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7/24/2019 SILVA. Diresdfsdfitos Fundamentais Na Doutrina de JOHN RAWLS Dissertao 2007
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HUDSON M RCELO D SILV
OS IREITOS FUN MENT IS N OUTRIN E JOHN R WLS
Dissertao de Mestrado apresentada
Departamento de Filosofia do Instituto
Filosofia e Cincias Humanas
Universidade Estadual de Campinas sob
orientao do Prof. Dr. Joo C. K. Quart
de Moraes.
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da Dissertao
aprovada pela
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BIBLIOTECA DO IFCH - UNICAMP
Silva, Hudson Marcelo
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Os direitos fundamentais na doutrina de John Rawls /
Hudson Marcelo Silva. - - Campinas, SP: [s.n.], 2007.
Orientador: Joo C. K. Quartim de Moraes.
Dissertao mestrado -Universidade Estadual de Campin
Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
1. Rawls, John, 1921-2002. 2. Direitos humanos. 3. Iguald
4. Liberdade. 5. Justia social. 6. Liberalismo. I. Moraes, Joo
Carlos Kfouri Quartim de, 1941-. 11.Universidade Estadu
de Campinas. Instituto de Filosofia e Cincias Humanas.
111.Ttulo.
Palavras-chave em ingls Keywords :
Rawls, John, 1921-2002
Human rights
Equality
Liberty
Social justice
Liberalism
rea de concentrao: Filosofia
Titulao: Mestre em Filosofia
Banca examinadora: Joo C. K. Quartim de Moraes orientador
Luiz Paulo Rouanet
Alcino Eduardo Bonella
Data da defesa: 16/02/2007
Programa de Ps-Graduao:
Filosofia
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RESUMO
A questo dos direitos fundamentais ocupa um lugar de destaque na obra de John
Rawls. O filsofo estadunidense empreendeu grande esforo para explicar as
liberdades fundamentais e sua prioridade por entender que as doutrinas
tradicionais, especialmente o utilitarismo, no so capazes de assegurar os
direitos fundamentais aos cidados vistos como pessoas livres e iguais. Segundo
o autor, os direitos fundamentais devem ser garantidos a todos os cidados
indistintamente, pois so vistos como bens necessrios para o desenvolvimento
das duas capacidades morais da pessoa, quais sejam: a de ter uma concepo de
bem e um senso de justia. Apesar de Rawls conferir prioridade aos direitos
fundamentais, ele aceita que tais direitos podem sofrer restries. Tais restries
sero aceitas quando surgirem conflitos entre as diversas liberdades, com o
objetivo de proteger o sistema global de liberdades. Sero tambm aceitas quando
forem necessrias para promover as mudanas sociais necessrias para que
todos os cidados possam efetivamente gozar das liberdades. Aps revisar sua
teoria, Rawls passou a defender explicitamente a necessidade de garantir aos
indivduos as condies materiais bsicas necessrias para o efetivo exerccio dos
direitos fundamentais. Este estudo pretende analisar a questo da prioridade das
liberdades fundamentais e tambm a sua relao com a questo da soberania
popular.
Palavras-chave: Rawls, John, 1921-2002; Direitos humanos; Igualdade;
Liberdade; Justia social; Liberalismo.
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ABSTRACT
The question of the basic rights occupies a place of prominence in the
workmanship of John Rawls. The american philosopher undertook great effort to
explain the basic freedoms and its priority for understanding that the traditional
doctrines, especially the Utilitarianism, arent capable to assure the basic rights
to the seen citizens as free and equal persons. According to author, the basic
rights must indistinctly be guaranteed to all the citizens, therefore they are seen
as necessary goods for the development of the two moral capacities of the
person, which are: a capacity for a sense of justice and a capacity for a
conception of the good. Although Rawls to confer priority to the basic rights, he
accepted it that such rights can suffer restrictions. Such restrictions will be
accepted when to appear conflicts between the diverse freedoms, with the
objective to protect the global system of freedoms. They will be also accepted
when they will be necessary to promote social changes necessaries so that all
the citizens can effectively enjoy of the freedoms. After to revise his theory,
Rawls started to defend explicit the necessity to guarantee to the individuals the
necessary basic material conditions for the effective basic right of action. This
study intends to also analyze the question of the priority of the basic freedoms
and its relation with the question of the popular sovereignty.
Keywords: Rawls, John, 1921-2002; Human rights ; Equality; Liberty; Social
just ice; L iberalism.
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SUMRIO
TRODUO
IDIAS FUNDAMENTAIS
Concepo poltica de justia
Conceito e concepo de justia
2 A concepo de justia como equidade
ociedade como um sistema eqitativo de cooperao social
2 Caractersticas da sociedade
2 2 Elementos da concepo da sociedade
A sociedade bem ordenada
Umaconcepo normativa de cidado
4 Cidados livres e iguais
4 2 As duas capacidades da pessoa moral
4 3 A questo da autonomia dos cidados
OS PRINCPIOS DE JUSTIA E AS LIBERDADES E DIREIT
UNDAMENTAIS
Os princpios de justia
Aespecificao das liberdades e direitos bsicos
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111A PRIORIDADE DAS LIBERDADES E DIREITOS FUNDAMENTAIS
1 Intrito
2 A questo da prioridade e sua definio
3 Os princpios de justia e as regras de prioridade
4 Condies mnimas e o princpio que assegura as condies mater
bsicas
5 Limitao das liberdades fundamentais
6 A fundamentao da prioridade das Iiberdades
7 A crtica de Habermas
7 1 A resposta de Rawls
8 Um breve dilogo com Hegel ~
O LUS O
BIBLIOG RAFIA
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INTRODUO
Notoriamente a obra do filsofo estadunidense John Rawls impulsionou o
debate intelectual especialmente no campo da filosofia poltica. Este trabalho
pretende analisar o que consideramos a idia central de sua obra, qual seja, a
questo das liberdades e direitos fundamentais e sua prioridade. O estudo parte
de sua primeira e grande obra Uma Teoria da Justia, percorre os seus escritos
posteriores at chegar ao ltimo escrito que trata especificamente da questo,
qual seja, a oitava conferncia de seu Liberalismo Poltico. O estabelecimento da
prioridade da liberdade sobre o princpio que trata das desigualdades econmicas
e sociais fez render Rawls incisivas crticas. De Herbert Hart, passando pela
crtica de Habermas, at os autores marxistas norte-americanos. Qual a
justificativa empregada por Rawls para conferir prioridade s liberdades e direitos
fundamentais? Em quais situaes a sua teoria permitiria uma restrio s
liberdades? Nos termos da teoria proposta, todos os cidados teriam as suas
liberdades garantidas? E todos efetivamente poderiam exerc-las? Diante de
situaes sociais e econmicas desfavorveis, a teoria da justia como eqidade
apontaria uma soluo ou caminho para a defesa das referidas liberdades? Qual
foi o tratamento dado pelo autor relao entre liberdade e igualdade e entre a
primeira e o princpio da soberania popular? Enfim, pretendemos percorrer a teoria
formulada por Rawls e encontrar algumas respostas essas importantes
questes.
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I. IDIAS FUNDAMENTAIS
1. Concepo poltica de justia
Entre os objetivos de John Rawls, destacamos o de buscar um consenso
sobre questes que envolvam, especialmente, as reivindicaes de igualdade e
liberdade. O autor ressalta, sobretudo no campo terico, os conflitos existentes
entre as mais variadas doutrinas filosficas que so, em muitos casos,
irreconciliveis. A abordagem do autor est, especialmente, circunscrita ao debate
travado precisamente nos pases de lngua inglesa e, portanto, delimitada pela
tradio liberal. Para ns, apesar de Rawls dialogar com grandes pensadores da
histria da filosofia, entre os quais Hegel e Marx e trazer para sua obra temas
tratados por esses pensadores, permanece fiel tradio liberal. Neste cenrio,
segundo o autor, grandes so as controvrsias, por exemplo, que surgem do
debate entre os que defendem a liberdade dos modernos, orientada pela
herana filosfica deixada por John Locke e Benjamin Constant, e os que
defendem a liberdade dos antigos, tradio herdada de Jean Jacques Rousseau.
Para enfrentar essas questes ofereceu uma alternativa s doutrinas abrangentes
mais tradicionais, entre as quais o utilitarismo que domina os pases de lngua
inglesa, modelada pelos princpios gerais da teoria poltica liberal. Acredita
fielmente que o seu Liberalismo Poltico capaz de dar respostas, apontar
caminhos ou solues aos problemas concretos verificados nas atuais
democracias liberais. No campo da teoria democrtica, pouco acrescenta e se
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mantm fiel democracia de matiz liberal sustentando, destarte, a tese da
soberania limitada.
Enfim, inmeras foram as questes que Ralws se props a resolver. Todas,
sem exceo, foram objetos da reflexo filosfica. Diante de tantos conflitos e
aparentes impasses, Rawls pergunta a si mesmo se existe uma maneira de se
chegar a um entendimento ou acordo sobre essas questes. Imagina ser possvel
conceber uma sociedade em que possam coexistir todas as doutrinas
abrangentes, mesmo que conflitantes, e que se possa alcanar um consenso,
especialmente sobre a questo da justia poltica, que se sobreponha s
divergncias. possvel chegar a um entendimento acerca da relao entre
igualdade e liberdade, sobre o modo como as instituies sociais devem ser
organizadas? possvel chegar a um consenso sobre a questo ou sobre uma
determinada concepo de justia? Apesar de todas as divergncias, existe uma
base subjacente capaz de propiciar um acordo? Algo em comum capaz de dar a
direo para a formulao de uma teoria que contemple as principais idias
comuns s culturas das democracias liberais modernas?
Para chegar ao seu intento, Rawls formulou uma concepo de justia
poltica e social afim s convices e tradies mais profundamente arraigadas
das democracias liberais modernas1. Inicialmente reconhece que a justia a
virtude primeira das instituies sociais e procurar demonstrar que o seu primado
parte de uma convico intuitiva2. Sua teoria parte de idias que ele considera
familiares e, destarte, vinculadas ao senso comum da vida cotidiana. E j na
1PL, 354.2TJ: 27-28; EI: 3-4.
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primeira seo de TJ Rawls estabelece o contedo da justia bem como o seu
primado sobre o bem, nos termos da famosa passagem:
Cada pessoa possui uma inviolabilidade fundada na
justia que nem mesmo o bem-estar da sociedade
como um todo pode ignorar. Por essa razo, a justia
nega que a perda da liberdade de alguns se justifique
por um bem maior partilhado por outros. No permite
que os sacrifcios impostos a uns poucos tenham
menos valor que o total maior das vantagens
desfrutadas por muitos. Portanto numa sociedade justa
as liberdades da cidadania igual so consideradas
inviolveis; os direitos assegurados pela justia no
esto sujeitos negociao poltica ou ao clculo de
interesses.(TJ:27)3.
De uma leitura atenta desta citao, percebe-se que ela uma sntese de
toda teoria da justia como eqidade. a partir deste enunciado, que contempla
os principais elementos da sua concepo de justia, que Rawls se lanar em
seu rduo empreendimento. A partir das idias que considera implcitas s
sociedades democrticas, formulou diversas concepes, entre as quais a de
pessoa, a de sociedade como sistema eqitativo de cooperao social e a de
sociedade bem ordenada, procurando disp-las num todo coerente.
3EI: 3-4.
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Sinteticamente, destacamos as trs principais caractersticas da concepo
de justia poltica idealizada por Rawls. A primeira que diz respeito ao objeto da
justia, qual seja a estrutura bsica da sociedade. A segunda pelo fato da teoria
da justia como eqidade se relacionar com as vrias doutrinas abrangentes,
professadas pelos cidados de uma sociedade democrtica, sem depender de
qualquer uma delas para a sua justificao. Por ltimo, uma concepo poltica
que tenha um contedo expresso por meio de certas idias fundamentais vistas
como implcitas na cultura poltica pblica de uma sociedade democrtica4.
1.1. Conceito e concepo de just ia
A proposta de Rawls de oferecer uma concepo de justia voltada a
questo da justia social como contra-modelo ao utilitarismo5. Tanto em TJquanto
em PLRawls procurou delimitar o mbito de aplicao do conceito de justia e o
distinguiu de concepo de justia.
4PL, 56.5 No pretendemos aprofundar essa questo, porm acreditamos que seja interessanteacrescentar o seguinte comentrio de Hffe: A tentativa de superar o relativismo tico-jurdicotambm somente tem sentido se aceitarmos que a relao dos homens entre si determinada pela
justia. Mas esta hiptese no est por cima de qualquer dvida; e a dvida no vem apenas dolado do positivismo jurdico radical. Tambm o utilitarismo, portanto tambm uma posio ticamuito difundida, no reconhece a justia como conceito normativo-fundamental e lhe concede,quando muito, um significado derivado. Quem quer desenvolver um contramodelo do utilitarismono pode, por isso, pressupor a perspectiva da justia; ele deve fundament-la a limine. (Hffe,Otfried. Justia Poltica: fundamentao de uma filosofia crtica do direito e do Estado; traduo deEnildo Stein. So Paulo: Martins Fontes, 2001.).
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Nestas observaes preliminares, tenho vindo a
distinguir o conceito de justia, definido como um
equilbrio adequado entre pretenses concorrentes e
concepes da justia, conjunto de princpios inter-
relacionados que permitem a identificao dos
aspectos relevantes para a determinao daquele
equilbrio.(TJ:32; EI: 9).
A distino realizada por Rawls entre conceito e concepo de justia tem o
objetivo de destacar o fato de que os cidados podem estar de acordo sobre o
conceito de justia, mas terem diversas concepes de justia. A partir desta
distino, poderemos identificar melhor o papel dos princpios de justia social.
Segundo o autor, o conceito de justia definido pelo papel que os conjuntos de
princpios e as concepes de justia desempenham em comum. Neste sentido,
Rawls adota um conceito formal de justia a ser satisfeito por alguns critrios
formais. Segundo o seu entendimento, as pessoas podem concordar que as
instituies so justas quando no existem discriminaes arbitrrias e as regras
estabelecem um equilbrio adequado entre as pretenses dos cidados, por
exemplo. Essa concordncia, no entanto, s possvel em razo das noes de
discriminao arbitrria e equilbrio adequado, critrios formais do conceito de
justia, serem deixadas em aberto e, portando, serem interpretadas por qualquer
cidado de acordo com os princpios por ele adotados6.
6TJ,29; EI, 5.
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1.2. A concepo de justia como eqidade
Em TJ Rawls deixou claro que a sua preocupao principal era com a
questo da justia social e parte da considerao que o objeto primrio da justia
deve ser a estrutura bsica da sociedade, precisamente a maneira como as
principais instituies distribuem os direitos e deveres fundamentais e determinam
a diviso dos benefcios da cooperao social7. Destacou como as mais
importantes instituies a constituio e as principais estruturas econmicas e
sociais e deu como exemplos a proteo jurdica da liberdade de pensamento e de
conscincia, da concorrncia de mercado, da propriedade privada dos meios de
produo e da famlia monogmica. Segundo Rawls, a estrutura bsica da
sociedade favorece certas posies sociais relativamente a outras e, portanto,
afeta diretamente a vida e as expectativas dos indivduos que dela fazem parte.
Isso faz gerar desigualdades profundas e so essas desigualdades, que segundo
o autor so inevitveis, que os princpios de justia devem cuidar.
A justia de um modelo de sociedade depende
essencialmente da forma como so atribudos os
direitos e deveres fundamentais, bem como das
oportunidades econmicas e condies sociais nos
diferentes sectores da sociedade. (TJ,30; EI, 7).
7TJ,30; EI, 6.
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Desde o incio, Rawls esteve atento necessidade de delimitar o alcance
de sua investigao e deixou claro que o seu interesse foi um caso particular do
problema da justia. Embora o conceito de justia possa ser aplicado a qualquer
situao que contemple a repartio de algo que racionalmente encarado como
benefcio ou desvantagem, a preocupao do autor se concentra em apenas um
dos casos. Como foi dito anteriormente, o problema enfrentado por Rawls se
refere questo da justia social e no s relaes entre os indivduos. No se
destinam, ainda, para regular as relaes entre as pessoas jurdicas de direito
privado como associaes ou grupos sociais. Como diz o autor, no existe razo
para afirmar que os princpios que so adequados para a estrutura bsica sejam
vlidos para todos os casos8. O conceito ainda delimitado pelo fato de que os
princpios devero regular aquilo que ele denomina sociedade bem ordenada, pois
presume que todos os cidados esto dispostos a agirem com justia e
contribuirem para manuteno das instituies justas9.
Sendo ou no uma teoria contratualista em sentido completo, a teoria da
justia como eqidade foi buscar no contratualismo a sua fonte de justificao. Os
termos eqitativos da cooperao, contedo dos princpios de justia, so
alcanados a partir de um acordo em que as partes contratantes encontram-se
numa situao de igualdade e, dispostas simetricamente uma em relao s
outras e sob o vu de ignorncia, decidem e escolhem os princpios sob o manto
da imparcialidade. Nesta posio as parte so concebidas como detentoras dos
mesmos direitos e das capacidades necessrias escolha. Em outras palavras, a
8TJ: 30; EI, 7.9TJ: 8; EI, 31.
9
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situao inicial (original position) deve estar cercada das condies, decididas
consensualmente, que garantam que o procedimento de escolha ser eqitativo e,
portanto, que o objeto do acordo (princpios de justia) tambm o seja. O que deve
ficar claro que, para a justia como eqidade, se o procedimento empregado
para se chegar aos princpios for justo (eqitativo) os princpios o sero tambm.
Essa situao hipottica, que conduz a determinada concepo de justia
possui como caractersticas essenciais, entre outras, o desconhecimento (dado o
vu de ignorncia) das partes de sua posio na sociedade, sua situao de
classe, seu status social, bem como sua sorte na distribuio de dotes e
habilidade naturais, tais como sua inteligncia, fora e outras qualidades. Tambm
desconhecem suas concepes de bem e as suas prprias tendncias
psicolgicas. O vu de ignorncia garante que os princpios de justia sejam
escolhidos sem que quaisquer das partes contratantes sejam favorecidas ou
prejudicadas em razo das contingncias histricas, pelas circunstncias sociais,
pelo status real que ocupa na sociedade ou pelo acaso natural. Assim, os
princpios resultam de um acordo eqitativo na medida em que todos se
encontram numa posio de igualdade e o procedimento adotado para escolha
inibe a qualquer dos contratantes a escolha de princpios que favoream sua
prpria situao particular. Na posio original as pessoas so pensadas como
pessoas morais racionais que possuem seus prprios fins e como sendo capazes
de ter um senso de justia.
Nesse sentido, Rawls diz que a posio original ... o status quo
apropriado, e assim os consensos fundamentais nela alcanados so
10
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eqitativos.10 E continua, afirmando que a expresso justia como eqidade
utilizada com o significado de que ...os princpios da justia so acordados numa
situao inicial que eqitativa.11
Entretanto, justia como eqidade no significa que justia e eqidade
sejam a mesma coisa. A eqidade representa o trao mais caracterstico da
situao em que justo o acordo do qual resultam os princpios de justia. A idia
de eqidade permite uma viso da posio original como um jogo imparcial,
atravs do qual se busca um consenso indireto e abstrato em torno dos princpios
de justia que devem ser escolhidos. O recurso de Rawls ao vu de ignorncia
fundamental para a construo de sua teoria, pois ele garante a imparcialidade na
medida em que encobre as partes contratantes, impedindo-as de saberem a sua
identidade particular.
2. A sociedade como um sistema eqitativo de cooperao social
A concepo de sociedade como um sistema eqitativo de cooperao
social ocupa a posio de idia organizadora e considerada por Rawls como a
mais fundamental das idias que compem a concepo poltica de justia por ele
formulada.
10TJ:13-14; EI, 12.11Idem, 12; 14.
11
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Como j disse, a idia organizadora fundamental da
justice como eqidade, no interior da qual as outras
idias bsicas se articulam de forma sistemtica, a da
sociedade enquanto sistema eqitativo de cooperao
no decorrer do tempo, de uma gerao a outra. (PL:
58; EI, 15)12.
Naturalmente que a formulao de uma concepo poltica de justia no
poderia prescindir de uma discusso sobre uma concepo de sociedade.
Destarte, Rawls formulou uma concepo abstrata de sociedade necessria
exposio de suas idias. O fez inicialmente em TJ, ao conceber a sociedade
como uma associao de pessoas que em sua maioria pautam as suas relaes
de acordo com regras de conduta publicamente reconhecidas. Tomando como
base algumas idias implcitas nas culturas das democracias liberais, segundo ele,
e para complementar a idia anterior, que as pessoas estariam dispostas a viver
sob um sistema de cooperao social. Sistema este que seria especificado pelas
mesmas regras e seria concebido com o objetivo de fomentar o bem dos que nele
participam13. Naturalmente, as sociedades concretas so muito diferentes da
sociedade idealizada por Rawls, pois so marcadas por graves injustias,
elevados ndices de criminalidade, alto ndice de desemprego associado a cada
vez maior informalidade do mercado de trabalho, enfim. Poderamos dizer que
Rawls desconhece ou simplesmente desconsidera esses problemas? No. Como
12ver Justia e Democracia, p. 213 e JE, p. 7.13TJ, 28; EI, 4.
12
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ser mais bem esmiuado, ao elaborar a sua teoria, Rawls deixou claro que sua
principal preocupao era com a concepo especial, ou seja, com a teoria ideal14.
Mas porque Rawls utilizou concepes abstratas? possvel justific-las? No
caso da concepo aqui abordada, de onde Rawls encontrou as bases para a sua
formulao?
Este trabalho no tem o escopo, evidentemente, de aprofundar as questes
precedentes, eis que as mesmas ensejariam outra dissertao. No entanto, para
cumprir o nosso intento, preciso apresentar os motivos suscitados pelo autor.
bem verdade a existncia de diferentes doutrinas religiosas, filosficas e morais
que so no apenas conflitantes, mas tambm incompatveis. Tais divergncias
ensejam uma gama de conflitos, muitos dos quais profundos e, do ponto de vista
terico, insuperveis. Destarte, diante de tantas divergncias, possvel haver
uma sociedade justa e estvel onde exista uma concordncia acerca de sua
organizao e que satisfaa uma distribuio eqitativa dos benefcios gerados
em seu interior? Segundo Rawls, no existe concordncia a esse respeito na
tradio do pensamento democrtico nos ltimos dois sculos. Se no h
concordncia, verifica-se a existncia de conflitos profundos no interior das
sociedades, conflitos estes que devem ser tratados pela filosofia poltica.
Controvrsias profundas e de longa data preparam o terreno para a idia de
justificao razovel enquanto problema prtico, e no epistemolgico ou
metafsico15.
14Apenas para orientar o leitor, Rawls dividiu a sua teoria em duas partes. A ideal e a no ideal.15PL: 88-89; EI, 44.
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Rawls tem uma viso sobre a filosofia poltica16que , para alguns, similar a
de Hegel. Neste sentido, a filosofia poltica no deve estar separada de qualquer
tradio de prtica e pensamentos polticos e no pode estar separada do mundo
real, to somente cingida aos seus prprios mtodos. Uma concepo poltica de
justia, segundo o autor, s poderia ter peso entre ns na medida em que
ajudasse a colocar em ordem as nossas convices refletidas sobre justia17.
Portanto, no existe qualquer problema quanto abstrao que, quanto maiores e
mais profundos forem os conflitos, maior e num nvel mais elevado ela dever
atingir. Esse exerccio poder afetar nossos juzos particulares, porm no os
afastar por completo j que eles podero, inclusive, serem reafirmados e at
modificarem uma concepo de justia proposta. Portanto, o trabalho de
abstrao necessrio e se mostra como ...uma forma de continuar a discusso
pblica, uma vez desmoronadas as percepes compartilhadas de menor
generalidade18. Resta dizer que, diferentemente da abordagem feita em TJ,
Rawls enfatizou em PL que as idias essenciais que deram a partir das quais
foram elaboradas as concepes abstratas por ele formuladas, encontram base na
cultura pblica das sociedades democrticas atuais.
16Em Justia como eqidade, pp. 1-6, Rawls apresenta quatro funes da filosofia poltica, so
elas: a) sua funo prtica (que consiste na abordagem profunda dos conflitos e divergncias everificar se possvel, mesmo que as aparncias digam que no, descobrir uma base subjacentede acordo filosfico e moral); b) a funo de orientao (consistente na idia de que cabe razo e reflexo terica e prtica nos orientarem no espao conceitual de todos os possveis fins,individuais e associativos, polticos e sociais); c) a funo de reconciliao (a filosofia pode nosmostrar que as instituies da sociedade e sua histria, do ponto de vista filosfico, so racionais ed) a de cumprir uma funo realisticamente utpica (como exame dos limites da possibilidadepoltica praticvel).17PL, 89.18idem: 90; EI, 46.
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Como os conflitos da tradio democrtica sobre a
natureza da tolerncia e a base da cooperao
apropriadas para uma situao de igualdade tm
persistido, podemos supor que sejam profundos.
Portanto, para relacionar esses conflitos com o
conhecido e o bsico, examinamos as idias
fundamentais implcitas na cultura poltica pblica e
procuramos descobrir como os cidados poderiam,
depois da devida reflexo, querer conceber sua
sociedade como um sistema eqitativo de cooperao
ao longo do tempo. (PL: 90; EI, 46).
2.1. Caractersticas da sociedade
Dentre as caractersticas da sociedade, Rawls destaca duas: a identidade e
os conflitos de interesses.
H identidade de interesses uma vez que a
cooperao torna possvel uma vida que, para todos,
melhor do que aquela que cada um teria se tivesse de
viver apenas pelos seus prprios esforos. H conflitos
de interesses uma vez que os sujeitos no so
indiferentes forma como so distribudos os
15
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benefcios acrescidos que resultam da sua
colaborao, j que, para prosseguirem os seus
objectivos, todos preferem receber uma parte maior
dos mesmos. (TJ: 28; EI, 4).
Se a sociedade marcada tanto por identidade quanto por conflitos de
interesses, surge a necessidade de se estabelecer princpios que sero aplicados
estrutura bsica para especificarem a forma de diviso dos benefcios sociais e
os direitos e deveres dos cidados. Atravs da aplicao dos princpios ser
estabelecida a mais adequada distribuio dos recursos naturais e sociais. A
identidade e o conflito de interesses e a conseqente necessidade de se recorrer
a princpios que, aplicados estrutura bsica, determinaro a diviso dos
benefcios so as exigncias que definem o papel da justia. Portanto, quais
condies, ou seja, qual o contexto de justia que daria origem a essas
exigncias? A discusso necessria na medida em que Rawls pretende
descrever o contexto de justia como sendo o conjunto de condies normais que
tornam a cooperao humana, simultaneamente, possvel e necessria19. Rawls
dividiu as condies em dois grupos: o contexto objetivo e o contexto subjetivo. O
primeiro contexto (objetivo) marcado pela coexistncia de uma multiplicidade de
indivduos num mesmo territrio e pela escassez moderada de recursos naturais e
de outros. Estes indivduos temem que a persecuo dos seus planos de vida seja
impedida por outros indivduos isolados ou agrupados e so cientes sobre a
escassez de recursos, tanto dos naturais quanto de outros. J o segundo contexto
19TJ, p. 114.
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(subjetivo) marcado pela diferena entre os projetos de vida dos indivduos
cooperantes, acarretando tambm diferenas entre os seus fins e objetivos. Dadas
essas diferenas, inevitavelmente, surgiro conflitos entre os indivduos,
especialmente em razo de estarem cientes sobre a escassez dos recursos
naturais e sociais.
Ser nesse contexto, e no em outros, que Rawls formular a sua
concepo de sociedade como sistema eqitativo de cooperao social.
Por uma questo de simplicidade, costumo salientar,
entre as condies objectivas, a da escassez
moderada e entre as subjetivas, o conflito de
interesses. Assim, podemos dizer, em resumo, que o
contexto da justia se verifica sempre que so
formuladas exigncias concorrentes que incidem sobre
a diviso das vantagens sociais em condies de
escassez moderada. (TJ: 115; EI, 110).
2.2. Elementos da concepo da sociedade como sistema eqitativo
de cooperao social
Os elementos da idia de sociedade enquanto sistema de cooperao
social foram abordados detalhadamente nos seguintes escritos: Justice as
Fairness: Political, not Metaphysical [A teoria da justia como eqidade: uma
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teoria poltica, e no metafsica]20, na primeira conferncia apresentada em PL21e
em Justia como eqidade: uma reformulao22.
O primeiro elemento ou aspecto da cooperao social que esta guiada
por regras e procedimentos publicamente aceites. Os indivduos agem de acordo
com as regras de conduta por eles reconhecidas e no vislumbram uma forma de
cooperao que se equipare a uma mera atividade organizadas por uma
autoridade central absoluta. A cooperao pressupe, logicamente, termos
eqitativos, seu segundo elemento. Naturalmente as partes indagariam: quais
seriam os termos da cooperao social? Seriam os que cada participante poderia
ou deveria razoavelmente aceitar, desde que todos os outros aceitassem. Por
qu? Porque todos os indivduos participantes se beneficiaro adequadamente da
cooperao na medida em que pautem a sua conduta de acordo com as regras e
procedimentos estabelecidos. Neste sentido, os termos eqitativos incluem a idia
de reciprocidade, ou seja, todos sero beneficiados de acordo com os critrios
acordados e publicamente reconhecidos. E quais seriam os termos? Os termos
eqitativos seriam expressos pelos princpios de justia que especificam os
direitos e deveres dos cidados, e que especificaro a diviso eqitativa dos
benefcios produzidos pelos esforos de todos os participantes.
20Justia e Democracia, p. 199-241.21A idia da sociedade com um sistema eqitativo de cooperao, p. 58-65.22 2.A sociedade como sistema eqitativo de cooperao, p. 6-11
18
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3. A soc iedade bem ordenada
Outra idia fundamental a de sociedade bem ordenada. O autor a
concebe com o escopo de definir a idia organizadora central da sociedade como
sistema eqitativo de cooperao social. Conforme bem esclarecera Rawls, a
sociedade bem ordenada uma idealizao23.
Assim, dir-se- que a sociedade bem ordenada
quando no s concebida para aumentar o bem dos
respectivos membros mas quando tambm
efectivamente regida por uma concepo pblica de
justia. Ou seja, trata-se de uma sociedade em que,
por um lado, cada um aceita, sabendo que os outros
tambm aceitam, os mesmo princpios da justia e, por
outro, em que, no geral, as respectivas instituies
bsicas satisfazem esses princpios, sendo
reconhecidas como tal. Nesta situao, ainda que os
sujeitos possam formular, uns contra os outros,
exigncias que sejam excessivas, eles reconhecem,
apesar disso, um ponto de vista comum a partir do qual
sero decididas as respectivas pretenses. (TJ: 28; EI,
4).
23PL, 79; JE,p. 12.
19
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Segundo Rawls, dizer que uma sociedade bem ordenada significa trs
coisas. Primeiramente, em razo de que todos os indivduos que nela vivem
aceitam e sabem que todos os outros aceitam os mesmos princpios de justia.
Todos acreditam, ainda, que a estrutura bsica da sociedade est em
concordncia com os referidos princpios. E, finalmente, que todos os cidados
tm um senso de justia e agem de acordo com as instituies bsicas da
sociedade, j que as consideram justas. Cumpre salientar que Rawls imps
algumas restries formais concepo de sociedade bem ordenada, dentre as
quais a de que ela um sistema fechado, isolado de outras sociedades, no qual
os indivduos entram pelo nascimento e saem pela morte. Esse entendimento se
d em razo do autor no considerar ou enxergar a sociedade como uma
comunidade ou uma associao. A sociedade um sistema completo e auto-
suficiente, que tem a finalidade de contemplar todos os propsitos primordiais da
vida humana. Neste sistema, teremos plenas condies de viver num ambiente de
cooperao social e passar o resto de nossas vidas como membros plenamente
cooperativos. Deve-se destacar, no entanto, que uma sociedade como tal no
possui fins ou objetivos ltimos, que ocupam lugar especial nas doutrinas
abrangentes. Os seus fins especficos de devero fazer parte de uma concepo
poltica de justia e de sua razo pblica.
A sociedade bem ordenada dever contemplar um ambiente favorvel ao
convvio das mais variadas doutrinas e formas de pensamento, dado o fato do
pluralismo razovel que marca as sociedades liberais. Nesse ambiente,
independentemente da doutrina que os indivduos professam, todos tero os
meios necessrios para alcanarem os seus fins especficos. Isso se d em razo
20
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do consenso sobre os termos eqitativos da cooperao, especificados pelos
princpios de justia que, aplicados de acordo com as regras de prioridade,
asseguraro um igual status de cidadania e uma justa distribuio dos benefcios
produzidos pela cooperao social.
Neste sentido uma sociedade bem ordenada deve satisfazer ...uma
condio necessria (mas no suficiente, com toda certeza) de realismo e
estabilidade24. Para que isso ocorra, urge a necessidade de que os cidados
adotem a mesma concepo poltica de justia, mesmo que professem doutrinas
divergentes e opostas, atravs de um consenso sobreposto (overlapping
consensus), ou seja:
...concordem, em termos gerais, com aquela
concepo de justia como uma concepo que
determina o contedo de seus julgamentos polticos
sobre as instituies bsicas; e desde que, segundo, as
doutrinas abrangentes que no so razoveis (que,
supomos, sempre existem) no disponham da
aceitao suficiente para solapar a justia essencial da
sociedade. (PL: 82; EI, 39).
Assim, dado o fato do pluralismo razovel, a sociedade bem ordenada, a
partir de um consenso sobre os princpios de justia tornar claro os seus
principais valores polticos a partir de um procedimento construtivista.
24PL: 82; EI, 38.
21
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somente endossando uma concepo
construtivista uma concepo que poltica, e no
metafsica que os cidados podem ter esperanas de
encontrar princpios que todos possam aceitar. Isso
algo que podem fazer sem negar os aspectos mais
profundos de suas doutrinas abrangentes e razoveis.
(PL: 143; EI, 97).
4. Uma concepo normativa de cidado
Dentre as idias essenciais compreenso do tema deste trabalho, a
saber, a prioridade das liberdades e direitos fundamentais, a idia de pessoas
livres e iguais das mais importantes. A concepo de pessoa apresentada em TJ
sofreu uma reformulao radical, sobretudo a partir da elaborao do texto
Kantian Constructivism in Moral Theory [O Construtivismo Kantiano na Teoria
Moral]25, momento em que Rawls descreveu todos os elementos da idia de
pessoa moral e acrescentou o conceito de razovel idia de racionalidade. As
alteraes apresentadas neste texto aproximaram, segundo o autor, a teoria da
eqidade doutrina kantiana, especialmente verso kantiana do construtivismo,
segundo a qual em sua opinio A idia diretora (do construtivismo kantiano)
consiste em estabelecer uma relao satisfatria entre uma concepo particular
25Justia e Democracia. Trad. Irene A. Paternot. So Paulo: Martins Fontes, 2000.
22
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de pessoa e os princpios primeiros de justia por meio de um procedimento de
construo.
A partir da especificao dos seus elementos, Rawls formulou a seguinte
concepo: os cidados de uma sociedade bem ordenada devem ser
reconhecidos como pessoas morais livrese iguais, capazes de ter um senso de
justia e uma concepo do bem26. Pressups, enfaticamente, que os membros
de uma sociedade bem ordenada so pessoas morais plenamente capazes de
cooperar na sociedade27ao longo de suas vidas.
A abordagem da concepo de pessoa essencial para compreenso do
tema desenvolvido neste trabalho. A partir da abordagem de cada um dos seus
elementos, pretende-se abrir caminho para a demonstrao da relao existente
entre a concepo de pessoa e a prioridade das liberdades e direitos
fundamentais, a ser mais bem esmiuada no captulo III.
4.1. Cidados l ivres e iguais
O que significa dizer que os cidados so livres e iguais? A concepo
poltica de pessoa parte do princpio que essa idia reconhecida na cultura
poltica moderna. A nfase dada ao aspecto moral da pessoa tem o objetivo de
destacar um trao de igualdade entre todos os indivduos, independentemente dos
aspectos econmicos e sociais.
26O Construtivismo Kantiano na Teoria Moral, in: Justia e Democracia, p. 55.27Nos termos do que fora tratado no tpico precedente.
23
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Os cidados so iguais na medida em que se
consideram uns aos outros como detentores de um
direito igual de determinar e de avaliar de maneira
ponderada os princpios primeiros de justia que devem
reger a estrutura bsica da sociedade. (Rawls, 2002,
p. 55).
Desta maneira, Rawls pressupe que os cidados so capazes de
compreender e aplicar uma concepo de justia e todos, indistintamente e
independentemente das condies histricas, econmicas ou sociais, tero
assegurado o seu status de igual cidadania. Todos gozaro das liberdades e
direitos fundamentais especificados pelos princpios de justia e, como fonte
autnoma de reivindicaes (um dos aspectos da liberdade), podero formular
suas pretenses, desde que, evidentemente, elas estejam em consonncia com a
concepo poltica de justia publicamente reconhecida por todos.
Cumpre destacar que, sob o ponto de vista da posio original, a igualdade
das partes caracterizada pela relao de simetria entre elas. Nessa situao
hipottica todos os participantes tm os mesmos direitos e poderes que os
possibilitam, atravs de um procedimento eqitativo, chegar a um acordo sobre os
primeiros princpios de justia. Como pessoas morais, os cidados so iguais
enquanto detentores das duas capacidades da personalidade moral, quais sejam:
a de ter uma concepo de justia e uma concepo do bem.
E tambm so livres, pois sendo plenamente capazes de ter uma
concepo do bem tero, consequentemente, a liberdade de formar, revisar e
24
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modificar essa concepo, desde que o faam sobre base razoveis e racionais.
Os cidados no se consideram ligados para sempre a uma determinada doutrina,
a uma concepo particular do bem ou a fins ltimos que o desconsiderem
enquanto pessoa moral capaz de rever a sua posio. Para eles, o status de
cidadania igual garante a sua liberdade e independncia enquanto pessoa moral,
distinta de qualquer sistema particular de fins28. So livres, ademais, enquanto
fontes autnomas de reivindicaes fundamentadas e
...so livres na medida em que pensam ter o direito de
intervir na elaborao de suas instituies comuns em
nome de seus prprios objetivos fundamentais e de
seus interesses superiores. (Rawls, 2002, p. 55).
No entanto, a liberdade de reivindicar deve ser pautada pela
responsabilidade dos cidados para com os seus fins particulares. Dada uma
concepo de justia publicamente reconhecida por todos, que garante as
condies e meios necessrios para atingirem os seus objetivos, os cidados
mantm certa independncia de seus objetivos, j que os mesmos estaro
ajustados e moldados pela sua capacidade de ser razovel.
28Rawls, 2002, p. 94.
25
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4.2. As duas capacidades da pessoa moral
A pessoa moral dotada de duas capacidades, a dizer: a capacidade de ter
um senso de justia e a capacidade de ter uma concepo do bem. De acordo
com a primeira capacidade, os cidados so capazes de agir de acordo com uma
concepo de justia e de respeitar os princpios de justia que foram objeto de
um acordo. So capazes de respeitar os termos eqitativos da cooperao social
e, enquanto pessoas livres, de formularem reivindicaes legtimas nos termos da
concepo poltica de justia publicamente reconhecida.
A capacidade de ser razovel, que remete ao justo, pode ser descrita nos
seguintes termos: sob a perspectiva da posio original, dada as suas
caractersticas, as partes consideram justa uma sociedade que regida por uma
concepo pblica de justia. Uma sociedade em que todos os cidados agem de
acordo com essa concepo e que so, portanto, capazes de respeitar os
princpios de justia. Princpios que sero aplicados estrutura bsica da
sociedade que, por sua vez, garantir as condies para que cada membro tenha
o seu status de cidado igual reconhecido. Sendo assim, os indivduos tero
motivos suficientes para cumprirem os termos eqitativos, cujo contedo dado
pelos princpios primeiros escolhidos numa posio inicial de igualdade, atravs
de um procedimento eqitativo.
As pessoas so razoveis em um aspecto bsico
quando, entre iguais, por exemplo, esto dispostas a
propor princpios e critrios como termos eqitativos de
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cooperao e a submeter-se voluntariamente a eles,
dada a garantia de que os outros faro o mesmo. (PL:
93; EI: 49).
A segunda capacidade parte do pressuposto de que cada um dos membros
da sociedade tem os seus fins e interesses fundamentais e, portanto, cada um
deles possui a capacidade de ter uma concepo particular do bem, portanto, de
ser racional. Esta capacidade deve ser entendida num sentido mais amplo, qual
seja, cada indivduo tem a capacidade no apenas de formar, mas tambm a de
revisar e tentar racionalmente realizar a sua concepo do bem. Destarte as
pessoas se consideram livres e seguros para perseguirem os seus fins e sabem
que podero faz-lo, pois, a partir do reconhecimento do status de igual cidadania,
todos tero assegurados os meios necessrios para realizar o seu projeto de vida.
No entanto, estando os indivduos sob um sistema eqitativo de cooperao
social, os seus fins particulares sero orientados pelo desejo de cooperar uns com
os outros em termos que todos possam aceitar.
Para os fins de uma concepo poltica de justia, no se pode conceber a
pessoa to somente com a sua capacidade de ser racional. Segundo o autor, o
agente racional pode tornar-se um quase psicopata, j que sempre colocar os
seus objetivos particulares frente e em detrimento dos objetivos dos demais
agentes, na busca de benefcios para si mesmo29. necessrio enxergar as duas
capacidades morais como sendo complementares, j que ambas so essenciais e
conjuntamente especificam os termos eqitativos da cooperao social.
29PL: 51; EI: 95.
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Como idias complementares, nem o razovel nem o
racional podem ficar um sem o outro. Agentes
puramente razoveis no teriam fins prprios que
quisessem realizar por meio da cooperao eqitativa;
agentes puramente racionais carecem do senso de
justia e no conseguem reconhecer a validade
independente das reivindicaes dos outros. (PL: 96;
EI, 52).
4.3. A questo da autonomia dos cidados
Segundo o autor, a fim de esclarecer a idia de pessoa, importante que
se faa a distino entre trs pontos de vista: o das partes na posio original, o
dos cidados que compem uma sociedade bem ordenada e o nosso ponto de
vista (Cf. Rawls, 1980; I Conferncia; VII). O nosso ponto de vista (o seu e o meu)
o ponto de vista a partir do qual avaliada a teoria da justia como eqidade,
verificando se ela pode servir como base para uma concepo de justia cuja
interpretao da liberdade e da igualdade seja satisfatria. O ponto de vista das
partes na posio original e o ponto de vista dos cidados de uma sociedade bem
ordenada so elementos que fazem parte das concepes-modelo da teoria da
justia. Nesse sentido, preciso ter-se em vista o papel da posio original como
concepo mediadora do processo de construo, atravs do qual as partes,
enquanto agentes racionais, esto submetidos a restries razoveis, alm de que
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devem considerar-se no dever de optar por princpios que constituam a concepo
pblica de justia de uma sociedade bem ordenada. Entretanto, preciso ter
cuidado para no se confundir as deliberaes das partes e sua autonomia
racional com a autonomia completa.
A autonomia racional, segundo o autor, aplica-se s partes que so agentes
artificiais racionalmente autnomos do processo de construo, na posio
original, de princpios de justia. A autonomia racional deve ser vista, portanto,
como mero instrumento de representao na medida em que tem a funo de
vincular a concepo de pessoa aos princpios de justia, atravs da idia
mediadora da posio original, no processo de construo.
Quanto noo de autonomia completa, trata-se de um ideal moral que faz
parte do ideal mais amplo de uma sociedade bem ordenada. Ela no poderia ser
aplicada s partes que deliberam na posio original, pois essas so agentes
meramente artificiais e, por isso mesmo, apenas racionalmente autnomos. Como
tais, representam o aspecto da racionalidade, que faz parte da concepo de
pessoa moral que atribuda aos cidados que compem uma sociedade bem
ordenada. Nesse sentido, a autonomia completa s pode ser efetivada
concebendo-se um ideal de pessoa compartilhado pelos cidados que compem
uma uma sociedade bem ordenada. Entretanto, para conquist-la, eles devem
primeiramente reconhecer o procedimento de construo dos princpios de justia,
consequentemente aceitar os princpios que da derivam, e agir de acordo com os
princpios escolhidos.
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II. OS PRINCPIOS DE JUSTIA E AS LIBERDADES E DIREITOS
FUNDAMENTAIS
1. Os princpios de justia
A questo da escolha dos princpios de justia a partir da posio original
caminha com a questo da prioridade30. A argumentao em favor dos princpios
contempla a ordenao lexical e as regras de prioridade a ela inerentes. Os
princpios de justia formulador por Rawls foram apresentados em vrias
passagens de sua obra. O primeiro esboo foi apresentado no 11 de TJ. Nesta
obra, o autor apresenta a primeira formulao, precisamente no 46, juntamente
com as regras de prioridade. A derradeira formulao, concebida em razo das
incisivas crticas proferidas por Hart, foi apresentada em PL
[a. Todas as pessoas tm igual direito a um projeto
inteiramente satisfatrio de direitos e liberdades
bsicas iguais para todos, projeto este compatvel com
todos os demais; e, nesse projeto, as liberdades
polticas, e somente estas, devero ter seu valor
eqitativo garantido.
b. As desigualdades sociais e econmicas devem
satisfazer dois requisitos: primeiro, devem estar
vinculadas a posies e cargos abertos a todos, em
30Esta ltima ser tratada no prximo captulo.
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condies de igualdade eqitativa de oportunidades; e
segundo, devem representar o maior benefcio possvel
aos membros menos privilegiados da sociedade. (PL:
47-48; EI, 5-6 ver nota 3)31
Os princpios acima explicitados seriam aqueles que, segundo Rawls, as
partes, ou seja, os representantes autnomos dos cidados da sociedade
adotariam numa dada situao hipottica (posio original). Trata-se de um
experimento mental, portanto, a-histrico, onde os representantes dos cidados
escolheriam os princpios a partir de uma lista, conforme a tradio da filosofia
moral e poltica.
A teoria da justia como eqidade voltada questo da justia social,
portanto, como afirma Rawls:
Para ns, o objecto primrio da justia a estrutura
bsica da sociedade, ou, mais exactamente, a forma
pela qual as instituies sociais mais importantes
distribuem direitos e deveres fundamentais e
31Nota 3: Rawls d a orientao sobre as alteraes elaboradas desde a verso apresentada emTJ: The statement of these principles differs from that given in Theory and follows the statement inThe Basic Liberties and Their Priority() The reasons for these changes are discussed on pp. 46-55 of that lecture. They are important for the revisions in the forceful objections raised by H.L.A.Hart in his critical review () [A formulao desses princpios difere daquela apresentada emTeoria e segue a formulao de As Liberdades Fundamentais e sua Prioridade (...) Os motivosdessas alteraes so discutidos nas pp. 46-55 daquela conferncia. So importantes para asrevises na exposio das liberdades bsicas em Teoriae foram feitas na tentativa de responders importantes objees feitas por H.L.A. Hart, em sua resenha crtica...] A conferncia de Rawlsfoi publicada na obra Political Liberalism[O Liberalismo Poltico].
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determinam a diviso dos benefcios da cooperao em
sociedade. (TJ: 30; EI, 6).
Diante disso, o autor nos adverte que estes princpios no devem ser
confundidos com aqueles que se aplicam aos indivduos e s suas aes
particulares.
De acordo com o primeiro princpio, todo cidado tem direito ao mais amplo
sistema total de liberdades bsicas iguais. A compreenso dessa idia merece
alguns esclarecimentos, ofertados pelo prprio pensador:
Em primeiro lugar, devemos ter presente que as
liberdades bsicas devem ser avaliadas como um todo,
como um sistema. O valor de uma dessas liberdades
depende normalmente da forma como as outras so
especificadas. Em segundo lugar, admito que, desde
que as condies sejam razoavelmente favorveis,
sempre possvel especificar estas liberdades de modo
a que os efeitos mais importantes de cada uma possam
ser simultaneamente garantidos e os interesses mais
fundamentais protegidos. Ou, pelo menos, que tal ser
possvel desde que se adira de uma forma coerente
aos dois princpios da justia e s regras de prioridade
que lhes esto associadas. (TJ: 168-169; EI, 178).
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O segundo princpio de justia dividido em duas partes. A primeira
consubstancia-se no princpio da igualdade de oportunidades e a segunda
consiste no denominado princpio da diferena.
A primeira parte, ou seja, o princpio da igualdade de oportunidades,
explicada nos seguintes termos:
Como atrs ficou dito, a igualdade eqitativa de
oportunidades equivale existncia de um determinado
conjunto de instituies que asseguram possibilidades
iguais de educao e cultura para pessoas com
motivaes idnticas e que mantm os cargos e
funes aberto a todos, com base nas qualidades e
esforos razoavelmente exigidos para a satisfao das
respectivas tarefas e deveres. (TJ: 223; EI, 245-246).
O princpio de diferena, consubstanciado na segunda parte do segundo
princpio de justia, prope a maximizao das expectativas dos que esto em pior
situao, ou seja, dos menos beneficiados. Destarte, a melhoria das condies
dos mais favorecidos s pode ser aceita na medida em que proporcione uma
melhoria das condies dos menos privilegiados. Com isso, podemos entender
que Rawls, ou melhor, a teoria da justia por ele formulada, comporta
determinadas desigualdades. A este respeito, declara o autor:
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Se certas desigualdades de rendimento e diferenas
de autoridade tornassem a condio de todos melhor
do que aquela que se verifica nesta situao inicial
hipottica, elas estariam em harmonia com a
concepo geral de justia. (TJ: 69; EI, 55).
A concepo geral da justia no impe restries
quanto ao tipo de desigualdades que so admissveis.
Exige apenas que a posio de todos seja melhorada.
(idem).
A postura de Rawls, ao aceitar certos tipos de desigualdades, fez render-lhe
severas crticas. A mais contundente dentre elas foi a de que o princpio de
diferena permite desigualdades excessivas.
Vale ressaltar que a aplicao dos princpios deve respeitar as regras de
prioridade preceituadas por Rawls. No entanto, essas regras tero completa
aplicabilidade apenas quando se tratar da concepo especial de justia. Esse
assunto ser abordado com maior clareza no prximo captulo, entretanto,
ressaltamos que o segundo princpio, dividido em duas partes, deve ser aplicado,
quando se tratar da concepo especial, da seguinte maneira: a primeira parte, o
princpio da igualdade de oportunidades tem prioridade sobre a segunda parte,
qual seja, o princpio de diferena.
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2. A especificao das liberdades e direitos bsicos
O presente tpico pretende demonstrar quais so as liberdades
especificadas por Rawls e a sua relao com o princpio do imprio da lei.
Pretende-se, ademais, analisar o porqu da formulao de uma lista e questes
conexas tais como: sistema coerente de liberdades; conflitos entre as
liberdades; consideraes acerca do desenho constitucional. Ser tambm
crucial a anlise mais aprofundada sobre a idia de seqncia de quatro
estgios (deixaremos de abordar a fase de escolha dos princpios, j comentada
no captulo anterior, mas abordaremos as demais fases: conveno constituinte,
fase legislativa e a ltima fase de aplicao das leis aos casos concretos). Quais
so os critrios utilizados por Rawls para especificao das liberdades e direitos
fundamentais nessas fases?
As liberdades fundamentais contidas no primeiro princpio so
especificadas por Rawls numa lista. No 11 de TJ ele apresenta uma primeira
formulao contendo as seguintes liberdades:
essencial observar que possvel estabelecer um
elenco das liberdades bsicas. Entre elas contam-se,
como particularmente importantes, a liberdade poltica
(direito de votar e ocupar uma funo pblica) e a
liberdade de expresso e de reunio; a liberdade de
conscincia e de pensamento; as liberdades da
pessoa, que incluem a proibio da opresso
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psicolgica e da agresso fsica (direito integridade
pessoal); o direito propriedade privada e proteo
face deteno arbitrrias, de acordo com o princpio
do domnio da lei (rule of law). E, de acordo com o
primeiro princpio, estas liberdades devem ser iguais
para todos. (TJ: 68; EI, 53).
Em PL, precisamente no 1 da oitava conferncia, Rawls nos oferece outra
lista com algumas alteraes, a seguir:
Uma outra questo preliminar que as liberdades
fundamentais iguais do primeiro princpio de justia so
especificadas por uma lista, que a seguinte: a
liberdade de pensamento e de conscincia; as
liberdades polticas e a liberdade de associao, assim
como as liberdades especificadas pela liberdade e
integridade da pessoa; e, finalmente, os direitos e
liberdades abarcados pelo imprio da lei. (PL: 345; EI,
291).
J em Justia como eqidade, Rawls apresenta uma terceira lista com uma
redao pouco diferente da anterior, sem, no entanto, propor alteraes
substantivas, conforme verificamos abaixo:
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...liberdade de pensamento e de conscincia;
liberdades polticas (por exemplo, o direito de votar e
de participar da poltica) e liberdade de associao,
bem como os direitos e liberdades especificados pela
liberdade e integridade (fsica e psicolgica) da pessoa;
e, finalmente, os direitos e liberdades abarcados pelo
estado de direito. (Rawls, JE, p. 62).
A anlise das trs listas demonstra que apenas uma dentre as liberdades
ou direitos fundamentais especificados na primeira lista no repetida nas listas
subseqentes. O direito fundamental a que estamos nos referindo o direito
propriedade privada. Evidentemente que Rawls no alterara o seu entendimento
aps TJ, pelo contrrio. Apesar de no ter includo este direito na lista em PL,
Rawls ressalta nesta obra a relevncia do direito de adquirir e fazer uso da
propriedade pessoal. Este direito considerado fundamental, pois visa garantir ao
indivduo uma base material necessria32 para a preservao do seu sentimento
de independncia pessoal e auto-respeito. Esses sentimentos, por sua vez, so
essenciais para o desenvolvimento e exerccio das duas capacidades morais dos
indivduos considerados livres e iguais, quais sejam a de ter um senso de justia e
uma concepo de bem.
32No conseguimos chegar a uma concluso, se possvel, a partir da leitura dos textos de Rawls,sobre o quantumnecessrio para cada cidado. Ademais, no encontramos qualquer referncia qualquer forma de limitao da acumulao da propriedade privada. Ressaltamos que esse tema,em razo de no ser objeto especfico desta pesquisa e de sua relevncia, merece maiorinvestigao.
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No nos esqueamos que a referida lista ser submetida juntamente com
outras listas apreciao das partes na posio original para que elas escolham
uma dentre as apresentadas. A elaborao de uma lista de direitos fundamentais
algo que suscita vrias indagaes. Entre elas, qual a importncia de uma lista
que especifique os direitos fundamentais? A partir da especificao, qual o
fundamento e a justificao para a adoo destes e no de outros direitos? Rawls
responde a primeira questo dizendo que uma lista contendo as liberdades e
direitos fundamentais algo que uma concepo filosfica de justia poderia
dispensar. No entanto, ele nos adverte que a especificao das liberdades
essencial, pois quando elas so incorporadas aos princpios de justia e
apresentados s partes na posio original, juntamente com outras concepes de
justia como o perfeccionismo e o utilitarismo, os princpios de justia contendo
essas liberdades seriam escolhidos e os demais seriam descartados33. Desta
maneira, seria alcanado o objetivo inicial da justia como eqidade, qual seja:
Esse objetivo mostrar que os dois princpios de
justia propiciam uma compreenso melhor das
exigncias da liberdade e da igualdade numa
sociedade democrtica do que os princpios primeiros
associados s doutrinas tradicionais do utilitarismo, do
perfeccionismo ou do intuicionismo. (PL: 346; EI, 292).
33As razes para escolha dos princpios sero melhor esmiuadas no prximo captulo.
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Neste sentido, a definio de uma lista deve ser feita com a exatido
necessria para sustentar a concepo de justia como eqidade. A lista, no
entanto, deve conter apenas aquelas liberdades e direitos que so essenciais,
pois as liberdades ali contidas ocupam um status superior.
Antes de tudo, a prioridade da liberdade significa que o
primeiro princpio de justia atribui s liberdades
fundamentais, apresentadas na lista, um status
especial. (PL: 348; EI, 294).
A especificao de outras liberdades ficar para os estgios posteriores da
conveno constituinte ou do processo legislativo ordinrio. Uma lista desta
natureza no pode ser muito extensa, sob pena de enfraquecer as liberdades que
so realmente essenciais. Ademais, ao invs de termos uma noo clara e
circunscrita das liberdades e de sua prioridade, poderamos gerar no sistema uma
confuso e uma indeterminao indesejveis. O processo de escolha dos
princpios na posio original ficaria comprometido, pois as partes teriam maiores
dificuldades de se convencerem pela adoo dos princpios de justia que contm
as liberdades e direitos fundamentais. Uma lista muito extensa faria com que uma
noo adequada de prioridade fosse prejudicada.
A razo para esse limite lista de liberdades
fundamentais o status especial dessas liberdades.
Toda vez que ampliamos a lista das liberdades
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fundamentais, corremos o risco de enfraquecer a
proteo das mais essenciais e de recriar no interior do
sistema de liberdades os problemas de indeterminao
e desorientao que tnhamos a esperana de evitar
com uma noo adequadamente circunscrita de
prioridade. (PL: 350-351; EI, 296).
Deste modo, as liberdades no especificadas no sero classificadas como
bsicas e, portanto, no estaro amparadas pelas regras de prioridade, conforme
Rawls salienta:
evidente que liberdades no compreendidas na lista,
como, por exemplo, o direito de deter certas formas de
propriedade (e.g. meios de produo) e a liberdade
contratual nos termos em que entendida pela doutrina
do laissez faire, no so liberdades bsicas; e assim
no so protegidas pela prioridade do primeiro
princpio. (TJ: 69; EI, 54).
As liberdades bsicas proclamadas por Rawls esto intimamente
relacionadas entre si e, conjuntamente dispostas, devem ser especificadas ...de
forma a obter o melhor sistema completo de liberdade34. A ressalva oportuna
em razo das liberdades bsicas estarem sempre restringidas ou limitadas pela
34TJ: 169; EI, 178.
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lei, j que as partes tero, vez ou outra, que avaliar uma liberdade em relao
outra, como sugere o exemplo proposto por ele, a seguir: a liberdade de
expresso com o direito a um julgamento justo 35. Tais restries ou limitaes
devem atender a critrios, especificamente delineados, determinados pelo
significado da liberdade igual e pela aplicao lexical dos princpios de justia.
Esses critrios tm o escopo de evitar as duas violaes possveis, adverte o
autor, do primeiro princpio (princpio de igual liberdade), quais sejam
A liberdade desigual quando uma classe de pessoas
goza de maior liberdade do que uma outra, ou se a
liberdade menos ampla do que aquilo que deveria
ser. (TJ: 169; EI, 178).
O pensador, no entanto, ciente da existncia dos mais variados conflitos de
interesses entre os cidados, em razo do pluralismo de idias, comum s
sociedades liberais, admite a possibilidade de limitao das liberdades apenas nos
casos especificados em sua teoria, quais sejam:
Uma liberdade bsica, includa no primeiro princpio,
s pode ser limitada se tal beneficiar a prpria
liberdade, isto , somente para assegurar que a
mesma, ou outra liberdade bsica, fique devidamente
35Ibidem. Cf. Art. 5o. inc. LIV da CF/88: ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem odevido processo legal (grifo nosso) - Princpio constitucional do devido processo legal.
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protegida e para ajustar o sistema conjunto das
liberdades da melhor forma possvel. Este ajustamento
do sistema completo das liberdades depende apenas
da definio e extenso das diversas liberdades
concretas. (TJ: 169; EI, 179).
A defesa desta idia perpetrada de maneira radical, pois a mesma denota
a essncia da doutrina rawlsiana. A justia como eqidade no admite qualquer
possibilidade de limitao ou restrio da liberdade, a no ser aquelas
preconizadas por seu criador. Com esse fundamento, Rawls pretende que sua
doutrina seja uma alternativa s demais doutrinas compreensivas, entre elas o
utilitarismo. Isso porque o utilitarismo, como fora acima apontado, no oferece as
bases seguras para a proteo das liberdades bsicas, segundo Rawls,
consolidadas na cultura democrtica constitucional das sociedades liberais. Por
corolrio, Rawls no admite a troca das liberdades por uma maior satisfao do
bem estar geral, conforme expe:
Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que
decorre da justia, a qual nem sequer em benefcio do
bem-estar da sociedade como um todo poder ser
eliminada. Por esta razo, a justia impede que a perda
da liberdade para alguns seja justificada pelo facto de
outros passarem a partilhar um bem maior. No
permite que os sacrifcios impostos a uns poucos sejam
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compensados pelo aumento das vantagens usufrudas
por um maior nmero. Assim sendo, numa sociedade
justa a igualdade de liberdades e direitos entre os
cidados considerada como definitiva; os direitos
garantidos pela justia no esto dependentes da
negociao poltica ou do clculo dos interesses
sociais. (TJ: 27; EI, 3-4).
3. A distino entre liberdade e valor da liberdade
Ao abordar a questo da liberdade, Rawls deliberadamente ignorou a
controvrsia que se tornou clssica entre liberdade negativa e liberdade positiva,
tal como foi formulada por Isaiah Berlin em seu ensaioTwo Concepts of Liberty36.
A discusso promovida por Rawls no contempla um debate sobre o conceito de
liberdade, mas sobre o que ele denomina valor da liberdade. No entanto, apesar
de desconsiderar a controvrsia clssica, Rawls vai operar com o conceito de
liberdade negativa, ou seja, vai pensar a questo da liberdade como ausncia de
restrio (ou conjunto de restries) ao agir do indivduo. Historicamente, os
liberais sustentam a tese de que a todo indivduo deve ser assegurada uma rea
36BERLIN, Isaiah. "Dois conceitos de liberdade?", In: HARDY, Henry e HAUSHEER, Roger (orgs.).Isaiah Berlin: Estudos sobre a Humanidade: uma antologia de ensaios , So Paulo, Companhia dasLetras, 2002. p. 226-272.
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de ao livre de quaisquer oposies de outros indivduos e, especialmente, do
Estado: necessrio proteger o indivduo, inclusive dele prprio.
Cumpre notar que ao empregar o termo liberdade, o autor est se referindo
ao conjunto de liberdades fundamentais, especialmente quelas contidas no
primeiro princpio de justia e no liberdade enquanto tal. A liberdade representa
o sistema total de liberdades bsicas asseguradas a todos os indivduos
indistintamente. Todos os cidados, dada a aplicao dos princpios de acordo
com as regras de prioridade, tero garantidos o igual status de cidadania. No
entanto, nem todos os indivduos tm a capacidade de atingir os seus fins dentro
da estrutura definida pelo sistema. Todos tem liberdades iguais, mas o valor da
liberdade de cada um pode ser desigual, j que depende da capacidade de cada
um. A justia como eqidade garante a todos o mesmo status de cidadania, mas
no pode assegurar que todos tero as mesmas capacidades para atingirem os
seus fins. O valor da liberdade se refere ao proveito que as pessoas tiram de suas
liberdades. A questo, notadamente, complexa e a argumentao oferecida por
Rawls sofisticada. O primeiro princpio garante liberdades iguais a todos. No
entanto, o segundo princpio permite certas desigualdades. Como equacionar a
igualdade do primeiro princpio com a desigualdade permitida pelo segundo
princpio? Aqui entra a distino entre liberdade e valor da liberdade. Se o
segundo princpio permite certas desigualdades, algumas pessoas podero ter
maior riqueza e, portanto, melhores condies para perseguirem os seus fins. A
distino, segundo Rawls, tem o objetivo de combinar a igualdade e a liberdade
em uma noo coerente. A distino, evidentemente, arbitrria e concordamos
com Norman Daniels, quando afirma que o objetivo de Rawls o de excluir os
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fatores econmicos dos tipos de restrio a liberdade37. Pois, para a justia como
eqidade, a liberdade s pode ser restringida em nome da prpria liberdade e de
acordo com o princpio do rule of law. A distino pode gerar situaes absurdas,
pois, o primeiro princpio garante a mesma liberdade tanto para um indivduo como
o Antnio Ermrio de Moraes quanto para qualquer funcionrio de seu aglomerado.
Ora, notadamente o segundo no poder exercer a liberdade como o primeiro.
Resta saber se a aplicao do princpio de diferena garantir a todos os
indivduos a possibilidade de exercerem efetivamente as liberdades iguais
garantidas pelo primeiro princpio. Quanto ao valor das liberdades esse jamais
ser igual, a justia como eqidade garantir to somente, segundo o autor, o
valor das liberdades polticas.
37 Daniels, Norman. Equal Liberty and Unequal Worth of Liberty. In: The two principles and theirjustification. Edited with an introduction By Henry S. Richardson. New York & London: GarlandPublishing, Inc, 1999.
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III. A PRIORIDADE DAS LIBERDADES E DIREITOS FUNDAMENTAIS
1. Intrito
A questo a ser abordada neste captulo perpassa toda a obra de John
Rawls. A leitura dos seus escritos, especialmente TJe PL, torna evidente que a
questo da prioridade das liberdades e direitos fundamentais dos cidados ocupa
um lugar de destaque, seno o principal objetivo do empreendimento rawlsiano.
No entanto, nos perguntamos se durante a elaborao de sua teoria o autor
realmente considerou os graves problemas concretos que marcaram a sua
existncia e a de milhes de seres humanos. Como garantir os direitos
fundamentais a todos os cidados das sociedades liberais que, notadamente, so
marcadas por profundas desigualdades, especialmente as de natureza
econmica? Como garantir as mesmas liberdades diante do notrio processo
econmico de concentrao oligopolista? Ser que Rawls realmente acredita que
esse processo, mais avanado do que nunca, poderia ser controlado no plano
poltico ou mesmo no campo econmico com a adoo de uma teoria que
contempla, entre outras coisas, uma manifesta defesa livre economia de
mercado? Ora, John Rawls foi um pensador de respeitvel erudio e certamente
bem informado sobre a realidade interna de seu pas (E.U.A) e dos pases
perifricos. No entanto, manifestamente no levou a srio os graves problemas
ao seu redor. Teria ele, durante a elaborao de sua teoria, considerado o papel
desempenhado por seu pas no contexto histrico da poca que fora marcado,
sobretudo, pela Guerra Fria (com destaque ao Macartismo), pela operao
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Mongoose38, pela Guerra do Vietn (1964-1975)39, pelo massacre de populaes
civis na Guerra do Golfo e pela poltica imperialista estadunidense, entre outros
fatos? No. Se o autor realmente os tivesse considerado, atravs de uma anlise
rigorosa e profunda40, certamente no teria elaborado uma teoria to morna. E o
que dizer dos conflitos tnicos, do tratamento dispensado aos imigrantes,
especialmente os de origem rabe e latino americanos, e grande massa de
encarcerados existente em solo estadunidense41? Nunca demais denunciar o
caso dos prisioneiros de guerra afegos, confinados na base militar norte-
americana de Guantnamo, arquiplago cubano. A todos esses cidados seriam
garantidas as liberdades e direitos fundamentais? Sabemos que no. E no
poderia ter sido diferente, tendo em vista a opo do autor pela formulao de um
38Trata-se de uma operao terrorista iniciada pelo governo Kennedy contra Cuba, lanada aps ofracasso da tentativa de invaso da Baa dos Porcos que, conforme denuncia Chomsky, ...ganha oprmio de principal operao terrorista internacional isolada do mundo. (Chomsky, Noam. Paraentender o poder: o melhor de Noam Chomsky. Org. Peter R. Mitchell & John Schoeffel; trad. deEsduardo Francisco Alves. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.39Oportuno lembrar que os EUA novamente fizeram uso de agente laranja, napalm, entre outrasarmas de destruio, no apenas contra soldados, mas contra a populao civil.40V. nota 16.41A pesquisa divulgada pela revista The Economist em 2002 revela que os EUA apresentava em2000 o maior nmero de encarcerados do planeta, ultrapassando a cifra de 2 milhes decidados estadunidenses. Os nmeros atingem uma proporo de 700 presos a cada 100.000habitantes. A pesquisa mostrava ainda o grave problema com os egressos (presidirios quevoltavam ao convvio da sociedade) e que cerca de 7% da populao adulta (12% dos homens) jhaviam sido condenados por crimes graves. (A stigma that never fades.http://www.economist.com/world/na/displayStory.cfm?story_id=1270755 - Aug 8th 2002,CHICAGO). A pesquisa fora comentada no editorial do jornal Folha de So Pauloem 11.08.02.O aumento do nmero de encarcerados no uma peculiaridade to somente verificada nosE.U.A.. Mas vale ressaltar a evoluo do sistema repressivo e penitencirio norte-americano que,inclusive, tem exportado o seu principal modelo de penitenciria aos pases perifricos, entre osquais o Brasil. O modelo ao qual nos referimos denominado por Supermarxe tem feito sucesso,
sobretudo no estado de So Paulo. Para essas prises, conhecidas como Centro de ReabilitaoPenitenciria e que comportam o denominado RDD (regime disciplinar diferenciado), as primeirascriadas em Presidente Bernardes e Iaras (lembrando que h tempos j existia o temvel Anexo daCasa de Custdia de Taubat - conhecido como Piranho - temvel aos presidirios da poca),so enviados os lderes de rebelies, seqestradores, chefes de faces criminosas, entre as quaisem destaque o PCC. Cabe-nos a seguinte indagao: Se tantos liberais existem e tanto se fala emliberdade, se as liberdades e direitos fundamentais so considerados valores supremos para osliberais, donde podemos deduzir que o estado liberal tem como uma de suas finalidades proteg-las e garanti-las a todos os cidados, qual o porqu da essencialidade de um sistema repressorto voraz?
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http://www.economist.com/world/na/displayStory.cfm?story_id=1270755http://www.economist.com/world/na/displayStory.cfm?story_id=12707557/24/2019 SILVA. Diresdfsdfitos Fundamentais Na Doutrina de JOHN RAWLS Dissertao 2007
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modelo abstrato que no pretendia ser descritivamente exato em detalhes, quando
muito, extrair to somente alguns aspectos que o interessaram. Mas a crtica
persiste e legtima, na medida em que o autor, a partir de um modelo abstrato
pretende justificar as instituies concretas. No mnimo, devemos perguntar o
quanto a teoria de Rawls realmente apreende a complexa realidade.
Apesar da posio por ns adotada, no podemos deixar de reconhecer a
importncia de suas contribuies que para ns se expressa no seu
reconhecimento de que no basta estabelecer um sistema formal de liberdades,
deve-se, antes, garantir as condies materiais bsicas a todos os cidados. Teria
Rawls, sugerido a proteo legal a direitos materiais? Neste sentido a sua obra
marca um avano no interior da tradio liberal que, dificilmente, poder
retroceder. No deixa de ser, ainda, um reconhecimento da fora das crticas
enunciadas desde Hegel e depois por Marx ao liberalismo.
Bom, como dissemos, o ponto de partida de toda a sua construo terica
foi a idia de que todo cidado detentor de liberdades e direitos fundamentais
inalienveis. Rawls era conhecedor da histria da filosofia poltica e se esforou
para dialogar com grandes pensadores, entre os quais: Kant, Hegel e Marx. A
impresso deixada pela leitura de sua obra a de que esta traz continuamente em
seu bojo a tentativa de responder s objees suscitadas pelos grandes
pensadores da histria da filosofia poltica. As obras Justia como eqidade: uma
reformulao42eA histria da filosofia moral43tornam isso evidente. E no se trata
42Justia como eqidade: uma reformulao. Organizado por Erin Kelly; traduo Claudia Berliner;reviso tcnica e da traduo lvaro de Vita. So Paulo: Martins Fontes, 2003.43Histria da filosofia moral. Organizado por Barbara Herman; traduo Ana Aguiar Cotrim; revisoda traduo Marcelo Brando Cipolla. So Paulo: Martins Fontes, 2005.
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de uma peculiaridade de John Rawls. De certo modo, todo pensador se esfora
para procurar respostas s grandes questes j suscitadas e trabalhadas pelos
grandes pensadores da histria do pensamento filosfico. No entanto, apesar de
Rawls ter trazido temas importantes para a sua obra, inclusive os de natureza
marxista, ele no os encarou e muito menos os incorporou rigorosamente em sua
teoria.
2. A questo da prioridade e sua definio
Para que possamos compreender a justificao da prioridade do primeiro
princpio, necessrio entender a questo da prioridade em si. E porque a
questo da prioridade to importante para Rawls? Como dissemos, a explicao
das liberdades fundamentais e a sua prioridade constituiu o primeiro objetivo da
justia como eqidade44. A defesa de Rawls parte da crtica e do reconhecimento
de que as principais doutrinas filosficas, entre as quais o intuicionismo e o
utilitarismo, so insuficientes para solidamente justificar e garantir as liberdades e
direitos fundamentais45. Ambas as doutrinas no oferecerem uma soluo
garantidora s liberdades individuais ao se depararem com o problema da
ponderao de princpios de justia concorrentes. Recorrer em ltima instncia
intuio para dar uma resposta construtiva ao referido problema no seria
confivel, muito menos resolv-lo com a referncia ao princpio da utilidade. Como
44TJ: xii; 2045TJ: xii; 19-20
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alternativa, o autor oferece uma concepo poltica de justia que tenha como
objeto a estrutura bsica da sociedade, ou seja, o conjunto das principais
instituies da sociedade, entre as quais destaca a constituio, o regime
econmico, a ordem legal e sua especificao de propriedade e congneres, e
como essas instituies se combinam para formar um sistema46. Oferece,
portanto, um modelo substitutivo especialmente ao utilitarismo, modelo
predominante nos pases de fala inglesa.
Voltando questo da prioridade em si, bom que faamos a seguinte
indagao: como adotar princpios de justia que assegurem as liberdades e
direitos fundamentais a todos os indivduos? Seria possvel chegar a um consenso
sobre princpios de justia atravs de um procedimento justo (eqitativo) na
situao inicial sugerida por Rawls, sem o emprego de um critrio mais definido?
Entendo que no. Imaginar que as partes, apesar de terem sido idealmente
concebidas, seriam capazes de escolher e chegar a um acordo sobre os primeiros
princpios de justia diante de uma lista de alternativas47, configuraria demasiada
exigncia. Situao esta que seria dificultada em razo do acordo sobre os
princpios exigir um consenso prvio sobre as condies em que a escolha deles
seria realizada48. Condies marcadas, especialmente, pelo fato das partes
estarem privadas de vrias informaes, como as que dizem respeito ao seu
statussocial enfim, inclusive dos fatos que afastam os homens uns dos outros e
que permitem que eles se deixem guiar pelo preconceito49. Tal recurso (vu de
46PL, 355.47TJ, 112.48idem, 38.49Idem.
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ignorncia) garantiria, segundo o autor, um acordo eqitativo, dada a posio de
imparcialidade em que as partes estariam dispostas50. Diante de uma situao to
mpar, poderamos acreditar que as partes, apesar de serem racionais e
razoveis51, estariam aptas a escolherem princpios (presumindo que antes iriam
cotej-los) dentre uma lista complexa de concepes de justia, sem se
socorrerem da intuio ou a algum princpio nico como o da utilidade? Como
escapar deste problema?
O caminho apontado por Rawls o seguinte. Existem duas maneiras de
encarar o problema: ou as partes chegam a um acordo sobre a forma como os
princpios sero ponderados ou identifiquem princpios que possam ser
classificados numa ordenao lexical. A primeira exigiria que o acordo
estabelecido pelas partes na posio original deveria contemplar os princpios de
justia e tambm a forma como eles seriam ponderados, pois: A ponderao
uma parte essencial, e no das menores, da concepo de justia.52A segunda
maneira de encarar o problema, por sua vez, exige a adoo de uma ordenao
serial ou lexical, ou seja, os princpios devem ser classificados por ordem, tal
como as palavr