Post on 09-Dec-2018
1
[R E V I S TA D O M D A - M I N I S T É R I O D O D E S E N V O LV I M E N T O A G R Á R I O | 2 0 0 9
ApresentaçãoO Brasil é um dos maiores produtores
de alimentos no mundo. Mas, o papel do
meio rural brasileiro vai além da agricul
tura, contribuindo de forma decisiva para o
desenvolvimento do país, em todas as suas
dimensões: econômica, social e ambiental.
Isto é resultado de muito trabalho dos agri
cultores no cultivo da terra e de toda a po
pulação que desenvolve as comunidades e
municípios rurais; e dos governos que criam
políticas públicas capazes de viabilizar o
acesso à atividade produtiva, infraestrutura
e serviços.
A Assistência Técnica e Extensão Rural
(Ater) é um serviço público de educação in
formal permanente, que atua no Brasil há
mais de 60 anos, fazendo chegar inovações
tecnológicas e políticas públicas até as fa
mílias rurais, promovendo a sua renda e o
bem estar. A Extensão Rural, junto com os
agricultores e suas organizações, fez a dife
rença no desenvolvimento rural brasileiro
junto com outros serviços, como a pesquisa
agropecuária, o crédito subsidiado e o coo
perativismo, entre outros.
Desde 2003, a Extensão Rural vive
uma nova fase. O Governo Federal, por
meio do Ministério do Desenvolvimento
Agrário (MDA), assumiu a responsabilidade
da Política Nacional de Ater, fez voltar a
existir e crescer os recursos de Ater, e, em
parceria com os governos estaduais, rees
truturou os serviços de Ater, para atender
à demanda dos agricultores familiares.
Nos últimos seis anos, a frota de veículos
das entidades estaduais de Ater foi reno
vada, foram adquiridos computadores,
melhorada e ampliada a estrutura de escri
tórios e contratado pessoal, o que permitiu
a Ater retomar seu papel fundamental no
desenvolvimento rural, especialmente na
implementação de políticas públicas.
No Brasil Rural Contemporâneo 2009
VI Feira Nacional da Agricultura Familiar e
Reforma Agrária, realizado pelo Ministério
do Desenvolvimento Agrário, trazemos a 2ª
edição da Revista Excelência em Ater para mos
trar serviços de qualidade que a Extensão Rural
desenvolve junto com as famílias rurais, que
fazem chegar o alimento à mesa de todos os
brasileiros e promovem o desenvolvimento
rural sustentável. Os casos aqui apresenta
dos são desenvolvidos nas diversas regiões do
país e foram identificados e relatados pelos
articuladores das Redes Temáticas de Ater,
em conjunto com o Departamento de
Assistência Técnica e Extensão Rural do
MDA (Dater/SAF/MDA).
[EXCELÊNCIAem ATER
4
O novo paradigma daExtensão Rural brasileira
CASOS DE “EXCELÊNCIA EM ATER”
Diversificação da produção e renda:substituição da cultura do tabaco
Circuito de Tecnologiasno semiárido
Geração de Renda e Agregaçãode Valor em Comunidade dePescadores Artesanais
Transição agroecológicana Amazônia
A caminho da sustentabilidadena pecuária leiteira
Quintais Agroecológicos Produtivos: promovendo a autonomia das mulheres no semiárido nordestino
06
101214
171921
Práticas Agroecológicas na Comunidade Pirangi: uma experiência que deu certo
Organização social e geração de renda no Nordeste: O Programa de Biodiesel
Inovando na Formação de Agentesde Ater: Projeto Cultivando Saberes
Preservando e recuperando mananciais: uma experiência inovadora
Boas Práticas no Manejo daCastanha do brasil
PEIXE XUKURU - Aquacultura sustentável, segurança alimentar e inclusão social
Organização para o acesso a mercados na Região Nordeste: Rede Estadual de Apoio à Comercialização
Construção do conhecimento agroecológico em redes de agricultores-experimentadores
26
27303335
37
41
24
[EXCELÊNCIAem ATER
6
O NOVO PARADIGMADA EXTENSãO
RURAL BRASILEIRA A Extensão Rural é um serviço público de educação informal e continuado previsto na Constituição brasileira. A Constituição Federal de 1988 e a Lei Agrícola de 1991 determinam à União manter serviços de Ater públicos e gratuitos para os pequenos agricultores. A despeito disto, o Estado brasileiro afastouse dos serviços de Ater durante toda a década de 1990 até o ano de 2002, comprometendo a oferta desses serviços, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde vivem mais de 50% dos agricultores familiares do país. Este fato agravou ainda mais a histórica falta de acesso ao conhecimento e às políticas públicas por estes agricultores, contribuindo para a exclusão no campo. A partir de 2003, o Governo Federal reassumiu a responsabilidade pelos serviços públicos de Ater num contexto de compromisso com políticas para o desenvolvimento rural sustentável, combate à fome e inclusão social. O Decreto Presidencial nº 4.739, de 13 de junho, transferiu o Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Secretaria de Agricultura Familiar , do Ministério do Desenvolvimento Agrário (SAF/MDA). No mesmo ano, instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Pnater), construída de forma participativa em articulação com os diversos segmentos que atuam na Extensão Rural. A Pnater é uma política moderna que considera a diversidade da agricultura familiar brasileira, os princípios e conceitos do desenvolvimento rural sustentável e estabelece as bases para um serviço de Ater coerente com o regime democrático e a participação e autonomia dos povos. Inclui as organizações governamentais e não governamentais na prestação de serviços públicos de Ater, integrando vocações, conhe
cimentos e papéis na promoção do desenvolvimento. Ainda orienta sobre a questão das relações de gênero, geração, raça e etnia e a inclusão da população rural mais pobre. Com a Pnater, o governo passou a orientar uma ação de Ater voltada aos diversos públicos da agricultura familiar, que inclui agricultores familiares tradicionais, assen tados da reforma agrária, quilom bolas, indígenas, pescadores arte sanais e extrativistas, ribeirinhos, entre outros. Esta beleceu uma coordenação com gestão social, apoiada por conselhos representativos do governo e sociedade, um sistema descentralizado de execução, ancorado em redes de entidades de Ater, levando em conta as dimensões econômica, social, ambiental e institucional do desenvolvimento. Assim, o objetivo da Ater vai além de aumentar a renda dos agricultores, que é uma questão fundamental, e inclui a promoção da autonomia e independência das famílias, a susten tabilidade dos sistemas de produção e processamento, a produção de alimentos sadios por meio de uma nova matriz tecnológica com base nos princípios da ecologia e a preservação ambiental, o acesso a mercados com vantagens competitivas que agreguem valor à produção e a organização produtiva, econômica e política como forma de promover a cidadania e o aces so a recursos, entre outras inovações. Hoje, a Ater está diferente do que era no passado recente, tendo adequadose às demandas atuais da agricultura familiar e do desenvolvimento rural sustentável. Os casos apresentados nesta segunda edição da revista “Excelência em Ater” dão uma idéia da Extensão Rural que vem sendo desenvolvida nos quatro cantos do Brasil.
10
DIVERSIFICAçãODA PRODUçãO E RENDA:
SUBSTITUIçãO DA CULTURA DO TABACO
A Família Cognacco vive na comunidade rural de Vargem dos Bugres, município de Leoberto Leal, em Santa Catarina, em uma área de 32 hectares, distribuída em lavoura temporária, fruticultura, pecuária leiteira e de corte, mata nativa e outras. Os Cognacco produziam tabaco há 20 anos, como atividade principal, totalizando 12 ha de área ocupada, com mais de 2 mil arrobas produzidas e preço bruto de R$2,50 por Quilo. Em 2004, a família tomou a decisão de incrementar a produção leiteira e agrícola em detrimento da área ocupada com tabaco, baixando mil arrobas no primeiro ano/2005 (6 ha), a 01 ha em 2009, com cultivo orgânico (Empresa Multinacional de Tabacos), que foi a alternativa encontrada para recuperar as terras e abandonar a cultura. A decisão foi motivada por problemas de saúde da família, pois as intoxicações eram frequentes, somadas ao grande esforço físico e penosidade exigida no cultivo do tabaco como um todo. O envolvimento em atividades desenvolvidas por projetos de Assistência Técnica e Extensão Rural aumentou, na família, a confiança para incrementar e melhor distribuir a
renda ao longo do ano. A partir daí, iniciouse a diversificação da Unidade Produtiva, sendo a atividade leiteira a que respondeu mais rapidamente, na primeira etapa de transição. A adoção do manejo racional das pastagens foi o primeiro passo para a transição gradual do monocultivo do tabaco. A atividade leiteira incrementada na oferta de pasto e aumento do rebanho, com baixo custo, possibilitou o cultivo de outras culturas em outras áreas, nos anos seguintes, consolidando e ampliando a produção ecológica de 0,5 ha de cebola, 0,7 ha de batatabaroa e 02 ha de uva, para fabricação de suco, produtos estes já certificados dentro da Lei Federal dos Orgânicos. Os Cognaccos diversificaram a propriedade com cultivos agrícolas e pecuária orgânica e hoje abrem sua casa para o Turismo Rural . A produção é comercializada via circuito de comercialização da Rede Ecovida, indo para feiras livres, mercado institucional e local. Na prática, o resultado foi a garantia de venda e valorização por meio do preço pago ao agricultor, trazendo incremento de renda, além da perspectiva da ecologização plena da Unidade de Produção, contando com investimento e custeio via Pronaf.
Área de cultivo de fumo orgânico, transição para uva de suco.
11
Adubação verde de verão e colheita de batatas
A participação da família na Rede Ecovida desperta o interesse de outras famílias em integrar os grupos de base municipais, articulados através de projeto apoiado pela Secretaria da Agricultura Familiar/SAF/MDA via Programa Nacional de Diversificação em Áreas Cultivadas com Tabaco. Executado pelo Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro), o projeto envolve outros municípios da região do Alto Vale do Itajaí (SC), sobretudo os municípios de Leoberto Leal, Angelina, Imbuia, Vidal Ramos, Major Gercino, Alfredo Wagner e Nova Trento, onde mais de 1.800 famílias trabalham na atividade, tendo uma área estimada de 6.800 ha de tabaco cultivada anualmente. As ações, que envolvem mais de 100 famílias dependentes da cultura do fumo, promovem a transição para sistemas ecológicos de produção, sobretudo no incremento de pastagens, cultivos temporários e perenes. O fator organizativo se faz presente na estratégia de ação desenvolvida. O projeto realiza as ações juntamente com as instituições parceiras: SAF/MDA, GPVoisin/CCA/UFSC, Prefeitura de Angelina, Associação das MicrobaciasLeoberto Leal, Associação dos Produtores Agropecuários da Barra Negra, Major Gercino, Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alfredo Wagner, Fundação Interamericana e Misereor.
“o resultado foi a garantia de venda e valorização por meio do preço pago ao agricultor”
Pastagem naturalizada
12
CIRCUITO DE TECNOLOGIASNO SEMIáRIDO
O Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Rio Grande do Norte (EmaterRN), em parceria com a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Rio Grande do Norte S/A (EMPARN) e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) tem promovido e executado, nos últimos seis anos, o projeto Circuito de Tecnologias Adaptadas para a Agricultura Familiar. O Projeto tem como tema central “Conservar os Recursos Naturais do Semiárido Gerando Renda e Mais Alimentos”. A iniciativa visa, sobretudo, sensibilizar produtores, técnicos, multiplicadores, estudantes, extensionistas e pesquisadores para a importância de um trabalho conjunto, para que juntas as famílias tenham mais acesso a tecnologias para a exploração racional e preservação dos recursos naturais do semiárido. Os projetos desenvolvidos por meio dessa
parceria procuram incentivar a inovação tecnológica nas cadeias produtivas, ampliar a formação e a capacitação de recursos humanos, promover a expansão da pesquisa de CT&I, popularizar o conhecimento científico e tecnológico, promover a inclusão social e a redução das desigualdades sociais e regionais, proporcionar a geração de emprego e renda e atuar de forma ambientalmente sustentável. O acesso à informação e à profissionalização de agricultores familiares, técnicos e multiplicadores é uma condição essencial à melhoria dos índices produtivos da agropecuária potiguar, particularmente na região semiárida. A EMPARN está ciente desta realidade. A EmaterRN é responsável pelos processos de adaptação e apropriação das tecnologias geradas pela pesquisa para a agricultura familiar.
13
Este projeto tem como objetivos:
• Disponibilizar tecnologias apropriadas à agricultura familiar nas áreas de caprinovinocultura, bovinocultura de leite, aves caipiras, reservas estratégicas de forragens, agroenergia, fruticultura, piscicultura e alimentos (milho, feijão e mandioca);
• Instalar Vitrines Tecnológicas para dar suporte aos eventos tecnológicos para capacitação de técnicos, extensionistas e agricultores e agricultoras familiares;
• Capacitação de técnicos, produtores familiares, mulheres, jovens e lideranças nas diversas atividades do projeto;
• Elaboração e distribuição de cartilhas apropriadas à agricultura familiar; • Melhorar a articulação de pesquisa, extensão, agricultores e agricultoras familiares como forma de
garantir o fluxo de informações tecnológicas da pesquisa.
Alguns resultados obtidos
• O Circuito de Tecnologias Apropriadas à Agricultura Familiar tem contemplado anualmente aproximadamente 3.000 agricultores familiares de 162 municípios;
• Contempla seis mesorregiões do estado nos diferentes territórios da cidadania;• Conta com a participação anual de 10 instrutores (pesquisadores) e 60 extensionistas;• Já distribuiu 15.000 cartilhas técnicas contemplando as atividades do Projeto.
14
GERAçãO DE RENDAE AGREGAçãO DE VALOR
EM COMUNIDADE DEPESCADORES ARTESANAIS
O Núcleo Trama do Sol é formado por mulheres do Distrito de Itaoca, Município de Itapemirim, Estado do Espírito Santo, e desenvolve o trabalho de aproveitamento da fibra da estipe do coco anão e da bananeira na confecção de peças artesanais. Os objetivos do núcleo são vivenciar a “ArteArtesanatoEcologia”, evitar o uso de fibras de áreas de preservação permanente (APP), como a taboa, e transformar a fibra do coco em produtos ecologicamente corretos, chamados de ecoprodutos . Tem ainda como proposta o fortalecimento do associativismo, geração de emprego e renda, inserção social, agroecologia e desenvolvimento de um produto usado no dia a dia, como bolsas e outras peças artesanais, de forma ecológica e com percepção dos problemas sociais vividos no passado e no presente.
Os projetos e iniciativas são acompanhados de forma sistemática, discutidos e concebidos com base em metodologias participativas pelo Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural e Meio Ambiente da Prefeitura de Itapemirim.
O principal objetivo é intensificar o empreendedorismo, associativismo, gestão, qualidade, design e a comercialização dos produtos, como forma de promover iniciativas ecológicas sustentáveis e de inclusão social. A experiência do grupo é voltada ao desenvolvimento de uma fibra resistente ao uso diário,
utilizando um processo natural de tratamento dessa fibra, o que torna viável a comercialização dos produtos dentro e fora do Brasil. São confeccionados bolsas, suplás , jogos americanos, portaguardanapos, portagarrafas, chaveiros , portalápis,entre outros. Foram criados 27 modelos diferentes de bolsas, dirigidos a um público
de consumo diversificado. Para a fabricação das peças, a fibra recebe tratamento especial. Após ser recolhida nas feiras, passa por um processo de secagem, em seguida é tratada e retorna à secagem. Após esta etapa, é feita a seleção das fibras que vão imediatamente , para o corte e, posteriormente, para a montagem das peças. A peça montada passa por um novo processo de tratamento e depois é levada ao grupo responsável pelo bordado, esquadramento e inserção da trama de fibra de bananeira (acabamento final). O núcleo produz cinco peças de artesanato ecológicas por dia. Os resultados promovem a geração de renda e oportunidade de trabalho através de um oficio artesanal de tratamento da fibra do coco, que é uma experiência única. O processo é uma descoberta exclusiva deste grupo, que o desenvolveu de forma ecológica pelo próprio trabalho (ensaio e erro) até encontrar o resultado desejado, usando produtos não oriundos de extrativismo. O Trama do Sol faz parte da rota turística “Rota do Mar e do Café”, rota da costa e imigração e do Território Sul Litorâneo do Espírito Santo .
15
Nessa relação, o INCAPER assume um papel de mediador social que ajuda no fortalecimento institucional da organização. Desta forma, o espa ço rura l deixa de ter como função exclusiva a produção agrícola, passando a ser um espaço polissêmico em que convivem atividades de naturezas diversas. A peça de artesanato produzida por uma cultura pode falar abundantemente sobre ela. Este artesanato representa um segmento importante da cultura do Espírito Santo, onde cada objeto é exclusivo, sendo fruto de um tratamento
“Fortalecimento do associativismo, geração de emprego e renda”
especial que culmina impregnado das mãos de quem o criou etapa por etapa, que por sua vez está impregnado de sua cultura e de sua arte. No Grupo, a noção de conjunto é muito maior e mais significativa. Hoje, o Grupo participa de feiras municipais, estaduais e nacionais, como a Feira Mãos de Minas, Salão Nacional do Turismo, Brasil Rural Contemporâneo, dentre outras. O trabalho tende a se expandir, alcançando um maior número de famílias, já tendo propostas concretas de vendas à Alemanha, Chile e Canadá.
16
Esquadrinhamento e colagemdas peças
Fabricação de alças e montagem das peças
Eco produto – Peça pronta
Extração da fibra Seleção da fibra
17
TRANSIçãO AGROECOLóGICA
NA AMAzôNIA
O Escritório Local de Bragança, no Estado do Pará, vem desenvolvendo, desde 2004, atividades agroecológicas e socioambien tais junto aos produtores familiares do município. Entre suas experiências, destacase o trabalho realizado com a família de José Martins Matos, morador da comunidade do São Raimundo, localizada na Rodovia PA108, a 40 quilômetros da sede do Município.
Em sua propriedade de um hectare, que tem diferentes históricos de uso, a principal atividade é a horticultura. Desde o ano de 1986 até 2003, utilizava produtos químicos (adubos e agrotóxicos) para produzir hortaliças. Nesse período, a produção obtida era pouca e seu lucro era baixo, devido ao custo elevado da produção. Tudo o que ganhava, investia em poucos canteiros, sem condições de adotar alguma tecnologia, tal como cobertura dos canteiros com sombrite ou plástico. A partir de janeiro de 2004, o agricultor passou a utilizar produtos orgânicos com
a orientação de Ater. Com essa mudança, melhoraram a renda e a qualidade de vida da família.
Dos resultados obtidos, destacase o baixo custo de produção, principalmente porque passou a produzir o próprio adubo (composto e húmus) e defensivos naturais, aumentando a receita e viabilizando outras atividades na propriedade, tais como produção e venda de mudas frutíferas e florestais, piscicultura e fruticultura.
O trabalho de Ater contribuiu para uma mudança no sistema de produção, incorporando técnicas agroecológicas, promovendo uma repercussão positiva da horticultura orgânica no município. Hoje, José Martins é um defensor da agroecologia e está sempre receptivo às orientações técnicas, procurando cada vez mais se atualizar.
A atividade já lhe proporcionou muitos benefícios, tais como aumento da renda, ambiente de trabalho mais saudável, comercialização diferenciada dos produtos no mercado
18
local devido à grande procura pelos consumidores adeptos da agroecologia.
Em função de sua experiência agroecológica, o agricultor ficou conhecido tanto em Bragança como em Belém. Já expôs seu trabalho em um seminário, cujo público era composto por técnicos e pesquisadores da Embrapa, Emater, Sagri e agricultores familiares.
Atualmente, a propriedade costuma ser visitada por técnicos, pesquisadores e estudantes. A Emater local já realizou Dia de Campo e Excur são, levando agricultores de outras comunidades do município.
Por meio da experiência do agricultor José Martins, a Emater em Bragança conseguiu inserir novos produtores no sistema agroecológico e socioambiental, sendo que hoje já existem produtores em fase de transição agroecológica.
Nesta experiência, a ATER teve como parceira a família Martins, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio dos recursos financeiros, e a Prefeitura de Bragança, com o apoio logístico.
Produção de mudas frutíferas
Dia de Campo sobre produção de adubo e defensivos naturais produção de húmus.
Dos resultadosobtidos,
destaca-seo baixo custode produção
19
A CAMINhO DASUSTENTABILIDADE NA
PECUáRIA LEITEIRA
Dividir a área de pastagem em piquetes para multiplicar lucros, produtividade, fertilidade do solo, bemestar animal e, ainda, diminuir os custos de produção e a mão de obra do trabalhador rural. Esta é a fórmula do Pastoreio Voisin, um sistema intensivo de manejo do gado, da pastagem e do solo, que procura manter esses três elementos em equilíbrio.
Há dois anos, o casal Salésio e Cilésia Cabreira, da comunidade de Coqueiros, em Içara, no Sul
do Estado de Santa Catarina, decidiu aplicar o sistema na propriedade. Os produtores, que há 30 anos tiravam a maior parte do sustento da família das lavouras de tabaco, começaram a participar de cursos, seminários e dias de campo e foi desta forma que conheceram um modelo para criação de gado diferente do que vinham praticando. Com ajuda e assistência técnica dos profissionais da Epagri , as áreas de pastagem foram divididas em 18 piquetes de mil metros quadrados cada.
20
O investimento inicial, segundo Salésio,
não foi pesado e já foi recuperado
com a melhora na produção.
O investimento inicial, segundo Salésio, não foi pesado e já foi recuperado com a melhora na produção. Antes, o leite “dava para o gasto”: eram quatro vacas que produziam cerca de 30 litros por dia. Hoje, o produto já responde pela
maior parte da renda da família. Do rebanho de 28 animais, oito vacas estão em produção e rendem 120 litros de leite por dia, que são vendidos para um pequeno laticínio da região. Embora o rebanho tenha aumentado, o trabalho diminuiu.
A produção de forragem também aumentou e se estabilizou. Agora, Salésio e Cilésia têm na propriedade praticamente todo o alimento que os animais necessitam e não falta pasto no inverno. “A despesa com alimentação do gado diminuiu em cerca de 80%”, conta com orgulho o agricultor, que usa ração apenas para complementar a alimentação das vacas que estão dando leite.
O casal também planeja ampliar o rebanho e, no futuro, produzir leite orgânico. Na parte de sanidade animal, eles já caminham para isso, pois começaram a usar homeopatia para tratar o gado. Os resultados são visíveis. “A homeopatia mantém o equilíbrio do animal e o torna mais resistente a doenças. Estamos percebendo menos problemas como carrapato , berne, verminose e mastite, e o comportamento do gado melhorou”, conta as orientações do extensionista da Epagri, o veterinário Marcelo Pedroso.
Outra mudança radical na propriedade aconteceu pelas mãos de Cilésia, que começou a produzir hortaliças orgânicas há um ano e meio. “Tive problema na garganta por causa dos agrotóxicos e cheguei a ter depressão”, lembra. A plantação de fumo, que vem reduzindo a cada ano, está com os dias contados: em breve, as áreas serão transformadas em horta e piquetes.
Assim como Salésio e Cilésia, desde 2004 mais de 200 produtores de 11 municípios da região de Criciúma já implantaram o Pastoreio Voisin. Desses, 180 produzem leite e o restante cria gado de corte e ovinos. São mais de 30 técnicos atuando na região, num projeto coordenado pela Epagri em parceria com o projeto Microbacias, o Grupo de Pastoreio Voisin da UFSC, prefeituras, cooperativas e laticínios. Para 2009, já há uma demanda de mais de 50 propriedades para implantar o sistema.
21
QUINTAIS AGROECOLóGICOS
PRODUTIVOS: PROMOVENDO A AUTONOMIA DAS
MULhERES NO SEMIáRIDO NORDESTINO
A agricultura de base familiar tem sido fortemente marcada pela divisão do trabalho entre homens e mulheres, por meio da matriz patriarcal que reserva aos homens o trabalho produtivo e público e às mulheres o trabalho doméstico e de cuidados. Este processo tem contribuído para a invisibilidade do trabalho das mulheres e sua exclusão nas oportunidades de capacitação, acesso à terra, assistência técnica, tecnologias e sobretudo a participação na divisão dos bens gerados pela produção. Isto prejudica o desenvolvimento das mulheres, afetando sua autoestima e autonomia, agravando o grau de pobreza das mulheres rurais, em especial no semiárido.
Há cinco anos, a Casa da Mulher do Nordeste (CMN) vem promovendo o Projeto Quintais Produtivos nos municípios de Afogados da Ingazeira, São José do Egito, Tabira e Flores, situados no Sertão do Pajeú, Região do Semiárido Pernambucano.
Este projeto tem como objetivo desenvolver sistemas produtivos agroecológicos geridos por mulheres, promovendo práticas de convivência com o semiárido, a construção do conhecimento, autonomia na produção e comer cialização dos produtos, como estratégia de empoderamento das mulheres.
A produção dos Quintais se dá ao redor das casas de forma diversificada, com a criação de pequenos animais, cultivo de hortaliças, fruteiras
e forragem com práticas agroeco lógicas e uso racional da água. O que em princípio, tinha como finalidade apenas a segurança alimentar e nutricional da família, passou a incorporar a questão de geração de renda através da comercialização do excedente em feiras agroecológicas, e a apropriação dos resultados. Esta estratégia promoveu a autonomia e, consequentemente, aumentou a autoestima das mulheres.
A renda mensal declarada por grande parte das mulheres, antes da atividade ser implan tada, era em média R$ 50,00, aumentou significativamente. Em alguns casos aumentou até 600%, por meio da comercialização de seus produtos nas feiras agroecológicas, na vizinhança e no Programa de Aquisição de Alimentos , do Governo Federal.
22
Num contexto histórico, no qual as mulheres eram impedidas e desacreditadas de trabalhar publicamente, não foi fácil mudar esta concepção e fazêlas acreditar que são capazes e fazem parte de todo o sistema de produção e, principalmente, que são sujeitos da própria história.
No início, as mulheres demonstraram medo porque não tinham acesso à terra, ou, quando tinham, era uma pequena área, ao redor da casa. O medo da repressão dos maridos contri buía para a baixa autoestima, já que alguns acreditavam que o que lhes competia era exclusivamente o trabalho doméstico e não permitiam sequer que elas saíssem de casa para participar de uma reunião. A falta de apoio da própria comunidade, que sempre duvidou do potencial delas,
Em um contexto culturalmente tão adverso, onde o desafio era incidir nas relações de gênero no
âmbito familiar, facilitar o empoderamento através do conhecimento, acesso à terra e recursos hídricos
destinados à produção, no interior de sua própria propriedade, e a distribuição equânime dos recursos
gerados para a produção, destacase um conjunto de aprendizagens, algumas previstas e outras criadas
no decorrer da implementação da proposta:
• Reorganização do trabalho doméstico e a redistribuição nas tarefas entre homens e mulheres;
• Mulheres tornamse multiplicadoras dos saberes;
• Conquista da autonomia através da luta coletiva.
acentuava o medo de levar adiante a proposta. Esse conjunto de fatores contribuía para
a aproximação entre as agricultoras e as extensionistas, ajudando na multiplicidade de sujeitos (técnicas e agricultoras se constituem sujeito da ação e do processo), uma vez que as próprias exten sionistas são sujeitos da construção desse espaço historicamente masculino.
A construção coletiva do conhecimento possibilitou a ampliação da experiência para um número maior de mulheres, pois foi sendo multiplicado entre elas; e o mais importante é que as mulheres que conseguiram se integrar nesses espaços começaram a repensar a ideia de sua incapacidade, discutindo em casa com os maridos e filhos sobre a divisão sexual do trabalho.
O Aprendizado
23
“Ser mulher agroecológica, atrizes de nós mesmas, é melhor que ser somente dona de casa. Sempre trabalhei muito, mas nunca fui reconhecida nem valorizada como dona de casa. Hoje sou
reconhecida como produtora do grupo de Mulheres Xique-xique”.(Vilzoneide Marques – Comunidade Monte Alegre – Afogados da Ingazeira/PE)
“Tenho certeza que nunca mais serei a mesma. Se tivesse que voltar a ser o que eu era antes, ter a vida só de cuidar da casa e da comida
como antes, ficaria com depressão”.(Joaninha – Comunidade de Monte Alegre – Afogados da Ingazeira/PE)
“Hoje tenho autonomia. Tenho meu próprio dinheiro, dou o quanto de ração quiser para minhas galinhas. Quero que todas as mulheres da minha comunidade tenham acesso e o conhecimento
que tenho hoje. Me sinto importante e valorizada”.(Terezinha – Comunidade São Miguel – São José do Egito/PE)
Percebemos a ênfase desse significado nas palavras ditas pelas mulheres.
24
A Ematerce realizou capacitações na área de plantio, tratos culturais, substituição de copas, entre outras e instalou ali uma Unidade Técnico Demonstrativa (UTD). Esta passou a ser constantemente visitada por membros de diversas associações comunitárias do município e de muni cípios circunvizinhos, servindo também de base para a capacitação de extensionistas e agricultores familiares.
Tecnologia de substituição de copas em cajueiros improdutivos realizada pelos próprios agricultores do Pirangi.
PRáTICAS AGROECOLóGICAS NA
COMUNIDADE PIRANGI:UMA EXPERIÊNCIA
QUE DEU CERTO
A Associação Comunitária Prodesenvolvimento dos Produtores do Pirangi, no distrito Calugi, do município de Itapipoca, no Estado do Ceará, trabalha com 19 famílias associadas e 70 famí lias não associadas da comunidade de Pirangi.
As atividades iniciaram em 1985, quando agricultores do local procuraram a Ematerce, buscando capacitação para atuar na cajucultura .
25
Os treinamentos serviram para que alguns produtores se especializassem nas tecnologias de enxertia e substituição de copas em cajueiros comuns improdutivos, o que, naturalmente, aumentou significativamente a qualidade dos pomares, assim como a produtividade dos mesmos. Outros eventos de capacitação foram realizados por instituições como Senar e Sebrae e pôdese verificar o diferencial do grupo pelo interesse em aprender e realmente aplicar as tecnologias no campo. Membros da Associação Pirangi são contratados por proprietários rurais do município para procederem a substituição de copas em cajueiros improdutivos, o que representa uma boa fonte de renda.
A Ematerce, por meio do programa Caminhos de Israel, também capacitou estes agricultores e elaborou com os mesmos um plano de negócios, o qual culminou na aquisição de casa de farinha modernizada, o que melhorou a qua
Presidente da Associação do Pirangi, Sr. Cláudio Rosa, em área onde fora realizada substituição de copas em cajueiros improdutivos. Detalhe de utili-zação de cobertura morta no solo.
lidade da farinha produzida no local e agregando valor ao produto. A experiência coletiva da casa de farinha moderna vem sendo irradiada para os municípios vizinhos.
A qualidade diferenciada da farinha e da goma da Casa de Farinha vem obtendo preços diferenciados junto aos consumidores da região.
A comunidade é servida por serviços de Ater por meio de extensionistas e um assessor de Ater. As reuniões da comunidade são mensais e obedecem datas prédeterminadas, ou a qualquer data quando convocada extraordinariamente.
A organização dos produtores despertou interesse também de alguns órgãos de pesquisa como a Embrapa, Universidade Federal do Ceará – UFC e o Instituto Centec, que já instalaram experimentos no local, em parceria com a comunidade, incluindo experimentos com novas cultivares, calagem e tratos culturais como poda, época de plantio, etc.
Outro aspecto interessante é a agroecologia, uma vez que, no local, foi eliminada a prática da queimada e todos os restos vegetais e animais são utilizados como adubo orgânico por meio de composto, incorporado ao solo e como cobertura morta.
A utilização destas tecnologias simples aumentou a produtividade das culturas, como a mandioca que aumentou de 10.000kg/ha para mais de 25.000kg/ha.
As atividades agrícolas são desenvolvidas em áreas individuais e coletivas e têm a participação de mulheres e jovens.
Hoje, a comunidade já se encontra no nível de participação que garante a sua independência.
“Os treinamentos serviram para que alguns produtores se especializassem nas tecnologias de enxertia e substituição de
copas em cajueiros comuns improdutivos, o que, naturalmente, aumentou
significativamente a qualidade dos pomares, assim como a produtividade.”
26
ORGANIzAçãO SOCIALE GERAçãO DE RENDA
NO NORDESTE:O PROGRAMA DE BIODIESEL
No Território do Sertão Central, no Ceará , 12 municípios do semiárido estão sendo beneficiados pela ação conjunta da Ematerce, MDA, GTZ e Petrobras, no Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel.
São 25 extensionistas da Ematerce e 25 agentes de desenvolvimento de instituições parceiras atuando com mais de 2.000 famílias, com perspectiva de incluir até oito mil famílias.
O principal objetivo é apoiar a organização social e fortalecer a base produtiva da agricultura familiar por meio do Programa de Biodiesel. A Ematerce promove a mudança do sistema tradicional de produção para o agroecológico e, para isso, incentiva o plantio de oleaginosas como mamona, girassol, amendoim e algodão em sistemas de consórcio com culturas alimentícias.
A expectativa é que a mudança gradual na forma de cultivar, fazendo a transição para o sustentável, permita a geração de renda,
preservação ambiental e segurança alimentar. Tratase, portanto, de um processo de construção metodológica com base na realidade de cada região, considerando a diversidade, o contexto cultural, ambiental, social, econômico e institucional em que estão inseridas as famílias.
Os resultados obtidos até o momento incluem o aumento no número de contratações para a safra de 2008/2009 de 2.500 para 4.600 agricultores familiares, melhoria no processo de comunicação entre empresa, enti dades de Ater e agricultores familiares. As instituições públicas e entidades da sociedade civil estão articuladas para a participação e apoio ao projeto.
Os municípios beneficiados são Ibaretama, Banabuiu, Choro, Deputado Irapuã Pinheiro, Milha, Mombaça, Pedra Branca, Piquet Carneiro, Quixadá, Quixeramobim, Senador Pompeu e Solonópole.
27
INOVANDO NA FORMAçãODE AGENTES DE ATER:
PROjETO CULTIVANDO SABERES
O Projeto Cultivando Saberes do MDA tem abrangência nacional e atualmente está sendo executado em 19 estados e no Distrito Federal: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Sergipe, Tocantins e São Paulo. As ações são desenvolvidas principalmente nos municípios que compõem os Territórios da Cidadania. Estão envolvidos no projeto 53 extensionistas, que atuam como formadores e 1.700 extensionistas de campo.
O Cultivando Saberes é uma iniciativa do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), e é executado pela Coordenação de Formação de Agentes de Ater do Departamento de Assistência Técnica e Extensão Rural (Dater), em parceria com as Instituições Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural. O projeto é uma união de esforços e experiências de formação de agentes de Ater em rede, que visa ampliar e qualificar os serviços de Ater para os agricultores familiares nos Territórios da Cidadania.
29
A metodologia do Cultivando Saberes consiste no seguinte: o MDA capacita extensionistas das Instituições Estaduais de Assistência Técnica e Extensão Rural e esses formam outros extensionistas em seus estados. Os extensionistasformadores identificam agentes de Ater de instituições não estatais, tais como prefeituras, sindicatos, ONG’s e outras, que tenham tido pouca ou nenhuma oportunidade de capacitação, e promovem com estes um processo de formação continuada, com o objetivo de aperfeiçoar sua ação e promover o acesso dos agricultores às políticas públicas voltadas para a agricultura familiar.
A formação continuada tem como ação central cursos de curta duração, envolvendo uma
Cultivando Saberes – PE Cultivando Saberes – BA
parte conceitual onde são abordados temas relacionados à Pnater e políticas públicas para a agricultura familiar, e uma parte prática. A construção das ementas é feita de forma participativa e leva em conta a realidade de cada estado ou território.
Nestes cursos, os extensionistas são incentivados a refletir sobre a realidade em que atuam e o trabalho que desempenham. A partir disto constroem um plano de ação para ser implementado com os agricultores, com o apoio dos extensionistasformadores. A formação está concebida para ser continuada e coerente com a realidade de cada agente e consolide a Rede Cultivando Saberes em cada estado, que é composta por todos os participantes do processo de formação.
• Inovação nas ações de formação de agentes de Ater e na ação extensionista;
• Capacitação de agentes de Ater que não têm acesso a processos de formação continuada, propiciando um maior conhecimento sobre a realidade na qual atua e aperfeiçoando a prática extensionista;
• Integração, articulação e troca de experiências das instituições estaduais de Ater com as instituições da sociedade civil e outras instituições externas;
• Aperfeiçoamento dos serviços de Ater para os agricultores familiares que ainda não têm acesso às políticas públicas, tais como indígenas, mulheres agricultoras e agricultores do semiárido, entre outros;
• Interação entre Redes Temáticas de Ater, principalmente de Formação de Agentes de Ater, Agroecologia, Metodologias Participativas, Ater para Mulheres, Produtos e Mercados Diferenciados, Turismo, Ater Indígena e Comercialização;
• Qualificação dos extensionistas da própria instituição estadual de Ater;
• Inovação na ação extensionista por meio da construção coletiva no planejamento e nas capacitações e atuação multidisciplinar entre o grupo de formadores e os agentes de Ater capacitados;
• Valorização dos extensionistas formadores nas instituições estaduais de Ater;
• Qualificação da ação extensionista nos Territórios da Cidadania através da proposição de projetos inovadores, tais como o “Cultivando Agroecologia nas Escolas”, no RN;
• Participação dos extensionistas formadores, extensionistas de campo e dos agricultores familiares em feiras agroecológicas, em seminários sobre crédito e comercialização, em inter câmbios, em ações concretas de acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos, ao crédito, a programas de fomento a arranjos produtivos locais, entre outros.
O Projeto Cultivando Saberes promove:
30
PRESERVANDO E RECUPERANDO MANANCIAIS:
UMA EXPERIÊNCIA INOVADORA
A morte préanunciada do Rio Boa Vista, em Ouro Preto do Oeste, na região central de Rondônia, tem levado os organismos governamentais e sociedade civil a tomarem decisões importantes para a população local, visando desenvolver uma ação para garantir o abastecimento de água da população urbana, resgatar a floresta , a flora e a fauna local.
O Manancial Boa Vista, localizado na Linha 37, a 10 quilômetros de Ouro Preto do Oeste, é utilizado para abastecimento de água da população urbana. Com vazão de 7.600 m3 por dia, 5.000 m3 são utilizados para abastecer uma cidade com 36.040 habitantes por meio de 4.439 ligações ativas.
O Projeto de Revitalização do Rio Boa Vista iniciou em 2006, quando a Secretaria de Estado do Meio Ambiente fez a denúncia do descaso com o Rio Boa Vista, em relação ao abandono, falta de matas ciliares, assoreamento, redução drástica do volume de água e o risco da interrupção do fornecimento de água para a cidade.
Houve grande participação no momento de discussão do projeto, com a participação de autoridades civis e religiosas, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente Sedam, Ceplac, Caerd, Ministério Público , prefeitura municipal de Ouro Preto do Oeste , Polícia Ambiental de Candeias do Jamari, Sipan e a EmaterRO, entre outros.
31
A proposta da necessidade de trabalhar na preservação ambiental chegou também aos alunos das escolas locais, por meio de palestras ministradas pelos extensionistas, buscando a conscientização de todos na importância de se preservar o meio ambiente.
Assim, num trabalho conjunto da Extensão Rural e da Educação, os jovens são envolvidos nas atividades de plantio de mudas para a recomposição das matas ciliares.
A área reservada foi cercada e os resultados obtidos são animadores e expressam o esforço de todos para garantir o direito humano fundamental de todas as pessoas a ter água potável de qualidade e em quantidade suficiente, com custo acessível e fisicamente disponível, para uso pessoal e doméstico, conforme previsto na legislação brasileira e na Agenda 21.
Cuidar da água é uma questão de sobrevivência. Depende da decisão e da ação de cada pessoa, comunidade e sociedade em geral.
Somente com sensibilidade, criatividade, determinação e participação será possível construir respostas técnicas, científicas, ecológicas, sociais, políticas e econômicas para a gestão da água na perspectiva do desenvolvimento sustentável, com inclusão e justiça ambiental.
Como resultado desse trabalho, são descritas algumas conquistas obtidas, fruto das mudanças ocorridas num trabalho protagonizado pela extensão e que tem proporcionado mudanças significativas no meio rural, viabilizando o desenvolvimento social, econômico e ambiental:• Educação Ambiental com alunos das escolas
locais, envolvendo 15 escolas da rede pública e particular;
• 3.000 alunos envolvidos;• 32 agricultores familiares executaram a recom
posição nas suas propriedades utilizando a mão de obra familiar e em mutirão com os vizinhos;
• 81.500 mudas plantadas;• 96 ha plantados;• 95% da área total recuperada;• 70 essências florestais escolhidas, utilização de
35 espécies, com destaque para as frutíferas nativas;
• Ressocialização de 12 apenados;• 30 km de área demarcada e isolada;• Melhor qualidade da água identificada pelos
agricultores.
Foi definida a meta de recuperar 30 metros das margens de cada lado do rio, ao longo de 34 quilômetros da nascente até a bomba de captação da Caerd e foram tomadas decisões impor tantes para o alcance desta meta.
A EmaterRO e a Ceplac foram encarregadas do levantamento de campo e os demais órgãos dariam apoio logístico. Então, as equipes de técnicos desceram as margens do rio, para mensurar, piquetear e promover as reuniões com os agricultores, para a primeira sensibilização, envolvendo 32 famílias residentes às margens do Rio Boa Vista. Durante o processo de sensibilização dos agricultores foi pactuado que todo trabalho partiria de decisões tomadas em comum e que o respeito por estas e o envolvimento de todos seriam vitais para o sucesso do projeto.
O levantamento dos problemas foi rea lizado através de oficinas com as famílias envolvidas, utilizando as ferramentas do Diagnóstico Rural Participativo – DRP, levando dois meses para a sua conclusão. Fruto dessas oficinas, foram detectados os seguintes problemas, que necessitavam de intervenção imediata:
• Eliminação da mata ciliar (total ou parcial);• Assoreamento do leito do rio;• Comprometimento da vida aquática;• Empobrecimento gradativo do solo; • Morte gradativa do rio pelo aumento de
evaporação;• Falta de alimentos para os animais silvestres;• Descaso de muitos agricultores.
1ª reunião para agricultores e parceiros para discutir o projeto.
33
BOAS PRáTICAS NOMANEjO DA
CASTANhA DO BRASIL
Essa é uma experiência desenvolvida pelo Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Estado do Amazonas (Idam) nos municípios de Amaturá, Beruri, Lábrea, Boca do Acre e Manicoré, com 2.148 famílias envolvidas direta e indiretamente na atividade de extração da castanha do brasil. O Idam adotou como principal estratégia de atuação o apoio à organização das associações e cooperativas por meio de diversas técnicas e instrumentos participativos, com vistas à adequação dos seus castanheiros aos padrões mínimos de Boas Práticas de Manejo da castanha do brasil. Desta forma, como passo número um, adotouse a capacitação dos castanheiros para a boa coleta, transporte e armazenamento da castanha, etapas relevantes para impedir a contaminação por aflatoxina, substância sinte tizada na amêndoa a partir de um fungo (Aspergilus flavus) e que traz diversos males à saúde humana, principalmente doenças hepáticas. Todos os cinco municípios envolvidos foram atendidos. Além desses, podemos citar outros como Anori e Coari, que, apesar de não possuí rem usina de beneficiamento, têm grande potencial de produção. Em seguida, para a fase de beneficiamento da castanha, secagem, quebra, seleção e embalagem, capacitouse em “Boas Práticas de Fabricação de Alimentos”, atentando para as questões sanitárias exigidas pelo Minstério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O Idam desenhou um projeto voltado para o beneficiamento da castanha e foi em busca de parceiros para efetivar a sua implantação. Em Manicoré e Amaturá desenhou
projetos voltados para a extração do óleo da castanha para alimentação (culinária). A idéia central foi agregar valor ao produto, que vinha sofrendo com a desvalorização no mercado. Atualmente, tanto a usina de Manicoré como a de Amaturá produzem, basica mente, a castanha seca (dry) com casca e a castanha desidratada (sem casca) embaladas a vácuo em sacos de alumínio. Munido das experiências em Manicoré e Amaturá, o Idam teve como desafio a construção de mais duas usinas de beneficiamento em Lábrea e Beruri. A primeira está produzindo normalmente, e a segunda encontrase em fase de conclusão da obra e aquisição de equipamentos. O Idam tem trabalhado acentuadamente em quatro polos de atuação: Alto/Médio Purus, Calha do Madeira, Baixo Purus e Alto Solimões. Como os resultados foram experiências de sucesso, a intenção é ampliar a área para o Médio/Baixo Solimões e Baixo Amazonas e, também, atender municípios dos quatro primeiros polos que não foram contem plados no primeiro momento. A castanhadobrasil é um dos produtos mais comercializados na floresta amazônica. A exploração e o escoamento da produção geralmente são realizados através dos regatões intermediários e do aviamento. A única agregação de valor ao produto se faz mediante a quebra do ouriço para a retirada e seleção das sementes. Com a intervenção do Idam no sistema de produção, os principais polos produtores estão vivendo uma realidade diferente com a possibilidade de atuarem em conjunto, fortalecendo o setor
34
Usina de beneficiamento de castanha do brasil de Amaturá.
Seleção das castanhas após desidratação.
“A idéia central foi agregar valor ao produto que vinha sofrendo com a
desvalorização no mercado.”
produtivo e de beneficiamento. Com isto, já foi possível levar a produção a mercados melhores, com preços mais justos, tendose o benefício do microcrédito e não do aviamento.
Como reflexão geral da experiência, enten demos que foi um período de aprendizado e que o mérito dos resultados diante das adversidades deve ser dividido entre as gerências envolvidas nas atividades meio e principalmente as que estavam na coordenação executiva das atividades em campo. No en tanto , fica pelo menos uma lição aprendida que devemos refletir: o desafio de melhorar o desempenho em atividades florestais que envolvam PCTAF’s passa necessariamente em criar um espaço contínuo para discussão e avaliação dos acertos e erros no planejamento, implementação dos mesmos e seu registro, com vistas à melhoria contínua e excelência na execução de metas programadas.
35
PEIXE XUKURU - AQUACULTURA SUSTENTáVEL,
SEGURANçA ALIMENTAR E INCLUSãO SOCIAL
A ação aqui citada descreve o trabalho do Povo Xukuru da Serra do Ororubá, da Associação Indígena Xukuru de Ororubá, no município de Pesqueia, região agreste de Pernambuco. A terra Indígena possui uma área de 27.555 ha, distribuída em 24 aldeias, três regiões climáticas com 10 mil pessoas. O projeto envolve 19 aldeias, 96 famílias e 480 pessoas.
A atividade de aquacultura familiar junto ao povo Xukuru tornouse um espaço rico de aprendizagens e também de muitas surpresas. Inicialmente, este projeto contemplava 12 aldeias com quatro famílias por aldeia. Atualmente, conta com a participação de 96 famílias de 19 aldeias que, de uma forma ou outra, estão criando peixe, além de 20
36
Oficina para a construção dos diagnósticos.O Mapa das águas da aldeia.Aldeia São josé – povo Xukuru, 2008.
famílias interessadas e de outras etnias que se mostraram interessadas em participar do processo. Os próximos passos são: o domínio da reprodução de peixes, o desenvolvimento de ração com produtos locais e iniciação de pequenos processamentos e práticas de conservação do pescado.
Entendese como um grande avanço a comu nidade ter se ambientado com o cultivo de peixes, descoberto as possibilidades que esta atividade pode proporcionar, vindo num futuro próximo a fazer parte do conjunto produtivo local, forne cendo peixe para a alimentação escolar e para o mercado local.
Outro avanço que merece destaque foi a introdução e participação dos jovens no processo de aprendizagem e de seu envolvimento com a criação de peixes, abrindose, assim, mais uma possibilidade de trabalho e renda no futuro.
Aldeia Lagoa -oficina de Ração produzida com insumos locais.
“Entende-se como um grande avanço a comunidade ter
se ambientado com o cultivo de peixe.”
Por fim, muitas famílias já estão consumindo peixe dentro do preconizado pela Organização Mundial de Saúde, que é de 12 Kg per capita/ano, o que significa um peixe com 250 gramas por pessoa por semana, produzido por ela mesma. A média brasileira é de 8 quilos per capita/ano; em Pernambuco, apenas 5 quilos per capita/ano.
Os parceiros envolvidos nessa experiência são a Associação Indígena Xukuru de Ororubá, o Instituto Agronômico de Pernambuco – IPA, a Universidade Federal Rural de Pernambuco – Departamento de Pesca, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Pernambuco, a Secretaria de Agricultura e Reforma Agrária do governo de Pernambuco, a APOINME – Associação dos Povos Indígenas do Nordeste, de Minas Gerais e Espírito Santo.
37
ORGANIzAçãO PARA O ACESSO A MERCADOS NA
REGIãO NORDESTE: REDE ESTADUAL DE APOIO à
COMERCIALIzAçãO
A Rede Estadual de Apoio à Comercialização da Agricultura Familiar (REACAF) tem como proposta articular a agricultura familiar com o mercado institucional, bem como outros mercados ligados à iniciativa privada, através do envolvimento de organizações de produtores, sindicatos rurais, conselhos municipais, prefeituras e demais atores sociais e institucionais.
O Governo do Estado do Sergipe lançou a Rede no último mês de agosto, em evento que contou com a presença de 10 mil agricultores familiares e autoridades. Coordenada pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe (Emdagro), vinculada à Secretaria de Estado da Agricultura e Desenvolvimento Agrário e apoiada pela Secretaria de Agricultura Familiar SAF/MDA, a
Rede de Comercialização traça estratégias de forma a garantir a contratação de serviços de beneficiamento e processamento com as agroindústrias locais por parte das organizações sociais de produtores rurais, buscando efetivar sua política de acesso aos mercados institucionais e outros mercados.
Em consonância com a ferramenta eletrônica do Portal Comunidades do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), a Rede vem fazendo o cadastro de organizações da agricultura familiar, sendo a Cooperativa de Produtores de Comércio e Prestação de Serviços da Agricultura Familiar de Indiaroba e Região Ltda (Cooperafi) a primeira a se cadastrar na Rede Estadual de Comercialização de Agricultura Familiar. Hoje, a Cooperafi é detentora de
38
DAP Jurídica, à qual se articula em rede com várias outras associações, o que ampliou o número de associados para 1.200.
Com a sanção da Lei nº 11.947, de junho de 2009, que trata da alimentação escolar,
Experiências “Entre as estratégias adotadas pela Rede
está a relação da agricultura familiar com as agroindústrias e com o mercado, de forma a viabilizar a contratação de serviços de beneficia
mento e processamento, garantir os serviços de inspeção estadual e federal, agregando valor ao produto”, afirma o articulador estadual da Rede de Comercialização, Geraldo Ferreira Sobrinho.
onde 30% dos produtos deverão ser adquiridos da agricultura familiar, a Emdagro ampliou as discussões nos quatro Territórios de Cidadania, promovendo seminários, reuniões, palestras e criando grupos de discussão sobre articulação da agricultura familiar com o mercado, tendo como parâmetros básicos o conhecimento do mercado institucional Programa Nacional e Alimentação Escolar (PNAE) e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
Quanto ao mercado livre, a rede de comercialização deu inicio às discussões com o grupo Wal Mart de supermercados, com o Clube do Produtor, entre outros, buscando mapear a produção, identificando organizações da agricultura familiar com potencial para atender às exigências do mercado, com qualidade.
39
Ainda segundo ele, o maior exemplo das estratégias pode ser visto através das cooperativas Cooperafes e Coopergipe, localizadas nos municípios de Moita Bonita e Campo do Brito, respectivamente, que contrataram os serviços de abate de suínos com a agroindústria detentora do Serviço de Inspeção Federal (SIF), o que garante a qualidade e agrega valor aos produtos. “Para vender a carne suína com qualidade e agregação de valor, as cooperativas contrataram a Nutrial para prestar o serviço de abate. Quanto à produção de batatadoce, a Cooperafes já a comercializa com o grupo Wall Mart de supermercados, na Bahia”, diz o articulador.
“Assim como foi feito com a batata doce, negociações estão sendo iniciadas na região citrícola para venda da laranja ao grupo Wall Mart, por meio do Clube do Produtor”, comemora Geraldo Sobrinho.
Outras experiências de sucesso estão localizadas na região citrícola de Sergipe, onde associações de produtores dos municípios de Boquim e de Santa Luzia contrataram o serviço da Trop Fruit para transformar a laranja em suco. Com a
contratação, elas puderam agregar valor ao produto de quase 100% em relação à tonelada da laranja. Ou seja, antes a laranja in natura era comercializada ao preço de R$ 250,00 a tonelada. Após a transformação em suco, esse valor saltou para R$ 500 reais.
Ainda na região citrícola, nos municípios de Arauá e Pedrinhas, a Emdagro também vem trabalhando com as organizações de mulheres rurais, no processamento de produtos agrícolas, a exemplo da transformação da laranja em doces, bolos, sucos e geleias, visando à comercialização de forma a complementar a renda familiar.
Avanço também foi a contratação de 150 agricultores familiares pela prefeitura de Estância, para a venda de alimentos visando atender, através do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional, beneficiadas por programas sociais locais, além de outras pessoas em situação de risco alimentar, como indígenas, quilombolas, acampados da reforma agrária e atingidos por barragens.
41
nas próprias comunidades, conferindo consistência e assegurando a irradiação dos mesmos.
A trajetória evolutiva do programa é rica em ensinamentos relacionados à assistência técnica e extensão rural para a promoção da agroecologia. A experiência demonstra que a instituição de assessoria à agricultura familiar conseguiu escapar da lógica do difusionismo tecnológico proposta, em princípio, para modernizar a agricultura. De acordo com a própria equipe, essa concepção, contraditoriamente, ainda influencia fortemente a atuação de organizações que, como a ASPTA, são críticas às tecnologias propugnadas com a Revolução Verde.
Partindo da ideiachave de pensar as técnicas no universo históricocultural das comunidades, observouse que elas revelam em si um caráter eminentemente instrumental, ou seja, são apenas meios para o alcance de fins predeterminados. Como produto da cultura, as técnicas devem ser concebidas como o resultado de um processo de invenção local destinado a resolver problemas específicos, e assim criar melhores condições de bemestar em um determinado contexto histórico.
A equipe da ASPTA passou a perceber que as abordagens difusionistas esterilizam a criatividade local, levando as comunidades a uma situação de passividade frente à inovação que lhes chega pelas mãos de profissionais (ou agricultores profissionalizados) para isso designados.
CONSTRUçãO DO CONhECIMENTO
AGROECOLóGICO EM REDES DE AGRICULTORES
EXPERIMENTADORESA organização nãogovernamental ASPTA
assessora o Programa de Desenvolvimento Local no Agreste da Paraíba, em 16 municípios que delimitam a área de abrangência do Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema (Polo). Há 16 anos, vem dando apoio a processos de transição agroecológica com forte protagonismo dos agricultores familiares que vivem em comunidades rurais dos municípios que delimitam a área de abrangência do Polo Sindical e das Organizações da Agricultura Familiar da Borborema (Polo). Estão envolvidas na experiência cerca de cinco mil famílias organizadas em 16 sindicatos de trabalhadores rurais (STRs), uma associação regional de agricultores ecológicos, 156 associações comunitárias e variados tipos de grupos informais.
O programa promove o aprimoramento das capacidades técnicas, metodológicas, administrativas e políticas das organizações vinculadas ao Pólo para que atuem de forma articulada na elaboração, defesa e execução de projetos próprios de desenvolvimento local. Assim operando, a ASPTA vem assessorando o Pólo na articulação das ações de inovação, promovidas de forma descentralizada e em rede por famílias e grupos comunitários, em um processo sociopolítico de âmbito regional, que se consolida em defesa da agricultura familiar e da agroecologia. Esses processos se assentam e tiram partido das capacidades socioculturais e políticas existentes
Estão envolvidas na experiência cerca de cinco mil famílias de trabalhadores rurais.
Dessa forma, a tecnologia passa a ser encarada como um fim em si, deixando à sombra os obstáculos que se antepõem à satisfação das necessidades efetivas das comunidades e à realização dos seus projetos de futuro.
As evidências que foram se acumulando no decorrer dos anos de convivência com os grupos de agricultoresexperimentadores permitiram à instituição adquirir essa compreensão crítica sobre o equívoco fundamental que orientava originalmente as suas metodologias de intervenção. Desde então, ficou claro que era preciso agir em benefício da canalização dos impulsos criativos presentes nas comunidades para que as mesmas pudessem se mobilizar para enfrentar seus próprios obstáculos e realizar suas potencialidades.
Além de conduzir as mudanças significativas nas relações com os grupos de experimentadores, a incorporação dessa compreensão foi fundamental para que os técnicos pudessem melhor operacionalizar o próprio conceito de agroecologia nas suas estratégias. Por meio do enfoque sistêmico aplicado à descrição e análise dos agroecossistemas regionais, a equipe técnica passou a compartilhar com os grupos de agricultoresexperimentadores a elabora ção
de estratégias para a transição agroecológica, fundamentadas na valorização dos recursos localmente disponíveis, entre eles a inteligência criativa para gerar novas técnicas e formas de organização.
A construção dos fundamentos de um novo método de atuação pela equipe da ASPTA significou um verdadeiro desbloqueio na forma da instituição de perceber a realidade em que atuava. Essa nova percepção foi fundamental para que pudessem desenvolver metodologias e instrumentos para a operacionalização desses fundamentos na prática. Entretanto, essa trajetória não teria sido possível se algumas condições não estivessem presentes. Entre elas, cabe destacar: a) Relativa estabilidade da equipe; b) Realização sistemática de diagnósticos e de análises críticas sobre as estratégicas de intervenção; c) Busca de referências externas através de uma intensa agenda de intercâmbios com outras organizações que desenvolviam ações em temas relativos; d) Valorização dos acúmulos das fases anteriores nas estratégias das fases subsequentes; e) O financiamento do programa que contou com parcerias importantes que viabilizaram financeiramente o programa.