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1. Introdução
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1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objectivo testar a compreensão da metáfora,
dentro de uma abordagem psicolinguística. A motivação para estudar este tema
foi pessoal e deveu-se a um interesse particular pela linguagem figurada em
geral e pela metáfora em particular.
Situando-me na linha teórica dos modelos conceptuais sobre a metáfora,
encaro-a essencialmente como uma estrutura de organização mental e de
perspectiva sobre o mundo. Através da metáfora, determinados domínios são
conceptualizados nos termos de outros. Neste sentido, o âmbito da metáfora
ultrapassa em muito o das manifestações literárias e mesmo linguísticas.
Entendido desta forma, o mecanismo metafórico é transversal à linguagem e ao
pensamento, o que o torna uma matéria de estudo especialmente interessante e
atractiva.
A percepção da especificidade da metáfora conduz ao reconhecimento
intuitivo de que existe uma forma igualmente particular de a entender e de a
processar. Com este trabalho pretendi explorar essa questão. Interessa-me
perceber como se efectua a compreensão de uma linguagem assumida como
1. Introdução
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não literal. Independentemente de haver sempre uma distância entre o que é
dito e a realidade a que o discurso se reporta, na linguagem figurada essa
distância é mais acentuada. No entanto, a compreensão do discurso não parece
estar comprometida por esse facto. De outra forma, a linguagem figurada não
se estenderia a todos os domínios do quotidiano e da vida pública. Para além
disso, estudos realizados (Harris, 1976; Ortony, Schallert, Reynolds e Antos,
1978; Shinjo e Myers, 1987; Gerrig e Healy, 1983) parecem provar que, na
presença de metáforas predicativas do tipo A é B, desde que inseridas no
contexto adequado, o custo de compreensão não é superior ao das expressões
literais, tomando como medida de avaliação o tempo de resposta. Walter
Kintsch (2000) comprovou, através da aplicação de um modelo computacional,
que o mecanismo utilizado para a compreensão das frases predicativas é
idêntico, quer elas sejam literais ou figuradas. Por outro lado, alguns estudos
apontam para os benefícios das metáforas, em termos de ganhos na
compreensão geral do discurso, mesmo estando implicados alguns custos de
processamento (Noveck, Bianco e Castry, 2001).
Através de um breve trabalho experimental, apoiado numa investigação
teórica alargada, procurei compreender melhor as questões levantadas e
apresentar dados psicolinguísticos sobre a forma como uma população bem
determinada lida com a linguagem metafórica. A investigação centrou-se num
público escolar de final de segundo e terceiro ciclos e os dois estudos
exploratórios foram concebidos para, numa perspectiva desenvolvimental,
testar como evolui com a idade a compreensão de expressões metafóricas e de
textos com metáforas. Nesse sentido, tentei perceber se, entre os alunos desses
dois ciclos, essa compreensão é diferente e se apresenta problemas ou
benefícios. Procurei igualmente verificar se há uma relação directa entre a
compreensão da metáfora e uma válida interpretação e retenção do conteúdo de
um texto.
1. Introdução
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Apesar de a metáfora ter sido objecto de muito interesse pelos mais
variados campos do saber, há poucas investigações psicolinguísticas dirigidas à
sua compreensão por parte de crianças e jovens, principalmente em Portugal.
Por esta razão, espero contribuir com alguns dados relevantes para o assunto.
A presente tese consta de duas partes. Na primeira parte, intitulada
Compreender as Metáforas – enquadramento teórico, realiza-se uma análise teórica
do objecto de estudo, apresentando-se as principais teorias e modelos
subjacentes ao assunto. A segunda parte da tese tem um carácter prático e nela
é exposto o trabalho experimental, com o qual se pretende testar a compreensão
das metáforas, numa perspectiva psicolinguística.
A primeira parte é composta por cinco capítulos.
No capítulo um, é feita uma introdução ao tema da tese, esclarecendo-se
o campo teórico em que o estudo experimental se vai situar. São ainda expostos
os objectivos que se pretendem alcançar com o presente trabalho.
No capítulo dois, é abordada a questão do significado, essencial para
enquadrar a linguagem metafórica dentro das principais teorias que a ela se
dedicaram. Dois conceitos controversos serão aprofundados – linguagem literal e
linguagem figurada.
O capítulo três percorre as teorias clássicas sobre a metáfora, agrupadas
em três grandes perspectivas. É ainda feita uma breve revisão dos estudos sobre
a gramática da metáfora.
O capítulo quatro é dedicado às teorias contemporâneas sobre a
metáfora, em que o fenómeno é encarado a partir de uma perspectiva
essencialmente conceptual. São aprofundados dois modelos actuais – a Teoria
1. Introdução
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da Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes e a Teoria da Metáfora
Conceptual.
O capítulo cinco ocupa-se da pesquisa psicolinguística sobre a metáfora,
sendo analisados dois tipos de modelos de processamento da linguagem
metafórica: modelos de etapas e modelos construtivistas. No final deste capítulo
é feita uma revisão pelos trabalhos linguísticos realizados em Portugal no
âmbito da metáfora.
No capítulo seis, é feita uma descrição linguística das metáforas,
propondo-se uma tipologia, que será utilizada no trabalho experimental. As
metáforas são analisadas de acordo com o grau de elipse dos constituintes que
as compõem, com a sua classe gramatical e o grau de convencionalidade da
expressão.
A segunda parte da tese é constituída por cinco capítulos, que incluem os
dois trabalhos experimentais.
No capítulo sete, realiza-se uma introdução teórica aos estudos
exploratórios apresentados, fazendo-se uma breve reflexão sobre o
desenvolvimento cognitivo das crianças e adolescentes e a evolução da sua
capacidade de compreensão de textos. Estes factores encontram-se directamente
relacionados com a interpretação das metáforas e de textos com metáforas.
O capítulo oito é dedicado ao Estudo 1, que consistiu em testar a
compreensão de textos com metáforas, através de um exercício de escolha
múltipla. Os resultados obtidos são apresentados e discutidos.
1. Introdução
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O capítulo nove é composto pelo Estudo 2, em que os sujeitos realizaram
paráfrases de vinte e oito metáforas. Os dados recolhidos no estudo são
igualmente expostos e analisados.
Os resultados dos dois estudos são discutidos no capítulo dez, bem como
as respectivas implicações didácticas.
No capítulo onze, é feita a conclusão do trabalho. As questões levantadas
na introdução são retomadas e comentadas, à luz dos resultados obtidos.
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Parte I ______________________________________________________________________
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COMPREENDER AS METÁFORAS
- ENQUADRAMENTO TEÓRICO -
Parte I ______________________________________________________________________
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2. Linguagem literal e linguagem figurada
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2. LINGUAGEM LITERAL E LINGUAGEM FIGURADA
As noções de linguagem literal/ linguagem figurada adquirem um papel
central e incontornável no estudo da metáfora. Os diferentes modelos teóricos
sobre a metáfora desenvolvem-se exactamente a partir da forma como o literal e
o figurado são perspectivados. Por esta razão, antes de se proceder à análise das
teorias da metáfora, estes conceitos serão revistos.
• O estudo do significado no século XX
Pode falar-se de duas abordagens ao significado, que se desenvolveram
no século XX. A primeira, a da Semântica Formal (Formal Semantics) surge
dentro do estudo da linguagem formal (ideal language philosophy), na tradição de
Frege, Russel, Carnap, entre outros, e propõe a aplicação às línguas naturais da
lógica e dos métodos de estudo das línguas formais. A segunda é a abordagem
da Pragmática, que se desenvolve dentro de uma filosofia de estudo das línguas
naturais (ordinary language phylosophy), adoptando uma perspectiva mais
descritiva da língua, mais pragmática e menos «matemática».
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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2.1 O significado na Semântica Formal
A semântica formal encara o significado de uma palavra como o conceito
do mundo exterior a ela associado (valor referencial) e o significado de uma
frase como a soma dos diversos significados nela dispostos. A proposição
expressa pela frase (aquela que respeita as suas condições de verdade - truth
conditions) aproxima-se bastante do significado convencional das expressões
linguísticas que a compõem. Dentro desta moldura teórica, «knowing a language
is like knowing a ‘theory’ by means of which one can deductively establish the truth
conditions of any sentence of that language.» (Recanati, 2004: 2). Transportando esta
teoria para as línguas naturais, legitima-se a atribuição de condições de verdade
a qualquer frase declarativa, independentemente do seu contexto de uso.
Exceptuando casos de ambiguidade, de frases elípticas ou de expressões de
referência variável, como pronomes, advérbios de lugar ou de tempo, etc., a
Semântica Formal defende que o significado das palavras é suficiente para se
aceder àquilo que a frase expressa. Cada frase possui, assim, uma leitura literal,
em que as suas regras linguísticas são respeitadas, fixando-se, desta forma, as
suas «truth conditions». Há uma «eternal sentence», subjacente à construção de
qualquer declaração, onde todos os valores referenciais são respeitados: «for
every statement that can be made using a context-sensitive sentence in a given context,
there is an eternal sentence that can be used to make the same statement in any
context.» (op. cit.: 84).
Entendendo o significado dentro deste quadro teórico, percebe-se a
divisão clara entre significado literal, em que o valor de verdade de uma frase é
respeitado, e a derivação desse significado para sentido figurado. Esta
abordagem tem sido, no entanto, muito contestada por filósofos da linguagem
(Quine, 1960; Davidson, 1984; Putnam, 1975; Kripke, 1982; ...) e linguistas
(Lakoff, 1993; Gibbs, 1994; ...). Estes questionam, desde logo, a atribuição a uma
frase de condições de verdade em abstracto, independentemente do contexto de
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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uso. A relação «palavra - conceito» é extremamente difícil de definir. Em
primeiro lugar, a própria noção de «conceito» é problemática, encontrando-se
na origem de diversas teorias, cada uma assumindo perspectivas e implicações
diferentes para o fenómeno. Em segundo lugar, a sua associação com as
palavras também é muito pouco clara. Todas as palavras estão ligadas a um
conceito? Cada palavra está associada a apenas um conceito? De que forma é
que se estabelece essa associação? Podemos utilizar o termo ‘banco’ para nos
referirmos a uma rocha onde nos sentamos? Se assim é, que características tem
de ter um banco para ser considerado um banco? E se não podemos, o que
impediu que essa designação fosse utilizada? Adrienne Lehrer (1974) realizou
um estudo sobre campos lexicais de palavras ligadas a recipientes de bebidas.
Essa investigação consistiu na apresentação de diversas características ou
componentes que pudessem integrar o significado dessas palavras. Os sujeitos
testados tinham de decidir sobre o carácter obrigatório ou não das diversas
características na descrição dos recipientes (características críticas ou não
críticas). A investigadora chegou à conclusão de que se se pusessem de lado
todos os componentes considerados opcionais por mais de 90% das pessoas
inquiridas, não haveria traços semânticos suficientes para distinguir as diversas
palavras, por exemplo, «copo» de «jarro». No entanto, se se incluíssem todas as
características consideradas opcionais, frases como (1) seriam consideradas
contraditórias, uma vez que o material «vidro» tinha sido assinalado como
obrigatório.
(1) Some bottles are made of glass.
Algumas garrafas são feitas de vidro.
(Lehrer, 1974: 85-6, apud Goatly, 1997: 21)
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2.2 O significado na Pragmática
O significado é, tal como se percebeu, algo vago e indefinido. De acordo
com os filósofos das línguas naturais (ordinary language phylosophers) é mesmo
algo que só se pode determinar dentro do contexto de uso - «Words-world
relations are established through, and indissociable from, the context of use. It is
therefore misleading to construe the meaning of a word as some wordly entity that it
represents or, more generally, as its truth-conditional contribution» (Recanati, 2004:
2). Por outro lado, o estudo de frases como as apresentadas de (2) a (10) colocou
diversas questões em relação ao estabelecimento das suas condições de
verdade.
(2) All the bottles are empty.
Todas as garrafas estão vazias.
(3) Nobody goes there anymore because it’s too crowded.
Ninguém mais vai lá, porque tem muitas pessoas.
(4) I have nothing to wear tonight.
Não tenho nada para vestir esta noite.
(5) John hasn’t had breakfast.
John não tomou o pequeno-almoço.
(6) Jill got married and became pregnant.
Jill casou-se e ficou grávida
(7) You’re not going to die.
Tu não vais morrer.
(8) The conference starts at five.
A conferência começa às cinco.
(9) France is hexagonal.
A França é hexagonal.
(10) From Birmingham to London it’s 100 miles.
De Birmingham a Londres são cem milhas.
(Bianchi, 2004: 4)
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Todas estas frases são de fácil compreensão, e, numa primeira leitura,
não são problemáticas. Apesar disso, em todas elas apenas se verifica uma
aproximação ao sentido que se pretende veicular, nunca há uma identificação
total. Para se proceder a uma leitura correcta, as frases necessitam de ser
expandidas ou adequadas ao contexto. Na última frase, por exemplo, a
distância referida pode não ser a exacta, provavelmente são necessárias mais ou
menos milhas para se percorrer o caminho. No entanto, por uma questão de
economia e de relevância de discurso, mencionam-se as cem milhas como
medida estimada. O mesmo tipo de aproximação acontece nas frases (8) e (9).
Relativamente à frase (6), esta é entendida como tendo implícita uma
ordenação temporal. Jill teve as crianças depois de se casar. No entanto, a
conjunção «e» não codifica obrigatoriamente esta ordenação. De acordo com
Grice (1989), a ordem temporal é sugerida pela colocação das orações, mas não
faz parte do que é dito («what is said»).
As primeiras quatro frases, entendidas tal como estão, exprimiriam que
todas as garrafas do mundo estão vazias, que absolutamente ninguém
frequenta determinado sítio, que a pessoa que proferiu a frase (4) não tem
roupa e que John nunca tomou o pequeno-almoço na sua vida. No entanto,
ninguém as interpreta assim. Automaticamente procede-se a um
enriquecimento contextual, que permite perceber que as garrafas de que se fala
são as que foram compradas, que as pessoas que não vão ao local são as
famosas, que a roupa em falta é a apropriada para a ocasião e que John não
tomou o pequeno-almoço naquele dia. Da mesma forma, a frase (7), utilizada
como resposta de uma mãe ao seu filho que fez um corte, nunca seria entendida
como a mãe a afirmar que o filho é imortal. Esta frase é automaticamente
entendida como:
(11) You are not going to die from this cut.
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Tu não vais morrer desse corte.
O estudo de frases deste género levou Sperber e Wilson (1986) a
comentar o seguinte: «We want to claim that there is no discontinuity between these
loose uses and a variety of ‘figurative’ examples which include the most characteristic
examples of literary metaphor. In both cases the propositional forms of the utterance
differs from that of the thought interpreted. In both cases the hearer can proceed on the
assumption that these two propositional forms have some identifiable and logical
contextual implications in common. In both cases the same interpretative abilities and
procedures are involved.» (Sperber and Wilson, 1986: 235, apud Goatly, 1997: 18).
Antes de analisar a distinção entre linguagem literal e figurada, é importante
realçar o trabalho pragmático que qualquer frase exige e a distância presente
entre aquilo que se diz e aquilo que se pretende dizer, entre o significado
linguístico de uma declaração e a proposição expressa, independentemente de
se estar perante casos de ambiguidade ou não.
Como proposta alternativa ao estudo do significado pela semântica
formal, aparece o estudo do discurso, a actividade de dizer coisas. Dentro desta
teoria do significado linguístico, surge a teoria dos actos de fala (theory of speech
acts) de Austin (1975) e a teoria da conversação (theory of conversation) de Grice
(1975), que constituem a génese da pragmática. Esta é considerada hoje como
uma disciplina complementar da semântica, e parece ser consensual entre os
especialistas contemporâneos da Semântica Formal o estudo do significado
dentro de um contexto de uso e não em abstracto.
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2.3 Linguagem literal e linguagem figurada
Assumindo-se, desta forma, que frases absolutamente literais são muito
raras, ou seja, que a maior parte delas já inclui derivações não literais, fará
sentido manter a distinção entre linguagem literal e figurada? Sperber e Wilson
(1986), tal como se percebeu, afirmam que essa divisão não faz sentido. Da
mesma opinião são Lakoff (1993) e Gibbs (1994). Outros linguistas e filósofos,
porém, concordam com a classificação, desenhando-lhe, contudo, outros
contornos. Recanati (2004) define a acepção de não literal para os semânticos e
para o senso comum. Uma frase como a (12) é comummente sentida como
literal, uma vez que há um uso convencional das palavras, não se verifica um
desvio à norma:
(12) He is thirsty.
Ele tem sede.
No entanto, semanticamente ela é considerada não literal, pois contém o
pronome «he», referência só resolvida através do contexto, não através das
convenções semânticas. Recanati utiliza o termo ‘t-literal’ (‘t’ refere-se a type)
para designar a literalidade de uma expressão. Relativamente à frase acima
referida, ela é t- não-literal (t-non-literal), pois há uma derivação (departure)
relativamente ao t-literal. No entanto, essa derivação é determinada, é exigida,
pelo t-literal. O significado primário da frase mantém-se, considerando-se, por
isso, que se trata de uma derivação mínima. Sempre que uma frase tem uma
derivação mínima, é considerada, pelo senso comum, como sendo literal -
«when the meaning of an utterance only minimally departs from t-literal meaning, that
meaning does not count as non-literal in the ordinary sense.» (Recanati, 1994: 69).
Recanati classifica uma frase com este desvio mínimo como m-literal (‘m’ de
meaning).
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Numa frase não literal (conceito mantido pelo autor) existe muitas vezes
aquilo que Recanati designa como significado secundário (secondary meaning), que
deriva do significado primário, básico, da frase (p-literal meaning- ‘p’ de primary).
Isso acontece em casos de ironia, actos de fala indirectos, implicaturas
conversacionais, etc.. Uma afirmação como a de (13) tem um significado
primário - Paul é um bom amigo.
(13) Paul is a fine friend.
Paul é um bom amigo.
No entanto, se essa frase for utilizada para expressar exactamente o
contrário, se ironicamente se estiver a afirmar que Paul é um amigo duvidoso,
nesse caso a frase é utilizada com um sentido secundário e estamos perante
uma expressão não literal (no sentido corrente): «whenever the meaning conveyed
by the utterance is secondary and derived from some antecedent meaning expressed by
the utterance, it is ‘non-literal’ in the ordinary sense.» (op. cit.: 71). Como se percebe,
o facto de uma frase ser literal ou não encontra-se ao nível do falante e não ao
nível do significado das palavras. Não são as palavras que têm um significado
convencional, literal ou, por outro lado, figurado: «(...) non-literalness is a feature
of the interpretation of utterances, and the interpretation of utterances is something that
is bound to be available to the language users who do the interpreting.» (op. cit.: 75)
Relativamente à metáfora, esta não é considerada por Recanati como um
exemplo de significado secundário. O autor classifica-a, na maioria dos casos,
como p-literal. Na metáfora não existe uma derivação de sentido, tal como nos
casos de p-não-literal, mas antes um enriquecimento do significado da palavra,
definido pelo autor dentro da linha teórica da Metáfora como Predicado de
Inclusão de Classes. Quando uma palavra é aplicada metaforicamente, ela irá
estabelecer uma categoria nova, coerente com o contexto. O seu significado é
ajustado à situação apresentada, obrigando a uma reorganização schematica.
Repare-se na frase (14).
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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(14) O João é um peixe do mar.
O João não é um peixe, mas quem ouvir esta frase não tem dificuldades
em perceber o seu significado. O sentido de «peixe do mar» é enriquecido,
abarcando a noção de «pessoa que nada rapidamente». João vai pertencer à
categoria daqueles que nadam rapidamente. O ouvinte desta frase terá de
ajustar à situação apresentada o seu schema relativo aos peixes. Quando se
verifica uma grande distância entre o schema evocado e a situação enunciada, já
não se fala de enriquecimento de sentido (sense enrichment), mas de extensão de
sentido (sense extension). O autor inclui nos casos de extensão de sentido os usos
figurativos da linguagem (que mantêm, no entanto, o seu carácter p-literal).
Soares da Silva (2003), Taylor (1995) e Radden (2002), entre outros,
defendem um continuum literal-figurado em alternativa à classificação tradicional
binária de linguagem literal e figurada. Soares da Silva apresenta uma escala,
adaptada de Taylor (1995: 136-139) e Radden (2002: 409), que percorre desde os
usos literais de uma palavra até à sua aplicação metafórica, passando por
diversos graus de figuratividade. No quadro 1, encontra-se um exemplo de
aplicação dessa escala, com o adjectivo alto.
literal metonímico Metafórico
(1)
edifício alto
tecto alto
(2)
maré alta
(3)
temperatura
alta
(4)
preços altos
(5)
alta qualidade
Quadro 1 Continuum literal – figurado (Soares da Silva, 2003: 6)
Este quadro pode ser interpretado à luz do modelo da Metáfora
Conceptual, em especial da teoria das Metáforas Primárias de Grady (1997). De
acordo com esta teoria, algumas metáforas advêm de experiências muito
primárias, muito básicas, do ser humano. Essas metáforas são cognitivamente
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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mais primitivas e mais simples do que as metáforas conceptuais e denominam-
-se de metáforas primárias. Elas resultam da projecção de subcenas e cenas
primárias, adquiridas de forma automática e inconsciente, que codificam
experiências básicas como ver e tomar consciência de que se está a ver ou levantar
algo e perceber o seu peso. Cozinhar, por exemplo, já envolve muitos detalhes, pelo
que não constitui uma cena básica. Uma metáfora primária resulta, portanto, da
interacção entre experiências sensoriais e motoras e experiências subjectivas,
qualquer uma delas muito evidentes e directas. Um exemplo de metáfora
primária encontra-se em (15).
(15) MAIS É ACIMA
Nesta metáfora, a noção acima, uma noção vertical, é conceptualizada em
termos de quantidade (mais). Ela baseia-se na experiência sensorial de perceber
que a acumulação de objectos ou substâncias resulta num aumento vertical, em
altura.
Grady utiliza o conceito de integração/ desintegração conceptual
((de)conflation) para se referir às relações entre os domínios envolvidos na
metáfora. Sempre que existe uma identificação, indiferenciação entre dois
domínios (conceptual e perceptual), está-se perante uma integração de
conceitos (conflation). Quando os domínios se separam e se projectam um no
outro, fala-se de deconflation. Aplicando estes conceitos ao continuum literal-
-figurado apresentado, pode falar-se de uma gradação conflation-deconflation
dentro dos usos não literais. O primeiro nível, o literal, corresponde ao uso de
um só conceito - alto enquanto vertical. Soares da Silva (2003) refere-se ao
conceito de ‘acima’ aplicado nesta utilização literal. No segundo estádio,
verifica-se a integração (conflation) de ACIMA com MAIS. É um estado
parcialmente metonímico, em que a subida do mar em termos horizontais
converge com o seu aumento em termos verticais, numa acepção já
anteriormente explicada. No estádio metonímico, já se verifica uma
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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desintegração (deconflation). Temos o conceito de temperatura e temos o
conceito de acima, que substitui os graus de temperatura. Esta é-nos dada pela
subida do mercúrio no termómetro (metonímia ACIMA POR MAIS ou EFEITO PELA
CAUSA). A desintegração (deconflation) de domínios conceptuais é total no
estádio metafórico. Neste caso (nível 5), alto já não diz respeito a uma noção de
verticalidade, mas de qualidade. Há a desintegração dos domínios ACIMA e MAIS,
realizando-se a metáfora BOM É ACIMA.
Numa outra perspectiva sobre os conceitos literal/ figurado, Giora (1997)
desvaloriza essas noções e propõe um continuum saliente - não saliente, baseado
no grau de convencionalidade, frequência, familiaridade ou prototipicidade de
determinada palavra ou expressão. Os significados mais salientes são acedidos
de forma automática, independentemente de serem figurados ou não. Desta
forma, e de acordo com esta teoria - the graded salience hypothesis - o
processamento de uma metáfora morta e de uma frase convencionalmente
literal é idêntico.
2.4 Conclusões
Neste capítulo foram analisadas diferentes abordagens ao conceito de
significado, enquanto elemento central e estruturante da linguagem. Há uma
tendência actual para entender a constituição de sentido dentro do discurso, e
não em abstracto, pelo que se rejeita a noção de palavra ou expressão
metafórica ou literal, enquanto tal. Nas palavras de Ricoeur: «Não há metáfora
no dicionário, apenas existe no discurso» (1983: 148). Existe, ainda, uma
orientação teórica contemporânea para rejeitar a dicotomia entre significado
literal/ significado figurado, motivada igualmente por uma perspectiva da
semântica mais abrangente do que a tradicional. Não há, no entanto, uma
alternativa consensual a essa forma clássica de encarar o significado. Alguns
2. Linguagem literal e linguagem figurada
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autores mantêm as noções de literal e de figurado, mas enquadram-nas num
todo, que comporta diversas nuances e graus de figuração. Outros, por outro
lado, consideram pouco produtiva a análise da literalidade das palavras ou das
frases, propondo que o estudo do significado se centre noutras características,
como, por exemplo, o grau de saliência dos elementos constituintes.
3. Teorias clássicas da metáfora
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3. TEORIAS CLÁSSICAS DA METÁFORA
Uma definição da metáfora transporta consigo toda uma visão sobre o
fenómeno e não é, de forma alguma, consensual. Ao longo de séculos, diversos
autores exploraram a metáfora de formas diferentes, dando-lhe amplitudes
muito diversas e vendo-a de acordo com noções distintas. Um percurso
histórico por uma «teoria da metáfora» teria de ser um trabalho interdisciplinar
a nível da filosofia, da linguística em geral (e da psicolinguística em particular),
da literatura e até da psicologia. Não se pretende fazê-lo nesta secção, apenas se
irá esboçar um quadro geral, que permita entender o conceito de uma forma
global.
• Perspectivas sobre a metáfora
O fenómeno metafórico tem sido, portanto, abordado sob diversas
perspectivas. Cristina Cacciari e Sam Glucksberg (1994), no seu artigo
Understanding Figurative Language, agrupam essas perspectivas em três vias
principais - the comparison view, the interaction view e the incoherence view.
Recorrendo a essa classificação, proceder-se-á, neste capítulo, a uma análise de
3. Teorias clássicas da metáfora
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diferentes formas de entender a metáfora. Antes de se concluir, será ainda feita
uma breve revisão dos estudos sobre a gramática da metáfora.
3.1 Da teoria aristotélica às teorias de substituição
Para se delinear uma teoria da metáfora tem de se remontar a Aristóteles.
O termo «metaphorá» foi utilizado pelo autor, na sua Arte Poética, para designar
a operação de transferência de sentido que ocorre na linguagem: «A metáfora
consiste no transportar para uma coisa o nome de outra, ou do género para a espécie, ou
da espécie para o género, ou da espécie de uma para a espécie de outra, ou por analogia.»
(1994: 1457b). Aristóteles evidencia a transferência de nome, ou seja, refere-se a
uma operação linguística realizada ao nível da palavra - um vocábulo substitui
outro. Este destaque prevaleceu na teoria clássica da metáfora, nomeadamente
na teoria comparativista, em que a metáfora recebeu o enfoque principal na
palavra.
De acordo com Soares da Silva (1999), Aristóteles incluiu na noção de
metáfora em cima transcrita os conceitos posteriormente distintos de sinédoque e
de metonímia, ao se ter referido, respectivamente, a «transportar para uma coisa o
nome de outra, ou do género para a espécie, ou da espécie para o género ou da
espécie de uma para a espécie de outra.» (op.cit., destaque nosso). As noções de
sinédoque e de metonímia são de definição controversa. Tradicionalmente são
entendidas como figuras, através das quais se verifica o emprego de um termo
para designar outro, que com o primeiro se relaciona directamente. Na
sinédoque, considerada uma forma particular de metonímia, o todo exprime-se
através de um termo que se refere à parte ou vice-versa (frase 17). Vejam-se as
frases (16) e (17).
(16) O João bebeu um pacote de leite.
(17) Ele tem várias cabeças de gado.
3. Teorias clássicas da metáfora
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Em (16), o que o João bebeu não foi o pacote de leite, mas o seu conteúdo
(relação continente – conteúdo). Em (17), uma parte do animal (a cabeça) é
utilizada para se referir ao todo (vários animais). Em (16) e (17) há uma relação
de contiguidade que se estabelece entre os termos utilizados e aqueles a que são
associados. Actualmente, e na perspectiva da linguística cognitiva, esta relação
é considerada conceptual, e não tanto linguística, o mesmo se passando com a
metáfora. No entanto, admite-se que a metonímia se «caracteriza por uma relação
contingente de contiguidade conceptual entre domínios de um mesmo domínio
conceptual, ao passo que a metáfora consiste numa projecção de um domínio conceptual
noutro distinto.» (Soares da Silva, 2003: 20)
Retomando a análise de Aristóteles sobre a metáfora, o autor prossegue
com a explicação e exemplo de cada um dos quatro tipos metafóricos
enunciados, detendo-se mais longamente na analogia, considerada a forma mais
popular de metáfora. A associação da metáfora à analogia foi igualmente a que
se reteve da teoria aristotélica e a que perdurou ao longo dos séculos - uma
metáfora implica a relação entre dois termos.
Na Retórica (1998), Aristóteles retoma e aprofunda o assunto,
descrevendo o processo metafórico, analisando diversas metáforas e
comentando a sua conveniência e harmonia. Refere igualmente as suas
características, as aplicações e a sua forma de funcionamento. Aristóteles faz
uma associação explícita entre a metáfora e a comparação, definindo esta última
como uma «metáfora desenvolvida»: «O símile é também uma metáfora. A
diferença, na verdade, é pequena: sempre que se diz ‘lançou-se como um leão’, é um
símile; mas quando se diz ‘ele lançou-se um leão’, é uma metáfora. (...) Em todos estes
casos, é possível formulá-los quer como símiles quer como metáforas, de forma que todos
os que são celebrados quando expressos como metáforas, é evidente que sê-lo-ão também
quando símiles; e o mesmo com os símiles, que são metáforas a que falta uma palavra.»
(1998, Livro III: 1407a). Esta concepção também se manteve e moldou a nossa
3. Teorias clássicas da metáfora
24
forma de pensar e de entender o fenómeno. Ainda hoje a metáfora é ensinada
como uma «comparação sem ‘como’», admitindo-se, dessa forma, a sua
paráfrase e a sua explicação num desenvolvimento literal. Kleiber (apud Amaral,
2003: 24) refere-se a este entendimento da metáfora como ‘tese da comparação
abreviada saturada’. O sentido da metáfora esgota-se, cumpre-se, no seu
desenvolvimento numa estrutura comparativa. Inerente a esta concepção
encontra-se a noção de que o que motiva uma metáfora são questões estilísticas.
Podendo dizer-se a mesma coisa de uma forma ou de outra, opta-se pela versão
metafórica, por esta embelezar e enobrecer o discurso: «Necessária será, portanto,
toda a espécie de vocábulos. Palavras estrangeiras, metáforas, ornatos e todos os outros
nomes de que falámos, elevam a linguagem acima do vulgar e do uso comum, enquanto
os termos correntes lhe conferem a clareza.» (Aristóteles, 1994: 1458b).
As noções acima apresentadas sobre a teoria aristotélica da metáfora
encontram-se na base do entendimento clássico sobre o fenómeno. No entanto,
diversos autores (Ricoeur, 1979; Turner, 1998; Amaral, 2003) alertam para a
necessidade de se realizar uma leitura mais alargada e aprofundada dos textos
de Aristóteles, leitura essa que, em certos sentidos, nos aproxima das teorias
contemporâneas sobre a metáfora (Amaral, 2003). Para começar, Aristóteles
atribui à metáfora um papel central: «Grande importância tem, pois, o uso discreto
de cada uma das espécies de nomes, de nomes duplos e de palavras estrangeiras; maior,
todavia, é a do emprego das metáforas, porque tal se não aprende nos demais, e revela
portanto o engenho natural do poeta.» (1994: 1459a 4-8) e destaca a sua
funcionalidade, nomeadamente enquanto mecanismo de inovação lexical.
Por outro lado, Aristóteles refere-se ao processo constitutivo das
metáforas, que permite perceber semelhanças entre coisas distantes: «(...) é
forçoso que as metáforas provenham de coisas apropriadas ao objecto em causa, mas não
óbvias, tal como na filosofia é próprio do espírito sagaz estabelecer a semelhança mesmo
com entidades muito diferentes.» (1998, livro III: 1412a); «(...) Efectivamente, sempre
3. Teorias clássicas da metáfora
25
que ele chama à velhice «palha», produz ensinamento e conhecimento por meio da
categoria: ambos, na verdade, já não estão na flor da idade.(...) Na verdade, nestes casos
resulta algum conhecimento.» (op. cit.: 1410b). A metáfora surge, portanto, como
um mecanismo cognitivo, motivado por uma relação ao nível do conceito. Não
está em causa apenas a transposição de um nome para outro, mas sim uma
transferência conceptual, feita a nível interno e não apenas formal. Dessa
relação surge uma nova forma de entender determinado assunto ou objecto.
O filósofo faz depender a construção de boas metáforas exactamente da
capacidade de perceber e de fazer perceber semelhanças e de, para além disso,
permitir que o sentido por elas evocado «salte para ‘diante dos olhos’» (op.cit.),
pressupondo-se uma dimensão pictórica. Estas características da metáfora
acentuam-lhe o valor pedagógico e didáctico, tornando-a um elemento retórico
extremamente eficaz: «uma aprendizagem fácil é, por natureza, agradável a todos; por
seu turno, as palavras têm determinado significado, de tal forma que as mais agradáveis
são todas as palavras que nos proporcionam também conhecimento. É certo que há
palavras que nos são desconhecidas, embora as conheçamos no seu sentido «apropriado»;
mas é sobretudo a metáfora que provoca tal.» (op. cit.); «A maioria das expressões
‘elegantes’ deriva da metáfora e radica no engano prévio do ouvinte. Pois torna-se mais
evidente que se aprende algo se os elementos resultam ao contrário do que se esperava; e
o espírito parece dizer: ‘como é verdade e eu estava enganado!’» (op. cit.: 1412a).
Para finalizar, é de salientar a seguinte passagem da Retórica, que
contraria a redução da metáfora a uma opção estilística: «(...) há palavras mais
apropriadas do que outras, e mais semelhantes ao objecto e mais próprias para trazer o
assunto diante dos olhos. (...) Daqui é que se devem tirar as metáforas: de coisas belas
quer em som, quer em efeito, quer em poder de visualização, quer numa outra qualquer
forma de percepção. Não é a mesma coisa dizer, por exemplo, ‘aurora de dedos de rosa’
ou ‘de dedos de púrpura’, ou ainda, de forma mais pobre, ‘de dedos rubros’.» (op. cit:
1405b). A metáfora não parece, desta forma, ser encarada como uma mera
3. Teorias clássicas da metáfora
26
alternativa poética de discurso. De acordo com Patrícia Amaral, «a enunciação
metafórica aparece, assim, como o único veículo linguístico para o que se quer dizer: a
formulação é, portanto, indissolúvel do conteúdo da metáfora, a metáfora define-se pela
impossibilidade de uma ‘formulação equivalente’» (2003: 29). No excerto de
Aristóteles também se realça o facto de algumas metáforas parecerem mais
aptas do que outras, facto apontado e problematizado por diversos autores
contemporâneos, nomeadamente Cristina Cacciari e Sam Glucksberg (1994),
que, na sequência da constatação desse e de outros aspectos, propuseram que as
metáforas sejam concebidas como predicados de inclusão de classes: «Viewing
metaphor vehicles as typifying their intended attributive categories provides a
principled explanation for why some metaphors seem apt and appropriate, while others
that are equally comprehensible seem less apt.» (p. 463)
Da teoria aristotélica foram, portanto, retidas as noções de transferência e
de analogia, noções que perduraram durante séculos e que moldaram a nossa
forma de pensar e de entender o fenómeno. A noção de «transporte» foi
posteriormente alargada na terminologia retórica para compreender o conceito
de «tropos», desvio linguístico, o emprego de uma palavra numa acepção
diferente da usual. No século XIX, Pierre Fontanier define desta forma o
conceito de «tropo»: «Les Tropes sont certains sens plus ou mois différens du sens
primitif, qu’offrent, dans l’expression de la pensée, les mots appliqués à de nouvelles
idées.» (1968: 39) e identifica a metáfora como um tropo de semelhança,
introduzindo a perspectiva de ela apresentar ideias sob o signo de outras ideias:
«l’existence ou l’idée de l’un se trouvant comprise dans l’existence ou dans l’idée de
l’autre.» (1968: 87).
Diversos autores têm levantado objecções a esta forma de perceber a
metáfora focalizada na palavra, tornando-a opcional e facilmente parafraseável
noutras expressões linguísticas, o que constitui a perspectiva substitutiva.
Sucedânea desta teoria é, de acordo com Max Black (1962), a teoria
3. Teorias clássicas da metáfora
27
comparativista, em que a metáfora é entendida como uma comparação implícita
ou como o estabelecimento de similitudes. Esta teoria pressupõe que, num
primeiro momento, a comparação metafórica seja tornada explícita,
possibilitando uma compreensão idêntica à que se dá nas comparações literais:
detectam-se e estabelecem-se as bases de semelhança entre os dois membros.
3.1.1 Comentários à teoria comparativista
Uma das observações que se têm feito à teoria comparativista (Ortony,
1979) é que não é possível encarar todas as metáforas como comparações
implícitas. A metáfora presente no verso do poema de José Régio1 em (18a)
pode facilmente ser transformada na comparação explícita de (18b):
(18) a) «A minha vida é um vendaval que se soltou.»
b) A minha vida é como vendaval que se soltou.
No entanto, outras expressões metafóricas resistem a semelhante
reescrita. Repare-se no verso (19), de Olavo Bilac2.
(19) «E parámos de súbito na estrada da vida.»
Dificilmente se consegue fazer uma comparação da metáfora constante
em (19). De qualquer forma, mesmo nas situações em que é possível explicitar
uma comparação, afigura-se problemática a noção de se estar realmente a
comparar dois termos. Empiricamente percebemos que podemos comparar
duas entidades de natureza semelhante, quando as características de uma e de
outra são em grande parte compartilhadas e idênticas. Se alguém quiser
comparar a coca-cola a alguma coisa irá escolher uma bebida semelhante e
1 Régio, José (2005). «Cantico Negro». In Soares, Mário. Os Poemas da Minha Vida. Lisboa:
Público. 2 Bilac, Olavo (1978). «Nell mezo del camim…» In Poesias. Rio de Janeiro: Ediouro.
3. Teorias clássicas da metáfora
28
referirá provavelmente a pepsi-cola ou outra análoga. Ambas partilham as
mesmas características salientes (high-salient predicates) - são bebidas com gás,
coradas com caramelo, contêm cafeína, etc.. No entanto, que predicados podem
ser comuns a ‘mãos’ e a ‘água’, tal como surgem nos versos de Florbela
Espanca3, constantes em (20)?
(20) «As minhas mãos magritas, afiladas,
Tão brancas como a água da nascente?»
Se nos pedirem para associarmos as mãos a determinadas propriedades,
as mais salientes seriam talvez o facto de serem um órgão do corpo, de servirem
para agarrar, de terem uma função táctil. Em relação à água, é um elemento
líquido, inodoro, incolor, satisfaz a sede, etc.. Ou seja, as mãos e a água não
partilham as mesmas características salientes. Podem, no entanto, compartilhar
de forma desequilibrada os seus predicados. Esta é a teoria de Ortony (1979)-
the salience imbalance hypothesis. Quando a base da comparação entre dois
referentes é constituída pelas características mais salientes de ambos,
encontramo-nos face a uma comparação literal (21):
(21) A Coca-Cola é como a Pepsi-Cola.
Quando se transporta uma característica muito saliente de um elemento
a um outro, que também a tem, mas num grau menor, estamos perante uma
comparação metafórica. No caso dos versos de Florbela Espanca, as mãos são
destacadamente brancas, puras. A água aceita essas características, não lhe são
incompatíveis, apesar de não serem as mais evidentes. Esta é, então, uma
comparação não literal. Sendo assim, poderíamos admitir o funcionamento das
metáforas como idêntico ao das comparações literais, ou seja, como sendo
constituído por uma partilha de propriedades comuns, mas num grau diferente.
3 Espanca, Florbela (1987). «As minhas mãos magritas, afiladas». In Poesia. Lisboa:
Publicações Dom Quixote.
3. Teorias clássicas da metáfora
29
Numa primeira leitura desta hipótese, percebemos que só a poderemos
considerar se aceitarmos que essa partilha deriva de uma interpretação
metafórica. As mãos no poema são tidas como «puras», pela interpretação do
adjectivo «brancas». Na verdade, esta não será uma leitura universal. E, no
entanto, ninguém teria dificuldade em aceitar e perceber estes versos. Cacciari e
Glucksberg (1994) afirmam, a este propósito, que «for a listener, there need be no
similarity whatever between a metaphor topic and vehicle prior to encountering the
metaphor itself; the metaphor creates the similarity.». Searle (1979) toma uma
posição idêntica quando refere que as semelhanças não precisam de ser literais.
A base delas parece encontrar-se muito mais inscrita nas imagens mentais das
pessoas, nos estereótipos culturais, do que nas características concretas dos
referentes. O autor refere como exemplo a frase (22).
(22) Richard is a gorilla.
Ricardo é um gorila.
Quem a ouvir, associa muito provavelmente as características de
«violento», «feroz», «impulsivo» a Richard. No entanto, destaca Searle, as
investigações demonstram que os gorilas são animais dóceis, sensíveis,
carinhosos e muito calmos. Desta forma, conseguimos perceber que prevalece a
informação que temos armazenada nas nossas estruturas mentais abstractas
(schemata) relativamente à informação concreta, real das coisas. De acordo com
Cacciari e Glucksberg (1994), Ortony (1979) também se apercebe disso, ao
distinguir entre as metáforas em que uma determinada característica é
destacada (predicate promotion metaphors) e aquelas em que uma propriedade é
atribuída a um referente (predicate introduction metaphors). Neste último caso, o
leitor desconhece as características do referente, conseguindo, no entanto,
interpretar a expressão metafórica, activando informação que tenha
armazenado. A isso alude Ortony, quando se refere a este tipo de metáforas da
seguinte forma (destaque nosso): «The predicates that are transferred from the
vehicle to the topic are more holistic, less discrete, and can include perceptual and
3. Teorias clássicas da metáfora
30
emotive aspects.» (1979: 200). Parece estar, desta forma, comprometida a teoria
de que a metáfora se constrói sobre o estabelecimento de semelhanças, pelo
menos no que diz respeito a semelhanças reais.
A estes argumentos juntam-se outros. Tversky (1977) fez notar que,
devido a uma partilha de características de saliência elevada, as comparações
literais apresentam uma simetria entre os dois membros, o que permite que eles
sejam invertidos sem que se perca o sentido da comparação. Pode afirmar-se
que a Pepsi-Cola é como a Coca-Cola ou vice-versa. Em alguns casos de
comparações literais verificam-se assimetrias. Os diários parecem ser mais
comparáveis aos livros do que o contrário. De acordo com Tversky, isto
acontece porque normalmente se encontra na posição de predicado a
informação mais saliente ou aquela que transporta as características mais
salientes que se pretendem destacar (neste caso, «livro», que é mais prototípico
do que «diário»). Este desequilíbrio na partilha de propriedades salientes dá
origem a assimetrias quando os termos de uma comparação são comutados. No
entanto, este facto não invalida semanticamente a inversão dos elementos da
comparação literal e a base em que ela se constitui mantém-se relativamente
inalterada. O mesmo não acontece nas comparações metafóricas. A expressão
(23a) não admite a inversão dos elementos constituintes (23b).
(23) a) Esta criança é forte como um touro.
b) *Um touro é forte como esta criança.
Por vezes, é possível reverter as metáforas, mas isso implica o
estabelecimento de uma nova base. Uma comparação metafórica como (24a)
permite a transposição dos elementos constituintes, como se verifica em (24b).
(24) a) As veias são como rios.
b) Os rios são como veias.
3. Teorias clássicas da metáfora
31
As implicações de cada frase são, no entanto, diversas. Na primeira (24a)
salienta-se o percurso fluído, longo, das veias e na segunda (24b) o factor de
vitalidade, de transporte de um bem essencial, associado aos rios. Afirmar,
então, que a uma metáfora está subjacente a comparação (literal) entre dois
elementos, parece incorrecto, uma vez que o funcionamento de uma expressão
metafórica e de uma expressão comparativa literal é distinto.
Para finalizar esta análise da teoria comparativista, deve realçar-se que
normalmente não se consegue, de forma satisfatória e adequada, parafrasear
literalmente uma metáfora. Ao reduzi-la a uma comparação, não se consegue
dar conta das suas especificidades, que a tornam tão insubstituível e
indispensável em determinados contextos. Como parafrasear os versos de
Cecília Meireles4, em (25)?
(25) «Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar»
Pode tentar-se, mas, com certeza, perder-se-á muito do sentido, da força
e da intenção dos versos. De qualquer forma, tal como vários autores já
salientaram, por que razão utilizar uma forma de linguagem tão enigmática,
quando se poderia dizer o mesmo literal e inequivocamente? Por que razão
sacrificar a simplicidade à beleza? Talvez não seja isso que esteja em causa nas
metáforas e a sua utilização contenha motivações mais profundas.
4 Meireles, Cecília (1982). «Canção». In Viagem e Vaga Música. Rio de Janeiro: Editora Nova
Fronteira
3. Teorias clássicas da metáfora
32
3.2 Teorias da interacção
No século XX, a metáfora foi objecto de grande interesse por parte de
estudiosos de diversas áreas e a base conceptual em que assenta a perspectiva
substitutiva, e que para muitos se afigurou como insatisfatória, sofreu
alterações, nomeadamente ao nível da semântica. I. A. Richards, Max Black,
Beardsley e Berggren, entre outros, iniciaram, nessa linha, outra teoria da
metáfora, baseada na interacção semântica - teoria da interacção. I. A. Richards
(1936), encarando, tal como Fontanier (1830), a metáfora como um veículo de
ideias, apresenta-a, no entanto, como uma relação dual entre a ideia transmitida
pelo tenor or topic (tópico) e aquela veiculada pelo vehicle (veículo). Temos então
uma expressão, designada por veículo, que aparece na sua acepção corrente e à
qual se vai associar um referente não convencional- o tópico. Trata-se de uma
ligação pouco usual, invulgar, interactiva, entre dois termos, que estarão
ligados numa relação de analogia ou de similitude. A base em que se estabelece
a similitude ou analogia entre estes dois membros constitui the ground (a base).
De acordo com Richards, o veículo transporta o sentido do tópico, pelo que a
metáfora se realiza nesta interdependência dos dois elementos. Segundo esta
teoria, estabelece-se uma tensão semântica entre o tópico e o veículo, que
resulta exactamente desta necessidade de conjugar dois sentidos diferentes para
a mesma realidade. Pode mesmo acontecer que a relação entre o tópico e o
veículo se altere com o tempo, fruto de novos conhecimentos, gerando
interpretações diferentes.
Max Black (1962), um autor posterior e essencial para as teorias da
metáfora, retomou e desenvolveu as noções de Richards. O autor distingue dois
sujeitos numa expressão metafórica5- o sujeito principal, que ele nomeia de
frame (quadro), e o secundário, designado por focus (foco), sendo que o primeiro
5 Na obra Models and Metaphors (1962), Max Black utiliza os termos «principal/ subsidiary». No
livro «More about Metaphor» (1988) designa os sujeitos como «primary/ secondary»
3. Teorias clássicas da metáfora
33
é literal e o segundo figurado. O valor metafórico do foco vai surgir da sua
relação com o quadro, a sua «moldura» literal. O sentido metafórico aparece
não como sendo veiculado pela palavra, mas pela frase. Desta forma, o processo
não se limita à substituição de uma palavra por outra, mas à relação interactiva
entre um sujeito principal e o sujeito secundário, que funciona como seu
predicado. O desvio situa-se na estrutura predicativa e, nesse sentido, a
metáfora «as to be described as a deviant predication rather than a deviant
denomination» (Ricoeur, 1979: 143). A inovação semântica a que a metáfora
obriga não deve, no entanto, ser reduzida a um desvio, mas deve antes ser
entendida como instituindo uma nova congruência ao nível da frase, de tal
forma que esta faz sentido em si, em todo o seu conjunto.
3.2.1 Comentários às teorias da interacção
As teorias da interacção foram decisivas para o avanço dos estudos sobre
a metáfora, por terem alargado a compreensão dos enunciados metafóricos a
uma relação de significados, intenções e associações, muito para além dos
referentes linguísticos. Muitos dos pressupostos destas teorias são
desenvolvidos nos modelos actuais de compreensão metafórica, tal como se irá
comprovar no capítulo seguinte.
Como teorias de forte carácter filosófico, não avançaram propostas muito
concretas sobre a forma de processar as metáforas. No entanto, algumas críticas
têm-lhe sido apontadas a esse nível, principalmente por fazerem depender o
sentido metafórico da relação entre um enunciado figurado e literal, com todas
as implicações que esta distinção entre figurado e literal acarreta. Searle (1979)
salienta ainda que não se deve perceber a metáfora como introduzindo uma
mudança de significado numa expressão, pela sua interacção com outra. O
autor procede à distinção pragmática entre significado da frase (sentence
meaning) e significado do falante ou da expressão (speaker’s or utterance meaning),
3. Teorias clássicas da metáfora
34
referindo que o que caracteriza a metáfora é exactamente a distância entre o
significado das palavras da frase e aquele que o falante lhe atribui (destaque
nosso): «The metaphorical utterance does indeed mean something different from the
meaning of the words and sentences, but that is not because there has been any
change in the meanings of the lexical elements, but because the speaker means
something different by them.» (1979: 100)
3.3 Teorias pragmáticas
No século XX, desenvolveu-se ainda uma outra forma de pensar a
metáfora, designada por the incoherence view, e explorada pela semântica
generativa e pela pragmática e teoria dos actos de fala. Esta visão do fenómeno
metafórico caracteriza-se por encará-lo como algo que viola as regras da
semântica ou da pragmática. A metáfora é, então, percebida como uma
estrutura defectiva, incoerente, quando confrontada com as regras da língua.
A semântica generativa de Chomsky, de Katz e de Kintsch, entre outros,
considera as metáforas como expressões anómalas, às quais não se pode atribuir
valor de verdade, uma vez que as propriedades de selecção semântica dos
predicadores não foram respeitadas. Isto implica a não aceitabilidade da
expressão. Para se processar tais enunciados, tem de se rejeitar a leitura literal
da frase e optar por uma figurada, que «corrija» as regras violadas. Esta
proposta de compreensão das expressões metafóricas por etapas será analisada
no capítulo cinco, quando for estudado o modelo de etapas.
Uma outra via de exploração da incoherence view é-nos dada pela
pragmática, campo de estudo da língua desenvolvido por Searle (1979), Austin
(1975) e Grice (1993). Searle coloca a si próprio o problema de como ser
resolvida a falta de correspondência entre o que uma pessoa diz e o que ela
3. Teorias clássicas da metáfora
35
quer dizer. Como é possível que alguém diga que S é P e queira dizer que S é R
e que quem o ouça perceba essa incoerência de sentido? De acordo com Searle,
«metaphor concerns the relations between word and sentence meaning, on the one hand,
and speaker’s meaning and utterance meaning, on the other.» (1979: 93). Desta forma,
e de acordo com este teórico, a explicação semântica da metáfora não é
suficientemente abrangente e será a pragmática o factor decisivo para a
compreender. Tal como foi atrás explicado, Searle distingue o significado das
palavras do significado do enunciado e afirma que «Metaphorical meaning is
always utterance meaning.» (1984: 93). Para que o sentido que o falante atribui a
uma frase metafórica seja compreendido, o ouvinte terá de considerar uma
leitura literal da frase, para em seguida a rejeitar, pois, caso contrário, a frase
teria de ser julgada imperfeita, uma vez que seria obviamente falsa,
semanticamente desprovida de sentido (semantic nonsense) ou violaria as regras
dos actos de fala ou dos princípios da comunicação. Optando pela leitura
metafórica, o ouvinte accionará vários princípios, através dos quais conseguirá
processar o sentido pretendido: «When you hear ‘S is P’, to find possible values of R
look for ways in which S might be like P, and to fill in the respect in which S might be
like P, look for salient, well known and distinctive features of P things.» (1984: 115).
Afastando-se da teoria dos actos de fala, Grice (1993) desenvolveu uma
abordagem pragmática da metáfora, baseada na distinção entre significado
natural (significado linguístico) e não natural (significado do falante) e a sua
relação com o princípio de cooperação, por ele desenvolvido. Este autor concebe o
acto de comunicação como sendo fortemente inferencial e como estando assente
sobre uma lógica conversacional, que permite que a interlocução se estabeleça.
Essa lógica está expressa no princípio de cooperação: «Faça a sua contribuição
conversacional de maneira a satisfazer, no momento em que o fizer, a finalidade ou a
direcção de troca linguística em que está envolvido». (apud Coimbra, 1999: 39)
3. Teorias clássicas da metáfora
36
Através de quatro máximas conversacionais, este princípio é desenvolvido:
- a máxima da quantidade pressupõe que não se diz mais do que o
necessário;
- a máxima da qualidade prevê uma informação verdadeira e
fundamentada;
- a máxima da relevância estipula a relação do que se diz com a conversa;
- a máxima do modo presume que a contribuição seja clara, breve,
ordenada e não ambígua.
Qualquer ouvinte pressupõe que o falante respeite estas regras. Caso elas
sejam violadas, o ouvinte terá de inferir a intenção comunicativa do falante, que
se percebe estar para além do significado natural expresso (o enunciado tem de
ser interpretado extraliteralmente). Estas inferências são denominadas de
implicaturas conversacionais e são elas que irão repor o princípio de cooperação.
Uma metáfora viola a máxima da qualidade. Após a leitura literal, à qual será
atribuído um valor de verdade negativo, o ouvinte inferirá que tem de fazer
uma segunda leitura figurada.
3.3.1 Comentários às teorias pragmáticas
As teorias pragmáticas da metáfora têm sido muito questionadas (Stroik,
1989; Rohrer, 1995; Veale, 1995). Por um lado, elas, tal como as teorias anteriores
aqui apresentadas, partem da distinção essencial entre sentido figurado e literal
e analisam as metáforas tendo como base essa divisão. No entanto, a dualidade
sentido literal/ sentido figurado, já analisada no capítulo dois, é em si
problemática. Por outro lado, as teorias pragmáticas assumem que os
significados literais são automaticamente preferidos relativamente às
interpretações metafóricas, aparecendo estes como alternativa à impossibilidade
de uma leitura literal. No entanto, isso não parece ser corroborado pelos dados
obtidos em investigações empíricas e que serão objecto de estudo no capítulo
3. Teorias clássicas da metáfora
37
cinco. Uma terceira objecção a esta teoria refere-se à noção por ela veiculada (e
pela incoherence view em geral, bem como pelas teorias comparativistas) que as
frases figuradas implicam um maior esforço cognitivo do que as literais. Isso
também não parece ser consensual, levando em conta os estudos
psicolinguísticos realizados, principalmente quando as metáforas utilizadas são
predicativas, do tipo A é B, e o contexto em que ocorrem é o adequado.
3.4 Perspectivas linguísticas sobre a metáfora
Vários estudos se têm feito sobre a sintaxe das metáforas. Matthews,
Abraham e outros, no início dos anos 70, fundamentaram os seus trabalhos na
distinção sintáctica das estruturas envolvidas em enunciados metafóricos, por
oposição aos literais. Segundo estes autores, as metáforas surgiam dentro de um
quadro de violação ou desvio gramatical. Esta posição foi posteriormente
abandonada, tendo-se percebido, dentro da semântica generativa, que as
restrições seleccionais não são de natureza sintáctica. A partir daí, o estudo das
configurações sintácticas metafóricas assumiu um carácter mais descritivo.
Aceita-se, mais ou menos consensualmente, que não se consegue isolar uma
sintaxe do figurado, ou seja, não é possível atribuir uma estrutura sintáctica às
frases metafóricas, que as distinga das frases literais, mas pode tentar-se
descrevê-las e caracterizá-las sintacticamente. Foi isto que se pretendeu com os
estudos da gramática da metáfora. Christine Brooke-Rose escreve, em 1958, um
importante livro nesse sentido, A Grammar of Metaphor, onde apresenta uma
tipologia de metáforas, agrupadas segundo as classes de palavras utilizadas
(metáforas nominais, verbais, adjectivais e adverbiais).
Outros estudos dentro da gramática da metáfora centraram-se na
configuração sintáctica da estrutura metafórica, analisada em contraste com a
estrutura comparativa. São exemplo disso os trabalhos de Morier (1961),
3. Teorias clássicas da metáfora
38
Genette (1970) e Françoise Soublin (1971). O grupo µ (1970), Joelle Tamine
(1979), Irène Tamba-Mecz ocuparam-se igualmente das metáforas a um nível
sintáctico. Na década de 80, diversos estudos foram realizados nesse sentido.
Béatrice Lamiroy (1987) analisou as estruturas sintácticas de frases com verbos
de movimento utilizados em sentido metafórico. A autora estudou expressões
como as presentes em (26), (27) e (28).
(26) Luc a déterré de sa mémoire que Marie lui doit de l'argent.
Luc lembrou-se de que Marie lhe deve dinheiro. (déterrer= desenterrar)
(27) Cela a amené Marie à penser que Luc a tort.
Isso levou Marie a pensar que Luc estava errado. (amener= trazer)
(28) Que Marie ait dit cela a rempli Luc de joie.
Que Marie tenha dito isso encheu Luc de alegria. (remplir=encher)
(Lamiroy, 1987, apud Coimbra, 1999: 32)
A conclusão a que Lamiroy chegou foi a de que estes verbos, utilizados
numa acepção metafórica, impõem mais restrições de sintaxe do que quando o
seu sentido é literal. Por exemplo, frases com este tipo de verbos não aceitam
muitas vezes a transformação passiva, permitindo-a, no entanto, quando os
verbos aparecem no seu significado literal.
Cirlene Almeida, em 1989, apresentou uma descrição linguística das
metáforas, relacionando categorias sintácticas e semânticas, dentro do quadro
teórico da gramática generativa e da Teoria dos Espaços Mentais de Fauconnier.
Assumindo a estrutura predicativa como «o mecanismo básico da produção das
metáforas» (1989: 161), a autora defende que estará a elas subjacente a criação de
dois espaços mentais: o referencial, correspondente ao tópico da metáfora, e o
espaço predicativo, correspondente ao seu veículo. Estes espaços mentais
articulam-se de acordo com a aplicação do Princípio de Identificação, uma
categoria básica da Teoria dos Espaços Mentais, que pressupõe a existência de
3. Teorias clássicas da metáfora
39
um conector pragmático a ligar dois domínios cognitivos (ou espaços mentais)
distintos.
Utilizando como exemplo a frase «A palavra de Deus é uma semente», a
autora apresenta o seguinte esquema:
F= (função pragmática)
A palavra de Deus semente
(espaço referencial) (espaço predicativo)
Esta análise semântica realizada no âmbito da teoria de Fauconnier pode
ser, de acordo com Cirlene Almeida, articulada com a Teoria da Regência e
Ligação e com a Teoria Temática da gramática generativa, aplicando-se os
princípios da atribuição de papel temático. Uma determinada categoria lexical
combina-se com os seus argumentos, atribuindo-lhe papéis temáticos, o que dá
origem a uma grade temática. Desta forma, um verbo como ‘cantar’, por
exemplo, tem uma estrutura argumental de um lugar, atribuindo o papel
temático de agente ao seu sujeito.
Os predicadores semânticos previstos na Teoria dos Espaços Mentais
pertencem à classe dos nomes, verbos, adjectivos e preposições. Eles coincidem
com as categorias sintácticas da Teoria da Regência e Ligação, pelo que é
possível propor uma tipologia de metáforas, considerando princípios sintácticos
e semânticos:
Metáforas verbais
O chefe rugiu.
A maldade bebe a maior parte do veneno que produz. (Séneca)
Maria recebeu confetes do chefe.
3. Teorias clássicas da metáfora
40
Metáforas nominais Um romance é um espelho. (Stendhal)
O povo quer que o governo seja um pai para todos.
Metáforas adjectivais
Pessoas frias me dão um calafrio.
Metáforas preposicionais
Um abismo entre mim e ti nos separa.
(Almeida, 1989: 155, 156)
A descrição sintáctica de estruturas metafóricas tomou outras formas,
apresentadas tanto posterior como anteriormente àquelas aqui referidas, cada
uma delas reflectindo a complexidade destes estudos. Luís Faísca (2004), num
trabalho sobre a construção do significado metafórico, considera que só se
realiza uma interpretação metafórica de expressões predicativas, do tipo A é B,
quando essa estrutura se mantém. Ou seja, a interpretação metafórica verifica-
se quando o nome predicativo do sujeito (o veículo) projecta sobre o sujeito (o
tópico) características que o irão esclarecer. Esta projecção é assimétrica,
retomando os termos de Ortony (1979), na salience imbalance hypothesis. De
acordo com Faísca, «uma característica pouco saliente do tópico é, assim, posta em
relevo, tornando-se a interpretação informativa.» (op.cit.: 316). Devido a essa
‘natureza assimétrica’ da metáfora, a estrutura predicativa necessita ser
mantida, não podendo ser o tópico a transferir características para o veículo.
Como foi explicado na secção 3.1.1.1, a comparação literal aceita que os seus
elementos sejam permutados, mas o mesmo não acontece com a metáfora.
3. Teorias clássicas da metáfora
41
3.5 Conclusão
Neste capítulo, foram delineadas as vias tradicionais de exploração da
metáfora, sobretudo a nível linguístico. Na próxima secção será abordado o
novo foco de investigação deste campo de estudo - o entendimento da metáfora
não apenas como fenómeno da língua, mas como ferramenta cognitiva
essencial. A dimensão conceptual da metáfora já estava prevista nas teorias até
aqui expostas. Como foi referido inicialmente, considera-se existir em
Aristóteles a noção de que a metáfora resulta da aplicação de um mecanismo
cognitivo que permite a percepção de uma entidade nos termos de outra. Outro
autor mencionado, Richards (1936), contestando as teorias por ele consideradas
como limitativas sobre a metáfora, afirmou que «it made metaphor seem to be a
verbal matter, a shifting and displacement of words, whereas fundamentally it is a
borrowing between and intercourse of thoughts, a transaction between contexts.
Thought is metaphoric, and proceeds by comparison, and the metaphors of language
derive there from.» (1936: 94, destaques no original). No entanto, nas novas
correntes sobre a metáfora, esta é encarada essencialmente como um
mecanismo cognitivo, sendo as suas expressões linguísticas secundárias
(principalmente na abordagem de Lakoff).
3. Teorias clássicas da metáfora
42
4. Teorias contemporâneas da metáfora
43
4. TEORIAS CONTEMPORÂNEAS DA METÁFORA
Ultimamente têm-se desenvolvido diversos estudos sobre a metáfora
dentro das áreas da linguística cognitiva e da psicolinguística, abrindo caminho
a uma perspectiva conceptual do fenómeno. A psicolinguística está interessada
em compreender os mecanismos cognitivos envolvidos no uso da linguagem e a
linguística cognitiva explora as interrelações entre as faculdades cognitivas e a
linguagem, procurando perceber nesta última manifestações da primeira.
Langacker (2000) defende que a linguagem não é uma faculdade humana
independente, mas uma faculdade que faz parte da cognição. Integra um
fenómeno psicológico vasto, não se podendo diferenciar ou estudar
isoladamente. Observando dados linguísticos, acedemos a processos cognitivos.
Lakoff e Johnson defendem algo semelhante, afirmando que: «Since
communication is based on the same conceptual system that we use in thinking and
acting, language is an important source of evidence for what the system is like.» (1980:
3). No que diz respeito à metáfora, para vários linguistas cognitivos e
psicolinguistas, esta desempenha um papel central nos nossos processos
cognitivos, pelo que o seu estudo tem sido objecto de grande interesse. Este
capítulo incidirá sobre dois modelos conceptuais de metáfora - a teoria da
Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes e a teoria da Metáfora
Conceptual. Esta última desenvolveu-se recentemente em outras teorias, como
4. Teorias contemporâneas da metáfora
44
na da Integração Conceptual de Fauconnier e Turner (2002) ou na das Metáforas
Primárias de Grady (1997).
4.1 Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes
De acordo com a teoria da metáfora como predicado de inclusão em
classes (metaphors as class-inclusion assertions), prevalece na construção e no
processamento das metáforas um mecanismo conceptual que permite a criação
de categorias taxonómicas inovadoras. Para demonstrar a perspectiva desta
teoria, será retomada a comparação literal (21) utilizada no capítulo três, aqui
recodificada como (29a). Se se confrontar essa expressão com uma variação dos
versos de Eugénio de Andrade «São como um cristal,/ as palavras»6, que constitui
a comparação metafórica de (30a), verifica-se que é possível transformar esta
última num predicado de inclusão (30b). Ou seja, em (30a), tanto palavras como
cristal (o veículo e o tópico da metáfora respectivamente) estão incluídos dentro
de uma mesmo categoria, admitindo, por essa razão, a reescrita presente em
(30b). O mesmo não acontece nas comparações literais, como se comprova em
(29b).
(29) a) A Pepsi-Cola é como a Coca-Cola.
b) * A Pepsi-Cola é a Coca-Cola.
(30) a) As palavras são como um cristal
b) As palavras são um cristal.
Cacciari e Glucksberg (1994) salientam o paradoxo deste facto - não é
possível ligar num predicado de inclusão duas palavras que se referem a coisas
idênticas, mas é possível fazê-lo com duas entidades muito diferentes. De
acordo com os autores, isso acontece porque, através das metáforas, são
6 Andrade, Eugénio (1958). «As Palavras». In Coração do Dia. Lisboa: Iniciativas Editoriais.
4. Teorias contemporâneas da metáfora
45
construídas novas categorias predicativas («new attributive category», op. cit.:
462). Quando alguém ouve que as palavras são um cristal será induzido a
proceder a uma categorização nova do termo «cristal», feita dentro do
processamento on line, que agora inclui o termo «palavras». Será a categoria das
coisas frágeis, delicadas, preciosas. Neste caso, «cristal» não é utilizado na sua
acepção mais corrente, concreta e literal, mas refere-se a uma classe mais geral e
prototípica, não lexicalizada, à qual pertence «palavras».
Peirce (1932) distinguiu as palavras enquanto instância (token) das
palavras enquanto tipo (type). Os vocábulos são utilizados como instância
quando aludem a entidades, quando nomeiam algo em concreto. No caso de se
referirem a uma categoria, funcionam como tipos. Cacciari e Glucksberg
utilizam a terminologia subordinate level e superordinate level para se refirem a
essas duas funções de uma mesma palavra. No caso da metáfora acima referida,
«cristal» é empregue como tipo, numa acepção de nível superior (superordinate
level) e não como instância (subordinate level). Desta forma, uma metáfora
equivaleria menos a uma comparação literal do que a uma relação de
hiponímia-hiperonímia, tal como se apresenta em (31).
(31) O gato é um animal.
A diferença é que não é atribuído um nome ao hiperónimo e este recebe,
por extensão, o nome do hipónimo. Repare-se na frase (32).
(32) My surgeon was a butcher.
O meu cirurgião foi um talhante.
Relativamente à frase (32), Glucksberg e Keysar (1993) realçam o facto de
não se estar a comparar o cirurgião a um talhante. Nas suas palavras, «In using
this expression, the speaker alludes to a prototypical or ideal exemplar of the category of
bumgling or harmful workers, and simultaneously uses that prototype’s name to name
that category.» (Glucksberg e Keysar apud Cacciari e Glucksberg, 1994: 462).
4. Teorias contemporâneas da metáfora
46
4.1.1 Comentários à teoria da Metáfora como Predicado de Inclusão em Classes
Este modelo permite resolver algumas questões, para as quais outras
teorias não conseguiram encontrar respostas - entre outras, a assimetria dos
termos metafóricos, a diferença entre comparações literais e metáforas e o
processo de selecção dos traços atribuídos ao tópico através do veículo e vice-
versa. No entanto, não está livre de críticas. Ritchie (2003) e Lakoff (1993)
questionam a aplicação deste modelo a metáforas como a de (33):
(33) O meu emprego é uma prisão.
Para que se possa criar a categoria de «situação desagradável de
confinamento», em que estejam incluídos o tópico e o veículo, terá de se fazer
uma leitura metafórica adicional de emprego (em princípio o emprego não
implica confinamento). O que carece de explicação, para estes autores, é a
necessidade de se fazer uma leitura metafórica para se interpretar uma
metáfora.
4.2 Teoria da Metáfora Conceptual
Na génese desta teoria contemporânea da metáfora encontra-se a obra
que Lakoff e Johnson publicaram em 1980 - Metaphors We Live By. Nesse livro,
os autores defendem que as expressões linguísticas metafóricas, que desde
sempre constituíram o objecto de estudo daqueles que se dedicam a este campo,
reflectem outras metáforas mais básicas, constituintes do nosso sistema
conceptual e às quais acedemos inconscientemente. Serão essas metáforas, de
natureza cognitiva, que irão ocupar Lakoff e Johnson, transferindo, assim, da
língua para o pensamento o estudo do fenómeno metafórico. As metáforas
deixam de ser consideradas como um artifício linguístico, um desvio à
«formulação literal» do pensamento. Pelo contrário, e uma vez que o próprio
4. Teorias contemporâneas da metáfora
47
pensamento é considerado como metafórico na sua natureza, elas são antes
vistas como algo natural, quotidianamente presente e disperso por vários
domínios. A prová-lo está a abundância de expressões metafóricas, que
banalmente utilizamos, sem nos apercebermos de que elas não podem ser
interpretadas de forma literal. Por outro lado, acontece-nos frequentemente
experienciar coisas em termos de outras coisas. Isto é o que acontece, e
utilizando o exemplo dado pelos autores, quando procedemos a afirmações
como a (34). Por detrás desta afirmação está o conceito metafórico (35).
(34) Estamos a perder tempo.
(35) TEMPO É DINHEIRO
A metáfora conceptual (35) faz-nos percepcionar o tempo como algo
valioso, limitado, quantificável, tal como o é o dinheiro. Ao fazê-lo, estamos a
agir metaforicamente, recorrendo a uma realidade que melhor conhecemos e
apreendemos («The essence of metaphor is understanding and experiencing one kind
of thing in terms of another». (Lakoff e Johnson, 1980: 5). O tempo em si não é
dinheiro, todos concordam com isso, mas é em parte percepcionado,
conceptualizado e expresso dessa forma: «The concept is metaphorically structured,
the activity is metaphorically structured, and, consequently, the language is
metaphorically structured.» (1980: 5). A própria dificuldade em traduzir
expressões figuradas revela que elas espelham concepções mentais que vão
para além da expressão linguística, tornando necessário complementar a
tradução com explicações sobre a conotação implicada. Uma outra evidência
para a natureza conceptual da metáfora é o facto de a sua expressão não ter
necessariamente de ser linguística. As metáforas visuais são muito exploradas
pela publicidade e há outras bem conhecidas, como a da pomba, símbolo da
paz, por exemplo. Rosa Coimbra (1999) refere-se igualmente a metáforas tácteis,
olfactivas e sonoras. Como exemplo de uma metáfora táctil, a autora menciona
um anúncio em que se utilizaram tiras de feltro, que os leitores tinham de
descolar, para simbolizar a aderência que os pneus de uma determinada marca
4. Teorias contemporâneas da metáfora
48
tinham à estrada. Como metáfora olfactiva, a mesma autora dá como exemplo
as cartas perfumadas que os namorados trocam e que sugerem, segundo
Coimbra, o que de agradável e doce os une. Relativamente às metáforas
auditivas, a autora afirma que «a relação poema música pode ser encarada
como uma correlação conceptual entre dois domínios.» (1999: 45).
Existem ainda evidências psicológicas relativamente à natureza
metafórica do pensamento. Serão referidos neste trabalho estudos realizados
que comprovam a acessibilidadade da interpretação figurada e a independência
desta relativamente à leitura literal (capítulo 5). Augusto Soares da Silva (2003)
afirma ainda que «as metáforas e as metonímias conceptuais desempenham um
papel fundamental na aprendizagem, na interpretação consciente e na
compreensão rápida e geralmente inconsciente de muitos tipos de linguagem
convencional e inovadora.» (p.4).
Lakoff e Johnson distinguem, como já foi referido, as metáforas
conceptuais das metáforas linguísticas. As primeiras constituem o seu objecto
de trabalho e formam padrões básicos de conceptualização do mundo. Os
autores convencionaram utilizar letras maiúsculas pequenas (versaletes) para se
referirem a estas metáforas conceptuais. Cada uma delas será projectada em
várias realizações linguísticas, mais ou menos criativas ou convencionais.
Diversos exemplos poderiam ser dados. Utilizando a metáfora conceptual BOM É
CIMA; MAU É BAIXO, as suas realizações linguísticas são várias:
(36) O João anda muito em baixo.
(37) O Pedro subiu aos céus com a notícia.
(38) Ele teve de rastejar para o conseguir.
(39) Desde Sábado que ela anda nas nuvens.
(40) A vida tem altos e baixos.
4. Teorias contemporâneas da metáfora
49
Sendo um mecanismo essencialmente cognitivo, as metáforas passam a
ser entendidas como projecções entre domínios conceptuais (domain mapping).
Um domínio origem ou fonte (source domain), normalmente da experiência mais
concreta, muitas vezes da realidade corporal, projecta noutro domínio distinto
vários padrões conceptuais, passando esse domínio alvo (target domain) mais
abstracto a ser entendido nos termos do outro. Estas projecções são sistemáticas,
na medida em que há uma correspondência fixa, não arbitrária, entre os
padrões do domínio origem e aqueles que são projectados no domínio alvo.
Repare-se neste diagrama de uma projecção metafórica, retirado de Soares da
Silva, 2003 (p. 16):
Domínio origem Domínio alvo
Para além de sistemáticas, as correspondências projectadas são ainda
invariáveis (the invariance principle, segundo Lakoff). Na metáfora conceptual
(41), a pessoa corresponde sempre ao passageiro, as paragens às etapas da vida,
os obstáculos aos problemas, etc..
(41) A VIDA É UMA VIAGEM
As projecções das metáforas cognitivas são parciais. Como facilmente se
intui, a correspondência entre a fonte e o alvo não é completa. Se fosse,
estaríamos a falar de duas entidades iguais e não seria necessário utilizar uma
metáfora para perceber o domínio alvo. Por essa razão, nem todos os aspectos
do domínio fonte serão projectados no domínio alvo e nem toda a natureza
deste será iluminada pelo outro. As projecções da fonte irão incidir apenas
sobre algumas partes do alvo, aquelas que fazem sentido dentro da metáfora,
deixando outras de parte. Isso terá reflexos na sua conceptualização. Ao
privilegiarem-se certos padrões de um conceito e ao omitirem-se outros,
A B C
1 2 3
4. Teorias contemporâneas da metáfora
50
direcciona-se a percepção. Lakoff e Johnson referem-se à porção utilizada (used
portion) da metáfora. Se tomarmos como exemplo a metáfora conceptual (42),
aquilo que tipicamente se projecta da fonte no alvo são os aspectos combativos.
Há, no entanto, outros aspectos que poderiam ser levados em conta, como a
interacção, a troca de conhecimentos, a cooperação, mas que, como não são
compatíveis com a metáfora, não são levados considerados e não caracterizam,
por essa razão, a nossa forma de entender uma discussão.
(42) DISCUSSÃO É GUERRA
Este modelo prevê ainda a organização das metáforas em dois níveis - as
metáforas de nível genérico (generic-level metaphors) e aquelas de nível básico ou
específico (specific-level or basic metaphors). As metáforas de nível inferior
herdam os padrões de projecção daquelas de nível superior, organizando assim
redes hierárquicas de metáforas, dominadas por uma expressão metafórica
conceptual mais alta (higher). Esta, tal como o nome refere, é mais genérica, os
seus domínios fonte e alvo não são fixos, bem como não o são as projecções. As
metáforas básicas já serão caracterizadas pela especificidade do seu domínio.
Lakoff e Johnson (1989: 52) apresentam o seguinte exemplo de metáforas dos
dois níveis na conceptualização da vida e da morte:
1. Generic-level metaphors: PURPOSES ARE DESTINATIONS, STATES ARE
LOCATIONS, EVENTS ARE ACTIONS, etc..
2. Specific-level metaphors for the domains of life and death: LIFE IS A
JOURNEY, DEATH IS DEPARTURE, PEOPLE ARE PLANTS, A LIFETIME IS A YEAR, A
LIFETIME IS A DAY, DEATH IS REST, DEATH IS SLEEP, LIFE IS A PRECIOUS POSSESSION,
LIFE IS A PLAY, etc..
4. Teorias contemporâneas da metáfora
51
A tipologia de metáforas conceptuais proposta por estes autores é a seguinte:
estruturais
• Metáforas convencionais orientacionais
ontológicas
• Metáforas novas
• Metáforas imagéticas
As metáforas convencionais são aquelas tipicamente automáticas,
enraizadas na nossa experiência física. Dividem-se em estruturais, quando
estruturam um conceito nos termos de outro (43, 44), orientacionais, se
organizarem um sistema com base na orientação espacial, essencialmente na
noção de cima e baixo (45, 46) e ontológicas, as que equiparam conceitos
abstractos a entidades concretas, nomeadamente do domínio corporal e físico
(47, 48). As metáforas novas baseiam-se em afinidades que se formam a partir de
metáforas orientacionais e ontológicas, resultando, essencialmente, em
metáforas estruturais. Nas metáforas imagéticas, ao contrário das convencionais,
não são projectados vários padrões de um domínio noutro, mas é projectada
singularmente uma imagem mental noutra. Lakoff (1993) exemplifica com a
frase (49), de André Breton.
(43) DISCUSSÃO É GUERRA
(44) TEMPO É DINHEIRO
(45) BOM É CIMA, MAU É BAIXO
(46) SAÚDE É CIMA, DOENÇA É BAIXO
(47) AS EMOÇÕES SÃO SUBSTÂNCIAS
(48) AS PESSOAS SÃO PLANTAS
(49) «My wife... whose waist is an hourglass.»
A minha mulher… cuja cintura é uma ampulheta.
4. Teorias contemporâneas da metáfora
52
4.2.1 Comentários à Teoria da Metáfora Conceptual
Apesar do reconhecimento alargado existente na literatura relativamente
às potencialidades e inovações desta teoria, encontram-se reservas por parte de
diversos autores (Holland, 1982; MacCormac, 1985; Wierzbicka, 1986; Ortony,
1988; Jackendoff and Aaron, 1991; Cacciari and Glucksberg, 1994, entre outros).
Keesing (1985), Mühlhaüser (1995), Yu (1998), por exemplo, mostram-se
incrédulos relativamente à extensão universal de algumas metáforas
conceptuais a partir de uma única língua estudada - o inglês. Estas metáforas
são muitas vezes construídas, tal como já se explicou, em experiências corporais
básicas («direct physical experience» Lakoff e Johnson, 1980: 57) e comuns à classe
humana - a noção de verticalidade condiciona a nossa percepção espacial em
termos de cima-baixo (up/ down), a nossa constituição física impõe-nos o
conceito de frente-trás (front-back), etc.. Poder-se-ia admitir que, sendo estas
percepções comuns a toda a raça humana, originariam igualmente metáforas
conceptuais idênticas nas diferentes línguas. No entanto, é para esta
generalização que os autores acima mencionados alertam. Yu refere a
necessidade de se tentar perceber melhor, através de estudos inter-linguísticos,
até que ponto as metáforas conceptuais são universais e até que ponto são
culturalmente condicionadas. O autor afirma que «Since, as argued, human
understanding, meaning and reasoning are grounded in our embodied experience, and
since basic bodily experience should be common among all human beings, it can be
hypothesized that there exist cognitive universals, as well as linguistic universals. On
the other hand, since bodily experience always interact with specific physical, social and
cultural environments, it is also expexted that there should be cognitive variations
across cultures and languages.» (p.47). Cacciari e Glucksberg (1994) levantam
igualmente várias objecções à abordagem lakoviana da metáfora. Por um lado,
salientam a fragilidade desta teoria em termos linguísticos. Ocupando-se
exclusivamente das metáforas conceptuais, não parece responder a
preocupações linguísticas como por exemplo o que leva a que determinadas
4. Teorias contemporâneas da metáfora
53
expressões metafóricas sejam preferíveis em relação a outras. De acordo com os
autores, a teoria conceptual não dá conta da metáfora ao nível do discurso, e
isso continua a ser necessário. Por outro lado, Cacciari e Glucksberg apontam
questões que consideram não resolvidas, como a forma como o sistema
conceptual é adquirido; o facto de as estruturas conceptuais e as projecções
serem ou não universais; a dúvida sobre se todas as pessoas partilham essas
estruturas conceptuais e projecções; a questão de, construindo-se as metáforas
com base em estruturas conceptuais presentes na memória semântica, como se
explicam as metáforas novas.
4. Teorias contemporâneas da metáfora
54
5. A pesquisa psicolinguística
55
5. A PESQUISA PSICOLINGUÍSTICA
A construção do significado de uma frase metafórica, a forma como as
metáforas são percebidas, é uma preocupação da psicolinguística. Para
responder a esta questão, diferentes propostas são apresentadas, reflectindo,
cada uma delas, uma perspectiva distinta sobre o assunto. A forma como são
entendidos os conceitos de significado literal e significado figurado e como se
considera que estes significados são processados encontra-se directamente
relacionada com o tema. Como se reconhece uma frase como metafórica em vez
de literal e se constrói a sua leitura de acordo com isso? A pergunta torna-se
mais pertinente, se tivermos em conta que as pistas sintácticas para o
reconhecimento de frases metafóricas são reduzidas. As frases (50) e (51),
metafórica e literal, respectivamente, têm uma estrutura sintáctica idêntica.
(50) O cão é um animal.
(51) As palavras são punhais.
Para além disso, em muitas frases, não se verificam anomalias
semânticas, podendo ter uma leitura literal ou figurada:
(52) O Ricardo é um gorila.
5. A pesquisa psicolinguística
56
Neste capítulo será feita uma análise de dois modelos psicolinguísticos
essenciais para o processamento das metáforas: os modelos de etapas ou de
processamento derivado e os modelos construtivistas. No final do capítulo,
proceder-se-á a uma revisão dos estudos linguísticos e psicolinguísticos
realizados em Portugal dentro do âmbito da linguagem metafórica.
5.1 Modelos de etapas
O modelo de etapas advém da teoria pragmática tradicional (Standard
Pragmatic Model) e está na base de outros modelos como o de Ortony (Salience
Imbalance Model) ou o de Gentner (Structure Mapping Model). Tal como se
verificou no capítulo três, a linguagem figurada representa, para esta teoria,
uma violação das regras da língua, uma utilização marcada da linguagem,
tendo como referência os usos convencionais da gramática, nomeadamente da
semântica. Qualquer frase que se ouça ou que se leia, segundo preconiza a
teoria pragmática, é aceite como estando a veicular informação fidedigna e
credível (através de uma frase literal, gramaticalmente aceitável). Só após uma
primeira leitura, em que se percebe que, entendida literalmente, a frase é, de
alguma forma, estranha, se opta por uma segunda leitura, esta figurada e capaz
de restabelecer as regras conversacionais. Neste sentido, a metáfora só pode ser
percebida como um fenómeno da pragmática: «Metaphorical meaning is always
utterance meaning» (Searle, 1979: 93).
5. A pesquisa psicolinguística
57
Esta visão da metáfora gera o modelo de processamento por etapas:
a) Primeira etapa - procede-se a uma leitura literal da frase.
b) Segunda etapa - acede-se à interpretação da frase, tendo em conta o
seu contexto.
c) Terceira etapa - apenas na impossibilidade de uma leitura literal da
frase (then and only then), opta-se por uma
interpretação não literal.
5.1.1 Estudos sobre os modelos de etapas
O modelo de etapas delineia de forma clara o processo de compreensão
das metáforas, sendo esse o seu grande mérito. No entanto, esta maneira
simples e linear de perceber o fenómeno tem sido muito contestada por
diversos estudiosos e contrariada por vários estudos psicolinguísticos
realizados. Glucksberg e Keysar (1990) salientaram que têm sido encontrados
argumentos que inviabilizam cada etapa apresentada pelo modelo de
processamento derivado.
A primeira etapa do modelo define que a leitura de uma frase não literal
é sempre antecedida por uma leitura literal dessa mesma frase. Parte-se do
princípio que, se tal acontecesse, isso traduzir-se-ia num tempo de
processamento mais alargado das frases metafóricas em contraste com o das
literais. As experiências realizadas por Harris (1976); Ortony, Schallert,
Reynolds e Antos (1978); Shinjo e Myers (1987) Gerrig e Healy (1983), entre
outros, comprovaram no entanto que, se o contexto for o adequado, as frases
metafóricas não necessitam de mais tempo de leitura do que as frases literais.
Raymond Gibbs estudou outras formas de linguagem figurada para além da
metáfora, tal como pedidos indirectos (1979), expressões idiomáticas (1986a) e
5. A pesquisa psicolinguística
58
ironia (1986b) e as conclusões a que chegou, relativamente ao tempo de
processamento, foram idênticas.
Uma variável importante na realização destes estudos é o tipo de
metáforas utilizado. Grande parte deles foram pensados para investigar a
velocidade de leitura e de processamento de metáforas predicativas do tipo
A é B. Estas investigações comprovaram que uma frase metafórica não é mais
difícil de perceber do que uma literal, levando em conta os tempos de leitura.
No entanto, quando os testes incidiram sobre metáforas em posição referencial
(Gibbs,1990; Onishi e Murphy, 1993; Noveck, Bianco e Castry, 2001) os
resultados foram diferentes, sendo, talvez, necessário especificar as condições
que permitem dizer que «people understand metaphors in the much same way as
they understand literal sentences» (Kintsch, 2002: 3). Gibbs (1990) criou um
paradigma de referência metafórica (Metaphoric Reference Paradigm) para estudar
esse tipo de metáforas. O investigador utilizou histórias de oito linhas, em que a
última mencionava metafórica ou literalmente um personagem da história. Por
exemplo, num dos textos foi descrito um combate de boxe, em que um dos
lutadores era muito mau e perdia sempre. A última frase encontra-se em (53),
referindo-se «the creampuff» a esse lutador.
(53) The creampuff didn´t even show up.
O pastel de nata não apareceu.
A referência literal era «the fighter» (o lutador). Gibbs constatou que os
tempos de leitura diferiram significativamente, sendo as referências literais de
leitura invariavelmente mais rápida do que as metafóricas. As hipóteses que
Gibbs levantou para explicar este resultado foram, por um lado, a validade do
modelo de etapas, que prevê um mais difícil processamento de frases
metafóricas relativamente a frases literais, ou, por outro lado, o processo de
referência interferir com a interpretação da metáfora. Onishi e Murphy (1993)
procuraram testar estas hipóteses, controlando possíveis factores que
5. A pesquisa psicolinguística
59
interferissem com o processamento da referência metafórica. Numa primeira
experiência, foi tornada clara toda a informação partilhada pelos intervenientes
da história, de forma a que, quando surgisse a referência metafórica, não
houvesse a possibilidade de os sujeitos testados estarem a integrar informação
extra que aumentasse o tempo de leitura. Os investigadores utilizaram histórias
de quatro a seis linhas em que duas pessoas partilhavam os mesmos dados
sobre uma terceira pessoa ou objecto, que eram referenciados, metafórica ou
literalmente, na última ou penúltima frase do texto. A frase referencial não
introduzia, portanto, informação nova quanto ao ponto de vista das duas
pessoas. Os investigadores aplicaram este paradigma a vinte pessoas e
verificaram que nenhum sujeito leu a frase-alvo metafórica mais rapidamente
do que a literal, sendo a média de leitura de 1,669 msec para as frases literais e
de 2,000 msec para as metafóricas. Concluiu-se, portanto, que a referência
metafórica exige, realmente, mais tempo do que a literal. Onishi e Murphy
procuraram, numa segunda experiência, controlar outros factores que
pudessem dificultar a compreensão da referência metafórica. Numa tentativa
de tornar ainda mais explícito o referente e eliminar possíveis dificuldades em o
identificar, Onishi e Murphy construíram histórias em que a personagem
referenciada aparecia imediatamente antes da frase-alvo. Num dos textos, a
dona estremosa de uma gata que se recusava a comer telefona ao veterinário. A
frase número sete é a que consta em (55), ao que se segue a frase-alvo
metafórica (54a). A variante literal encontra-se em (54c).
(54) a) My princess won’t eat
A minha princesa não come
b) My cat is my princess
A minha gata é a minha princesa
c) My cat won’t eat.
A minha gata não come.
(55) Felicia described her problem with her siamese.
Felicia descreveu o seu problema com a sua siamesa.
5. A pesquisa psicolinguística
60
Todos estes procedimentos, no entanto, não impediram um maior tempo
de leitura das frases metafóricas (2,262 msec versus 1,912 msec das frases
literais).
Os investigadores utilizaram tópicos e veículos que tinham sido
testados anteriormente em metáforas predicativas (Gildea e Glucksberg, 1983) e
que tinham sido considerados adequados e fáceis de perceber, não parecendo
haver, portanto, dificuldade em relacioná-los. No entanto, para testar a
adequação das metáforas utilizadas, e para perceber se o problema era
realmente o facto de serem referenciais ou se era a expressão em si, os
investigadores realizaram uma terceira experiência, em que apresentaram as
mesmas histórias, mas em que as metáforas eram predicativas. No texto
original do gato, o que a sua dona diz ao telefone constitui a frase-alvo
metafórica (54a). Nesta experiência, Onoshi e Murphy colocaram a frase (54b) e
verificaram que, nesta como nas outras histórias, as diferenças no tempo de
leitura em relação aos referentes literais desapareceram, pelo que o problema
não estava nas metáforas em si, mas no facto de serem utilizadas em posição
referencial. Numa metáfora predicativa, todos os componentes metafóricos se
encontram explícitos. É fácil identificar o tópico e o veículo, cabendo ao ouvinte
perceber a base. No entanto, quando se trata de referências metafóricas, é
exigido o trabalho adicional de inferir o tópico. Numa frase como (54a), tem de
se recuperar o tópico (o gato), para além de ser necessário construir a base da
metáfora (um gato muito bem cuidado e tratado). Este processo leva Onoshi e
Murphy a afirmar que «it seems that comprehending the metaphor (i.e., relating the
topic and the vehicle) is not the difficulty here - the problem is identifying the referent
and (equivalently) identifying the noun phrase as metaphorical.» (1993: 770).
Noveck, Bianco e Castry (2001) realizaram uma experiência semelhante e
concluiram que realmente «metaphors often come with costs when compared with
non-figurative controls (e.g. longer processing times)». Estes autores basearam-se na
5. A pesquisa psicolinguística
61
Teoria da Relevância (Relevance Theory) de Sperber e Wilson (1995) e adaptaram
o Paradigma de Referência Metafórica de Gibbs. Eles apresentaram aos sujeitos
testados dezasseis histórias de oito linhas, em que a penúltima continha uma
frase metafórica ou uma sinónima literal. Esta experiência foi realizada com
crianças desde os nove anos até adultos e os autores verificaram que o factor
idade é determinante na compreensão das metáforas, encontrando-se esta
facilitada pela maturação cognitiva dos indivíduos. Com a idade, o tempo de
leitura de uma frase metafórica referencial, em comparação com o de uma
literal, diminui, mas é sempre superior (nas crianças de nove anos foi 2322 mseg
superior e nos adultos foi 530 mseg superior). Os autores concluem que
«compared to synonymous controls, metaphoric references are consistently associated
with relatively longer reading times». No entanto, estes custos são compensados,
pelo menos nos adultos, com vantagens na compreensão. Os autores fizeram
uma segunda experiência em que acrescentaram, no fim, questões sobre a
história. Eles verificaram que o número de respostas correctas dos adultos era
7% mais elevado nas histórias com referências metafóricas do que nas histórias
com referências literais (90% e 83% respectivamente). As crianças, no entanto,
não pareceram beneficiar com as metáforas, apresentando um número superior
de respostas certas após referências literais (8%, 4% e 1% em crianças com nove,
onze e catorze anos respectivamente).
O segundo momento do modelo de etapas, em que se preconiza que o
significado de uma frase metafórica só é processado após o acesso ao
significado literal, também tem sido sujeito a contestações empíricas.
Glucksberg, Gildea e Bookin (1982) realizaram uma experiência, utilizando
metáforas nominais do tipo A é B. Nesse estudo, era pedido às pessoas que
decidissem se a afirmação era verdadeira ou falsa. As pessoas tiveram mais
dificuldades em tomar essa decisão face a frases literalmente falsas, mas
metaforicamente aceitáveis, como em (56).
5. A pesquisa psicolinguística
62
(56) Some desks are junkyards.
Algumas secretárias são sucatas.
Este resultado revela um efeito de interferência da leitura metafórica e
valida a hipótese de esta ser activada automaticamente e não opcionalmente,
após rejeição de uma leitura literal. Numa outra investigação, Blasko e Connine
(1993) verificaram que, na compreensão de um enunciado metafórico, tanto o
significado literal como o figurado estão activados, o que levou as autoras a
rejeitar o modelo sequencial e a optar por um modelo paralelo. Newsome
(1999), por outro lado, demonstrou que, em enunciados figurados com termos
alvo exclusivamente associados à metáfora, o significado literal nem sempre é
activado. McElree e Nordlie (1999) utilizaram o método SAT (speed-accuracy
trade-off) para verificar se os significados literal e metafórico são acedidos
sequencial ou paralelamente. Os autores encontraram evidências temporais
para esta última hipótese.
No que diz respeito à terceira etapa do modelo de processamento
derivado, em que finalmente se acede ao significado figurado, várias
experiências realizadas têm-na colocado em questão. Essa etapa implica que as
interpretações não literais ocorram dentro de uma moldura contextual mais
alargada e diferencial do que as literais. No entanto, o que empiricamente se
percebeu (Ortony et al., 1978; Gildea e Glucksberg, 1983; Gerrig e Healy, 1983;
Blasko e Connine, 1993) foi que a informação que é necessário activar para se
proceder a uma leitura figurada é aquela que se recruta face a frases literais. A
interpretação de metáforas familiares ou convencionais, por exemplo, não é tão
dependente do contexto como são as metáforas novas ou ambíguas (Blasko e
Connine: 1993).
5. A pesquisa psicolinguística
63
5.2 Modelos construtivistas
Os modelos de etapas são propostos por teorias que assumem a distinção
fundamental entre frases literais e figuradas. Consequentemente, o
processamento destes dois tipos de frases será diferenciado. A alternativa aos
modelos de etapas é a dos modelos construtivistas, que defendem um
processamento cognitivo idêntico nas frases literais e metafóricas. De acordo
com este modelo, a construção do significado de qualquer frase, literal ou não
literal, é processual, exige a activação do mesmo tipo de mecanismos
inferenciais e está dependente do contexto - «there exists a considerable and
convincing body of research in cognitive psychology and cognitive science that indicates
that people understand metaphors in much the same way as they understand literal
sentences. (...) the meaning of a word, sentence or text is given by the set of relationship
between it and everything else that is known» (Kintsch e Bowles, 2002: 3). Este é o
modelo proposto pela teoria de Inclusão de Classes de Keysar e Glucksberg
(1993). Tal como se verificou no capítulo anterior, os autores encaram as
metáforas como uma asserção de inclusão categorial, que funciona de forma
idêntica às predicações literais, com um sujeito e um nome predicativo do
sujeito. A natureza dual do veículo, que pode designar um conceito literal
específico ou uma categoria, é que irá permitir a distinção entre as predicações
literais e as metafóricas. Considerem-se as frases (57) e (58):
(57) Um dermatologista é um médico.
(58) A Inês é uma cobra.
Numa frase como a (57), «médico» refere-se a uma entidade concreta, a
palavra é utilizada como uma instância (token), numa função de nível inferior
(subordinate level). Será nesse nível concreto que o nome predicativo do sujeito
irá atribuir características ao sujeito. Na frase (58), «cobra» é utilizada numa
dimensão categorial e não concreta ou «emblemática». Ela irá denominar a
categoria das coisas traiçoeiras, venenosas, más e serão essas características que
5. A pesquisa psicolinguística
64
serão atribuídas ao tópico. Não se refere a répteis, pelo que essa propriedade
não será transportada para o sujeito.
A computação de uma frase, metafórica ou não, implica a identificação e
a selecção de características semanticamente apropriadas, dado o contexto. Não
se activam e combinam todos os traços dos elementos que constituem a frase.
As propriedades seleccionadas para se compreender o verbo «apanhar» em
(59a) e (59b) são distintas.
(59) a) A criança apanhou um susto.
b) Eu apanhei a roupa.
O mesmo acontece numa metáfora, de acordo com este modelo. São
seleccionados os traços do veículo adequados ao tópico e aqueles que são
irrelevantes dentro da predicação são suprimidos. Desta forma, cria-se a nova
categoria mental. O tópico, por sua vez, interage com o veículo, fornecendo
propriedades que especifiquem essa categoria: «A metaphor topic provides
dimensions for attribution, while a metaphor vehicle provides properties to be attributed
to the topic.» (Glucksberg, 2001: 53). Kintsch (2000) compara o processamento de
uma expressão metafórica ao processamento de uma frase com palavras
polissémicas. Os recursos activados para se perceber o vocábulo ‘cobra’
utilizado num contexto literal, como em (60a) ou numa frase metafórica, como
em (60b), são aqueles necessários para se construir o significado da palavra
«canto» em diferentes contextos, exemplificados em (61a) e (61b):
(60) a) A cobra mordeu o João.
b) A Inês é uma cobra.
(61) a) O móvel está no canto da sala.
b) O canto do pássaro é lindo.
Ambos os casos (frases 60 e 61) obrigam a «activating context-appropriate
features and inhibiting or deactivating innapropriate features.» (Kintsch, 2000: 263).
5. A pesquisa psicolinguística
65
5.2.1 Estudos sobre os modelos construtivistas
Gernsbacher e Keysar (1995) testaram a influência do contexto no
processamento de frases literais e verificaram que este era mais lento quando o
enunciado era antecedido por uma metáfora. Testando a velocidade de leitura
de frases como (62), os tempos de reacção resultaram mais lentos no caso de o
prime ser a frase (63) do que no caso de ser a (64).
(62) Sharks are good swimmers
Os tubarões nadam bem.
(63) My lawyer is a shark.
O meu advogado é um tubarão.
(64) The hammerhead is a shark.
O tubarão-martelo é um tubarão.
Daqui se concluiu que o facto de uma frase ser literal não a torna, por si
só, de processamento mais simples e directo. O contexto irá influenciar a leitura
e a sua interpretação.
Partindo do princípio, e baseando-se em diversas investigações, de que a
compreensão de metáforas se realiza de maneira idêntica à de frases literais,
Walter Kintsch (2000) criou um modelo computacional para simular a
compreensão de predicações metafóricas, em que elas são tratadas da mesma
forma do que as predicações literais. Este modelo apoia-se na técnica de Latent
Semantic Analysis (LSA) e no Construction-Integration Model (CI). O LSA é um
modelo de construção de significado (a model of human knowledge structure), que
permite criar um espaço semântico onde as palavras ou as frases de um texto se
relacionam entre si. Através do cálculo do grau de relação semântica que elas
partilham, chega-se ao significado das palavras ou frases. The construction-
integration model providencia a associação sintáctica das predicações,
combinando traços do predicado com os do seu argumento. Por exemplo, na
5. A pesquisa psicolinguística
66
frase (63), realiza-se a combinação de «is a shark» (que obterá resultados
diferentes do espaço semântico de «shark» isolado) com «My lawyer»,
resultando num campo semântico inovador.
A sequência (simplificada) pela qual o computador processa a frase é a
seguinte:
1- Através do LSA são seleccionados termos que se associem ao
predicado;
2- Desses termos são escolhidos aqueles que se relacionam com o
argumento;
3- O termo mais activado desta rede fornece o significado da metáfora.
O processamento de uma predicação literal (figura dois) é idêntico ao de
uma predicação metafórica (figura um), tal como se pode perceber nos
seguintes esquemas:
Numa frase literal, a relação entre o predicado e o seu argumento é
normalmente clara e esperada, sendo que várias características do primeiro se
5. A pesquisa psicolinguística
67
aplicam ao último. Numa metáfora, só se verifica a associação de alguns traços,
proporcionando um o campo semântico original e criativo.
Este modelo foi testado, comparando as interpretações de vinte e quatro
sujeitos a trinta metáforas predicativas e os resultados da simulação
computacional com essas mesmas metáforas. As pessoas tinham igualmente de
se pronunciar relativamente à facilidade ou dificuldade que sentiram na leitura
das frases. Relativamente às metáforas consideradas fáceis, verificou-se grande
consensualidade na interpretação e o termo atribuído pelo computador
assemelhava-se muito àquele indicado pelas pessoas. No caso das metáforas
sentidas como difíceis, houve uma variedade maior nas respostas, mas os
resultados do modelo computacional também se aproximaram aos dos sujeitos.
Kintsch concluiu, desta forma, que este modelo fornece pistas fiáveis sobre o
processo de compreensão de frases predicativas, sejam elas literais ou
metafóricas. Resumindo, este processo baseia-se na interacção entre o
significado do tópico e do veículo, ou do predicado e seu argumento,
independentemente de a frase predicativa ser literal ou metafórica: «Predication
modifies the topic vector, by merging it with selected features of the vehicle vector»
(Kintsch, 2000: 257).
5.3 Estudos linguísticos sobre a metáfora realizados em Portugal
A metáfora tem sido objecto de interesse em Portugal em várias áreas do
saber (filosofia, literatura, didáctica, ciências, história, etc.), a julgar pelos
trabalhos publicados. Detendo-me nas áreas da linguística, tem havido, nos
últimos anos, importantes contributos para a compreensão da linguagem
metafórica.
5. A pesquisa psicolinguística
68
Augusto Soares da Silva tem vários estudos sobre a metáfora,
disponíveis em diversas publicações. No âmbito da linguística cognitiva,
publicou um artigo intitulado «O poder cognitivo da metáfora e da metonímia»
(2003). Apresentando a metáfora e a metonímia como ‘fenómenos conceptuais’
(op.cit.: 2), e de forma a analisar o seu poder, Soares da Silva faz uma revisão
dos actuais modelos conceptuais que incidem sobre os dois mecanismos,
procedendo a uma avaliação crítica sobre eles. Para tal, recupera a análise de
diversos conceitos, tais como a distinção entre a metáfora e a não-metáfora ou a
linguagem literal e figurada.
Na área da psicologia cognitiva, Luís Faísca (2004) desenvolveu vários
estudos experimentais sobre o processamento da metáfora, integrados na sua
tese de doutoramento: A Construção do Significado Metafórico – um contributo para
a caracterização dos processos cognitivos subjacentes (2004). O primeiro desses
estudos consistiu em pedir a cento e oitenta pessoas, com idades
compreendidas entre os dezoito e os sessenta e cinco anos, que parafraseassem
quarenta e seis metáforas nominais novas, ou seja, que não existiam, do tipo A é
B. De seguida, os sujeitos deveriam avaliá-las em quatro dimensões: facilidade
de interpretação, familiaridade percebida, concordância com a expressão e sua
qualidade. De acordo com os resultados dessa tarefa, o corpus de metáforas foi
caracterizado e foi utilizado nos restantes trabalhos empíricos da tese. Este
estudo permitiu concluir que, perante frases tão estranhas como ‘a criatividade
é uma torradeira’, os inquiridos esforçavam-se por lhes conferir um significado
válido. Apenas 12.7% das frases não foram interpretadas. Por outro lado, uma
mesma frase provocava uma grande variedade de interpretações, não havendo
nenhuma à qual tivesse sido atribuído um sentido único. Relativamente aos
parâmetros de avaliação, verificou-se que eles se relacionavam muito entre si.
Quer isto dizer que havia uma tendência generalizada para se avaliarem as
quatro dimensões da mesma forma. Se uma metáfora era considerada fácil de
interpretar, era igualmente julgada como mais familiar, de melhor qualidade e
5. A pesquisa psicolinguística
69
suscitava maior concordância. A conclusão que se retirou deste facto foi de que
os sujeitos se basearam apenas num critério de avaliação para apreciarem os
quatro parâmetros. O efeito do nível de escolaridade também foi avaliado e
verificou-se que os indivíduos licenciados interpretavam mais metáforas,
apesar da qualidade das interpretações ter sido considerada idêntica à dos
sujeitos não licenciados.
Posteriormente, as paráfrases foram objecto de um outro estudo.
Partindo da premissa de que «uma interpretação é de qualidade se respeitar a
estrutura sintáctica da frase original e assinalar aspectos relevantes do tópico atribuídos
pelo veículo.» (op.cit.: 314), só foram consideradas neste estudo as paráfrases
avaliadas como de baixa qualidade, denunciadoras de uma interpretação não
metafórica. O trabalho recaiu nas estratégias alternativas utilizadas pelos
sujeitos para lidarem com as expressões apresentadas. De acordo com o estudo,
as estratégias de extracção de significado foram necessárias, na sua grande
maioria, quando as metáforas eram consideradas de difícil interpretação pelos
sujeitos. Naquelas avaliadas como fáceis, a construção do sentido da frase era
canónica, sendo o veículo utilizado para esclarecer características do tópico,
através da projecção de propriedades comuns. As estratégias alternativas
propostas foram oito, incluindo interpretações por distorção semântica, por
distorção sintáctica, por associação livre, por realização de oposições, por
analogias distorcidas e interpretações consideradas ‘quasi-metafóricas’, mas
ainda assim não canónicas.
Estes dois estudos serão retomados na segunda parte desta tese,
dedicada ao trabalho experimental. As outras investigações de Faísca
consistiram na análise do processo de interpretação de metáforas fáceis e
difíceis de compreender, no estudo da função do tópico e do veículo no
processo de construção de significado metafórico e na avaliação da tarefa da
memória de trabalho nesse mesmo processo.
5. A pesquisa psicolinguística
70
Também no âmbito da psicologia cognitiva, Sara Baía (1989) efectuou
uma investigação sobre a compreensão e recordação de frases metafóricas e
literais por crianças dos oito aos onze anos. O estudo consistiu em apresentar a
esses sujeitos frases predicativas metafóricas e seus correspondentes literais,
como nos exemplos (65a) e (65b), respectivamente:
(65) a) O sol é uma bola de fogo.
b) O menino gosta muito da sua bola.
Foi pedido às crianças que explicassem essas frases e que,
posteriormente, as recordassem. A investigadora verificou que as crianças mais
novas compreendiam pior as frases metafóricas do que as mais velhas e que
ambas entendiam menos frases metafóricas do que literais. Concluiu-se, desta
forma, que a compreensão de metáforas evolui com a idade e com a maturação
cognitiva. No que diz respeito às frases literais, esta evolução não se verificou,
sendo essas frases percebidas de forma equivalente pelas crianças mais novas e
mais velhas. Não se registaram diferenças na recordação dos dois tipos de
frases.
Rosa Coimbra (1999) realizou a sua tese de doutoramento em linguística
igualmente sobre a metáfora. A investigadora estudou dois mil e sessenta
títulos de notícias da imprensa portuguesa e analisou a linguagem metafórica
neles existente, de um ponto de vista sintáctico, léxico-semântico, fónico e inter-
textual. Da investigação que realizou, concluiu que a metáfora participa na
construção mental da notícia a vários níveis, exercendo um importante papel na
verbalização de conceitos, motivação à leitura e condensação semântica.
Num outro estudo realizado por Coimbra e Bendiha (2004), e publicado
sob o título «Nem todas as cegonhas trazem bebés. Um estudo de metáforas
com nomes de animais em falantes portugueses e chineses», foram analisadas
as projecções metafóricas resultantes de nomes de animais em português e em
5. A pesquisa psicolinguística
71
mandarim. Considerando que as expressões metafóricas usadas
quotidianamente espelham conceitos culturais e sociais, as investigadoras
realizaram um inquérito junto de sujeitos das duas línguas maternas, pedindo-
-lhes que associassem os nomes de diversos animais a determinadas
características pré-seleccionadas. De acordo com os resultados obtidos,
verificou-se uma diversidade de respostas entre os dois grupos de falantes,
reflectindo uma forma distinta de perceber os diversos conceitos, mas uma
relativa homogeneidade interna nas escolhas efectuadas.
Eduardo Fonseca também se tem dedicado ao estudo linguístico das
metáforas, sendo a sua tese de doutoramento (não publicada) «A compreensão
de alguns tipos de metáforas por alunos dos ensinos básico e secundário»
(1994). Numa conferência proferida em 2000 e dedicada aos «Problemas de
psicolinguística genética: a compreensão da metáfora por estudantes
portugueses», Fonseca, após uma perspectiva teórica sobre o fenómeno
metafórico, apresenta uma proposta de tipologia de metáforas, baseada em
Morier (1981). No capítulo seis da presente tese retomar-se-á este estudo para
igualmente apresentar uma tipologia de expressões metafóricas. Fonseca alerta
para a necessidade de se clarificar o tipo de metáfora testado nas investigações
empíricas, nomeadamente nas de carácter desenvolvimental, pois diferentes
tipos de metáforas implicam complexidades distintas no processamento da
informação.
Patrícia Matos Amaral (2003) realizou a sua tese de mestrado em
linguística geral sobre o fenómeno da significação e propôs-se efectuar esse
estudo à luz dos mecanismos de interpretação metafórica. De acordo com a
autora, «a metáfora revela-se um exemplo particularmente significativo do
funcionamento do processo de interpretação (….). O trabalho de construção requerido ao
ouvinte/ leitor, de que a interpretação da metáfora constitui apenas um limite, é
essencialmente o mesmo para todos os usos da linguagem.» (op. cit.: 16). Partindo
5. A pesquisa psicolinguística
72
desse princípio, é proposto nesse estudo uma aproximação dos processos
inferenciais envolvidos na interpretação metafórica ao funcionamento da
comunicação, tal como ele é entendido pela autora, e que se baseia no Modelo
Inferencial de Sperber e Wilson (1995), dentro do quadro teórico da Teoria da
Relevância. De acordo com esse modelo, a nossa consciência é de natureza
social e a comunicação entre indivíduos implica a acção de reconstruir o sentido
da mensagem, através dos diversos sinais verbais e não-verbais percebidos:
«According to the inferential model, communication is achieved by producing and
intterpreting evidence.» (Sperber e Wilson, 1995: 2).
Ana Mineiro desenvolveu, também como trabalho que constituiu a sua
tese de doutoramento em Linguística Portuguesa, um estudo sobre «As
Metáforas que constroem a Terminologia Náutica Portuguesa» (2006). Esta
investigação incide sobre uma área específica, a da ciência náutica, e é realizada
com base num corpus de metáforas, analisado sob a perspectiva da linguística
cognitiva, em particular do modelo da Metáfora Conceptual de Lakoff e
Johnson.
6. Tipos de metáforas
73
6. TIPOS DE METÁFORAS
Foi feita, até agora, uma revisão da literatura e das teorias sobre o tema,
mas ainda não foi apresentada uma descrição linguística das metáforas. O que é
exactamente uma expressão metafórica? O que a constitui? Este é um capítulo
essencial num estudo sobre metáforas, pois, como se perceberá, elas podem
tomar formas muito diversas e considerá-las apenas nas suas manifestações
predicaticas A é B afigura-se bastante redutor. No entanto, e como já foi referido
anteriormente, todas as tentativas de se estabelecer uma gramática do figurado
revelaram-se, de uma forma ou de outra, frustrantes, pois as possibilidades
combinatórias de uma língua são imensas e as estruturas utilizadas na
linguagem figurada não diferem das da linguagem não figurada. Talvez essa
seja uma das razões, pelas quais as metáforas conceptuais sejam as que ocupam
o modelo da Metáfora Cognitiva. Autores como Lakoff (1993), Gentner (1983)
ou Miller (1993) não estudam as manifestações linguísticas das metáforas
cognitivas, pois elas são essencialmente fruto de uma determinada
conceptualização de algo, sendo essa conceptualização o que realmente importa
analisar.
6. Tipos de metáforas
74
Este trabalho situa-se na linha teórica dos modelos conceptuais sobre a
metáfora, pelo que ela é encarada essencialmente como forma de organizar e
reflectir uma determinada perspectiva do mundo. Considerar-se-á a metáfora
um mecanismo cognitivo, através do qual um determinado domínio é
conceptualizado nos termos de outro mais acessível. Esta é uma perspectiva
mental, mas que tem correspondência em expressões linguísticas. Uma vez que
serão investigadas as metáforas nas suas manifestações escritas, torna-se
pertinente defini-las enquanto objecto de estudo linguístico e apresentar uma
descrição nesse sentido. Esta será apresentada de acordo com três critérios: o
grau de elipse dos constituintes da metáfora (Fonseca, 2007), a classe gramatical
dos mesmos e o grau de lexicalização/ convencionalidade da metáfora.
• Grau de elipse dos constituintes
A tipologia de metáforas que se segue baseia-se no estudo de Morier
(1961: 670-742), que as analisou utilizando como critério os constituintes da
expressão metafórica. Eduardo Fonseca (2000: 13-26) apresentou uma
classificação de metáforas assente igualmente nesse critério, mas expandiu as
combinações apresentadas por Morier. Na tipologia agora proposta, empregar-
-se-á a terminologia, já anteriormente mencionada, de I. A. Richards (1936) -
veículo, tópico e base e as abreviaturas empregues por Morier - (A), (B) e (I). A
abreviatura (A) designa o termo que vai ser comparado (le comparé), ou seja, o
tópico; (B) designa o termo ao qual o tópico será comparado (le comparant),
portanto, o veículo; (I) refere-se ao termo matemático de intersecção (intersection
ou nd de métaphore), ou seja, a base da metáfora, onde se estabelecem as
analogias que ligam o tópico à base. Recorrendo ao verso de Florbela Espanca
apresentado em (66), o tópico da metáfora será «os dias» e o veículo «Outonos».
A base sobre a qual a metáfora se constrói encontra-se em «choram…choram…»
6. Tipos de metáforas
75
(66) «Os dias são Outonos: choram…choram…»7 ⇓ ⇓ ⇓ tópico(A) veículo(B) base(I)
Conforme os diversos constituintes da metáfora estejam ou não
presentes, podemos classificá-la de:
a) metáfora explícita (ABI);
b) metáfora elíptica de base (AB...);
c) metáfora elíptica de tópico e de base (B);
d) metáfora elíptica de tópico (BI);
e) metáfora elíptica de veículo (AI);
f) metáfora elíptica de veículo e de tópico (I);
a) Metáfora explícita (ABI) - Morier denomina estas metáforas de «métaphors
complètes» (1961: 679). Nesta metáfora estão presentes em estrutura
de superfície todos os seus constituintes- A, B e I, combinados de
diversas formas:
(67) «Amor é chama que mata» Mário de Sá-Carneiro8
A B I
b) Metáfora elíptica de base - Neste caso estão presentes o tópico e o veículo,
tendo a base de ser construída pelo ouvinte, através dos
constituintes expressos ou do contexto. De acordo com Morier,
esta forma elíptica de metáfora, que não impõe ao leitor a analogia
a reter, antes deixando-lhe a tarefa de completar a metáfora, pode
7 Espanca, Florbela (1987). «Longe de ti são ermos os caminhos». In Poesias. Lisboa:
Publicações Dom Quixote (p. 46). 8 Sá-Carneiro, Mário de. (1996).«O Amor». In Poemas Completos. Lisboa: Assírio e Alvim.
6. Tipos de metáforas
76
adquirir um poder sugestivo mais forte: «L’ellipse s’impose par son
pouvoir de suggestion» (1961: 683). Esta metáfora pode apresentar
diversas estruturas:
1. estrutura predicativa (A é B- metáfora in praesentia):
(68) «O silêncio, em redor, é uma asa quieta.», Florbela Espanca9
2. AB/ BA (nas palavras de Morier (1961), juxtaposition ou parataxe):
a) AB
(69) «pombo correio»
b) BA
(70) «esse fogo, o amor»;
(71) «É a minha herança: o sorriso», Eugénio de Andrade10
3. A de B (qualificação)
(72) «Lágrimas de fogo» (comunidade online de fotografia)
4. B de A (atribuição)
(73) «(...)e sobre o leito negro do asfalto da estrada», Ruy Belo11
c) Metáfora elíptica de tópico e de base (Metáfora in absentia- B) - Nesta
metáfora, apenas aparece em estrutura de superfície o veículo,
sendo o tópico e a base referências inferíveis pelo resto do texto ou
pelo conhecimento do mundo. Esta estrutura é aquela que
tipicamente constitui as metáforas referenciais, cujos constituintes
foram anteriormente criados, retomando-se, agora o veículo, como
referência ao tópico.
9 Espanca, Florbela (1987). «Trazes-me em tuas mãos de vitorioso». In Poesia. Lisboa:
Publicações Dom Quixote (p. 46). 10
Andrade, Eugénio de (2001). «Herança». In Os Sulcos da Sede. Porto: Fundação Eugénio de Andrade (p. 35).
6. Tipos de metáforas
77
(74) «Castelã da tristeza, vês?... A quem?», Florbela Espanca12.
Pelo resto do poema, pode restabelecer-se a continuidade textual,
percebendo-se que o próprio sujeito poético é a castelã da tristeza, que vive
sozinha no seu castelo. Esse castelo é identificado com a dor.
(75) «Vem, oh deusa imortal, vem maravilha», Bocage13.
Este verso refere-se à Liberdade.
De acordo com Eduardo Fonseca, esta é igualmente a forma típica das
metáforas mortas, cujo carácter metafórico já foi absorvido pelo uso regular e
recorrente da expressão. Quando dizemos «dente de alho», temos uma
metáfora elíptica, cujo tópico é o «bolbilho»: «Um bolbilho é um dente de alho.»
d) Metáfora elíptica de tópico (BI) - Esta é uma metáfora em que o tópico não
aparece realizado linguisticamente, estando, contudo, presentes o
veículo e a base.
(76) «A mansão da morte», Soares de Passos14, apud Fonseca (2000: 26).
Neste verso está implícito o tópico «cemitério», que se percebe pelo título
do poema e pelo contexto.
11
Belo, Ruy (2000). «O Portugal futuro». In Todos os Poemas. Lisboa: Assírio e Alvim. 12
Espanca, Florbela (1987). «Castelã da Tristeza. In Poesia. Lisboa: Publicações Dom Quixote (p. 63). 13
Bocage, Manuel M. B. (2005). «Liberdade Querida, e Suspirada». In Soares, Mário. Os Poemas da Minha Vida. Lisboa: Público (p. 25). 14
Passos, Soares de (1967). «O Noivado do Sepulcro/ Balada». In Poesias. Porto: Lello e Irmão (11ª ed.)
6. Tipos de metáforas
78
Morier refere que este é o tipo de metáforas presente nas adivinhas e nos
enigmas tradicionais: «c’est par ellipse du comparant que procède l’énigme» (1961:
689). Repare-se na adivinha constante em (77).
(77) Uma casa com doze meninas. Cada uma com quatro quartos, todas elas usam meias, nenhuma rompe sapatos. O que é?
A resposta é o relógio. Esta resposta só pode ser entendida
metaforicamente. O relógio tem doze números, metaforicamente referidos como
casas. Cada um dos números é indicativo de uma hora. Por sua vez, cada hora
está dividida em quartos de hora e na meia hora.
e) Metáfora elíptica de veículo (AI) - Nesta metáfora, o veículo não está
expresso, apenas o tópico e a base.
(78) O Amor é Vermelho e Arde - título de um livro de Terry Morgan15.
Se esta metáfora fosse expandida tomaria a seguinte forma: «O amor é
fogo que é vermelho e arde». Apenas metaforicamente o amor pode ser assim
considerado.
Diversos autores (Eduardo Fonseca, 2000; Lakoff e Johnson, 1980;
Anderson, 1964) têm considerado algumas personificações e animizações não
como figuras de retórica autónomas, mas como um tipo de metáfora. De acordo
com Lakoff e Johnson, a personificação é uma metáfora ontológica, que «allows
us to comprehend a wide variety of experiences with non-human entities in terms of
human motivations, characteristics, and activities" (1980: 33). Nesta perspectiva, as
15
Morgan, Terry (2005). O Amor é Vermelho e Arde. Lisboa: Assírio e Alvim.
6. Tipos de metáforas
79
personificações e as animizações são metáforas elípticas de veículo. Repare-se
no seguinte verso de Sophia de Mello Breyner.
(79) a) «A morte caminha no sossego do jardim»16
Neste verso, uma entidade não humana, a morte, adquire
metaforicamente caracteríticas humanas. Existe, na frase, um termo implícito,
ao qual a morte é comparada, que é «alguém». Poderíamos reescrever esta frase
numa metáfora explícita:
(79) b) A morte é alguém que caminha no sossego do jardim.
f) Metáfora elíptica de Veículo e de Tópico (I) - Metáfora em que apenas a base
aparece explícita. Os restantes constituintes inferem-se pelo
contexto.
Atente-se na seguinte estrofe do poema «Chuva», de Luísa Ducla Soares17.
(80) a) «Parte as flores, plim, plim maça a gente plim, plim parece não ter mais fim.»
Esta é a quarta estrofe do poema. A primeira estrofe é a seguinte:
«Cai a chuva, ploc, ploc corre a chuva ploc, ploc como um cavalo a galope.»
Na última estrofe encontramos, portanto, uma alusão à chuva, numa sucessão
de metáforas, que se fossem do tipo ABI seriam:
(80) b) A chuva é um cavalo que parte as flores A chuva é um cavalo que maça a gente (...)
16
Andressen, Sophia de Mello Breyner (2004). «A Casa». In Dual. Lisboa: Editorial Caminho. 17
Soares, Luísa Ducla (1999). «Chuva». In A Gata Tareca e outros Poemas levados da Breca. Lisboa: Teorema.
6. Tipos de metáforas
80
• Classe gramatical dos constituintes
A análise linguística da metáfora pode também recair sobre a classe
gramatical dos seus constituintes. Em muitas das metáforas acima transcritas, a
associação metafórica ao tópico fez-se através de um nome ou de um sintagma
nominal. No entanto, encontram-se metáforas constituídas pelas diversas
classes de palavras, não apenas os nomes. Analisando a estrutura de predicação
das metáforas, Andrew Goatly (1997: 82-92) divide-as em cinco classes:
a) Metáforas nominais
b) Metáforas verbais
c) Metáforas adjectivais
d) Metáforas adverbiais
e) Metáforas preposicionais
Todos os exemplos aqui apresentados para ilustrar estas classes de
metáforas foram retirados do conto «Uma Viagem na nossa Terra» de José
Rodrigues Miguéis18, excepto o da metáfora preposicional, em que se utiliza
uma metáfora inactiva.
a) Metáforas nominais
(81) «(…)aquele pinheiro, monge solitário»
(82) «Tendo a garganta seca, a língua é uma lixa»
b) Metáforas verbais
(83) «O sol descaía.»;
(84) «Já tínhamos engolido Óbidos(...)»
(85) «Não há derrotas que o verguem.»
18
Miguéis, José Rodrigues (1968). «Uma Viagem na nossa Terra». In Léah e Outras Histórias. Lisboa: Estúdios Cor.
6. Tipos de metáforas
81
c) Metáforas adjectivais
(86) «A boa senhora poisou a mão afogada de anéis (...)»
(87) «[Eu] devia estar era verde.»
d) Metáforas adverbiais
(88) «As belezas da estremadura começaram então a esgueirar-
se descabeladamente à direita e à esquerda(...)»;
(89) «O Chevrolet descaía tristemente sobre um pneu vazio.»
e) Metáforas preposicionais
(90) «Ele está muito acima de mim.»
De acordo com Goatly, «Noun V[ehicle]-terms are either more recognizable as
metaphors or yield richer interpretations than V-terms of other word classes.» (1997:
83). De facto, algumas das metáforas retiradas do conto de José Rodrigues
Miguéis não são facilmente identificáveis enquanto tal. A metáfora típica é
nominal, esta é a forma mais reconhecível de se realizar associações não
convencionais a determinado tópico. É também a mais forte, uma vez que é
aquela que melhor permite a criação de uma base diversificada e rica. Segundo
a teoria das Metáforas Conceptuais, uma metáfora resulta de projecções entre
domínios conceptuais, sendo que o domínio fonte, normalmente mais concreto
e físico, projecta vários padrões sobre um domínio alvo, mais abstracto. A classe
dos nomes será a mais indicada para nomear coisas concretas. Em primeiro
lugar, são expressões referenciais, pelo que os universos que evocam mais
facilmente podem ser confrontados com os tópicos, tornando-se mais evidente a
referência contraditória, não convencional, a estes. Por outro lado, e de acordo
com Goatly, a metáfora vive muito das imagens que consegue criar e as
imagens contêm coisas, formas, às quais os nomes se referem. As metáforas
nominais (81) e (82) facilmente criam um universo de imagens e de significados
muito vivo, que se presta a diversas associações e interacção entre os
6. Tipos de metáforas
82
constituintes. Mesmo os nomes que não se referem a coisas, mas a processos,
como ‘natação’ ou ‘o viajar’, são muito susceptíveis de activar schemata e
imagens.
Os verbos também evocam imagens, principalmente aqueles que se
referem a processos materiais (engolir, cair, descair,...) e não mentais. Em (85), o
processo mental de desistir, ceder é expresso em sentido físico - vergar, tendo
subjacente as metáforas conceptuais MAU ESTÁ EM BAIXO/ NÃO TER CONTROLE OU
FORÇA ESTÁ EM BAIXO.
Em relação aos adjectivos, Goatly afirma que estes formam muitas
metáforas, cujo referente é o corpo humano e metáforas inactivas. O autor refere
que a propriedade metafórica de verbos e adjectivos advém em grande parte da
associação destes a nomes. Convencionalmente ligamos os adjectivos e verbos a
determinados nomes. Associamos «correr» a «pé» ou a «caminho» e ligamos
«saudável» ou «alto» a uma pessoa, ou seja, concretizamos qualidades ou
acções, processos.
Os advérbios e as preposições formam metáforas menos fortes, menos
imagéticas, reconhecendo-se, no entanto, a transferência de características para
o tópico, através do advérbio ou da preposição. Em (89), o Chevrolet adquire
qualidades humanas, descaindo «tristemente sobre um pneu vazio». Em (88), o
neologismo aplicado à paisagem fá-la igualmente adquirir contornos humanos.
No que diz respeito às preposições, Goatly realça que elas estão normalmente
presentes em metáforas inactivas, integrando analogias de raiz (root analogies).
Esse é o caso de (90), que realiza linguisticamente a metáfora conceptual BOM É
ACIMA.
6. Tipos de metáforas
83
• Grau de lexicalização/ convencionalidade
Há metáforas mais reconhecíveis enquanto tal do que outras. Em alguns
casos, não nos damos conta de estarmos perante expressões metafóricas, porque
os seus veículos já não são associadas a um tópico, as suas bases já não se
conseguem estabelecer e já não exigem uma acentuada capacidade inferencial
de interpretação, uma vez que esta passou a ser estipulada pela convenção.
Neste sentido, pode falar-se de três tipos de metáforas:
a) Metáforas activas
b) Metáforas inactivas
c) Metáforas mortas
A distinção entre estes três tipos de metáforas nem sempre é clara, as
fronteiras de classificação conseguem ser muito difusas. O critério de distinção
é normalmente o grau de fixação das expressões no léxico. Quanto mais
lexicalizadas estiverem as metáforas, menos activas serão. Pode, no entanto,
acontecer, que uma metáfora já inscrita no léxico da língua e, por isso,
convencional, veja a sua vitalidade restaurada ao ser utilizada criativamente
num novo contexto. Matarredona (2005) refere também o caso dos jargões
profissionais, que se servem de metáforas muito convencionais, mas que, para
alguém de outra área profissional, constituirão metáforas muito originais.
A descrição que se segue procura dar conta das características de cada
tipo de metáforas, de acordo com o grau de convencionalidade de cada uma
delas.
6. Tipos de metáforas
84
a) Metáforas activas – Estas metáforas também podem ser denominadas de
novas, vivas ou não lexicalizadas. Estas estruturas são as mais
evidentes, enquanto metáforas com um tópico, um veículo e uma
base. Esta última terá de ser construída tendo em conta o contexto.
As metáforas activas são aquelas mais passíveis de gerar uma base
criativa e diversificada e cuja interpretação mais varia com o
contexto. A interacção do veículo e do tópico é crucial para o
estabelecimento da base.
(91) «As velas são os músculos do barco», José Saramago19
Esta metáfora pode gerar diversas interpretações e para se estabelecerem
as suas bases tem de se a integrar no contexto do discurso: «As velas são os
músculos do barco, basta ver como incham quando se esforçam, mas, e isso mesmo
acontece aos músculos, se não se lhes dá uso regularmente, abrandam, amolecem,
perdem nervo.»15
b) Metáforas inactivas – As metáforas inactivas (ou moribundas, em repouso ou
semilexicalizadas) já se encontram lexicalizadas, mas percebe-se a
sua ligação a um significado mais literal, reconhecendo-se que o
seu sentido provém de um processo metafórico, seja o de extensão
de sentido ou de transferência metafórica. Este estádio é muitas
vezes difícil de demarcar do próximo – metáforas mortas.
Matarredona (2005) salienta que elas são mais facilmente
identificáveis em traduções, pois não admitem uma escrita literal,
mas também não configuram ainda nas entradas de dicionário.
19
Saramago, José (1998). O Conto da ilha Desconhecida. Lisboa: Editorial Caminho.
6. Tipos de metáforas
85
(92) A perna da mesa
Nesta expressão, a palavra perna, tida como polissémica, resulta de uma
transferência metafórica entre a perna humana, que suporta o corpo, e a
estrutura que mantém de pé um objecto.
(93) A corrente do rio/ A corrente da electricidade
O termo concreto que designa o curso de água num rio é empregue para
nomear o fluxo de partículas portadoras de carga eléctrica, sofrendo o vocábulo
«corrente» uma extensão de sentido.
c) Metáforas mortas – A estas metáforas pode também ser atribuído o nome de
lexicalizadas, convencionais ou extintas. Muitas vezes não
reconhecemos estas metáforas enquanto tal. O seu correspondente
literal pode já não se encontrar disponível ou pode já não ser
possível (ou ser muito difícil) ligá-lo ao tópico original e refazer a
base, pelo que apenas sobrevive a transferência metafórica.
(94) Delta do rio
Assim se denomina a foz de um rio, quando a sua configuração é em
triângulo ou leque. Isto acontece em locais em que a força da água do mar já é
escassa, permitindo o depósito de sedimentos, que alargam o leito do rio em
diversos canais e ilhas. O seu nome provém da letra grega maiúscula delta – ∆ –
a cuja forma triangular a foz do rio se assemelha.
6. Tipos de metáforas
86
(95) O tímpano do ouvido
O termo «tímpano», membrana delgada e elástica que separa o ouvido
externo do médio, provém do latim tympanon, que significava «tambor». A
forma deste último e o facto de também ele possuir uma pele que vibra
justificaram que se utilizasse o seu nome para nomear a membrana do ouvido.
Parte II ______________________________________________________________________
87
A COMPREENSÃO DAS METÁFORAS
- ESTUDO EXPERIMENTAL EXPLORATÓRIO -
Parte II
88
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
89
7. COMPREENSÃO DA LINGUAGEM METAFÓRICA E DESENVOLVIMENTO
COGNITIVO
Para processar uma expressão metafórica, é necessário possuir
capacidade de interpretação simbólica. De acordo com DeLoache e Smith, um
símbolo é «representation of one entity by a qualitatively different kind of entity»
(1999: 62). A nossa capacidade para perceber que há coisas que são
representadas por outras, ou seja, a nossa capacidade de entendimento
simbólico, permite-nos aprender e perceber aquilo que nunca vimos, permite-
-nos transmitir informações através dos tempos, etc. É essa a aptidão que torna
possível falarmos sobre países longínquos, estudarmos animais extintos ou
fenómenos imateriais. O nosso mundo é extremamente simbólico e é através
desses símbolos que nos relacionamos dentro dele. Num excerto de O Carteiro
de Pablo Neruda, após o poeta ter realçado a Mário que ele tinha acabado de
fazer uma metáfora, este afirma: «Mas não vale, porque me saiu por simples
casualidade.», ao que Pablo Neruda contrapõe: «Não há imagem que não seja casual,
filho». Mário acaba por concluir: «Don Pablo, pensa que tudo no mundo, quero dizer
todo o mundo, com o vento, os mares, as árvores, as montanhas, (...) Pensa que o mundo
inteiro é a metáfora de alguma coisa?»20. Tudo no mundo pode realmente
20
Skármeta, António (1986). O Carteiro de Pablo Neruda. Lisboa: Editorial Teorema. P. 33
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
90
relacionar-se ou apontar para algo diferente. A metáfora é essencialmente
simbólica. Retomando a expressão de Searle (1979), «Richard is a gorila», a
Richard são associadas as características de violento e de intempestivo, não pela
natureza real desse animal, mas pela carga simbólica de «gorila», que o remete
para a categoria dos seres ferozes e coléricos.
Os seres humanos depressa se relacionam simbolicamente com os outros.
O uso de gestos, o uso da linguagem, as brincadeiras infantis em que um
objecto faz a vez de outra coisa ou a compreensão de imagens são exemplos de
uma percepção simbólica muito básica e adquirida de forma natural. Mas essa
capacidade provavelmente acompanha a nossa descoberta e aprendizagem do
mundo e é de esperar que se vá desenvolvendo e aperfeiçoando ao longo da
maturação individual. As crianças de dois anos e meio, apesar de conseguirem
perceber relações simbólicas, não têm ainda capacidade para descodificar a
representação dual (dual representation). Judy DeLoache e colegas (2007)
realizaram uma experiência em que pediram a crianças dessa idade para
identificarem num quarto um objecto que tinham visto num modelo desse
espaço em miniatura. As crianças de dois anos e meio não o conseguiram fazer,
pois não parecem conceber as coisas enquanto simultaneamente entidades e
símbolos de outra coisa: «the problem stems from the duality inherent in all symbolic
objects: they are real in and of themselves and, at the same time, are representations of
something else. To understand them, the viewer must achieve dual representation: he or
she must mentally represent the object as well as the relation between it and what it
stands for.» (DeLoache, 2007: 31). Esta incapacidade de representação dual
explica o facto de as crianças tentarem interagir com fotografias, procurando
calçar a foto de um sapato ou morder a imagem de uma maçã. Esta confusão
perante as fotografias parece persistir até aos quatro anos (Flavell, H. and
colleagues, apud DeLoache, 2007).
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
91
O conceito de representação dual tem implicações a vários níveis.
DeLoache alerta para o facto de se ter generalizado o uso de objectos
manipulativos destinados a uma melhor compreensão de conceitos abstractos,
como, por exemplo, as operações matemáticas. No entanto, se as crianças não
conseguirem relacionar os objectos com aquilo que eles representam, a
aprendizagem estará comprometida. A investigadora realizou uma experiência
com alunos de seis e sete anos, com o objectivo de os ensinar a subtrair. Um
grupo foi preparado para realizar as contas com blocos educativos destinados à
aprendizagem da matemática enquanto outro grupo foi ensinado a fazer a
operação com papel e lápis. Os dois grupos aprenderam a fazer a subtracção,
mas o primeiro grupo precisou de três vezes mais tempo.
Existem, desta forma, evidências relativamente a um pensamento
simbólico incipiente nas crianças, pelo que, enquanto adultos, não devemos
assumir como dominadas na infância estruturas simbólicas consideradas por
nós como óbvias. De acordo com DeLoache: «As these various studies show,
infants and young children are confused by many aspects of symbols that seem
intuitively obvious to adults. They have to overcome hurdles on the way to achieving a
mature conception of what symbols represent, and today many must master an ever
expanding variety of symbols.» (2007: 35).
Do mesmo modo, Paula Menyuk (1987) descreve as etapas da aquisição e
desenvolvimento lexical das crianças, começando pela aquisição do significado
denotativo das palavras e terminando na compreensão da linguagem figurada.
Esta é a última etapa e está prevista acontecer entre o final da infância e a
adolescência, apesar da percepção que as crianças desde muito cedo
demonstram do uso figurado da linguagem - «All of this research indicates that the
roots of understanding such figurative language begin during the early chidhood period,
but that an awareness of the meanings of such language is not accomplished until the
end of middle childhood or adolescence.» (1987: 155). A autora refere um estudo
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
92
levado a cabo por Asch and Nerlove, «The developmet of double function
terms» (1960), onde se percebeu que a aplicação a pessoas do significado
denotativo e conotativo de palavras como doce, duro, frio e torcido (sweet, hard,
cold, crooked) só acontecia a partir dos sete ou oito anos. Antes disso, as crianças
faziam uma leitura literal de expressões como a (96), percebendo que a pessoa
tinha uma temperatura baixa.
(96) Ele é uma pessoa fria.
Apenas em crianças de dez a doze anos se verificou a capacidade para
explicar os termos. Da mesma forma, com expressões figuradas, nomeadamente
metáforas e comparações, há evidências de as crianças apreenderem
progressivamente o seu sentido e a forma de as usarem. Crianças da pré-
primária já conseguem perceber as transferências de características e de
domínios presentes nas metáforas, falando, por exemplo, de ‘soft colors’. No
entanto, não conseguem explicá-las. As crianças de sete anos, quando
perguntadas sobre o significado dessas expressões, respondem concretamente.
Apenas aos onze anos parece haver uma consciencialização do que esses termos
envolvem e as transferências são explicadas. A sequência, relativamente à
linguagem figurada, faz-se do seu uso, passando pela sua paráfrase e
interpretação e terminando na sua explicação.
Nesse mesmo livro, é explicado que a capacidade de interpretar
metáforas e comparações aumenta com a idade, parecendo relacionar-se
directamente com a complexidade da linguagem usada e com o tipo de
metáfora. Menyuk refere que metáforas simples do género das de (97) são
interpretadas mais cedo do que metáforas com um grau de complexidade
superior21, como a da frase (98), que envolve mais do que dois termos.
21
Menuk refere em concreto as ‘metáforas proporcionais’, entendidas nos termos de Aristóteles: «only older children could interpret proportional metapjors, those that entail an analogy: (‘His life was a ship constantly battling a storm’; ‘My stomach was the Atlantic Ocean without water’).» (1987: 155)
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
93
(97) A butterfly is a flying rainbow.
Uma borboleta é um arco-íris voador.
(98) His life was a ship constantly battling a storm.
A sua vida era um navio constantemente enfrentado uma tempestade.
Considerando, então, que há estágios no desenvolvimento cognitivo, no
desenvolvimento do pensamento simbólico e no desenvolvimento da aquisição
lexical (estando estes três conceitos mutuamente implicados), podemos admitir
dificuldades na interpretação das metáforas por parte das crianças e
adolescentes. Este assunto não foi, no entanto, contemplado em muitos estudos.
Grande parte das investigações psicolinguísticas apresentadas no capítulo cinco
tem como público-alvo adultos. Numa população escolar, constituída por
alunos do ensino básico, não é possível saber exactamente a partir de que altura
os problemas levantados pela interpretação de expressões metafóricas deixam
de estar presentes. Este aspecto pode ser relevante na construção de materiais
didácticos e na planificação de actividades pedagógicas, pois há a possibilidade
de textos com metáforas levantarem dificuldades aos alunos, não sendo estes
problemas levados em conta pelos professores.
Por outro lado, a compreensão dos textos em geral evolui com a idade e
há uma relação directa entre a competência de leitura e a compreensão da
linguagem figurada. Ler um texto, construir para ele um sentido, resulta de
uma interacção entre ele e o leitor (para além de implicar a sua descodificação
gráfica – a realização da correspondência entre grafemas e fonemas). Essa
interacção realiza-se pondo em confronto aquilo que já se sabe com aquilo que o
texto está a transmitir. Sempre que se lê um texto, são activados schemata, os
esquemas mentais relativos à situação, e eles são actualizados, caso se considere
necessário, tendo em conta o que se lê. Isto significa que o novo conhecimento
só se constrói sobre o que já conhecemos. Os leitores mais novos, logicamente,
partem para um texto com menos conhecimentos prévios. Por outro lado,
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
94
possuem também menos treino e menos estratégias de diálogo com o texto (A.
Costa, 1992). No que diz respeito às metáforas, a sua compreensão está
directamente dependente da activação dos esquemas mentais, onde são
armazenados os estereótipos culturais, as correspondências simbólicas dos
vários dados do mundo. Se esses esquemas mentais ainda não estiverem
definidos para determinados domínios, a interpretação da metáfora encontra-se
comprometida, pois não se saberá a que associar os seus componentes.
Um último factor relativamente às estruturas metafóricas diz respeito aos
seus efeitos potencialmente facilitadores na construção de significado do texto e
na retenção do seu conteúdo. Goatly (1997) destaca como uma das funções da
metáfora o facto de promover a memorização, o foregrounding (‘actualização de
conteúdo’) e a capacidade informativa do texto («Enhancing memorability,
foregrounding and informativeness», p. 164). De acordo com o autor, a associação
que se estabelece numa metáfora, sobretudo na nominal, entre duas entidades
diferentes, implica normalmente a criação de uma imagem mental. Os tópicos
são usualmente coligados a um veículo mais concreto, expresso num nome, o
que potencia o seu poder visual. Associada a uma imagem, a informação é mais
facilmente retida na memória. Por outro lado, as metáforas prendem a atenção
devido à sua natureza, que o autor designa de ‘hiperbólica’. As expressões
metafóricas realçam determinadas características no tópico, através dos
elementos atribuídos ao veículo. Nesse sentido, procede-se a um exagero de
determinado(s) traço(s) distintivo(s): «To some extent all metaphors are hyperbolic,
because they give extra weighting to those features of Similarity, in Tversky’s terms»
(op. cit.: 164). Como resultado, a nossa atenção é captada, contribuindo-se para o
foregrounding, o colocar em primeiro plano a informação que se pretende
realçar.
Ainda em relação ao efeito facilitador das metáforas relativamente à
compreensão do texto em que estão inseridas, Noveck, Bianco e Castry (2001)
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
95
citam Reynolds e Schwartz (1983), afirmando que, «a paragraph having a
metaphoric conclusion, as opposed to a literal one, consistently leads to a higher
(imediate and delayed) ‘memorability’ of both the conclusion and its context.». Noveck,
Bianco e Castry chegaram igualmente a essa conclusão com o seu estudo The
Costs and Benefits of Metaphor. Os autores realizaram a investigação com
metáforas referenciais e, de acordo com os resultados obtidos, elas implicam
custos de processamento, mas parecem ser um factor facilitador da retenção do
discurso, quando os sujeitos testados são adultos. No caso das crianças até aos
catorze anos, não há evidências de benefícios pelo facto de lerem um texto com
metáforas referenciais, relativamente a controlos literais.
Os estudos que agora se apresentam dirigem-se exactamente a um
público escolar de final segundo e terceiro ciclos. Os dois ciclos correspondem a
etapas importantes na aquisição de competências linguísticas, e em concreto de
competências de leitura. Ao concluir o segundo ciclo, o aluno já desenvolveu as
capacidades básicas de compreensão de textos adquiridas no primeiro ciclo, e
lida com a informação escrita de uma forma mais autónoma. O final do terceiro
ciclo coincide com o final do ensino básico, estando previsto que o processo de
escolarização tenha actuado no desenvolvimento cognitivo do aluno, pelo que
ele se apresenta mais maduro desse ponto de vista. Por outro lado, pela maior
experiência de aprendizagem e de leitura, considera-se que o aluno adquiriu
capacidades avançadas de diálogo com o texto. Desta forma, pretendeu-se,
numa perspectiva desenvolvimental, perceber como evolui com a idade e com a
maturação cognitiva a compreensão das metáforas e de textos com metáforas. É
objectivo desta investigação perceber se, entre os alunos do segundo e terceiro
ciclos, essa compreensão apresenta diferenças e/ou custos acrescidos,
explorando, para tal, as questões em cima aprofundadas. Procurar-se-á
igualmente perceber se a metáfora contribui para que os alunos realizem uma
interpretação válida do texto e retenham o seu conteúdo.
7. Compreensão da linguagem metafórica e desenvolvimento cognitivo
96
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
97
8. ESTUDO 1 – COMPREENSÃO DE TEXTOS COM METÁFORAS
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
98
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
99
8.1. Objectivos e hipóteses
Este estudo foi concebido para responder a três objectivos:
- analisar o desenvolvimento da capacidade de compreensão de textos
com metáforas em alunos de duas faixas etárias, correspondentes a
dois níveis de escolaridade - final de segundo e terceiro ciclos;
- perceber se, em contraste com perguntas que testem a compreensão
literal e inferencial, as que testam a compreensão metafórica
representam um maior grau de dificuldade;
- averiguar, através de uma pergunta incidente sobre a metáfora
nominal do texto, se esta contribui para a retenção do conteúdo e para
a adequada interpretação do mesmo;
As hipóteses adiantadas para a realização deste estudo basearam-se na
informação teórica, tendo-se, em particular, tomado em consideração que:
- os dois níveis de ensino correspondem a diferentes graus de
desenvolvimento cognitivo e competência linguística;
- as questões que testam o conhecimento literal incidem sobre
informação explícita no texto. O nível de compreensão envolvido nestas
questões é, por essa razão, superficial. O conhecimento inferencial
implica um trabalho de texto a nível mais profundo (Kintsch e Van
Dijk, 1978), implicando mais custos cognitivos;
- as metáforas têm um poder imagético acentuado e condensam em si
muita informação, o que favorece a retenção do conteúdo e facilita o
seu acesso posterior.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
100
Foram antecipadas as seguintes hipóteses:
Primeira hipótese – os alunos de nono ano, pela sua maturação
cognitiva, simbólica e pelo seu maior treino de trabalho com o texto,
apresentam uma maior facilidade em lidar com textos com metáforas;
Segunda hipótese – em contraste com as questões literais, aquelas que
envolvem inferências, nomeadamente as metafóricas, têm custos
cognitivos e linguísticos mais elevados, pelo que representam um
maior grau de dificuldade para os dois anos lectivos testados;
Terceira hipótese – apesar dos custos cognitivos que envolve, a
metáfora, pelas suas características, favorece a compreensão global do
texto e contribui para a retenção do seu conteúdo.
De acordo com estas hipóteses, foram definidas as seguintes variáveis: a
idade dos sujeitos e o tipo de compreensão testado.
8.2 Metodologia
8.2.1 Sujeitos
Os testes decorreram na Escola EB 2,3 Jacinto Correia de Lagoa - Algarve.
Para responder ao objectivo de testar o desenvolvimento da capacidade de
compreensão de textos com metáforas em alunos de duas faixas etárias,
escolheram-se turmas de final de ciclo do ensino básico, ou seja, de sexto ano,
final de segundo ciclo, e de nono ano, final de terceiro ciclo. Os testes
aconteceram em dois momentos distintos. Numa fase inicial, foram testadas
duas turmas, uma de sexto e outra de nono ano. Na segunda fase, participaram
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
101
mais quatro turmas, duas de sexto e duas de nono ano. No total, os testes foram
realizados a cento e quarenta alunos, setenta do sexto ano e setenta do nono.
Dos setenta alunos do sexto ano, trinta e oito eram raparigas e trinta e dois
rapazes. No nono ano havia trinta e cinco raparigas e o mesmo número de
rapazes. Os alunos de sexto ano tinham idades compreendidas entre os onze e
os catorze anos (trinta e oito com onze anos; vinte com doze; dez com treze e
dois com catorze anos – média de 11.6). Os alunos do nono ano tinham idades
compreendidas entre os catorze e os dezassete anos (trinta e sete com catorze
anos; vinte com quinze; oito com dezasseis e cinco com dezassete anos – média
de 14.7).
8.2.2 Materiais experimentais
a) Os textos
Como foi referido no ponto anterior, os testes tiveram lugar em dois
momentos de aplicação distintos. Após a primeira fase, em que foram testadas
duas turmas, os resultados foram analisados e procedeu-se a alterações.
Verificou-se que os textos escolhidos e a respectiva tarefa não constituíram um
problema para os alunos do nono ano. Por essa razão, no segundo momento de
avaliação, a tarefa para este nível de ensino foi complexificada, tendo-se
acrescentado dois textos de um grau de dificuldade mais elevado. Esses textos
continham uma linguagem muito figurada, com metáforas de diversos tipos,
podendo ser explorado esse seu carácter não literal. Também se optou por
aumentar o número de questões de análise.
Os estímulos comuns aos dois anos lectivos consistiram em três textos
curtos retirados de jornais e revistas (T1_Harry; T2_Skate; T3_ADN).
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
102
Os textos foram escolhidos por conterem metáforas nominais. No texto
T1_Harry, a metáfora é explícita (ABI). Nos textos T2_Skate e T3_ADN, as
metáforas são elípticas de base (AB). Os textos foram ainda considerados
acessíveis e atractivos para alunos daquelas faixas etárias, características
relevantes para a sua escolha.
O universo temático dos três textos é progressivamente mais específico.
O texto T1_Harry aborda um tema do quotidiano, um tópico da vida social,
explorado pelos meios de comunicação visual e escrita, ao alcance dos alunos. O
texto T2_Skate explora uma temática de desporto muito próxima dos jovens,
pelo que se previu a aproximação afectiva ao seu conteúdo. O vocabulário é
mais específico do que no primeiro texto, e obriga a um acesso inferencial ao
seu significado (ex.: ‘spot’, ‘trecos’). O último texto comum aos dois anos, o
T3_ADN, aborda um tema de ciências, exigindo o conhecimento prévio de
noções como ‘genes’, ‘ADN’, ‘proteína’.
Na segunda fase de aplicação, criaram-se mais dois textos, que foram
aplicados a duas turmas de nono ano: T4_Futebol e T5_Panspermia. Ambos os
textos tinham uma linguagem assumidamente figurativa, contendo estruturas
metafóricas que foram seleccionadas como alvo em termos de controlo de
compreensão. No texto T4_Futebol, a metáfora alvo foi uma metáfora in absentia
(B) e no texto T5_Panspermia a metáfora era elíptica de base, do tipo AB. O
texto T4_Futebol foi escolhido por conter muitas metáforas e por ser
interessante para comprovar o efeito de tema. Este é igualmente um texto de
desporto, tal como o T2_Skate, mas o assunto é abordado de uma forma mais
técnica. Alunos mais informados sobre o domínio em questão estam
eventualmente mais bem preparados para interpretarem o conteúdo e
resolverem de forma correcta as tarefas propostas. Admitiu-se que, para alunos
com conhecimentos prévios de futebol, este texto seria transparente, revelando-
se bastante opaco para os restantes. O último texto, T5_ Panspermia, aborda um
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
103
tema da área de ciências, que é possivelmente desconhecido para os alunos.
Este texto tem um vocabulário muito específico e exige conhecimentos
científicos prévios para que a sua leitura seja bem sucedida.
No quadro 2 encontra-se um resumo das características dos cinco textos.
Todos os textos referidos encontram-se nos anexos I a V.
Tema Número de palavras
Palavras-chave
T1_Harry geral 216 Invasão do Iraque; Príncipe Harry; exército britânico; carreira militar
T2_Skate específico (desporto)
272 Skate; espaço urbano; relações sociais; estilo
T3_ADN específico (ciências)
202 Molécula de ADN; proteínas; genes; sequências da cadeia de ADN
T4_Futebol específico (desporto)
131 Taça de Inglaterra; Arsenal; Manchester United; Adebayor; ponta-de-lança; ataque
T5_Panspermia específico (ciências/ astronomia)
331 Panspermia; meteoritos; germes; cosmos; estruturas fósseis; Marte
Quadro 2 Características dos textos T1, T2, T3, T4 e T5
b) O questionário
Para cada texto foi elaborado um questionário, constituído por um
conjunto de itens de resposta múltipla, que testavam diversos tipos de
compreensão:
- literal (local ou relacional; verbatim ou paráfrase)
- inferencial (local ou relacional)
- inferencial-metafórica
- metafórica
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
104
Serão, de seguida, explicadas as quatro categorias nucleares de questões,
que testam os diferentes tipos de compreensão, juntamente com as suas
subcategorias. O texto que será utilizado para exemplificar cada uma das
categorias e subcategorias é o T2_Skate, que se encontra de seguida transcrito.
1. Questões literais
Os itens que testavam a compreensão literal incidiam sobre informação
explícita e reconhecível no texto. Estas questões recaíam sobre a identificação
básica de entidades, factos, locais, acontecimentos ou razões claramente
expressas no texto.
As categorias nucleares possuíam subcategorias que acrescentavam
graus de complexidade diferentes às questões. Os itens literais podiam ser sobre
informação que estivesse muito localizada numa só parte do texto e, nesse caso,
Sobre rodas (T2_Skate)
Ed, Major, Ricardo e Bruno conheceram-se por causa do skate. Pelo skate partilham
euforias, dores, desesperos. E desaparecem das ruas da cidade quando a chuva decide impor-se. A cidade oferece-lhes o sítio, o tempo dita o «quando». (...) São facilmente identificáveis. E dificilmente compreendidos. Por isso, não são raras as queixas e a padronização. Ser skater não é só ter uma «tábua» nos pés, é a exploração ilimitada do espaço urbano, é o que comem, ouvem, vêem. Eles adaptam-se numa cidade que deixou de ser tão somente «a capital» para se definir enquanto infra-estrutura deste desporto. E o anonimato das ruas transformou-se no palco de imensas relações sociais. Porque «o skate é união, e a união faz a força». (...) Ligações sociais. Nos sofás de Major, contavam-se quatro pessoas, mas as conversas envolviam muitas mais. Nomes de companheiros. Skaters com o seu «spot» preferido, a sua música específica no leitor de mp3, o seu «estilo» de skate. «Cada skater tem de ser o mais completo possível. Tem um som diferente para cada estilo. E o estilo conta ‘bué’, é o que define cada um. Diferencia a forma e o sítio onde dás as manobras, o tipo de ‘spot’, etc.», explica Major.
«Um bom ‘spot’ depende daquilo que me apetece fazer no momento. Houve alturas em que curtia mais corrimãos. Hoje, tenho de ponderar muito bem se o spot vale a pena. Mas o melhor é o mármore. O mármore é mel.», diz Ricardo.
«Sim, o mármore é a pedra perfeita para os ‘trecos’ deslizarem», sublinha Ed. Com apenas 17 anos foi campeão nacional de Amadores. Tem nove anos de skate.(...)
(«Expresso», 9 de Fevereiro de 2007, revista «Única»)
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
105
eram subclassificados de localizados. Podiam ainda ser sobre informação
dispersa no texto, descontínua, obrigando os alunos a relacionarem diversas
partes do mesmo, sendo estas questões literais-relacionais e consideradas de
acesso mais difícil do que as anteriores. Por outro lado, as perguntas literais
podiam requerer a reprodução exacta de palavras do texto, sendo, neste caso,
subclassificadas de verbatim. Se as questões exigissem como resposta paráfrases
da informação do texto, eram incluídas na subcategoria de paráfrases, também
mais complexas do que as literais-verbatim. As categorias e subcategorias foram
combinadas de diversas formas: literal – local – verbatim; literal – local – paráfrase;
literal – relacional – verbatim; literal – relacional – paráfrase. Todas estas hipóteses
de combinação foram contempladas na formulação das questões.
Pergunta literal (relacional - verbatim) 1- Onde é que Ed, Major, Ricardo e Bruno andam de skate?
a) no parque para skates. b) no campo. c) nas ruas da cidade.
Pergunta literal (local - paráfrase)
2- O skate é um desporto a) muito solitário. b) que une todos os que o praticam. c) muito perigoso.
As duas questões incidem sobre informação de superfície, explicitamente
referenciada no texto, pelo que são literais. Na primeira questão, a informação à
qual os alunos tinham de recorrer encontrava-se em duas partes distintas do
texto: «E desaparecem das ruas da cidade quando a chuva decide impor-se. A cidade
oferece-lhes o sítio, o tempo dita o ‘quando’.». A resposta correcta era a alínea c) (nas
ruas da cidade), que retoma as palavras do texto. Desta forma, a pergunta foi
classificada de literal – relacional – verbatim, estando, no quadro de resultados,
codificada como T2_Q1_L_RV, dentro da coluna das questões literais.
Relativamente à segunda questão, a informação necessária para assinalar a
opção correcta encontra-se localizada numa frase do texto: «Porque ‘o skate é
união, e a união faz a força’». Na alínea b) encontra-se uma paráfrase dessas
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
106
palavras do texto: que une todos os que o praticam. Esta questão é literal – local –
paráfrase (T2_Q2_L_LP).
2. Questões inferenciais
As questões que testam conhecimento inferencial são potencialmente
mais exigentes do ponto de vista cognitivo do que as literais. A informação
necessária para responder não se encontra explícita no texto, obrigando a
associações entre o que está escrito e o próprio conhecimento do mundo do
leitor. As inferências são inevitáveis, todos os textos exigem este trabalho de
complementação por parte de quem lê. No entanto, há leitores mais bem
preparados para as fazerem do que outros. O conhecimento prévio (em
quantidade e qualidade) é essencial, mas a capacidade para estabelecer relações
adequadas entre conceitos treina-se e esse treino pode não estar suficientemente
bem praticado.
As questões inferenciais destes textos incidiam sobre definições de
conceitos, identificação de actividades, esclarecimento de noções especificadas
no texto.
Tal como as questões literais, as inferenciais também podiam referir-se a
uma informação local do texto (L) ou exigir a associação de vários dados
difundidos nele (R).
No texto anteriormente referido, T2_Skate, pergunta-se, na terceira
questão, o que é um spot:
3- Um spot é a) uma marca de geleia. b) uma música. c) um local para andar de skate.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
107
A definição não consta do texto, sendo necessário os alunos inferirem
pelas palavras do mesmo e pelo conhecimento que têm do mundo. As frases do
texto em que se podiam basear para assinalarem correctamente a alínea (c) eram
as seguintes:
«(…) E o estilo conta ‘bué’, é o que define cada um. Diferencia a forma e o sítio onde dás as manobras, o tipo de ‘spot’, etc.», explica Major. ‘Um bom ‘spot’ depende daquilo que me apetece fazer no momento. Houve alturas em que curtia mais corrimãos. Hoje, tenho de ponderar muito bem se o spot vale a pena. Mas o melhor é o mármore.(…)’»
Através do texto, percebe-se que se está a falar de locais (corrimãos,
mármore,…). Como os alunos têm de ligar informações dispersas por várias
frases, considera-se que a questão é inferencial – relacional (T2_Q2_I_R).
3. Questões inferenciais – metafóricas
Há inferências que se fazem sobre metáforas e que se tornam
potencialmente mais complexas do que as anteriores. Neste caso, o aluno tem
de realizar uma leitura metafórica da expressão para poder inferir
correctamente o que se pretende transmitir. As questões que activavam esse
tipo de compreensão foram classificadas de inferenciais – metafóricas e
referiam-se à identificação de entidades, factos ou opiniões ou à definição de
matérias científicas. Estas inferências podiam obrigar os sujeitos a lidarem com
a resolução de metáforas muito evidentes (T4_Q1, T4_Q2, …). Neste caso a
inferência era clara. No entanto, a metáfora podia ser viva, como a do mel no
texto T2_Skate ou a dos tijolos no texto T3_ADN ou, não sendo viva, ter força
suficiente para que as questões fossem consideradas como exigindo inferências
complexas (T5_Q6). Os traços local/ relacional também estavam previstos para
este tipo de perguntas.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
108
A próxima questão seguiu-se novamente ao texto número T2_Skate:
4- O mármore é a) um bom local para fazer skate. b) um local perigoso para fazer skate. c) um produto doce para barrar no pão. Para a resolver, os alunos tinham de ler esta passagem do texto:
«Mas o melhor é o mármore. O mármore é mel.», diz Ricardo. «Sim, o mármore é a pedra perfeita para os ‘trecos’ deslizarem»
De forma a indicar correctamente a alínea a), era necessário interpretar
correctamente a expressão «o mármore é mel», cuja base aparecia mais à frente,
quando se mencionava que o mármore era a pedra perfeita para os trecos
deslizarem. Esta questão é inferencial – metafórica – relacional (T2_Q4_IM_R).
4. Questões metafóricas
A última tarefa dos alunos era realizada após a leitura e entrega de todos
os textos e depois de terem respondido oralmente a uma pergunta da
investigadora, com função distractora. Essa última tarefa consistia numa
questão que avaliava de forma muito controlada a compreensão das metáforas
de cada texto. As perguntas eram todas do mesmo tipo, confrontavam o aluno
com a expressão metafórica e apresentavam quatro hipóteses de resposta. A
razão pela qual se optou por não colocar estas questões no seguimento das
outras foi para avaliar até que ponto as metáforas contribuíam para uma maior
memorização do conteúdo do texto. Se os alunos conseguissem, através da
metáfora, retomar o teor do que leram, isso significaria que a metáfora potencia
a retenção de conteúdo.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
109
A pergunta metafórica do texto número dois (T2_Q5_M) era a que se segue:
5- O mármore é mel? a) Sim, o mármore é um tipo de mel, do qual Ricardo gosta. b) Sim, o mármore é o mel que os skaters colocam no skate para deslizar melhor. c) Não, mas é pegajoso, tal como o mel. d) Não, o mármore é uma pedra suave, tal como o mel, e permite que o skate
deslize lá bem.
No quadro 3 são apresentadas todas as questões e a respectiva
classificação. As letras (V) e (P) da coluna das questões literais correspondem a
verbatim e paráfrase.
Literal Inferencial Inf. – Metaf. Metafórica
Loc
al
Rel
acio
nal
Loc
al
Rel
acio
nal
Loc
al
Rel
acio
nal
T1_Harry Q1(V)
Q4 (P)
Q2 Q3 Q5
T2_Skate Q2 (P) Q1 (V) Q3 Q4 Q5
T3_ADN Q4 (P) Q2 (P) Q1 Q3 Q5
T4_Futebol Q5 (V)
Q7 (P)
Q6 (P) Q3 Q2
Q4
Q1 Q8
T5_Panspermia Q1 (P) Q2 (P) Q4 Q3 Q5
Q6
Q7
Quadro 3 Classificação das questões
8.2.3 Procedimento
Os primeiros testes foram realizados no início do segundo período
escolar. As restantes turmas efectuaram o teste entre os dias sete e onze de
Abril, ou seja, no início do terceiro período.
Para começar a sessão, os alunos, enquanto elementos de uma turma,
foram sentados por ordem numérica. Antes de lhes serem distribuídos os
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
110
envelopes com os testes, foi-lhes explicado que iriam colaborar num trabalho de
investigação para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo
como objectivo testar a compreensão de textos curtos. Foi-lhes lido o protocolo,
explicando como iria decorrer a tarefa. Os alunos receberam um envelope
contendo três textos, cada um agrafado a uma folha com um número. Esses
números correspondiam à ordem pela qual os textos deviam ser lidos. Essa
ordem era balanceada (ABC, ACB, BAC,...), ocupando cada texto as três
posições. Para cada tarefa, os alunos dispunham de dez minutos. Findo esse
tempo, deveriam colocar o texto virado para baixo na mesa e retirar do
envelope o seguinte. Após a conclusão da leitura de todos os textos, eles eram
colocados de novo no envelope.
Antes da distribuição do último questionário, contendo as perguntas que
testavam a compreensão metafórica, criou-se um intervalo de tempo de cerca de
quinze minutos, no qual a investigadora inquiriu todos os alunos sobre a sua
idade e comprovou os dados pessoais que tinham sido fornecidos. Esta
funcionava como uma actividade distractora, que permitiu testar melhor a
capacidade de os alunos reterem a informação dos textos anteriormente lidos.
Por fim, foi entregue a cada sujeito uma folha com questões de resposta
múltipla, correspondentes a cada um dos textos. No final, essas folhas foram
igualmente colocadas dentro dos envelopes, que foram, de seguida, recolhidos
pela investigadora.
8.3 Resultados
Os resultados obtidos com os testes foram organizados, de acordo com as
variáveis estabelecidas no início do estudo: idade e tipo de compreensão
testado. Desta forma, foram contabilizadas as percentagens de erro por aluno,
por ano lectivo e por tipo de questão, tendo-se procedido ainda ao cruzamento
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
111
de todos os dados. Tendo sido utilizados cinco textos com características
informacionais, temáticas e lexicais distintas, os dados são apresentados por
texto, para controlar possíveis efeitos provocados pelo material utilizado. Os
resultados obtidos encontram-se nos anexos VI e VII. As respostas incorrectas
foram codificadas com 1 e as respostas correctas com 2. Para a análise de dados,
que de seguida se apresenta, apenas foram consideradas as respostas
incorrectas.
8.3.1 Descrição dos resultados
a) Resultados globais
T1_Harry T2_Skate T3_ADN TOTAL 6º ano (N= 70)
33% 29% 32% 31%
9ºano (N= 70)
13% 7% 12% 11%
TOTAL (N= 140)
23% 18% 22%
Quadro 4 Percentagem de erros nos textos T1, T2 e T3
T4_Futebol T5_Panspermia TOTAL 9º ano (N=45)
14% 22% 18%
Quadro 5 Percentagem de erros nos textos T4 e T5
Considerando a amostra de cento e quarenta alunos, setenta do sexto ano
e setenta do nono ano, que leram os três primeiros textos, T1_Harry, T2_Skate,
T3_ADN, e responderam às quinze questões que se lhes seguiam, os resultados
globais são apresentados no quadro 4. Dos dois anos, o sexto ano apresentou
uma percentagem de erros mais elevada – 31% de erros em todas as questões,
contra 11% no nono ano.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
112
Nos textos T4_Futebol e T5_Panspermia, lidos por quarenta e cinco
alunos de duas turmas de nono ano, a percentagem de erro foi de 18%, contra
os 11% dos textos T1, T2 e T3 (ver quadros 4 e 5).
Quando a análise global recai sobre os textos, verifica-se que o T2_Skate
se destaca por ter induzido menos erros nos dois anos lectivos e o
T5_Panspermia por ter suscitado mais erros no nono ano. Estes resultados são
visíveis nos quadros 4 e 5.
Intervalos de erro
do 6º Ano (N=70)
Frequências Simples Frequências Acumuladas
Absoluta Relativa Absoluta Relativa
[0%, 10%[ 11 16% 11 16%
[10%, 20%[ 6 9% 17 24%
[20%, 30%[ 17 24% 34 49%
[30%, 40%[ 10 14% 44 63%
[40%, 50%[ 14 20% 58 83%
[50%, 60%[ 8 11% 66 94%
[60%, 70%] 4 6% 70 100%
Quadro 6 Distribuição de alunos do 6º ano por intervalos de erro nos textos T1, T2 e T3
Intervalos de erro
do 9º Ano (N=70)
Frequências Simples Frequências Acumuladas
Absoluta Relativa Absoluta Relativa
[0% - 10%[ 43 61% 43 61%
[10% - 20%[ 8 11% 51 73%
[20% - 30%[ 12 17% 63 90%
[30% - 40%[ 3 4% 66 94%
[40% - 50%] 4 6% 70 100%
Quadro 7 Distribuição de alunos do 9º ano por intervalos de erro nos textos T1, T2 e T3
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
113
Intervalos de erro
do 9º Ano (N=45)
Frequências Simples Frequências Acumuladas
Absoluta Relativa Absoluta Relativa
[0% - 10%[ 19 42% 19 42%
[10% - 20%[ 10 22% 29 64%
[20% - 30%[ 7 16% 36 80%
[30% - 40%[ 8 18% 44 98%
[40% - 50%] 1 2% 45 100%
Quadro 8 Distribuição de alunos do 9º ano por intervalos de erro nos textos T4 e T5.
Os quadros 6, 7 e 8 apresentam a distribuição interna dos alunos por
percentagem de erro. Relativamente ao sexto ano, a classe modal, ou seja, a
classe com maior frequência absoluta de ocorrência, é a [20% , 30%[. A classe
mediana é [30% , 40%[ (ver quadro 6). No que diz respeito ao nono ano, e entre
os setenta alunos que leram os três textos comuns, T1_Harry, T2_Skate e
T3_ADN, o intervalo de erro com maior frequência de ocorrência foi o [0% ,
10%[. Esse intervalo modal corresponde simultaneamente ao intervalo mediano
(quadro 7). Para os quarenta e cinco alunos que leram os textos T4_Futebol e
T5_Panspermia, o intervalo [0% , 10%[ corresponde à classe modal e
[10% , 20%[ é a classe mediana (quadro 8).
Da leitura destes quadros percebe-se que os sujeitos do sexto e nono anos
se comportaram de forma diferente face à tarefa. A maioria dos alunos do nono
ano errou até 10% das questões, enquanto no sexto ano a percentagem média de
erro foi de 30%. Dos cento e quarenta alunos que realizaram os testes de leitura,
nenhum errou em todos os itens, mas doze alunos do sexto ano (17%)
obtiveram uma percentagem de erro superior a 50%. No nono ano tal não
aconteceu, não tendo nenhum sujeito errado em mais de 50% das questões,
mesmo incluindo aqueles que leram os textos T4_Futebol e T5_Panspermia
(quadros 7 e 8). Por outro lado, vinte e sete alunos assinalaram correctamente
todas as alíneas da totalidade de questões dos três textos, um aluno do sexto
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
114
ano e vinte e seis do nono. Se se contabilizarem as respostas dos quarenta e
cinco alunos do nono ano que leram os cinco textos, quatro sujeitos
responderam correctamente a todas as questões.
b) Análise por tipo de compreensão testado
Questões literais
Questões inferenciais
Questões inf. – metaf.
Questões metafóricas
6º ano (N=70)
22%
42%
32%
37%
9º ano (N=70)
8%
6%
7%
24%
Quadro 9 Percentagem de erros por tipo de questões nos textos T1, T2 eT3
Questões literais
Questões inferenciais
Questões inf. – metaf.
Questões metafóricas
9ºano, (N= 45)
17%
16%
19%
19%
Quadro 10 Percentagem de erros por tipo de questões nos textos T4 e T5
No que diz respeito ao tipo de compreensão testado, nos textos
T1_Harry, T2_Skate e T3_ADN, os itens que testavam a compreensão literal
foram aqueles em que os alunos do sexto ano obtiveram uma percentagem de
erro menos elevada, considerando a globalidade de resultados (22%). No nono
ano, 8% dos alunos erraram nessas questões.
Os itens que exigiam a activação de conhecimento inferencial elevaram
consideravelmente o grau de dificuldade da tarefa no sexto ano, em que a
percentagem de erro foi de 42%, enquanto no nono ano foi de 6%. No que diz
respeito aos itens que testavam a compreensão inferencial – metafórica,
assinale-se que, no 6º ano, a percentagem de erro foi 10% inferior à das questões
que incidiam sobre a compreensão inferencial. No nono ano os resultados de
ambos os tipos de questões foram idênticos.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
115
Os textos T4_Futebol e T5_Panspermia aumentaram, conforme o
previsto, o grau de dificuldade da tarefa. Isso aconteceu sobretudo na primeira
parte do teste, onde se encontravam as questões que testavam a compreensão
literal, inferencial e inferencial - metafórica.
Relativamente às perguntas que testavam a compreensão das metáforas,
e que constituíam a segunda parte do teste, a percentagem de erro foi
consideravelmente elevada, principalmente no nono ano, levando em conta a
discrepância de resultados relativamente à primeira parte do teste (7% de erros
na primeira parte e 24% nas questões metafóricas, não contando com os
resultados dos dois últimos textos).
Analisando estes resultados de uma forma global, percebe-se que as
questões distintivas para o sexto ano, pela maior facilidade que os alunos
revelaram em respondê-las, foram as que activavam o conhecimento literal.
No nono ano, as questões distintivas, pela maior percentagem de erros
obtida, foram as que testavam o conhecimento metafórico.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
116
c) Análise por subcategorias de questões
Questões Literais Questões
inferenciais
Questões
Inf-metaf.
Questões
metafóricas
T1_
Q1_
L_L
V
T1_
Q4_
L_L
P
T2_
Q1_
L_R
V
T2_
Q2_
L_L
P
T3_
Q2_
L_R
P
T3_
Q4_
L_L
P
T1_
Q2_
I_R
T2_
Q3_
I_R
T3_
Q1_
I_L
T1_
Q3_
IM_R
T2_
Q4_
IM_R
T3_
Q3_
IM_L
T1_
M
T2_
M
T3_
M
6º 10% 34% 10% 23% 23% 34% 54% 49% 24% 33% 31% 31% 36% 30% 46%
22% 42% 32% 37%
9º 4% 20% 1% 6% 10% 7% 9% 6% 4% 9% 7% 6% 24% 16% 33%
8% 6% 7% 24%
Tot
al 7% 27% 6% 14% 16% 21% 31% 27% 14% 21% 19% 19% 30% 23% 39%
15% 24% 20% 31%
Quadro 11 Percentagem de erros por questões nos textos T1, T2 e T3 (6º - N=70; 9º - N=70)
Questões Literais Questões
Inferenciais
Questões
Inferenciais-metafóricas
Quest.
Metaf.
T4_
Q5_
_L_L
T4_
Q6_
L_R
T4_
Q7_
L_L
T5_
Q1_
L_P
T5_
Q2_
L_P
T4_
Q3_
I_L
T5_
Q3_
I_R
T5_
Q4_
I_L
T4_
Q1_
IM_R
T4_
Q2_
IM_L
T4_
Q4_
IM_L
T5_
Q5_
IM_L
T5_
Q6_
IM_L
T4_
M
T5_
M
2% 27% 24% 20% 11% 11% 22% 16% 9% 13% 11% 4% 56% 11% 27%
17% 16% 19% 19%
Quadro 12 Percentagem de erros por questões nos textos T4 e T5 (9º - N=70)
Considerando agora as subcategorias dos itens, as questões literais cujas
respostas envolviam paráfrases revelaram-se mais complexas do que aquelas
em que se fazia a reprodução das palavras do texto (verbatim). Os traços local e
relacional, neste tipo de itens, não se reflectiram nos resultados.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
117
Nas questões inferenciais, a aplicação desses traços já resultou numa
complexidade diferente da tarefa, tendo-se verificado que as questões em que
era necessário relacionar informação dispersa no texto (T1_Q2_I_R; T2_Q3_I_R)
foram de mais difícil resolução em ambos os anos lectivos do que quando a
informação se encontrava localizada numa só parte do texto.
A percentagem de erro nos itens que testavam a compreensão
inferencial-metafórica foi muito idêntica em todos os textos, em ambos os anos.
Repare-se, no entanto, na questão T5_Q6_IM_L, na qual vinte e cinco alunos
erraram. Os traços local e relacional não foram distintivos para os resultados
deste tipo de questões.
Quando se analisam as perguntas metafóricas de cada texto, conclui-se
que os alunos dos dois anos lectivos obtiveram a mais alta percentagem de erro
no texto T3_ADN (ver quadro 11). De entre os textos T4 e T5, aquele que
originou mais erros nas questões metafóricas foi o T5_Panspermia (ver quadro
12). De referir que a percentagem de erro nestas questões, entre os quarenta e
cinco alunos do nono ano que leram os cinco textos, foi mais elevada nos
primeiros três textos (28%) do que nos dois últimos (19%).
É igualmente de salientar a diferença nos resultados do nono ano entre
os textos T1, T2 e T3 comparativamente a T4, T5. A percentagem de erros
elevou-se bastante nestes últimos, mantendo-se, no entanto, internamente
muito constante.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
118
d) Cruzamento das três variáveis: ano lectivo, texto e tipo de compreensão
testado
Questões
literais
Questões
inferenciais
Questões
inf.-metaf.
Questões
metafóricas
Total
T1_Harry
(N=140)
17%
(6º- 22%
9º-12%)
31%
(6º-54%
9º- 9%)
21%
(6º-33%
9º- 9%)
30%
(6º- 36%
9º- 24%)
23%
(6º- 33%
9º- 13%)
T2_Skate
(N=140)
10%
(6º- 16%
9º- 4%)
27%
6º- 49%
9º- 6%)
19%
(6º- 31%
9º- 7%)
23%
(6º- 30%
9º- 16%)
18%
(6º- 29%
9º- 7%)
T3_ADN
(N=140)
19%
(6º- 29%
9º- 9%)
14%
(6º- 24%
9º- 4%)
19 %
(6º- 31%
9º- 6%)
39%
(6º- 46%
9º- 33%)
22%
(6º- 32%
9º- 12%)
T4_Futebol
(N=45)
18% 11% 11% 11% 14%
T5_Panspermia
(N=45)
16% 19% 30% 27% 22%
MÉDIA 16% 20% 20% 26%
Quadro 13 Percentagem de erros por texto e por tipo de compreensão testado
Fazendo uma leitura vertical deste quadro, verifica-se que onde há uma
maior coincidência de resultados é nas questões que testam o conhecimento
metafórico. À excepção do texto T4_Futebol, a percentagem de erros nestas
questões é relativamente idêntica em todos os textos. Também numa leitura
horizontal é nas perguntas que testam o conhecimento metafórico que os
resultados apresentam maior uniformidade. Nessas há, no geral, uma maior
percentagem de erro, relativamente aos outros tipos de questões.
Realizando uma leitura mais fina, na horizontal, verifica-se que as
questões do texto T1_Harry em que os resultados se destacam pela maior
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
119
percentagem de erros são as que testam os conhecimentos inferencial (pelos
resultados do sexto ano) e metafórico. Da mesma forma, no texto T2_Skate,
essas mesmas questões diferenciam-se em termos de resultados. No texto
T3_ADN, os resultados das questões que testam o conhecimento metafórico são
os mais discrepantes relativamente aos restantes. No texto T4_Futebol, as
questões com uma maior percentagem de erro são as que testam o
conhecimento literal e no texto T5_Panspermia, os itens que incidem sobre o
conhecimento inferencial-metafórico e metafórico são aqueles cujos resultados
se destacam.
Curiosamente, há dois resultados que não seriam de esperar – a elevada
percentagem de erros nas questões que testam o conhecimento literal do texto
T4_Futebol e nas questões incidentes sobre o conhecimento inferencial-
-metafórico do texto T5_Panspermia. Esses resultados serão comentados no
ponto seguinte.
8.3.2 Discussão
No início deste trabalho foram adiantadas as seguintes hipóteses:
Primeira hipótese – os alunos de nono ano, pela sua maturação
cognitiva, simbólica e pelo seu maior treino de trabalho com o texto,
apresentam uma maior facilidade em lidar com textos com metáforas;
Segunda hipótese – em contraste com as questões literais, aquelas que
envolvem inferências, nomeadamente as metafóricas, têm custos
cognitivos e linguísticos mais elevados, pelo que representam um
maior grau de dificuldade para os dois anos lectivos testados;
Terceira hipótese – a metáfora, pelas suas características, favorece a
compreensão global do texto e a retenção do seu conteúdo.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
120
As variáveis definidas para testar estas hipóteses foram as da idade e do
tipo de compreensão testado. A análise que se segue basear-se-á nessas
variáveis, tendo-se também considerado o texto utilizado para verificar a
validade das hipóteses. Todos as questões e textos comentados encontram-se
nos anexos I a V.
a) Efeito da variável idade
• Os resultados apontam para uma evolução claramente positiva, na
compreensão de textos com metáforas, do sexto para o nono ano, pelo
que a primeira hipótese parece validada.
Em ambos os anos lectivos, os alunos referiram-se aos textos e às tarefas
como sendo fáceis. No entanto, a prestação dos alunos do sexto ano foi, no
geral, inferior à dos alunos do nono ano. Isso verificou-se em todo o tipo de
questões, não havendo nenhuma em que a percentagem de respostas negativas
tenha sido superior no nono ano.
• Principalmente no sexto ano, mas também no nono, parece existir a
tendência para os alunos não procurarem a informação no texto e
responderem de acordo com o que conhecem sobre o assunto.
Algumas perguntas incentivaram os alunos ao uso intensivo de
representações prévias, interferindo estas com a informação textual. Isso
verificou-se relativamente ao item T2_Q2_L_LP: O skate é um desporto…, que foi
concluído por vários alunos do sexto ano (no nono ano a percentagem de erro
foi residual) com: muito perigoso (alínea c), o que corresponde ao estereótipo que
se aplica a essa actividade. Da mesma forma, a questão T1_Q4_L_LP (O príncipe
Harry vai combater para o sul do Iraque?) obteve uma percentagem elevada de
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
121
respostas erradas. Esta questão testava um conhecimento literal, explícito no
texto, mas facilmente os alunos podiam responder dispensando a sua leitura e
recorrendo aos seus conhecimentos, o que conduziu a que fosse, muitas vezes,
erradamente assinalada a alínea b) - Sim, porque é muito rico e pode ajudar os
outros. Tendo em conta o título de príncipe, esta era uma resposta expectável.
Por outro lado, esta questão poderia ligar-se directamente à interpretação da
metáfora. Se os alunos tivessem descodificado correctamente a expressão
«Harry vai ser um bombeiro que não é autorizado a combater o fogo»,
responderiam acertadamente à questão. De referir que a percentagem de erros
neste item foi inesperadamente elevada no nono ano (20%), revelando-se esta
uma das questões mais problemáticas para este nível de escolaridade.
O facto de os alunos activarem os seus conhecimentos prévios,
dispensando a leitura do texto, aponta para um efeito distractor de alguns itens.
Certas questões induzem a que se recorra às representações do mundo de que o
sujeito dispõe, sobrepondo-se estas à informação textual. Os alunos do nono
ano não revelaram tanto esta tendência como os do sexto ano, o que sugere que
eles dão primazia à informação textual, baseando-se nesta para realizarem as
suas inferências. Este é um indicador de uma maior maturidade dos sujeitos de
final de terceiro ciclo enquanto leitores e de um relacionamento mais
competente e eficiente com o texto.
b) Efeito do tipo de compreensão testado
• No início deste estudo, predisse-se que, em contraste com
perguntas que testam a compreensão literal, as que incidem sobre a
compreensão inferencial e metafórica representam um maior grau de
dificuldade (segunda hipótese). Esta hipótese foi parcialmente
confirmada. No sexto ano, os alunos obtiveram uma percentagem de
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
122
erros menos elevada nas questões literais do que nas restantes. Contudo,
no nono ano, as questões distintivas, pela maior percentagem de erro,
foram as metafóricas. Os itens que testavam outros tipos de
compreensão, nomeadamente a literal, tiveram resultados idênticos entre
si.
Analisando, em primeiro lugar, todo o tipo de questões, verifica-se que
as que causaram menos problemas aos dois anos foram as literais - verbatim, o
que já seria de antecipar, pela forma mais directa como se ligam à informação
textual. No sexto ano, o contraste entre esse tipo de perguntas e as restantes foi
mais evidente do que no nono ano. Relativamente às questões que testavam o
conhecimento literal e que envolviam a paráfrase do conteúdo do texto, a já
referida questão T1_Q4_L_LP (O príncipe Harry vai combater para o sul do Iraque?)
foi muito problemática, pela quantidade de respostas erradas a que induziu. Da
mesma forma, o item T3_Q4_L_LP (O que são as sequências mudas de ADN?)
resultou numa percentagem elevada de erros. Esta pergunta, apesar de ser
literal, também lidava com uma expressão metafórica na sua formulação:
‘sequências mudas de ADN’. No texto encontrava-se a sua definição, mas
muitos alunos interpretaram literalmente o termo e assinalaram a alínea a), São
as partes do ADN que não falam. De referir que isso aconteceu no sexto ano (34%
de respostas erradas). No nono ano, a taxa de erro não foi significativa, e os dois
alunos que falharam assinalaram a alínea c), São as sequências que não têm
qualquer importância científica. Ainda no que diz respeito às questões que testam
o conhecimento literal, é necessário analisar os resultados dos alunos neste tipo
de questões no texto T4_Futebol. A percentagem de respostas erradas foi
inesperadamente elevada nas questões T4_Q6_L_RP e T4_Q7_L_LP: De onde é
Adebayor? e Ele é bom no que faz?, respectivamente (ver quadro 12). A resposta a
estas perguntas envolvia a paráfrase da informação do texto e implicava uma
leitura atenta do mesmo. No que diz respeito à questão número sete, o texto
parece indicar inicialmente que o jogador é desajeitado, só depois esclarecendo
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
123
que ele domina muito bem a bola. Todos os alunos que erraram assinalaram a
alínea a), Não, ele atrapalha-se muito. Relativamente à questão número seis, os
alunos podem não ter conseguido reconstituir a cadeia de referência. Adebayor
aparece no primeiro parágrafo e é dito que vem do Togo, país provavelmente
desconhecido para os alunos. A sua origem é tornada evidente no segundo e
último parágrafo (‘Vindo das longínquas profundezas africanas’). O termo anafórico
que retoma o antecedente ‘Adebayor’ é ‘vindo’, mas os alunos não devem ter
conseguido estabelecer a relação entre os dois termos, o que os levou a errar a
resposta à questão.
Prosseguindo com a análise do efeito do tipo de compreensão testado, as
questões inferenciais e metafóricas foram, no geral, de mais difícil resolução do
que as literais, no sexto ano. A pergunta na qual mais alunos desse nível de
escolaridade erraram foi a questão T1_Q2_I_R: Quem são John Nichol e Tim
Ripley? 54% dos alunos não responderam correctamente a essa questão. Para tal,
teriam de relacionar informação constante em dois parágrafos diferentes, o que
se revelou difícil de realizar.
É interessante verificar que a aplicação dos traços local/ relacional apenas
se reflectiu nos resultados das questões que testavam o conhecimento
inferencial. Nas restantes, o facto de a informação se encontrar numa só parte
do texto ou dispersa não foi distintivo. Esperava-se que as questões relacionais
fossem mais exigentes do ponto de vista cognitivo do que as localizadas. No
entanto, talvez outros factores tenham sido mais influentes e tenham
contribuído de forma mais decisiva para a dificuldade das questões.
No que diz respeito às questões literais e inferenciais, os alunos de nono
ano demonstraram lidar com elas de forma relativamente idêntica, em termos
de resultados. Mesmo levando em consideração os textos T4_Futebol e
T5_Panspermia, esse facto manteve-se, verificando-se apenas uma percentagem
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
124
de erro um pouco mais elevada nas perguntas que testavam o conhecimento
inferencial - metafórico. A questão destes dois textos que suscitou mais erros
(56% de respostas erradas) foi exactamente a T5_Q6_IM_L: O que são o carbono e
o hidrogénio? Vários alunos não conseguiram lidar com a metáfora do texto e
interpretaram literalmente a expressão «pedra angular da vida». A alínea que
assinalaram, erradamente, foi a b), são os elementos que constituem as pedras
angulares.
Os resultados relativamente às questões sobre informação metafórica
constituem um dado importante e os alunos manifestaram realmente mais
dificuldades nelas. O nono ano, após ter realizado a primeira parte do teste de
uma forma muito regular (com excepção apenas da questão acima assinalada -
T5_Q6_IM_L), elevou bastante a percentagem de erro nos itens que testavam a
compreensão metafórica (7% de erros na primeira parte e 24% nas questões
metafóricas, não considerando os dois últimos textos). O texto relativamente ao
qual a pergunta metafórica mais erros suscitou foi, como referido
anteriormente, o do ADN (ver quadros 11 e 12). Este era um texto de ciências,
um tema muito específico. Por um lado, era importante que os alunos
possuíssem determinados conhecimentos prévios, em que pudessem incorporar
a informação do texto. Por outro lado, a adesão ao tema não se previa tão
espontânea como relativamente aos dois primeiros textos (T1_Harry e
T2_Skate). Apesar de a percentagem de erro na primeira parte do teste não ter
sido muito diferente da dos outros textos (só numa turma do sexto ano foi mais
elevada, enquanto nas outras cinco turmas foi dos textos com menos respostas
erradas), parece que os alunos não retiveram bem o seu conteúdo. Parece
igualmente que a metáfora não ajudou a retomá-lo. Um dado curioso é que a
questão número três, que se seguia ao texto, fornecia a base da metáfora. A
questão pedia que se completasse a frase começada por As proteínas são… . A
alínea certa era a c), o elemento que estrutura o nosso organismo. 69% dos alunos do
sexto ano e 94% do nono assinalaram a resposta correcta. No entanto, essa
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
125
informação não foi, aparentemente, bem integrada, havendo um total de 39%
de respostas erradas nos dois anos na questão que testava a compreensão da
metáfora. O mesmo aconteceu com o texto T5_Panspermia, outro tema de
ciências, desconhecido para os alunos e cuja metáfora se revelou ineficaz a
ilustrar o assunto. A questão metafórica deste texto era das mais óbvias, pela
forma absurda como era formulada: De acordo com a hipótese da panspermia,
andam cowboys à solta no espaço? No entanto, dez dos quarenta e cinco alunos
assinalaram a hipótese d), Não, mas os asteróides que se encontram no espaço
parecem cowboys, porque disparam em todas as direcções. Realmente esses alunos
reconheceram a metáfora, mas não a conseguiram interpretar correctamente.
• O tipo de metáfora não foi determinante para a compreensão da
expressão metafórica.
Quando se leva em consideração o tipo da metáfora presente no texto e
testada nas últimas questões, os resultados causam alguma surpresa. Eduardo
Fonseca (2000), após alertar para a necessidade de considerar o efeito do tipo de
metáfora em estudos experimentais, refere que «a compreensão metafórica está,
ao longo de toda a escolaridade dos alunos, significativamente correlacionada
(…) com o tipo de metáfora, isto é, a maior ou menor elipse ou redundância dos
constituintes da metáfora (…)» (2000: 26). As metáforas alvo que apareciam nos
textos eram de diferentes tipos. A única metáfora explícita (ABI) era a do texto
T1_Harry, Harry vai ser um bombeiro que não é autorizado a combater o fogo. No
entanto, embora todos os termos da metáfora se encontrassem explícitos, o item
que testava a sua compreensão obteve uma percentagem de erros relativamente
elevada. No nono ano, dos cinco textos, foi o segundo que registou mais erros
neste tipo de compreensão (ver quadro 13). Por outro lado, o texto T4_Futebol
era aquele em que a metáfora era mais elíptica, constando apenas do veículo
(B): Uma girafa do Togo. Apesar disso, a percentagem de erro na questão que
testava a compreensão desta metáfora foi a mais baixa de todas, apenas 11% dos
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
126
alunos a erraram (ver quadro 13). O texto com mais erros na questão que
testava o conhecimento metafórico foi, como se referiu atrás, o T3_ADN, cuja
metáfora era elíptica de base (AB). Estes resultados sugerem que outros
factores, tais como o tema e o conhecimento prévio dos alunos, foram mais
determinantes na compreensão das expressões metafóricas do que o tipo de
metáfora. A metáfora do texto T4_Futebol não ofereceu resistência, foi
transparente para a maioria dos alunos, talvez devido ao seu conhecimento
sobre o assunto. Pelo contrário, a metáfora do texto T3_ADN mobilizava
conhecimentos científicos, que a tornavam de mais difícil descodificação,
independentemente de os seus termos se encontrarem explícitos, à excepção da
base.
• Verifica-se uma correlação positiva entre os bons resultados nas
questões que testavam o conhecimento metafórico e a compreensão
da globalidade do texto.
Ainda relativamente aos itens que testavam o conhecimento metafórico,
convém reflectir sobre um dado interessante. A boa prestação dos alunos nestas
questões é, em geral, um indicador da qualidade das respostas da primeira
parte do teste. No nono ano, trinta e sete alunos não erraram nenhuma questão
da segunda parte. Esses alunos obtiveram, na primeira parte, uma percentagem
de erro baixa (entre os 0% e os 13%, com excepção de dois alunos, que
responderam erradamente a 20% das questões). No sexto ano, os resultados não
foram tão evidentes. Dezassete alunos responderam correctamente às três
questões metafóricas. A taxa de erro desses alunos na primeira parte do teste
localizou-se entre os 0% e os 20%, havendo um aluno com 27% e outro com 53%
de respostas erradas. Para os alunos perceberem bem as metáforas, têm,
aparentemente, de perceber bem o texto todo, o macrotexto, que já pressupõe
uma integração cognitiva do seu conteúdo, a capacidade de constituir para o
texto uma configuração global. Nesse caso, significa que estas questões são mais
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
127
exigentes, pelo que os alunos têm de possuir muito boas estratégias para
lidarem com elas. Eles têm de processar a informação da generalidade do texto
e não só de uma parte, como acontece nas questões que testam o conhecimento
literal. As metáforas têm uma capacidade de resumo e de compactação de
conteúdo, particularmente as testadas neste estudo, contendo em si a
informação principal do texto. Se os alunos resolvem as metáforas, em princípio
já conseguiram lidar com as unidades do microtexto.
c) Efeito da metáfora na retenção do conteúdo do texto
• A metáfora não pareceu ajudar os alunos destas faixas etárias a
integrarem o conteúdo do texto.
Apesar de estar previsto que as questões que lidavam com as metáforas
do texto e testavam a sua compreensão fossem mais exigentes do ponto de vista
do processamento do que as questões literais, acreditava-se que os benefícios
das metáforas excedessem os seus custos, em termos de tornar mais claro o
conteúdo do texto e de ajudar a permanecer activa a informação na memória de
trabalho (hipótese número três). No entanto, os resultados parecem contradizer
tal tese, conforme acabou de ser descrito e comentado na alínea b).
A função da metáfora na construção do sentido do texto encontra-se
estudada na literatura. Noveck, Bianco e Castry (2001) concluíram, no seu
estudo The Costs and Benefits of Metaphor, que as metáforas implicam custos de
processamento, mas parecem revelar-se um factor facilitador de retenção de
discurso. No entanto, isso só acontece, de acordo com os resultados da sua
investigação, quando os sujeitos testados são adultos. As crianças até aos
catorze anos não demonstram retirar benefícios das metáforas referenciais de
um texto, relativamente a controlos literais. Os resultados obtidos no presente
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
128
estudo corroboram essa conclusão. Mesmo que os alunos reconheçam uma
metáfora e identifiquem o seu carácter não literal, a informação que ela
transporta não é, aparentemente, de fácil integração.
d) Efeito do conhecimento prévio
• O conhecimento prévio parece ser determinante para uma boa
integração do conteúdo do texto e talvez até potencie as capacidades
da metáfora em contribuir para essa integração.
Antes de concluir este capítulo, é importante analisar os dados obtidos
que permitem reflectir sobre o efeito do conhecimento prévio na interpretação
de textos com metáforas. Não sendo uma variável que se tivesse pretendido
controlar, observaram-se, no entanto, alguns factos interessantes, pelo que se
pode, com eles, complementar a análise feita. Esta discussão prende-se
directamente com as observações anteriores.
Quando se contrastam os resultados dos textos científicos (T3_ADN e
T5_Panspermia) com os do texto T4_Futebol, verifica-se que o problema talvez
não seja a especificidade do tema (os três são textos muito específicos), mas o
domínio da área de conhecimento por parte dos sujeitos. O texto do futebol
contém diversas expressões figuradas, fazendo uso de metáforas elaboradas,
menos previsíveis. No entanto, os leitores de textos desportivos não parecem ter
problemas em descodificá-lo. Ao procurar textos de desporto para utilizar neste
projecto de investigação, verificou-se que eles são bastante ‘coloridos’, servem-
se muito de metáforas, que oferecem impressões muito vivas ao que se está a
ler, imprimem ritmo e fornecem imagem ao texto. Talvez tenha a ver com a
natureza da informação, desporto é actividade e o texto tem de traduzir esse
dinamismo e energia. Os leitores de jornais desportivos estão, com certeza,
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
129
habituados a textos figurados. Relativamente ao texto em questão, ele não se
revelou muito problemático para muitos alunos e é de colocar a hipótese de o
conhecimento prévio ter sido determinante para isso. Verifica-se neste texto o
efeito de sexo. Relativamente à globalidade das questões, não considerando o
tipo de compreensão testado, as raparigas erraram 18% das questões e os
rapazes 10%. Relativamente aos outros textos, esse efeito não se verificou,
errando ambos os sexos sensivelmente em 15% dos itens (15% para as raparigas
e 14.8% para os rapazes, considerando apenas as turmas que leram os cinco
textos). Este era um efeito previsível, tratando-se este de um tema culturalmente
mais afecto aos homens do que às mulheres.
Há casos interessantes. Alguns sujeitos tiveram uma prestação regular
nos textos T1, T2, T3 e T5 e obtiveram, no texto T4_Futebol uma percentagem
de erro superior a 50%. Há textos, que, sendo muito específicos, contêm em si a
informação necessária para que se elabore deles uma representação coerente.
Era o caso dos textos T3_ADN e T5_Panspermia. O texto T4_Futebol, no
entanto, explorando igualmente um tema específico, mobilizava conhecimento
prévio e a sua ausência podia comprometer a boa interpretação do conteúdo.
Alunos que percebessem de futebol conseguiam responder correctamente a
algumas perguntas sem recorrerem ao texto (O que são o Arsenal e o Manchester
United?; Quem são Arsène Wenger e Sir Alex Fergusson?). No entanto, se o
conhecimento de futebol fosse insuficiente, a leitura do texto era bastante
dificultada, exigindo inferências elaborativas sofisticadas. Da mesma forma, a
descodificação das metáforas do texto também se tornava mais complexa.
8. Estudo 1 – Compreensão de textos com metáforas
130
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
131
9. PARÁFRASE DE METÁFORAS
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
132
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
133
9.1 Objectivos e hipóteses
No Estudo 1 deste projecto pretendeu-se avaliar a interpretação de textos
com metáforas, através de uma tarefa de compreensão. Essa tarefa consistiu na
resposta a um questionário de escolha múltipla, que incidia sobre diversos
textos com metáforas. Uma vez que as respostas eram fechadas, dadas pelo
investigador, o acesso à compreensão dos textos pelos sujeitos foi indirecto. Por
essa razão, procuraram obter-se, neste segundo estudo, dados mais directos,
testando-se a compreensão de metáforas, através de uma tarefa de produção.
Desta forma, pediu-se aos alunos que realizassem paráfrases de expressões
metafóricas, tentando-se, assim, captar as interpretações realmente efectuadas.
Este estudo baseou-se no projecto já anteriormente citado, no capítulo
cinco, de Luís Faísca (2004), integrado na sua tese de doutoramento: A
Construção do Significado Metafórico – um contributo para a caracterização dos
processos cognitivos subjacentes. Para o realizar, o investigador construiu vários
estudos experimentais, um dos quais envolvia a paráfrase de quarenta e seis
metáforas nominais novas, ou seja, construídas para o trabalho, e a respectiva
avaliação em quatro parâmetros: facilidade de interpretação, familiaridade,
concordância com a expressão e qualidade da mesma. Essas paráfrases
constituíram posteriormente o corpus de um outro estudo, em que foram
analisadas as estratégias de interpretação utilizadas pelos sujeitos para lidarem
com metáforas avaliadas por eles como difíceis ou pouco familiares.
Em Menyuk (1987), são referidas as fases pelas quais as crianças passam
relativamente à linguagem figurada, sendo que a capacidade para interpretar
essas expressões aumenta com a idade e depende da complexidade linguística
das frases. Por outro lado, relativamente à aplicação de adjectivos que podem
ter significado conotativo e denotativo, e de acordo com investigações
mencionadas pela autora, as crianças começam por aplicá-los de forma literal.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
134
Apenas aos dez ou onze anos conseguem explicar a função dual dessas
palavras.
Tendo em conta o que foi referido, concebeu-se este estudo, no sentido
de perceber, numa perspectiva novamente desenvolvimental, mas de uma
forma mais directa, como lidam os alunos em final de segundo e terceiro ciclos
com expressões metafóricas. As hipóteses formuladas com base na informação
teórica, e em particular no que foi em cima referido, foram as seguintes:
Primeira hipótese – a capacidade de interpretação de metáforas
aumenta com a idade e o grau de escolaridade, pelo que os alunos do
sexto ano apresentam uma maior dificuldade em parafrasear
expressões metafóricas do que os alunos de nono ano;
Segunda hipótese – as metáforas familiares, consideradas como
inactivas, obtêm mais interpretações metafóricas do que as não
familiares ou activas, atendendo ao efeito de frequência das palavras
na língua. Itens muito familiares são mais acessíveis, por estarem mais
codificados.
Para testar estas hipóteses, consideraram-se duas variáveis, com
implicações no desenho experimental: o nível de escolaridade (sexto e nono
anos) e o tipo de metáforas (familiares ou não familiares).
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
135
9.2 Metodologia
9.2.1 Sujeitos
Este teste foi aplicado a um subgrupo dos sujeitos testados no Estudo 1,
tendo sido escolhidas duas das seis turmas que participaram nesse estudo.
Essas turmas foram as presentes na fase inicial, a turma B do sexto ano e a A do
nono. O teste foi efectuado a vinte e cinco alunos de sexto ano e vinte e três de
nono. A idade dos alunos do sexto ano varia entre os onze e os doze anos
(dezanove com onze anos e seis com doze, média de 11.2). Da turma de nono
ano os alunos tinham idades compreendidas entre os catorze e os dezassete
anos (dezanove alunos com catorze anos, um com quinze, dois com dezasseis e
um com dezassete, média de 14.3).
9.2.2 Materiais
O efeito da frequência das palavras está estudado e sabe-se que afecta
tarefas de decisão lexical, de velocidade de leitura, etc.. Palavras de elevada
frequência são reconhecidas mais rapidamente do que as de baixa frequência
(Forster e Chambers, 1973) e são lidas também mais rapidamente (Balota, Law e
Zevin, 2000). Em Faísca (2004) verificou-se que as frases consideradas mais
familiares e acessíveis eram bem interpretadas, do ponto de vista metafórico.
Naquelas avaliadas como mais difíceis e menos familiares, os sujeitos
activavam estratégias alternativas para constituírem o seu sentido. As metáforas
familiares podem ser consideradas metáforas inactivas. O seu sentido já foi
incorporado no léxico da língua, encontra-se mais convencionalizado e a ele
acede-se mais automaticamente. Giora (2003) defende que os significados mais
salientes de uma língua são processados prioritariamente em relação aos menos
salientes (the graded salience hypothesis, já discutida no capítulo dois). A saliência
de palavras e frases advém da sua frequência na língua, da sua familiaridade e
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
136
do seu grau de convencionalidade, que faz com que já estejam codificadas no
léxico mental («To be salient, meanings of words, phrases, or sentences (e.g., the
conventional interpretations of idioms or familiar ironies) have to be coded in the mental
lexicon and, in addition, enjoy prominence due to their conventionality, frequency,
experiential familiarity, or prototypicality»). Significados que não estejam já
codificados são menos salientes ou mesmo não salientes, pelo que o seu
processamento não será automático nem prioritário: «Salient meanings are
assumed to be accessed immediately upon encounter of the linguistic stimulus via a
direct lookup in the mental lexicon. Less-salient meanings will lag behind. Nonsalient
meanings require extra inferential processes and strong contextual support» (Giora,
2003)
Considerando então que os itens mais familiares da língua são mais
acessíveis do ponto de vista cognitivo, foi elaborado o corpus para o presente
trabalho, que consistiu em vinte e oito metáforas, do tipo A é B, usando
construções predicativas. Catorze metáforas são familiares ou inactivas e
catorze são não familiares. Das não familiares, dez são variações desconhecidas
das metáforas familiares. Quatro são metáforas que não têm correspondência
com as familiares. A intenção inicial era a de manter os veículos e associá-los a
novos tópicos, de forma a controlar muito bem a construção de metáforas novas
e de verificar se havia alteração na forma de interpretar umas e outras. No
entanto, verificou-se que tal tornaria a tarefa demasiado óbvia, pelo que apenas
alguns veículos (pérola, espelho, enigma) foram conservados. Os restantes são
sinónimos dos veículos das metáforas conhecidas (batalha, caminho,
imperador) ou pertencem ao mesmo campo semântico (cabeça, moedas
pequenas, queimadura). Quatro veículos são completamente novos e
casualmente escolhidos (relógio, retrato, quadro negro, ouro). No quadro 14
encontra-se a descrição do corpus de metáforas.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
137
Metáforas Familiares
(N= 14)
Metáforas não familiares
(N= 14)
14 metáforas
Ex.: ‘Os olhos são o espelho da alma.’
3 metáforas com veículos de metáforas
familiares
Ex.: ‘A televisão é um espelho.’
4 metáforas com veículos sinónimos de
veículos familiares
Ex.: ‘ Um filho é um imperador.’
3 metáforas com veículos do mesmo campo
semântico das familiares
Ex.: ‘As preocupações são moedas pequenas.’
4 metáforas com veículos novos
Ex.: ‘O desconhecido é um quadro negro.’
Quadro 14 Descrição do corpus de metáforas
Os alunos receberam o enunciado contendo as vinte e oito metáforas,
aleatoriamente ordenadas. Foram elaboradas duas ordens, distribuídas
alternadamente aos alunos. Metade deles receberam a ordem A e a outra
metade recebeu a ordem B. No quadro 15 encontram-se todas as metáforas que
constituíram o corpus deste trabalho.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
138
METÁFORAS FAMILIARES
1 O cliente é rei.
2 A Ilha da Madeira é a pérola do Atlântico.
3 Tempo é dinheiro.
4 A vida é uma luta.
5 Parar é morrer.
6 O sonho é o motor da vida.
7 A Amazónia é o pulmão do mundo.
8 O amor é fogo.
9 Um livro é uma viagem.
10 Os olhos são o espelho da alma.
11 O casamento é uma aventura.
12 Um amigo é um tesouro.
13 A vida é um milagre.
14 Uma pessoa é um enigma.
METÁFORAS NÃO FAMILIARES
15 Um filho é um imperador.
16 Um sorriso é uma pérola.
17 As preocupações são moedas pequenas.
18 A inteligência é uma batalha.
19 A Serra da Estrela é a cabeça de Portugal.
20 A tristeza é uma queimadura.
21 A educação é um caminho sem fim.
22 A televisão é um espelho.
23 A nossa casa é o nosso retrato.
24 A tecnologia é um enigma.
25 O mar é uma arca.
26 A água é ouro.
27 A sorte é um relógio.
28 O desconhecido é um quadro negro.
Quadro 15 corpus de metáforas
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
139
9.2.3 Procedimento
Os testes decorreram no início do 3º período.
Os alunos começaram por ser sentados por ordem alfabética e foi-lhes
novamente explicado que eles estavam a colaborar num trabalho de
investigação, que tinha como objectivo perceber a compreensão de frases curtas
(nunca foi mencionado o termo ‘metáforas’). Explicou-se que neste segundo
estudo se procurava testar a interpretação de frases retiradas do contexto, frases
às quais os autores deram um significado, que agora teria de ser reconstituído
pelos alunos. Este facto foi realçado para fomentar o esforço dos sujeitos
quando confrontados com frases pouco comuns e, em alguns casos,
extravagantes (Gibbs, Kushner e Mills, 1991; Faísca, 1994). Pediu-se que lessem
as frases, tentassem percebê-las e explicassem por palavras suas o significado
que lhes atribuíam. Estabeleceu-se um limite de vinte palavras por paráfrase.
Era permitido aos alunos alterarem a ordem das frases e, caso não
conseguissem interpretá-las, deveriam escrever: «Não consigo interpretar.»
Os enunciados foram distribuídos e o tempo de realização da tarefa foi
cerca de quarenta e cinco minutos.
9.2.4 Codificação e organização dos dados
As paráfrases dos alunos foram lidas e a sua interpretação foi
classificada. Inicialmente foi seguida a taxonomia de estratégias de
interpretação proposta por Faísca (1994), com sete categorias e oito
subcategorias. No entanto, verificou-se, por um lado, que algumas estratégias
recorrentes nos alunos não estavam previstas nessa taxonomia. Por outro lado,
algumas estratégias alternativas eram muito idênticas, o que dificultava a
classificação. A lista foi, desta forma, alterada e reduzida.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
140
As seis formas de interpretação alternativa, para além da interpretação
metafórica, são apresentadas no quadro 16, sendo em seguida, explicadas. A
sua apresentação vai da interpretação metafórica às interpretações que mais se
afastam desta. A estratégia IC é considerada quase metafórica. Na estratégia IA,
a interpretação feita é absurda.
Estratégia Definição
IM Interpretação Metafórica – as características do tópico são
projectadas no veículo
IC Interpretação Condicionada – a interpretação é metafórica, mas
está condicionada a determinados contextos
AD Associação Distorcida – os predicados do veículo associados ao
tópico são inadequados e não o explicam
FT Focalização num dos Termos – a interpretação restringe-se à
clarificação de um dos termos da metáfora
PM Paráfrase com manutenção da Metáfora – a metáfora apresentada
é apenas parafraseada e não interpretada
IL Interpretação Literal – a metáfora é interpretada literalmente
IA Interpretação Absurda – a interpretação feita não faz sentido
Quadro 16 Estratégias de interpretação das metáforas apresentadas
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
141
IM - Interpretação Metafórica - A interpretação apresentada pelos alunos foi
considerada metafórica quando derivou da transferência de características do
veículo para o tópico. Desta interacção entre o tópico e o veículo resultou um
maior esclarecimento sobre o primeiro, tendo sido posta em evidência a sua
natureza.
(1) A sorte é um relógio - «A sorte é um relógio, nem sempre é certa.»
(JS9A, frase 27)
(2) O amor é fogo - «O amor é algo que se alastra com facilidade»
(idem, frase 8)
(3) «O amor é uma coisa bonita, mas ao mesmo
tempo faz sofrer» (AE6B)
(4) As preocupações são moedas pequenas - «As preocupações não valem
nada» (GS9A, frase 17)
(5) A água é ouro - «A água é um bem muito precioso e pode acabar-
se» (RM9A, frase 26)
(6) A televisão é um espelho - «Quer dizer que nós, ao estarmos a ver
televisão, vemos as coisas como se fossem um espelho - estamos a
ver aquelas imagens, mas sem elas estarem lá.» (BM6B, frase 22)
(7) A tristeza é uma queimadura – «Quando estamos tristes, a tristeza só
passa quando nos animamos. A mesma coisa acontece com a
queimadura, só passa quando a tratamos.» (SM6B, frase 20)
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
142
IC - Interpretação Condicionada – Por vezes os alunos procedem a uma
interpretação metafórica, atribuindo ao tópico características do veículo, de
forma a esclarecer o primeiro, mas fazem essa interpretação depender de um
contexto particular.
(8) As preocupações são moedas pequenas - «As preocupações dos outros
não têm interesse.» (CM9A, frase 17) - o aluno identifica um traço
passível de ser aplicado ao tópico (não ter importância), mas só o
aceita na condição de a frase se referir às preocupações dos outros.
(9) Uma pessoa é um enigma - «A pessoa só é enigma se não for amiga.»
(DB6B, frase 14) - Neste caso, o aluno, para além de não explicar a
metáfora, só aceita a analogia se ela se restringir a uma situação
muito determinada.
(10) Um sorriso é uma pérola - «Porque um pai adora o sorriso de um
filho» (WP9A, frase 16)
AD - Analogias/ associações distorcidas – Estas interpretações resultam de
associações ou analogias inadequadas ou forçadas, relativamente a um dos
constituintes da metáfora ou aos dois. Estas analogias podem ser legítimas, mas
delas não resulta um esclarecimento sobre a natureza do veículo. Em alguns
casos, a pista forte é uma comparação de forma explícita (o uso do ‘como’), que,
no entanto, não clarifica o tópico (ver exemplos 11 e 12).
(11) A sorte é um relógio - «A sorte é como um relógio, pois podemos
trazê-la ou não» RM9A, frase 27)
Estratégias de Interpretação Alternativa
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
143
(12) Tempo é dinheiro - «A vida é tão boa como o dinheiro ou o tempo é
tão bom como o dinheiro» (JL6B, frase 3). Neste caso, verifica-se
uma transferência do veículo para o tópico, ambos são
considerados bons. No entanto, a essência do tópico não é
iluminada pela qualidade escolhida no veículo, pelo não se pode
considerar que a interpretação tenha sido verdadeiramente
metafórica.
(13) A Amazónia é o pulmão da Terra - «A Amazónia está no meio do
mundo.» (JG6B, frase 7) - Novamente, percebe-se a analogia - o
pulmão está no meio do corpo, a Amazónia está no meio do
mundo. No entanto, para além de não ser verdade, é irrelevante
para o tópico em questão.
(14) O mar é uma arca – «O mar é muito grande e uma arca também
pode ser grande. São iguais.» (BC6B, frase 13) – Neste caso, a
analogia é forçada, para além de não destacar nada de importante
em ambos os componentes da metáfora.
FT - Focalização num dos termos – Esta interpretação não é baseada na
associação entre o tópico e o veículo. A paráfrase restringe-se à explicação de
apenas um dos constituintes da expressão metafórica e geralmente são
registadas ideias feitas sobre ele. Há, desta forma, a anulação de um dos
membros da expressão. Normalmente, o constituinte mantido é o tópico, ou
seja, o sujeito da oração. Sendo estas frases básicas, com sujeito pré-verbal, este
vai reunir em si várias propriedades que o tornam um elemento de atenção e de
interpretação preferencial, acumulando a função de sujeito, com a de tópico da
frase, sendo ainda a primeira entidade referida (A. Costa, 2006). Nos casos em
que o elemento focalizado foi o veículo, aparece assinalado no quadro como FT
(V).
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
144
Focalização no tópico:
(15) Um amigo é um tesouro - «Podemos sempre contar com um amigo
verdadeiro» (AE6B, frase 12)
(16) A vida é uma luta - «A vida é só uma passagem» (AN6B, frase 4)
(17) O casamento é uma aventura - «O casamento é conhecer melhor do
que ninguém a pessoa que amamos.» (AL9A, frase 11)
(18) Um filho é um imperador - «Tenta dizer que um filho é uma parte de
nós.» (BM6B, frase 15)
Focalização no veículo:
(19) O mar é uma arca - «Há muitos mistérios numa arca.» (AF9A, frase
25)
PM - paráfrase com manutenção da metáfora – Esta estratégia de interpretação
pode envolver o retomar da metáfora, não a descodificando. Os alunos poderão
dizê-la por outras palavras ou produzir uma nova metáfora, sem explicar a
apresentada. Em ambos os casos, não se procede a uma verdadeira
interpretação, apenas à reformulação da frase em questão ou à criação de outra
metáfora.
(20) O amor é fogo - «O amor é fogo, é como se fosse uma chama que
permanece acesa por aquela pessoa.» (AS9A, frase 8)
(21) Um livro é uma viagem - «Um bom livro é uma viagem
maravilhosa» (AE9A, frase 9)
(22) «O livro é uma vida.» (AN6B)
(23) A inteligência é uma batalha - «Temos que batalhar a inteligência»
(FV6B, frase 18)
(24) Um sorriso é uma pérola - «Está a dizer que o nosso sorriso parece
uma flor» (idem, frase 16)
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
145
(25) Um filho é um imperador - «Um filho é um imperador, porque é um
milagre, há pessoas que desejam ter um filho e não têm.» (BC6B,
frase 15)
IL- Interpretação literal – Neste caso, a metáfora não é entendida enquanto tal,
sendo interpretada de forma literal, como nos casos a seguir apresentados:
(26) Um livro é uma viagem - «Podemos dar a volta ao mundo lendo
vários livros» (AE6B, frase 9)
(27) A televisão é um espelho - «Porque quando a televisão está apagada
faz de espelho» (RM6B, frase 22)
(28) O mar é uma arca - «O mar se fosse uma arca dava para guardar
alguma coisa.» (DB6B, frase 25).
Por vezes, a interpretação literal é feita sobre a inversão dos membros da frase.
Este tipo de interpretação foi codificado como A1 (I). Exemplos:
(29) A sorte é um relógio – «Ter um relógio é como ter uma grande
sorte.» (FV6B, frase 27)
(30) «Quer dizer que o relógio nos diz as horas,
por isso não chegamos atrasados a nada, isso é uma sorte.» (MS6B,
frase 27)
IA- Interpretação Absurda - Em alguns casos, os alunos escreveram afirmações
absurdas ou redundantes relativamente aos itens da metáfora (exemplos 31, 32,
33, 35) ou basearam-se em conhecimentos erróneos sobre eles (exemplo 34). Há
ainda algumas paráfrases em que os alunos parecem ignorar completamente a
frase apresentada (exemplo 36).
(31) A nossa casa é o nosso retrato - «Sem casa não tínhamos onde morar»
(FV6B, frase 23)
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
146
(32) A educação é um caminho sem fim - «Porque é através da educação
que somos educados.» (AV6B, frase 21)
(33) A vida é um milagre - «A vida é um milagre para sempre» (FA6B,
frase 13)
(34) A Amazónia é o pulmão do mundo - «É o rio maior do mundo»
(RG6B, frase 7)
(35) A televisão é um espelho - «Sim, atrás do espelho é que está tudo»
(AF9A, frase 22)
(36) O amor é fogo - «Quer dizer que nós estamos bem.» (DD6B, frase 8)
Alguns alunos combinam mais do que uma estratégia para interpretarem as
frases, como se constata nos exemplos que se seguem. Sempre que tal
aconteceu, foi codificada a estratégia que se considerou preponderante.
(37) A Amazónia é o pulmão do mundo - «Porque tem várias árvores que
respiram e animais.» (SM6B, frase 7). Se a primeira parte da
paráfrase pode resultar da associação do veículo ao tópico, a
segunda parte, na sua referência aos animais, não provém da
interacção entre os dois membros da metáfora, mas sim de uma
observação sobre a Amazónia (estratégia FT). Esta última foi a
estratégia considerada.
(38) A vida é um milagre - «Sim, porque nós não sabemos o que nos vai
acontecer e a vida é um milagre.» (IS6B, frase 13) - o aluno sentiu a
necessidade de reforçar a metáfora (estratégia PM), ao mesmo
tempo que se prendeu ao sujeito da oração e escreveu um lugar-
comum sobre a vida (FT). A resposta foi codificada com a
estratégia FT.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
147
9.3 Resultados
9.3.1 Descrição dos resultados
a) Resultados globais
6º ano 9º ano Total
Total de expressões metafóricas 28
Total de alunos 25 23 48
Total de paráfrases aguardadas 700 644 1344
Total de paráfrases não realizadas 144 100 244
Total de paráfrases realizadas 556 544 1100
Quadro 17 Parâmetros relativos ao Estudo 2
Foram apresentadas vinte e oito frases metafóricas a quarenta e oito
alunos, vinte e cinco de sexto ano e vinte e três de nono. No total, dever-se-iam
obter mil, trezentas e quarenta e quatro paráfrases. No entanto, cinquenta e
uma não foram feitas e, em cento e noventa e três frases, os alunos colocaram:
«Não consigo interpretar.» Desta forma, foram lidas mil e cem paráfrases (ver
quadro 17).
Interpretações metafóricas
Interpretações não metafóricas
Não fizeram/ não interpretaram
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
6º ano (N=25)
203 29% 353 50% 144 21%
9º ano (N=23)
352 55% 192 30% 100 16%
TOTAL (N=48)
555 41% 544 41% 244 18%
Quadro 18 Resultados globais das paráfrases
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
148
Das paráfrases realizadas pelas duas turmas, quinhentas e cinquenta e
cinco eram interpretações metafóricas, ou seja, cerca de metade (50.4%). No
sexto ano, os alunos não fizeram ou não interpretaram cento e quarenta e
quatro frases, o que perfaz um total de 21% das frases. Nesse mesmo ano, 29%
das interpretações foram metafóricas. No nono ano, não foram feitas noventa e
sete paráfrases (16%) e realizaram-se trezentas e cinquenta e duas
interpretações metafóricas (55%).
Intervalos de IM
do 6º ano (N=25)
Frequências Simples Frequências Acumuladas
Absoluta Relativa Absoluta Relativa
[0% - 20%[ 10 40% 10 40%
[20% - 40%[ 6 24% 16 64%
[40% - 60%[ 5 20% 21 84%
[60% - 80%] 4 16% 25 100%
Quadro 19 Distribuição dos alunos do 6º ano por intervalos de interpretações metafóricas
Intervalos de IM
do 9º Ano (N=23)
Frequências Simples Frequências Acumuladas
Absoluta Relativa Absoluta Relativa
[0% , 20%[ 1 4% 1 4%
[20% , 40%[ 4 17% 5 22%
[40% , 60%[ 6 26% 11 48%
[60% , 80%[ 11 48% 22 96%
[80% , 100%] 1 4% 23 100%
Quadro 20 Distribuição dos alunos do 9º ano por intervalos de interpretações metafóricas
No quadros 19 e 20, encontra-se a distribuição dos alunos por intervalos
de interpretações metafóricas feitas. Relativamente ao sexto ano, o intervalo
modal, ou seja, o intervalo com maior frequência de ocorrência, é [0% , 20%[. A
classe mediana corresponde ao intervalo [20% , 40%[. No nono ano, o intervalo
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
149
[60% , 80%] corresponde à classe mediana e simultaneamente à classe modal.
Isto significa que os alunos de nono ano, para além de terem feito mais
paráfrases das expressões apresentadas (quadro 17), também realizaram um
número significativamente superior de interpretações metafóricas do que os
alunos do sexto ano (quadro 20). A maioria dos alunos do nono ano interpretou
metaforicamente cerca de três quartos das frases apresentadas, enquanto a
maioria dos alunos do sexto ano realizou uma leitura considerada metafórica de
aproximadamente um quarto dessas frases. Neste ano lectivo, houve
inclusivamente dois alunos que não realizaram nenhuma interpretação
metafórica e três alunos que apenas fizeram uma.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
150
Metáforas IM
nº 6º(N=25) 9º(N=23) Total
1 O cliente é rei. 10 19 29
2 A Ilha da Madeira é a pérola do Atlântico. 6 10 16
3 Tempo é dinheiro. 1 8 9
4 A vida é uma luta. 6 11 17
5 Parar é morrer. 3 7 10
6 O sonho é o motor da vida. 5 9 14
7 A Amazónia é o pulmão do mundo. 7 13 20
8 O amor é fogo. 8 6 14
9 Um livro é uma viagem. 8 10 18
10 Os olhos são o espelho da alma. 4 12 16
11 O casamento é uma aventura. 3 13 16
12 Um amigo é um tesouro. 10 13 23
13 A vida é um milagre. 1 9 10
14 Uma pessoa é um enigma. 13 21 34
15 Um filho é um imperador. 11 17 28
16 Um sorriso é uma pérola. 12 16 28
17 As preocupações são moedas pequenas. 8 12 20
18 A inteligência é uma batalha. 4 15 19
19 A Serra da Estrela é a cabeça de Portugal. 9 17 26
20 A tristeza é uma queimadura. 11 15 26
21 A educação é um caminho sem fim. 14 19 33
22 A televisão é um espelho. 7 14 21
23 A nossa casa é o nosso retrato. 8 17 25
24 A tecnologia é um enigma. 13 15 28
25 O mar é uma arca. 8 12 20
26 A água é ouro. 4 7 11
27 A sorte é um relógio. 2 8 10
28 O desconhecido é um quadro negro. 7 7 14
Total 203 352 555
Quadro 21 Número de interpretações metafóricas feitas para cada expressão
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
151
O quadro 21 refere-se ao total de interpretações metafóricas que cada
expressão apresentada obteve por ano lectivo. Na primeira coluna encontram-se
os números das vinte e oito metáforas, já anteriormente codificadas (ver quadro
15). Foram marcadas a sombreado as expressões com mais de vinte e quatro
interpretações metafóricas (ou seja, mais de 50%).
Das vinte e oito metáforas, a única em que os alunos do sexto ano
fizeram mais interpretações metafóricas do que os alunos de nono ano foi a
expressão familiar número oito: O amor é fogo. Todas as outras obtiveram mais
interpretações metafóricas no nono ano do que no sexto.
A expressão com mais interpretações metafóricas é a metáfora familiar
número catorze, Uma pessoa é um enigma. Aquela que gerou menos
interpretações metafóricas foi a número três, Tempo é dinheiro (metáfora
familiar).
b) Análise por estratégias alternativas utilizadas
IM IC AD FT PM IL IA 6º ano (N=25)
29% 0.3% 4% 20% 9% 13% 4%
9º ano (N=23)
55% 1% 1% 16% 8% 3% 1%
TOTAL (N=48)
41% 1% 2% 18% 8% 8% 3%
Quadro 22 Percentagem de utilização de estratégias alternativas de interpretação da metáfora, para além da interpretação metafórica
Quando um aluno não interpretou a expressão metafórica associando
características do veículo ao tópico, de forma a esclarecer este último,
considerou-se que utilizou estratégias alternativas de interpretação.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
152
Nos dois anos, quinhentas e quarenta e quatro expressões não foram
interpretadas metaforicamente, mas os alunos utilizaram estratégias
alternativas para lidar com elas. No quadro 22, encontram-se essas estratégias,
segundo a codificação atrás apresentada (ver secção 9.2.4 e quadro 16) e a
percentagem de alunos que as usaram.
No sexto ano, as estratégias alternativas de interpretação foram usadas
em trezentos e cinquenta e dois casos. Na maioria das vezes, os alunos
recorreram à focalização arbitrária em apenas um dos termos da frase,
ignorando o outro termo (uma percentagem idêntica à dos alunos que
realizaram a interpretação metafórica), ou interpretaram literalmente a
metáfora.
No nono ano, as estratégias mais utilizadas para lidar com as expressões
foram, novamente, a focalização arbitrária num dos termos da metáfora e a
realização da paráfrase, mantendo a metáfora.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
153
c) Análise segundo a acessibilidade da metáfora (metáfora familiar vs.
metáfora não familiar)
Metáforas Familiares (N=14) Interpretações
metafóricas Não fizeram/ não
interpretaram Estratégias alternativas
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
Freq. Absoluta
Freq. Relativa
6º ano (N= 25)
85 24% 69 20% 196 56%
9º ano (N=23)
161 50% 48 15% 113 35%
TOTAL (N=48)
246 37% 117 17% 309 46%
Quadro 23 Análise dos resultados globais das metáforas familiares
Metáforas não Familiares (N=14) Interpretações
metafóricas Não fizeram/ não
interpretaram Estratégias alternativas
Fr. Absoluta
Fr. Relativa
Fr. Absoluta
Fr. Relativa
Fr. Absoluta
Fr. Relativa
6º ano (N=25)
118 34% 75 21% 157 45%
9º ano (N=23)
191 59% 52 16% 79 25%
TOTAL (N=48)
309 46% 127 19% 236 35%
Quadro 24 Análise dos resultados globais das metáforas não familiares
Das vinte e oito metáforas, catorze eram familiares e catorze não eram
familiares. No sexto ano, houve oitenta e cinco interpretações metafóricas de
metáforas familiares (24%) e cento e dezoito de metáforas não familiares (34%).
No nono ano, os valores foram de cento e sessenta e uma para as metáforas
familiares (50%) e cento e noventa e uma para as não familiares (59%). No sexto
ano, houve sessenta e nove casos de metáforas familiares que os alunos não
conseguiram interpretar ou de que não fizeram as respectivas paráfrases (20%).
Relativamente às metáforas não familiares, esse número foi de setenta e cinco
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
154
(21%). No nono ano, em quarenta e oito casos, os alunos não fizeram a tarefa ou
escreveram «não consigo interpretar» nas metáforas familiares (15%). Para as
não familiares, o valor foi de cinquenta e dois casos (17%).
d) Análise das estratégias aplicadas por tipo de metáfora
Metáforas Familiares (N=14) IM IC AD FT PM IL IA
6º ano (N=25) 24% 0,3% 3% 21% 11% 16% 5% 9º ano (N=23) 50% 1% 1% 17% 11% 4% 2% TOTAL (N=48) 37% 0,4% 2% 20% 11% 10% 3%
Quadro 25 Percentagem de estratégias de interpretação alternativa, para além da metafórica, utilizadas nas metáforas familiares
Metáforas não Familiares (N=14) IM IC AD FT PM IL IA
6º ano (N=25) 34% 0,3% 5% 18% 8% 11% 3% 9º ano (N=23) 59% 1% 1% 14% 5% 3% 1% TOTAL (N=48) 46% 1% 3% 16% 6% 7% 2%
Quadro 26 Percentagem de estratégias de interpretação alternativa, para além da metafórica, utilizadas nas metáforas não familiares
No que diz respeito às estratégias alternativas de interpretação das
metáforas, o facto de serem familiares ou não familiares pouco reflexo teve nos
resultados, tanto num ano lectivo como no outro, como se pode observar nos
quadros 25 e 26. As estratégias mais utilizadas, de que se tinha feito um
levantamento global (ver quadro 22), mantêm a sua distribuição quando se
efectua uma análise por tipo de metáfora. No sexto ano, quando não
procederam a uma interpretação metafórica, os alunos realizaram a paráfrase,
explicando apenas um dos termos da metáfora ou interpretando-a literalmente.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
155
No nono ano, as estratégias alternativas de interpretação de metáforas
familiares bem como de metáforas não familiares envolveram o esclarecimento
de um dos termos da metáfora ou a sua manutenção.
9.3.2 Discussão
Retomando as hipóteses estabelecidas no início deste estudo, considerou-
-se que:
Primeira hipótese – a capacidade de interpretação de metáforas
aumenta com a idade e o grau de escolaridade, pelo que os alunos do
sexto ano apresentam uma maior dificuldade em parafrasear
expressões metafóricas do que os alunos de nono ano;
Segunda hipótese – as metáforas familiares obtêm mais interpretações
metafóricas do que as não familiares, atendendo ao efeito de
frequência das palavras na língua. Itens muito familiares são mais
acessíveis, por estarem mais codificadas.
As variáveis testadas foram o nível de escolaridade dos alunos e a
familiaridade das metáforas. As estratégias alternativas de interpretação das
expressões metafóricas foram igualmente analisadas. A discussão que se segue
será orientada por esses elementos observados.
a) Efeito do nível de escolaridade
• Verifica-se uma evolução com a idade e com o grau de escolaridade da
capacidade de interpretar metáforas, pelo que a primeira hipótese parece
confirmada.
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
156
Atendendo ao quadro 18, os alunos do sexto ano realizaram cerca de
metade das interpretações metafóricas daquelas realizadas pelos alunos do
nono. Para além disso, a quantidade de interpretações metafóricas feitas no
sexto ano é idêntica à quantidade de frases não interpretadas (29% e 21%,
respectivamente). Acrescente-se a isto que 56% dos alunos deste ano lectivo
apenas interpretaram metaforicamente cerca de um quarto das expressões,
enquanto no nono ano mais de metade dos alunos obteve entre 60% e 80% de
interpretações metafóricas (ver quadros 19 e 20).
Apenas uma expressão obteve mais interpretações metafóricas dos
alunos do sexto ano do que dos alunos do nono – a metáfora familiar número
oito, O amor é fogo. No nono ano houve seis interpretações metafóricas da
expressão. No sexto ano, oito alunos interpretaram-na conforme o esperado,
sendo que as suas paráfrases também foram mais ricas e variadas do que as dos
alunos mais velhos. Talvez estes factos se possam explicar pela idade dos
alunos de nono ano e pela sua maior sensibilidade ao tema do amor. Vários
sujeitos tiveram dificuldade em proceder a uma interpretação efectiva da frase,
perdendo-se em metáforas sobre o tema e em considerações pessoais.
Com estes dados afigura-se legítimo que se defenda uma evolução na
apropriação da linguagem metafórica. Vários podem ser os factores que
influenciam essa evolução. Desde logo, a maturação cognitiva dos sujeitos e o
desenvolvimento do seu pensamento simbólico, que permite realizar mais
ligações entre conceitos diversos. Por outro lado, pode ser determinante a maior
competência de leitura e de trabalho de interpretação e a superior familiaridade
com o léxico, adquiridas formalmente na escola ou através do conhecimento do
mundo. De referir que sete alunos do sexto ano pediram esclarecimentos sobre
o vocabulário das metáforas. As suas dúvidas incidiram sobre as palavras
‘enigma’ (quatro alunos), arca (dois alunos) e Amazónia (um aluno). Sem
saberem os significados convencionais das palavras, os alunos, obviamente, não
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
157
são capazes de estabelecer relações entre os dois domínios semânticos da
metáfora.
Paula Menyuk (1987) realça as hipóteses levantadas no parágrafo
anterior para explicar os factores envolvidos no desenvolvimento das
capacidades dos sujeitos em lidarem com as metáforas, sem, no entanto, atribuir
preponderância a algum deles: «The question is: Are these abilities dependent on
levels of thinking or on other factors, such as the ability to process the language of the
metaphor or the familiarity with the references made in the metaphor (…) or on reading
competence?» (pág. 156)
b) Efeito da acessibilidade da metáfora
• A acessibilidade da metáfora, ou seja, a sua familiaridade ou não
familiaridade, o facto de ser inactiva ou activa, não produziu o efeito
esperado. Verificou-se um aumento de interpretações metafóricas entre
as metáforas activas, pelo que a hipótese número dois foi infirmada.
Tomando em consideração os resultados obtidos pelo estudo de Faísca
(2004), que indicavam um aumento de interpretações metafóricas em metáforas
mais familiares, e sabendo-se o efeito facilitador que a elevada frequência de
itens tem em diversas tarefas, previa-se que os sujeitos realizassem mais
interpretações metafóricas das metáforas familiares do que das não familiares
(hipótese dois). Tal não sucedeu, verificando-se, inclusive, um aumento de
interpretações metafóricas entre as metáforas não familiares nos dois anos. A
frase com mais interpretações metafóricas foi a metáfora familiar número
catorze, Uma pessoa é um enigma. Trinta e quatro alunos leram-na de acordo com
os parâmetros estabelecidos para a realização de uma interpretação metafórica.
No entanto, a metáfora não familiar número vinte e um (A educação é um
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
158
caminho sem fim.) obteve trinta e três interpretações metafóricas, ou seja, um
número idêntico ao da metáfora familiar referida.
Uma explicação que se pode avançar para o facto de não se verificarem
mais interpretações metafóricas das expressões familiares é a de que talvez as
metáforas escolhidas, sendo, em princípio, inactivas, mantêm ainda, pelo menos
para alunos destas faixas etárias, força suficiente para que o seu significado não
seja transparente e não tenha sido já por eles incorporado. Por outro lado,
mesmo que eles as conheçam e as consigam aplicar no dia-a-dia, talvez não
consigam tornar explícito o seu significado, equiparando-se, desta forma, estas
metáforas às não familiares.
O problema pode ainda ter a ver com a natureza das palavras. Metáforas
com tópicos mais concretos, como ‘cliente’, ‘Amazónia’, ‘livro’, ‘amigo’, ‘filho’,
‘sorriso’, etc., apresentam um número mais elevado de interpretações
metafóricas (mais de vinte), independentemente de a metáfora ser familiar ou
não familiar (ver quadro 21). Pelo contrário, metáforas com tópicos mais
abstractos, como ‘tempo’, ‘parar’, ‘amor’, ‘vida’, ‘sorte’, …, tiveram menos de
quinze interpretações metafóricas. É, com certeza, mais difícil, falar de conceitos
abstractos. Há metáforas com tópicos não concretos que obtiveram um número
mais elevado de interpretações metafóricas, tais como ‘inteligência’,
‘preocupações’, ‘tristeza’, etc., no entanto, todas as metáforas com quinze ou
menos interpretações metafóricas têm tópicos abstractos. A única excepção a
este caso á a da metáfora número vinte e seis, A água é ouro, com um tópico
concreto, mas que apenas dez alunos conseguiram interpretar metaforicamente.
Metade dos alunos utilizou a estratégia FT (Focalização num dos Termos) para
parafrasear esta metáfora, fixando-se sempre no sujeito, a água. Neste caso,
parece verificar-se o efeito da representação do léxico. ‘Água’ remete para um
tópico ambiental muito actual e muito presente na vida dos alunos, no qual eles
se focaram, produzindo interpretações como as seguintes:
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
159
(1) Porque a água é essencial à vida e sem ela não podemos viver (AV6B)
(2) A água é algo necessário para a vida humana. (AM9A)
(3) Sem água o nosso organismo não funciona como devia. (PD9A)
Uma última explicação para o facto de haver mais interpretações
metafóricas de expressões não familiares do que de familiares pode encontrar-
-se no efeito de viés do investigador. As metáforas familiares têm o seu sentido
mais codificado na língua do que as não familiares. Estas são metáforas activas,
não estão lexicalizadas, admitem interpretações mais livres. É possível que o
investigador tenha tido a tendência para aceitar como metafóricas mais
paráfrases destas expressões do que das familiares.
c) Análise das estratégias alternativas de interpretação
• Os alunos mais novos têm mais tendência para lerem de forma literal as
metáforas apresentadas do que os alunos mais velhos.
As estratégias alternativas de interpretação foram alvo de análise, de
forma a perceber até que ponto o desenvolvimento etário modifica as
estratégias de processamento das expressões metafóricas.
Nos dois anos, a forma preferencial como os alunos lidaram com as
expressões apresentadas, sempre que não realizaram a interpretação metafórica,
foi concentrarem-se em apenas um dos termos da metáfora e reduzir a
paráfrase à sua explicação. O termo distinguido para ser comentado foi, na sua
maioria, o tópico. Das duzentas e quarenta e nove frases interpretadas através
desta estratégia, em duzentas e quarenta e uma os alunos focaram-se no tópico
e em apenas oito os alunos comentaram o veículo. Daqui se pode extrair a força
desta estrutura predicativa. A ordem dos termos tem efeitos claros sobre o
9. Estudo 2 – Paráfrase de metáforas
160
processamento da expressão. A focalização no tópico estava prevista e foi
comentada na secção 9.2.4. O tópico da metáfora, ou seja, o sujeito da frase,
encontra-se em situação preferencial para centrar em si a atenção da análise,
uma vez que é a primeira referência da frase, é o sujeito e está em posição de
tópico.
Um dos objectivos que presidiram à análise das estratégias alternativas à
interpretação metafórica foi o de verificar se os alunos de sexto ano recorriam
mais à interpretação literal do que os alunos mais velhos. A literatura aponta
para uma maior tendência das crianças mais novas para efectuarem uma leitura
literal de expressões com palavras que podem ter significado denotativo e
conotativo (Menyuk, 1987). Na análise dos dados obtidos, e tendo sido
consideradas as várias estratégias alternativas, comprova-se que a interpretação
literal é marcante na caracterização do perfil do sexto ano versus nono ano. No
final do segundo ciclo, os alunos têm tendência para lerem de forma concreta e
literal as expressões apresentadas, enquanto nos alunos de nono ano essa é uma
estratégia residual (ver quadro 22). A capacidade para perceber o sentido
conotativo e figurado dos termos evolui com a idade e com o aumento da
competência linguística (Menyuk, entre outros). Com catorze anos, os sujeitos já
possuem mais ferramentas de leitura do mundo, decorrentes da sua experiência
pessoal e do conhecimento linguístico, que podem aplicar na interpretação e
esclarecimento de frases simbólicas. Pelo contrário, no sexto ano, a par das
interpretações metafóricas que a maior parte dos alunos já faz, ainda se verifica
a tendência para eles se deterem no sentido denotativo das palavras.
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
161
10. DISCUSSÃO DE RESULTADOS E IMPLICAÇÕES DIDÁCTICAS
Estes dois estudos foram pensados para testar a compreensão de
metáforas inseridas em textos e em frases, por parte de alunos de final de
segundo e terceiro ciclos. No Estudo 1 – Compreensão de Textos com Metáforas
- os dados obtidos são mais indirectos, porque resultam de uma tarefa de
compreensão, com respostas fechadas, dadas pela investigadora. No Estudo 2 –
Paráfrase de Metáforas - os dados já são mais directos, decorrentes de uma
tarefa de produção livre. Neste capítulo serão confrontados e discutidos os
resultados dos dois estudos. Tendo este sido um estudo exploratório orientado
para o universo escolar do ensino básico, serão igualmente retiradas algumas
implicações didácticas.
10.1 Discussão dos resultados obtidos nos dois estudos
Em primeiro lugar, os dois estudos fornecem evidências para a evolução
com a idade da compreensão da linguagem metafórica. Os alunos mais velhos
perceberam melhor os textos com metáforas e realizaram mais interpretações
adequadas das frases metafóricas apresentadas.
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
162
Em segundo lugar, e apesar de se verificar esta evolução positiva com a
idade e com a maturação cognitiva, a linguagem metafórica não deixa de
apresentar problemas para os alunos de nono ano. No Estudo 1, as questões que
testavam o conhecimento metafórico foram as mais exigentes, tomando em
consideração a elevada percentagem de erro obtida por esses sujeitos,
relativamente aos restantes itens. No Estudo 2, o número de interpretações não
metafóricas e de frases não interpretadas foi igualmente significativo nesse ano
lectivo. Daqui se conclui que o domínio da linguagem metafórica não pode ser
considerado totalmente adquirido no final do ensino básico.
Em terceiro lugar, confrontando os resultados dos dois estudos, parece
lícito afirmar que os alunos têm mais dificuldade em parafrasear uma metáfora
do que em percebê-la. Limitando-nos apenas aos resultados das questões do
Estudo 1 que testavam o conhecimento metafórico, apenas quatro alunos (6%),
dos setenta do sexto ano, as erraram todas. No nono ano, dois alunos (3%)
erraram todas essas questões metafóricas e a maior parte deles (53%) respondeu
correctamente a todas elas. No geral, os alunos percebem, portanto, que o
significado das frases testadas ultrapassa o que está escrito. Mas a tarefa de
produção do Estudo 2 revelou-se substancialmente mais complexa. A maioria
dos alunos do sexto ano realizou uma interpretação metafórica de apenas um
quarto das expressões apresentadas (ver quadro 19). No nono ano, nenhum
aluno interpretou metaforicamente a totalidade das frases.
Este dado confirma a escala de apropriação de linguagem figurada
proposta por Paula Menyuk (1987) e esclarecida no início deste capítulo. Essa
escala prevê que a compreensão da metáfora anteceda a sua paráfrase e
interpretação. No período inicial da infância (early childhood), entre os três e os
sete anos, as crianças manifestam perceber expressões metafóricas, mas a
capacidade para falar sobre essas frases vem posteriormente, ocorrendo na fase
central da infância e adolescência (middle childhood and adolescence), entre os sete
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
163
e os catorze anos. Para além disso, verifica-se que a capacidade para interpretar
metáforas se desenvolve com a idade e com o aumento da competência
linguística.
É interessante cruzar os dados dos cinco alunos do sexto ano que não
conseguiram interpretar nenhuma ou apenas uma metáfora do Estudo 2 com os
seus resultados no Estudo 1. O sujeito DB, que não interpretou metaforicamente
nenhuma expressão do Estudo 2, errou em 66% das questões colocadas aos três
textos do Estudo 1, tendo, inclusive, assinalado incorrectamente todas as alíneas
das questões que testavam o conhecimento metafórico. Este aluno, tem,
claramente, dificuldades na interpretação de textos e a linguagem metafórica
apresenta-se como problemática para ele. Relativamente aos outros sujeitos, o
cruzamento de dados não apresenta uma leitura tão evidente. O aluno EK, não
conseguiu, igualmente, realizar nenhuma interpretação metafórica do Estudo 2.
No que diz respeito ao Estudo 1, errou em 33% das questões e, nos itens sobre o
conhecimento metafórico, respondeu correctamente a um (em três). Os três
alunos que apenas fizeram uma interpretação metafórica do Estudo 2 (FV, FA e
MF) obtiveram, no Estudo 1, uma percentagem global de erros inferior a 47% e
cada um deles apenas errou numa questão incidente sobre a compreensão
metafórica. Mais uma vez se verifica a distinção entre compreender e tornar
evidente essa compreensão em tarefas como a das paráfrases.
Em quarto lugar, estes dois estudos levantam questões metodológicas
pertinentes. Nos itens de resposta fechada, pode delimitar-se muito bem o que
se pretende testar, reduzindo-se o risco de estarem implicados nas respostas
factores como a dificuldade de escrita, por exemplo. No entanto, testes com este
tipo de questões têm sido alvo de críticas, porque os sujeitos estão
condicionados às alternativas que o investigador lhes apresenta e não é
permitido que sejam apresentadas hipóteses diferentes de resposta. Devido a
estas objecções, pensou-se num teste de produção livre (Estudo 2). No entanto,
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
164
também este género de tarefa gera dúvidas ao serem analisadas as respostas
obtidas. Para além de causarem mais problemas na codificação e no tratamento
de dados, não se pode ter a certeza da natureza das dificuldades dos sujeitos.
Relativamente ao estudo em questão, procurou-se testar a compreensão de
frases metafóricas, pelo que se pediu aos alunos que parafraseassem diversas
metáforas. Os resultados obtidos indicam que os alunos de sexto ano têm mais
dificuldades em lidar com expressões metafóricas do que os do nono, tendo em
conta a sua prestação, em que o número de interpretações metafóricas feitas se
aproxima ao de frases não interpretadas. A questão que se pode levantar é se
esse facto reflecte a dificuldade que esses alunos manifestam em processar a
informação apresentada e compreender as frases ou se espelha um esforço
suplementar de produção, revelando que estes sujeitos têm uma menor
habilidade de escrita do que os alunos mais velhos.
Para concluir, outras questões metodológicas se colocaram com a
realização destes estudos, realçando a dificuldade em se construírem bons
materiais para testar a compreensão. Esta envolve muitos factores, para além
dos conhecimentos linguísticos. Entre esses factores contam-se as próprias
características individuais, o estilo cognitivo dos sujeitos. De acordo com
Schütze, «grammaticality judgments result from interactions among primary language
faculties of the mind and general cognitive processes.» (1996: xi). Esses processos
cognitivos podem ser afectados pela construção dos estímulos, o tempo da
tarefa, as instruções, etc. Para além disso, há que contar com a forma
imprevisível como algumas variáveis se relacionam entre si. Todos estes são
factores a considerar na construção dos materiais, não se conseguindo, no
entanto, garantir que os resultados reflictam apenas o que se pretende testar.
Na concepção do Estudo 1, essa dificuldade e imprevisibilidade sobre as
implicações de certas questões foram particularmente sentidas. Há perguntas
nesse estudo que testam determinado tipo de compreensão, mas que, pela
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
165
forma como são formuladas, mobilizam outras capacidades. Esse foi o caso da
questão T3_Q4_L_LP: O que são as sequências mudas de ADN? O item testa a
compreensão literal do texto, uma vez que a resposta se encontra aí explícita e
recai sobra a identificação de um conceito. No entanto, os alunos têm de lidar
com a metáfora da pergunta, o que mobiliza a sua capacidade de descodificação
não literal e pode, novamente, condicionar a resposta. Por outro lado, há
respostas induzidas por representações prévias que os sujeitos já possuem e que
são activadas pela forma como a questão está formulada, como é o caso dos
itens T2_Q2_L_LP e T1_Q4_L_LP dos textos T1_Harry e T2_Skate, comentados
na secção 7.1.3.2 a).
Também no Estudo 2 se verificou a dificuldade em construir materiais
que testem exactamente o que se pretende. Fazia parte do objectivo desse
estudo verificar se as metáforas familiares provocavam mais interpretações
metafóricas do que as não familiares. No entanto, as metáforas seleccionadas
como familiares talvez não o fossem para os alunos.
10.2 Implicações didácticas
A natureza cognitiva da metáfora torna-a num instrumento didáctico
muito apreciado. As características que potenciam esta sua função foram
mencionadas e analisadas ao longo do trabalho. Sinteticamente, podem ser
referidas as seguintes:
- Através da metáfora, um determinado domínio é conceptualizado
nos termos de outro. Normalmente um domínio mais concreto,
mais próximo da realidade de quem o aplica é utilizado para
tornar mais claro um domínio abstracto ou menos objectivo.
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
166
- A metáfora combina muitas vezes uma natureza verbal com uma
natureza pictórica. Quando se activa um domínio mais concreto
ele é frequentemente mais imaginável e susceptível de ser
associado a uma representação visual.
- As imagens que cada pessoa associa a um determinado domínio
têm uma natureza muito idiossincrática, provenientes de
experiências pessoais. A natureza imagética da metáfora liga-a,
muitas vezes, ao campo das emoções e da afectividade (Goatly,
1997).
- A coligação inesperada entre dois domínios gera surpresa e
estranheza, efeitos que captam a atenção e que se resolvem
criativamente ao se perceber a analogia.
- A metáfora amplifica deliberadamente uma determinada
característica, contribuindo para o destaque da informação
(foregrounding).
- Estes factores – surpresa, emoção, ligação a imagens, aproximação
a um domínio mais familiar, destaque da informação – promovem
a retenção da metáfora e do seu conteúdo na memória a longo
prazo.
- A metáfora condensa muita informação (chunks of information)
verbal e não verbal, que, de outra forma, não seria possível
transmitir, por questões de inexpressibilidade e de economia
cognitiva.
Duas destas características, com consequências particularmente
relevantes a nível educacional, são agora destacadas: a metáfora facilita o acesso
ao novo conhecimento, estabelecendo relações com o que já se sabe, e permite
também armazenar muita informação de uma forma concisa.
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
167
O acesso a novos conceitos e a novos conhecimentos faz-se,
obrigatoriamente, sobre aquilo que já se conhece. Estabelecendo a metáfora
uma relação conceptual entre dois domínios distintos, apresenta-se como uma
ferramenta privilegiada na aprendizagem, permitindo a activação de schemata já
adquiridos, que serão aplicados na apreensão e esclarecimento de um novo
conceito - «metaphors contain the ingredients for producing new knowledge domains
from old ones» (Sticht, 1979: 481). Os pedagogos, os autores de manuais escolares
e os que se dedicam à divulgação de conhecimentos intuitivamente apercebem-
se disso e recorrem abundantemente à metáfora. Várias investigações foram
feitas, tendo como objectivo perceber a sua utilização em textos científicos
escolares (Curtis e Reigeluth, 1984; Woudstra, 1989; Monteiro e Justi, 2000) e
concluiu-se que ela é usada frequentemente. Em Portugal, o uso didáctico da
metáfora em disciplinas como a matemática e as ciências tem sido tema de teses
de mestrado e doutoramento (Oliveira, 2006; Pombo, 2006; Lobo, 2001; Carreira,
1999), o que comprova o interesse que o assunto suscita.
O uso da metáfora no ensino associa a vantagem de facilitar a
aprendizagem com o facto de permitir uma melhor retenção da nova
informação na memória a longo prazo. E fá-lo de uma forma particularmente
atraente, através do seu poder imagético. Vários autores (Beck, 1978; Paivio,
1979; Draaisma, 2000; Goatly, 1997) têm entendido a metáfora como operando
em dois níveis diferentes – um nível linguístico e outro visual. Paivio denomina
esta característica de dual coding. A metáfora, na visão destes autores, combina
uma natureza verbal com uma visual e funciona entre esses dois campos. A
associação promovida pela metáfora a imagens torna-a, novamente, muito
interessante como ferramenta didáctica, levando Draaisma a referir-se a esta
função como ‘the Comenius function of metaphor’ (2000: 18), por este pedagogo
defender que o uso de imagens na educação facilita a aprendizagem. Associar
conceitos a imagens, a domínios mais concretos da experiência, promove a sua
compreensão e memorização.
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
168
Directamente associado à sua natureza pictórica, está o facto de a
metáfora facilitar o armazenamento na memória de muita informação, de uma
forma compacta («tool for cognitive economy», Sticht, 1979: 475). Através da
metáfora apreende-se todo um conceito e a ele acede-se, recuperando-a.
Estas características fazem da metáfora, tal como afirmado
anteriormente, uma estratégia de ensino muito valorizada. No entanto, e
tomando em consideração os resultados do presente estudo, é necessária
alguma cautela na sua utilização didáctica.
Por um lado, a capacidade de interpretação metafórica evolui com a
idade e pode ficar comprometida se o pensamento simbólico do aluno não
estiver suficientemente bem estabelecido. Principalmente com alunos mais
novos, convém tomar em linha de conta que muitos poderão não perceber a
analogia feita por ainda não conseguirem distinguir entre uma palavra utilizada
de forma concreta e utilizada simbolicamente. O resultado de vários alunos do
sexto ano que participaram no Estudo 2 reforça esse facto. Cinco desses vinte e
cinco alunos realizaram uma ou nenhuma interpretação metafórica das vinte e
oito frases distribuídas (ver quadro 19).
Relativamente aos alunos mais velhos, apesar de se ter verificado que a
compreensão das metáforas evolui positivamente com a idade, as mesmas não
deixam de suscitar dificuldades, atendendo aos resultados obtidos nos dois
estudos.
Por outro lado, a compreensão da metáfora está directamente
relacionada com vários factores, tais como a complexidade da sua estrutura, a
competência linguística dos alunos e a sua familiaridade com os termos da
expressão. Relativamente a este último factor, o professor pretende, através de
uma metáfora, esclarecer um determinado domínio fonte (source domain) através
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
169
de um domínio alvo (target domain) mais conhecido e, usualmente, mais
concreto. No entanto, tem de se assegurar de que os alunos estão realmente
familiarizados com o domínio alvo, pois, não estando, não conseguirão
descodificar a metáfora. O conhecimento lexical dos alunos pode ser, à partida,
um obstáculo à compreensão. Por outro lado, os esquemas mentais que
determinado domínio activa podem não ser igualmente compartilhados,
principalmente em contextos multiculturais (cf. resultados de Coimbra e
Bendiha, 2004).
Os resultados do Estudo 1 parecem ainda sugerir que a compreensão e
retenção da metáfora só acontecem quando o conteúdo onde ela se integra, no
seu todo, foi bem percebido. Esse tem de ser o papel do professor – interagir
com o aluno de forma a garantir que ele percebeu o assunto e que compreendeu
a razão de se fazer determinada analogia. Como foi realçado no início, a
associação não convencional e inesperada presente muitas vezes numa
metáfora gera estranheza e confusão inicial (Sticht refere que a metáfora induz
‘cognitive anomaly’, 1979: 476). O efeito surpresa prende a atenção. No entanto, o
aluno tem de conseguir resolver a perplexidade inicial, tem de possuir os
instrumentos necessários para compreender as implicações da metáfora, pelo
que não convém que a estranheza causada seja demasiado grande ou que o
aluno seja deixado sozinho na sua resolução. Uma vez percebida, a metáfora
pode realmente favorecer a integração do novo conhecimento.
Por último, deve ter-se presente as implicações de um mecanismo tão
sedutor como é o metafórico. Quando ele promove uma conceptualização
efectiva de um domínio em termos de outro, a sua força expressiva é muito
acentuada. De acordo com Steen, «when metaphors are highly appropriate
(conceptually) they are also highly persuasive (communicatively) and natural
(emotively).» (Steen, 1994: 195, apud Goatly, 1997: 152). Mas esse efeito pode ser
perverso, se não for utilizado de maneira adequada. Por um lado, a metáfora
10. Discussão de resultados e implicações didácticas
170
molda e restringe a forma de se encarar um assunto. Goatly (1997) apresenta
como exemplo a teoria que descreve a luz como uma onda. Essa imagem era,
em certos aspectos, incompatível com as características da luz, pelo que foi
necessário complementá-la com a teoria da partícula. Se se apresentar a luz
apenas como uma onda, ignorar-se-ão aspectos essenciais e assumir-se-ão
outros que não estão correctos. Por outro lado, a associação presente numa
metáfora não pode ser totalmente aceite nem pode ser feita de uma forma
pouco crítica. A é apresentado em termos de B, mas quem ouve tem de perceber
que A não é B e tem distinguir o que é decisivo nessa analogia, que se pode
aplicar a A, e o que não é relevante ou apropriado. Entendendo-se a metáfora
como um predicado de inclusão em classes, é preciso estabelecer a categoria em
que o tópico se insere, por intermédio do veículo. Um aluno pode não o
conseguir fazer. No Estudo 2 isso verificou-se, quando os sujeitos seleccionaram
traços irrelevantes do veículo, que não esclareceram o tópico, resultando em
interpretações não metafóricas (estratégia AD, secção 9.2.4). Mais uma vez, tem
de ser o professor a acompanhar o aluno na sua apropriação da metáfora - «The
price of metaphor is eternal vigilance», Arturo Rosenblueth e Robert Wiener22.
22 Arturo Rosenblueth e Robert Wiener apud Leowontin, R. C. (2001). In Science, Feb 16 (p.
1264).
11. Conclusões
171
11. CONCLUSÕES
Com este trabalho, propus-me realizar um estudo psicolinguístico sobre
a compreensão da metáfora. Tendo definido como universo da investigação o
público escolar do ensino básico, pretendi perceber de que forma uma
linguagem codificada, como a metafórica, afecta a compreensão de sujeitos em
final de segundo e terceiro ciclos de escolaridade.
Antes do trabalho experimental, foi feita uma revisão de conceitos
essenciais para o estudo da metáfora, como as noções de significado e de
linguagem literal versus linguagem metafórica. Foi ainda realizado um
enquadramento teórico do assunto, tendo-se explorado diversas formas de
perspectivar as metáforas, desde as teorias mais tradicionais às
contemporâneas.
Foram igualmente analisadas algumas investigações psicolinguísticas
relevantes para o tema e que serviram de base para a elaboração do desenho
experimental deste trabalho. Da mesma forma, definiu-se uma classificação de
metáforas, essencial para a segunda parte da tese.
11. Conclusões
172
De acordo com a informação teórica recolhida, foram concebidos os
estudos exploratórios, com os quais se pretendeu analisar as seguintes questões:
- A compreensão de metáforas e de textos com metáforas evolui
positivamente com a idade?
- A compreensão de conteúdo metafórico é mais exigente, do ponto de
vista cognitivo, do que a compreensão de conteúdo literal?
- A metáfora, pela sua capacidade de compactação de conteúdo e poder
imagético, contribui para uma adequada interpretação e retenção da
informação?
- A familiaridade das metáforas facilita o seu processamento?
- As estratégias para lidar com as metáforas são diferentes, conforme o
nível etário e escolar dos sujeitos?
O Estudo 1 consistiu num teste de compreensão de leitura de textos com
metáforas, através de uma tarefa de escolha múltipla. O Estudo 2 foi um teste
de produção, no qual os alunos parafrasearam catorze metáforas familiares e
catorze metáforas não familiares.
Apesar de estes testes terem sido aplicados a um universo reduzido de
sujeitos, os dados obtidos permitem chegar a algumas conclusões.
Os alunos do nono ano compreendem melhor textos com metáforas e
têm também mais facilidade em interpretá-las. Desta forma, parece que a
apropriação da linguagem metafórica evolui com a idade, o que quer dizer que
o desenvolvimento cognitivo afecta o processamento deste tipo de linguagem.
Outros factores podem estar igualmente implicados nesta evolução, como a
maior competência linguística dos alunos mais velhos.
Embora os alunos de nono ano lidem melhor com a linguagem
metafórica, esta não deixa de apresentar dificuldades. A informação expressa
11. Conclusões
173
metaforicamente parece ser de processamento mais complexo do que aquela
apresentada de forma não metafórica. Da mesma maneira, a interpretação
adequada de metáforas, ainda que mais frequente entre alunos mais velhos, não
deixa de estar condicionada a diversos factores, tais como a complexidade
linguística da frase ou o maior grau de abstracção do tópico.
Pela sua capacidade de compactação de conteúdo, as metáforas
condensam muita informação. No caso dos textos do Estudo 1, muitas delas
continham em si o assunto global. Este facto pode ser uma vantagem, mas
implica que os alunos percebam muito bem o que leram, para que a metáfora
seja bem compreendida. As questões que testavam a compreensão metafórica
envolveram um grau de dificuldade acrescido, a julgar pela elevada
percentagem de erros, pelo que se afigura legítimo considerar esta informação
como sendo de mais difícil processamento.
Relacionado com o parágrafo anterior, regista-se o facto de não ser
garantido que a metáfora contribua para a boa interpretação e integração do
conteúdo. Para que tal aconteça, os alunos têm de perceber bem o texto, caso
contrário, o seu efeito de recuperação de assunto é anulado.
Muitos factores parecem estar envolvidos na compreensão e
interpretação das metáforas. No caso do Estudo 1, verificou-se o efeito de tema.
Seria natural que textos com assuntos mais próximos do quotidiano, mais
gerais, fossem mais fáceis de compreender do que aqueles mais específicos. Esta
percepção não foi confirmada. Os textos sobre desporto, apesar de serem sobre
um tema específico, não se revelaram muito problemáticos para os sujeitos
testados. O texto T2_Skate abordava um desporto muito próximo e muito do
agrado dos jovens, tendo sido o texto mais acessível para os dois anos. No que
diz respeito ao texto T4_Futebol, lido apenas pelos alunos do nono ano, o seu
conteúdo foi igualmente transparente para a maioria dos sujeitos, apesar das
11. Conclusões
174
diversas expressões metafóricas que continha e da linguagem muito
especializada. Neste caso, o conhecimento prévio parece ter sido determinante,
pelo que se depreende que quanto mais próximos os sujeitos estiverem do
tema, independentemente de ele ser geral ou específico, mais facilitado parece
estar o processamento da linguagem metafórica. Em contraste com os textos
T2_Skate e T4_Futebol, a informação dos textos específicos sobre ciências,
T3_ADN e T5_Panspermia, revelou-se mais difícil de ser integrada, ainda que
localmente bem tratada pelos alunos. Para eles construírem para estes textos
uma representação coerente, tinham de activar os seus conhecimentos prévios
sobre várias noções específicas (ADN, genes, meteoritos, cosmos, …). Se esses
esquemas mentais não fossem recrutados, a informação perder-se-ia, o que
parece ter acontecido a vários dos sujeitos testados.
Relativamente ao Estudo 2, também se verificou que a compreensão e
interpretação das metáforas não se encontra apenas dependente da maturação
cognitiva dos sujeitos. O conhecimento lexical dos alunos é determinante para
que eles consigam lidar com a expressão apresentada. Por outro lado, o efeito
da representação lexical pode também interferir na tarefa. Se os alunos forem
particularmente sensíveis a um dos constituintes da metáfora, podem
‘sobreactivar’ os seus conhecimentos sobre esse termo e ignorar o outro.
Concluiu-se ainda que metáforas com tópicos mais concretos obtiveram mais
interpretações metafóricas do que aquelas com tópicos mais abstractos. A
metáfora é frequentemente utilizada para esclarecer tópicos de carácter mais
abstracto, associando-lhe veículos de natureza normalmente mais material,
mais objectiva. A conclusão a que se chegou com este estudo não compromete
esse funcionamento da metáfora, apenas reforça a dificuldade acrescida em
lidar com temas menos concretos e a necessidade de familiarizar os alunos com
o assunto. Só assim a compreensão da metáfora será efectiva.
11. Conclusões
175
Uma última observação decorrente dos resultados obtidos relaciona-se
com as estratégias utilizadas pelos alunos das duas faixas etárias para lidarem
com as metáforas. Verificou-se que os alunos do sexto ano recorrem muito mais
à leitura literal das expressões do que os alunos mais velhos. Este dado reforça a
noção de que o professor deve verificar se os alunos compreenderam realmente
a metáfora utilizada, principalmente os mais novos, que podem ter dificuldades
em descodificar o sentido conotativo das palavras.
No final do capítulo sete, referiram-se algumas implicações didácticas
dos resultados obtidos nestes estudos. O cuidado que se aconselha no uso de
metáforas por parte de pedagogos e de autores de manuais não pretende
desmotivar estes profissionais a utilizarem-nas. A metáfora é uma ferramenta
de organização cognitiva essencial e, se bem utilizada, ajudará certamente o
aluno a perceber a informação e a retê-la, para utilização futura. Quem recorre
às metáforas para ‘ilustrar’ e clarificar um assunto só tem de se assegurar de
que ela é suficientemente eficaz, relevante e acessível para os seus destinatários.
Alguns dados apresentados beneficiariam se fossem aprofundados em
investigações futuras. Tendo-se verificado o efeito de tema no Estudo 1, seria
interessante pensar na amostra em função de traços que caracterizassem os
sujeitos como mais ou menos possuidores de conhecimentos prévios. No ensino
básico é difícil proceder a essa distinção de perfis em função dos seus
conhecimentos mais ou menos especializados, mas no ensino secundários isso
já seria possível, tendo em consideração a área de estudos dos alunos.
O efeito de tema também pode ser explorado em função de outras
hipóteses. Novamente no Estudo 1, verificou-se o efeito de sexo relativamente à
compreensão de um texto sobre futebol, cujo tema é culturalmente mais afecto
aos homens do que às mulheres. Esta seria uma matéria de investigação a
aprofundar, definindo-se o tema do texto como variável independente.
11. Conclusões
176
Referências bibliográficas
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Anexos
185
ANEXOS
Anexo I – Texto T1_Harry com perguntas
Anexo II – Texto T2_Skate com perguntas
Anexo III – Texto T3_ADN com perguntas
Anexo IV – Texto T4_Futebol com perguntas
Anexo V – Texto T5_Panspermia com perguntas
Anexo VI – Dados do estudo 1 – T1_Harry; T2_Skate; T3_ADN
Anexo VII - Dados do estudo 1 – T4_Futebol; T5_Panspermia
Anexo VIII – Dados do estudo 2 - paráfrases