Post on 02-Aug-2015
Saberes e práticas na afirmação identitária dos catadores de caranguejo da Vila Sorriso/Pa.
Daniel dos Santos Fernandes1
Neila de Jesus Ribeiro Almeida2
Resumo
Trata de um estudo parcial sobre a relação entre uma comunidade pesqueira extrativista e o ecossistema de manguezal do seu entorno, onde busca a partir de seus conhecimentos tradicionais, uma identidade particular como catadores de caranguejo, tornando mais objetiva a categoria profissional de pescadores extrativistas do manguezal. Utilizando de seus saberes e práticas tradicionais como estratégia de visibilidade, levando em consideração os modos de uso deste ecossistema, no sentido de gerarem estruturas cognitivas e manifestação social proativa, visando sua inserção em algumas políticas públicas ausentes de sua realidade. Dinâmicas sociais presentes na comunidade Vila Sorriso, situada a 7,5 km da sede do município de São Caetano de Odivelas, no estado do Pará.
Palavras-chaves: Processos identitários, Maneiras de fazer, Colônia de pescadores,
Catadores de caranguejo.
Introdução
A necessidade de ampliação da categoria de pescadores extrativistas para o
reconhecimento do segmento de catadores de caranguejo abriu discussão local, na
Região do Salgado no Pará, de como seriam as características do, que se, denominaria
pescadores extrativistas de manguezal. Devido ao não acesso ao seguro defeso e por
viverem em condições desiguais com os pescadores de pescado, as discussões seguem
no sentido da possibilidade de qualidade de vida e conservação do meio ambiente.
Nestas perspectivas as políticas de educação ambiental e combate a pobreza pouco
efeito tem nestas populações.
Uma das saídas para atingi-los é a efetivação de associações voltadas para este
segmento da pesca extrativista, porém, esbarram em problemas políticos partidários
inviabilizando retornos plausíveis que aumente a qualidade de vida e favoreça
programas de conservação ambiental.
_______________________________________1 Doutor em Ciências Sociais - Antropologia/Professor-pesquisador/Faculdades Integradas Ipiranga-Pa., dasafer@ibest.com.br
2 Mestranda em Gestão dos Recursos Naturais e Desenvolvimento da Amazônia/NUMA-UFPA, neilalmeida2000@hotmail.com
No Brasil, a partir de 2003, políticas mais gerais voltadas para o setor pesqueiro
foram efetivadas com a criação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca ligada à
Presidência da República (MPA, 2012) o que não anularia a existência de ações mais
pontuais nos estados, a partir dos governos estaduais e municipais, porém não com o
cunho profissional e ambiental que a secretaria começa a construir. Também vale
informar a presença da Marinha do Brasil, mas para cunho de segurança, inicialmente
nacional, e capacitação e controle dos chamados marítimos e embarcações, porém com
um poder ia bem além das questões de segurança no mar e posicionava-se com órgão de
supervisão na criação andamento das colônias de pescadores.
Com a sanção da Lei nº 11.959 de junho de 2009, apresentação a Política Nacional
de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca e revogação de leis
anteriores que tinham como objetivo o tratamento da pesca, porém, sem a visão de
sustentabilidade e profissionalismo no setor, coloca em jogo a capacidade dos antigos
agentes institucionais se tornarem mediadores do setor de pesca, pois o novo panorama
criado pela lei fez com que os pescadores saíssem de uma condição de meramente
pescadores amadores ou profissionais para se tornarem público-alvo de programas mais
abrangentes que visam maior profissionalismo e agora questões ambientais.
A questão de território começa a ser uma necessidade, por também estar
relacionada com as questões ambientais que agora se apresentam neste novo panorama
do setor pesqueiro. Até porque a abrangência espacial no ofício de pescador é muito
grande e as questões de conservação ambiental estão ligadas cada vez mais ao, que no
setor é denominado, seguro defeso3, além das questões de categorias na pesca que
atualmente não atendem as especificidades principalmente na questão territorial.
Cria-se, assim a necessidade de especificar melhor as categorias existentes, amador
e profissional, conseqüentemente características próprias a cada sub-atividade, o que em
algumas comunidades pesqueiras tradicionais começa a tomar proporção de criação de
identidade como “uma das múltiplas dimensões das identidades dos sujeitos, sendo
capazes de gerar esquemas de percepção e ação no mundo social” (GT-52/28ªRBA).
____________________________________________3 Seguro desemprego no setor da pesca ( Ver Lei nº10.779, Concessão do Benefício de Seguro Desemprego, Durante o Período de Defeso, ao Pescador
Profissional que exerce a atividade pesqueira de forma artesanal.).
É neste cenário que foi feita a pesquisa que deu origem a este artigo, cujo objetivo
é apresentar uma descrição dos saberes e práticas dos pescadores extrativistas do
manguezal da Vila Sorriso, categoria constante na carteira, dos colonizados na colônia
Z44, emitida pela Secretaria Estadual de Aqüicultura e Pesca do Pará (SEPAC), a partir
de uma abordagem antropológica cultural e sócioambiental.
Essas abordagens permitem explicitar as tradições, valores e crenças presentes
nestes saberes e práticas, como importantes instrumentos para analisar os interesses e
conteúdos presentes na noção de identidade para afirmação, que está sendo construída
na comunidade como uma das estratégias de visibilidade em busca de inserção nas
políticas públicas do Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA). Confirmando que “a
complexidade crescente das realidades locais torna mais necessária do que nunca a
abordagem situacional das culturas e das identidades como um instrumento de
compreensão das lógicas observadas diretamente, e também como um princípio de
vigilância antiexótica da antropologia.” (AGIER, 2001, p.12)
Nesta perspectiva os saberes e práticas por fazerem parte da cultura passam
também, na contemporaneidade, a reafirmar cada vez mais seu aspecto de ser e sentir
das pessoas em relação à sobrevivência junto a sua organização e a interação com outras
culturas. Antes de apresentar os saberes e práticas como traços culturais, afirmadores da
identidade, na comunidade de catadores de caranguejo, faz-se uma discussão sobre o
espaço da pesca e a sua importância na compreensão do processo de construção da
identidade dos pescadores extrativistas do manguezal. A seguir apresenta-se uma
discussão dos saberes e práticas; por fim analisa as redes de visibilidade para a
comunidade de Vila Sorriso.
Histórico do grupo estudado
A Vila sorriso está localizada entre a Vila de Alto Pererú e a Vila de Boa Vista do
Camapú, distando aproximadamente 7,5 quilômetros da sede do município de São
Caetano de Odivelas no estado do Pará, distante há 115 quilômetros de Belém por via
rodoviária.
_____________________________________________4 Termo utilizado pelos nativos para denominar os filiados a Colônia de Pescadores Z4 de São Caetano de Odivelas/Pa.
O Município de São Caetano de Odivelas se localiza na Costa Atlântica do Estado do
Pará, na Mesorregião do Nordeste Paraense, Microrregião do salgado, possui uma área de
743km² com 16.891habitantes, o acesso principal é pela BR 316; situa-se entre o
município de Vigia de Nazaré e Curuçá. (IBGE 2010).
Situa-se às margens da estrada que liga a sede do município a Vila de Boa Vista do
Camapú, distribuindo-se em 1350 m da estrada, com diversificados tipos de moradias.
A comunidade surgiu na década de 90 do século 20 da união de moradias espaças ao
longo do ramal entre a Vila de Alto Pererú e a Vila de Boa Vista do Camapú, fazendo
parte desta. O motivo da transformação em vila deu-se por razões estratégicas, já que
quando da implantação do sistema de iluminação elétrica apenas a sede da Vila de Boa
Vista foi beneficiada, quando foram procurar o órgão competente para reclamar da falta
de energia, mas constava no sistema que a Villa de Boa Vista do Camapú já tinha sido
beneficiada com a energia elétrica. No entanto, a região da atual Vila Sorriso continuava
na escuridão.
Segundo os moradores o habitante Jacob Valentin residente de uma comunidade
próxima, tinha interesse na candidatura para prefeito. Então o mesmo se mobilizou para
ajudar os moradores que não tinham energia elétrica, e para resolver o problema
procurou os meios legais, porém com uma condição tinha que ser no nome de outra
comunidade, pois a comunidade de Boa Vista do Camapú legalmente já tinha sido
beneficiada. Desta forma, foi preciso criar uma nova vila com características mais
visíveis, pois eram pescadores extrativistas, para que através de processo identitário
tivessem acesso a facilidade que desejavam.
É possível que o fato de permanecerem como pescadores que passavam por
problemas de armazenamento do produto e continuassem sem a facilidade de energia
elétrica para a conservação de sua produção ativou uma espécie de déjà vu do
sofrimento e acendeu um aspecto de memória coletiva no sentido de catalisar a
necessidade de união em torno da criação de um território formal e o reforço identitário,
a partir do reaparecimento de lembranças em razão dos outros que os fizeram relembrar.
(HALBWACHS, 2006)
Atualmente a comunidade Vila Sorriso é composta por 342 habitantes distribuídos
em 75 moradias. Habitantes esses com idade que varia entre 0 a 70 anos de idade.
Caracteriza-se pelo ecossistema de manguezal em seu entorno, por sua fauna e flora
nativa da região da costa Amazônica e pela população pesqueira extrativista. Na região
onde está localizada a Vila Sorriso, pode ser observada uma grande extensão de área
verde, essa área é composta por diversificados ecossistema com predominância o de
manguezal. É nesta área que a comunidade sorriense extrai os recursos naturais, em
abundância o caranguejo-Uçá. Nesta região também são encontradas as palmeiras de
onde são retiradas as folhas para a confecção dos cofos, cesto feito com folhas de
palmeiras, utilizado para armazenar caranguejo.
O processo de reivindicação da identidade dos catadores de caranguejo da Vila
Sorriso começou com a necessidade de adquirir seus benefícios como trabalhador, neste
momento os catadores de caranguejo da vila começaram a se filiar na Colônia de
Pescadores Z-04, com intuito de gozar dos direitos previdenciários como qualquer outro
trabalhador. Porém, a colônia não os reconheceu como catadores de caranguejos
alegando que era uma organização social de pescadores. Então para que os catadores
não ficassem sem gozar dos benefícios de um trabalhador, a colônia de pescadores Z-04
passou a chamá-los de Pescador Extrativista do Manguezal, esta categoria de pescador
ficou como identidade profissional dos catadores de crustáceo do município de São
Caetano de Odivelas.
Atualmente existem aproximadamente 93 catadores de caranguejos da comunidade
Vila Sorriso filiados a colônia de pescadores Z-04, a partir do levantamento de campo,
pode-se dizer que a Vila Sorriso tem um número significativo de pescadores
extrativistas do manguezal, baseado em sua população total. Esta comunidade se insere
em um nível de população costeira (população que vive próximo ou na zona costeira
que depende diretamente do mar e de suas influências).
Modos de vida que identificam os catadores da Vila Sorriso
Os catadores de caranguejo trabalham diretamente no ecossistema de manguezal, o
recurso extraído é considerado a base econômica da comunidade, pois é dessa atividade
que os catadores sorrienses sobrevivem. Há formas singulares na comunidade para o
uso do manguezal são saberes e práticas que identificam os catadores de caranguejo da
Vila Sorriso.
A tradição na comunidade funciona como mantenedora da múltipla contribuição
das civilizações submersas: elas sobrevivem na memória de alguns sábios que
transmitem oralmente seu conhecimento (BALANDIER, 1997).
O calendário lunar como primeira observação
A captura do caranguejo acontece todos os dias na Vila Sorriso. Sempre tem algum
catador que precisa capturar, ora para subsistência, ora para comercialização. Porém o
que diferencia são as técnicas de captura utilizada, e o que determina a técnica utilizada
é o calendário lunar, ou seja, as fazes da lua. A primeira observação a ser feita pelo
catador de caranguejo é: qual a lua de hoje?
As fases da lua são sintetizadas pelos pescadores extrativistas a partir dos
conhecimentos tradicionais. Os extrativistas levam em consideração o dia da lua nova e
da lua cheia, onde as marés são de lance, ou seja, grandes. E a lua crescente e lua
minguante, onde as marés são mortas, ou seja, baixas. Pois o início das atividades dos
catadores depende do movimento da maré. As observações vão de acordo com um ciclo,
onde é contado aproximadamente três dias antes e três dias depois de cada lua.
Os catadores da Vila Sorriso classificam que no dia da lua nova o manguezal está
praticamente todo inundado pela maré que “lançou”, isto eles começam a observar três
dias após a lua minguante quando a maré está “morta”, onde chegam à conclusão que a
cada dia a maré invade mais e mais o manguezal.
Depois do dia da lua nova, observam que a cada dia a maré vai deixando o
manguezal até que “quebra”, até ficar mais próxima dos furos, igarapés e rios, sendo
que do terceiro ao quarto dia a lua é crescente, a partir desse período observam a maré
adentrando cada dia mais no ecossistema até que no terceiro dia surge a lua cheia e a
floresta de mangue totalmente alagada, sendo que no dia seguinte começa a diminuir a
cada dia observam que diminui em torno de um a dois metros até que no terceiro dia
aparece a lua minguante para fechar o ciclo.
Segundo Alves (2004) este ciclo se repete em todos os meses lunares e pode ser
influenciado também pelo vento. Por exemplo, Alves (2004) ressalta que a entrada de
um vento sul, pode antecipar uma maré de “lance” ou pode atrasar a sua “quebra”.
Nos dias de influência da lua cheia e da lua nova, alguns catadores de caranguejo
passam a metade do mês no manguezal e os outros quinze dias trabalhando em
atividades diversificadas como: na pesca do camarão na prática do puçá, na atividade do
pescado em pequenas embarcações nos rios e furos e também na coleta de crustáceo,
mas existem muitos extrativistas que continuam na atividade do caranguejo.
Isto acontece porque durante todo esse período da lua nova e da lua cheia, os
pescadores utilizam com mais frequencia a técnica do braço e da tapagem, pois no
momento que a maré baixa, o substrato fica “macio” facilitando o trabalho do
extrativista. Esta atividade acontece em um tempo estimado de aproximadamente seis
horas, considerado pouco pelos pescadores, pois quando a maré começa a encher eles
voltam para suas casas porque a água inunda por todo o substrato do ecossistema,
deixando qualquer técnica de captura inadequada.
Diferente dos dias da influência das luas crescente e minguante, onde os 93
catadores de caranguejo da Vila Sorriso fazem a captura do caranguejo utilizando com
frequência as técnicas do laço e do braço, como pode ser observado no quadro (1)
abaixo.
FASESDA LUA
Cheia Quarto Crescente
Nova Quarto Minguante
TÉCNICASMAIS
UTILIZADAS
Braço e Tapagem Laço e Braço
Braço e Tapagem Laço e Braço
Quadro 1- Técnicas de captura utilizadas com mais freqüência em cada fase da lua.
Fonte: Pesquisa de campo, 2011.
A técnica do laço não pode ser utilizada no período da lua nova e da lua cheia,
porque a maré invade o manguezal, e esta técnica exige um tempo estimado de vinte e
quatro horas, pois o catador de caranguejo coloca o laço em um dia e só pode retirá-lo
no dia seguinte.
Relacionando a técnica da tapagem com o calendário lunar, esta técnica é mais
praticada no período da lua cheia e da lua nova, pois como a maré inunda o manguezal e
o substrato fica mole, facilita a extração do crustáceo nesta técnica. Segundo os
catadores no período da lua minguante e crescente o substrato do manguezal fica muito
seco, dificultando a técnica do braço e da tapagem exigindo um maior esforço físico do
pescador.
Desta forma a técnica do braço, soco ou muque pode ser utilizada em todas as fases
da lua, por ser exercida diretamente no interior da galeria. Já a técnica do laço só pode
ser utilizada nas fases da lua crescente e minguante, e a técnica da tapagem é mais
utilizada no período da lua nova e da lua cheia.
Esses conhecimentos que os catadores da comunidade estudada têm sobre a fase
lunar, facilitam os trabalhos e determina o tipo de técnica utilizada para a extração do
caranguejo. Para cada fase da lua, há uma determinada técnica de captura.
Na Vila Sorriso os catadores não armazenam o caranguejo nas sacas de
polipropileno como em outras comunidades do município, entre os nativos catadores há
uma tradição de armazenagem do caranguejo nos cofo ou cestos (Figura 1), feitos com
as folhas das palmeiras típicas da região.
Figura 1- Cofo, cesto onde o caranguejo é armazenado Fonte: Almeida, 2011.
A confecção dos cofos é feita tanto por homens quanto pelas mulheres que vem
aprendendo com seus pais e avós e atualmente passando a filhos, netos e bisnetos em
um viés de tradição familiar. Almeida (2010) ressalta que a tradição é percebida apenas
na função de conservar aquilo que já se tem, constituindo-se por elementos a serem
petrificados na memória.
Os catadores se orgulham de serem os únicos na região que trabalham com este
tipo de armazenagem, criando uma forma de identificá-los como “aqueles que vendem
os caranguejos nos cofos, portanto, os caranguejos estão mais resistentes”. Pois segundo
os catadores os caranguejos armazenados nos cofos são mais resistentes do que aqueles
armazenados em sacos de polipropileno, pois neste ultimo esquenta muito e até mesmo
impede a respiração do animal por longo período.
Neste contexto pode-se identificar uma relação do saber e do saber fazer passado
de geração a geração familiar como forma de continuação de costumes e preservação da
cultura, como retrata Diegues (2001), onde o saber fazer e o saber se dá a partir do
mundo natural e sobrenatural, transmitidos oralmente de geração a geração.
A confecção dos cofos retrata essas características que os catadores da comunidade
estudada têm de passar o conhecimento de um para o outro. A confecção tem suas
particularidades, é feita em seis etapas, sendo que a primeira é o ato de engrazar que se
dá na separação das folhas da palmeira, o extrativista pega as duas folhas inteiras e
separa em três e quatro, em seguida é feito um forma de trançado entre elas, começando
a segunda etapa chamada de abano em que a tecelagem tem uma forma circular, na
terceira etapa é feito o fechamento fazendo uma forma cilíndrica, logo em seguida
começa a quarta fase chamada de enfiar que se dá no fechamento do cilindro, na quinta
etapa acontece o ato de puxar que resumi-se no reforço do fundo para apertar o cofo e
na sexta e ultima etapa é trançado o fundo onde é feita a finalização, maneira singular
da cultura dos nativos da Vila Sorriso de utilização do cofo.
Na antropologia a cultura é um sistema de significados criados e transmitidos
historicamente, incorporados em símbolos que atuam para estabelecer poderosas,
penetrantes e duradouras disposições e motivações do ser humano que perpetuam e
conformam seu conhecimento e sua forma de viver, ou seja, um conjunto de
mecanismos de controle, receitas, regras e instruções que governam o comportamento
humano (GEERTZ, 1978).
Na Vila Sorriso pode-se observar que esse conceito de cultura, se dá na observação
e na interpretação da realidade, onde o comportamento do ser humano nas suas diversas
formas de agir e de ser aceito pela sociedade da qual participa, sendo que para ser aceito
e identificado existe uma forma particular de identificá-los.
Nessa perspectiva, os saberes e as práticas que os identificam, como fenômenos
culturais são partes integrantes do próprio campo onde os comportamentos e os hábitos
são gerados. Numa espécie de “... “maneiras de fazer” que (inserção nossa) constituem
as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas
da produção sócio-cultural.” (CERTEAU, 1994, p.41), também como reforçador de
identidades.
A identidade profissional a partir dos Saberes e Práticas na captura do
caranguejo
Os modos que os catadores da comunidade Vila Sorriso desenvolvem para a coleta
do caranguejo, desempenham uma função identitária, em que os processos que
envolvem a maneira de extrair o crustáceo que vai desde a preparação antes de chegar
ao espaço até a comercialização. Onde representa um tipo de identidade local a partir de
seus saberes e práticas tradicionais como forma da identificação da profissão como
catador de caranguejo.
Na comunidade estudada, os catadores utilizam três maneiras de coletar o
caranguejo. Eles capturam na técnica do laço, na técnica da tapagem e na técnica do
braço.
A técnica do laço (Figura 2) é uma prática tradicional passada de geração a geração
aos catadores da comunidade, através da oralidade e principalmente pelas atividades do
dia a dia. Nesta técnica é utiliza um pedaço de madeira com fio de náilon medindo
aproximadamente trinta centímetros, o fio de náilon é comprado por rolo (50 metros)
que custa aproximadamente R$7,00.
A madeira utilizada para a confecção do laço é retirada do manguezal, mede trinta
centímetros de comprimento e aproximadamente quatro centímetro de diâmetro, o fio de
náilon tem o mesmo comprimento da madeira. O extrativista amarra a ponta do fio no
meio da madeira e dá um nó na outra ponta, logo, envolve o nó da ponta no meio do fio,
fazendo uma circunferência de aproximadamente vinte e quatro centímetros, esta
circunferência tem o mesmo tamanho da entrada da galeria do caranguejo.
O laço é confeccionado em suas residências antes de saírem para a coleta do
caranguejo, geralmente essa confecção é feita pelas mulheres por ser considerado um
trabalho mais “leve”, enquanto os homens ficam responsáveis pela busca das folhas das
palmeiras para a confecção dos cofos, há um tipo de troca: as mulheres fazem os laços e
os homens apanham o material para a confecção de cofos. São confeccionados em torno
de cento e cinqüenta laços, para cada ida ao manguezal, essas unidades são armazenadas
em sacos de polipropileno.
Muitos catadores preferem trabalhar na técnica do laço, por ser menos cansativo e
principalmente por ser mais difícil de acontecer acidentes. Desta forma o laço tem que
ser feito antes dos pescadores saírem para o manguezal, pois quando fazem o laço no
mangue eles perdem muito tempo.
No manguezal a madeira é fixada e o laço é pressionado no substrato cada
pescador extrativista coloca em torno de cem a cento e cinqüenta laços por ida ao
manguezal, dependendo de sua resistência física.
Logo após a colocação do laço, cada catador de caranguejo identifica seu espaço,
sendo que cada espaço corresponde em torno de 40m2, uns colocam apenas uma bola de
sedimento, outros uma bola de sedimento e uma folha verde, outros com folhas
amarelas, outros com duas folhas de cores diferentes e assim sucessivamente, sendo que
as identificações não podem ser iguais. Vale ressaltar que cada pescador faz apenas uma
identificação do seu espaço, localizada em um lugar estratégico para a localização dos
laços, pois os laços só são retirados depois de vinte e quatro horas.
Figura 2- Técnica do laço pra capturar caranguejo Fonte: Almeida, 2011
Outra técnica utilizada pelos catadores de caranguejo da Vila Sorriso é a técnica da
tapagem (Figura 3) é chamada dessa maneira, porque no momento em que o catador
chega ao manguezal procura identificar a toca do caranguejo e logo em seguida tapa,
fechando a saída do crustáceo. Esta técnica exige do extrativista bastante esforço físico,
sendo mais realizada por homens com idade que varia de 18 a 45 anos de idade. Porém,
na época de chuva em que a técnica do laço fica difícil de ser exercida, a técnica da
tapagem é muito utilizada, tanto pelo sexo masculino quanto pelo feminino, mas a
produção cai bastante, pelas condições físicas do ecossistema.
Nesta prática são utilizados apetrechos para a proteção dos pés, o “sapato”, a
perneira também compõe os apetrechos de proteção, um tipo de bota que calça dos pés
até os joelhos. Isto serve como proteção para os pés, feito de tecido de algodão, pois a
tapagem resume-se em movimentos repetitivos de “jogar” sedimento com os pés para
fechar a saída das galerias do caranguejo-Uçá. Esta técnica pode ser praticada tanto nos
períodos de seca como nos períodos mais chuvosos.
É importante ressaltar que as galerias têm a entrada principal e um tipo de entrada
secundária, um pouco menor que a entrada principal, chamada de suspiro, esse suspiro
também tem que ser tapado, caso contrário o caranguejo sai por esse orifício.
O objetivo de tapar a galeria do caranguejo resume-se na falta de ar do crustáceo na
toca, fazendo o mesmo vir até a superfície e ser capturado.
Figura 3- Técnica da tapagem para capturar caranguejo Fonte: Almeida, 2011
A técnica do braço, soco ou muque (Figura 4) também é praticada pelos catadores
de caranguejo da comunidade, é mais utilizada nos períodos chuvosos, pois necessita de
um sedimento mais “macio” para uma captura de sucesso. É usada a braceira, tipo de
luva colocada em uma das mãos em que se estende até o ombro, também para
complementar este apetrecho nesta técnica, utiliza-se a munhequeira, luva que protege
apenas as mãos que vai dos dedos até o pulso. Os extrativistas também utilizam as
dedeiras, tipo de proteção para os dedos, que complementa a braceira e a munhequeira
na técnica do muque, essas performances também fazem parte da identidade do catador
de caranguejo.
Os catadores não dispensam os apetrechos de proteção para a prática do
extrativismo, pois reconhecem que a técnica do soco é uma das mais difíceis de ser
praticada, acontecem muitos acidentes, mas também reconhecem que para um
extrativista com muita habilidade esta técnica é mais eficiente.
Esta prática como o nome já diz é caracterizada por um soco no substrato pra furá-
lo e conseqüentemente é feita a introdução de uma das mãos até o alcance do crustáceo
que fica aproximadamente há meio metro da superfície.
No momento em que o braço é introduzido por inteiro na toca, fica procurando o
caranguejo até encontrá-lo e conseguir um jeito de agarrá-lo na profundidade de sua
galeria sem machucá-lo. Pois vale ressaltar que o caranguejo só é comercializado se
estiver vivo.
Esta é uma técnica requer muita habilidade, pois é raro entrevistar um catador de
caranguejo que nunca tenha sofrido algum tipo de acidente no momento de capturar o
caranguejo.
Figura 4- Técnica do braço, soco ou muque Fonte: Almeida, 2011
Considerando a dinâmica das relações entre a comunidade e suas interações com o
ecossistema de manguezal em seu entorno, observa-se uma forma de estabelecer um
processo identitário, iniciado com a afirmação de um espaço, Vila Sorriso, conduzindo
“ao princípio da di-visão, acto mágico, quer dizer, propriamente social, de diacrisis que
introduz por decreto uma descontinuidade decisória na continuidade natural (não só
entre regiões do espaço mas também entre idades, os sexos, etc.) (BOURIDIEU, 2004,
p.113), facilitou a visibilidade dos extrativistas como um segmento particular de saberes
e práticas voltados para a captura de caranguejos, bem como, que a colônia de
pescadores local, na qual são filiados, ajudem no desenvolvimento da comunidade, pois
pagando a colônia mensalmente eles acreditam que quando precisarem de algum
benefício, obterão por meio desta organização social, com uma identidade própria.
Aliado a esperança que eles têm em receber o seguro defeso, hoje uma luta na região,
sempre associando com a melhoria da qualidade de vida e a igualdade com as outras
categorias do setor pesqueiro existente na Colônia Z-04.
Referências
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