Post on 15-Nov-2018
1
RESPONSABILIDADE CIVIL POR
ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Raul de Mello Franco Júnior∗∗∗∗
SUMÁRIO: I.- INTRODUÇÃO. II.- DA NOÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE. III.- SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 3.1.- Sujeitos Ativos. 3.2.- Sujeitos Passivos. IV.- ESPÉCIES DE ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. 4.1.- Atos que importam enriquecimento ilícito. 4.2.- Atos que causam prejuízo ao erário. 4.3.- Atos que atentam contra os princípios da Admin. Pública. V.- SANÇÕES APLICÁVEIS AOS SUJEITOS ATIVOS DOS ATOS DE IMPROBIDADE. 5.1.- Sanções condenatórias. 5.2.- Sanção desconstitutiva. 5.3.- Sanções restritivas de direitos. 5.4.- Das sanções previstas na lei de improbidade e não referidas no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal. 5.5.- Dosimetria das sanções. 5.6.- Cumulatividade das sanções. VI.- INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À IMPROBIDADE. VII.- CONCLUSÃO. VIII.- BIBLIOGRAFIA.
I.- INTRODUÇÃO
Segundo princípio básico do Direito, da prática do ato ilícito decorre
a responsabilidade do seu causador, entendida esta como a “situação toda especial daquele
que, por qualquer título, deva arcar com as conseqüências de um fato danoso”. 1
Toda manifestação da atividade humana traz, ínsita, o problema da
responsabilidade, daí porque não é ela um fenômeno exclusivo da vida jurídica. Está, de
algum modo, relacionada a todos os domínios da vida em sociedade e da organização dos
corpos sociais.
Na atividade administrativa, enquanto gestão de interesses da
coletividade, a responsabilidade tem esteio no conceito de república, sistema de governo
∗ O autor é Promotor de Justiça, membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Araraquara (SP) – UNIARA e mestrando em Direito pela UNESP – Universidade Estadual Paulista. Trabalho apresentado em conclusão de créditos das disciplinas Direito Civil – Responsabilidade Civil, do programa de Pós-graduação em Direito (Mestrado – Convênio Unesp-Apamagis), tendo como responsável o Prof. Dr. Oreste Nestor de Souza Laspro. 1 Zanobini. Corso di diritto administrativo. 6a ed. V. I, 1950, p. 269, apud Stoco, Rui. Responsabilidade Civil, p. 37.
2
que remete ao representante do povo a obrigação de atuar de forma diligente, íntegra, justa
e, sobretudo, responsável.
Esta idéia de responsabilidade do homem público caminha, pari
passu, com o dever de boa administração, exigindo deste agente conduta que identifique os
atos administrativos que protagoniza, com o real interesse público que deve
invariavelmente motivar a sua ação. O que se deseja é a administração de interesses
alheios, de toda a coletividade, com cuidados equivalentes àqueles dispensados na
administração dos interesses pessoais.
Preocupou-se o legislador, pois, em chamar à responsabilidade toda
aquele que tendo o encargo de administrar os interesses de todos, mostrou-se inapto,
incauto ou desonesto.
O sistema constitucional-administrativo utiliza-se de uma série de
instrumentos de controle e de prevenção, cujo eixo mestre é a própria separação de poderes
do Estado. Mas também apresenta uma plêiade de mecanismos repressivos que
transpassam várias esferas, como a administrativa, a penal e a civil.
Interessa-nos, neste estudo, de forma especial, desvendar o
funcionamento do sistema legislativo de repressão aos atos de improbidade administrativa,
de modo a melhor compreender a dimensão conferida à responsabilidade civil por atos
lesivos ao patrimônio material ou moral da Administração Pública ou atentatórios aos
princípios constitucionais que regram a atividade do homem público.
Ressaltamos, desde logo, que o tema é vastíssimo. Diversos aspectos
sobre os quais fizemos breves anotações comportariam estudos distintos. A finalidade
desta exposição, entretanto, é traçar, em passos largos, a dimensão da responsabilidade
civil por ato de improbidade, sem a preocupação de esmiuçar considerações acerca de
pontos polêmicos.
II.- DA NOÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE
O termo “probidade” advém de “probo”, do latim probus, que
implica na qualidade de ser honesto, autêntico, virtuoso, honrado. Liga-se também a
improbitate: desonestidade. A improbidade, pois, é atributo negativo do caráter de alguém
3
e, no âmbito do direito, o termo está associado à conduta do administrador que comete
maus-tratos à coisa pública, no desempenho de seu mister.
A preocupação com a repressão da improbidade dos homens
públicos tem raízes no direito romano, mas passou a ser enfatizada nos direitos
constitucional, administrativo e penal modernos, como meio de se promover o Estado
democrático de direito e a ética na política, a estabilização das economias (a corrupção é
sempre pernóstica a qualquer economia) e a defesa do patrimônio público.
Percebe-se certa dificuldade da doutrina em fixar os limites
conceituais de “improbidade”. Parte-se do conceito de moralidade administrativa, gênero
de onde a probidade despontaria como espécie. A moralidade da Administração é tomada
como princípio constitucional que direciona o agente público aos deveres de probidade,
honestidade, lealdade às instituições, prestação de contas, eficiência, economicidade etc. A
imoralidade, por conseguinte, representa uma agressão a esta principiologia.
Não se conclua a partir disto, que toda moral comum teria sido
juridicizada. Como assevera Adilson Abreu Dallari, invocando os estudos de Márcio
Cammarosano, “a moralidade administrativa tem conteúdo jurídico, porque compreende
valores juridicizados, e tem sentido a expressão moralidade porque os valores juridicizados
foram recolhidos de outra ordem normativa do comportamento humano: a ordem moral.
Os aspectos jurídicos e morais se fundem, resultando na moralidade jurídica. Para fins de
direito, em função das conseqüências jurídicas decorrentes, não é possível tomar como
imoral ou ímprobo ato ou comportamento assim considerado em face de uma pura
concepção subjetiva. Sempre será necessário e indispensável demonstrar que a conduta
questionada conflita com princípios e normas que estejam contidos, que tenham sido
absorvidos, pelo sistema jurídico”. 2
Para Marcelo Figueiredo, a probidade, no contexto constitucional, é
forma qualificada de moralidade administrativa. “A improbidade viola a moralidade, que,
por seu turno, gera a sanção”. É um “estado que deflagra toda uma série de conseqüências
jurídicas cujo resultado é a sanção, a cominação da imoralidade nas funções estatais”. 3·
Marcello Caetano doutrina que “a probidade administrativa consiste
no dever de o funcionário servir à Administração com honestidade, procedendo no
2 Limitações à atuação do Ministério Público na ação civil pública. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 25. 3 O controle da moralidade na Constituição, p. 48.
4
exercício das funções sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em
proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer”.4
No aspecto subjetivo, o ato de improbidade corresponde à violação
de um dever moral que traduz delito, desonestidade, abuso, fraude, má-fé, caracterizando
ilícitos penais, civis, administrativos, políticos etc. O seu núcleo fundamental reside, pois,
“na violação do princípio ético que deve presidir as relações jurídicas estabelecidas no
desempenho de atividades estatais (públicas) ou equiparadas”.5
Se o agente público tem o dever de somente agir honestamente e de
acordo com os limites traçados na Constituição e no sistema legislativo vigente, é curial
que quando se afasta deste dever lesa os interesses de toda coletividade. E dos efeitos de
sua conduta devem emanar as bases de sua responsabilização civil, com a sujeição ao
sancionamento que estudaremos nos itens que se seguem. Antes, porém, emerge a
necessidade de tornar claro quem são os sujeitos passíveis desta responsabilização, na
medida em que tomados como personagens de atos de improbidade. No outro extremo,
imperioso apontar quem são as pessoas atingidas por tais condutas.
III.- SUJEITOS DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A classificação de sujeitos ativos e passivos, em matéria de
probidade ou de improbidade, pode sofrer variação e até inversão, a partir do prisma que se
tome para apontá-los. Os autores que partem do prisma positivo (dever de probidade),
consideram as entidades públicas ou privadas (de alguma forma beneficiadas por recursos
públicos) como sujeitos ativos desta relação. Os agentes públicos e terceiros são tomados
como potenciais sujeitos passivos. Se o referencial é o negativo (ato de improbidade), os
pólos se invertem. 6 Como nos interessa a responsabilidade pelo ato de improbidade,
optamos pelo segundo posicionamento.
4 Manual de Direito Administrativo, t. II, p. 684. 5 Marcelo Figueiredo, obra cit., p. 51. 6 Esta diferenciação pode ser bem percebida em duas das maiores obras sobre o tema, cuja polarização do enfoque já é sentida nos títulos: Probidade Administrativa, de Wallace Paiva Martins Jr. e Improbidade Administrativa, de Fábio Medina Osório.
5
3.1.- Sujeitos Ativos
a) o agente público
A lei estabelece, primeiramente, como sujeitos do dever de
probidade administrativa o agente público, seja ele servidor ou não. A noção de agente
público, pois, supera aquela de “funcionário público”, presente no art. 327 do Código
Penal.
Estará sujeito às sanções legais, conforme dispõe o art. 1o da lei
8.429/92, qualquer agente público que venha a praticar atos de improbidade contra a
administração pública, contra entidade majoritariamente custeada pelo erário ou contra
entidade subvencionada ou beneficiada de qualquer forma pelo poder público.
O que fez o legislador foi apontar as pessoas que podem ser
civilmente responsabilizadas por atos de improbidade administrativa, até porque a
condição de que se revestem lhes concede meios para tanto. Encarregou-se de conceituar
“agente público” (art. 2o), tomando-o como todo aquele que exerce, ainda que
transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou
qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas
entidades anteriormente referidas.
A verdade é que o vínculo com o Estado ou a forma de investidura
junto à Administração são aspectos secundários, na medida em que, por preceito
constitucional, qualquer pessoa física ou entidade privada que utilize, arrecade, guarde,
gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda,
ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária, tem o dever de prestar
contas (art. 70, CF), sujeitando-se aos rigores da lei, caso tenha agido de forma irregular.
Sobreleva o uso indevido da função, atingindo os bens ou interesses de qualquer esfera de
governo, de todos os poderes de Estado e de todas as suas entidades. Pouco importa, pois,
seja o servidor civil ou militar, agente político ou administrativo, honorífico, delegado,
credenciado, convocado, requisitado etc. Estando a serviço da Administração, ainda que
eventualmente, tem o dever de probidade. Quando rompe este dever, é tomado como
sujeito ativo do ato de improbidade e, conseqüentemente, deve suportar as conseqüências
dele.
6
A incidência abrange o particular que colabora com a
Administração, como tabeliães, jurados, mesários, concessionários de serviços públicos
etc., desde que os atos atacados tenham correlação com o poder delegatário.
São também alcançados os detentores de mandatos eletivos,
membros do Judiciário e do Ministério Público. As prerrogativas constitucionais, como
imunidades e garantias funcionais de independência, não lhes aproveita no sentido de
eximi-los das conseqüências de infrações graves que denotem afronta à moralidade, no
desempenho da função pública. Mesmo o Presidente da República, segundo a melhor
doutrina, pode estar sujeito às sanções decorrentes de ato de improbidade, com exceção da
perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos, conseqüências regidas por
normas especiais, expostas pelo próprio texto constitucional e atinentes aos crimes de
responsabilidade definidos pela lei federal nº 1070/50.7
b) terceiros
O terceiro ou particular que induz ou concorre para a prática de ato
de improbidade é tomado pela lei como partícipe e, por esta razão, também pode ser
civilmente responsabilizado. As disposições legais também alcançam aqueles que, de
forma direta ou indireta, foram beneficiados pelos atos de improbidade.
Assim, pessoas físicas ou jurídicas, ainda que estranhas aos quadros
da Administração, que tenham de algum modo influenciado, auxiliado, colaborado, tomado
parte do ato de improbidade ou auferido qualquer tipo de vantagem ou benefício em razão
dos deslizes contra a moralidade administrativa, devem também ser responsabilizadas.
Na hipótese de participação será necessário identificar o ato ou
omissão que guarde relação estreita com a conduta do agente ímprobo, sendo mesmo útil a
teoria de relação de causalidade para apontar esta participação.
Quando se fala em terceiro puramente beneficiário, não se exige
qualquer evidência de que tenha participado efetivamente do ato, liame este de dificílima
comprovação. Basta que se comprove que houve o aproveitamento, ainda que reflexo, das
conseqüências do ato de improbidade, com repercussões positivas para a esfera dos
7 Sobre a aplicação da lei de improbidade ao Presidente da República, vide outros comentários no item 5.2.
7
interesse daqueles. A imposição das sanções cabíveis dependerá da demonstração do nexo
etiológico existente entre o benefício experimentado e o ato de improbidade administrativa.
No caso do beneficiário, reclama atenção o fato de que qualquer
valor de dinheiro público injetado na iniciativa privada implica na inserção da pessoa
jurídica agraciada no raio de incidência da lei de improbidade. Isto significa que um ato de
desonestidade, de má aplicação de recursos por parte de entidade que receba, do poder
público, qualquer tipo de subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, pode
sofrer o enquadramento da lei anticorrupção. E tal ato, à evidência, pode ser praticado por
um particular, mesmo não sendo agente público.
A censura do comportamento do beneficiário, entretanto, não pode
prescindir do conceito de boa-fé. Quem age por dolo ou de forma incauta, extraindo
proveito de situações jurídicas ilegítimas, deve ser responsabilizado. Se atua de boa-fé, não
sendo possível ou razoável lhe exigir maior cautela, não pode ser atingido pelas sanções da
lei, ainda que inegável o benefício. Importante, entretanto, atentar para o fato de que a boa-
fé não pode estar assentada na freqüente alegação de desconhecimento da lei ou dos
procedimentos rotineiros da Administração, como os processos licitatórios, os concursos
públicos, o dever de prestação de contas, o interesse público como finalidade de qualquer
ato administrativo etc.
No escólio de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, “bastaria uma culpa
levíssima, permitida a expressão, ou índicos de culpa, para que se fizessem presentes
requisitos autorizadores de demanda cível de improbidade, cabendo ao interessado provar
que agiu diligentemente e, mesmo assim, não lhe foi possível ter ciência da ilicitude da
conduta do administrador. A culpa, aqui, bem entendido, refere-se ao alcance da potencial
consciência da ilicitude, na medida em que tal consciência deve ser alcançada pelos
agentes públicos, como regra”. 8
O art. 8o da lei 8.429/92 prevê, por fim, a transmissibilidade das
sanções derivadas da improbidade administrativa. Estas se limitam aos valores ilicitamente
acrescidos e ao ressarcimento integral do dano. No caso de sucessão mortis causa, os
limites desta responsabilidade encontram-se no valor da herança. Excluem-se as demais
sanções, face ao caráter personalíssimo que possuem.
8 Improbidade Administrativa, p. 117.
8
3.2.- Sujeitos Passivos
Tomamos por sujeitos passivos dos atos de improbidade aquelas
pessoas jurídicas indicadas pela lei e que podem sofrer os efeitos destes atos.
Como a lei 8.429/92 tem por escopo proteger a Administração, na
sua mais larga acepção, sempre que venha a ser alvo de corrupção, favoritismos, má
gestão, malversação dos recursos públicos etc., é curial que o sujeito passivo dos atos de
improbidade deverá coincidir com qualquer pessoa ou entidade que seja nutrida, total ou
parcialmente, por recursos do erário.
Nesta categoria, nos termos da lei, podemos incluir:
a) órgãos da Administração direta;
b) órgãos da Administração indireta;
c) empresa ou entidade para cuja criação o erário haja
concorrido ou concorra com mais de 50% do patrimônio ou da receita anual;
d) empresa ou entidade que receba subvenção, benefício
ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como daquelas para cuja
criação ou custeio o erário haja concorrido com menos de 50% do patrimônio ou da
receita anual.
Na última hipótese, supra, a sanção patrimonial estará limitada à
repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. Isto, evidentemente, não
inibe a aplicação das demais sanções de caráter não patrimonial.
IV.- ESPÉCIES DE ATOS DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA
As leis 3.164/57 e 3.502/58, precursoras no combate à improbidade
no Brasil, censuravam apenas o enriquecimento ilícito dos agentes públicos. A nova lei
desdobrou a tutela para alcançar, além destes, também os atos que causam prejuízo ao
erário e aqueles que atentem contra os princípios de regência da Administração Pública.
9
Um rol exemplificativo de situações ou condutas acompanha, no texto legal, cada uma das
modalidades de improbidade (arts. 9o, 10 e 11).
4.1.- Atos que importam enriquecimento ilícito
São previstos no art. 9o da lei 8.429/92 e constituem as condutas de
maior gravidade, eis que intimamente relacionadas à corrupção. Caracterizam-se,
sobretudo, por condutas onde se verifica a despreocupação do agente quanto à linha
divisória entre o público e o privado (desvio de interesses). “A censura legal é endereçada
àquele que se aproveita de uma função pública para angariar vantagem a que não faz jus,
por qualquer artifício que venha a empregar (abuso de confiança, excesso de poder,
exploração de prestígio, tráfico de influência etc.)”.9
Toda ação ou omissão, lícita ou ilícita, voltada para a obtenção de
vantagens econômicas (ainda que sob a forma de prestação negativa), no exercício da
função pública, para si ou para outrem, de forma direta ou por interposta pessoa, ainda que
isto não implique em dano patrimonial ao erário, poderá caracterizar esta primeira espécie
de ato de improbidade administrativa.
O dolo do beneficiado apresenta-se, no caso, in re ipsa, ou seja,
emerge da própria conduta e o proveito dele resultante pode ser tanto material como moral
(com ou sem reflexos econômicos).
A lei se refere, exemplificativamente, ao recebimento de dinheiro ou
bens ou outra vantagem econômica, com a finalidade de, no exercício da função pública,
beneficiar alguém. A contrapartida deste benefício indevido pode se concentrar em
providências ou proveitos de naturezas diversas: praticar ou deixar de praticar um ato de
ofício; facilitar a aquisição, permuta ou locação de bens ou serviços por parte da
Administração; facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou fornecimento
de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado; utilizar máquinas,
equipamentos ou mão de obra de servidores públicos para fins particulares; tolerar a
exploração ou prática de jogos de azar, lenocínio, narcotráfico, contrabando, usura ou outra
atividade ilícita; fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obra pública ou
9 Martins Júnior, Wallace de Paiva. Obra citada, p. 184, reportando-se a Francisco Bilac Moreira Pinto.
10
outro serviço; intermediar a liberação ou aplicação de verba pública; omitir ato de ofício,
providência ou declaração a que esteja obrigado etc.
Também se enriquece ilicitamente quem incorpora ao seu
patrimônio ou usa, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do
acervo patrimonial das entidades referidas no art. 1o da lei ou amealha bens cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou renda que aufere em razão do cargo,
emprego ou função.
Quanto a este último aspecto, a vigilância acerca da evolução
patrimonial do agente é facilitada pela obrigação, também imposta pela lei de improbidade,
de apresentar declaração de bens por ocasião da posse do agente público, ato que deve ser
renovado a cada ano (art. 13 da lei 8.429/92). Há presunção de ilegitimidade do
enriquecimento, na verificação de incremento patrimonial anormal do agente, em face de
suas rendas. O mesmo se pode dizer quanto a outros signos exteriores de riqueza (obtenção
de bens em favor de terceiros, doações, viagens etc.).
O projeto inicial da lei de improbidade previa, expressamente, a
regra de inversão do ônus da prova em tais casos. Caberia ao agente, assim, demonstrar a
licitude das aquisições ou gastos. Tais exigências acabaram sendo extirpadas do texto.
Todavia, a mens legis prevalece sobre a legislatoris, como advertem Antonio Augusto
Mello de Camargo Ferraz e Antonio Herman de Vasconcellos e Benjamin10 e, nesta
medida, a inversão do ônus da prova continua presente. Cabe ao autor da ação tão somente
o dever de demonstrar a discrepância entre rendimentos e evolução patrimonial do agente.
A opinião é compartilhada por Luiz Fabião Guasque 11 e Carlos Alberto Ortiz 12, entre
outros.
4.2.- Atos que causam prejuízo ao erário
São previstos no art. 10 da lei 8.429/92. Percebe-se, aqui, uma
convergência de tutelas do patrimônio público, entre a lei de improbidade e a ação popular.
10 A inversão do ônus da prova na lei da improbidade administrativa – lei nº 8.429/92. Teses aprovadas no X Congresso Nacional do Ministério Público. Cadernos – Temas Institucionais. São Paulo: Associação Paulista do Ministério Público, 1995. 11 A responsabilidade da lei de enriquecimento ilícito. RT 712/359. 12 Cadernos de Direito Constitucional e Eleitoral, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, v. 28, p. 16.
11
Mister que reste comprovado o comportamento doloso ou culposo
do agente, na esfera civil: vontade de provocar o prejuízo ou não observância de deveres de
cautela próprios da atividade pública.
Esta lesão pode estar suficientemente caracterizada pela perda,
desvio, apropriação, malbaratamento, dilapidação ou qualquer outra conseqüência,
relacionada à conduta do agente, que implique em redução ilícita e indevida de valores
patrimoniais.
A cabeça do dispositivo conceitua o prejuízo material, enquanto os
incisos, de forma exemplificativa, apresentam situações onde ele presumivelmente se
verifica.13 A subsunção da hipótese a um dos incisos, pois, significa a admissão automática
de que prejuízo houve, ainda que as aparências indiquem o contrário. É o que ocorre, com
freqüência, em obras ou serviços contratados sem licitação onde, amiúde, o agente
pretende o afastamento do dever de indenizar sob a alegação de que as condições do
negócio pautaram-se pelos valores de mercado. A frustração da licitude do processo
licitatório ou sua dispensa indevida, porém, são apresentados pela lei como situações de
prejuízo presumido ao erário (inc. VIII do art. 10).
Importante notar que, nesta categoria de ato, o enriquecimento do
agente é irrelevante. Normalmente o que se constata é o enriquecimento de particular, em
detrimento dos interesses do erário. É claro que é possível apontar, em uma mesma
hipótese, também o enriquecimento ilícito do agente, com previsão no art. 9o da lei.
4.3.- Atos que atentam contra os princípios da
Administração Pública
Esta terceira modalidade de atos surge como novidade no sistema
jurídico nacional, enquanto instrumento de repressão à improbidade administrativa.
Trata-se de figura que tem nítido caráter residual em relação às
modalidades anteriores, o que significa dizer que não supõe o enriquecimento ilícito do
agente e nem, tampouco, o prejuízo ao erário.
Importou-se o legislador, neste particular, tão somente com a
inobservância dos princípios que regem a Administração Pública, em especial os deveres
13 De forma semelhante, o art. 4o da lei 4.717/65 (lei da ação popular), arrola hipóteses de atos cujas lesividade ao patrimônio público é presumida.
12
de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. A estes é possível,
sem vacilo, acrescentar: finalidade, impessoalidade, razoabilidade, proporcionalidade,
igualdade, boa-fé etc., todos eles evidentemente afinados com a questão da probidade na
condução dos interesses administrativos.
Deste modo, a simples violação de um princípio constitucional,
como o da publicidade dos atos oficiais ou da regra do concurso para o acesso a cargos,
empregos ou funções públicos é suficiente para justificar a aplicação do sistema de
sancionamento dos atos de improbidade.
Os atos desta categoria são elencados, também de forma
exemplificativa, no art. 11 da lei especial, voltando-se a preocupação do legislador, de
forma precípua, contra o dano moral gerado pelas condutas. Mas é importante dizer que,
havendo lesão patrimonial decorrente dos mesmos atos, impõe-se o dever de ressarcir
como, aliás, deixa claro o inc. III do art. 12 da lei de improbidade.
V.- SANÇÕES APLICÁVEIS AOS SUJEITOS ATIVOS DOS
ATOS DE IMPROBIDADE
O art. 37, parágrafo 4o da Constituição Federal constitui a base da
jurisdição civil da probidade administração, sem prejuízo das demais tutelas aplicáveis.
A lei 8.429/92, ao regulamentar as sanções cabíveis, explicitou que
elas têm caráter autônomo, admitindo a cumulação com punições de outras esferas (art.
12). São pelo menos três as jurisdições passíveis de responsabilidades e que, a princípio,
atuam com relativa independência: a administrativa, a civil e a penal.
A dimensão das sanções dependerá do enquadramento do ato
praticado, havendo graduação, de maior para menor gravidade, entre aquelas que
sancionam o enriquecimento ilícito do agente, a lesão ao erário ou o mero atentado aos
princípios administrativos. As penalidades são qualitativamente idênticas nos três casos. O
que varia é o aspecto quantitativo ou dimensional.
Estas sanções configuram reparações por danos materiais e morais e
são traduzidas por provimentos jurisdicionais cumuláveis, cujas naturezas são múltiplas:
condenatórias, desconstitutivas e restritivas de direitos.
13
5.1.- Sanções condenatórias
Inserem-se entre as sanções de natureza condenatória, o
ressarcimento do dano, o pagamento de multa civil e a perda dos bens ou valores
ilicitamente acrescidos ao patrimônio do agente público ou de terceiro beneficiado.
a) obrigação de ressarcir o dano
O ressarcimento do dano tem como fundamento o mesmo princípio
que norteia o art. 159 do Código Civil. É previsto logo no art. 5o da lei, que acentua a
obrigatoriedade de sua imposição sempre que ocorrer lesão ao patrimônio público por ação
ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro.
Qualquer que seja a espécie de ato de improbidade, a lesão ao
patrimônio público implicará no dever de ressarcimento.14 WALLACE PAIVA MARTINS
JÚNIOR ressalta que, “para tanto, é mister o concurso dos seguintes requisitos: ação ou
omissão dolosa ou culposa, repercussão financeira negativa (resultado) e nexo causal entre
a ação ou omissão e o resultado (inclusive nos casos de benefício indireto)”.15 Nem sempre
ocorre efetivo dano ao erário. Mas é necessário repisar que em alguns casos a lesão
patrimonial é presumida pela própria lei (ex vi legis). A lei da ação popular, por exemplo,
traz no art. 4o diversas situações de lesividade presumida, sendo várias delas repetidas pela
lei 8.429/92. Em outras hipóteses, como a simples infração a princípios administrativos, a
obrigação de reparar o dano pode estar condicionada à prova de efetiva lesão ao erário. De
qualquer forma, ainda que não haja dano comprovado, nada inibe a aplicação das demais
sanções prevista em lei (art. 21, inc. I da lei 8.429/92).
Interessante dizer que não somente o dano material, mas também o
dano moral à Administração deve ser ressarcido. O art. 12 da lei especial refere-se a
ressarcimento integral do dano. Considerando que a finalidade do diploma é, além do
sancionamento dos atos de improbidade, também a tutela do patrimônio material e moral
14 A rigor, este dever de indenizar existe mesmo não sendo caso de improbidade, seguindo o princípio de que aquele que causou dano ao patrimônio público tem o dever de repará-lo. 15 Probidade Administrativa, p. 269.
14
da Administração, é possível a imposição da obrigação de indenizar o dano imaterial
experimentado pela entidade pública.
Também a Administração Pública tem lesados, nos casos de
improbidade, os seus bens jurídicos imensuráveis materialmente, os seus valores ideais,
sobretudo a moralidade (patrimônio moral) e a sua reputação de pessoa jurídica de direito
público. O agente ímprobo denigre a imagem do órgão ou instituição, expondo-o aos olhos
de todos como aparelho orquestrado para a locupletação, lugar de corrupção, núcleo de
malversação do dinheiro do povo. Daí porque, além da indenização material, devem os
responsáveis ser condenados a recompor financeiramente as deformações que provocaram
na imagem da própria Administração Pública.
Comungamos do entendimento de FÁBIO MEDINA OSÓRIO, para
quem a multa civil não é o veículo próprio e adequado para este ressarcimento.16 Defende
o autor, com inteira propriedade: “ouso discordar do entendimento de que a multa civil
basta para reparar o dano moral. Multa civil é conseqüência jurídica certa da improbidade,
sancionamento autônomo que independe da comprovação de dano moral ou material,
prevista a toda e qualquer modalidade de ato ímprobo, ao passo que o dano moral à
entidade lesada, se houver, deve ser reparado à luz dos critérios que têm orientado os
julgadores nessa seara, sem prejuízo da incidência cumulativa da multa civil e, mais ainda,
sem submissão ao prazo prescricional, por força expressa do art. 37, parágrafo 5o, da Carta
de 1.988, aí residindo importância fundamental da norma jurídica em comento, dado que
permite reparação de dano moral independentemente da multa civil. Aqui, visão
sistemática permite tal conclusão, na medida em que a doutrina, de longa data, vem
admitindo reparação de dano moral à pessoa jurídica, o que pode ocorrer com gravidade
em se tratando de determinados atos de improbidade atentatórios aos princípios da
administração pública”. 17
Uma vez apurado, o ressarcimento do dano material deve ser
integral (restitutio in integrum) e, como corolário do ato ilícito, é sanção imprescritível
(art. 37, § 5o, CF). O exame do caso concreto deve revelar se o quantum a ser ressarcido
deve coincidir ou não com os valores sangrados dos cofres públicos. O dano moral por sua
vez, deve ser fixado de acordo com os critérios usuais firmados pelo entendimento
16 A idéia de que a multa civil assume o lugar do ressarcimento por dano moral é defendida, entre outros, por Juarez Freitas (O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais) e Wallace Paiva Martins Junior (Probidade Administrativa). 17 Obra citada, p. 257.
15
pretoriano, assentados sobretudo na discricionariedade do julgador. A cumulatividade
destas indenizações já é pacificamente aceita pelos nossos Tribunais (Súmula 37 do STJ).
Os valores ressarcidos voltarão a integrar os cofres da pessoa
jurídica lesada (art. 18 da lei 8.429/92), não se aplicando ao caso o art. 13 da lei 7.347/85
(recolhimento em favor de um fundo especial para a reparação de interesses difusos
lesados).
b) multa civil
Multa “é prestação pecuniária compulsória instituída em lei ou
contrato, em favor de particular ou do Estado, tendo por causa a prática de um ilícito
(descumprimento de dever legal ou contratual)”. 18
Trata-se, pois, de sanção do tipo pecuniário, que incide sobre o
patrimônio do transgressor. Ensina Osvaldo Aranha Bandeira de Mello que a multa “pode
ter caráter coercitivo ou de reparação civil”. No primeiro caso, cumpre papel de
intimidação, de modo a impedir que o infrator reincida no erro e desobedeça as
determinações ordinatórias. No segundo, compensa o dano presumido pela infração
cometida.19
Para alguns, como dissemos, a multa civil seria destinada a coibir a
afronta ao princípio da moralidade ou probidade administrativa. Para outros, trata-se de
punição independente. De qualquer modo, a multa não está condicionada à comprovação
de enriquecimento ilícito do agente público.
O montante da multa é variável, conforme o ato de improbidade
praticado. Em se tratando de enriquecimento ilícito, a multa civil pode ser fixada em até
três vezes o valor do acréscimo patrimonial. Se a hipótese for de prejuízo ao erário, a multa
pode alcançar até duas vezes o valor do dano. Por fim, se houve apenas infração aos
princípios administrativos, pode ser dosada em até cem vezes o valor da remuneração
percebida pelo agente.
18 Coelho, Sacha Calmon Navarro. Teoria e Prática das Multas Tributárias, Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 41. 19 Infrações e Sanções Administrativas, São Paulo, Ed. RT, 1985, p. 86.
16
c) perda de bens ou valores
Se o agente ou terceiro conseguiu incrementar o seu patrimônio à
custa de infrações à lei, justo é que se lhe decrete a perda destes bens ou valores que,
afinal, representam aquisições efetuadas direta ou indiretamente com o dinheiro público.
O texto constitucional contempla a perda de bens como penalidade,
observado o devido processo legal (art. 5o, incs. XLV, XLVI e LIV), tratando-se de ato
distinto do confisco.
Alguns criticam a previsão sancionatória sob a alegação de que não
foi albergada pelo texto constitucional, especificamente como conseqüência dos atos de
improbidade. MARINO PAZZAGLINI FILHO e outros lembram, com inteira propriedade,
que se o constituinte previu a possibilidade de se declarar indisponíveis os bens em casos
de improbidade, “foi, precisamente, no intuito de se impor ao autor da ilicitude a perda de
tais bens, ou seja, como antecedente lógico e necessário do perdimento, como remédio
predisposto à restauração da integridade do erário”.20
A perda, assim, incide sobre o proveito patrimonial experimentado e
é obrigatória nos casos de enriquecimento ilícito (arts. 6o, 9o e 12, I). Nos casos de prejuízo
ao erário, é condicionada à existência desta circunstância.
A Administração lesada tem, a par da indenização pelos danos que
sofreu, também o direito à restituição dos bens retirados de seu patrimônio pelo agente. Os
bens perdidos reverterão em prol da pessoa jurídica lesada pelo ilícito (art. 18, da lei de
improbidade).
5.2.- Sanção desconstitutiva
A lei 8.429/92 prevê como sanção desconstitutiva a perda da função
pública.
A penalidade tem aplicação em todas as espécies de improbidade e
atinge o agente seja qual for a natureza do vínculo que o prende ao Estado. É evidente que
não alcança o terceiro, estranho aos quadros da Administração, e nem tem aplicação ao
20 Improbidade Administrativa, p. 133-4.
17
agente que, por qualquer outro motivo (decisão administrativa, exoneração, fim de
mandato etc.), deixou de exercer a função pública.
Por outro lado, não há necessidade de correspondência entre o cargo,
emprego ou função ocupado por ocasião da prática do ato de improbidade e aquele
eventualmente exercido pelo agente no momento de execução da sentença condenatória.
Ainda que venha exercendo cargo diverso, na mesma ou em outra esfera de governo, será
alcançado pela sanção.
Busca-se, com isso, extirpar da vida pública o elemento
declaradamente pernicioso, que tenha agido com infração aos deveres funcionais e éticos.
Nesta linha, pouco importa qual seja o cargo na atualidade da sentença executória, até
porque a lei não faz referência a perda do cargo usado para a prática ilícita, mas refere-se,
genericamente, à perda da função pública. Se praticou o ato, v.g., no exercício da vereança,
mas enfrentou a sentença definitiva quando já havia sido eleito prefeito municipal, perderá
este último cargo, devendo ter aplicação os mecanismos constitucionais de sucessão.
Questão interessante diz respeito ao agente que, por ocasião do
trânsito em julgado da sentença condenatória já estiver em gozo de aposentadoria.
Entendemos que, nesta hipótese, a sanção não poderá surtir efeitos retroativos. Não
remanesce o exercício de função pública e o vínculo anteriormente existente se desfacelou
com a aposentação. A sentença, no caso, não tem efeito meramente declaratório, mas
condenatório. Assim como não se cogita em impor a sanção de perda da função a quem se
desvinculou da Administração Pública por outros motivos, não faz sentido desconstituir o
ato que passou o agente à inatividade. A única hipótese em que isto nos parece possível é
aquela em que o ato de improbidade está estritamente vinculado com o próprio benefício
da aposentadoria. O proveito, neste caso, decorreu diretamente do ato ilícito, podendo ser
anulado pela decisão judicial.
Há quem pense de modo diverso. WALLACE MARTINS PAIVA
JÚNIOR entende que “a improbidade praticada na atividade era causa que impunha a
desvinculação compulsória, motivo pelo qual a sentença anula a aposentação e aplica-lhe a
perda da função pública”. 21 Com todo respeito que o autor merece, a improbidade
somente poderia impor a desvinculação a partir do trânsito em julgado da sentença
condenatória, como expressamente dispõe o art. 20 da lei 8.429/92. A inatividade do
21 Obra citada, p. 277.
18
agente estabeleceu situação de fato que torna inaplicável a perda da função, embora
potencialmente viável a imposição das demais sanções.
Poder-se-ia dizer, com razão, que a inabilitação moral, como
condição personalíssima, acompanha o agente mesmo depois de aposentado. Sim, como
acompanha também o agente político ímprobo que já não mais exerce cargo público
eletivo e nem mantém outro vínculo ativo qualquer com a Administração. Nem por isso se
torna possível a aplicação da perda da função, por óbice elementar: não mais há função a
ser perdida. O benefício da aposentadoria é benefício complexo, obtido a partir da
satisfação de um conjunto de requisitos legais. Mas é certo que, a partir de sua concessão,
o agente desgarra-se da Administração concessora, em termos funcionais. E se não há o
exercício de função pública, não pode haver a aplicação da sanção em comento.
Quanto ao Chefe do Executivo Federal, a doutrina majoritariamente
não o isenta da submissão à lei de improbidade e suas sanções. Entende-se, porém, que se
mostram a ele inaplicáveis as sanções de perda da função e suspensão dos direitos
políticos, tendo em conta a existência de mecanismo constitucional político-administrativo
especial para a imposição de tais penas.22
Por oportuno, vale anotar que o afastamento do cargo ou função
pública, por medida liminar, antes do trânsito em julgado de decisão condenatória,
somente se mostra viável se a medida for inquestionavelmente necessária à instrução
processual, ao bom desenvolvimento das investigações voltadas à apuração do ato de
improbidade, nos termos do que dispõe o art. 20, parágrafo único da lei anticorrupção.
Por fim, mister acrescentar que a combinação da perda da função
com sanções restritivas de direitos (estudadas a seguir) obsta que o agente público seja
imediatamente alçado a outro cargo, emprego ou função na Administração Pública, ainda
que através de nomeação ou pleito eleitoral.
5.3.- Sanções restritivas de direitos
Inserem-se entre as sanções restritivas de direitos, a suspensão dos
direitos políticos, a proibição de contratar com o poder público e a proibição de receber
dele benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.
22 Wallace Paiva Martins Jr. não concorda com esta restrição, afirmando que não há exclusividade ou privatividade à instância político-administrativa, no caso do Presidente (obra citada, p. 279).
19
a) Suspensão dos direitos políticos
O resgate da moralidade também alcança os direitos políticos dos
sujeitos ativos dos atos de improbidade.
A excepcionalidade da perda ou suspensão de direitos políticos tem
apoio no texto Constitucional (art. 15). Mas é justamente a prática de improbidade
administrativa uma das situações contempladas na Carta Magna, como suficiente para a
sua imposição (inc. V).
A sanção retira temporariamente do agente os seus direitos políticos
positivos e negativos, tolhendo-lhe não só a elegibilidade, como também a capacidade
política para o exercício de qualquer outra função pública. É de se observar que os cargos,
empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos
estabelecidos em lei (art. 37, inc. I, CF), sendo o gozo dos direitos políticos requisito
essencial para tanto.
A sanção somente tem aplicação às pessoas físicas. Na hipótese de
ato de improbidade que tenha contado com a participação de pessoa jurídica, a perda dos
direitos políticos somente atingirá o comando societário da empresa ou entidade, se
declarada judicialmente a desconstituição de sua personalidade jurídica.
A suspensão atinge o agente ou terceiros independentemente da
situação funcional em que se encontrem na atualidade da sentença executória.
O tempo de duração desta inabilitação varia, conforme a
classificação do ato de improbidade. O legislador, de forma graduada similar à adotada
para a multa civil, traçou os parâmetros para aplicação da penalidade: será de oito a dez
anos, para os casos de enriquecimento ilícito; de cinco a oito anos para a hipótese de
prejuízo ao erário e de três a cinco anos, para os casos de descumprimento dos princípios
da administração pública (cf. art. 12 da lei 8.429/92). Ao juiz incumbe a dosimetria da
sanção, levando em conta as conseqüências dos atos praticados.
A sanção civil independe da jurisdição eleitoral ou política, embora
a mesmas conseqüências possam decorrer da implementação dos mecanismos de outras
esferas (inclusive a penal, conforme prevê o art. 15, inc. III, da CF). A suspensão somente
poderá ser efetivada após o trânsito em julgado da decisão condenatória, cabendo ao juiz
do feito efetuar as devidas comunicações à Justiça Eleitoral, a quem cabe o ato derivado do
cancelamento de eventual inscrição e/ou a exclusão do cidadão do rol dos eleitores.
20
b) Proibição de contratar com o poder público
As restrições de direitos atingem a liberdade econômica, negocial,
das pessoas condenadas por improbidade administrativa. Uma vez condenados, os agentes
ou as pessoas jurídicas envolvidas perdem temporariamente o direito de entabular qualquer
tipo de contrato com a Administração Pública, em todos os níveis.
No que concerne à pessoa física, a limitação afasta a possibilidade
de qualquer vínculo laboral (firmado em contrato de trabalho) ou de prestação de serviço
às pessoas jurídicas de direito público. Também as pessoas jurídicas que contem, em seus
quadros societários, com o agente ímprobo, serão atingidas. Neste ponto, o texto legal
ainda deixa explícito que a limitação será aplicada ainda que o agente seja o sócio
majoritário da empresa ou entidade. Para acentuar a gravidade da sanção, melhor seria que
o legislador tivesse se referido ao sócio minoritário. De qualquer modo, não sendo
admissível sequer a contratação por via indireta, parece-nos que seja qual for a participação
do agente nos negócios da empresa, a regra terá aplicação.
A pessoa jurídica co-responsável pelo ato de improbidade ou
ilicitamente beneficiada, igualmente, estará impedida de tomar parte de procedimentos
licitatórios (cuja teleologia é justamente a contratação) ou firmar negócios com o poder
público.
A lei de improbidade estabelece prazo certo para tanto, tolhendo a
possibilidade de graduação pelo Judiciário no momento da aplicação da sanção. Caberá ao
sentenciante, ao dispor acerca da espécie sancionatória, fixar para a limitação o prazo de
dez, cinco ou três anos, de acordo com a classificação do ato de improbidade
(respectivamente, aqueles capitulados nos arts. 9o, 10 e 11 da lei 8.429/92).
Tais prazos, embora previstos no final de cada um dos incisos do art.
12 da referida lei, após a referência da proibição de receber benefícios extrafiscais do
poder público, tem aplicação também à limitação do poder de contratar, o que pode ser
inferido pela partícula alternativa “ou” ligando as duas formas de limitação.23
A lei veda a contratação direta ou indireta, daí porque também
abrange os casos de sucessão societária, consórcios etc. A ressalva é importante, pois não
é improvável que, uma vez alvejada pela restrição decorrente de ato de improbidade de um
23 Não parece ser esta a interpretação de Marcelo Figueiredo, para quem o legislador não fixou prazo para a sanção (obra citada, p. 124).
21
dos sócios, seja desde logo providenciada a sua exclusão ou sucessão dentro do quadro
societário, como forma de burlar a condenação. No mesmo passo, as empresas familiares
sofrerão o peso da sanção, ainda que atuem em nome da esposa ou de filhos do condenado.
Finalmente, havendo declaração de desconstituição da personalidade
jurídica, os sócios serão diretamente atingidos.
c) proibição de receber benefícios públicos, incentivos fiscais ou
creditícios
As exigências da economia globalizada e a busca frenética por novas
fontes de receita têm levado a Administração Pública de todos os níveis, inclusive a União,
à oferta desmedida de incentivos em favor de pessoas jurídicas de direito privado,
fornecendo-lhes meios materiais de instalação em seus respectivos territórios (terrenos,
água, energia, telecomunicações, transportes, equipamentos urbanos, mão-de-obra
qualificada, serviços de terraplanagem, construção de estradas de acesso etc.), quer
outorgando-lhes isenções tributárias por longo lapso de tempo.
A intervenção do Estado na economia, anatematizada pelo
liberalismo dos séculos XVIII e XIX, foi tomada em seu aspecto positivo, na geração de
riquezas a partir da injeção de recursos públicos, direta ou indiretamente, no mercado.
Os incentivos fiscais situam-se no campo da extrafiscalidade,
canalizando instrumentos de tributação não em prol do erário, mas em favor da iniciativa
privada. São estes os benefícios dos quais os agentes ímprobos ou as empresas das quais
participam estarão alijados. Em se tratando de benefício de fruição continuada, as benesses
cessarão a partir da definitividade da sentença condenatória.
Os prazos da limitação são os mesmos referidos no item anterior.
Também valem aqui, pela similaridade, as observações que pontuamos quanto às possíveis
manobras para se furtar do alcance da sanção.
5.4.- Das sanções previstas na lei de improbidade e não referidas
no art. 37, parágrafo 4o, da Constituição Federal
Dispondo sobre as conseqüências dos atos de improbidade
administrativa, prevê o art. 37, parágrafo 4o, do texto constitucional, que eles importarão
22
em suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e
ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal
cabível.
Alguns, então, passaram a criticar o fato da lei de improbidade haver
acrescentado outras sanções, como a multa civil, a proibição de contratar com o poder
público e de receber benefícios e incentivos do erário. Tomaram-nas como
inconstitucionais, afirmando que o legislador ordinário avolumou indevidamente o acervo
sancionatório, exasperando as conseqüências do ato, além daquilo que foi pretendido pelo
constituinte.
A crítica não prospera. Trata-se de norma formalmente
constitucional que remete ao legislador a tarefa de adequadamente sancionar o ato ilícito.
Tal missão, aliás, não é e nunca foi do texto constitucional. As conseqüências apontadas no
texto maior são exemplificativas, tomadas entre as mais importantes. Não houve
preocupação em se esgotar o rol de sanções, nada impedindo que a ampliação se efetivasse,
com obediência às garantias capituladas no art. 5o. O legislador infraconstitucional teve
liberdade para definir os casos de improbidade, classificá-los, estipular os limites de cada
sanção e não poderia deixar de contemplar qualquer uma das reprimendas apontadas no
texto constitucional. Respeitando os diques maiores dos direitos e garantias, poderia, como
fez, dilargar o rol de sanções, no exercício de tarefa que precipuamente lhe cabe. Assim,
não teria sentido, por exemplo, que estipulasse a pena de banimento do agente ímprobo ou
lhe obrigasse a realização de trabalhos forçados, ou, ainda, transferisse a suspensão de
direitos aos sucessores do condenado. Esbarraria nas imposições dos incs. XLV, XLVI e
XLVII do art. 5o do texto maior. Contudo, as sanções que acrescentou têm, unanimemente,
guarida nas hipóteses constitucionais e, logo, não podem ser taxadas de excessivas.
5.5.- Dosimetria das sanções.
Após elencar as sanções cabíveis nas hipóteses de atos de
improbidade, o parágrafo único do art. 12 da lei 9.429/92 proclama que a fixação das penas
exige do magistrado a consideração acerca da extensão do dano causado e do proveito
patrimonial obtido pelo agente.
Os parâmetros referidos pelo legislador são exemplificativos. É
curial que o juiz leve em conta o grau de reprovabilidade da conduta, as repercussões
23
internas e externas do ato, a ofensa aos direitos de terceiros, eventual conduta culposa do
agente etc.
O juiz terá a missão de elaborar o conteúdo sancionatório a partir de
duas etapas. A primeira, escolhendo quais as sanções que entende aplicáveis ao caso (vide
item seguinte). A segunda, dosando aquelas sanções cominadas a partir de limites mínimos
e máximos, sempre sem perder de vista o efetivo cumprimento das finalidades da lei:
punir, prevenir e indenizar.
Assim, poderá dosar a indenização por dano moral, o quantum da
multa civil, a duração da suspensão dos direitos políticos. Mas, admitindo a existência de
dano material, não poderá relevá-lo em parte ou decretar a perda parcial de bens os valores
ilicitamente adquiridos. Na imposição da sanção de limitação do poder de contratar ou de
receber benefícios fiscais, também não terá, como vimos, a oportunidade de dosar a
duração da medida. A única diferenciação, neste caso, foi feita pelo próprio legislador,
tomando por base as modalidades dos atos ilícitos praticados.
5.6.- Cumulatividade das sanções
Muito se discute na doutrina acerca da cumulatividade ou
alternatividade das sanções previstas pela lei. Em outras palavras: julgada procedente a
ação proposta para a repressão do atos de improbidade, o juiz deverá aplicar as sanções em
bloco ou, fazendo uso da discricionariedade, poderá escolher aquelas que lhe parecem mais
bem ajustadas às finalidades do diploma legislativo ?
A lei silenciou a respeito e a doutrina é francamente dividida.
MARCELO FIGUEIREDO pondera: “(...) é de se afastar a
possibilidade da aplicação conjunta de penas em bloco, obrigatoriamente. É dizer, há
margem de manobra para o juiz, de acordo com o caso concreto, aplicar as penas, dentre as
cominadas, isolada ou cumulativamente. (...) Tudo dependerá da análise da conduta do
agente público que praticou ato de improbidade em suas variadas formas”. 24
FÁBIO MEDINA OSÓRIO, em extensas considerações acerca do
princípio da proporcionalidade, também parece defender, ainda que excepcionalmente, a
24 Obra citada, p. 114.
24
possibilidade da aplicação diferenciada das sanções, sem a cega imposição do conjunto
apresentado pela lei. Mas adverte “que tratar do princípio da proporcionalidade, ainda que
implique mergulho em universo bastante indeterminado de conceitos e até valores, não
pode traduzir arbítrio judicial.(...) No terreno hermenêutico, o reconhecimento de valores
constitucionais não implica adesão a uma idéia desenfreada de subjetivismo e relativismo
axiológicos, os quais já foram corretamente criticados na filosofia, mas uma inarredável
postura estimativa diante da ordem jurídica e social vigente”. Conclui que “a improbidade
traduz conseqüências jurídicas diretamente previstas em norma constitucional, donde a não
incidência dessas sanções deve, rigorosamente, ser considerada apenas em casos
excepcionais, considerando-se como uma cláusula implícita na própria norma do art. 37,
parágrafo 4o, da Carta Constitucional de 1.988. Aos juízes descabe abusar ou utilizar
arbitrariamente do princípio da proporcionalidade constitucional”.25 É verdade que o
mesmo autor, em publicação posterior, declinou posicionamento mais radical: “a regra,
como se sabe, é a imposição cumulativa das sanções, para o rigor protetivo da combalida
probidade administrativa, estando a gradação prevista na lei, sem discricionariedade
judicial na aplicação das sanções, razão pela qual não é lícito excluir qualquer uma delas
ou fixar as variáveis aquém do mínimo e, é lógico, além, do máximo”.26
JUAREZ DE FREITAS, administrativista gaúcho, defende a
alternatividade das sanções, mais recomenda rigor máximo nas hipóteses dos atos de
improbidade de gravidade mais acentuada: “as sanções não reclamam sempre a aplicação
conjunta, até para que se alcance a moderação pretendida, apta a escoimar do texto legal o
seu vezo draconiano. Entretanto, para não desprestigiar o sistema jurídico, em se
defrontando o julgador com enriquecimento ilícito – a mais torpe das espécies de
improbidade administrativa -, deve sempre, tendo em vista o alto apreço teleológico pelo
princípio normatizado, aplicar as sanções na sua totalidade”.27
WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR entende que as sanções do
art. 12 são cumulativas, não se podendo cogitar em alternatividade, vez que a lei não
estabeleceu critérios para tanto. “As sanções são cumulativas justamente para censurar
25 Obra citada, p. 276-278. 26 As sanções da lei 8.429/92 aos atos de improbidade administrativa, RT, São Paulo:Revista dos Tribunais, 766:89-91, ago. 1999. 27 Do princípio da probidade administrativa e de sua máxima efetivação, RDA 204/65 e s.
25
gravemente a improbidade administrativa, agindo nos mais diversos sentidos e direções de
relacionamento do agente público com a Administração Pública e o particular que se
aproveita do art. 3o. O campo discricionário do juiz está limitado ao prazo e à base de
cálculo inerentes às sanções variáveis (pagamento de multa civil, suspensão dos direitos
políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou de receber incentivos e
benefícios fiscais ou creditícios) previstas no art. 12, que têm dosimetria orientada pelos
critérios da extensão do dano e do proveito patrimonial obtido, expressos no parágrafo
único”.28
Na mesma esteira, adverte ARISTIDES JUNQUEIRA
ALVARENGA: “não se há de cogitar de proporcionalidade ou razoabilidade na aplicação
das sanções previstas na aludida norma constitucional quanto à natureza delas, mas
somente quanto à sua quantidade”.29
Embora entendamos que a proporcionalidade deva ser avaliada antes
da propositura da ação de improbidade (sob pena de se crivar, com a esmagadora força
sancionatória, atos insignificantes que, no rigor formal, caracterizam uma das hipóteses
trazidas pela lei)30, afigura-se-nos mais correta a corrente que apóia a cumulatividade das
sanções. Com efeito, a própria lei já se encarregou em distribuir nos incisos do art. 12 a
calibragem devida, levando em conta cada tipo de sanção e a escala de gravidade interna
que possuem. O afastamento de uma ou mais das penalidades só tem cabimento se o
magistrado fundamentar, de forma inequívoca, a inaplicabilidade da sanção ao caso (por
exemplo, a não imposição do dever de ressarcir em face de providência espontânea e
suficiente adotada pelo agente, em momento anterior; a inexistência de lesão patrimonial; a
inexistência de bens ou valores as serem perdidos etc.).
28 Obra citada, p. 263. 29 Reflexões sobre improbidade administrativa no direito brasileiro. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 92. 30 Osório lembra, por exemplo, que a simples utilização de uma folha de papel timbrado, para fins particulares, significaria, a rigor, um ato de improbidade. É evidente que, dentro de um sistema que não afasta a proporcionalidade da conduta, tal ato jamais poderia justificar o ajuizamento de uma ação, com base na lei 8.429/92.
26
VI.- INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE COMBATE À
IMPROBIDADE
O rígido sistema de sancionamento do ato de improbidade não
prescinde do devido processo legal.
Ao Poder Judiciário cabe analisar os atos praticados, reconhecer a
sua dimensão e as suas conseqüências e aplicar as sanções cabíveis.
O primeiro instrumento vocacionado para o cumprimento deste
desiderato é a ação civil pública, consoante se pode inferir dos arts. 17 e 18 do diploma
especial. Isto porque, conforme pontuado anteriormente, a lei 8.429/92 dispõe sobre a
tutela jurisdicional civil da probidade administrativa, sem prejuízo do acionamento dos
demais mecanismos de repressão, como aqueles da seara penal. Trata-se de instrumento
que compõe o rol das ações civis constitucionais.
Há quem defenda que a ação civil pública não se confunde com
aquela referida pela lei de improbidade. É a opinião, por exemplo, de Marcelo Figueiredo,
conforme observação de João Batista de Almeida31 e recente publicação.32 Com o devido
respeito, esquece-se que o designativo “pública” nada mais é que denominação conferida
às ações coletivas, tendentes à defesa de interesses meta-individuais. Com efeito, sendo a
probidade administrativa um valor de dimensão transindividual, indivisível, enquadra-se
entre os direitos difusos.
É de se concluir que a “ação de improbidade”, enquanto nome
conferido pelos doutrinadores em comentário ao art. 17 da lei 8.429/92, nada mais é que
modalidade do gênero “ação civil pública”, cuja ordinarização procedimental é fixada pela
lei 7.347/85.
É bom lembrar que este último diploma teve o seu alcance ampliado
pelo art. 83 da lei 8078/90, passando a permitir não somente o pleito de provimentos de
natureza condenatória, como também aqueles de natureza declaratória ou constitutiva.
31 Aspectos Controvertidos da ação civil pública, p. 59-61. 32 Ação de improbidade administrativa, suas peculiaridades e inovações. In: Improbidade Administrativa: questões polêmicas e atuais, p. 287.
27
A indenização obtida através deste tipo de ação, na hipótese de
improbidade, porém, não se encaminha ao fundo de que trata o art. 13 da lei 7.347/85, ante
a regra especial do art. 18 da lei 8.429/92, que determina a reversão dos bens ou valores em
favor da pessoa jurídica prejudicada pelo ilícito. A regra de competência a ser observada
para o ajuizamento da ação também não é aquela apontada pela lei 7.347/85 (local do
dano). Será definida pela sede da pessoa jurídica de direito público ou privado, lesada pelo
ato.
Os legitimados ativos são indicados pelo art. 17 da lei de
improbidade: o Ministério Público ou a pessoa jurídica interessada. Trata-se de
legitimidade ativa concorrente, sendo obrigatória a participação do Parquet no feito, ainda
que não seja o autor da demanda. Sendo a ação proposta pelo Ministério Público, a pessoa
jurídica interessada será citada para integrar a lide na qualidade de litisconsorte.
A ação proposta pelo Ministério Público pode ser antecedida da
instauração de inquérito civil, instrumento voltado justamente para a apuração integral dos
atos, evitando o ajuizamento de lides temerárias.
A lei não prevê a possibilidade do ajuizamento da ação de
improbidade por associações (através da ação civil pública) ou pelo cidadão, via ação
popular, o que deve ser encarado como franco retrocesso do legislador. Embora o cidadão
possa questionar em Juízo os atos afrontosos à moralidade administrativa, acabou alijado
da possibilidade de exigir a imposição das sanções previstas na lei de improbidade. De
qualquer modo, o tema exigirá amadurecimento da doutrina e da jurisprudência, até porque
a probidade é espécie contida no gênero moralidade.
Ainda entre os instrumentos alinhados no combate à corrupção
merecem especial referência as ações cautelares, sobretudo as de indisponibilidade e
seqüestro de bens e quebra de sigilo bancário ou fiscal. Tem-se admitido, todavia, que tais
pretensões sejam deduzidas no bojo da ação principal, seguindo o rito mais amplo e
protetivo da ação civil pública.
Por fim, é de se lembrar a possibilidade de afastamento liminar do
agente público de seu cargo, como providência a ser requerida na ação principal. Trata-se,
é claro, de medida excepcional que somente pode ter lugar ante a existência de indícios de
que a manutenção das funções, por parte do requerido na ação, possa perturbar a coleta de
provas e o normal desenvolvimento da instrução processual.
28
VII.- CONCLUSÃO
A prática de atos de improbidade gera a responsabilização civil do
agente público ou de terceiros que tenham participado ou, de qualquer forma, angariado
benefícios pela prática ilícita.
A preocupação do constituinte com a questão da cultura de
corrupção crescente nos últimos séculos, engendrou um diploma estruturado em medidas
severas de combate à improbidade, que somente resultará em efetivo proveito a partir da
atuação consciente e incansável do Ministério Público e da sensibilidade e coragem do
Poder Judiciário.
Qualquer pessoa que vive em sociedade, em especial o homem
público, na medida em que dirija seus passos no sentido no locupletamento pessoal, do
tratamento da coisa pública em função dos próprios interesses, do descumprimento dos
princípios constitucionais e do sistema normativo, na senda do desvio ético, deve ser
chamada à responsabilidade, penalizada não só material, mas também moralmente. O
banimento temporário da vida pública ou das negociações com o poder público afigura-se,
no contexto das sanções, como medida eficaz e intimidadora, mas é preciso também
alcançar o patrimônio daqueles que, direta ou indiretamente, fizeram dos esforços de todos
um lugar de injustificáveis privilégios.
VIII.- BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, João Batista. Aspectos controvertidos da ação civil pública. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001.
ALVARENGA, Aristides Junqueira. Reflexões sobre improbidade administrativa no
Direito Brasileiro. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de
Rezende (coord.). Improbidade Administrativa. Questões polêmicas e atuais. São Paulo:
Malheiros Editores, 2001, p. 86-92.
CAETANO, Marcello. Manual de Direito Administrativo. T. 2. Coimbra: Livraria
Almedina, 1997.
29
DALLARI, Adilson Abreu. Limitações à atuação do Ministério Público na ação civil
pública. In: BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende
(coord.). Improbidade Administrativa. Questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros
Editores, 2001, p. 19-43.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa e Crimes de Prefeitos. 2a ed., São
Paulo: Ed. Atlas, 2001.
FIGUEIREDO, Marcelo. O Controle da Moralidade na Constituição. São Paulo:
Malheiros Editores, 1999.
___________. Probidade Administrativa. 4a ed. São Paulo: Malheiros Editores.
___________. Ação de improbidade administrativa, suas peculiaridades e inovações. In:
BUENO, Cássio Scarpinella; PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende (coord.).
Improbidade Administrativa. Questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros Editores,
2001, p. 285-299.
FREITAS, JUAREZ DE. Probidade Administrativa. Revista Ciência Jurídica, nº 67:10-31.
___________. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. São
Paulo: Malheiros Editores, 1997.
___________. Do princípio da probidade administrativa e sua máxima efetivação. RDA, v.
204, abr/jun. 1996.
GUASQUE, Luiz Fabião. A responsabilidade da lei de enriquecimento ilícito. Revista dos
Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 712, p. 358-361, 1995.
MARTINS JÚNIOR, WALLACE PAIVA. Probidade Administrativa. São Paulo: Ed.
Saraiva, 2001.
30
___________. A Lei de improbidade administrativa. Revista Justitia. São Paulo:
Ministério Público do Estado de São Paulo, n. 58, p. 46-55, 1996.
MELLO, CLÁUDIO ARI. Improbidade Administrativa - Considerações sobre a lei
8.429/92. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política. São Paulo: Revista dos
Tribunais, n. 11, p. 49-62, 1995.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 9a ed. São Paulo: Editora Átlas, 2001.
ORTIZ, Carlos Alberto. Improbidade Administrativa. Cadernos de Direito Constitucional
e Eleitoral. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, v. 28.
OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade Administrativa. 2a ed. amp. e atual. Porto Alegre:
Síntese Editora, 1998.
___________. As sanções da lei 8.429/92 aos atos de improbidade administrativa. Revista
dos Tribunais, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 766, p. 89-91, 1999.
PAZZAGLINI FILHO, MARINO; ROSA, MÁRCIO FERNANDO ELIAS; FAZZIO
JÚNIOR, WALDO. Improbidade Administrativa. 4a ed. São Paulo: Editora Átlas, 1999.
STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1994.