Post on 03-Dec-2015
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Quem tem fé tem tudo
As coisas não estavam fáceis, havia uma dor, uma aflição no coração daquele
filho de fé. Por que com ele? Ele que sempre fora uma pessoa de bom coração,
ajudava quem precisava e permitia sua ajuda, sabendo que não se pode ajudar
aqueles que não querem.
Mas a perda de seus familiares mais queridos estava mexendo demais com
sua fé. Uma morte a cada três meses, sem razão, sem aviso prévio e o porquê
disso?
Mesmo confuso não perdeu, totalmente, a sua fé. Foi ao terreiro em busca de
respostas, para louvar seus guias e pedir forças para resistir, para vencer mais esta.
Chegando lá, sentiu, logo na entrada, uma aproximação diferente, talvez um
guia, talvez um obsessor que percebendo sua vibração baixa foi puxado e acoplado
à sua aura. Mas, ao certo, Mário não sabia o que era aquele calafrio percorrendo
sua espinha dorsal, fazendo-o tremer.
A sessão tem início com a defumação da casa, dos filhos de corrente e dos
consulentes. Hoje é a noite dos pretos-velhos, 13 de maio, dia da liberdade e
comemoração, rememoração desse dia. Os guias começam a chegar, um a um, ao
ponto cantado com fé:
“Embala eu Babá,
Embala eu,
Salve todos o Pretos-velhos,
Salve todos os Orixás,
Saravá Povo de Minas,
Pretos-velhos no Congá”
A sessão festiva segue bonita, com risos, histórias contadas pelos nossos
vovôs e vovós, banhos e conselhos de todos os tipos a serem feitos. Os consulentes
foram sendo atendidos com amor, carinho e atenção necessárias aos filhos nesse
conturbado mundo, onde ninguém escuta ninguém.
Mário foi chegando aos poucos, quem lhe atenderá é Pai Cipriano das Almas,
um preto-velho muito mandingueiro que o chama com força.
-Venha filho. Se ajoelha aqui perto do negro velho que este negro tem muita
coisa pra dizer pra zuncê!
Mário se alegra, afinal ainda tem fé nessa luz que guiou sua alma até ali e
que não lhe deixou cair, desistir, mas o levantou. Mário se ajoelha humildemente e
cumprimenta o guia de luz que estava à sua frente.
Pai Cipriano pita seu cachimbo e antes de recomeçar a falar limpa a aura tão
escura, cheia de medos, dores e anseios do consulente e sua frente, a arruda e o
guiné estão ao seu lado no auxílio dos trabalhos da noite. Pai Cipriano então fala.
- Meu filho, sei como está sendo difícil sua jornada aqui na terra. Sei que você
tem muitas dúvidas, dores que abalam sua fé. A fé é o que anima sua alma e que
não lhe deixa esmorecer e zuncê tá cansado, tá triste por ter fé e não conseguir ir
pra frente, ter fé e ter, como zuncês diz, perdido pessoas que são importantes. Filho
meu, as pessoas que desencarnam não estão perdidas, mas em outro lugar, a alma
é eterna e todas essas pessoas estão na Aruanda olhando por zuncê, mandando luz
e pedindo ao Grande Zambi pra te ajudar.
Com os olhos cheios de lágrimas, Mário escuta as palavras daquele guia,
trabalhando em um médium que nem sequer sabe quem é Mário, sua vida, suas
dores e angústias. Pai Cipriano se levante e leva Mário junto que vai com o guia
mesmo sem entender. Ambos vão à frente do congá, frente às imagens que ali
estão. Pai Cipriano então fala:
-Zuncê veio buscar respostas e o que levará, contudo elas não estão aqui
nessa casa de caridade, nem mesmo com esse negro velho que trabalha na luz pela
luz. As respostas meu filho estão dentro de seu coração, na confiança em seus
guias e em seu negro velho que nas piores horas lhe carregou nos ombros.
Pai Cipriano das Almas então entoa um canto melodioso que tocará o
coração de Mário com muita força.
“As lágrimas de um preto-velho
Correm dos olhos, mas vem do coração
Cada lágrima é uma dor de um filho seu
E o seu pranto é o pranto de emoção
Os pretos-velhos já foram moço e já sofreram
Na fé de Zambi, libertaram-se da escravidão
Mas que beleza nossa Umbanda iluminada
Sem preconceito na Seara do Senhor
A nossa banda cada vez fica mais linda
Com os conselhos da vovó e do vovô”
Mário entra em transe de incorporação, seu corpo treme muito e ele sente a
aproximação calma e serena de seu guia. Suas costas se envergam para frente e
seu corpo fica leve, perdendo alguns dos sentidos, mas vendo e ouvindo tudo o que
está acontecendo. O cambono alcança uma bengala, um chapéu e um toco ao lado
de Pai Cipriano que entoa outro ponto, agora com mais alegria pela chegada
daquele que veio para somar, Pai Benedito de Aruanda.
“Quem é aquele velhino
Que vem nos caminhos
Cansado e devagar
Com seu cachimbo na boa
Fumando fumaça, lembrando o luar
Mas ele é do Cativeiro,
Ele é Benedito
Ele é feiticeiro”
Ao final da sessão, os médiuns já desincorporaram e apenas o vô Cipriano,
como é chamado, está em terra. Mário não sente mais aquela aflição, suas dúvidas
foram sanadas e agora ele compreende o mistério da vida e da morte, o desencarne
e outras questões. Mas a incorporação de seu guia ainda mexe com ele. Por que
hoje? Cipriano então olha Mário como se estivesse lendo seus pensamentos:
-Meu filho, zuncê recebeu seu guia hoje porque era pra ser. Zuncê está limpo,
com o campo áurico limpo e com a mente desnuviada e o melhor, com a fé
renovada.
Mário responde ao Pai Cipriano com gratidão:
- Obrigado Pai Cipriano por me ajudar. É verdade estou bem melhor.
-Zuncê tem que agradecer seu negro velho. Espero meu filho que a fé nunca
lhe falte. Diz um ponto assim: “Quem tem fé tem tudo e quem não tem fé não tem
nada”. Vá em paz e que o Grande Zambi lhe abençoe.
Mário sempre conta essa história a todos que chegam em seu terreiro. Sim,
ele até hoje está na Umbanda, recebendo irmãos que necessitam e que vão ao
terreiro por Amor e pela Dor e Pai Benedito sempre tem um palavra de conforto, de
paz, amor e fé.