como noticiou o jornal O Agricultor, de Rio do Sul, uma
numerosa comitiva foi recebida em audiência especial, pelo Presidente do
Estado em exercício, Bulcão Viana, acompanhado pelo senador eleito
Adolfo Konder, no palácio do governo, em Florianópolis. Estiveram
presentes representantes de várias localidades: Rio do Sul, Taió, Pouso
Redondo, Lontras, Barra do Trombudo, Barra das Pombas e Rio do Oeste. A
exposição principal foi feita pelo deputado estadual Ermenbergo Pellizzetti,
um dos líderes do movimento emancipatório, sendo solicitada a criação do
município e da comarca de Rio do Sul (SAUL, 1999, p. 51).
63
Frisamos dessa passagem que o empenho político de Ermenbergo Pellizzetti, somado ao
desenvolvimento apresentado pelo distrito de Bella Alliança foram fundamentais no processo
de emancipação. Assim, no ano de 1930, “nasce” Rio do Sul, ou seja, Bella Alliança é
desmembrada do município de Blumenau pela Lei número 1.708, de 10 de outubro 1930. A
partir dessa data, o local passou a se chamar Rio do Sul. O município, por sua vez, veio a ser
oficialmente instalado em 15 de abril de 1931.
Esse processo emancipatório traz à tona o reconhecimento que Rio do Sul apresentava
em âmbito regional. Conforme destacou Saul (1999), diversas foram as autoridades estaduais
que debatiam e noticiavam o crescente desenvolvimento econômico da localidade. O fato
provocou inúmeras visitas de comitivas de órgãos oficiais do Estado à localidade. Entretanto,
as discussões sobre a iminente emancipação também provocaram reações. Comissões
contrárias à emancipação de Rio do Sul foram criadas. Seus defensores alegavam as perdas
econômica e territorial que Blumenau passaria a ter com o desmembramento proposto.
Gertz (1987) levanta outra interessante hipótese que teria influenciado no processo de
desmembramento de Rio do Sul. Defende que a emancipação teria sido uma jogada política
estadual para diminuir o poder de Blumenau, sendo uma clara medida de retaliação contra
uma ex-colônia alemã. O autor percebe a emancipação de Rio do Sul como um processo
exclusivamente político e, portanto, divorciado, separado e distanciado dos anseios mais
populares. Há que se considerar o recorte histórico apresentado por Dagnoni e Wartha (2011)
que trazem que é com Revolução de 1930 que a República Velha chega ao seu fim,
intensificando as transformações e disputas políticas também em Santa Catarina.
Dagnoni e Wartha (2011), buscando replicar Gertz (1987), argumentam que tal autor
não cita questões como o desenvolvimento econômico ou outros fatores que foram
importantes para que Rio do Sul conquistasse sua emancipação. Mas reconhecem que o autor
percebeu bem a influência do jogo político no processo emancipatório. A emancipação, nesse
sentido, também gravita em torno da titânica luta eleitoral e eleitoreira que se travava em
Santa Catariana nas décadas de 1920 e 1930.
Apesar das diferentes teses, a emancipação política de Rio do Sul aconteceu, de fato, no
dia 10 de outubro de 1930, pela Lei número 1.780, como antes já salientado. No dia 30 de
dezembro de 1930, o general Ptolomeu de Assis Brasil, Interventor Federal no Estado de
Santa Catarina, assinou o Decreto número 36, marcando a data de 20 de janeiro de 1931 para
a instalação do novo município. A instalação do município, ocorrida somente em 15 de abril
de 1931, foi registrada e noticiada pelo jornal “O Agricultor”, de Rio do Sul, em sua edição de
64
03 de janeiro de 1931, e pelo jornal “A República”, de Florianópolis, em sua edição de 22 de
janeiro de 1931 (SAUL, 1999).
3.5 O desenvolvimento do espaço urbano em Rio do Sul
Colaço e Klanovicz (1999) nos informam que foi a partir da emancipação política,
ocorrida em 1930, que se verificou em Rio do Sul o surgimento de certo espaço urbano, de
forma espontânea, não seguindo um plano urbanístico. Os mesmos autores afirmam que em
fins de 1928 já se percebia a ocupação do espaço urbano no distrito, que recebia os benefícios
da luz elétrica e apresentava uma disposição ordenada de casarios, além de algumas pontes
pênseis, construídas para o serviço de instalação e manutenção da rede elétrica, bem como
para o deslocamento das pessoas. Data também dessa época uma instalação precária de rede
de água potável.
Tais transformações nos levam a perceber que além do desenvolvimento agrícola surgia
um “urbanismo espontâneo” em Rio do Sul, expressão essa cunhada por Colaço e Klanovicz
(1999). Os autores ainda afirmam que a lógica do assentamento e ocupação aconteceu ao
longo dos rios, onde se formaram os primeiros bairros. Aos poucos, no mesmo período, o
município começou a se impor como polo regional do Alto Vale do Itajaí. Poleza (1992)
destaca que o município explorou o fato de estar situado estrategicamente entre Lages e
Blumenau, se inserindo em uma zona de intermediações e transações comerciais, onde pode
se destacar.
Pessoas oriundas de diferentes povoados do Estado, mas principalmente do Vale do
Itajaí, buscavam no agora emancipado município de Rio do Sul uma real possibilidade de
adquirir um lote de terra. Apesar dos inúmeros desafios ainda existentes naquela época –
iniciar o desmatamento e explorar a terra – foi um desejo de muitas famílias ali se instalar
naquele momento.
Cabe destacar que a ocupação do território de Rio do Sul, processo intensificado a partir
da sua emancipação, seguiu uma lógica não diferente de outras áreas coloniais do Alto Vale
do Itajaí. Muitas ocupações, futuros municípios desta região, desenvolveram-se “respeitando”
alguns fatores geográficos, ou seja, nas margens de rios e entre os vales, espaços onde
plantações e residências se desenvolveram.
O fato da ocupação do espaço a ser definido próximo aos rios foi
fundamental para uma projeção do que viria a ser a rede urbana do futuro
município de Rio do Sul. Obviamente o estabelecimento das primeiras
65
edificações não definiu a estrutura urbana e malha viária, mas deu base tanto
para a ocupação como para o estabelecimento de futuros núcleos urbanos.
[...] A importância que a confluência dos rios Itajaí do Sul e Oeste exerceram
na ocupação de Braço do Sul, foi tão grande que futuramente, ao elegerem o
nome para a cidade a homenagem aos rios esteve presente (DAGNONI;
WARTHA, 2011, p. 100).
Não que as colônias do Alto Vale do Itajaí tenham representado um grande fluxo
migratório no decorrer do século XX, semelhante a outros clássicos deslocamentos
populacionais verificados na história do Brasil. Porém, em relação ao modelo de ocupação das
terras no Alto Vale do Itajaí, com características de pequenas e médias propriedades, foi a
partir da emancipação política que se deu um novo processo migratório de colonos para a
região. Assim, renovou-se e consolidou-se o processo de desenvolvimento iniciado
anteriormente.
A colonização de grande parte do Alto Vale do Itajaí foi fruto da ação de
empresas colonizadoras que, na maioria, receberam terras devolutas do
Governo, em troca da abertura de estradas, promovendo, assim, o
povoamento e a colonização. [...] Estas empresas colonizadoras são fruto,
num primeiro momento, da iniciativa do Governo Imperial brasileiro e mais
tarde Governo Republicano, pois ambas tinham grande interesse em
colonizar e povoar o sul do Brasil com imigrantes de origem europeia. Nesse
sentido, foram criadas algumas companhias de colonização de origem
estatal, bem como companhias particulares que passaram a participar como
gestores do processo de concessionárias de terras em pagamento de estradas
construídas (ZANELLA, 2007, p.73).
O desenvolvimento da região pautou-se sobre o sistema fundiário da pequena
propriedade familiar, objetivando o povoamento do território remanescente ao ocupado desde
o final do século XIX e início do século XX. A diversidade agrícola, existente e verificada na
tradição do pequeno agricultor familiar, reforçou as condições políticas e econômicas iniciais
para o estabelecimento de Rio do Sul como município de destaque regional.
Milho, mandioca, batata, fumo entre outros, foram gêneros agrícolas que
estiveram presentes na formação da agricultura do Ato Vale do Itajaí. A
pequena propriedade rural, formada na composição familiar com muitos
filhos possuía na religião cristã a base que lançava valores para a vida
cotidiana de toda a comunidade (DAGNONI; WARTHA, 2011, p. 110).
Se o meio adquiria destaque, encontramos registros dessa mesma dinâmica na criação
de algo singular. Tratamos da implantação da estrada de ferro. Em 1933, essa foi responsável
por tornar o município alvo de diferentes mapas cadastrais, como lembram Colaço e
Klanovicz (1999). A partir dessa obra o poder público comprometeu-se com o crescimento
urbano ordenado ensaiando, através de projetos, um primeiro plano de arruamento para a
66
cidade. Isso se deu com base no primeiro mapa cadastral, de responsabilidade do engenheiro
Gino Alberto de Lotto, criado em 1931.
Foi com a efetivação do município de Rio do Sul que o número de pequenas indústrias e
casas de comércio se multiplicou ao longo dos anos, oferecendo não apenas produtos para
aqueles que estavam por ali de passagem para outras regiões do Estado. Foi importante
também para os próprios cidadãos que, agora emancipados, deveriam de fato buscar e
conquistar a autonomia. Dagnoni e Wartha (2011) acrescentam que entre os anos 1920 e 1930
o excedente de produção agrícola obtido na colônia ou no interior do distrito movimentava o
mercado local. Essa dinâmica foi fundamental para elevar o patamar político, econômico e
social que começava a se destacar na região.
Colaço e Klanovicz (1999) ainda destacam que a afirmativa sobre o “posicionamento
estratégico de Rio do Sul” não deve ser esquecida. Foi a partir dessa localização privilegiada
que se estabeleceu e cunhou ao longo do século passado a expressão Rio do Sul “Capital do
Alto Vale do Itajaí”, destacando nisso o desenvolvimento da cidade sobre os outros
municípios limítrofes. A expressão acabou por estabelecer-se como um slogan, difundido por
diversos meios de comunicação a partir dos anos 1950 na região, refletindo as conquistas e
realidades vivenciadas durante as primeiras décadas do século passado.
O município, que obteve destaque logo após o processo emancipatório, lembrando a
força que a agricultura e o comércio estavam representando naquela época, adquiriu novos
contornos econômicos a partir de duas situações. Primeiro com a chegada da Estrada de Ferro
Santa Catarina, em 1933, e segundo devido à expressiva extração de madeira registrada na
história rio-sulense. A primeira, que teve sua parte inicial inaugurada em 1909, entre
Blumenau e Indaial, atingindo 184 quilômetros construídos ao longo de seu traçado total,
tinha como objetivo ligar o litoral catarinense até o extremo oeste do Estado. Partindo do
Porto de Itajaí e fazendo os entroncamentos ferroviários com outras estradas de ferro da Serra
e do Planalto catarinense, ambicionava atingir ainda o país vizinho, fronteiriço do oeste
catarinense, a Argentina.
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Ilustração 03 - Traçado ferroviário da Estrada de Ferro Santa Catarina na região do Vale do Itajaí,
1909/1971
Fonte: Cavalcanti, 2016.
A Ferrovia que chegou em Rio do Sul em 1933, depois de superar vários desafios,
nomeadamente de caráter político e geográfico, representou um importante ramal ferroviário
no Alto Vale do Itajaí. Sua inauguração influenciou consideravelmente na estruturação do
espaço urbano nascente em Rio do Sul (HENKELS; HABITZREUTER, 2009).
Este acontecimento motivou a reformulação do espaço urbano da cidade. Os
trilhos cortaram a cidade de ponta a ponta, e a estação se transformava num
centro de convergência tanto para o transporte de mercadorias como para o
deslocamento de pessoas. A ferrovia representa novo importante impulso de
desenvolvimento de Rio do Sul e de todo o Alto Vale. Até então o transporte
era feito em lombo de animais até a Subida, onde as mercadorias eram
embarcadas e seguiam de trem até Blumenau ou Itajaí. Apesar do projeto
inicial que previa a ligação do porto de Itajaí ao planalto serrano em Lages,
as obras serão levadas a termo somente de Blumenau a Rio do Sul
(COLAÇO; KLANOVICZ 1999, p. 128).
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A partir da construção e do advento da estrada de ferro, uma reestruturação do núcleo
urbano de Rio do Sul se fez necessária, pois bairros, ruas, praças e construções foram
redefinidas. Essa situação nos remete a um primeiro ensaio e comprometimento do
crescimento urbano ordenado do município após a sua emancipação.
Não que entraves ou desafios com a construção da estrada de ferro não fossem
verificados. Além da própria geografia desafiadora em uma região recortada por vales, as
edificações de pontes, por exemplo, podem nos dar a dimensão de tais desafios. Atentamos
para a quantidade de ribeirões, rios e córregos que em Rio do Sul e região deveriam ser
transpostos para o caminho do próprio trem obter sucesso. Tamanho foi o desafio da
construção dessa obra que, na observação das Ilustrações 02 e 03, podemos perceber que
grande parte da estrada de ferro seguiu o traçado dos principais rios da região, com destaque
para o rio Itajaí-Açu.
Dessa forma, a estrada de ferro serviu para transportar o desenvolvimento do Vale do
Itajaí, ou seja, transportar os excedentes agrícolas e a madeira, além de unir comunidades de
imigrantes e seus descendentes a outras comunidades nativas vindo, consequentemente, a
desenvolver econômica e socialmente a região. Segundo Hoerhann e Tomasini (1999), a
importância da Estrada de Ferro Santa Catarina se faz lembrar ainda quando analisamos que
as grandes safras de mandioca, tradição agrícola cultivada na região do Alto Vale do Itajaí,
era transportada e industrializada principalmente no Médio Vale Itajaí, para depois ser
exportada via Porto no município de Itajaí.
A estrada de ferro tinha como objetivo fortalecer e dinamizar a economia do Vale do
Itajaí, ligando o porto litorâneo ao planalto catarinense, e com isso, interligando os povoados
e suas produções. Richter (1992) destaca que esse desejo estava presente já na chegada dos
alemães na região do Alto Vale do Itajaí, visando promover a imigração e a colonização. Já os
primeiros imigrantes pensaram em construir uma ferrovia entre os portos de São Francisco do
Sul e as colônias Dona Francisca e Blumenau. Tudo isso dependeria, evidentemente, do
“progresso” das áreas colonizadas.
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Ilustração 04 - Ponte ferroviária dos Arcos, sobre o rio Itajaí do Sul, no município de Rio do Sul, década
de 1930
Fonte: Estação Porão, 2012.
Hoerhann e Tomasini (1999) relatam também que a Estrada Ferro era importante para a
atividade pastoril, desenvolvida intensamente no planalto Catarinense. Pelo menos uma vez
por semana, abolindo as penosas tropeadas e a consequente perda do peso do gado, as
ferrovias desempenhavam a função de transportar os bovinos para diferentes regiões do
Estado. Além disso, Hoerhann e Tomasini (1999) chamam a atenção para outros serviços da
Estrada de Ferro, que mantinha transporte regular de passageiros entre Itajaí e Trombudo
Central, “cortando Rio do Sul”, e fortalecia a importância da ferrovia. Assim, a mesma
ferrovia inovou, pois não realizava baldeações, ao contrário das empresas de ônibus da época.
Vale lembrar que nas estações ferroviárias se concentravam os principais serviços de
comunicação da época: o telefone e o telégrafo, o que favoreceu ainda mais o
desenvolvimento dos municípios que percorria. A grande valia dessa obra certamente foi o
transporte da madeira até o porto de Itajaí e de outros ramais ferroviários, pois, como analisou
Ferreira (1959), a valorização da madeira e a facilidade de seu transporte pelos trilhos eram
destaques econômicos alcançados por Rio do Sul naquele período.
Dessa maneira, mais precisamente entre as décadas de 1940 e 1950 do século passado,
Rio do Sul vivenciou um novo e intenso desenvolvimento, atrelado à extração da madeira. A
70
facilidade de escoá-la possibilitou o estabelecimento de diversas serrarias. Não esquecendo o
desenvolvimento da agricultura e do comércio que alicerçavam a base econômica de Rio do
Sul, o extrativismo fez experimentar uma posição de destaque em nível regional.
No ritmo de serrarias, de transporte e de boa localização geográfica, e
estando por volta 1940 já adiantada a economia extrativista, até a década de
50, bem como daí por diante, Rio do Sul experimentará sua consolidação
como polo regional. [...] Graças aos recursos provenientes da madeira, a
cidade se desenvolve como eixo prestador de serviços regionais (COLAÇO;
KLANOVICZ, 1999, p. 133).
Com uma população de 57.152 habitantes, segundo o recenseamento de 1950, Rio do
Sul ocupava o décimo quarto lugar em população, isso em relação aos demais municípios do
Estado, sendo tais números consideráveis para um município emancipado em 1930.
(FERREIRA, 1959)
Apesar da região ser predominantemente agrícola, o município de Rio do Sul iniciava,
no contexto de meados do século XX, seu papel de referencial urbano e importante centro
comercial e de prestação de serviços da região do Alto Vale do Itajaí, haja vista a criação de
instituições de nível regional que surgiram a partir de então (COLAÇO; KLANOVICZ,
1999). Ainda no que tange à urbanização, destacam que os jornais de circulação local de 1950
enfatizavam o dinamismo que o município alcançava. Apresentam como exemplo o jornal
“Últimas Notícias” que, em uma edição de setembro de 1956, trazia como manchete: “Rio do
Sul modernizou-se com a colocação de luminosos”.
Na década de 1950, surgiam algumas edificações em Rio do Sul que traziam “ares da
modernidade”, Casas de comércio, indústrias diversas, hospitais, igrejas, colégios, bancos e
residências representavam o desenvolvimento da cidade como importante centro prestador de
serviços em âmbito regional.
Nessa cidade vem tomando um aspecto mais belo e de mais moderna [sic]
com a instalação de anúncios luminosos por parte de várias firmas
comerciais que funcionam nesta praça. A vista noturna do centro,
atualmente, já é algo que chama a atenção de todos, pois aqui e acolá, há um
conjunto de cores embelezando o frontispício dos prédios. Quem já teve a
oportunidade de apreciar uma vista noturna de Rio do Sul, mais do alto, bem
pode constatar a beleza desta inovação que tomou conta da cidade. Merecem
menção especial as firmas comerciais que tiveram a feliz ideia desta
iniciativa, colaborando assim para o embelezamento de nossa cidade. Vai
assim Rio do Sul, pouco a pouco se modernizando, o seu progresso
incontestável é bem um atestado de um futuro grandioso que lhe é reservado
(JORNAL ÚLTIMAS NOTÍCIAS, 1956, n. 25, p. 01).
71
Assim, entre as décadas de 1940 e 1950 inúmeras obras de caráter público e privado
começam a surgir em Rio do Sul, dimensionando o caráter regional que o município
conquistava. Em 1943, é inaugurada a Delegacia Regional de Polícia. Em 1955, é criado o
Hospital Samária, passando Rio do Sul a contar com duas casas se saúde, pois em 1922, o
Hospital Cruzeiro já era uma realidade de âmbito regional.
Em 1933 é construída a primeira igreja luterana de Rio do Sul, de importante valor
histórico com marcantes características estéticas da época. Na década de 1950, inicia-se a
construção da nova Catedral São Joao Batista, hoje considerada um marco da arquitetura
neogótica regional e um dos cartões postais da cidade. Obra imponente, destaca-se na
paisagem da urbe, como demonstra a Ilustração 05.
Ilustração 05 - Catedral São Joao Batista, um dos destaques da arquitetura urbana de Rio do Sul.
Fonte: Cibils, Fotojornalismo, 2007.
Partindo do exemplo dessas poucas, porém representativas construções, podemos
compreender que em Rio do Sul iniciava-se um processo significativo de desenvolvimento.
Foi nesse município que surgiram, por exemplo, as primeiras estações de rádio da região, com
destaque para as estações de Rádio AM, “Rádio Difusora” e “Rádio Mirador”, Também ali se
estabeleceram os principais jornais impressos de circulação e influência local, destacando-se o
72
jornal “A Cidade”, o jornal “Nova Era” e, atualmente, o jornal “Diário do Alto Vale”. Ainda
destacamos a “Rede Bela Aliança”, emissora rio-sulense que ocupa um canal de televisão
local e continua firmando o diferencial e o pioneirismo nas telecomunicações no município.
Na educação há um grande vazio de informações históricas referentes a dados sobre o
Rio do Sul. Isso acontece, em parte, pelo fato de nos primeiros tempos as aulas serem
ministradas em alemão e muitos documentos da época terem sido destruídos durante a
Segunda Guerra Mundial. Por outro lado, grandes enchentes regionais destruíram valiosos
acervos documentais.
Desde o processo de colonização da região, as enchentes vêm assolando
aquelas terras. De tempos em tempos, a descarga dos rios não consegue
escoar todas as águas produzidas das cheias e a inundação atinge a maioria
dos segmentos produtivos da região (FRAGA, 2005, p. 94).
Apesar disso, destacaram-se no município algumas escolas confessionais, escolas
administradas pela igreja, que através de seu histórico institucional, ajudam-nos a
compreender o processo educacional de Rio do Sul e região. Como salienta Klug (1999), as
escolas confessionais não eram as únicas. Entretanto, entre as dirigidas por alguma igreja ou
congregação religiosa, destacamos três colégios pelo modo de organização e pela tradição que
granjearam na região.
Tratamos do atual Colégio Synodal Ruy Barbosa, que tem sua história relacionada com
o processo de imigração alemã no Alto Vale do Itajaí e com a fundação da Comunidade
Evangélica Luterana de Rio do Sul, ocorrida em 1908. Em decorrência da Primeira Guerra
Mundial, a escola foi fechada em 1917, haja vista o colégio ter raízes alemãs e caracterizar-se
pelo ensino privado, posicionamentos contrários ao governo nacional daquele período.
Somados a esses fatores, o Brasil tinha naquele momento a Alemanha como nação inimiga de
guerra.
A reabertura do Colégio Ruy Barbosa aconteceu apenas em 1927, em um novo local,
porém não durou muito tempo. A deflagração da Segunda Guerra Mundial e a campanha de
nacionalização promovida pelo governo federal e estadual levaram o colégio a encerrar
novamente as suas atividades. Apenas em 1948, depois de finalizado o conflito mundial, a
instituição teve suas portas reabertas, com atividades interruptas até o momento. Destacamos
o ano de 2000, momento em que o mesmo passou a fazer parte da rede de ensino Sinodal,
adquirindo o nome de Colégio Synodal Ruy Barbosa.
Outro colégio que adquiriu destaque entre as instituições de ensino confessionais
existentes em Rio do Sul foi o Colégio Dom Bosco. Ligado à paróquia de Rio do Sul, desde o
73
ano de 1948 o educandário é uma possibilidade de ensino para os meninos católicos da
comunidade. Coloca-se, assim, como alternativa devido ao crescimento do Colégio Ruy
Barbosa no atendimento da comunidade evangélica em Rio do Sul e região. Sua construção
teve início em 11 de junho 1948, apesar de a paróquia do município desenvolver atividades
religiosas desde o ano de 1926. A partir de então os Salesianos passaram a ofertar a 2ª e a 3ª
séries na casa paroquial, situação que perdurou por 16 anos. Tal instituição e regime
educacional passaram por modificações estruturais em 1964, ofertando e concorrendo com
outros colégios de Ensino Médio da região.
Um terceiro colégio confessional que adquiriu importância na história regional é o
Instituto Maria Auxiliadora, surgido em 1928. Esse colégio dividiu por longas décadas com o
Colégio Dom Bosco a oferta educacional da região, principalmente para famílias católicas
abastadas da região. Fundado no dia 12 de fevereiro de 1928 pelas Irmãs Salesianas, com o
nome inicial de Colégio Sagrado Coração de Jesus, o educandário adquiriu importância
regional quando, de 1949 a 1967, voltou-se exclusivamente para o ensino feminino. A partir
de 1969 o colégio trocou de nome, passando a se chamar Instituto Maria Auxiliadora. Tornou-
se sinônimo de tradição educacional na região, desenvolvendo importante papel no auxílio a
comunidade rio-sulense em épocas de enchentes que assolaram a região. Principalmente em
1983 e 1984, momento em que muitas famílias de Rio do Sul abrigaram-se nas dependências
da escola, permanecendo ali durante todo o período da catástrofe das enchentes, essa
instituição foi fundamental.
Os colégios confessionais que ao longo de sua trajetória passaram por inúmeras
dificuldades, adquiriram robustez a partir da década de 1960, época em que a educação em
Rio do Sul é observada com maior atenção. É nessa década que surge a antiga instituição de
curso superior Fundação Educacional do Alto Vale do Itajaí (Fedavi). Foi na tradição de seus
três colégios particulares confessionais, somada ao nascimento da Fedavi no decorrer do ano
de 1966, que levou o município a adquirir notoriedade no setor educacional para inúmeras
famílias da região. Na medida em que passou a ofertar cursos de ensino superior, Rio do Sul
reforçou sua condição e reconhecimento de polo regional.
A Fedavi, que depois passou a chamar-se Unidavi (Fundação Educacional do Alto Vale
do Itajaí), é a instituição de ensino superior mais antiga da região, atendendo principalmente a
comunidade local. Em Rio do Sul, onde a universidade teve seus trabalhos iniciados, ela
oferece ensino infantil, fundamental, médio e, especialmente, em cursos de graduação. Taió,
Ituporanga e Presidente Getúlio são municípios estratégicos, pelo tamanho da população e a
74
localização, razão pela qual a Unidavi mantém neles 14 cursos de extensão, sendo a
instituição que atende o maior número de municípios no Alto Vale do Itajaí.
No que tange aos aspectos culturais, Rio do Sul, historicamente, destacou-se dos demais
municípios, pois possuiu uma variedade de instituições de ensino, além de casas de cinema e
espaço para a apresentação de peças de teatro. Nesse sentido, diferencia-se de outros
municípios da região, mais carentes nesses quesitos. Festivais de música e teatro são comuns,
sendo ofertados em sua maioria pela Fundação Cultural, marcante para a construção da
realidade diferenciada que Rio do Sul conquistou. Pautada na Fundação Cultural, inaugurada
em 1989, e comportando espaços de museu e biblioteca, além de oferecer cursos de artes
cênicas e visuais, Rio do Sul firmou-se também como expoente cultural no Alto Vale do
Itajaí.
A partir dos acontecimentos históricos das últimas décadas do século XX verificamos
que nos mais diferentes setores da sociedade, Rio do Sul tornou-se um importante prestador
de serviços para o Alto Vale do Itajaí. Seja no meio agrícola, seja no meio urbano, o
município tornou-se prestador de uma gama considerável de serviços nas áreas de saúde,
educação e lazer, entre outros, para os 28 municípios que compõem geograficamente a região.
Rio do Sul tem atualmente uma área total de 260.520 Km². Possui um Produto Interno
Bruto de 31.297,87 (IBGE, 2010), concentrando importantes decisões econômicas da região.
Tanto no setor primário, quanto no secundário e no terciário o município adquiriu
significativa importância como centro comercial de diversos produtos (PELLIZZETTI, 1985).
A Ilustração 06, abaixo, além de demostrar a localização do município de Rio do Sul no
Alto Vale do Itajaí, busca também localizar os 28 municípios vizinhos, sob os quais ele exerce
influência e poder de atração.
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Ilustração 06 - Localização do Alto Vale do Itajaí no estado de Santa Catarina
Fonte: Secretaria do Estado e Desenvolvimento Econômico, 2000. Modificado pelo autor, 2016.
Outro fator que contribuiu para o desenvolvimento de Rio do Sul foi a construção da
antiga rodovia de Santa Catarina, SC-23, que mais tarde passaria a ser chamada
nacionalmente de BR-470. Essa passou a conectar as diferentes rodovias estaduais e
regionais, interligando os municípios do Alto Vale do Itajaí. A nova ligação asfáltica
representou um importante acontecimento nas décadas de 1950/1960, colocando o município
definitivamente no “mapa estratégico” e territorial catarinense. Rio do Sul muito se beneficiou
com essa rodovia. A partir de sua construção, passou a fortalecer seu caráter de importância
na região, podendo dinamizar questões de logísticas a seu benefício, semelhante ao que vinha
ocorrendo nas áreas de educação, saúde e lazer.
Com a construção da rodovia BR-470, Rio do Sul alcança o desenvolvimento, pois
agora é possível, em poucas horas, deslocar pessoas e mercadorias e, assim, alcançar outros
1 - Rio do Sul2 - Petrolândia3 - Chapadão do Lageado4 - Agrolândia5 - Pouso Redondo6 - Atalanta7 - Braço do Trombudo8 - Trombudo Central9 - Ituporanga10 - Aurora11 - Agrônomica12 - Laurentino13 - Presidente Getúlio14 - Rio do Oeste15 - Dona Emma16 - Taió17 - Mirim Doce18 - Rio do Campo19 - Salete20 - Witmarsum21 - Vitor Meireles22 - Santa Terezinha23 - José Boiteux24 - Ibirama25 - Lontras26 - Presidente Nereu27 - Vidal Ramos28 - Imbuia
Localização do Alto Vale do Itajaíno Estado de Santa Catarina
Fonte: Secretária do Estado e Desenvolvimento Ecônomico 2000Modificado: Gores, 2015.
10 Km 0 10 20 30 40 50KM
Escala gráfica
N
76
importantes municípios catarinenses, situação interessante para uma localidade que é ponto de
convergência entre o litoral e a serra catarinense.
Nesse contexto, a Estrada de Ferro de Santa Catarina, que até então era sinônimo de
progresso, foi vagarosamente esquecida, abandonada e desativada em 1971. Momento que a
própria “magia” de se chegar onde se queria em pouco tempo, auxiliada pela popularização
dos carros, ônibus e caminhões, foi se incorporando no cotidiano das pessoas.
Pouco a pouco federalizada, passa a SC-23 a ser chamada de BR-470 e
recebe vultosos investimentos do governo federal [...] a rodovia passa a ser
modelo de eficiência e rapidez nos transportes do Vale do Itajaí, caindo nas
preferências populares e empresariais, deixando a ferrovia sem ter o que
transportar. [...] Ultrapassado, ainda andando a 30 km por hora, causando
prejuízos de toda a sorte, o então velho trem não conseguia mais competir
com a modernidade asfáltica (HENKELS; HABITZREUTER, 2009, p. 9).
Possuindo atualmente o maior centro industrial do Alto Vale do Itajaí – com destaque
para o setor têxtil e outras fábricas ligadas ao ramo metal mecânico –, o setor industrial,
somado ao comércio representam o importante desenvolvimento do setor secundário e
terciário do município. Isso provoca ondas migratórias pendulares, nas quais pessoas
residentes em cidades vizinhas a Rio do Sul buscam preencher vagas de trabalho ali ofertadas.
A partir dos dados disponibilizados pela Associação dos Municípios do Alto Vale do
Itajaí (AMAVI, 2010), Rio do Sul destaca-se na região por deter a maior população dentre os
28 municípios que integram a associação. Conforme o Censo Demográfico do IBGE de 2010,
das 269.460 pessoas residentes no Alto Vale do Itajaí, a maior parte concentra-se exatamente
no município de Rio do Sul, que possui 61.196 habitantes, ou seja, 22,9% do total da
população da região. Para o ano de 2016, o IBGE estimava para o município uma população
de 68.217 pessoas.
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Tabela 02 - População dos municípios do Alto Vale do Itajaí
Tais dados, referentes à população de Rio do Sul e dos municípios vizinhos, reforçam o
caráter ímpar conquistado nas últimas décadas pelo município. O censo demográfico de 2010
constatou, igualmente, que a absoluta maioria da população de Rio do Sul reside nas áreas
urbanas. Ali eram encontrados 56.783 habitantes, contra uma população rural de 4.413.
Portanto, apenas 7,1% de sua população vivia em áreas rurais no ano de 2010.
Acreditamos que nesses 87 anos de emancipação política, os fatos que colocam Rio do
Sul em destaque no cenário regional do Alto Vale do Itajaí e, em consequência, em destaque
no Estado de Santa Catarina, são diversos. Vale aqui destacarmos a importância que a
agricultura e o comércio conquistaram desde o início do século XX, bem como a função
estratégica desempenhada pelos meios de transporte – inicialmente com a estrada de ferro e
Municípios Censo 2010 Estimativa 2016
Agrolândia 9.328 10.427
Agronômica 4.901 5.371
Atalanta 3.300 3.268
Aurora 5.552 5.681
Braço do Trombudo 3.457 3.682
Chapadão do Lageado 2.764 2.933
Donna Emma 3.723 4.039
Ibirama 17.342 18.567
Imbuia 5.709 6.087
Ituporanga 22.255 24.343
José Boiteux 4.720 4.874
Laurentino 6.005 6.694
Lontras 10.248 11.584
Mirim Doce 2.513 2.399
Petrolândia 6.131 6.051
Pouso Redondo 14.812 16.692
Presidente Getúlio 14.886 16.736
Presidente Nereu 2.284 2.306
Rio do Campo 6.195 6.078
Rio do Oeste 7.094 7.428
Rio do Sul 61.196 68.217
Salete 7.757 7.614
Santa Terezinha 8.767 8.855
Taió 17.265 18.161
Trombudo Central 6.554 7.135
Vidal Ramos 6.293 6.361
Vitor Meirreles 5.208 5.089
Witmarsum 3.601 3.876
Total 269.460 290.548
Fonte: IBGE e AMAVI (2010)
78
posteriormente com a rodovia BR-470, interligando o Alto Vale e seus produtos a diferentes
regiões, que fazem justificar o desenvolvimento do município de Rio do Sul.
Apesar do município ter conquistado espaços importantes em diversos setores
econômicos ao longo de sua história, sabemos que inúmeros desafios sociais ainda estão
presentes. Um dos possíveis “indicadores” ou reflexos de desenvolvimento de um município é
a qualidade de vida que ele oferece aos seus moradores. A existência e a possibilidade da
população usufruir de lugares públicos como Parques e Praças inserem-se nesse contexto. No
próximo capítulo, trataremos desses lugares públicos de Rio do Sul. Nosso fito é estudar
Praças e Parques como lugares de memória e detectar disputas explícitas ou não que elas
envolvem.
79
4 OS LUGARES DA PRAÇA E DO PARQUE EM RIO DO SUL – SC / BRASIL
Buscando compreender como o município de Rio do Sul materializou sua memória,
apresentamos nesse capítulo dois lugares públicos e urbanos de destaque no município.
Acreditamos que a partir disso poderemos compreender também partes da história política de
Rio do Sul, além dos diferentes interesses pautados em tais lugares.
Dessa maneira, o objetivo deste capítulo é analisar em que medida a materialização dos
lugares públicos, objetivados em Praças e Parques, expressam processos históricos de disputa
pela memória coletiva. Debater como os lugares tornaram-se símbolos de lugares de memória,
e de memória coletiva de Rio do Sul e região é outro intuito dessa etapa. Isso porque,
enquanto equipamentos públicos, acreditamos que a Praça e o Parque fazem parte da memória
de inúmeros cidadãos. Não podemos esquecer que os lugares investigados representam
expressões de disputas ideológicas e políticas, onde a formação da memória, incluído aí o
próprio esquecimento são os reflexos dessa disputa.
Foi a partir dos dados fornecidos pela Prefeitura Municipal de Rio do Sul, mais
especificamente do seu setor de Planejamento Urbano que, entre os 20 lugares públicos
urbanos demarcados no município, entre Praças, Jardins e Parques, selecionamos dois para
servirem como objetos empíricos de nossa análise. Assim, nossa escolha recaiu sobre a Praça
do Trabalhador e o Parque Harry Hobus, lugares de representações distintas e ideologias que
“orbitam” o campo da memória.
Podemos refletir que a Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus, importantes
lugares públicos existentes no município de Rio do Sul, adquiriram, a partir de suas
inaugurações, vários sinônimos. Desenvolvimento, lazer e qualidade de vida são apenas
alguns dos adjetivos com que esses lugares públicos foram rotulados. Esses, projetados e
construídos em momentos conjunturais de hegemonia de ideologias políticas diferentes,
podem, no entanto, ser percebidos também sob a ótica de lugares de memória, ainda que para
isso se faça uma leitura um tanto quanto que distorcida do conceito inicialmente exposto por
Pierre Nora (1993). Tratam-se de dois lugares/territórios que carregam simbologias e que
materializam aspectos imateriais.
Da mesma forma, acabam por representar a memória coletiva de dois grupos políticos
antagônicos no município. Como analisamos no capítulo 02 desta dissertação, a partir das
teorizações de Halbwachs (2004) podemos inferir que as memórias são construídas por
grupos sociais. No nosso caso, tratam-se de dois grupos políticos diferentes que em
determinado momento decidiram o que deve ser lembrado. Como a memória é um fenômeno
80
construído, consciente ou inconscientemente, por grupos, que resulta no reforço dos
sentimentos de identidade e de pertencimento, como exposto por Le Goff (1996), pode
transformar-se igualmente em um campo de disputa. Isso que pode incluir o silenciamento ou
o esquecimento das memórias adversárias, como defendido por Pollak (1989).
Dessa forma, desejamos demonstrar que, em Rio do Sul, com a construção de uma Praça
e de um Parque, as implicações e as disputas pelos lugares de memória estiveram presentes e
tomaram forma. A Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus foram escolhidos como
objeto de investigação pela importância política, cultural, social e urbanística que esses
lugares adquiriram nas últimas décadas. Também porque a partir deles é possível identificar
uma disputa pelas simbologias, imortalizações e esquecimentos que esses lugares de memória
carregam. Nesse sentido, cabe reforçar que a prática do esquecimento ou do descaso pode ser
uma estratégia presente na disputa pela apropriação da memória coletiva de determinado
espaço. Dessa forma, precisamos estar atentos às disputas surdas ou implícitas que os lugares
públicos coletivos carregam.
Tanto o lugar Praça quanto o Parque são lugares cuidados e mantidos pelo poder
público. Logo a manutenção, a visibilidade ou cuidado atribuído a determinado lugar e
negado a outro podem escamotear algum tipo de memória que se quer preservar ou que se
quer esquecer.
4.1 Praça do Trabalhador
A Praça do Trabalhador é um lugar público urbano de Rio do Sul que merece nossa
atenção pela sua singularidade. Tem de uso e visibilidade cotidiana, adquirindo ao longo do
tempo, mais precisamente a partir de sua construção, algumas características singulares, as
quais buscamos apresentar nessa dissertação. A partir dos símbolos e formas que as Praças
possuem, acreditamos que elas podem trazer as diferentes questões referentes à memória, à
formação e à “disputa”, como lembram Nora (1993), Halbwachs (2004) e Pollak (1989).
Seguindo ainda os conceitos propostos pelos mesmos autores, no que se refere aos
lugares de memória e à memória coletiva, acreditamos que a Praça do Trabalhador tornou-se,
a partir de sua materialização em 2004, um exemplo clássico de memória coletiva em disputa.
Lembramos que a reminiscência está constantemente buscando se enraizar no concreto, no
espaço, no gesto, na imagem e no objeto.
Compreendemos que o próprio título que esse espaço adquiriu – Praça do Trabalhador –
traz, antes de qualquer análise ou estudo mais específico, vários questionamentos sobre os
81
objetivos e interesses colocados a partir da fundação e nomeação desse lugar. Devemos
destacar que ela foi criada em um período político em que o Partido dos Trabalhadores (PT)
pela primeira vez alcançou a chefia do poder executivo em Rio do Sul. Situação análoga
ocorreu no âmbito do poder legislativo, onde a maioria dos vereadores eleitos para a Câmara
Municipal pertencia ao mesmo partido político.
Tal contexto político hegemônico da esquerda em nível municipal pode ser associado
aos acontecimentos e conquistas políticas obtidas pelo Partido dos Trabalhadores no âmbito
nacional. Lembramos que na representação máxima do poder executivo nacional o Partido
dos Trabalhadores conquistou, através de seu líder maior, Luiz Inácio Lula da Silva, a
presidência do Brasil no ano de 2002. Lula foi reeleito para um novo mandato consecutivo em
2006.
A partir dessa conjuntura política, destacamos a trajetória vitoriosa do PT nas eleições
municipais de Rio do Sul no ano 2000. Naquele pleito eleitoral municipal, Jailson Lima da
Silva, candidato a prefeito pelo PT e com a coligação PT, PSB, PCdoB, PDT e PL, somou
15.012 votos, sendo o vitorioso. Na votação para o cargo de prefeito municipal em Rio do Sul
foi expressivo o número de votos conquistados por Jailson Lima da Silva em relação aos seus
concorrentes de outras coligações partidárias. Jaime João Pasqualini, da coligação PPB, PFL,
PSDB, obteve 8.732 votos; já o candidato Nódgi Enéas Pellizzetti, da coligação PPS, PMDB,
PTB, PTN, totalizou 7.021 votos.
Jailson Lima da Silva, que tornou-se conhecido do público pelos serviços médicos
desenvolvidos em Rio do Sul, nasceu em 1958 no município de Siderópolis, região sul de
Santa Catarina. Filho de Adelícia e João M. da Silva, formou-se em medicina, realizando seus
estudos de graduação na Universidade Federal de Santa Catarina no período compreendido
entre os anos de 1978 a 1983. Pós-graduado em Saúde Pública pela Faculdade Evangélica do
Paraná, em 1984, e em Medicina do Trabalho pela Fundação Universidade Federal do Paraná,
em 1985, estabeleceu-se nesse mesmo ano em Rio do Sul para trabalhar. Ingressando
efetivamente na vida pública a partir de então, é lembrado como um dos fundadores do PT no
município de Rio do Sul e em todo o Alto Vale (ALESC, 2010).
Antes da eleição vitoriosa de Jailson Lima da Silva no pleito de 2000, o político do PT
havia amargado duas derrotas consecutivas na sua tentativa de administrar Rio do Sul. Nas
eleições municipais de 1992 e de 1996 perdeu as eleições para candidaturas vindas do campo
conservador. Em 1992 saiu-se vitoriosa a candidatura de Nódgi Eneas Pellizzetti da coligação
formada pelo PDT, situação que se repetiu no pleito de 1996, com a vitória do mesmo na
82
coligação encabeçada pelo PDT. Apenas em 2000, na sua terceira tentativa, Jailson Lima da
Silva alcançou seu intento. Seu governo como prefeito foi marcado pelo recebimento de
inúmeros prêmios de destaque, dentre os quais o do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF) e da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos (ABRINQ), que lhe
conferiram o prêmio de Prefeito Amigo da Criança. Jailson, entre mais de 5.600 prefeitos de
municípios concorrentes, destacou-se com o sétimo lugar pela qualidade do trabalho
executado para as criança e adolescentes.
De certo modo, ou a partir de tais premiações, o nome de Jailson Lima da Silva viu-se
projetado no âmbito estadual. A conjuntura política nacional, onde o PT viu-se alçado a
mandados consecutivos ao Planalto, também colaborou para sua ascensão política no nível
estadual. Desse contexto surge a candidatura para deputado estadual nas eleições de 2006,
momento em que, somando 24.788 votos, foi eleito à Assembleia Legislativa de Santa
Catarina na 17ª legislatura. Outra vitória política expressiva sua aconteceu em 2010, quando
Jailson Lima da Silva, defendendo também o PT, somou a expressiva votação de 33.129
votos. A situação não veio ser semelhante nas eleições de 2014, quando o candidato,
buscando a sua reeleição para o legislativo estadual, não obteve êxito, apesar dos 27.434 votos
que lhe foram sufragados. Tal situação fez Jailson Lima da Silva dedicar parte de seu tempo à
sua profissão de médico em uma clínica no município de Rio do Sul, com especialidade em
Reumatologia e Medicina do Trabalho. Atualmente ainda divide seu tempo com a presidência
da Eletrosul, empresa pública controlada pela Eletrobrás e vinculada ao Ministério de Minas e
Energia, com sede estadual em Florianópolis.
A partir desse histórico e da expressão política adquirida pelo PT no município de Rio
do Sul e região, percebemos que alguns lugares e obras no município representam,
historicamente, aquele momento vivido no cenário político. A Praça do Trabalhador, por
exemplo, possivelmente representa um destes lugares criados para marcar, quando não
“imortalizar”, esse momento político, registrando na memória coletiva as bandeiras e
conquistas de determinado grupo que esteve à frente do governo municipal em um específico
momento.
Outras obras públicas, semelhante à Ponte Olíbio Antônio da Silva, ligando importantes
bairros como o Canta Galo ao Jardim América, a pavimentação de ruas em parceria com
moradores, a construção dos condomínios populares Arco Íris e Bela Vista, e a aquisição
do imóvel onde funciona hoje o Centro de Eventos do município auxiliaram diretamente no
desenvolvimento do município e marcaram de forma categórica o seu mandato. Perceber a
83
importância estratégica que alguns lugares e obras representaram em determinados momentos
administrativos e políticos, é o que aqui pretendemos.
Contudo, entre as obras referentes ao primeiro momento político de Jailson Lima da
Silva à frente da prefeitura municipal (2000 – 2004), focamos na Praça do Trabalhador. Essa é
entendida por nós como um lugar de suma importância e destaque. Localizada em uma
extremidade do perímetro urbano de Rio do Sul, na direção norte do município, essa obra
buscava, além de valorizar áreas periféricas do urbanismo do município, produzir de maneira
clara e inequívoca um referencial, um marco, um lugar de memória no município através de
uma obra pública.
A Praça do Trabalhador adquiriu, ao longo do tempo, singularidade entre as outras. O
fato de ser inaugurada em “anexo”, ou praticamente sobre outra Praça, conhecida como Gino
Alberto de Lotto, representa de maneira candente as disputas pela memória vivenciadas no
município. Construída quando o PT administrava o município, nela foi edificada uma grande
bicicleta, obra de arte que viria não somente homenagear os trabalhadores, mas também se
constituir em um importante símbolo representativo do operariado. A bicicleta, assim como
outros monumentos ou representações existentes em lugares públicos, pode exercer a função
de consolidar ou solidificar na memória coletiva do conjunto da população aquilo que um
determinado grupo pretende que se imortalize.
Canalle (2017), renomado artista local, responsável por criar esculturas com sucatas de
ferro em vários municípios de Santa Catarina e pela construção da bicicleta existente na Praça
do Trabalhador, destaca que o objetivo maior dessa obra era homenagear diretamente os
trabalhadores locais. Segundo o artista, a bicicleta deveria representar uma identificação direta
com o trabalhador, haja vista ser um importante e diário meio de transporte para a população
mais humilde, local e regional.
Usando peças de metal reciclado, doadas por empresas da região, buscou criar uma
identificação entre o trabalhador e sua labuta cotidiana. É possível perceber essa intenção
tanto no livro publicado por Canalle (2016), O ferro em suas formas e figuras, quanto em
entrevista concedida ao pesquisador (2017). Na entrevista concedida, Sérgio Canalle destaca
que atualmente seu monumento está esquecido, principalmente pelo poder público, isso em
uma clara tentativa de apagar o legado político do PT.
84
Ilustração 07 - Praça do Trabalhador
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Observando as placas presentes na Praça do Trabalhador, detectamos que o lugar
público foi inaugurado em maio de 2004. Sua inauguração não se diferenciou da de outros
eventos similares, sendo assim noticiada com grande destaque e aguardo pela população. O
registro no jornal semanário Nova Era, datado do dia 07 de maio a 13 de maio de 2004,
afirma que o lugar da Praça do Trabalhador representa o início da Ciclovia do Trabalhador.
O principal discurso foi proferido pelo prefeito Jailson Lima da Silva, o qual, segundo o
jornal “Nova Era”, (2004, p. 05) declarou que “a construção da ciclovia traz mais segurança e
tranquilidade aos pedestres e ciclistas”, situação semelhante ao que Canalle (2017) relembra
quando relata que um dos desejos do então prefeito era, além de homenagear os trabalhadores,
os proteger, justificando a partir disso a criação da ciclovia a partir do lugar Praça.
Completando e relembrando o momento em que a Praça e a Ciclovia do Trabalhador
foram inauguradas, o “Nova Era” apresentou os seguintes acontecimentos em destaque:
Após a inauguração um grande passeio ciclístico foi realizado, promovido
pela Fundação Municipal de Desportos e o SESI. Os ciclistas percorreram
toda a extensão da ciclovia, até o bairro Bela Aliança, Ao final do passeio,
houve sorteio de várias bicicletas entre os participantes do evento (JORNAL
NOVA ERA, 2004, p. 09).
85
Disponível no acervo Público Municipal, o jornal Nova Era, único exemplar que nos
remeteu à inauguração da Praça do Trabalhador e à ciclovia municipal, nos fornece
importantes referências no que diz respeito à inauguração dessas obras públicas. Podemos
ainda perceber, segundo o jornal, que esse lugar público foi recebido com entusiasmo pela
população da região, situação evidenciada tanto pelo número de pessoas presentes naquele
ato, 2000 pessoas, quanto pela presença, segundo o jornal, de diferentes órgãos e instituições.
Considerações sobre o objetivo da construção da Praça do Trabalhador ficaram
evidenciadas nas placas de inauguração. Em uma delas aparece, com destaque, o lema da
administração municipal daquele quadriênio de 2001/2004: “administração popular”. As
mesmas placas ainda fazem homenagem a “todos os trabalhadores de Rio do Sul e em
especial aos servidores da secretaria municipal de obras”, situação não curiosa quando
lembramos que naquele período o PT estava à frente do governo.
Nessa Praça, como destacamos anteriormente, há um monumento em forma de uma
bicicleta, edificada em ferro, e de tamanho singular. O logradouro é ainda dotado de dois
bancos e de um espaço cercado por área relvada. Esse lugar público caracteriza-se pelo início
da ciclovia municipal, a qual busca integrar diferentes bairros da cidade. Sendo uma antiga
reinvindicação popular, a ciclovia municipal representou um passo importante para o
desenvolvimento de Rio do Sul, reforçando um meio de transporte alternativo e saudável no
principal município do Alto Vale do Itajaí.
A partir da entrevista de Canalle (2017), evidenciou-se a contrariedade do artista sobre a
situação atual desse lugar público e, com isso, sobre o monumento da bicicleta presente na
Praça. Enquanto artista de uma obra monumental e pública, o cidadão rio-sulense, relatou
que:
Tudo são oportunidades políticas, a Praça do Trabalhador e outras obras que
realizei pela região do Alto Vale do Itajaí foram sempre pedidos de prefeitos
[...] se vende cultura para o povo, mas não se cuida das obras públicas, isso
por que quando se troca o prefeito, troca-se também o interesse público. Um
valoriza o esporte, outro valoriza a cultura. Político é assim, é simpático e
tal, depois de eleito valoriza seus interesses (CANALLE, 2017).
Completando, na Praça do Trabalhador encontramos, ainda, um busto em homenagem
ao italiano Gino Alberto de Lotto. Esse monumento chama a atenção porque está localizado
em uma das extremidades da Praça. O busto é atualmente motivo de debates, quanto não de
confusão, por parte da população e do próprio poder público. Essa situação se faz pela
dificuldade de demarcar a delimitação das duas “Praças” sobrepostas no mesmo lugar. A
Praça do Trabalhador, a qual tem em sua localização e o marco inicial da ciclovia municipal,
86
e que ainda leva o mesmo nome, Ciclovia do Trabalhador, foi inaugurada em 2004
exatamente sobre o lugar de uma outra Praça, conhecida oficialmente como Praça Gino
Alberto Lotto. Daí resulta a confusão e a controvérsia sobre tal lugar ou nesse caso “lugares”.
Ilustração 08 - Praça e Busto, Gino Alberto de Lotto
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Gino Alberto de Lotto é personagem histórico da região do Alto Vale do Itajaí, com
destaque na memória regional. Foi combatente da Primeira Guerra Mundial, transferindo-se
para o Brasil logo após o término da guerra. Fixou residência na região do Vale do Itajaí,
caminho de muitos imigrantes europeus no contexto pós-Primeira Guerra Mundial. Com
conhecimento em engenharia civil e hidráulica, teve relação direta com o desenvolvimento de
Rio do Sul e região, pois, seguindo seu ofício de engenheiro, foi um dos responsáveis pela
87
construção da Estrada de Ferro de Santa Catarina, bem como da Catedral São João Batista,
além de ser provedor do Hospital Cruzeiro.
A partir do destaque que Gino Alberto de Lotto conquistou ao longo da sua trajetória de
vida, se tornou personagem da memória regional, figurando como cidadão exemplar no
contexto da construção da memória coletiva regional. Vale lembrar que, indiferente do
momento histórico da construção da Praça ou da confecção do busto de Gino Alberto de
Lotto, o objeto dessa dissertação é a materialização desses lugares de memória construídos
intencionalmente.
É dessa forma que a Praça do Trabalhador assume na memória coletiva de Rio do Sul
um papel relevante. Além de buscar homenagear um determinado grupo específico e
representar uma ideologia política de esquerda, foi construída sobre outro lugar ou sobre uma
outra memória que a precedeu. Com isso, percebemos que existe ali uma clara intenção de se
apropriar de um lugar público e destacar uma memória; nesse caso a gestão petista realizada
entre 2001-2004. Uma Praça, segundo nossas leituras, é um equipamento que não somente
simboliza o desenvolvimento urbano, mas é, igualmente, um lugar que projeta a memória
coletiva de um determinado grupo social. De forma objetiva, a criação da Praça do
Trabalhador, ou sua construção parcial sobre o lugar da Praça Gino Alberto de Lotto, nos
possibilita compreender tanto a disputa que existe pelos lugares de memória, quanto pela
tentativa de construir nesses lugares a memória coletiva de um grupo.
Contudo, as características da Praça do Trabalhador, descritas acima, não fazem
significar que a Praça atualmente viva dias de glória. Principalmente no que se refere aos
cuidados, como limpeza ou manutenção, esse lugar passa por momentos de esquecimento.
Afirmamos isso pelas limitadas alternativas que proporciona para o lazer e a descontração,
quesitos importantes nesses lugares contemporâneos. Outros motivos ou situações que
demonstram o descaso com a Praça são as constantes placas que, informando alguma obra do
município ou apresentando algum evento regional, estão constantemente descaracterizando o
uso social desse lugar.
88
Ilustração 09 - Praça do Trabalhador
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Importante é ainda notar a possibilidade de o poder público atual estar negligenciando
essa Praça justamente para reduzir a visibilidade das próprias placas inaugurais que reforçam
a simbologia do PT, diferente do atual momento político de Rio do Sul. Esses símbolos,
destacando o nome do então ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, reforçam a
necessidade de uma negação administrativa sofrida pela Praça do Trabalhador. Esse lugar
funcionaria, assim, como um elo de ligação entre o poder político federal e o municipal de
então, caracterizando determinado lugar e fomentando certa memória.
89
Ilustração 10 - Praça do Trabalhador
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Através do projeto de Lei número 022/04, que deu origem a Lei nº 4.038, de 06 de abril
de 2004 (RIO DO SUL, 2004), justificava a administração municipal as razões do nome da
Praça e da Ciclovia do Trabalhador.
O Governo Popular quer dar o nome à ciclovia da estrada Blumenau de
Ciclovia do Trabalhador como forma de: homenagear todos os trabalhadores
de Rio do Sul; Garantir um espaço de segurança aos trabalhadores; Pagar
uma dívida com as famílias que tiveram entes perdidos ou acidentados;
Proporcionar saúde e lazer porque o espaço poderá ser usado, também para
caminhadas; Enfim, entende-se que uma ciclovia melhora a qualidade de
vida da população que a utiliza, na sua maioria trabalhadores (PROCESSO
DE LEI, 4.038, 06 abril de 2004 / RIO DO SUL).
Contudo, acreditamos que a Praça do Trabalhador representa um interessante lugar
público urbano, sendo um símbolo de uma memória política. Independente dos
homenageados ou da área referente ao lugar da Praça do Trabalhador, compreendemos que
nesses lugares materializaram-se ideologias.
Entrevistamos o ex-prefeito Jailson Lima da Silva, lembrado nas placas presentes na
Praça do Trabalhador e principal responsável pela inauguração da Praça. Apesar de Jailson,
hoje dividir seus horários entre a função de médico em Rio do Sul e a de diretor
90
administrativo e financeiro da Transmissora Sul Brasileira de Energia S/A, em Florianópolis,
ele ainda é um dos referenciais da história política do PT no município e na região.
Aceitando falar sobre os lugares públicos criados no período que esteve à frente da
Prefeitura Municipal de Rio do Sul, com destaque para a Praça do Trabalhador e a ciclovia, o
ex-prefeito foi entrevistado sobre o processo de construção da Praça. Questionado sobre de
quem foi ideia de fazer a Praça do Trabalhador, Jailson Lima da Silva (2017), afirma que a
ideia foi do governo daquele momento. Relata que enquanto prefeito esteve sempre envolvido
com a questão de marcas esculturais, buscando valorizar artistas regionais e materiais
reutilizáveis ou sucatas. Com orgulho, o entrevistado lembrou que:
A Praça do Trabalhador, foi o resultado de diferentes desafios, buscamos
valorizar os artistas locais, mais o detalhe de fazer grandes esculturas, foi
uma Praça que unida à ciclovia, atendia antigas reinvindicação populares,
principalmente daquela região, carente de espaços públicos (SILVA, 2017).
Ainda sobre a importância que o entrevistado atribui à Praça do Trabalhador e a ciclovia
que ali se inicia, destacou o caráter de mobilidade urbana pela valorização de um lugar para os
ciclistas, sendo um diferencial do mesmo espaço, e o tornando dinâmico e contemporâneo,
segundo o entrevistado.
Parece-nos interessante destacar o valor diferenciado atribuído pelo ex-prefeito Jailson
Lima da Silva (2017) ao material utilizado na escultura da bicicleta. O mesmo relata que
apesar do material ser de sucata de ferro, com partes de antigos trens da região, a obra não é
pintada. Isso se fez de maneira intencional, para que o metal interaja com o tempo, ou seja,
que a Praça esteja em constante interação com a realidade do cidadão.
Em resumo, Jailson Lima da Silva (2017) reforçou que a Praça do Trabalhador foi um
compromisso realizado com os cidadãos de Rio do Sul em seu governo, pois tal lugar tornou-
se uma referência única, na situação de homenagear os trabalhadores, fomentando e
valorizando o meio mais comum de transporte por esses utilizado, a bicicleta. Contudo, o
antigo prefeito fez questão de frisar que existe uma lógica política muito clara em Rio do Sul
e na Região do Alto Vale do Itajaí no que se refere a seu antigo mandato no poder executivo
do município e de obras atribuídas ao “seu partido”, o PT.
Busca-se desconstruir ou apagar todo ou qualquer obra que fiz nessa cidade,
essa situação fica evidente quando você percebe o abandono da ciclovia que
eu inaugurei, não diferente de outras obras do meu governo, eu que enquanto
prefeito, fui o que mais inaugurei obras públicas nessa cidade,
principalmente as Praças que você investiga (SILVA, 2017).
91
Colocando-se como o melhor prefeito que Rio do Sul já possuiu, e entre um dos
melhores na história dos municípios do Alto Vale do Itajaí, Jailson Lima da Silva foi sucinto
em dizer que no período em que era prefeito, o município de Rio do Sul era mais bonito e
organizado.
As pontes todas tinham vasos floridos no entorno dos acostamentos, você
andava e em torno das passarelas, tinham vasos com flores [...] A ponte da
rua Rui Barbosa, fui eu que fiz, fazia 39 anos que não se fazia uma ponte de
concreto em Rio do Sul, eu fiz no primeiro ano de mandato, em 10 meses, e
ela é uma P45, de alta tonelagem, ponte de BR. Ao lado eu fiz uma Praça
também, e ao lado tem um monumento chamado monumento da paz, são
duas asas abertas, foi na época que morreu o Celso Daniel, aquele
monumento se chama monumento da paz Celso Daniel, não é a Praça que é
Celso Daniel, este um grande urbanista, assassinado, que quando eu me elegi
prefeito ele veio a Rio do Sul, pessoalmente fazer um planejamento a meu
pedido. Celso Daniel era prefeito de uma cidade enorme [...] então cada local
que eu fazia uma atividade eu construía uma Praça ao lado, tanto que eu não
vendi nenhum terreno, já que o prefeito que me sucedeu vendeu basicamente
todos os terrenos públicos...[...] (SILVA, 2017).
Criar urbanidade sem o conteúdo de Praça é impossível, pois, segundo o ex-prefeito,
esse lugar deve guardar em si uma relação muito importante com os cidadãos e estar voltado
para os trabalhadores. Ainda com orgulho, o ex-prefeito relatou que em todas as Praças
inauguradas em seu governo placas em homenagem aos trabalhadores que edificaram esses
lugares foram construídas, imortalizando os diferentes operários daquele contexto. Partindo
dessas percepções, ou propriamente ações, o ex-prefeito afirma que não houve governo
posterior ao seu que tenha edificado relevantes obras públicas para a população de Rio do Sul,
principalmente lugares semelhantes às Praças. Lembrou ainda que em seu governo os lugares
públicos foram muito valorizados, não restando dúvida, em sua opinião, de que ele, enquanto
prefeito, instigou e valorizou em seu governo a criação de áreas semelhantes.
Sendo assim, podemos concluir que Jailson Lima da Silva, enquanto antigo prefeito, até
valorizou diferentes lugares públicos, fato atestado em sua entrevista, e certo “mapeamento”
de lugares que o mesmo atribui a seu mandato governamental. Essa situação não
necessariamente explica as intenções reais em materializar esses mesmos lugares públicos.
De maneira mais objetiva, devemos refletir sobre quais as reais intenções em construir e
inaugurar diferentes lugares públicos em Rio do Sul, pensando no sentido de Praças.
Homenagear os trabalhadores, através de símbolos, monumentos e Praças pode até ser uma
postura digna de um governo, mas curiosa quando o governo se intitula como popular e está
sob a insígnia do Partido dos Trabalhadores. Com isso, a Praça do Trabalhador, antes de ser
propriamente um lugar público, oferecendo o bem estar social, representa a memória de um
92
grupo político, o qual, desejando configurar as principais páginas da história, constrói e
caracteriza Praças.
4.2 Parque Harry Hobus
O Parque Harry Hobus constitui, em Rio do Sul e na Região do Alto Vale do Itajaí, o
que podemos compreender como um importante lugar de sociabilidade e qualidade de vida.
Esse, por ser o primeiro Parque do município, reforça os conceitos de acesso ao lazer no
espaço público, destacando-se como o único de caráter público do município. Podemos ainda
afirmar que ele veio proporcionar uma área de lazer não apenas à população local, mas
também à regional. Lembramos que apesar de Rio do Sul ter se consolidado como município
polo no Alto Vale do Itajaí em meados do século passado – sobressaindo-se nos quesitos
econômico, social e cultural – foi com criação do Parque Harry Hobus que a cidade tornou-se
referência também no quesito lazer.
Construído em uma área total de 30.435,00 (trinta mil quatrocentos e trinta e cinco)
metros quadrados, sob um terreno da própria prefeitura, abaixo da ponte elevada José Thomé,
entre a Rua Fernando Silva e Ribeirão Canoas, o Parque Harry Hobus veio oferecer amplo
espaço recreativo. Em uma área considerada sem utilidade, como tantas outras no município
de Rio do Sul, por estar em local de possível alagamento e por ainda fazer parte de um
canteiro de obras da ponte – conhecida regionalmente como Elevado – foi construído o
Parque.
As obras que envolveram a ponte elevada e o Parque Harry Hobus custaram cerca de
R$ 13 milhões de reais, sendo R$ 9 milhões desses de empréstimos do Badesc
(Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A.) e o restante repassado pelo Governo
do Estado a título de contrapartida. O Parque foi inaugurado no dia 23 de dezembro de 2009,
contando desde o seu início com diversos equipamentos de uso comum como, por exemplo,
equipamentos para ginástica, quadra de esporte destinada às práticas de futebol e basquete,
pistas para ciclistas e pedestres, espaço para crianças e bancos, tudo isso em uma área bastante
arborizada.
Dessa forma, o Parque tornou-se, já no momento de sua inauguração, referência de lazer
para Rio do Sul. O lugar passa, ainda, por constantes manutenções e melhorias, como o que
aconteceu com a instalação do sinal público de internet, que veio atender grande parte dos
visitantes. Foi cercado por área verde onde foram plantadas 1,2 mil mudas de árvores,
acompanhadas por ajardinamento com gramado e outras plantas rasteiras. Localizado no
93
centro da cidade de Rio do Sul, o Parque, segundo jornais da época que antecederam a
inauguração, foi muito esperado pela população local e regional, como destaca a matéria a
seguir:
O parque também conta com sistema de drenagem, para que não criem poças
em dias de chuva, foram instaladas mais de 2 mil metros de tubulação com
diâmetro variável, entre 40 e 80 centímetros. Para facilitar o acesso dos
visitantes ao parque, as ruas Vila Ipiranga e Guarani receberam melhorias
com asfalto. Pensando em viabilizar a visitação das pessoas, foi estruturado
um estacionamento na área interna do local com vaga para 117 veículos e 24
ônibus (JORNAL FOLHA DO ALTO VALE, 2009, p. 08).
Ilustração 11 - Parque Harry Hobus
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Vale destacar que o Parque Harry Hobus, desde sua inauguração, tornou-se local de
importantes shows regionais e de apresentações locais. Festividades natalinas, de páscoa e em
alusão ao aniversário do município passaram também a fazer parte da rotina desse lugar, pois
a sua área oportuniza a montagem de palcos e diferentes cenários no local.
94
Ilustração 12- Parque Harry Hobus
Fonte: Arquivo pessoal, 2016.
Tanto a ilustração acima quanto as próximas destacam a importância que o Parque
Harry Hobus conquistou, seja na oferta de ampla área recreativa, seja pelo local direcionado
ao estacionamento de veículos para os visitantes – que é ainda utilizado em eventos festivos.
O Parque consolidou-se como um lugar de referência para a região do Alto Vale do Itajaí.
Durante toda a semana, com destaque para sábados e domingos, o Parque tornou-se
destino de inúmeras pessoas, sediando diferentes eventos em datas tradicionais ou não na
região, com diversas comemorações e eventos. Evidenciamos que é comum seu uso em
atividades múltiplas, esporádicas e casuais, não diferente do acontecido em 27 de setembro de
2015, registrado na Ilustração a seguir:
95
Ilustração 13 - Parque Harry Hobus
Fonte: Esporte Alto Vale, 2015.
Foi com as características próprias e visibilidade que o Parque Harry Hobus conquistou
seu público. Nos últimos tempos, tornou-se ainda local de significativos movimentos
populares, como lugar de expressão em massa. Momento que elucida esse fato pôde ser
afirmado quando o Parque foi palco do movimento regional, “Vem pra rua Alto Vale” e o
“Pró Rio do Sul”, inspirados nas manifestações iniciadas em junho de 2013, nas principais
cidades brasileiras. Outros movimentos que, seguindo as manifestações nacionais, buscaram
barrar o aumento das passagens de transporte público e a corrupção na política brasileira
rebateram diretamente em Rio do Sul.
A próxima Ilustração busca ainda reforçar o caráter de unicidade conquistado pelo
Parque nesses últimos anos, representando um lugar de visibilidade social, mesmo que esta
seja a expressão de uma parcela política e econômica da região.
96
Ilustração 14 - Parque Harry Hobus
Fonte: Stocker, 2016.
Dessa maneira, o Parque Harry Hobus tem proporcionado, desde o momento de sua
inauguração, um lugar de destaque para os mais diferentes cidadãos e, com isso, para a mídia
local, haja vista o enfoque que vários jornais dão para esse lugar. Partindo do contexto que
antecipou a inauguração do Parque, vários foram os impressos que apresentavam o anseio e a
expectativa popular, em muito pelas formas e significados que o mesmo estaria representando
no espaço urbano. Para compreender a suntuosidade dessa área pública – nisso salientando
que o lugar Parque representa algo inédito, inovador e contemporâneo para o município –
apresentamos a Ilustração a seguir.
97
Ilustração 15 - Parque Harry Hobus
Fonte: Arquivo pessoal, 2016.
Exemplo do espaço midiático que tal obra ocupou surge quando observamos que o
Parque Harry Hobus, juntamente com a ponte elevada José Thomé, é apresentado no jornal O
Riossulense. Na edição do jornal semanário de 26 de outubro a 01 de novembro de 2007 a
manchete central do Jornal era a seguinte: “Elevado é meta para 2008”. Tal situação não
difere do jornal Folha do Alto Vale, na edição de 24 de dezembro de 2009, momento que,
apesar dos atrasos na conclusão das obras, é ressaltada a importância pública da inauguração
de ambas as obras:
O prefeito Milton Hobus colocou que a população riossulense necessitava de
um amplo local de lazer para a prática de esporte, com área verde. Ele
observou que ao idealizar o parque foi pensado no problema enfrentado
pelos alunos da UNIDAVI, que têm problemas de estacionamento. “Agora
basta atravessar o elevado que estão na universidade”. Hobus destacou que
ao idealizar o espaço se pensou na qualidade de vida do cidadão riossulense,
e como está bem localizada pode ser aproveitado por todos (JORNAL
FOLHA DO ALTO VALE, 2009, p. 08).
O mesmo jornal de circulação regional ainda destacou que as obras do Elevado e do
Parque Harry Hobus eram esperadas com grande ansiedade pela população de Rio do Sul e
98
região. O lugar, esperava-se, modernizaria a cidade e traria uma área ímpar no sentido do
lazer público, enquanto a ponte deveria dinamizar o trânsito local.
O Elevado, como a ponte José Thomé ficou conhecida, representou uma importante
obra pública. A partir de sua inauguração o trânsito de Rio do Sul foi beneficiado, ligando de
forma mais objetiva e direta o centro da cidade com a rodovia nacional (BR-470), principal
saída da cidade. É ainda importante enfatizarmos que ela foi construída sobre o Rio Itajaí-Açu
– que toma forma e volume no município, após receber as águas do Rio Itajaí do Sul e do
Oeste – e representa uma das únicas conexões possíveis com a BR-470 em períodos de
alagamentos e enchentes.
Ilustração 16 - Visão panorâmica do Elevado José Thomé, sobre o Parque Harry Hobus
Fonte: Koch, 2009.
O mesmo jornal, O Riossulense, em 16 de janeiro de 2009 apresentou nova edição. Uma
das principais notícias destacava para aquele ano a previsão para a inauguração das obras. Em
uma extensa matéria sobre essas, salientava novamente a importância que, nos bastidores
políticos, sociais e, também, midiáticos, a Praça e o Elevado conquistavam.
Motivo de conversa e curiosidade dos moradores do Alto Vale do Itajaí o
elevado, que liga o bairro Canoas a rua Guilherme Cemballa, no bairro
Jardim América, deve estar pronto até o mês de junho. A previsão é do
proprietário da construtora Engedal, José Ricardo Dal Molin, que se reuniu
com o prefeito Milton Hobus na segunda feira, 12. É comum ver a cena de
pessoas de diversas idades observando a obra e prevendo a forma que ela vai
99
tomar com o passar do tempo. [...] O projeto do elevado prevê quatro pistas,
ciclovia e área para pedestres. A construção faz parte da reformulação do
sistema viário da cidade de Rio do Sul. [...] Além da construção do elevado,
uma área utilizada na Vila Ipiranga será adequada para a criação de um
Parque Municipal, com área verde, pista de caminhada, ciclismo e que
servirá como um ponto de lazer em Rio do Sul (JORNAL O
RIOSSULENSE, 2009, p. 02).
Situação semelhante é verificada no jornal Folha do Alto Vale, que também relatou a
visibilidade que o projeto e as obras do Elevado e do Parque Harry Hobus conquistavam.
Dessa maneira, diferentes matérias acompanhava o processo de construção, bem como
relatavam a opinião de entrevistados sobre esse lugar público.
O Folha, na edição de 24 de dezembro de 2009, apresentou entrevistas com diferentes
moradores de Rio do Sul que relataram que além de aguardarem ansiosos pela inauguração do
Parque, já aprovavam as obras desse e do Elevado. Tais construções e lugares, segundo o
jornal e seus entrevistados, deveriam diminuir o congestionamento do trânsito e trazer um
novíssimo e moderno lugar de lazer, intitulado popularmente como Parque Público. A mesma
reportagem ainda relata que o povo da região estava por ganhar a maior obra de sua história.
Esse Parque era o que faltava para a cidade. A Oscar Barcelos serviu bem
para as caminhadas, mas sempre tinha o problema dos ciclistas, dos carros.
Aqui não, o lugar é harmonioso, tem natureza e a estrutura física é ótima
(JORNAL FOLHA DO ALTO VALE, 2009, p. 08/Entrevista com
Ermelinda Lembeck Schneider).
A fala da moradora, apresentada acima, é reforçada pelo sentimento que perpassada
outros cidadãos e frequentadores do Parque:
Hoje é a primeira vez que venho olhar o parque. Ficou ótimo. Agora
pretendo vir sempre para trazer caminhadas. Seria bom se tivesse algo
parecido em outros bairros. Só espero que o povo respeito o lugar (JORNAL
FOLHA DO ALTO VALE, 2009, p. 08 / Entrevista com Herculano Jasper).
O Parque Harry Hobus, que adquiriu oficialmente esse nome a partir de sua
inauguração, foi noticiado como “um fator verde entre o concreto” e um sinônimo de
qualidade de vida, conceito esse que os próprios jornais destacavam no período da
inauguração. Vale lembrar que “fator verde entre o concreto” foi um conceito apresentado
pelo próprio prefeito em exercício na época, Milton Hobus, conforme anuncia o jornal Folha
do Alto Vale:
Milton garante que a maior contrapartida de todas as obras de infraestrutura,
é a adaptação do primeiro parque municipal de Rio do Sul. Para isso, 31 mil
metros de área verde, localizado na região da Vila Ipiranga, no Bairro
100
Canoas, estão sendo melhoradas e preservadas, para que seja um verdadeiro
local de “lazer e descanso para a comunidade”. Cerca de 1,2 mil árvores
devem ser plantadas na região até o final do mês de julho, assim como a
colocação de nova grama, asfaltamento de pista de caminhada e ciclismo e
estacionamento. [...] “Será um orgulho para o riossulense. Nossa população
assim como o cidadão do Alto Vale que terá a opção de entrar em Rio do Sul
pelo elevado, verá o novo parque de perto. A dica é vir com tempo,
estacionar o carro e curtir o verde e a tranquilidade. Queremos tornar esse
local um novo ponto turístico da cidade”, explica o prefeito. Os pilares de
sustentação do elevado, que passa sob o terreno selecionado para o parque,
vão conter desenhos e gravuras que vão contar a história da colonização
alemã e italiana (JORNAL FOLHA DO ALTO VALE, 2009, p. 09).
Nesses fragmentos podemos perceber a visibilidade que a obra adquiria, pois, noticiada
em diferentes jornais, o Parque era apresentado como sinônimo do desenvolvimento que a
população da cidade e do Alto Vale do Itajaí estava recebendo. O lugar do Parque, aliado às
facilidades que o Elevado possibilitaria, constituíram-se em importante material de
propaganda apresentada pelo governo municipal na mídia local e regional. Assim, também
nessa situação acreditamos haver a intenção de reforçar a disputa e apropriação pela memória
coletiva do lugar.
Outro fato relevante foi à presença do próprio governador do Estado de Santa Catarina,
Luiz Henrique da Silveira, no dia da inauguração. O comparecimento do chefe do executivo
estadual reforçou a visibilidade e a importância estratégica que essa obra adquirira. O prefeito
Milton Hobus, ao lado do então governador do Estado, inaugurou oficialmente o popular
Elevado e o Parque Harry Hobus apresentando-os como mais do que instrumentos para o
melhoramento e embelezamento da cidade, mas como um importante marco político.
A presença do prefeito municipal na inauguração das obras públicas não é algo atípico,
porém a parceria e a presença do Governador no ato de inauguração podem e devem ser
entendidas como algo marcante e relevante para a história regional. Historicamente, a
presença de tais personalidades em Rio do Sul restringe-se a períodos de campanhas eleitorais
ou quando da ocorrência de tragédias ou catástrofes naturais, como a enchente ocorrida no
ano de 1983.
Assim, compreendemos que a inauguração do Parque Harry Hobus e do Elevado José
Thomé representam claramente uma busca, disputa ou apropriação da memória rebatida nos
lugares públicos urbanos, haja vista as personalidades de destaque no ato inaugural e os
nomes a eles dados. A dinâmica de formar e nomear lugares públicos – sejam ruas, praças ou
parques – apresenta uma interessante possibilidade de criar ou de construir, e assim estimular
certa memória. E essa memória que se pretende projetar e legar para a posteridade é sempre a
de um grupo, como vimos no decorrer desta pesquisa.
101
Analisando o nome da Ponte José Thomé, nome oficial do Elevado, podemos constatar
os caminhos de manipulação que representam a formação da memória coletiva. O cidadão que
inspirou o nome foi apresentado com destaque no jornal Folha do Alto Vale, em 12 e 14 de
dezembro de 2009. Esse apresentou o seu histórico empreendedor – qualidade associada à
realização da obra. Percebemos, através desse simples gesto, homenagem e atitude, objetivos
claros presentes nos mais diferentes lugares públicos, ou seja, há determinadas memórias que
não devem ou não podem ser esquecidas. Tal obra e seu nome talvez não tomassem destaque
no meio regional se – por “coincidência” ou não – o atual prefeito de Rio do Sul não tivesse o
mesmo sobrenome.
Nascido em 23 de dezembro de 1932 no município de Rebouças (PR), José
Thomé, veio para Santa Catarina, ainda criança para Caçador. Desde a
juventude trabalhou nas empresas da família, no ramo madeireiro. Foi por
mais de 30 anos caminhoneiro, iniciando a profissão com 18 anos,
transportando madeira em todo o Sul do Brasil. Foi quando conheceu a
cidade de Rio do Sul. Acreditando que a capital do Alto Vale do Itajaí tinha
potencial para abrir seu negócio, em 1960 inovou com a revenda autorizada
da marca americana Willys Overland, no ramo de Jeep’s, Pick Up’s e
utilitários. Seu primeiro ponto de comércio foi a rua Coelho Neto, próximo
ao Banco do Brasil. Em 1965 a empresa mudou-se para a rua Rui Barbosa
em sua sede própria, com estrutura adequada para abrigar o comércio, que já
era referência na região. Neste período a marca Willy’s Overland havia sido
vendida para a marca Ford, seu novo ramo de revenda de veículos. A sua
trajetória política iniciou em 1972 quando fez parte da chapa encabeçada por
Danilo Lourival Schmidt, que venceu as eleições. Thomé foi um dos
fundadores do Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Em 1974
colocou seu nome a disposição para concorrer a uma vaga na Câmara dos
Deputados. Eleição difícil para um vice-prefeito de uma cidade do interior
de Santa Catarina, mas conseguiu se eleger somando mais de 29 mil votos.
Concorreu a reeleição da vaga em 1975, onde ficou primeiro suplente do
MDB, assumindo 10 meses depois, com a abstenção do então deputado
Pedro Ivo Campos. Pautado pela ética, seriedade e compromisso com o povo
do Alto Vale, de Santa Catarina e do Brasil, defendeu de maneira destacada
a sua comunidade na Câmara dos Deputados, apresentando importantes
projetos, viando a melhor qualidade de vida da população. Foi o autor do
projeto de lei que unificou os níveis salariais no Brasil, na época era
subdividido em três níveis, ficando o Alto Vale do Itajaí com o menor.
Também foi de sua autoria o projeto de lei que passou a obrigatoriedade do
pagamento do atestado de saúde admissional para fins de emprego para o
empregador, onde antes era obrigação do empregado (JORNAL FOLHA DO
ALTO VALE, 2009, p. 08).
Apresentado tal histórico, onde José Thomé é mostrado como cidadão de destaque no
meio sociopolítico da região do Alto Vale de Itajaí, não seria estranho encontrar o passado
falando ao presente, através da projeção de seu nome, de sua memória, sobre o conjunto da
população. Nesse sentido, defendemos que quando da eleição de um monumento (no caso
aqui trata-se de um nome para o Elevado), ocorre uma disputa, trava-se um embate para
102
decidir qual ou quais as pessoas ou quais as narrativas que merecem ser lembradas,
preservadas e divulgadas. Quem decide as lembranças que devem ser perenizadas são os que,
em um determinado momento, estão vinculados ao poder.
De maneira objetiva, destacamos o fato de que o atual prefeito de Rio do Sul, José
Eduardo Rothbarth Thomé – vitorioso nas eleições municipais de 2016, representando o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), com 47.67% dos votos ou 17.183 votos – é
filho de José Thomé, valendo-se não apenas do legado político de seu pai, mas,
principalmente, da memória política existente no município e na região.
Porém, voltando às matérias dos jornais, especialmente às que nos ajudam a entender os
acontecimentos daquele contexto em relação ao Parque, destacamos novamente o jornal Folha
do Alto Vale, agora nas edições de 22 e 23 de dezembro de 2009. Nesse momento, o impresso
fala do Parque Harry Hobus como sendo uma das principais atrações de Rio do Sul. Em uma
outra edição desse semanário, o jornal apresenta o Parque como um verdadeiro “presente de
natal antecipado para toda a população”, novamente dimensionando o destaque que adquiria e
a própria mídia fomentava. Contudo, acreditamos que o Parque Harry Hobus não obteria
tamanho destaque popular e midiático se o idealizador desse lugar não fosse Milton Hobus.
Para compreender melhor essa situação, apresentamos um breve histórico da trajetória do
cidadão homenageado que, de um pacato operário e cidadão, teve seu nome perenizado na
designação desse lugar público.
Nas atas da Câmara Municipal de Vereadores de Rio do Sul encontramos o processo
que justifica o nome do Parque. Ali, através de um resumido curriculum vitae, surge o nome
de Harry Hobus, filho de Leopoldo Hobus e Alvina Hobus, nascido em 02 de novembro de
1932, em Rio do Sul. Iniciou suas atividades profissionais como agricultor no mesmo
município, sendo contratado em 01 de abril de 1950 pela Empresa Irmãos Hubsch, como
aprendiz de torneiro mecânico. Em 21 de setembro de 1952 passou a exercer a função de
Torneiro até 31 de dezembro de 1962, momento em que obteve outras experiências
trabalhistas ligadas a diferentes empresas no território de Santa Catarina. De 08 de janeiro de
1963 até 11 de janeiro de 1964 trabalhou na Fundição Guarani Ltda. em Curitibanos,
passando depois – de 15 de janeiro de 1964 até 09 de abril do mesmo ano, data de seu
falecimento, aos 31 anos de idade – a trabalhar na Eletro Oficina RioSul Ltda. Ainda sobre
seu histórico, Harry Hobus casou-se com Irene Nau em 01 de outubro de 1955, e dessa união
nasceram três filhos: Margot, Milton e Edson.
103
Harry Hobus é assim apresentado no projeto de Lei e na ata da Câmara Municipal de
Rio do Sul. O mesmo cidadão adquiriu destaque por sua labuta de mais de 10 anos na
empresa Hubsch, nome que empregou posteriormente em um time de futebol local.
Conseguindo com o poio da comunidade local, construir um campo de
futebol nas terras do Sr. Miher, onde se encontra hoje o loteamento Santa
Monica. Constitui-se um time de futebol formado por colegas de trabalho,
com o nome de Grêmio Esportivo Hubsch, o qual ficou em atividades por
aproximadamente 20 anos, participando dos principais campeonatos
regionais (PROCESSO DE LEI, 4.874, 05 junho de 2009 / RIO DO SUL).
Destacamos ainda que dentre os documentos anexados ao processo de nomeação do
Parque consta uma cópia da certidão de óbito de Harry Hobus. Assim, em tese, foi lembrado e
homenageado na Câmara pelo seu intenso envolvimento com o esporte local.
Partindo desse breve histórico, chegamos ao nome de Milton Hobus, um dos três filhos
do cidadão homenageado. Milton, que nas eleições de 2014 foi eleito deputado estadual, tem
em sua trajetória política e social longo currículo. Na área social, destacou-se por presidir a
Comissão Pró-Construção do Hospital Regional do Alto Vale do Itajaí, presidindo mais tarde
a própria instituição de saúde regional. Ainda no social, foi membro do conselho curador
da Unidavi, assim como conselheiro da Associação Comercial e Industrial de Rio do Sul
(Acirs). Eleito em 2001 como o “Empresário Social do Ano” no Estado de Santa Catarina,
Milton Hobus, tornou-se um nome de destaque no meio social, econômico e político da região
do Alto Vale do Itajaí, estando atualmente à frente das empresas Motociclo HB e Royal Ciclo
Ltda.
Circundado por certa visibilidade, Milton Hobus disputou as eleições para o poder
executivo em Rio do Sul nas eleições de 2004 pelo Partido Progressista (PP), enfrentado
Jailson de Lima da Silva, representante do PT. Nessa ocasião o candidato do PT, buscando a
reeleição, somou 17.188 votos, representando 49,8% dos sufrágios. Hobus venceu o pleito por
pequena margem de votos, conquistando 17.327, representando 50,2% do total de votos
válidos. Estava iniciada a carreira política de Milton Hobus. Nas eleições de 2008, agora
representando o Partido Democrata (DEM), alcança a reeleição com 29.439 votos – o que
representou 80,48% – ao enfrentar o candidato Jorge Goetten de Lima, do Partido
Republicano (PR).
Foi através do intenso envolvimento político e social na primeira década do século XXI
que Milton Hobus se impôs como um nome ímpar no cenário político. Entre algumas trocas
de legenda de partido e disputando consecutivas eleições, seu nome foi associado à sucesso,
destaque e vitória. Em janeiro de 2013, assumiu a Secretaria de Estado da Defesa Civil a
104
convite do Governador Raimundo Colombo, situação que projetou seu nome no âmbito
estadual e, consequentemente, o levou a concorrer à eleição para Deputado Estadual em 2014.
Mais uma vez vitorioso, agora pelo PSD, elegeu-se somando 66.271 votos, sendo o quarto
deputado estadual mais votado de Santa Catarina.
Milton Hobus conquistou densidade eleitoral a partir das inúmeras obras públicas
apresentadas em seu governo, inclusive as de contenção e prevenção de enchentes, como
também o suntuoso Parque Harry Hobus. Mais precisamente, esse foi inaugurado no seu
último mandato como prefeito municipal, sob a legenda do DEM, reforçando seu legado
político e firmando certa representatividade regional.
Acreditamos que a construção e a disponibilização para a população Rio do Sul e região
de várias obras públicas colaborou para que o eleitor identificasse Hobus como um bom
gestor, um “tocador” de obras e um político identificado com o desenvolvimento da região.
No que diz respeito a esse estudo, a inauguração do Parque também proporcionou um espaço
de diversão, lazer e embelezamento no meio urbano da cidade. Ressaltamos que se constituiu,
assim, em uma tentativa de formar e projetar uma imagem, de criar uma certa memória
coletiva do lugar. Isso se deu de duas formas. Primero, ao evidenciar a memória da própria
família Hobus, na figura do pai de Milton. Segundo, ao vincular na memória de parcela
significativa da população o nome de Milton Hobus com a ideia de modernidade, de
progresso.
A partir da nomeação e inauguração de lugares públicos, observamos que a memória
coletiva está sendo ambicionada em uma clara disputa de interesses, objetivando a formação
dos conhecidos lugares de memória, representados por símbolos – nomes, bustos, placas e
monumentos. Apenas como exemplo, lembramos o estudo de Costa (2003) que, debatendo a
sociedade e memória no cotidiano de Joinville, município catarinense com semelhanças
históricas e étnicas a de Rio do Sul, destaca:
Joinville recebeu catarinenses de vários lugares, paranaenses, gaúchos,
paulistas, mineiros etc., de braços abertos. No entanto passados já algumas
décadas do nosso “boom” econômico, continuamos enaltecendo os
imigrantes do séc. XIX e mal lembrando dos muitos que têm contribuído
para fazer de Joinville a “Manchester Catarinense” (COSTA, 2003, p. 68).
Ao se enaltecer ou destacar certa cultura, etnia ou grupo político, muitas vezes ficam
mascaradas e veladas em nomes, placas, bustos e monumentos de lugares públicos outros
atores sociais que igualmente deram sua contribuição para o desenvolvimento do território.
Referimo-nos à ausência quase total de nomes femininos, de indígenas, de negros ou de
105
caboclos em logradouros públicos de Rio do Sul, como se estes não fossem cidadãos
presentes, ou dignos de serem lembrados. Um fato que elucida essa complexa questão pode
ser percebido nos mosaicos laterais presentes no Elevado José Thomé onde, apesar da busca
pela representação de diferentes expressões culturais, étnicas e sociais, destaca-se a memória
alemã e italiana e seu legado cultural.
Ilustração 17 - Elevado José Thomé com destaque para mosaicos na parte lateral, acima do Parque Harry
Hobus
Fonte: Arquivo pessoal (2016).
Buscando firmar ou negar os pressupostos de que a disputa pela memória se faz valer
em diferentes lugares públicos, criamos algumas perguntas centrais para compreender visões,
ambições ou simples percepções sobre determinados lugares públicos e urbanos em Rio do
Sul. Sobre o Parque, procuramos, primeiramente, através de e-mails e telefonemas, marcar
uma entrevista com o atual deputado estadual Milton Hobus, o que não foi possível. Apesar
da demora para responder e-mails, mediados pela sua própria filha, Karina Hobus, essa nos
remeteu ao secretário adjunto de seu antigo governo municipal, André Marcon, afirmando que
seria a pessoa mais apropriada para responder perguntas referentes à construção do Parque
106
Harry Hobus. Fomos ainda informados por Karina que esse teria participado direta e
ativamente da implantação e construção das diferentes etapas desse lugar.
Não temos dúvidas de que a entrevista com Milton Hobus teria sido de fundamental
importância para a pesquisa, pois, tendo sido prefeito na época da inauguração do Parque
Harry Hobus, poderia nos esclarecer detalhes, percepções e desafios que esse processo
configurou. Já com André Marcon conseguimos marcar uma entrevista para o mês de
dezembro de 2016, quando nos atendeu prontamente e relatou de imediato que a ideia de
construir um Parque surgiu a partir de algumas percepções do então prefeito.
Sendo André Marcon, na época, secretário adjunto de planejamento urbano de Rio do
Sul, participou de inúmeras fases da construção, estando envolvido diretamente com todo o
processo. Ou seja, esteve envolvido desde o momento da terraplanagem, da pavimentação
asfáltica, do plantio das árvores e do desafiante plantio da grama – dado ao fato de a
inauguração ter acontecido nos meses do verão. Curiosidades a parte, destacadas pelo
entrevistado, ele explica que nos meses que antecederam a inauguração do Parque houve
verdadeiros debates e criaram-se estratégias para controlar o número de capivaras presentes
no local. A solução mais viável, na época, pareceu cercar o lugar para que os animais se
adaptassem com a presença da população.
Contudo, a primeira iniciativa para a construção de um Parque se deu a partir da ideia
de reaproveitar e utilizar uma área de propriedade do município que havia ficado abandonada
às margens do Rio Itajaí-Açu. Quando nos referimos a uma área sem utilidade, falamos de
um espalho de suscetíveis alagamentos, que agora se tornava canteiro de obras da ponte
elevada José Thomé, facilitando as comunicações de Rio do Sul com a BR-470.
[...] Milton, que já tinha visto em vários lugares do mundo, e em Rio do Sul,
uma cidade extremamente carente em Praças e Parques e espaços públicos,
[...] a ideia não era de uma Praça, mas sim de um Parque, uma área mais
arborizada [...] houve a inauguração do Elevado, aí fomos para baixo, se
dedicar ao Parque, antigo canteiro de obras da ponte Elevada (MARCON,
2016).
Com cunho visionário ou, como referido por Marcon (2016), sendo um prefeito “divisor
de águas” no que se trata de lugares públicos, Milton Hobus foi um político que, a partir de
determinados projetos e obras, demostrou sua preocupação e atenção às áreas de uso comum.
Entretanto, pensava para além da criação de Praças, focando em um Parque, um lugar mais
“completo” e diferenciado.
107
Curioso em compreender o porquê do nome do Parque, não encontramos em Marcon
(2016) respostas diferenciadas daquelas verificadas nos documentos e Projetos de Lei
apresentados na Câmara de Vereadores de Rio do Sul.
A Câmara de Vereadores quis homenagear o pai dele [de Milton Hobus].
Ele, até, na época, ficou um pouco constrangido, achou um pouco de culto à
personalidade dele [...] gozando de uma alta popularidade e fazendo um
trabalho excepcional, os vereadores, apesar de serem uma bancada dividida,
[...] quiseram homenagear ele (MARCON, 2016).
Harry Hobus, cidadão falecido, pai do prefeito Milton Hobus, foi lembrado pelos
vereadores da época como um ilustre cidadão de Rio do Sul e, portanto, um homenageado
digno. Ressaltamos ainda que na proibição de nomear bem público com o próprio nome, os
políticos, muitas vezes, creditam nomes de seus familiares nos mais diferentes espaços
públicos, em uma possível estratégia de se tornarem “imortais”, fazendo um culto indireto a
sua própria personalidade.
É possível que tenhamos encontrado no Parque, entre outros lugares públicos, as
artimanhas políticas e constitucionais da legislação brasileira, posto que a Lei nº 12.781, de 10
de janeiro de 2013 (BRASIL, 2013), em seu artigo primeiro, proíbe em todo o território
nacional a atribuição de nome de pessoa viva ou que tenha se notabilizado pela defesa ou
exploração de mão de obra escrava, em qualquer modalidade, a bem público, de qualquer
natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da administração indireta.
Essa legislação faz pensar na realidade do Parque Harry Hobus – não pretendendo
descaracterizar o legado administrativo e político do antigo prefeito, muito menos colocar em
xeque a vida do cidadão Harry Hobus – posto que percebemos com clareza a importância da
nomeação de determinados espaços públicos para diferentes autoridades. Contudo, os lugares
públicos em Rio do Sul ainda são escassos, seja na quantidade ou na qualidade em que são
ofertados à população local. Segundo as palavras de Marcon (2016), a ideia, após a
inauguração do Parque, era replicar esse modelo de empreendimento. Apesar do cunho
visionário atribuído ao antigo prefeito Milton Hobus, Marcon (2016) admite a necessidade de
ampliação e preservação dos lugares já existentes.
A afirmação a seguir adquire relevância quando pensamos na conservação de alguns
lugares em detrimento de outros. Cuidar dos lugares públicos é, segundo André Marcon
(2016), um dever, além de uma necessidade cidadã. Isso para que as áreas de uso comum não
sejam totalmente privatizadas ou transformadas em centros comerciais, lógica percebida em
Rio do Sul.
108
Os lugares públicos são pouco valorizados [...] a necessidade de se construir
praças é cada vez maior [...]. Temos poucos espaços públicos em Rio do Sul
e cuidamos muito mal destes espaços, os quais cuidados de forma errada,
confundem o que é público e privado (MARCON, 2016).
A oportunidade de entrevistar André Marcon, secretário adjunto do planejamento
urbano de Rio do Sul na época da construção do Parque Harry Hobus (2009), veio instigar o
pensamento sobre esse tipo de obra na cidade. Pensada a necessidade de obras semelhantes
para a qualidade de vida, destacando o interesse político a que esses lugares remontam na
sociedade contemporânea, compreendemos que o Parque representou uma importante obra
para o município e a região.
4.3 A Praça do Trabalhador, o Parque Harry Hobus e a disputa pela memória coletiva
dos lugares
A Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus representam dois importantes lugares
de memória que, apesar de representarem espaços democráticos e de lazer, foram
materializados a partir de diferentes projetos ideológicos. A partir das placas inaugurais
existentes na Praça do Trabalhador, no monumento representando uma bicicleta e na ciclovia,
constatamos que tudo indicava haver ali uma disputa sub-reptícia envolvendo o lugar.
Defendemos que nesses lugares públicos buscava-se, muito mais que um personagem,
destacar um partido, uma ideologia política, um tipo de administração e uma forma de
governar dito popular. Entendemos que a Praça do Trabalhador, além de ser pensada e
planejada para os cidadãos de Rio do Sul, buscava, igualmente, formar e enaltecer uma
memória coletiva na população regional. Essa memória que se pretendia perenizar tinha como
mote os trabalhadores. Nesse sentido, a Praça e a ciclovia procuravam dar vez a um ente
coletivo. Por tabela, ficaria na memória coletiva a Administração Popular, capitaneada pelo
PT e pelo prefeito Jailson de Lima. Como já assinalado anteriormente, quem decide as
lembranças que devem ser perenizadas são os que, em um determinado momento, estão
vinculados ao poder. Recém alçado ao poder, o PT diferia da elite política que governara o
município até então. Não teria sentido homenagear alguém comprometido ideologicamente
com essa elite política. Assim, poderia homenagear um personagem popular ou um grupo.
Resolveu identificar o lugar com o grupo com o qual se identifica e que lhe empresta o nome.
Dessa maneira, pode-se compreender a Praça do Trabalhador a partir de várias nuances,
onde a questão política e ideológica está presente e fica, inclusive, evidente. Isso não difere
109
muito das Praças analisadas por Pacheco (2007), no oeste paranaense, as quais, também
representando diferentes intencionalidades, firmam o que acreditamos serem lugares de
memória. Partindo de uma análise de disputa pela memória coletiva dos lugares,
compreendemos claramente que a Praça do Trabalhador deseja evocar o trabalhador, e por
tabela, o Partido dos Trabalhadores. Imortalizou nas placas inaugurais o nome do seu líder
maior, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Concluímos, assim, que a Praça do Trabalhador é um clássico lugar de memória. Já no
que se refere à lei municipal que debateu a criação desse espaço, em 2004, apresentou-se
como principal justificativa para sua criação e nomeação a necessidade de “homenagear todos
os trabalhadores de Rio do Sul”. Antes de ser uma Praça pública, lugar de convivência e
sociabilidade, foi pensada com a intenção de materializar, de promover, de valorizar e de
perenizar um projeto político, uma administração política e seu partido.
Essas conclusões, baseadas nas possíveis intenções implícitas na construção da Praça do
Trabalhador, não são em todo diferentes das encontradas em outro importante espaço público
de Rio do Sul. Falamos do Parque Harry Hobus, único Parque público do município. Esse
representa, a partir de nossos estudos, outro lugar onde a tentativa de perenizar uma
determinada memória foi colocada.
Percebemos que desde sua criação, o Parque Harry Hobus focou atenção nos quesitos
lazer e conforto urbano. Isso ficou evidente a partir do amplo espaço recreativo de que foi
dotado. Porém, não diferente da Praça do Trabalhador – ou ainda de outros lugares públicos
contemporâneos do Brasil – o Parque Harry Hobus também é um lugar eivado de
simbologias. Trata-se de um lugar de memória que é constantemente afirmado e reafirmado
pelas administrações que governam o município a partir do ano de 2005. Enquanto isso, a
Praça do Trabalhador caiu no esquecimento. E o descaso das administrações atuais por esse
lugar público não é uma mera coincidência.
O espaço que homenageia o cidadão rio-sulense Harry Hobus é um lugar de memória
que homenageia o pai de um dos deputados mais votados em Santa Catarina, Milton Hobus.
Essa situação é um pouco diferente da Praça do Trabalhador. Enquanto esta buscava
fortalecer e homenagear a memória de um grupo político, aquele materializou-se na tentativa
de valorizar a memória de uma família e de um político em específico.
A partir dessa reflexão, afirmamos outra diferença entre esses dois lugares, vinculada à
questão da preservação, manutenção, continuidades e descontinuidades de cada lugar público.
Edificados em momentos distintos da política municipal, afirmam, através de certas
memórias, investimentos e valorizações diferentes.
110
Assim, além da memória coletiva do município de Rio do Sul estar apresentada em
nome de ruas, avenidas e em outros lugares públicos, acreditamos que é na Praça do
Trabalhador e no Parque Harry Hobus que a disputa pela memória coletiva fica evidenciada.
Destacamos ainda que no campo da memória em Rio do Sul percebemos constantemente a
opção de homenagear e “resgatar” a história de forma que ela esteja ao benefício dos
indivíduos que ocupam o poder político.
111
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo das análises e reflexões propostas e apresentadas nessa pesquisa, traçamos
algumas considerações acerca dos espaços públicos conhecidos como Praças e Parques no
Brasil. Primeiramente, apesar das singularidades conceituais e históricas, percebemos que as
funcionalidades de ambos os lugares são semelhantes, estando voltados tanto para o
embelezamento quanto para a oferta de melhorarias à qualidade de vida – as máximas
presentes na própria concepção de lugares públicos.
No último século, esses lugares passaram a representar importantes símbolos de
desenvolvimento principalmente no que tange as áreas urbanas, pois, possibilitando um lugar
de sociabilidade, desempenharam papel ímpar nos mais diferentes municípios. Essa situação,
não diferente da encontrada no município de Rio do Sul, pode ser atestada a partir da Praça do
Trabalhador e do Parque Harry Hobus. Esses lugares públicos, no decorrer da história, vieram
remodelar o espaço urbano, formando os lugares de memória. Esse município, que conquistou
significativo desenvolvimento regional ao longo do século passado, materializou determinada
memória, em muitos momentos redimensionada ou, de fato, transformada, buscando atender
interesses específicos de determinados grupos políticos.
Acreditamos – e percebemos ao longo desta dissertação – que, para um completo e
verdadeiro desenvolvimento urbano, as Praças e os Parques públicos representam importantes
lugares, destacando-se nas manifestações públicas, nas atividades de lazer e de convivência.
São até mesmo lugares onde a memória é formada e disputada.
Através de extensa bibliografia analisada e no caminho investigativo da análise
proposta, que teve a memória coletiva e os lugares de memória como arcabouço, pudemos
verificar alguns sentidos atribuídos à Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus no espaço
urbano de Rio do Sul. Foi através da pesquisa empírica, com o levantamento e as análises de
fontes documentais e entrevistas, juntamente com as reflexões teóricas, que nos foi possível
perceber melhor os lugares públicos. Perceber que as Praças e Parques guardam e possibilitam
outras interpretações e funções, destacando-se, em nossa ótica, a de guarda de uma memória,
foi uma interessante possibilidade intentada nessa dissertação.
Identificamos no propósito dos dois lugares públicos a clara intenção de demarcar
lugares de memória, além de criar um lugar de lazer e de entretenimento para a população da
cidade de Rio do Sul. Assim, vale destacar a importância que os monumentos assumem, pois
reforçam as intencionalidades e práticas que buscam criar determinada uniformidade da
memória coletiva. Representados por bustos, estátuas e placas, além da sua própria
112
designação, buscam, de fato, apresentar uma imagem positiva, fomentar uma memória e uma
identidade específicas, beneficiando os grupos que detêm o poder político em um determinado
momento para a materialização dessas obras. Fica evidente na análise das placas e dos
monumentos existentes nos dois logradouros públicos que há sentidos e simbologias
impregnados neles.
A Praça do Trabalhador e o Parque Harry Hobus carregam simbologias e memórias.
Como destacado por Halbwachs (2004), as memórias são construídas por grupos sociais. São
os indivíduos que lembram no sentido literal, físico, mas são os grupos sociais que
determinam o que é “memorável”, e também como será lembrado.
Ao analisarmos os lugares públicos urbanos de Rio do Sul percebemos que, de uma
maneira geral, eles reafirmam o poder simbólico de grupos que detiveram poder econômico
e/ou político na cidade. Os lugares públicos e os monumentos conferem pouca visibilidade
aos trabalhadores da indústria, do comércio e da prestação de serviços, aos pequenos
proprietários e de outros grupos que também participaram do processo da formação sócio-
histórica do município.
Os Parques públicos não se diferenciam das Praças no que cabem às intenções ou
processos de construção que os materializam, como pode ser observado nos exemplos rio-
sulenses trazidos nessa dissertação. O Parque Hobus – que trouxe para o município e região
um importante lugar social, auxiliando o desenvolvimento urbano – caracteriza-se ainda por
outras questões. Apesar de sua importância para os mais diferentes cidadãos, é caracterizado
por uma disputa constante pela memória. Novamente, não diferente de várias Praças, os
Parques públicos guardam em seus próprios nomes, locais de construção e monumentos
determinada memória.
Nesse sentido, cabe relembrar Jacques Le Goff (1996). O historiador francês adverte
que a memória coletiva faz parte das grandes questões das sociedades desenvolvidas e das
sociedades em vias de desenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas,
lutando todas pelo poder ou pela vida, pela sobrevivência e pela promoção. Em decorrência, a
memória coletiva é não somente uma conquista é também um instrumento e um objetivo de
poder.
A memória coletiva e os lugares de memória são, dessa forma, um importante
componente presente na luta das forças sociais pelo poder. Tornar-se senhor da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos e dos indivíduos que
dominaram e dominam o poder em determinada instância. Os esquecimentos e os silêncios
113
sobre determinados lugares, sobre determinados fatos e sobre determinados personagens são
reveladores desses mecanismos de manipulação da memória coletiva.
Já afirmamos e reiteramos que tanto as Praças quantos os Parques são importantes
lugares para o desenvolvimento urbano, porém destacamos que, quando materializados com
objetivos particulares – onde a memória está em jogo –, descaracterizam-se suas reais
funções. Na atualidade, são criados para nos remeter a um passado específico, uma memória
estimulada e celebrada, valorizando determinados grupos e complicando, com isso, o direito
de certos cidadãos de acessar esses lugares.
Assim, encontramos sobre as Praças e Parques uma verdadeira contradição, pois,
devendo atender ao desenvolvimento e à qualidade de vida no espaço urbano, são construídos,
muitas vezes, para atender aos interesses de determinado grupo e para reforçar específicas
memórias. Nisso, diferentes contradições foram identificadas nos lugares da Praça e Parque,
pois enquanto lugares públicos, devem ser mantidos, cuidados e preservados pelo poder
público – o que não acontece quando se busca a descontinuidade da memória ali expressa.
Conscientes dessas contradições, da importância e das transformações históricas que
passaram, acreditamos que os assuntos referentes aos lugares públicos não devem se findar.
As Praças e Parques, entre outros, carecem de novas abordagens, análises e estudos, pois,
enquanto lugares de sociabilidade, podem e devem suscitar novas interpretações, relacionando
os mais diversos conceitos.
114
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