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TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL
BOLETIM Nº 53 JANEIRO DE 2013
A Ideologia Social
Do Carro a Motor
2012: o positivo e o negativo no
Ambiente nos Açores
Entre em ação
A MULHER E A NATUREZA
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 2
O que tem de pior nos carros é
serem como castelos ou mansões à
beira domar: bens luxuosos
inventados para o prazer exclusivo
de uma minoria muito rica, os
quais em conceção e natureza
nunca foram direcionados para o
povo. Ao contrário do aspirador de
pó, do rádio, ou da bicicleta, que
retêm seu valor de uso quando
todos possuem um, o carro, como
uma mansão à beira do mar, é
somente desejável e útil a partir do
momento que as massas não têm
um. Por isso, tanto em conceção
quanto na sua finalidade original o
carro é um bem de luxo. E a
essência do luxo é a de que ele não
pode ser democratizado. Se todos
puderem ter o luxo, ninguém
obtém as vantagens dele. Do
contrário, todos logram, enganam
e frustram os demais, e é logrado,
enganado e frustrado por sua vez.
Isto é de muitíssimo
conhecimento comum no caso das
mansões à beira mar. Nenhum
político ousou ainda reivindicar
que democratizar o direito às
férias significasse uma mansão
com praia particular para cada
família. Todos compreendem que
se cada uma entre 13 ou 14
milhões de famílias devessem usar
somente 10 metros da costa,
tomar-se-ia 140.000km de praia
para que todos tivessem sua parte!
Para dar a todos sua parte ter-se-ia
que cortar as praias em tiras
pequenas - ou espremer tão
fortemente as mansões - que seu
valor de uso seria nulo e sua
vantagem sobre um complexo
hoteleiro desapareceria. De fato, a
democratização do acesso às praias
aponta a somente uma solução: a
solução coletivista. E esta solução
está necessariamente em guerra
com o luxo da praia particular, que
é um privilégio que uma minoria
pequena toma como seu direito às
custas de todos.
Agora, por que aquilo que é
perfeitamente óbvio no caso das
praias não é geralmente visto da
mesma forma no caso do
transporte? Como a casa de praia,
um carro também não ocupa
espaço escasso? Não priva os
outros que usam as estradas
(pedestres, ciclistas, motoristas de
ônibus, etal.)? Não perde seu valor
de uso quando todos usam os seus
próprios? No entanto há uma
abundância de políticos que
insistem que cada família tem o
direito ao menos a um carro e que
é até encargo do "governo" tornar
possível que todos possam
estacionar convenientemente,
dirijam facilmente na cidade, e
possam viajar no feriado ao
mesmo tempo que todos outros,
indo a 70 mph nas estradas, às
estações de férias.
A monstruosidade deste absurdo
demagógico é imediatamente
aparente, no entanto, mesmo a
esquerda não desdém de recorrer a
A IDEOLOGIA SOCIAL DO CARRO A MOTOR
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 3
ela. Por que o carro é tratado como
uma vaca sagrada? Por que, ao
contrário de outros bens
"privados", ele não é reconhecido
como um luxo antissocial? A
resposta deve ser procurada nos
dois aspetos seguintes da atividade
de dirigir:
A massificação do automóvel
efetua um triunfo absoluto do
ideologia burguesa no nível da
vida diária. Dá e sustenta em todos
a ilusão de que cada indivíduo
pode procurar o seu próprio
benefício às custas de todos os
demais. Leva ao egoísmo cruel e
agressivo do motorista que em
todos os momentos está
figurativamente matando os
"outros", que aparecem meramente
como obstáculos físicos à sua
velocidade. Este egoísmo
competidor e agressivo marca a
chegada do comportamento
universal burguês, e tem existido
desde que dirigir tornou-se lugar-
comum. ("você nunca terá o
socialismo com aquele tipo de
pessoas", um amigo alemão
ocidental me disse, triste ao ver o
espetáculo do tráfego de Paris).
O automóvel é o exemplo
paradoxal de um objeto luxuoso
que tem sido desvalorizado por sua
própria propagação. Mas esta
desvalorização prática não foi
seguida ainda por uma
desvalorização ideológica. O mito
do prazer e benefício do carro
persiste, embora se o transporte de
massa fosse difundido, sua
dominação seria golpeada. A
persistência deste mito é explicada
facilmente. A propagação do carro
particular deslocou o transporte de
massa e alterou o planejamento da
cidade e da habitação de tal
maneira que transfere ao carro o
exercício de funções que sua
própria propagação tornou
necessárias. Uma revolução
ideológica ("cultural ") seria
necessária para quebrar este
círculo. Obviamente não se deve
esperar isto da classe dirigente
(direita ou esquerda).
Permita-nos olhar mais de perto
agora estes dois pontos.
Quando o carro foi inventado,
ele o foi para prover poucos dos
muito ricos com um privilégio
completamente sem precedentes:
viajar muito mais rapidamente do
que todos os demais. Ninguém até
então tinha sonhado com isso. A
velocidade de todas as carroças era
essencialmente a mesma, fosse
você rico ou pobre. As carruagens
dos ricos não eram mais velozes
do que as carroças dos
camponeses, e trens carregavam
todos na mesma velocidade (não
possuíam velocidades diferentes
até eles começarem a competir
com o automóvel e o avião).
Assim, até a virada do século, a
elite não viajava em uma
velocidade diferente do povo. O
carro a motor iria mudar tudo isto.
Pela primeira vez as diferenças de
classe foram estendidas à
velocidade e aos meios de
transporte.
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Este meio de transporte no início
parecia inacessível às massas – ele
era muito diferente dos meios de
transporte comuns. Não havia
nenhuma comparação entre o carro
a motor e os outros: o bonde, o
trem, a bicicleta, ou a carroça.
Seres excecionais saíam em
veículos com autopropulsão que
pesavam pelo menos uma tonelada
e cujos órgãos mecânicos
extremamente complicados eram
tão misteriosos quanto escondidos
das vistas. Um aspecto importante
do mito do automóvel é que pela
primeira vez as pessoas andavam
em veículos particulares cujos
mecanismos de funcionamento
eram completamente
desconhecidos deles, e cuja
manutenção e alimentação tiveram
que confiar a especialistas. Aqui
está o paradoxo do automóvel:
parece conferir aos seus
proprietários liberdade ilimitada,
permitindo que viajem quando e a
onde quiserem em uma velocidade
igual ou maior que a do trem. Mas
de fato, esta aparência de
independência tem por debaixo
uma dependência radical. Ao
contrário do cavaleiro, do
carroceiro, ou do ciclista, o
motorista iria depender para suprir
combustível, assim como para o
menor tipo de reparo, dos
negociantes e dos especialistas em
motores, lubrificação e ignição, e
da possibilidade de troca das
peças. Ao contrário de todos os
proprietários anteriores de meios
de locomoção, o relacionamento
do motorista com seu veículo viria
a ser aquele do usuário e
consumidor - e não do proprietário
e do mestre. Este veículo, em
outras palavras, obrigaria o
proprietário a consumir e usar uma
gama de serviços comerciais e
produtos industriais que somente
poderiam ser fornecidos por um
terceiro. A independência aparente
do proprietário do automóvel
apenas escondia a dependência
radical real.
Os magnatas do petróleo foram
os primeiros a perceber o ganho
que poderia ser extraído da
distribuição em escala do carro a
motor. Se as pessoas pudessem ser
induzidas a viajar em carros, eles
poderiam vender o combustível
necessário para movê-los. Pela
primeira vez na história, as
pessoas tornar-se-iam dependentes
de uma fonte comercial de energia
para sua locomoção. Haveriam
tantos clientes para a indústria de
petróleo quanto houvessem
motoristas - e uma vez que
haveriam tantos motoristas quanto
houvessem famílias, a população
inteira se transformaria em cliente
dos comerciantes de petróleo. O
sonho de todo capitalista estava a
ponto de se realizar. Todos iriam
depender para suas necessidades
diárias de um produto que uma
única indústria possuía em
monopólio.
Tudo que se deveria fazer era
deixar a população dirigir carros.
Pouca persuasão seria necessária.
Seria suficiente baixar o preço do
carro usando a produção em massa
e a linha de montagem. As pessoas
atropelariam umas as outras para
comprá-lo. Correriam sem
perceber que estavam sendo
conduzidas pelo nariz. O que, de
fato, a indústria do automóvel lhes
ofereceu? Apenas isto: "de agora
em diante, como a nobreza e a
burguesia, você também terá o
privilégio de dirigir tão rápido
quanto qualquer um. Em uma
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sociedade de carro a motor o
privilégio da elite é tornado
disponível a você".
As pessoas se apressaram para
comprar carros até que, quando a
classe trabalhadora começou a os
comprar também, os motoristas
perceberam que haviam sido
enganados. Tinha sido prometido a
eles um privilégio de burgueses,
tinham entrado em débito para
adquiri-lo, e agora viam que
qualquer um poderia também obter
um. Qual é o gosto de um
privilégio se todos puderem o ter?
É um jogo de tolo. Pior, ele coloca
todos em posição antagônica
contra todos. A paralisação geral é
criada por um engarrafamento
geral. Quando todos reivindicam o
direito de dirigir na velocidade
privilegiada da burguesia, tudo
pára, e a velocidade do tráfego da
cidade cai vertiginosamente - em
Boston como em Paris, Roma, ou
Londres - abaixo daquele da
carroça; no horário do rush a
velocidade média nas estradas
abertas cai abaixo da velocidade
de uma bicicleta.
Nada ajuda. Todas as soluções
foram tentadas. Todas elas
terminam piorando as coisas. Não
importa se elas aumentam o
número de vias expressas, túneis,
elevados, estradas de 16 pistas e
estradas com pedágio na cidade, o
resultado é sempre o mesmo.
Quanto mais estradas a serviço,
mais os carros as obstruem, e o
tráfego da cidade torna-se mais
paralisantemente congestionado.
Enquanto houverem cidades, o
problema permanecerá sem
solução. Não importa quão larga e
rápida uma superhighway seja, a
velocidade na qual os veículos
podem sair dela para entrar na
cidade não pode ser maior do que
a velocidade média nas ruas da
cidade. Enquanto a velocidade
média em Paris é 10 a 20 kmh,
dependendo da hora, ninguém
poderá sair delas em torno e na
capital a mais do que 10 a 20
km/h.
O mesmo é verdadeiro para todas
as cidades. É impossível dirigir a
mais do que uma média de 20kmh
na embaraçada rede de ruas, de
avenidas, e de bulevares que
caracterizam as cidades
tradicionais. A introdução de
veículos mais rápidos
inevitavelmente atrapalha o
tráfego da cidade, causando
gargalos - e por fim uma
paralisação completa.
Se o carro deve prevalecer, há
ainda uma solução: livre-se das
cidades. Isto é, enfileire-os por
centenas de milhas ao longo de
enormes estradas, fazendo delas
subúrbios de estradas. Isto é o que
está sendo feito nos Estados
Unidos. Ivan Illich mostra a
consequência deste modo: "O
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americano típico devota mais de
1500 horas no ano (que são 30
horas por semana, ou 4 horas por
dia, incluindo domingos) a seu
carro. Isto inclui o tempo gasto
atrás do volante, andando e
parado, as horas de trabalho para
pagar por ele e para pagar pelo
combustível, pneus, pedágios,
seguro, bilhetes e taxas. Deste
modo ele toma deste americano
1500 horas para andar 6000 milhas
(no curso de um ano). Três milhas
e meia custam-lhe uma hora. Nos
países que não têm uma indústria
do transporte, as pessoas viajam
exatamente nesta velocidade a pé,
com a vantagem que podem ir
onde quiserem e de não estarem
restritas às estradas de asfalto".
É verdade, Illich aponta, que em
países não-industrializados a
viagem usa somente 3 a 8% do
tempo livre da pessoa (que é
aproximadamente duas a seis horas
na semana). Assim uma pessoa a
pé anda tantas milhas em uma hora
gasta em viagem quanto uma
pessoa em um carro, mas devota 5
a 10 vezes menos tempo na
viagem. Moral: Quanto mais
difundidos veículos rápidos estão
dentro de uma sociedade, mais
tempo - a partir de um
determinado ponto – as pessoas
gastarão e perderão viajando. Isto
é um fato matemático.
A razão? Nós acabamos de vê-la:
As cidades foram divididas em
infinitos subúrbios de estrada,
porque esta era a única maneira de
evitar o congestionamento em
centros residenciais. Mas o lado
oculto desta solução é óbvio:
finalmente as pessoas não podem
se deslocar convenientemente
porque estão distantes de tudo.
Para construir espaço para os
carros, as distâncias foram
aumentadas. As pessoas vivem
longe de seu trabalho, longe da
escola, longe do supermercado -
que requer então um segundo carro
para que as compras possam ser
feitas e para as crianças irem à
escola. Passeios? Fora da questão.
Amigos? Há os vizinhos... e só. Na
análise final, o carro desperdiça
mais tempo do que economiza e
cria mais distâncias do que supera.
Naturalmente, você pode ir ao
trabalho a 60 mph, mas isto porque
você vive a 30 milhas de seu
trabalho e está disposto a dar meia
hora às últimas 6 milhas. Somando
tudo: "uma boa parte do trabalho
diário é gasto para pagar pela
viagem necessária para ir ao
trabalho". (Ivan Illich).
Talvez você esteja dizendo, "mas
ao menos desta maneira você pode
escapar do inferno da cidade após
o fim do dia de trabalho". Lá nós
estamos, agora nós sabemos: "a
cidade", a grande cidade que por
gerações foi considerada uma
maravilha, o único lugar que vale
a pena viver, é considerada agora
um "inferno". Todos querem
escapar dela para viver no campo.
Por que esta reversão? Por uma
única razão. O carro fez a cidade
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grande inabitável. A fez fedorenta,
barulhenta, sufocante, empoeirada,
congestionada, tão congestionada
que ninguém quer sair mais de
tardinha. Assim, uma vez que os
carros mataram a cidade, nós
necessitamos carros mais rápidos
para fugir em superestradas para
os subúrbios que estão ainda mais
distantes. Que argumento circular
impecável: dê-nos mais carros de
modo que nós possamos escapar da
destruição causada pelos carros.
De um artigo luxuoso e uma
marca de privilégio, o carro
transformou-se assim numa
necessidade vital. Você tem que
ter um para escapar do inferno
urbano dos carros. A indústria
capitalista ganhou assim o jogo: o
supérfluo tornou-se necessário.
Não há mais a necessidade de
persuadir as pessoas de quererem
um carro; sua necessidade é um
fato da vida. É verdadeiro que
alguém possa ter suas dúvidas ao
prestar atenção à fuga motorizada
ao longo das estradas do êxodo.
Entre 8 e 9:30 da manhã., entre
5:30 e 7 da tarde, e em fins de
semana por cinco ou seis horas as
rotas de fuga se prolongam nas
procissões de para-choque-à-para-
choque que vão (no máximo) à
velocidade de um ciclista e em
uma nuvem densa de emanações da
gasolina. O que sobra das
vantagens do carro? O que é
deixado quando, inevitavelmente,
a velocidade superior nas estradas
é limitada exatamente pela
velocidade do carro mais lento?
Nítido suficiente. Após ter
matado a cidade, o carro está
matando o carro. Prometendo a
todos poderem andar mais
rapidamente, a indústria do
automóvel termina com o resultado
previsível de que todos tem que
andar tão lentamente quanto o
mais lento, em uma velocidade
determinada pelas leis simples da
dinâmica dos fluidos. Pior: sendo
inventado para permitir que seu
proprietário vá a onde deseja, na
velocidade e tempo que deseja, o
carro transforma-se, de todos os
veículos, no mais servil, perigoso,
não dependente e incômodo.
Mesmo se você deixa uma
extravagante quantidade de tempo,
você nunca sabe quando os
gargalos o deixarão chegar lá.
Você está limitado à estrada tão
inexoravelmente quanto o trem a
seus trilhos. Não mais do que o
viajante de trem, pode você parar
em um impulso, e como o trem
você deve ir em uma velocidade
decidida por outra pessoa.
Concluindo, o carro não tem
nenhuma das vantagens do trem e
possui todas as suas desvantagens,
mais algumas próprias: vibração,
espaço apertado, o perigo dos
acidentes, o esforço necessário
para dirigi-lo.
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No entanto, você pode dizer, as
pessoas não tomam trem. Claro!
Como poderiam? Você já tentou
alguma vez ir de Boston a New
York de trem? Ou de Ivry a
Treport? Ou de Garches a
Fountainebleau? Ou de Colombes
a l'Isle-Adam? Você tentou em um
sábado ou domingo de verão?
Bem, então tente e boa sorte! Você
observará que o capitalismo do
automóvel pensou em tudo. Tão
logo o carro matou o carro, ele fez
com que as alternativas
desaparecessem, tornando
compulsório, deste modo, o carro.
Assim, primeiramente o estado
capitalista permitiu que as
conexões de trilho entre as cidades
e o campo circunvizinho se
deteriorassem, e então acabou com
elas. As únicas que foram
poupadas foram as conexões inter-
municipais de alta velocidade que
competem com as linhas aéreas
para uma clientela de burgueses.
Há um progresso para você!
A verdade é que ninguém tem
realmente qualquer escolha. Você
não é livre para ter um carro ou
não porque o mundo dos bairros é
projetado em função do carro - e,
cada vez mais, é assim o mundo da
cidade. É por isso que a solução
revolucionária ideal, que é afastar
o carro em proveito da bicicleta,
do ônibus, e do bonde, não é
sequer mais aplicável nas cidades
grandes como Los Angeles,
Detroit, Houston, Trappes, ou
Bruxelas, que são construídas por
e para o automóvel. Estas cidades
estilhaçadas são formadas por
alinhadas ruas vazias possuindo
desenvolvimentos idênticos; e sua
paisagem urbana (um deserto) diz,
"estas ruas são feitas para se
dirigir tão rapidamente quanto
possível do trabalho para casa e
vice-versa. Você anda através
daqui, você não vive aqui. No fim
do dia de trabalho todos devem
permanecer em casa, e qualquer
um encontrado na rua depois do
anoitecer deve ser considerado
suspeito de ‘fazer o mal’". Em
algumas cidades americanas o ato
de dar uma volta nas ruas à noite é
vista como suspeita de crime.
Então estamos fritos? Não, mas a
alternativa ao carro terá que ser
abrangente. Para que as pessoas
possam abandonar seus carros, não
será suficiente lhes oferecer um
transporte de massa mais
confortável. Terão que poder
dispensar o transporte por se
sentirem em casa nos seus bairros,
nas suas comunidades, nas suas
cidades de tamanho humano, e por
sentirem prazer em andar do
trabalho para casa a pé, ou se
preciso for, de bicicleta. Nenhum
meio de transporte e fuga veloz
jamais compensará a vexação de
viver em uma cidade inabitável na
qual ninguém se sente em casa, ou
a irritação de somente ir à cidade
para trabalhar ou, por outro lado,
de estar sozinho e dormir.
"As pessoas", escreve Illich,
"quebrarão as correntes do
domínio do transporte quando
voltarem a amar, como se fosse
seu próprio território, seu próprio
ritmo particular, e temer ficar
demasiado distante dele". Mas a
fim de amar "o seu território" ele
deve antes de mais nada ser
habitável, e não congestionável. O
bairro ou a comunidade devem
novamente transformar-se em um
microcosmo esculpido por e para
todas as atividades humanas, onde
as pessoas possam trabalhar, viver,
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relaxar, aprender, se comunicar, e
discutir sobre ela, e no qual elas
controlem conjuntamente como o
lugar de sua vida em comum.
Quando alguém lhe perguntou
como as pessoas gastariam seu
tempo após a revolução, quando o
desperdício capitalista tivesse sido
eliminado, Marcuse respondeu,
"nós traremos à baixo as grandes
cidades e construiremos novas.
Isso manter-nos-á ocupados por
enquanto".
Estas novas cidades poderiam ser
federações de comunidades (ou de
bairros) cercadas por cinturões
verdes nos quais cidadãos - e em
especial crianças em idade escolar
- passariam diversas horas da
semana cultivando os alimentos
frescos de que necessitam. Para se
locomoverem todos os dias
poderiam usar todos os tipos do
transporte adaptados a uma cidade
de tamanho médio: bicicletas,
bondes ou bondes elétricos
municipais, táxis elétricos sem
motoristas. Para longas viagens no
país, assim como para convidados,
uma quantidade de automóveis
comunais estaria disponível em
garagens do bairro. O carro não
seria mais uma necessidade. Tudo
teria mudado: o mundo, a vida, as
pessoas. E isto não virá por si só.
Entretanto, o que deve ser feito
para se chegar lá? Sobretudo,
nunca faça do transporte um
assunto em si mesmo. Conecte-o
sempre ao problema da cidade, da
divisão social do trabalho, e à
maneira que isto
compartimentaliza as muitas
dimensões da vida. Um lugar para
o trabalho, outro para "viver", um
terceiro para as compras, um
quarto para aprender, um quinto
para entretenimento. A maneira
que nosso espaço é arranjado dá
continuidade à desintegração das
pessoas que começa com a divisão
de trabalho na fábrica. Corta uma
pessoa em fatias, corta nosso
tempo, nossa vida, em fatias
separadas de modo que em cada
uma você seja um consumidor
passivo a mercê dos comerciantes,
de modo que nunca lhe ocorra que
o trabalho, a cultura, a
comunicação, o prazer, a
satisfação das necessidades, e a
vida pessoal podem e deveriam ser
uma e mesma coisa: uma vida
unificada, sustentada pelo tecido
social da comunidade.
Texto de André Gorz
Le Sauvage, Setembro-Outubro
de 1973
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Imbuídas do sentimento de
estarem ligadas aos ritmos da
natureza, as mulheres
compreendiam a interconexão
entre esta e os seres humanos. A
prevenção contra a destruição
ambiental tinha seu ponto forte
nesse vínculo. Assim, essa
identificação tornou-se um projeto
positivo, que as alçou ao nível de
guardiãs da ecologia
por Janet Biehl
Seriam as mulheres mais ecológicas
do que os homens? Teriam elas uma
relação particular com a natureza, ou
um ponto de vista privilegiado em
relação aos problemas da ecologia?
Ao longo das últimas décadas,
mulheres que se dizem feministas
responderam a essas perguntas de
modo afirmativo.
De fato, essa posição é praticamente
tão antiga quanto o aparecimento do
movimento ecologista moderno. Em
1968, em seu livro The Population
Bomb1
(“A bomba populacional”), o
biólogo e educador norte-americano
Paul R. Ehrlich afirmou que a
superpopulação estava levando o
planeta à ruína. Ele acrescentou que a
melhor coisa que poderia ser feita em
benefício da Terra era a recusa em
reproduzir-se. Anos mais tarde, uma
feminista radical francesa, Françoise
d’Eaubonne, constatou que metade
da população não tinha o poder de
optar por isso: as mulheres não
controlavam sua fertilidade. O
“sistema macho” patriarcal,
conforme ela o chamava,
as queria descalças, grávidas e
reprodutoras.
Contudo, d’Eaubonne também
acrescentava que as mulheres podiam
e deviam responder, exigindo a
liberdade de reprodução: o acesso
fácil ao aborto e à contracepção.
Com isso, elas teriam condições de
emancipar-se e, ao mesmo tempo,
salvar o planeta da superpopulação.
“A primeira consequência da relação
entre a ecologia e a liberação das
mulheres”, escreveu a autora, “é a de
que as mulheres devem reapoderar-se
do crescimento demográfico e, assim
fazendo, reapoderar-se do seu
corpo”. Em seu livro publicado em
1974, Le féminisme ou la mort (“O
feminismo ou a morte”), ela deu a
essa ideia o nome de
“ecofeminismo”.
Os defensores estadunidenses do
meio ambiente retomaram seu
pensamento, embora eles também lhe
atribuíssem um sentido diferente.
Recordaram-se de que a autora de
Silent Spring (“Verão silencioso”), o
livro que inspirara a luta em defesa
da ecologia em 1963, era uma
mulher: Rachel Carson.2 Eles
constataram que as mulheres haviam
A MULHER E A NATUREZA: UMA MÍSTICA RECORRENTE
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tomado a frente das manifestações
contra as centrais nucleares e
daquelas contra o lixo tóxico – como
fizera Lois Gibbs em Love Canal, no
estado de Nova York. Uma mulher,
Donella Meadows, figurava entre os
autores do influente relatório The
Limits to Growth3
(“Os limites do
crescimento”), publicado em 1972.
Petra Kelly era uma figura
emblemática dos movimentos
ecologistas na Alemanha. No Reino
Unido, um grupo denominado
Women for Life on Earth (“As
mulheres em prol da vida na Terra”)
organizou um “acampamento da paz”
na base aérea de Greenham Common
para protestar contra a disseminação
de mísseis de cruzeiro pela
Organização do Tratado do Atlântico
Norte (Otan).
Muitas participantes se
proclamavam ecofeministas; mas a
sua militância não se inscrevia numa
luta pela liberdade de reprodução. As
pessoas começaram a enxergar uma
relação específica, sui generis, entre
as mulheres e a natureza. Esta se
manifestava na própria língua: as
palavras “natureza” e “Terra” são do
gênero feminino, as florestas são
“virgens”, a natureza, que é a nossa
“mãe”, é “mais sábia”. As mulheres
podem ser “selvagens” encantadoras.
Um insulto transformado em elogio
Fazendo contraste com essas
afinidades, as forças que tentavam
“domar a natureza” e “violentar a
Terra” eram as da ciência, da
tecnologia e da razão, todas as quais
eram frutos de projetos masculinos.
Há milênios, Aristóteles definiu a
racionalidade como masculina; ele
pensava que as mulheres eram menos
aptas a raciocinar e, por conta disso,
menos humanas. Ao longo dos dois
milênios que se seguiram, a cultura
europeia havia considerado as
mulheres como intelectualmente
deficientes, e havia tentado dominar
a Terra, no que ela seguiu os
preceitos da Gênese. Então, as Luzes
– outro projeto aparentemente
masculino – haviam encontrado
novas maneiras de destruir a natureza
por meio da ciência, da tecnologia e
das usinas. Os autores dessa
destruição do meio ambiente foram
homens que reduziram a natureza a
um conjunto de recursos que eles
podiam explorar e transformar em
mercadorias. Ao buscar dominar a
natureza e glorificando a razão ao
mesmo tempo, o projeto das Luzes
destruiu o planeta, segundo afirma a
filosofia da Nova Era e do
ecofeminismo. Essa era a tese de
autores como Frijtof Capra e
Charlene Spretnak.4
Mas, conforme garantiram as
feministas durante os anos 1970, as
mulheres tinham as mãos limpas.
Além disso, o mundo precisava de
menos racionalidade destruidora da
natureza; portanto, se as mulheres
eram mais intuitivas e mais
emocionais do que os homens, elas
eram o antídoto. Imbuídas do
sentimento de estarem ligadas aos
ritmos da natureza, elas
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 12
compreendiam intuitivamente a
interconexão entre esta última e os
seres humanos. A prevenção contra a
destruição do meio ambiente tinha o
seu ponto forte precisamente nesse
vínculo específico. Assim, identificar
as mulheres com a natureza tornou-se
um projeto positivo, que as alçou ao
nível de guardiãs da mensagem
ecologista. A sua abordagem acabou
sendo legitimada pelos estudos da
psicóloga Carol Gilligan, que sugeriu
que o desenvolvimento moral
específico das mulheres fazia com
que elas fossem portadoras de uma
“ética do cuidar dos
outros”,5 ou care.
6 Algumas delas,
como Mary Daly, chegaram até
mesmo a sugerir que a natureza era
uma deusa, imanente em todas as
criaturas vivas, e que as mulheres
participavam da sua essência.7
Por sua vez, as feministas, ao menos
as que lutam para garantir uma
melhora no plano dos seus direitos,
ficaram horrorizadas com essa
concepção. Elas rebateram que o
ecofeminismo veiculava estereótipos
patriarcais: para elas, ele se
apoderara de um insulto muito
antigo, que ela passara a apresentar
como uma virtude. No século 19,
esses estereótipos haviam servido
para justificar a ideologia das
“esferas separadas”, que haviam
limitado ao universo doméstico as
opções de vida das mulheres, ainda
que pintassem de ouro as grades da
sua prisão lançando mão de
homenagens esfuziantes à sua
superioridade moral. O
ecofeminismo não passava de uma
recriação desses estereótipos
opressivos. Por mais renovados e
“esverdeados” que fossem, não havia
espaço para estes últimos na luta
feminista; eles nada faziam senão
abrir a porta para uma nova iteração
da “mística feminina”. Além disso,
na realidade, nos anos 1970, muitos
defensores do meio ambiente eram
homens.
Nesse meio-tempo, as ecofeministas
ocidentais passaram a se interessar
pelo Terceiro Mundo, onde projetos
de desenvolvimento financiados pelo
Banco Mundial estavam em vias de
realização. Engenheiros construíam
barragens em rios para produzir
energia hidráulica e, assim fazendo,
devastavam inúmeras comunidades.
O agronegócio transformava em
monoculturas terras que havia muito
vinham sendo cultivadas de maneira
sustentável, produzindo colheitas
exclusivamente destinadas a serem
exportadas no mercado mundial;
derrubava florestas que, por muito
tempo, forneceram aos moradores de
pequenas cidades frutas, combustível
e material próprio para o artesanato,
e que haviam protegido as águas
subterrâneas e os animais. Esse “mau
desenvolvimento”, conforme era
chamado pelos seus opositores – um
capitalismo internacional explorador,
descontrolado –, estava destruindo
não apenas as florestas, os rios e as
terras, como também comunidades e
modos de vida ecologicamente
sustentáveis.
Povos autóctones lutaram contra
essas devastações. No norte da Índia,
mais particularmente, quando uma
companhia planejou dedicar-se à
exploração florestal, as mulheres da
aldeia se opuseram ao projeto,
agarrando-se fisicamente às árvores
para impedir que fossem derrubadas.
Durante a década seguinte, o seu
movimento, que foi batizado de
Chipko, alastrou-se por todo o
subcontinente.
O movimento Chipko estimulou a
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 13
imaginação das ecofeministas
ocidentais, enquanto a realidade dos
fatos sociais contribuiu para reforçar
a mística, associando a mulher com a
Terra. Nas regiões rurais da África,
da Ásia e da América Latina,
Vandana Shiva e muitas outras
explicaram que as mulheres são as
jardineiras e as cultivadoras das
hortas; elas possuem um saber e uma
perícia ímpares em relação aos
processos da natureza.
A fascinação do ecofeminismo pelo
movimento Chipko aproximava-se de
uma idealização da agricultura de
subsistência. Como ficavam então as
mulheres que aspiravam à educação,
a uma vida profissional e a uma
plena cidadania política? As
ecofeministas pareciam achar
preferível que elas mantivessem seus
papéis antigos, ficando descalças e
jardinando. Sem esquecer o fato de
que também havia homens
envolvidos no movimento Chipko…
Contudo, esse interesse teve o mérito
de evidenciar de quais maneiras
particulares a destruição do meio
ambiente deixa as mulheres abaladas.
Quando terras agrícolas produtivas
são convertidas à monocultura,
muitas delas, que praticam
maciçamente a agricultura de
subsistência, são transferidas para
morros onde as terras são menos
férteis, o que provoca o
desmatamento e a erosão dos solos e
as condena à pobreza.8
O aquecimento climático também
atinge as mulheres em primeiro
lugar: a inferioridade da sua condição
e dos seus diferentes papéis sociais
aumenta sua vulnerabilidade aos
desastres – tempestades, incêndios,
enchentes, secas, ondas de calor,
doenças e penúrias alimentares. Todo
ano, segundo um relatório da
Women’s Environmental Network
(WEN – Rede Ambiental das
Mulheres), uma organização baseada
no Reino Unido, mais de 10 mil
mulheres morrem em desastres
relacionados à mudança do clima,
contra 4.500 homens. As mulheres
representam 80% dos refugiados de
catástrofes naturais; dos 26 milhões
de pessoas que perderam sua
habitação e seus meios de
sobrevivência em razão da mudança
climática, 20 milhões são mulheres.9
Nos Estados Unidos, a interpretação
romântica da relação entre a mulher e
a natureza conheceu recentemente
outro renascimento após o
desmoronamento financeiro
provocado pela ganância de Wall
Street: “As mulheres estão voltadas
para relações e estratégias de longo
prazo que dão prioridade para as
gerações futuras”, escreve Shannon
Hayes em seu livro dedicado
às radical homemakers (“donas de
casa radicais”).10
Essas novas
encarnações da Mãe Terra renunciam
às vantagens econômicas que
poderiam lhes proporcionar um alto
nível de educação e uma carreira
profissional: elas optam por ficar em
casa para cuidar da sua família e dar
aos seus filhos uma alimentação
saudável, a partir de alimentos
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 14
saborosos que elas mesmas cultivam
no seu jardim. Elas também cultivam
suas relações com os outros,
privilegiam a simplicidade e a
autenticidade. Independente e
autônomo, o seu lar passa a ser uma
rede de segurança contra um eventual
desastre econômico. Além disso, o
seu consumo de carbono é muito
reduzido. Dessa forma, elas
conseguem ter um desenvolvimento
virtuoso no plano pessoal e conferir
um sentido para a sua vida – ao
menos à primeira vista.
Voltar às “esferas separadas”?
A defesa do meio ambiente já existe
há tempo suficiente para que os
pesquisadores em ciências sociais
tenham conseguido elaborar estudos
a respeito da atitude respectiva dos
homens e das mulheres em relação à
ecologia e constatar eventuais
diferenças. Desde os anos 1980, uma
maioria dentre eles chegou à
conclusão de que, nos países
industrializados, as mulheres se
mostram efetivamente mais
preocupadas do que os homens com a
destruição do meio ambiente.
Segundo certos estudos, elas têm de
fato uma pegada ecológica mais
reduzida. Um relatório sueco indica
que os homens participam no
aquecimento global de maneira
desproporcional se comparados com
as mulheres, pois eles circulam em
distâncias mais longas: três quartos
do trânsito automobilístico na Suécia
são atribuídos a homens.11
Como fica então a ação política
motivada pelas questões ambientais?
No nível nacional, segundo o
Institute for War & Peace Reporting
(IWPR),12
a participação e o papel
dirigente das mulheres nessa ação
específica são mais reduzidos que os
dos homens: as diretorias das grandes
organizações ecologistas nacionais
são essencialmente masculinas. Mas,
no nível local, nos grupos
constituídos para combater uma
ameaça particular contra o meio
ambiente, a saúde ou a segurança da
comunidade, a participação das
mulheres, tanto atuando como
membros quanto como líderes, é
mais importante que a dos homens.
Cerca da metade de todos os grupos
de cidadãos que se constituíram para
lutar contra desastres ecológicos, tais
como os que envolvem emissões
perigosas provenientes de usinas ou
de incidentes nucleares, é dirigida
por mulheres ou por uma maioria
delas.
Mas será o caso de considerar todos
esses fatos como sendo provas de
uma diferença essencial,
ressuscitando os estereótipos
patriarcais? Será o caso de aceitar
que os homens predominem nos
comandos dos movimentos
ecologistas nacionais, ou que as
mulheres assumam sozinhas as
tarefas que implicam em cuidar dos
outros? E o que devemos pensar
dessa falta de reconhecimento que
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 15
mulheres infligem a si próprias em
nome do feminismo?
Pois existe o risco de retornarmos às
“esferas separadas”. Mesmo para as
“donas de casa radicais”, a esfera
doméstica acaba perdendo parte da
sua alegria, conforme sublinha a
ensaísta feminista Peggy Orenstein,
se os seus companheiros não
estiverem envolvidos nela e não
dividirem suas tarefas em partes
iguais. “Se [as mulheres] não
estiverem vivenciando isso como
uma relação verdadeiramente
igualitária”, alerta, elas podem acabar
sofrendo de “uma perda do respeito
de si mesmas, uma perda de
vitalidade e uma incapacidade de se
reinserir no mundo e de nele
encontrar suas
referências”.13
Quando os homens
ganham quase todo o dinheiro do
casal e as mulheres cuidam do lar,
praticamente sozinhas, isso provoca
um desequilíbrio do poder no âmbito
das famílias que é nocivo para as
mulheres e as crianças. É possível
diminuir esse desequilíbrio para uma
mudança tanto social quanto
ecológica?
Janet Biehl
Militante no campo da
ecologia social, radicada em
Burlington (Vermont, EUA). Autora
de Rethinking Ecofeminism Politics,
South End Press,
Cambridge (Estados Unidos), 1991.
1 Publicado na França sob o título
Paul Ehrlich, La Bombe P: Sept
milliards d’hommes en l’an
2000, Fayard, Paris, 1972. Nos
Estados Unidos: The Population
Bomb, Ballantine Books, 1968.
2 Rachel Carson, Silent Spring,
Houghton Mifflin, Boston, 1962.
3 Donella H. Meadows, Dennis L.
Meadows, Jørgen Randers e William
W. Behrens III, The Limits
to Growth, Universe Books, Nova
York, 1972. Publicado na França sob
o título Halte à la croissance?
4 Fritjof Capra, The Turning Point,
Simon & Schuster, Nova York,
1982; Green Politics: The
Global Promise (com Charlene
Spretnak), Dutton, Nova York, 1984.
5 Carol Gilligan, In a Different
Voice, Harvard University Press,
1982.
6 Ler Evelyne Pieiller, “Rumo a uma
sociedade do cuidado”, Le Monde
Diplomatique Brasil, setembro de
2010.
7 Mary Daly, Gyn/Ecology: The
Metaethics of Radical Feminism,
Beacon Press, Boston, 1978.
8 Jodi Jacobson, “Women’s
Work”, Third World,
n° 94/95, McGraw-Hill, Nova
York, janeiro de 1994.
9 “Gender and the Climate Change
Agenda”, www.wen.org.uk, 2010.
10 Shannon Hayes, Radical
Homemakers:
Reclaiming Domesticity from a
Consumer Culture, Left to
Write Press, Richmondville (Estados
Unidos), 2010.
11 “Are men to blame for global
warming?”, New Scientist, Londres,
10 de novembro de 2007.
12 Vide o site http://iwpr.net.13
Peggy Orenstein, “The Femivore’s
Dilemma”, The
New York Times, 11 de março de
2010.
Fonte:
http://silenciodospoetas.wordpress.com/
tag/janet-biehl/
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 16
Como é habitual, sempre que se inicia
ou termina um ano a comunicação
social costuma fazer um balanço ao ano
que está a terminar ou que já terminou e
como é da praxe enumeram-se aspetos
positivos e aspetos negativos.
Para quem, como eu, entende que
ambiente é um conceito que é muito
mais amplo do que natureza e que as
questões ambientais são questões
sociais e que portanto os problemas
ambientais só terão solução se houver
profundas mudanças sociais, tanto a
nível da produção como do consumo e
no modo de organização das sociedades,
fazer o exercício que me foi solicitado –
indicar três pontos positivos e três
pontos negativos relacionados com o
ambiente não é tarefa fácil e as escolhas
são carregadas de muita subjetividade.
Apesar do exposto, foi com agrado que
aceitei o desafio, esperando não
desiludir por não satisfazer na íntegra o
pedido.
Vou começar por apresentar a grande
preocupação ou aspeto negativo que
está relacionada com a orgânica do
governo regional recentemente
empossado. A junção de várias áreas,
como a agricultura, a pecuária, a
conservação da natureza, as florestas, o
mar, etc. sob o chapéu dos recursos
naturais não é mera distração. Trata-se,
sim, da opção de desvalorizar um dos
pilares do mais que duvidoso conceito
de desenvolvimento sustentável. Com
efeito, sabendo-se que como reflexo das
más políticas seguidas a nível nacional e
regional, resultantes da adesão
fervorosa ou titubeante ao
neoliberalismo económico, o pilar
“social” tem vindo a ser corroído e o
pilar “ambiente” tem vindo a ser
menosprezado, restando apenas o
incentivo ao pilar “economia”, este ao
serviço dos grandes grupos económicos.
2012: O POSITIVO E O NEGATIVO NO AMBIENTE
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 17
Embora o dinamismo das secretarias
dependa da política global adotada
pelos governos, é inegável que aquele
está fortemente associado às
capacidades e motivações dos
respetivos titulares. Apesar disso, o
ambiente pelo menos institucionalmente
teve mais peso na orgânica dos
governos dos Açores, entre 15 de
Novembro de 2000 e 16 de Novembro
de 2004, durante a vigência do VIII
Governo Regional dos Açores. Depois
desta data, o seu peso foi declinando e
com o atual governo assistiu-se ao
culminar do retrocesso que foi iniciado
em governos anteriores que exageraram
na construção de infraestruturas
“sobredimensionadas” ou em projetos
de utilidade duvidosa, como os
“arranjos” nas margens da Lagoa das
Furnas ou o que está a ser feito nas Sete
Cidades, embora não saiba se é ou não
para avançar a “famosa” praia fluvial.
A recente reconfirmação por parte do
Secretário Recursos Naturais de que a
famigerada valorização energética de
resíduos é um projeto para avançar por
parte da AMISM é um dos maiores
atentados ambientais e à economia dos
Açores. Com efeito, como já por
diversas vezes afirmamos, trata-se de
um modelo de eliminação de resíduos
que não serve à região, porque apesar da
evolução as incineradoras são um
método
obsoleto e insustentável de tratar os
resíduos.
Num artigo publicado recentemente no
Diário de Notícias, sobre o caso da
Madeira, cujo incinerador já foi referido
como exemplo pelo Dr. Ricardo Silva, o
Doutor Hélder Spínola, depois de
mencionar os prejuízos económicos
para aquela região por ter optado por
aquele modelo de “tratamento de
resíduos”, referiu-se que aquele “nunca
conseguirá competir com este potencial
de obtenção de dividendos financeiros e
criação de empregos que a reciclagem e
a produção de biogás permitem”.
Enfim, nesta terra continuamos com a
mania das grandezas e não se aprende
com os erros dos outros. Até quando?
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 18
Por economia de espaço passo de
imediato a referir ao que de positivo
aconteceu ao longo de 2012.
Um dos maiores problemas com que se
debate a sociedade açoriana, e não só, é
a apatia ou mesmo o medo que leva a
que a maioria das pessoas não participe
mesmo em questões que lhe dizem
diretamente respeito, como a defesa de
regalias sociais que foram conquistadas
com muito sacrifício, pelo que é
extremamente positiva a adesão de
voluntários, ano após ano, à campanha
SOS-Cagarro.
A contrastar com a, pelo menos
aparente, inatividade das associações
ambientalistas, verifica-se que um
crescente setor da sociedade está a
despertar para a causa do bem-estar
animal/direitos dos animais,
nomeadamente dos animais de
companhia. É extremamente positivo o
trabalho das associações animalistas e a
adesão às mesmas ou às suas
campanhas por parte da juventude.
Outra medida que só a sua aplicação
dirá se será positiva ou negativa foi a
aprovação de legislação que proíbe as
culturas comerciais de transgénicos, nos
Açores. A grande objeção que levanto é
acerca da porta aberta que a lei deixa
para eventuais ensaios e testes de
campo.
Espero que, em 2013, os cultivadores de
milho transgénico não adquiram o
estatuto de investigadores científicos e
que não troquem a agropecuária pela
“ciência” de aproveitar as falhas ou
omissões não pensadas ou
propositadamente deixadas nas leis para
que estas possam ser contornadas.
Teófilo Braga
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 19
Caros/as amigos/as,
Pedimos a vossa ajuda no envio desta
carta que pede a retirada de videos de
touradas dos postos de turismo das
ilhas dos Açores.
Agradecemos desde já!
Para: acoresturismo@mail.telepac.pt,
info.turismo@azores.gov.pt
cc: presidencia@azores.gov.pt, srtt-
Info@azores.gov.pt,
pt.de.smg@azores.gov.pt,
pt.f.smg@azores.gov.pt,
pt.ae.smg@azores.gov.pt,
pt.de.ter@azores.gov.pt,
pt.ae.ter@azores.gov.pt,
pt.fai@azores.gov.pt,
pt.pic@azores.gov.pt,
pt.sjo@azores.gov.pt,
pt.gra@azores.gov.pt,
pt.sma@azores.gov.pt,
pt.flo@azores.gov.pt,
dt.lis@azores.gov.pt,
pt.por@azores.gov.pt,
associacaoportasdomar@gmail.com,
turismoacores@visitazores.com,
info@artazores.com
Bcc: mcatacores@gmail.com
Exmo Senhor Diretor Regional do
Turismo
c/c Secretário Regional do Turismo e
Transportes, ao Presidente do Governo
Regional dos Açores e aos responsáveis
pelas Delegações e Postos de Turismo
dos Açores
Temos conhecimento de que em vários
estabelecimentos comerciais, sobretudo
os especializados em produtos para
turistas, são emitidos regularmente
vídeos sobre touradas à corda.
Destes estabelecimentos é bom exemplo a
Loja Açores situada nas Portas do Mar,
em Ponta Delgada, onde é possível
encontrar três grandes ecrãs a passar,
simultaneamente, vídeos de “Marradas”,
que conhecemos bem através da
publicidade aos mesmos que é feita no
Youtube
(http://www.youtube.com/watch?v=8727Jo
OJXrg).
ENTRA EM AÇÃO
Terra Livre nº 53 ◊ Janeiro de 2013 Página 20
Os mencionados vídeos, para além de
transmitem imagens de violência contra
os animais, mostram a brutalidade duma
tradição que provoca sofrimento às
pessoas que, participando são
voluntariamente ou não, alvo de
ferimentos, nalguns casos de elevada
gravidade, ou que acabam por morrer,
como já aconteceu este ano na Terceira e
no Pico.
Como pessoa consciente e compassiva,
venho manifestar a minha preocupação
pelo facto da transmissão das referidas
imagens constituírem um poderoso
instrumento de deseducação para
insensibilizar, habituar e até viciar
crianças e adultos no abuso sobre
animais, o que poderá induzir mais
violência sobre animais e sobre pessoas.
Para além do referido, as imagens
transmitidas constituem uma enorme
vergonha para os Açores e poderão
dissuadir o turismo de muitas pessoas
provenientes de países onde este tipo de
eventos é fortemente repudiado e até
perseguido criminalmente.
Temos conhecimento que a transmissão
de marradas nos aeroportos, para além de
já terem deixado horrorizados alguns
turistas, tem causado perplexidade a
algumas pessoas que têm visitado a
Região, a convite de empresas ou do
próprio governo regional, e embaraço
aos seus acompanhantes.
Face ao exposto, venho solicitar a tomada
de medidas no sentido de por fim à
transmissão de vídeos de marradas e
touradas em todos os locais onde os
mesmos possam contribuir para a
banalização do sofrimento de animais e
pessoas e para manchar a imagem dos
Açores junto de potenciais visitantes.
Atentamente,
(Nome)