Post on 08-Jan-2017
GLAYDSON FERREIRA CARDOSO
Reflexos das Normas Internacionais de Contabilidade no Direito Tributário Brasileiro
A Questão dos Tributos com a Exigibilidade Suspensa e
a Base de cálculo da CSLL
Artigo apresentado à Faculdade de Direito
Milton Campos, Nova Lima/MG, na
disciplina Estágio de Docência, como
exigência parcial para a conclusão do curso
de Pós-Graduação stricto sensu - Mestrado
em Direito Empresarial.
FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
NOVA LIMA - MG
2011
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RESUMO
RESUMO: O objetivo deste estudo é a análise da receptividade das
normas internacionais de contabilidade pelo ordenamento jurídico brasileiro,
bem como a compreensão dos reflexos dessas mudanças para fins das
apurações dos tributos em destaque, tudo em consonância com os princípios
estabelecidos pela Constituição de 1988 e com o Código Tributário Nacional –
CTN. As normas brasileiras deveriam tornar as demonstrações contábeis
integradas a um panorama internacional de prestação de informações. Um dos
princípios essenciais na convergência das normas contábeis brasileiras para as
internacionais está na maior aplicação da subjetividade na interpretação dos
fatos registráveis. O resultado é a busca da aplicação a partir do conhecimento
da essência econômica sobre a forma jurídica da qual se revestiu o ato.
PALAVRAS-CHAVE: Normas Internacionais de Contabilidade, Direito
Tributário, Lei 11.638/2007, Essência econômica sobre a forma jurídica.
ABSTRACT: This study aims to examine the receptivity of international
accounting standards by the Brazilian legal system, as well as understand the
consequences of these changes for the tabulations of some tributes, all in line
with the principles established by the 1988 Constitution and with the National
Tax Code - CTN. Not only the Brazilian rules but also all the financial
statements should reflect the international way of reporting. The most important
point of the convergence of international accounting standards with the Brazilian
legal system is the possibility of largest application of subjectivity in the
interpretation of registrable facts. The result is the pursuit of the application of
economic substance and essence over legal form of which the act is coated.
KEYWORDS: International Accounting Standards, Tax Law, Law
11.638/2007, Economic substance and essence over Legal Form
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1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA
Não é de hoje que se discute a necessidade de modernização da Lei
das Sociedades por Ações (Lei n. 6.404/76), tendo em vista o interesse em
torná-la melhor adaptada à prestação de dados aos mais variados usuários de
demonstrações financeiras. Em decorrência dessa modernização normativa, as
normas brasileiras deveriam tornar as demonstrações contábeis integradas a
um panorama internacional de prestação de informações.
O primeiro passo para alinhar normas e práticas contábeis brasileiras
com as internacionais foi dado com a apreciação, pela Câmara dos Deputados,
do Projeto de Lei n. 3.741/2000. Mencionado Projeto tratava especificamente
da parte da Lei das Sociedades por Ações, pertinente a assuntos contábeis.
Aquele Projeto de Lei deu origem à Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007,
a qual se tornou um marco divisor da matéria no ordenamento brasileiro.
As mudanças oriundas da Lei n. 11.638/2007 buscaram a direta
aproximação das normas contábeis brasileiras com aquelas adotadas nos
mercados internacionais, padronizando a análise de dados e a comparabilidade
entre as companhias que observem os mesmos princípios.
No período compreendido entre a elaboração do Projeto de Lei n.
3.741/2000 e a sua formalização na Lei n. 11.638/2007, diversas adaptações
foram iniciadas para criar uma estrutura capaz de absorver as mudanças
planejadas. Assim, em outubro de 2005 foi criado o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC), o qual contou com o apoio do Conselho
Federal de Contabilidade (CFC), Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA),
Associação Brasileira das Empresas de Capital Aberto (ABRASCA), Instituto
dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), Associação dos Analistas e
Profissionais de Investimento (APIMEC) e Fundação Instituto de Pesquisas
Contábeis, Atuariais e Financeiras (FIPECAFI). Ademais, a Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) passou a emitir seus pronunciamentos em conjunto
4
com o CPC. Também o Banco Central do Brasil (BACEN) e a Superintendência
de Seguros Privados (SUSEP) demonstraram o apoio à elaboração das
demonstrações financeiras de conformidade com os padrões internacionais.
Logo, pela adesão dos mais diversos entes listados acima, verifica-se que as
adaptações às Normas Internacionais de Relatórios Financeiros (International
Financial Reporting Standards – IFRS), também conhecidas como Normas
Internacionais de Contabilidade – IAS, eram necessárias e inevitáveis.
Diversas mudanças decorrentes deste processo de convergência já
foram iniciadas, dando origem a pronunciamentos do CPC adotados pela CVM.
No processo de convergência, verifica-se que o sistema contábil brasileiro está
baseado em normas definidas, enquanto o IFRS se orienta por princípios.
Assim, ocorre clara mudança na análise dos eventos, BUSCANDO CONHECER MAIS A “ESSÊNCIA SOBRE A FORMA”, CONSIDERANDO MAIS A SUBSTÂNCIA ECONÔMICA DA OPERAÇÃO PARA QUE A MESMA SEJA CORRETAMENTE ENTENDIDA E APLICADA.
Ao pretender aplicar na matéria contábil a ‘essência sobre a forma’,
tem-se como efeito imediato a alteração do registro contábil de diversos fatos
incorridos pelas empresas. Por seu turno, uma vez que as apurações fiscais
partem das receitas e despesas para determinação da base de cálculo dos
tributos apurados diretamente sobre a receita ou o lucro (Contribuição ao
Programa de Integração Social – PIS, a Contribuição para Financiamento da
Seguridade Social – COFINS, Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ e
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), a alteração do
entendimento contábil e seu registro podem trazer mudanças significativas nas
bases de cálculo fiscais.
Assim, o objetivo deste estudo é a análise dos reflexos das normas
internacionais de contabilidade no ordenamento jurídico brasileiro e a aplicação
da idéia de sobrepor a “essência sobre a forma”, advinda dos preceitos
contábeis internacionais, em consonância com a mesma tendência verificada
em diversas matérias no campo do Direito Tributário. Em sintese, será avaliado
5
se a introdução dos conceitos do IFRS – basicamente a aplicação da essência
sobre a forma – pode interferir na avaliação de matérias tributárias.
Para facilitar a visualização do tema, no âmbito do presente estudo
será avaliada a questão relativa ao tratamento fiscal das despesas com tributos
com a exigibilidade suspensa na base de cálculo da CSLL, ou seja, se estes se
referem a meras provisões como em algumas vezes tenta sustentar o fisco ou
se, em verdade, representam obrigações legais, que devem seguir outro
regramento para fins seu tratamento fiscal.
2. DA MATÉRIA TRIBUTÁRIA SOB ANÁLISE – A QUESTÃO DOS TRIBUTOS COM A EXIGIBILIDADE SUSPENSA E A FORMAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DA CSLL
Como já conhecido, não raro a Receita Federal do Brasil questiona o
procedimento de contribuintes que, no entendimento da autoridade fiscal,
teriam promovido redução indevida da base de cálculo da Contribuição Social
sobre o Lucro Líquido – CSLL por força das despesas com tributos que estejam
com sua exigibilidade suspensa. Tal discussão, aliás, tem se estendido na
esfera administrativa e, quase sempre nesta esfera, sem sucesso pelos
contribuintes. Veja-se, como exemplo, a seguinte Ementa do Conselho de
Contribuintes do Ministério da Fazenda (atual CARF), que decidiu a questão da
seguinte forma:
“CSLL – PROVISÕES NÃO DEDUTÍVEIS – TRIBUTOS
COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA – Por configurar uma
situação de solução indefinida, que poderá resultar em
efeitos futuros favoráveis ou desfavoráveis à pessoa jurídica,
os tributos ou contribuições cuja exigibilidade estiver suspensa nos termos do art. 151 do Código Tributário
Nacional, são indedutíveis para efeito de determinação da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro
6
Líquido, POR TRADUZIR-SE EM NÍTIDO CARÁTER DE PROVISÃO.
” (1º CCMF – 1ª Câmara; Acórdão nº 101-95.727; Rel. Valmir
Sandri; data da sessão 20/09/2006). (Destaques não
constam no original)
Como se pode constatar da ementa transcrita, a alegação do
Fisco federal de que as importâncias relativas a tributos com exigibilidade
suspensa devem ser adicionadas à base de cálculo da CSLL pauta-se no entendimento de que aquelas despesas possuem natureza de PROVISÃO,
a qual, nos termos da legislação vigente, é indedutível para fins de apuração do
referido tributo. Considerando que guardassem a natureza de provisão, sua
indedutibilidade para fins da CSLL estaria prevista no art. 13 da Lei n. 9.249/95,
abaixo reproduzido:
Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido, são vedadas as seguintes deduções, independentemente do
disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de 1964:
I – de qualquer provisão, exceto as constituídas para o
pagamento de férias de empregados e de décimo terceiro salário,
a de que trata o art. 43 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995,
com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de junho de 1995, e as
provisões técnicas das companhias de seguro e de capitalização,
bem como das entidades de previdência privada, cuja constituição
é exigida pela legislação especial a elas aplicável;
Lado outro, a legislação em vigor traz dispositivo específico para determinar o tratamento fiscal das despesas com tributos com a exigibilidade suspensa, qual seja, o art. 41 da Lei n. 8.981/95, ainda em
vigor. Tal dispositivo, contudo, encontra-se em capítulo destinado
especificamente à “determinação do lucro real”que, como sabido, é base de
cálculo para o IRPJ. Veja-se o dispositivo:
7
SUBSEÇÃO I
Das Alterações na Apuração do Lucro Real
Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência.
§ 1º O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja exigibilidade esteja suspensa, nos termos
dos incisos II a IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de
1966, haja ou não depósito judicial.
Deste modo, enquanto o fisco defende que os tributos com a
exigibilidade suspensa se referem a PROVISÕES, os contribuintes tentam
demonstrar que se referem a OBRIGAÇÕES LEGAIS, de natureza totalmente
distinta das provisões. Tal distinção determina qual o dispositivo da legislação
em vigor deve ser aplicado: se entendido que se tratam de provisões, seriam
indedutíveis para fins da CSLL e do IRPJ (art. 13 da Lei n. 9.249/95); lado
outro, se confirmada sua natureza de obrigação legal, inexistiria previsão legal
para exigir sua indedutibilidade na base de cálculo da CSLL, mas somente para
fins do IRPJ (art. 41 da Lei n. 8.981/95).
O questionamento à posição fiscal anteriormente exposta baseia-
se na seguinte argumentação: (a) ausência de previsão legal que determine a
adição das despesas correspondentes a tributos com exigibilidade suspensa à
base de incidência da CSLL; uma vez que (b) tais despesas, ao contrário do
sustentado pelo Fisco federal, não possuem natureza de provisão, restando
afastada qualquer fundamentação legal sob a qual se possa basear a vedação
de sua dedutibilidade da base de cálculo da mencionada contribuição.
Ou seja: é essencial, para definir o adequado tratamento fiscal
que deve ser dado à matéria, saber se os tributos com a exigibilidade suspensa
têm a natureza de mera provisão ou de uma obrigação legal. Assim,
considerando que o preceito básico das normas internacionais de contabilidade
8
está direcionado à busca da essência dos fatos registrados contabilmente e
que esta padronização está em fase final de implementação no Brasil, este
estudo busca verificar se as inserções decorrentes do modelo IFRS podem
auxiliar a definição da natureza daquele registro contábil (tributos com a
exigibilidade suspensa) e, com isso, na adequada capitulação pela legislação
que rege a base de cálculo da CSLL.
3. A QUESTÃO DA ESSÊNCIA SOBRE A FORMA
Como dito anteriormente, um dos princípios essenciais na
convergência das normas contábeis brasileiras para as internacionais está na
maior aplicação da subjetividade na interpretação dos fatos registráveis. O
resultado é a busca da aplicação a partir do conhecimento da essência
econômica sobre a forma jurídica da qual se revestiu o ato.
Este tema, contudo, antes de ser uma barreira para a correlação entre
a contabilidade e o direito tributário brasileiro, é mais um elemento de
conectividade entre as duas áreas do conhecimento. Vê-se que, há algum
tempo, basicamente desde que se iniciaram debates mais longos acerca da
aplicação de normas antielisivas no Brasil, uma tendência de se buscar a
essência do ato ou negócio jurídico para validá-lo e conhecer seus efeitos. E a
aplicação deste princípio tem encontrado apoio em grande parte da doutrina e
na jurisprudência.
Diante disso, torna-se relevante avaliar o acolhimento do princípio da
essência sobre a forma na questão da contabilidade e no direito tributário. O
objetivo, aqui, é identificar um ponto de convergência entre as duas áreas e, a
partir daí, traçar um possível caminho de interpretação das controvérsias
surgidas no direito tributário em decorrência da aplicação do IFRS.
3.1 A Essência Econômica sobre a Forma Jurídica na Contabilidade e no Direito Tributário
9
É sabido que desde os tempos das expansões comerciais até hoje, o
ato de registrar numericamente os dados buscou o conhecimento da real grandeza patrimonial, sempre o mais próximo possível da realidade.
No âmbito do conhecimento da realidade dos fatos, interessa avaliar a
origem da padronização das normas de contabilidade, com a criação do Comitê
de Pronunciamentos Contábeis Internacionais (International Accounting
Standards Comittee – IASC), em 1973. À época da criação do IASC, grande
parte dos países envolvidos faziam parte do “Common Law System”: Austrália,
Canadá, Estados Unidos e Reino Unido / Irlanda. Em decorrência, as normas
internacionais sofreram forte influência do referido sistema, trazendo maior
flexibilidade de interpretação, uma vez que são normas essencialmente
baseadas em princípios, nas quais prevalece a essência sob a forma.
Ao longo da cronologia do IFRS, é possível identificar o surgimento das
dificuldades de implementação dessas normas em virtude de aparente conflito
“Common Law e Civil Law”, em países que adotam tal sistema como Brasil,
França, Alemanha, Espanha e Itália.
Embora a legislação brasileira tenha se baseado na Civil Law,
privilegiando o formalismo habitual em face da mens legis, a intenção de
buscar a realidade patrimonial independentemente da forma sempre foi o norte
da legislação societária. Tanto assim que o art. 135 do Decreto Lei n.
2.627/1940 já previa que “o balanço deverá exprimir, com clareza, situação real
da sociedade ...”
A questão da prevalência da essência sobre a forma não é, de fato,
novidade em matéria contábil. Veja-se, como exemplo, o que dispunha a
Deliberação CVM n. 29, de 5 de fevereiro de 1986:
“Para a consecução desse objetivo da Contabilidade, e dentro
principalmente do contexto companhia aberta/usuário externo,
dois pontos importantíssimos se destacam:
(...)
10
2º - A contabilidade possui um grande relacionamento com os
aspectos jurídicos que cercam o patrimônio, mas, não raro, a
forma jurídica pode deixar de retratar a essência econômica.
Nessas situações, deve a Contabilidade guiar-se pelos seus
objetivos de bem informar, seguindo, se for necessário para
tanto, a essência ao invés da forma.
Por exemplo, a empresa efetua a cessão de créditos a
terceiros, mas fica contratado que a cedente poderá vir a
ressarcir a cessionária pelas perdas decorrentes de eventuais
não pagamentos por parte dos devedores. Ora, juridicamente
não há ainda dívida alguma na cedente, mas ela deverá atentar
para a essência do fato e registrar a provisão para atentar a
tais possíveis desembolsos.
Ou, ainda, uma empresa vende um ativo, mas assume o
compromisso de recomprá-lo por um valor já determinado em
certa data. Essa formalidade deve ensejar a contabilização de uma operação de financiamento (essência) e não de compra e venda (forma).
Noutro exemplo, um contrato pode, juridicamente, estar dando
a forma de arrendamento a uma transação, mas a análise da
realidade evidencia tratar-se, na prática, de uma operação de
compra e venda financiada. Assim, consciente do conflito
essência/forma, a Contabilidade fica com a primeira.
Essas características de evidenciação ou de divulgação
(disclosure) e de prevalência da essência sobre a forma cada vez mais se firmam como próprias da Contabilidade, dados seus objetivos específicos.” (Destaques não constam
no original)
11
É imperioso entender, portanto, que o conceito de prevalência do efeito econômico sob a forma jurídica não é uma inovação trazida pela Lei n. 11.638/2007 para fins contábeis. A integração com o modelo internacional,
baseado em princípios, apenas evidencia a necessidade de análise subjetiva
das normas aplicadas. Tais princípios deverão ser interpretados e
cuidadosamente aplicados em cada análise e demonstração financeira
realizada.
No tocante ao Direito Tributário, o tema passou a merecer maior
atenção a partir da edição da Lei Complementar n. 104, de 10 janeiro de 2001.
Referida norma, entre outras disposições, inseriu Parágrafo Único ao art. 116
do Código Tributário Nacional – CTN, cujo texto é o seguinte:
"Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se
ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que
se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que
produza os efeitos que normalmente lhes são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que
esteja definitivamente constituída, nos termos de direito
aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária." (Destaques não
constam no original)
De acordo com a exposição de motivos que acompanhou o Projeto
resultante na Lei Complementar nº 104/2001 demonstrava claramente os
objetivos de inserir aquela norma: "A inclusão do parágrafo único ao Art. 116
faz-se necessária para estabelecer, no âmbito da legislação brasileira, norma
que permita à autoridade tributária desconsiderar atos ou negócios jurídicos
12
praticados com a finalidade da elisão, constituindo-se, dessa forma, em
instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento
tributário adotados com abuso de forma ou de direito".
Muito embora exista a previsão de que os requisitos do Parágrafo
Único do art. 116 do CTN careciam de regulamentação e que esta ainda não
ocorreu, já têm sido bastante intensos os debates acerca da norma que trouxe,
e continuam trazendo, grandes preocupações ao permitir que o agente fiscal
interprete negócio ou ato jurídico de forma a priorizar a essência do negócio em
relação ao apresentado formalmente.
É bom mencionar que o dispositivo acrescentado ao art. 116 do CTN
pela Lei Complementar nº 104/2001 não buscou tratar de simulação, mas sim
da dissimulação, que busca ocultar, disfarçar o ato realmente pretendido, de
forma artificiosa. Contudo, o teste do propósito negocial tem sido entendido por
alguns como uma forma mais abrangente de simulação, razão pela qual devem
ser considerados, também, os elementos desse instituto.
O conceito de simulação diverge do conceito insculpido no art. 116, é
instituto regulamentado no Direito Brasileiro e a fiscalização pode tomá-lo por
base para sustentar eventuais questionamentos. Veja-se o art. 167 do Novo
Código Civil:
“Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o
que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
§1º. Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I. aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas
daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II. contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira;
III. os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-
datados.”
13
O conceito de simulação adotado pelo Código Civil é restrito, pontual.
Afora as três situações elencadas nos incisos do parágrafo primeiro do artigo
167, não haveria que se falar em simulação. Alberto Xavier entende a
simulação da seguinte forma1:
“A simulação é um caso de divergência entre a vontade
(vontade real) e a declaração (vontade declarada), procedente
de acordo entre o declarante e o declaratário e determinada
pelo intuito de enganar terceiros.
Os seus elementos essenciais são, pois, (i) a intencionalidade
da divergência entre a vontade e a declaração; (ii) o acordo
simulatório (pactum simulationis); (iii) o intuito de enganar
terceiros.”
Há, contudo, entendimentos que sustentam que a simulação deve ser
entendida a partir de uma compreensão mais substancial e menos formalista
das normas jurídicas e da realidade. Se o negócio jurídico é praticado com
propósitos diversos da finalidade a que se destina, se a operação realizada traz
resultados diversos daqueles que normalmente traria, poder-se-ia falar em
simulação em sentido amplo, independentemente de a operação ser
enquadrada em um dos incisos do artigo 167, §1º do Código Civil em vigor.
Veja-se claro exemplo desta interpretação mais ampla de simulação no
seguinte precedente do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda,
atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF):
“IRPJ – INCORPORAÇÃO ÀS AVESSAS – MATÉRIA DE
PROVA – COMPENSAÇÃO DE PREJUÍZOS FISCAIS – A
definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da
validade jurídica dos atos efetivamente praticados. Se a
documentação acostada nos autos de incorporação era
1 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001. p. 52
14
enganosa para produzir efeito diverso do ostensivamente
indicado, a autoridade fiscal não está jungida aos efeitos jurídicos que os atos produziram , mas à verdadeira repercussão econômica dos atos subjacentes.” (Ac.
CSRF/01-02.107, 01.12.96)” (Destaques não constam no
original)
Também é este o entendimento admitido pelo STJ, tal como se verifica
na Ementa de recente julgado, transcrita abaixo:
RECURSO ESPECIAL Nº 946.707 - RS (2007/0092656-4) RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN RECORRENTE : JOSAPAR JOAQUIM OLIVEIRA S/A
PARTICIPAÇÕES
ADVOGADO : CLÁUDIO MERTEN E OUTRO(S)
RECORRIDO : FAZENDA NACIONAL
PROCURADORES : LUÍS ALBERTO SAAVEDRA E
OUTRO(S)
CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO
EMENTA PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO
CONFIGURADA. MULTA DO ART. 538, PARÁGRAFO ÚNICO,
DO CPC. INAPLICABILIDADE. INCORPORAÇÃO.
APROVEITAMENTO DE PREJUÍZOS. REDUÇÃO DA CSSL
DEVIDA. SIMULAÇÃO. SÚMULA 7/STJ. INAPLICABILIDADE.
SÚMULA 98/STJ.
1. Hipótese em que se discute compensação de prejuízos
para fins de redução da Contribuição Social sobre Lucro
Líquido - CSSL devida pela contribuinte.
2. A empresa Supremo Industrial e Comercial Ltda.
formalmente incorporou Suprarroz S/A (posteriormente
incorporada pela recorrente). Aquela acumulava
15
prejuízos (era deficitária, segundo o TRF), enquanto esta
era empresa financeiramente saudável.
3. O Tribunal de origem entendeu que houve simulação,
pois, em realidade, foi a Suprarroz que incorporou a
Supremo. A distinção é relevante, pois, neste caso
(incorporação da Supremo pela Suprarroz), seria
impossível a compensação de prejuízos realizada, nos
termos do art. 33 do DL 2.341/1987.
4. A solução integral da lide, com fundamento suficiente,
não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
5. Não há controvérsia quanto à legislação federal.
6. A contribuinte concorda que a incorporadora não pode
compensar prejuízos acumulados pela incorporada, para
reduzir a base de cálculo da CSSL, nos termos do art.
33 do DL 2.341/1987. Defende que a empresa com
prejuízos acumulados (Supremo) é, efetivamente, a
incorporadora.
7. O Tribunal de origem, por seu turno, não afasta a
possibilidade, em tese, de uma empresa deficitária
incorporar entidade financeiramente sólida. Apenas, ao
apreciar as peculiaridades do caso concreto, entendeu
que isso não ocorreu.
8. Tampouco se discute que, em caso de simulação, "é
nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se
dissimulou, se válido for na substância e na forma" (art.
167, caput, do CC).
9. A regularidade formal da incorporação também é
reconhecida pelo TRF.
10. A controvérsia é estritamente fática: a recorrente
defende que houve, efetivamente, a incorporação da
Suprarroz (empresa financeiramente sólida) pela
Supremo (empresa deficitária); o TRF, entretanto,
entendeu que houve simulação, pois, de fato, foi a
Suprarroz que incorporou a Supremo.
16
11. Para chegar à conclusão de que houve simulação, o Tribunal de origem apreciou cuidadosa e aprofundadamente os balanços e demonstrativos de Supremo e Suprarroz, a configuração societária superveniente, a composição do conselho de administração e as operações comerciais realizadas pela empresa resultante da incorporação. Concluiu, peremptoriamente, pela inviabilidade econômica da operação simulada.
12. Rever esse entendimento exigiria a análise de todo o
arcabouço fático apreciado pelo Tribunal de origem e
adotado no acórdão recorrido, o que é inviável em
Recurso Especial, nos termos da Súmula 7/STJ.
13. Aclaratórios opostos com o expresso intuito de
prequestionamento não dão ensejo à aplicação da multa
prevista no art. 538, parágrafo único, do CPC, que deve
ser afastada (Súmula 98/STJ).
14. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa
parte, provido.” (Destaques não constam no original)
Nesse contexto, embora existam entendimentos diversos acerca da
aplicação do instituto da simulação (alguns com interpretação mais restritiva do
art. 167 do Código Civil e outros com interpretação extensiva), bem como,
muito se discuta acerca da natureza do instituto previsto do art. 116 do CTN,
não se pode ignorar que por todos estes caminhos o que tem se buscado em
matéria de Direito Tributário e fiscalização é avaliar a justificativa do ato quanto
à sua repercussão negocial, econômica.
Ora, sendo o fato gerador decorrente de ato econômico, adequada está sua análise com base na relevância do mesmo sob este aspecto, dando-se menos relevo à sua mera formalização. Dito de outro modo, para
o Direito Tributário o que deve ser considerado é a conseqüência econômica
do ato, mas não a forma pela qual foi exposto. O que se deve buscar é a
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descoberta da real intenção das partes de modo a jungir o ato econômico com
a ocorrência ou não do fato gerador da obrigação tributária.
4. A QUESTÃO SOB ANÁLISE – A NATUREZA DOS TRIBUTOS COM A EXIGILIDADE SUSPENSA
Diante das ponderações apresentadas até aqui, pretende-se ter criado
um direcionamento que servirá de base para avaliar o adequado tratamento
fiscal que deve ser conferido aos efeitos gerados pela adoção do IFRS. Esse
direcionamento está baseado na compreensão da essência dos atos praticados
para, a partir disso, aplicar o adequado tratamento fiscal.
A prevalecer a essência do ato na análise de seus efeitos, o evento será reconhecido contabilmente e deve ser tratado fiscalmente tal qual sua natureza; assim, por exemplo, no caso de operações de leasing que
se mostram efetivos financiamentos de compra e venda, há que se dar o
tratamento fiscal de contratos de compra e venda de bens. Do mesmo modo,
se determinado registro não guarda a natureza de provisão, não pode seguir o
regramento fiscal destas.
Na hipótese sob análise, as Autoridades Fiscais buscam sustentar
que os tributos com exigibilidade suspensa possuem caráter de provisão,
sendo portanto indedutíveis da base de cálculo da CSLL, em virtude do inciso I
do art. 13 da Lei nº 9.249/95, que novamente aqui se reproduz:
“Art. 13. Para efeito de apuração do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido,
são vedadas as seguintes deduções, independentemente
do disposto no art. 47 da Lei nº 4.506, de 30 de novembro de
1964:
I - de qualquer provisão, exceto as constituídas para o
pagamento de férias de empregados e de décimo-terceiro
salário, a de que trata o art. 43 da Lei nº 8.981, de 20 de
janeiro de 1995, com as alterações da Lei nº 9.065, de 20 de
18
junho de 1995, e as provisões técnicas das companhias de
seguro e de capitalização, bem como das entidades de
previdência privada, cuja constituição é exigida pela
legislação especial a elas aplicável; (...)”.
Dessa forma, para a devida análise da plausibilidade do
entendimento sustentado pelo fisco, é mister tecer algumas breves
considerações acerca do conceito de provisão, a fim de verificar se nele se
enquadram as despesas relativas a tributos com exigibilidade suspensa.
Entende-se por provisão os valores que devem ser contabilizados
pela empresa com o objetivo de saldar despesas que podem ou não surgir no
futuro ou que, já tendo ocorrido o fato jurídico que lhes deu origem, não
possam ainda ser mensuradas com exatidão. Veja-se, para maior clareza, a
conceituação do termo dada por Silvério das Neves e Hiromi Higuchi,
respectivamente:
“O termo Provisões refere-se a despesas com perdas de
ativos ou com a constituição de obrigações que, embora já
tenham seu fato gerador contábil ocorrido, não podem ser
medidas com exatidão e têm, por esse motivo, caráter estimativo”2. (com destaques no original).
“Provisão é título apropriado para registrar uma provável
despesa futura que poderá concretizar ou não3.”
O traço característico da provisão é, portanto, a incerteza em
relação ao valor exato, ao prazo para pagamento das obrigações futuras, ou,
ainda, à própria concretização destas.
2 In Curso prático de imposto de renda pessoa jurídica e tributos conexos: CSLL, PIS e COFINS. 10. ed. São Paulo: Frase Editora, 2003, p.161. 3 In Imposto de Renda das Empresas – interpretação e prática; atualizado até 10.01.2006. 31.ed; São Paulo: IR Publicações -2006, p.749-450.
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Em virtude dessa indefinição ínsita às provisões, a Fiscalização
defende que os tributos com exigibilidade suspensa possuem tal natureza
contábil, ao argumento de que as despesas a eles relativas não podem ser
consideradas definitivamente incorridas, visto que, de seu questionamento
judicial, poderão advir resultados favoráveis ou desfavoráveis ao contribuinte.
Assim, por perdurar dúvida quanto à efetiva liquidação das obrigações
tributárias contestadas em juízo, cuja exigibilidade esteja suspensa, sustenta o
Fisco que suas respectivas despesas devem ser contabilizadas como provisão.
Este, no entanto, não parece ser o entendimento mais acertado, consoante se
demonstrará a seguir.
Nos termos da legislação vigente, a obrigação tributária nasce
com a ocorrência do fato gerador, segundo disposição contida no §1º, do art.
113 do CTN:
“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o
crédito dela decorrente. (...)”.
Assim, preenchidos os aspectos (material, pessoal, espacial e
territorial) da hipótese abstratamente descrita na norma de incidência de
determinado tributo, surge para o contribuinte o dever de pagá-lo. Tanto o valor
quanto o vencimento da obrigação já são, desde seu nascimento,
determináveis, tendo em vista que é possível identificar em sua lei instituidora a
alíquota, a base de cálculo, bem como o prazo para recolhimento da exação.
Portanto, com a ocorrência do fato gerador, a dívida já se torna
líquida e certa, representando para o contribuinte uma despesa incorrida com
natureza contábil de contas a pagar. Constituído, pois, o dever jurídico relativo
ao cumprimento da obrigação tributária principal, deve esta ser escriturada,
ainda que não se proceda ao efetivo recolhimento do tributo no respectivo
período. Em suma, pelo regime de competência, considera-se incorrida a
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despesa no momento em que ela existir juridicamente e puder ser aferido seu
exato valor, independente do desembolso de recursos para quitá-la.
Diante disso, é de se convir que o fato de um tributo estar com a
exigibilidade suspensa não torna incerta sua existência ou seu valor, de modo
a possibilitar seu enquadramento no conceito de provisão. Não mesmo. Como
dito, desde o fato gerador a obrigação tributária existe, é devida e mensurável,
apenas não sendo exigível enquanto subsistir a causa suspensiva. Tal
assertiva foi, inclusive, admitida pelo Conselho de Contribuintes do Ministério
da Fazenda, atual CARF, por ocasião do julgamento do Recurso Voluntário
interposto pela Instituição no caso sob análise, conforme se pode ver no
seguinte excerto do voto do Conselheiro Relator:
“No caso em tela, o fato de as referidas contribuições se encontrarem com a sua exigibilidade suspensa, não significa que o crédito tributário correspondente não era devido, identificável ou mensurável, mas tão somente que o seu efetivo desembolso está postergado para o momento do término da ação judicial e que, portanto, enquanto não for proferida decisão na ação judicial, são devidos4.” (sem destaques no original).
Não há como alegar que houve o nascimento da obrigação
tributária que, repita-se, surge com a ocorrência do fato gerador, mesmo
estando o tributo com a exigibilidade suspensa. A suspensão da exigibilidade
do crédito tributário nada mais é do que uma forma de proteção temporária do
sujeito passivo contra atos de cobrança da Autoridade Administrativa, após
ocorrido o fato gerador e, conseqüentemente, a obrigação tributária (afinal, se
inexistisse a obrigação, sequer haveria necessidade de proteger o contribuinte
contra atos administrativos de cobrança).
4 1º CC/MF – 1ª Câmara; Acórdão nº 101-95.727; Rel. Valmir Sandri; data da sessão 20/09/2006.
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Outrossim, o mero questionamento judicial do tributo não é hábil a
torná-lo incerto ou inválido, o que somente pode ocorrer após o trânsito em
julgado da decisão que assim determine. É cediço que a lei instituidora da
obrigação tributária, ainda que contestada, goza de presunção de validade,
produzindo seus regulares efeitos até que o contrário seja declarado
judicialmente.
Por corolário lógico, o fato de o contribuinte se opor, em juízo, ao
pagamento de determinado tributo não retira a natureza de contas a pagar dessa despesa, considerando que, ainda que dela discorde, a obrigação
existe e é devida enquanto não for definitivamente julgada inválida. Esclareça-
se que o questionamento judicial a que se está referindo não decorre da dúvida
quanto à aplicação da lei tributária ao fato praticado pelo contribuinte, mas sim do entendimento deste acerca de sua ilegalidade/inconstitucionalidade.
Logo, enquanto não for declarada a invalidade jurídica da norma questionada
(se é que, de fato, isso venha a ocorrer), o contribuinte estará submetido à sua
compulsória observância, quer a considere legítima, quer não. Hugo de Brito
Machado é categórico ao lecionar sobre a questão:
“A contabilização de tributo independe da vontade do contribuinte. Independe de seu reconhecimento. Surge com a ocorrência do respectivo fato gerador, sendo o
lançamento tributário meramente declaratório, consoante
entendimento hoje pacífico entre os doutrinadores.
(...)
Se há lançamento, é induvidoso o direito que tem o contribuinte de considerar a relação jurídica tributária naquele declarada, ainda que se oponha à validade jurídica do procedimento de constituição do crédito respectivo, e sustente ser indevido o tributo. Sua contabilidade, assim, há de registrar essa relação, que não é desconstituída pelo fato de ingressar o contribuinte em Juízo sustentando ser indevido o tributo.
22
(...)
A obrigação tributária, nascida com a ocorrência do fato gerador respectivo (CTN, art. 113, §1º), obviamente não deixa de existir em face de qualquer das causas de suspensão de sua exigibilidade. Até que seja a causa definitivamente julgada, a dívida existirá, e como tal deve ser tratada contabilmente, e considerada para os efeitos tributários. (...)5”. (sem destaques no original).
Diante das lições acima colacionadas, constata-se a
insubsistência da alegação de que a contabilização como despesas incorridas
dos valores relativos a tributos questionados judicialmente, cuja exigibilidade
esteja suspensa, é incorreta. Tanto não o é que, em casos semelhantes, em
que o contribuinte intenta medida judicial, buscando a declaração da invalidade
do tributo, mas não é favorecido pelas causas suspensivas da exigibilidade
deste, ou demonstra, de forma ainda mais radical, sua inconformidade com a
exação, deixando de recolhê-la por sua conta e risco, a respectiva despesa,
mesmo que não paga, é considerada efetivamente incorrida e, por conseguinte,
dedutível.
Importante ressaltar que a própria Administração Pública
reconhece como existente a obrigação tributária desde o fato gerador, mesmo
estando suspensa sua exigibilidade. Prova disso é que, quando referida causa
suspensiva deixa de existir, o Fisco passa a exigir o principal, acrescido dos
juros moratórios incidentes durante todo o período, salvo se houver depósito
judicial do valor integral do débito6. Se essa despesa representasse mera
5 In Dedutibilidade de tributos com exigibilidade suspensa – Revista Dialética de Direito Tributário nº 3, 1995, p. 49 e 50. 6 Referida exigência fiscal tem por fundamento o seguinte dispositivo do RIR/99, aprovado pelo Decreto nº 3.000/99: “Art. 953. Em relação a fatos geradores ocorridos a partir de 1º de abril de 1995, os créditos tributários da União não pagos até a data do vencimento serão acrescidos de juros de mora equivalentes à variação da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC para títulos federais, acumulada mensalmente, a partir do primeiro dia do mês subseqüente ao vencimento do prazo até o mês anterior ao do pagamento (Lei nº 8.981, de
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provisão, somente poder-se-ia admitir a incidência de juros a partir do momento
em que a decisão judicial confirmasse a legitimidade da obrigação.
Insubsistente, assim, a alegação do Fisco no sentido de que a
natureza de provisão das despesas relativas a tributos com exigibilidade
suspensa decorre da incerteza do momento de sua liquidação. Ora, se ele
próprio exige os juros de mora durante todo o período de suspensão da
exigibilidade do tributo, a contar da ocorrência do respectivo fato gerador, é
porque considera a obrigação existente e vencida desde então, caso contrário
não haveria que se falar em mora do contribuinte a ensejar tal punição.
Depreende-se de tudo o que foi exposto até aqui, que o
questionamento judicial dos tributos, bem como a suspensão de sua
exigibilidade, não desnaturam sua natureza contábil de contas a pagar, uma vez que, desde a ocorrência do fato gerador, a obrigação tributária é
devida (até que o contrário não seja julgado em definitivo) e perfeitamente
determinável, não podendo, dessa forma, ser enquadrada no conceito de
provisão.
A própria legislação relativa ao imposto de renda corrobora essa
conclusão. Ao dispor sobre a base de cálculo desse tributo, ela estabelece, em
dispositivos distintos (art. 41, §1º da Lei n.º 8.981/95 e art. 13, I da Lei n.º
9.249/95, respectivamente), que os tributos com exigibilidade suspensa, bem
como as provisões, são parcelas indedutíveis de tal cômputo.
Ora, se as exações temporariamente inexigíveis possuíssem
caráter de provisão, não haveria razão para que sua indedutibilidade fosse
determinada por dispositivo legal específico. Para tanto, bastaria apontar o 1995, art. 84, inciso I, e § 1º, Lei nº 9.065, de 1995, art. 13, e Lei nº 9.430, de 1996, art. 61, § 3º). (..) § 3º Os juros de mora serão devidos, inclusive durante o período em que a respectiva cobrança houver sido suspensa por decisão administrativa ou judicial (Decreto-Lei nº 1.736, de 1979, art. 5º). § 4º Somente o depósito em dinheiro, na Caixa Econômica Federal, faz cessar a responsabilidade pelos juros de mora devidos no curso da execução judicial para a cobrança da dívida ativa. (...)”. (sem destaques no original).
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referido art. 13, o qual, como visto, determina a inclusão das provisões na base
de incidência do IRPJ. Por essa razão, e tendo-se em vista que a lei, segundo
as regras de interpretação jurídica, não contém disposições inúteis, vê-se que o
próprio ordenamento jurídico pátrio distingue as despesas registradas para
fazer face aos tributos com a exigibilidade suspensa das provisões.
O posicionamento decorrente das aplicações dos preceitos
internacionais de contabilidade leva ao necessário reconhecimento, portanto, de que as despesas relativas a tributos com exigibilidade suspensa não se enquadram no conceito de provisão. Veja-se como a
matéria é tratada pelas normas técnicas contábeis.
Em outubro de 2005, a Comissão de Valores Mobiliários publicou
a Deliberação nº 489, aprovando o Pronunciamento do IBRACON NPC nº 22,
que dispõe sobre provisões, passivos, contingências passivas e contingências
ativas.
No anexo I da mencionada NPC, a “obrigação legal” e a
“contingência passiva” foram conceituadas da seguinte forma:
“(vi) Uma obrigação legal é aquela que deriva de um
contrato (por meio de termos explícitos ou implícitos), de
uma lei ou de outro instrumento fundamentado em lei.
(...)
(viii) Uma contingência passiva é:
(a) uma possível obrigação presente cuja existência será
confirmada somente pela ocorrência ou não de um ou mais
eventos futuros, que não estejam totalmente sob o controle
da entidade; ou
(b) uma obrigação presente que surge de eventos passados,
mas que não é reconhecida porque:
(i) é improvável que a entidade tenha de liquidá-la; ou
(ii) o valor da obrigação não pode ser mensurado com
suficiente segurança.” (sem destaques no original).
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Considerando a complexidade inerente ao assunto relativo aos
passivos tributários e às provisões em geral, o IBRACON editou a Interpretação
Técnica nº 02/2006, com o escopo de sanar algumas dúvidas geradas pela
NPC nº 22, especificamente aquelas referentes ao conceito legal de obrigação
e à interpretação do exemplo de tratamento a ser dado ao tributo em relação
ao qual o contribuinte ajuíza ação judicial para argüir sua
inconstitucionalidade7.
Dos esclarecimentos traçados pela Interpretação Técnica do
IBRACON nº 02/2006 acerca do exemplo acima mencionado (tratamento
contábil dos tributos questionados judicialmente), infere-se que, enquanto não
for declarada a inconstitucionalidade da lei instituidora da obrigação tributária,
esta continuará válida, devendo a despesa a ela vinculada ser contabilizada
como “despesas a pagar”, salvo em situações extremas em que se possa
atestar a evidência de que a lei, ainda que vigente, não produzirá seus efeitos
regulares. Confira-se, a propósito, os dizeres da aludida Interpretação Técnica:
“Nesse caso, enquanto vigorar a lei, existe uma relação jurídica que estabelece uma obrigação legal entre o contribuinte e a União. Em razão da existência dessa relação jurídica, os respectivos efeitos produzidos pela
7 Referido exemplo encontra-se previsto no item 4(a), do Anexo II da NPC 22, cuja redação é a seguinte: “4. Tributos (a) A administração de uma entidade entende que uma determinada lei federal, que alterou a alíquota de um tributo ou introduziu um novo tributo, é inconstitucional. Por conta desse entendimento, ela, por intermédio de seus advogados, entrou com uma ação alegando a inconstitucionalidade da lei. Nesse caso, existe uma obrigação legal a pagar à União. Assim, a obrigação legal deve estar registrada, inclusive juros e outros encargos, se aplicável, pois estes últimos têm a característica de uma provisão derivada de apropriações por competência. Trata-se de uma obrigação legal e não de uma provisão ou de uma contingência passiva, considerando os conceitos da NPC. Em uma etapa posterior, o advogado comunica que a ação foi julgada procedente em determinada instância. Mesmo que haja uma tendência de ganho, e ainda que o advogado julgue como provável o ganho de causa em definitivo, pelo fato de que ainda cabe recurso por parte do credor (a União), a situação não é ainda considerada praticamente certa, e, portanto, o ganho não deve ser registrado. É de se ressaltar que a situação avaliada é de uma contingência ativa, e não de uma contingência passiva a ser revertida, pois o passivo, como dito no item anterior, é uma obrigação legal e não uma provisão ou uma contingência passiva.”
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vigência da norma devem ser registrados contabilmente como contas a pagar. A obrigação legal, anteriormente descrita, somente deixará
de existir quando a relação jurídica que a originou deixar de
produzir, definitivamente, os efeitos que lhe são pertinentes.
Essa relação jurídica terminará quando houver decisão
definitiva acerca de sua inconstitucionalidade proferida em
instância competente, ou caso haja o seu efetivo
cumprimento por meio de pagamento ou outra forma de
extinção da obrigação tributária.
Note-se que a suspensão da exigibilidade do pagamento da obrigação tributária, provocada por meio de recursos legais iniciados pela entidade, não afeta a existência dessa obrigação. A obrigação legal existe, mas não é, no momento, exigível. O exemplo acima tem o objetivo de
distinguir os efeitos de uma obrigação legal, a qual deve ser
tratada como “contas a pagar”, e os efeitos da suspensão de
sua exigibilidade sob argüição de inconstitucionalidade.
O item 6(vi) da NPC 22 define uma obrigação legal como
aquela que deriva de um contrato, de uma lei ou de outro
instrumento fundamentado em lei, enquanto o item 18 dessa
mesma NPC trata da saída provável de recursos para
liquidar uma obrigação.
Para efeitos dessa definição, há de se observar que uma lei é editada com presunção de legitimidade, com o que serão raros os casos em que se poderá considerar improvável o desembolso de recursos para fazer frente à obrigação ou argüir a não-existência de obrigação legal instituída. Nesse contexto, e considerando a convenção da objetividade, as demonstrações contábeis devem ser elaboradas de acordo com uma concepção mais segura e objetiva em relação aos fatos que afetam o patrimônio da entidade. Todavia, nem toda circunstância de ordem
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objetiva consegue exprimir a melhor avaliação. Sempre
caberá ao profissional da contabilidade efetuar julgamento,
segundo as normas que regem a profissão contábil, fazendo
uso do trabalho de especialistas, principalmente nos casos
que envolvem matéria de natureza legal ou tributária, como é
o caso específico deste tópico. Em decorrência desse exercício de julgamento, podem existir situações que permitam concluir, mesmo que em raros casos, com base em concretas evidências, que determinadas leis, ainda que vigentes, não produzirão os efeitos patrimoniais que lhes seriam pertinentes. O exemplo incluso no item 4(a) do Anexo II da NPC 22,
portanto, não tem o objetivo de alterar a norma da qual faz
parte, ou seja, não se elimina o julgamento da administração
sobre a legislação editada, conforme descrito no tópico
relativo à interpretação legal; porém, repita-se, serão raras
as situações nas quais não fica caracterizada a existência de
uma obrigação legal em decorrência de uma lei, que
permitiriam à administração da entidade deixar de fazer o
registro contábil de um passivo.”
Como se pode constatar, segundo as normas técnicas da
contabilidade, as despesas relativas a uma obrigação tributária questionada
judicialmente, ainda que a exigibilidade desta esteja suspensa, são
consideradas efetivamente incorridas, devendo ser contabilizadas como contas
a pagar.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Diante dos comentários expostos até aqui, é possível concluir,
portanto, que a intenção de se conferir interpretação mais subjetiva na
definição da natureza de atos ou negócios jurídicos não é novidade em nosso
ordenamento. Mais que isso, representa, em verdade, uma tendência que
contribui para identificar a inteligência da norma relacionada ao ato que
efetivamente se praticou.
Assim, considerando que os princípios nos quais se baseiam o IFRS
estão diretamente alinhados com a interpretação baseada na essência do ato
ou negócio jurídico e que, essa mesma orientação vem se mostrando cada vez
mais admitida em questões de direito tributário tanto na jurisprudência
administrativa quanto judicial, é de se entender que a essência dos atos ou
negócios jurídicos reconhecidos a partir do IFRS é que deverá ditar o seu
correto tratamento fiscal.
Ante o exposto, é de se concluir que, de acordo com as normas
jurídicas e técnicas aplicáveis à matéria, as despesas relativas a tributos com
exigibilidade suspensa não se enquadram no conceito de provisão, não
podendo, por esse motivo, serem consideradas indedutíveis da base de cálculo
da CSLL em virtude do disposto no já mencionado art. 13, I, da Lei nº 9.249/95
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6. BIBLIOGRAFIA
Ernst & Young e FIPECAFI. Manual de Normas Internacionais de Contabilidade: IFRS versus Normas Brasileiras. 2ª. Edição. São Paulo:
Editora Atlas, 2010.
FERNANDES, Edison Carlos. Impacto da Lei n. 11.638/07 sobre os Tributos e a Contabilidade. 2ª Edição. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2009.
GRECO, Marco Aurelio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. 1. edição. São Paulo: Dialética, 1998.