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REVISTA DIREITO, CULTURA E CIDADANIA – CNEC OSÓRIO / FACOS
VOL. 2 – Nº 2 – DEZEMBRO/2012 – ISSN 2236-3734 .
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Tipificação penal em homicídios de trânsito – discussão acerca do dolo eventual e da culpa consciente1
Cassio Henrique Faller2
Resumo: O Brasil é um dos países com maior incidência de mortes no trânsito, sendo que grande parte desse triste dado é levado a efeito por motoristas que se encontravam sob efeito do álcool. Demais disso, na maior parte dos casos atinentes a essas mortes, os motoristas que provocaram os acidentes com vítimas fatais são denunciados e muitas vezes condenados pelo Tribunal do Júri, por terem praticado o delito de homicídio previsto no Código Penal. Entretanto, diante do exposto, deparamo-nos com uma questão não muito simples de ser resolvida, uma vez que não há um entendimento pacífico esclarecendo se se trata, realmente, de aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente, caso este que faria com que o delito fosse enquadrado como o homicídio culposo previsto no Código de Trânsito Brasileiro. Assim, se mostra necessário um estudo sobre esse assunto observando a teoria finalista da ação proposta por Welzel, a fim de que tenhamos uma maior aproximação do que realmente deve ser feito quando nos depararmos com casos concretos de homicídios de trânsito. Palavras-chave: Homicídio de trânsito. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente. Resumen: Brasil es uno de los países con la mayor incidencia de muertes de tráfico, y gran parte de esa triste realidad es llevada a cabo por los conductores que se encontraban bajo la influencia del alcohol. Además que, en la mayoría de los casos relacionados con estas muertes, los conductores que causaron los accidentes con víctimas mortales se han reportado y condenado por el jurado, por haber cometido el delito de asesinato en el Código Penal. Sin embargo, teniendo en cuenta lo anterior, nos encontramos ante una cuestión no muy fácil de resolver, ya que hay un entendimiento pacífico aclarar si esta es realmente la aplicación de cualquier engaño o culpa consciente de que este caso podría causar el delito se enmarca como homicidio en el Código de Tránsito Brasileño. Por lo tanto, si aparece necesario un estudio sobre este tema mediante la observación de la teoría finalista de la acción propuesta por Welzel, así que tenemos más de cerca de lo que realmente se debe hacer cuando nos encontramos con casos concretos de homicidio tránsito. Palabras clave: Tráfico homicidio. Finalismo. Dolo eventual. Culpa consciente.
Introdução
O presente artigo traz à tona uma questão atualmente muito discutida, no âmbito
jurídico e também pela sociedade em geral. O foco principal é direcionado aos
crimes de trânsito, na hipótese do condutor de veículo que causa acidente com
vítimas encontrar-se sob efeito de álcool (considerando o índice de seis decigramas
previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro) ou substâncias
entorpecentes.
1Artigo Científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade Cenecista de Osório como requisito
parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientado pelo Professor Mestre Vinícius Gil Braga. 2Acadêmico de Direito.
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A partir disso e diante de todas as controvérsias existentes acerca do assunto em
tela, mostra-se necessária uma discussão sobre o correto enquadramento da
tipificação penal.
Conforme Lúcia Bocardo Batista Pinto e Ronaldo Batista Pinto, a questão do dolo
eventual, nos crimes de trânsito, é um debate que anima a doutrina, pois seu
reconhecimento tem uma repercussão gravíssima, tendo em vista que submete o
agente ao julgamento pelo Tribunal do Júri, com possibilidade de condenação pela
prática de homicídio doloso, o qual é muito mais grave levando-se em consideração
a pena destinada ao crime culposo.3
Atualmente, percebe-se um grande clamor da sociedade para que seja feito justiça
em caso de acidente de trânsito com vítimas fatais (principalmente em casos com
grande repercussão da mídia), onde o condutor que causou o sinistro se encontrava
sob efeito de álcool ou substâncias entorpecentes.
O Grupo Bandeirantes, inclusive, criou a campanha “Não foi acidente”4, passando a
veicular em sua grade de programação diversas reportagens sobre embriaguez no
trânsito. O objetivo principal da campanha é a coleta de assinaturas para
modificação da lei, a fim de tornar mais severa a punição a motoristas embriagados,
o que demonstra o grande clamor popular por uma maior rigidez na punição nestes
casos.
O Código de Trânsito Brasileiro e o Código Penal não trouxeram um dispositivo
próprio para tratar diretamente sobre esta questão, restando aos aplicadores da lei a
análise e solução do referido problema.
Assim, na hipótese de acidente de trânsito que alcançou o resultado morte, no qual
o condutor de veículo automotor, responsável pelo mesmo, encontrava-se com
concentração de álcool no sangue acima do limite de 6 decigramas, índice este
previsto no artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro, ou sob efeito de substâncias 3 PINTO, Lúcia Bocardo Batista; PINTO, Ronaldo Batista; GOMES, Luiz Flávio (Org.). Legislação
criminal especial. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 1084. 4 CREATIVE COMMONS. Não foi acidente. Disponível em: <http://naofoiacidente.org/blog/>. Acesso
em: 07 jun. 2012.
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entorpecentes, dito condutor incorrerá nas sanções do artigo 121 do Código Penal,
pela aplicação da teoria do dolo eventual, ou do artigo 302 do Código de Trânsito
Brasileiro, por homicídio culposo?
Essa é uma discussão que há anos vem sendo debatida pela jurisprudência, mas
que ainda não encontrou uma solução pacífica. Embora a maioria dos doutrinadores
de renome do Direito Penal entendam pela inaplicabilidade do dolo eventual em
caso de acidente de trânsito em que o causador estava sob efeito de substâncias
entorpecentes ou com concentração de álcool no sangue acima de 6 decigramas,
isso não é o que acontece na maioria dos casos, onde o causador do acidente
acaba denunciado como incurso nas sanções do artigo 121 do Código Penal,
podendo posteriormente ser julgado pelo Tribunal do Júri.
Desse modo, diante dessa não pacificação de entendimento até os dias de hoje,
mostra-se necessária a análise do tema sob a ótica da teoria do delito. Ou seja,
interessante se mostra o estudo da tipicidade do delito a fim de se verificar qual o
meio mais correto de aplicação da lei.
A realização do presente trabalho terá uma grande importância, tanto para
conhecimento pessoal, como também para se buscar uma melhor aplicação da lei
neste assunto tão polêmico. Por meio da elaboração do presente artigo científico,
buscar-se-á encontrar um modo para que as dúvidas sejam dirimidas, com vistas à
obtenção de uma solução tranquila, que no futuro possa ser pacificada.
Conforme Cezar Roberto Bitencourt e Francisco Muñoz Conde, enquanto no dolo
eventual o agente anui ao advento do resultado (proibido), e assume o risco de
produzi-lo, ao invés de renunciar à ação; na culpa consciente, diferentemente, o
agente repele a hipótese de superveniência do resultado, com a esperança de que
este não ocorrerá.5
Demonstrada a diferença entre os institutos, percebemos a grande injustiça que
pode ocorrer, caso a conduta seja descrita de modo errôneo. Ou seja, caso utilizada
5 BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo:
Saraiva, p. 215.
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a teoria do dolo eventual, o réu poderá ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri
e ser condenado a uma alta pena.
Por outro lado, com a utilização do dispositivo do Código de Trânsito, será aplicada
uma pena baixíssima, o que, segundo as representações sociais e midiáticas sobre
o tema, deixaria a sociedade muito insegura, uma vez que o número de mortes no
trânsito, em nosso país, tem estatística semelhante a de guerras. Pesquisa realizada
pelo Ministério da Saúde, no ano de 2010, apontou que 40.610 pessoas perderam a
vida no trânsito, o que significa um aumento de 25% em relação às mortes no
trânsito ocorridas no ano de 2002.6
Conforme aludido, nosso país acumula altos índices de mortes no trânsito, podendo
ser feita uma comparação, inclusive, à estatística de mortes de países em guerra.
Diante disso, a sociedade, sempre com a forte influência da mídia, acaba por clamar
por justiça, sendo o dolo eventual o modo pelo qual o Estado passou a utilizar para
tentar estancar o número de óbitos no trânsito.
Ou seja, verifica-se que nos dias atuais, o Estado, para tentar reprimir a soma de
álcool e direção, valeu-se de forma imoderada do instituto do dolo eventual, punindo
com grande rigor o responsável pelo acidente com vítimas, portanto, no mais das
vezes, sem uma profunda análise da questão.
Desse modo, percebemos claramente que o presente estudo buscará compreender
os critérios jurídicos que orientam o devido enquadramento penal nos crimes de
trânsito, o que, consequentemente, visa estabelecer uma contribuição à aplicação
do direito em relação ao tema. Analisar-se-á também, inevitavelmente, o aspecto
social, mais precisamente o clamor público, conforme já mencionado, como padrão
crítico para buscar a forma mais coerente de aplicação da lei penal.
Atualmente, é grande a discussão acerca da possibilidade de aplicação do dolo
eventual quando da ocorrência de acidentes de trânsito com vítimas. Percebe-se um
6G1. Mortes no trânsito têm alta de 25% em 9 anos, aponta ministério. Brasília, 04/11/2011.
Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/11/mortes-no-transito-sobem-25-em-9-anos-em-2010-40-mil-morreram.html. Acesso em: 02 jun. 2012.
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grande clamor da sociedade por justiça, com uma espécie de pressão ao Poder
Judiciário. A sociedade, para tanto, levanta a questão da impunidade para buscar
rigor na aplicação da lei penal.
Na maioria das vezes, a opinião pública, em razão da forte influência midiática,
acaba por culpar o causador do acidente sem ter o mínimo conhecimento do caso
concreto, os motivos que deram causa ao acidente. Assim, surgiu o desejo de
aprofundar o estudo sobre o assunto, com a análise doutrinária e jurisprudencial, a
fim de esclarecer qual o meio mais correto para enquadramento do fato. Por
homicídio doloso, com a aplicação do dolo eventual, ou como homicídio culposo no
trânsito, com a aplicação do dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro.
Trata-se de esclarecer as categorias, do dolo eventual e da culpa consciente, em
nível de dogmática penal, com vistas à solução concreta de casos. Portanto, ao
verificar de forma clara os requisitos dogmáticos, poderemos alcançar, caso a caso,
a solução mais justa.
Entretanto, trata-se de um assunto muito contraditório e polêmico. Como exemplo
que demonstra quão intrincada é essa questão, podemos mencionar o fato de
diversos autores defenderem a inviabilidade, inclusive, da tentativa no dolo eventual,
sendo que na jurisprudência há diversos casos de condenação por homicídio
tentado no trânsito, com a utilização do dolo eventual.
Será necessário, também, um breve estudo acerca das teorias causalista e finalista
da ação, a fim de que seja verificada a diferença entre ambas, bem como qual delas
terá uma melhor aplicabilidade no presente artigo. Desde já, necessário se mostra
explicar que a tendência para desenvolvimento do trabalho é a utilização do
finalismo, de acordo com a doutrina de Welzel, servindo tal teoria como a base
essencial para se levar a efeito uma linha de raciocínio.
1 A ação de acordo com as teorias causalista e finalista
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Em nosso Código Penal, o artigo 187 é o dispositivo legal que dispõe acerca do dolo
e da culpa, distinguindo os dois conceitos. Ainda, é importante a análise do artigo
1218 do Código Penal, que trata do homicídio, e do artigo 3029 do Código de
Trânsito Brasileiro, que trata do homicídio culposo no trânsito. A partir de agora, tais
dispositivos legais devem ser levados em consideração, pois se estudará a sua
possibilidade de aplicação metodológica, com base nas teorias essenciais da ciência
penal.
Conforme os autores Zaffaroni e Pierangeli, a doutrina brasileira, em quase todas as
obras elaboradas com a vigência do código de 1940, sustentou a teoria causalista,
sendo que, após, com o ocaso do código, surgiu a estrutura finalista como uma
melhor metodologia analítica. Nesse sentido, embora diversos autores não tenham o
mesmo ponto de partida quanto à teoria do conhecimento, estão eles acordes numa
única sistemática.10
Eugênio Raúl Zaffaroni prevê que, tanto nos delitos dolosos como nos culposos, nos
ativos e omissivos, o que a lei proíbe é uma conduta final. Ação e omissão não são
7Art. 18 - Diz-se o crime: Crime doloso - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco
de produzi-lo; Crime culposo II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. 8Art 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. Caso de diminuição de pena § 1º Se o
agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo futil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos. Homicídio culposo § 3º Se o homicídio é culposo: Pena - detenção, de um a três anos. § 4
o No homicídio culposo, a pena é
aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. § 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. 9Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a
quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. 10
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 1, p. 380.
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formas de conduta. Todos são, na verdade, quatro técnicas legislativas diferentes
para individualizar ações proibidas11.
Acerca da teoria do delito, verifica-se que a antijuridicidade e a culpabilidade
oferecem características peculiares em cada tipo penal. Zaffaroni opta, ao analisar o
tema, pela consideração sucessiva da tipicidade, da antijuridicidade e da
culpabilidade, destacando em cada nível as diferenças estruturais e as modalidades
impressas por elas, em vez de analisar cada uma das modalidades típicas
juntamente com as características que imprime a antijuridicidade e a culpabilidade.
Faz tal escolha porque oferece a vantagem de mostrar em conjunto a função
fixadora indiciária da tipicidade, o desvalor da antijuridicidade e a reprovação da
culpabilidade, isso sem perder de vista o critério sistemático básico exposto para a
análise.12
Assim, se mostra interessante, antes de iniciarmos um estudo sobre o dolo e da
culpa, fazermos uma análise, mesmo que superficial, das teorias causalista e
finalista. Welzel e Mir Puig são os autores que serão estudados a fim de analisar tais
teorias. Tal análise é necessária, pois teremos, assim, uma visão mais clara do que
realmente ocorre nos casos de homicídios no trânsito, onde se “opta” pelo dolo
eventual ou pela culpa consciente.
Welzel aduz que a ação humana é o exercício da atividade finalista, sendo um
acontecer “finalista”, e não apenas “causal”. Na finalidade ou atividade finalista da
ação, o agente, de acordo com seu conhecimento causal, pode prever, em
determinada escala, as consequências possíveis de uma atividade futura, propondo
objetivos de diversa índole e pode dirigir sua atividade segundo um plano tendente a
obtenção desses objetivos. Ou seja, o autor poderá, antevendo um evento futuro,
optar pelo modo como agirá.13
11
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 83. 12
Ibidem, p. 84. 13
WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 39.
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Segundo Mir Puig, um dos grandes idealizadores dessa teoria finalista é justamente
Welzel, doutrinador o qual passou a defender essa tese no ano de 1930. Welzel teria
analisado a ação de um ponto de partida metódico, sendo que Mir Puig aduz que a
ação final não é a base da doutrina de Welzel, não sendo mais que uma das
consequências de sua metodologia na dogmática penal.14
Ainda, a doutrina final da ação não é a única manifestação da metodologia finalista.
Nesse sentido, Mir Puig salienta que essa é uma questão pouco estudada, mas que
é necessário ter insistência. Junto à finalidade da ação, a concepção da essência da
culpabilidade como reprovabilidade quando o autor do delito podia ter agido de outro
modo, constitui o segundo pilar da teoria do delito de Welzel.15
Hanz Welzel discorre que a finalidade é um ato dirigido conscientemente desde o
objetivo, enquanto a pura causalidade não está dirigida desde o objetivo, resultado
dos componentes causais circunstancialmente concorrentes. Em razão disso, o
renomado autor cita que, graficamente, a finalidade é “vidente”, enquanto a
causalidade é “cega”.16
A finalidade, ainda segundo Welzel, se embasa na capacidade do desejo de prever
uma determinada escala de consequências da intervenção causal, e com ela dirigir-
se a um plano para obtenção do objetivo, que é a vontade consciente do objetivo,
sendo que a vontade consciente do objetivo, que dirige a um acontecimento causal,
é a espinha dorsal da ação finalista. Entretanto, a atividade finalista não compreende
apenas a finalidade da ação, mas também os meios secundários e as
consequências secundárias, necessariamente vinculadas.17
As ações finalistas, cuja vontade de concretização está dirigida para a realização de
resultados socialmente negativos, são qualificadas de antijurídicas pelo direito penal
14
MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: Euros editores, 2002, p. 225. 15
Ibidem, p. 227. 16
WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 39. 17
Ibidem, p. 40.
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nos delitos dolosos. O dolo é a vontade jurídica finalista de ação que está dirigida
para a concretização das características objetivas de um tipo de injusto.18
Esse poder agir de forma diversa constitui uma estrutura lógico-objetiva, ancorada
na essência do homem, como um ser responsável caracterizado pela capacidade de
autodeterminação final em curso. Desse modo, o finalismo não é somente uma
doutrina da ação, nem uma sistemática dos caracteres do delito, mas sim algo mais:
é um reflexo na dogmática jurídico-penal de uma atualidade epistemológica.19
Com isso, verifica-se que não é lícito afirmar, como muitas vezes é feito, que todo
aquele que incluiu o dolo no tipo é, por isso só, finalista, da mesma forma de que,
como é evidente, não basta reconhecer o caráter final da ação para poder receber
aquela qualificação.20
Ainda, segundo Welzel, as ações que, contempladas em suas consequências
causais, não observam o mínimo juridicamente indicado de direção finalista, são
compreendidas pelos tipos dos delitos culposos como “lesões imprudentes ou
negligentes de bens jurídicos”. Nesses tipos, as consequências são irrelevantes
para o direito penal, e não são descritas nos tipos de forma concreta, sendo que seu
tipo de injusto consiste em determinadas lesões causais de bens jurídicos,
ocasionadas pelas ações que não levam consigo a quantidade de diligência
necessária para intercâmbio de direção finalista.21
Assim, conforme Welzel, mesmo o sujeito que limpa seu fuzil, o qual não está
descarregado, e sem querer mata outra pessoa, realiza uma ação finalista (limpeza
do fuzil), a qual originou causalmente a morte da vítima. Entretanto, nesse exemplo,
não seriam necessárias as consequências finalistas, mas as consequências causais,
tendo em vista que o agir, em sua atividade finalista, que foi a de limpar o fuzil, não
18
WELZEL, Hanz. Derecho penal parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 43. 19
MIR PUIG, Santiago. Introducción a las bases del derecho penal. 2. ed. Buenos Aires: Euros editores, 2002, p. 227. 20
Ibidem, p. 228. 21
WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 43.
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forneceu o mínimo juridicamente necessário de direção finalista para evitar o
resultado.22
Com o passar dos anos, submergiu na ciência do direito penal a teoria que dividiu a
ação em duas partes distintas: o processo causal exterior, por um lado, e o conteúdo
puramente subjetivo da vontade, por outro. Segundo esta, a ação é um puro
processo causal, que se origina da vontade no mundo exterior, sem considerar se é
querido ou se poderia ser somente previsto. Assim, segundo Welzel, o conteúdo
subjetivo da vontade é, para a ação, “sem significado”.23
Welzel direciona diversas críticas ao conceito causal da ação, sustentando que o
conceito mais adequado deve ser o finalista. Isso porque aquela desconhece o
conteúdo decisivo do injusto nos delitos culposos, confundindo os conceitos
ontológico e real.24
Nesse sentido, Zaffaroni aduz que com a incorporação do dolo ao tipo, o primitivo
cancelamento da legalidade por meio da causalidade regressiva foi definitivamente
resolvida, pois esse era o mais grosseiro de todos os problemas da causalidade e
sua relevância típica. Isso ainda sem contar que não eram resolvidas as questões
dos tipos culposos.25
Por fim, Welzel destaca que nos delitos dolosos, a relação finalista, com o resultado
penalmente essencial, não é proibida, mas concretizada. Já nos delitos culposos, a
relação finalista, penalmente decisiva para evitar o resultado não desejado, é devida,
mas não concretizada.26
22
WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 44. 23
Ibidem, p. 44. 24
Ibidem, p. 47. 25
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 465. 26
WELZEL, Hanz. Derecho penal, parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 48.
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Desse modo, analisadas as características básicas das duas teorias, finalista e
causalista, percebe-se que a linha teórica mais correta para analisar a questão do
dolo eventual nos crimes de trânsito é a primeira.
2 Aspectos gerais da culpa
No que tange ao estudo da culpa, inicialmente, interessante se mostra referir que
esta tem relação com o dever de cuidado, motivo pelo qual não individualiza a
conduta pela finalidade, conforme já analisado. O agente, ao agir culposamente,
poderá estar levando a efeito sua conduta por meio da imprudência, negligência ou
imperícia.
Nesse sentido, conforme Zaffaroni, a primeira impressão a respeito da tipicidade
culposa, é que esta é uma característica que não necessita da finalidade para sua
comprovação, ou seja, que o tipo culposo não leva em conta a finalidade para
individualizar a conduta proibida.27
E conclui:
Si el tipo no tomase en cuenta la finalidad para individualizar la conducta prohibida, esto no significaría que el legislador supone que la conducta no tiene finalidad, sino simplemente, que no le otorgaría allí relevancia típica individualizadora. Más esto no es verdad, porque el tipo culposo necesita conocer la finalidad de la conducta para individualizarla. Por cierto que en su estructura la finalidad cumple su cometido individualizador de manera diversa e como lo desempeña en el tipo doloso, pero su necesidad se nos hace incuestionable.
28
Claus Roxin destaca que em todos os delitos culposos de lesão, segundo a
concepção de Welzel, para a realização do tipo é suficiente a mera causa do
resultado descrito na lei penal, na medida em que este resultado esteja conectado
de maneira adequada e previsível com a ação. Assim, quem atropela com um
automóvel uma criança que se joga em frente ao carro, de forma que nem mesmo o
27
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 87. 28
Ibidem, p. 88. Tradução: Se o tipo não tomasse em conta a finalidade para individualizar a conduta proibida, isso não significaria que o legislador supõe que a conduta não tem finalidade, mas simplesmente, que não lhe outorgaria relevância típica individualizadora. Mas isso não é verdade, porque o tipo culposo necessita conhecer a finalidade da conduta para individualizá-la. Por certo que em sua estrutura a finalidade cumpre a sua tarefa individualizadora de maneira diversa à desempenhada no tipo doloso, mas a sua necessidade parece inquestionável.
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mais experiente condutor pudesse ter evitado tal acidente, realiza um tipo de lesão
culposa, na medida em que somente existe uma causalidade adequada.29
Ainda segundo Roxin, tendo em vista que o comportamento do homem pode
produzir efeitos lesivos de bens jurídicos distantes do que se abstrai a direção
causal do agente, que não se podem evitar nem com a melhor boa vontade, nem
utilizando extraordinário cuidado, a lesão ao bem jurídico não pode ser considerada
como antijurídica. Isso porque o juízo de antijuridicidade expressa sempre a
desaprovação de uma ação em uma relação da conduta juridicamente prevista. Por
essa razão, os delitos culposos são de um tipo “aberto”.30
O objeto da repreensão da culpabilidade é a vontade antijurídica da ação, devendo
ser o dolo adequado ao tipo ou a lesão não dolosa de diligência. Mas sempre, deve
ser considerado o elemento da ação antijurídica. Nesse sentido, Welzel aduz que o
mais fácil ao autor é a possibilidade de uma autodeterminação adequada ao sentido,
quando ele conhece positivamente a antijuridicidade, sendo indiferente que conheça
o momento da comissão do fato que pode instantaneamente ser atualizado. Se ele
podia conhecer o injusto, recorrendo a consciência, então ele também pode
censurar. Por isso que na lesão não dolosa de diligência, a pena poderá ser
atenuada, adequadamente, observando-se o grau de reprovabilidade da conduta.31
O tipo culposo requer uma conduta que viole um dever de cuidado, cause um
resultado lesivo a um bem jurídico e que a violação do dever seja determinante para
o resultado. Quando um sujeito prevê a causalidade a partir do fim proposto,
prevendo que esta poderá culminar em um resultando lesivo, mas confia que ela não
ocorrerá, trata-se de culpa consciente. Quando ele não prevê essa possibilidade, e a
faz, trata-se de culpa inconsciente.32
29
ROXIN, Claus. Teoría del tipo penal: tipos abiertos e elementos del deber jurídico (em espanhol (trad. Enrique Bacigalupo)). Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1979, p. 18. 30
Ibidem, p. 18. 31
WELZEL, Hanz. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956, p. 175. 32
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 89.
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Conforme Zaffaroni, geralmente, a culpa é dividida em consciente ou com
representação e culpa inconsciente ou sem representação. Na primeira, o agente
representa a possibilidade de produção de resultado e, na segunda, o agente pensa
ter o conhecimento da situação, mas não o atualiza e não o representa, acabando
por não ter a consciência do perigo.33
Somente com esta constatação básica, podemos começar a pensar no
enquadramento de uma conduta no elemento imprudência, abrangido pela culpa. A
maioria dos delitos de trânsito são configurados a partir disso, como por exemplo,
dirigir em alta velocidade, realizar ultrapassagem em local proibido, etc.
Nesse sentido, Zaffaroni aduz que a culpa temerária pode ser confundida com o dolo
eventual, quando é consciente, o que é o objeto do presente trabalho, motivo pelo
qual é necessário manter no injusto a distinção com a culpa inconsciente.34
Ainda, deve-se levar em consideração o dever de cuidado para se definir o tipo
culposo. E, mais ainda, a finalidade, para uma completa relação entre a culpa e o
dever de cuidado. Zaffaroni define que cada conduta corresponde a um dever de
cuidado. Devemos, então, ater-nos ao fim, devendo levar isto em consideração para
conhecer a conduta de que se trata.35
3 Do dolo
Analisando a obra “Derecho Penal, Parte General”, de Eugenio Raúl Zaffaroni36,
verifica-se que o renomado doutrinador destaca que os tipos dolosos desejam filtrar
maior poder punitivo que os culposos, pelo qual constituem uma forma de imputação
subjetiva com maior tradição histórica. Assim, verifica-se uma ligação direta ao
presente trabalho, ao fazermos uma analogia à questão do tipo doloso nos crimes
de trânsito, pois com sua utilização, será levada a efeito uma maior punição. Nos
33
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 550. 34
Ibidem, p. 550. 35
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 444. 36
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Derecho penal: parte general. 2. ed. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 520.
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dizeres de Zaffaroni e Pierangeli, o dolo é o querer do resultado típico, a vontade
realizadora do tipo objetivo37.
Para Zaffaroni, “finalidade” e “dolo” são conceitos diferentes. Enquanto a finalidade
se encontra em todas e em cada uma das condutas humanas, o dolo não é mais do
que a captação que eventualmente há na lei dessa finalidade para individualizar uma
conduta que proíbe. Ou seja, nos tipos dolosos, o dolo é a finalidade tipificada. A
conduta com finalidade típica é dolosa. O dolo é um conceito jurídico, enquanto a
conduta é um fazer voluntário, particular e concreto.38
Ainda, conforme o mesmo autor, puramente, o dolo está no tipo e não na conduta, já
que somente pode apresentar o caráter de dolosa quando a sua finalidade é a
realização do aspecto objetivo de um tipo doloso.39
Na explanação de Sebastian Soler, toda decisão voluntária pressupõe a violação de
um complexo de consequências e, assim, haverá dolo direto quando esse complexo
de consequências ilícitas, concebido como necessária, seja direta e querida.
Entretanto, nem sempre o dolo se apresenta com tão nítidos caracteres, pois nem
sempre o fim principal a que a vontade pretendia constitui um evento ilícito. Muitas
vezes, um fim diretamente querido é um fim lícito, cuja realização aparece em
conexão com outro evento ilícito. Para resolver tais questões, propõe o autor ser
necessária a criação de uma teoria distinta.40
Jiménez de Asúa explica que os clássicos dividiam o dolo por sua intensidade e
duração em dolo de ímpeto ou passional, dolo repentino, dolo com simples
deliberação e dolo premeditado. Já os italianos dividiram o dolo em direto, indireto,
alternativo e eventual. O autor finaliza referindo que, atualmente, somente podem e
devem se distinguir quatro classes de dolo: o dolus directus, o dolo com intenção
37
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 419; 38
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 85. 39
Ibidem, p. 86. 40
SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 151.
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ulterior ou "dolo específico", o dolo de consequências necessárias e o dolo
eventual.41
Jiménez de Asúa ainda faz uma distinção entre o dolo eventual e o dolo de
consequências necessárias, referindo que neste a produção de efeitos não é
aleatória, mas sim irremediável. Como exemplo, o renomado autor cita o caso de um
anarquista que deseja a morte de um monarca e, para consumar o fato, põe uma
bomba no automóvel em que viajam o rei, seu subordinado e o motorista. Assim, a
morte destes dois últimos é absolutamente necessária para o homicídio do monarca,
motivo pelo qual podem ser imputadas ao anarquista, uma vez que necessária para
a produção desejada pelo sujeito que lança a bomba.42
Analisando nosso Código Penal, percebemos que o dolo é dividido em duas
espécies: o dolo direto e o dolo indireto. O primeiro se configura quando o agente
quer, efetivamente, cometer a conduta descrita no tipo, conforme descrito na parte
inicial do artigo 18, inciso I, do Código Penal.43
Já o dolo indireto, considerado como a segunda espécie, é subdividido em
alternativo e eventual, sendo este o analisado neste trabalho. Como exemplo do
dolo alternativo, para nível de comparação, Galvão e Greco citam o caso do agente
que efetua disparos contra a vítima querendo feri-la ou matá-la. Assim, verifica-se
que o dolo alternativo seria uma mistura entre o dolo direto com o dolo eventual.44
De acordo com Sérgio Salomão Shecaira, a distinção entre o dolo direto e o indireto,
ou eventual, tem suas origens remotas no trabalho de São Tomás de Aquino. Na
referida obra constava que, o sujeito que manda açoitar outrem, ainda que
expressamente proíba que este seja morto, ou seja, mutilado de algum membro,
torna-se irregular, caso o mandatário, em atitude de excesso dos termos do
41
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 365. 42
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 366. 43
GALVÃO, Fernando; GRECO, Rogério. Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 133. 44
Ibidem, p. 134.
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mandato, mutilar ou assassinar aquele que deveria açoitar, se, no cumprimento do
mandado, agir com culpa e supor que aquilo poderia acontecer.45
Zaffaroni e Pierangeli definem dois aspectos compreendidos pelo dolo: o aspecto de
conhecimento e o aspecto de querer, ou volitivo do dolo. No que se refere ao
conhecimento efetivo, este é indispensável à configuração do dolo, tendo em vista
que a mera possibilidade de conhecimento não pertence ao dolo.
Os autores tratam também de um grau de atualização do conhecimento necessário
para configuração do dolo. Ou seja, não é necessário um conhecimento atual, pois
também podem ocorrer conhecimentos atualizáveis de algo, sendo que a mera
possibilidade de conhecimento não pertence ao dolo, como já referido46.
Já o aspecto volitivo tem relação com o artigo 18 do Código Penal, com a
consciência ou conhecimento da antijuridicidade. Entretanto, nossa codificação não
segue o critério com a necessidade de conhecimento da antijuridicidade.47
4 Do dolo eventual
O dolo eventual ocorre quando o agente, embora não querendo praticar a infração
penal, assume o risco de produzir o resultado, o qual já havia sido previsto e
aceito.48 Conforme Zaffaroni e Pierangeli, no dolo direto, o resultado é querido
diretamente. Mas isso é diferente de querer um resultado quando o aceitamos como
uma possibilidade, sendo este o dolo eventual.49
Sebastian Soler aduz que nem sempre a intenção principal que a vontade pretendia
levar a efeito iria se constituir em um evento ilícito. Por vezes, o feito diretamente
querido é lícito, mas sua consecução aparece em conexão com um evento ilícito.
45
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007. v. 64, p. 222/238. 46
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, v. 1, p. 459. 47
Ibidem, p. 422. 48
GALVÃO, Fernando; GRECO, Rogério. Estrutura jurídica do crime. Belo Horizonte: Mandamentos, 1999, p. 134. 49
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 434.
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Também, nem sempre os resultados acessórios do fato ilícito são representados
como necessários, e nem sempre o fato fundamental em si mesmo é ilícito, embora
sua produção esteja vinculada a um evento ilícito não diretamente querido.50
Conforme Jiménez de Asúa, o dolo eventual era de difícil construção com a teoria da
vontade, pois se querer o resultado fosse o caráter próprio de dolo, nessa espécie
em que se quer de uma maneira subordinada e de segunda linha, a infração
intencional resultava duvidosa. Assim, pode-se afirmar que a teoria da
representação é a única apta para embasar o dolo eventual.51
Nesse sentido, de Jiménez de Asúa ainda explica que é ainda mais incompleta a
doutrina da representação, uma vez que a culpa com previsão se identificaria com o
dolo eventual, pois em ambas se representa ao sujeito a possibilidade da produção
de um resultado. Entretanto, o dolo eventual será a representação da possibilidade
de um resultado, cujo advento ratifica a vontade, o que é diferente da culpa com
previsão. Ou seja, na culpa, há a representação do resultado, e no dolo eventual, a
representação da possibilidade do resultado. No dolo eventual, caso o sujeito
estivesse seguro da produção do resultado, ele não prosseguiria com sua conduta e,
na culpa com previsão, o sujeito espera de sua habilidade que o resultado não
sobrevenha. 52
Na obra “Tratado de Derecho Penal”, Zaffaroni refere que:
Cuando nos encontraremos con la producción de un resultado típico concomitante que como posible fui abarcado por la voluntad realizadora, se tratará de dolo eventual. Cuando la finalidad se dirija directamente a la producción del fin típico habrá dolo directo.
53
O mesmo autor, com Pierangeli, ainda define o dolo eventual como a conduta
daquele que diz a si mesmo “que aguente”, “que se incomode”, “se acontecer, azar”,
50
SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 150. 51
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 367. 52
Ibidem, p. 367. 53
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal: parte general, tomo III. Buenos Aires: Ediar, 1981, p. 87. Tradução: Quando nos encontramos com a produção de um resultado típico que como possível foi coberto pela vontade realizadora, se tratará de dolo eventual. Quando a finalidade se dirigir diretamente à produção de fim típico, haverá dolo direto.
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“não me importo”. Ou seja, não há uma aceitação do resultado como tal, mas sim a
aceitação de sua possibilidade.54 O exemplo citado por estes célebres doutrinadores
é o de mendigos russos, que amputavam braços e pernas de seus filhos a fim de
obter esmolas de transeuntes. Entretanto, em certas ocasiões, as crianças iam a
óbito, sendo que os mendigos sabiam dessa possibilidade e a aceitavam.
Bitencourt e Conde referem que haverá dolo eventual quando o agente não quiser
diretamente a realização do tipo, mas a aceitar como possível ou até provável,
assumindo o risco da produção do resultado.55 Já o autor Jiménez de Asúa refere
que “Hay dolo eventual cuando el sujeto se representa la posibilidad de un resultado
que no desea, pero cuya producción ratifica en última instancia.”56
Ainda, a essência e a vontade, que representam a essência do dolo, também devem
estar presentes no dolo eventual. Insuficiente, desse modo, a mera ciência da
probabilidade do resultado ou a atuação consciente da possibilidade concreta da
produção desse resultado, mas sim, uma relação de vontade entre o resultado e o
agente.57
Conforme Hans Welzel:
En la culpa consciente el autor prevé las consecuencias posibles de su hecho. En la característica del conocimiento del tipo, no se distingue, por lo tanto, La culpa consciente del dolus eventualis, sino solamente en la decisión de acción (en la voluntad de concreción). Ésta comprende, en el dolus eventualis, también las consecuencias posibles del hecho; el autor quiere concretar el hecho de todos modos, también con inclusión de las consecuencias conocidas como posibles. En cambio, en la culpa consciente le falta esa voluntad incondicionada de concreción; actúa solamente porque cuenta con la no presentación de las consecuencias adecuadas al tipo. El conocimiento del tipo, vale decir, el conocimiento de las consecuencias posibles, es en el último caso exclusivamente un elemento de la reprochabilidad, y no ya de La voluntad de acción.
58
54
ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 9ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 1, p. 434. 55
BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 160 56
JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. Principios de derecho penal – la ley i el delito. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1958, p. 367 57
BITENCOURT, Cezar Roberto; CONDE, Francisco Muñoz. Teoria geral do delito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 160. 58
WELZEL, Hans. Derecho penal: parte general. Tradução de Carlos Fontán Balestra. Buenos Aires: Roque Depalma Editor, 1956. p. 170.
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Com todo o exposto, percebemos que o dolo eventual, quando aplicável no caso de
homicídio no trânsito, retorna a seu papel histórico. Essa é a conclusão de Sérgio
Salomão Shecaira ao aduzir que o dolo eventual nasceu dentro de um contexto
religioso para aumentar o grau de punição aos clérigos, e nos tempos atuais, serve
como modo de controle do Estado-penal, ou seja, como um instrumento de
contenção social dentro de um processo de desconstrução simbólico da sociedade
iluminista. Desse modo, não seria necessário comprovar a existência do dolo
eventual no crime de trânsito, bastando apenas que o fato exista.59
Analisando de forma concreta, percebemos existir uma grande divergência sobre o
assunto. Por exemplo, no HC nº 199100/SP60, do STJ, restou firmado o
entendimento de que a análise sobre dolo eventual ou culpa consciente caberia ao
Tribunal do Júri. Diferente é entendimento que se verifica do HC nº 44015/SP61, do
59
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007, v. 64, p. 222/238, 60
HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. PRONÚNCIA POR HOMICÍDIO SIMPLES A TÍTULO DE DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXAME DE ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ANÁLISE APROFUNDADA DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. VIA INADEQUADA. COMPETÊNCIA DO CONSELHO DE SENTENÇA. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão de pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação de um édito condenatório, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se contra o réu e a favor da sociedade. É o mandamento do art. 408 e atual art. 413 do CPP. 2. O exame da insurgência exposta na impetração, no que tange à desclassificação do delito, demanda aprofundado revolvimento do conjunto probatório, já que para que seja reconhecida a culpa consciente ou o dolo eventual, faz-se necessária uma análise minuciosa da conduta do recorrente, procedimento este inviável na via estreita do habeas corpus. 3. Afirmar se agiu com dolo eventual ou culpa consciente é tarefa que deve ser analisada pela Corte Popular, juiz natural da causa, de acordo com a narrativa dos fatos constantes da denúncia e com o auxílio do conjunto fático-probatório produzido no âmbito do devido processo legal, o que impede a análise do elemento subjetivo de sua conduta por este Sodalício. 4. Na hipótese, tendo a decisão impugnada asseverado que há provas da ocorrência do delito e indícios da autoria assestada ao agente e tendo a provisional trazido a descrição da conduta com a indicação da existência de crime doloso contra a vida, sem proceder à qualquer juízo de valor acerca da sua motivação, não se evidencia ilegalidade na manutenção da pronúncia pelo dolo eventual, que, para sua averiguação depende de profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente sopesadas pelo Juízo competente no âmbito do procedimento próprio, dotado de cognição exauriente. 5. Ordem denegada. [BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 199100/SP. Quinta Turma. Relator: Ministro JORGE MUSSI. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=912060&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1.> Acesso em: 22 maio 2012. 61
CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL. COMPARAÇÃO ENTRE A NARRATIVA MINISTERIAL E A CLASSIFICAÇÃO JURÍDICA. ELEMENTO VOLITIVO NÃO CARACTERIZADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. TIPO PENAL CULPOSO. NEGLIGÊNCIA. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA NÃO CONFIGURADO. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. REMESSA DOS AUTOS A UMA DAS VARAS CRIMINAIS. ORDEM CONCEDIDA. Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática de homicídio qualificado por motivo torpe, em decorrência da morte de jogador do São Caetano Futebol Ltda.. A doutrina penal brasileira instrui que
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mesmo Tribunal Superior, o qual entendeu pela impossibilidade de julgamento do
caso pelo Tribunal do Júri, onde foi ainda ordenada a remessa dos autos à vara
comum.
Para resolver essa questão de discussão acerca do dolo eventual e da culpa
consciente, Soler cita a criada Fórmula de Frank, que prevê que “hay dolo eventual,
cuando la convicción de la necesidad del resultado previsto como posible no habría
hecho desistir al autor”. De acordo com essa fórmula, segundo Soler, a maneira de
delimitar os casos dolosos e não dolosos, consiste em que o juiz se coloque na
totalidade do complexo determinante e veja se o sujeito teria ou não desistido de sua
ação. Utiliza, assim, o método da supressão mental hipotética para verificar se, para
o autor, a produção do evento teria sido ou não decisiva para abster-se de praticá-
lo.62
5 A questão do dolo eventual em homicídios de trânsito
O grande problema enfrentado no presente trabalho é a respeito da aplicação ou
não do dolo eventual em casos de homicídio de trânsito, quando o condutor estava
o dolo, ainda que eventual, conquanto constitua elemento subjetivo do tipo, deve ser compreendido sob dois aspectos: o cognitivo, que traduz o conhecimento dos elementos objetivos do tipo, e o volitivo, configurado pela vontade de realizar a conduta típica. Se o dolo eventual não é extraído da mente do acusado, mas das circunstâncias do fato, conclui-se que a denúncia limitou-se a narrar o elemento cognitivo do dolo, o seu aspecto de conhecimento pressuposto ao querer (vontade). A análise cuidadosa da denúncia finaliza o posicionamento de que não há descrição do elemento volitivo consistente em “assumir o risco do resultado”, em aceitar, a qualquer custo, o resultado, o que é imprescindível para a configuração do dolo eventual. A comparação entre a narrativa ministerial e a classificação jurídica dela extraída revela a submissão do paciente a flagrante constrangimento ilegal decorrente da imputação de crime hediondo praticado com dolo eventual. Afastado elemento subjetivo dolo, resta concluir que o paciente pode ter provocado o resultado culposamente. O tipo penal culposo, além de outros elementos, pressupõe a violação de um dever objetivo de cuidado e que o agente tenha a previsibilidade objetiva do resultado, a possibilidade de conhecimento do resultado, o “conhecimento potencial” que não é suficiente ao tipo doloso. Considerando que a descrição da denúncia não é hábil a configurar o dolo eventual, o paciente, em tese, deu causa ao resultado por negligência. Caberá à instrução criminal dirimir eventuais dúvidas acerca dos elementos do tipo culposo, como, por exemplo, a previsibilidade objetiva do resultado. Precedentes desta Corte no sentido de que é possível alterar a classificação jurídica de crime em sede de habeas corpus e de recurso especial, desde que comprovada, e livre de dúvida, flagrante ilegalidade. Reconhece-se a incompetência do Tribunal do Júri para processar e julgar o processo criminal instaurado em desfavor do paciente, eis que não configurado crime doloso contra a vida, cassando-se o acórdão recorrido e determinando-se a remessa dos autos a uma das varas criminais da Comarca de São Paulo. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator. [BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 44015 / SP. Quinta Turma. Relator: Ministro GILSON DIPP. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/ jurisprudencia/doc.jsp?livre=247263&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=1>. Acesso em: 22 maio 2012. 62
SOLER, Sebástian. Derecho penal argentino. Actualizado por Guillermo Fierro. Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina, 1992, p. 153.
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sob efeito do álcool. Já foram apresentados, inclusive, julgados com opiniões
divergentes sobre a mesma questão, sendo que em alguns casos é optado por
desclassificar o delito para o homicídio de trânsito, previsto no Código de Trânsito e
em outros casos, mantém-se a ideia de que se trata de homicídio previsto no artigo
121 do Código Penal, com o consequente julgamento pelo Tribunal do Júri, por se
tratar de crime contra a vida.
A cada dia, temos mais exemplos de pessoas “condenadas” pela mídia em razão de
terem cometido homicídios no trânsito, sem que se tenha analisado se o agente
possuía a intenção de cometer o fato, ou se assumiu o risco de produzi-lo. Aliás,
acerca dessa questão, preleciona Alexandre Wunderlich que em um planeta
extremamente motorizado, a expressão “assumir o risco”, empregada na legislação
brasileira, tornou-se inadequada, pois o simples fato de sentar na direção de um
veículo já seria o suficiente para assumirmos o risco. Por tal motivo, o referido autor
entende que é necessário mais do que isso, sob pena de ser dada demasiada
elasticidade ao conceito, onde o indivíduo que agiu com culpa pode ser punido com
o mesmo rigor daquele que agiu dolosamente.63
Em opinião totalmente divergente, Arnaldo Rizzardo, ao comentar o homicídio
culposo na direção de veículo automotor, crime este previsto no artigo 302 do CTB,
prevê que há dolo eventual, por exemplo, quando alguém arremete um veículo
contra outrem, ou quando o agente se imprime desenfreada velocidade em via
perigosa e com pedestres em seu leito, ou, ainda, quando o motorista se lança na
direção encontrando-se embriagado. Assim, para Rizzardo, o simples fato do agente
se encontrar embriagado seria o suficiente para levá-lo ao Tribunal do Júri para
julgamento, caso cometesse um homicídio.64
Sérgio Salomão Shecaira entende que com o passar do tempo, surgem novos
paradigmas normativos de análise jurídica, com a finalidade de repreensão penal.
Assim, criam-se novos tipos penais a fim de que o Estado possa mostrar o seu
63
WUNDERLICH, Alexandre – O dolo eventual nos homicídios de trânsito: uma tentativa frustrada. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/1732/o-dolo-eventual-nos-homicidios-de-transito>. Acesso em: 01 jun. 2012. 64
RIZZARDO, Arnaldo. Comentários ao código de trânsito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1998, p. 758.
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poder. Assim, o dolo eventual, atualmente, teria retornado ao seu papel histórico,
uma vez que nasceu dentro de um contexto religioso para aumentar o grau de
punição aos clérigos e agora, surge novamente como um instrumento de contenção
social. Essa seria, então, para o autor, a farsa do dolo eventual nos crimes de
trânsito.65
Conforme analisado no decorrer do presente artigo, sob a ótica da teoria finalista e
após um breve estudo acerca do dolo e da culpa, seria inviável se falar de dolo no
problema em tela. Ou seja, mesmo que o condutor do veículo esteja sob efeito de
álcool ou de substâncias entorpecentes, em que pese tenhamos que analisar
sempre o caso concreto para termos uma certeza do enquadramento penal, o mais
correto a fazer é enquadrar o condutor no tipo definido no Código de Trânsito
Brasileiro.
André Luís Callegari menciona que o Ministério Público utiliza, normalmente, como
critérios para estabelecer a responsabilidade do agente, a embriaguez do motorista,
o número de vítimas e a violência das lesões decorrentes do acidente. Percebe-se,
assim, que não há um estudo acerca do real dolo que o agente teve, de acordo com
todo o estudo até aqui já levantado.66
6 Considerações finais
Com a confecção do presente trabalho de conclusão de curso, obtivemos diversas
constatações de uma grande importância. A questão da discussão do dolo eventual
em caso de homicídios de trânsito é extremamente polêmica, pois a mídia, com seu
forte poder de influência, tenta sempre reprimir a conduta dos condutores que estão
sob o efeito do álcool.
Tal posição da mídia se dá em razão do alto número de mortes que ocorrem
atualmente em nosso país, onde grande parte delas é levada a efeito em razão de
condutores que se encontravam embriagados. Assim, para tentar reprimir a conduta 65
SHECAIRA, Sérgio Salomão. Ainda a expansão do direito penal: o papel do dolo eventual. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, fevereiro de 2007, v. 64, p. 222/238. 66
CALLEGARI, André Luís. Dolo eventual, culpa consciente e acidente de trânsito. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, São Paulo: Janeiro de 1996, v.13, p. 191.
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de tais condutores, a mídia busca uma alta punição a esses motoristas, fazendo com
que a sociedade clame por justiça.
Não há dúvidas de que a mistura de álcool e direção pode causar graves problemas.
Um motorista alcoolizado não consegue conduzir o veículo automotor em condições
normais, havendo grande probabilidade de ele causar um acidente. Para que essa
questão seja dirimida, necessitamos de políticas públicas que sejam capazes de
enfrentar o problema, a fim de que seja banida a presença de tais condutores em
nossas estradas. Ou, até mesmo, uma maior punição aos motoristas imprudentes,
levando-se em conta, logicamente, a proporcionalidade atinente ao excesso.
Entretanto, imputar a eles a conduta tipificada no artigo 121 do
Código Penal, de acordo com o estudo realizado, mostra-se inapropriado.
Primeiramente, buscou-se analisar qual a melhor teoria para embasamento do
estudo, sendo que, ante a forte influência de Hans Welzel, optou-se pela teoria
finalista.
Pela teoria finalista, o agente deve prever futuras consequências de sua ação, de
modo que pode agir de maneira diversa para evitar um resultado diverso do
pretendido. Essa teoria é a mais correta para aplicação do dolo eventual, pois este
instituto, inclusive, é aplicado, quando o agente prevê um resultado futuro, o aceita e
assume o risco de produzi-lo. Já a teoria causalista da ação não restou aplicada,
pois Welzel sustenta que ela desconhece o conteúdo decisivo do injusto nos delitos
culposos, motivo pelo qual se mostra mais adequado, no presente estudo, levar-se
em conta a teoria finalista.
Desse modo, considerando a teoria finalista da ação, percebe-se o quão difícil é o
enquadramento do agente nas condições acima descritas, imputando-lhe o crime de
homicídio. Fora aquelas hipóteses em que o agente já havia demonstrado intenção
efetiva de ceifar a vida da vítima, nesses casos em que ofendido e agente
sequer se conhecem, mostra-se complicado termos a certeza de que o condutor
assumiu, de fato, o risco de produzir um acidente com vítimas, prevendo a
possibilidade de que poderia matar alguém.
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Ou seja, considerado todo o estudo realizado, que atenta pela dificuldade de
enquadrar a conduta do agente como dolo eventual, percebe-se que a influência
exercida pela mídia tem um efeito muito forte, tanto que diariamente, presenciamos
nos mais variados meios de comunicação casos onde o próprio repórter que traz a
notícia já enquadra o fato como dolo eventual, referindo que o indivíduo agiu
“assumindo o risco de matar”.
Restou verificado, ainda, que a mídia está preparando um abaixo assinado a fim de
modificar a lei penal, a fim de que tenhamos penas mais severas à condutores de
veículos que se encontrem sob efeito de álcool e que causarem homicídio de
trânsito. Entretanto, tal medida se mostra uma afronta ao estudo doutrinário do
direito penal, pois deixa de considerar a essência teórica para tentar preencher uma
falha do Estado, que não consegue efetivar meios necessários de conscientização
da população e nem melhorar as condições das vias de tráfego.
O Ministério Público, órgão que age em defesa da sociedade, acaba quase sempre
tipificando o crime, ao oferecer a denúncia, como o homicídio descrito no Código
Penal em seu artigo 121. Tal atitude se mostra considerável, pois, como dito, age o
Órgão Ministerial como um defensor dos interesses da sociedade e este seria,
talvez, o único meio disponível para o Órgão Ministerial fazer valer sua obrigação.
Entretanto, na maioria das vezes o promotor não possui elementos suficientes a
demonstrarem sem sombra de dúvidas que o agente realmente agiu assumindo o
risco de produzir o resultado, conforme prevê o artigo 18, inciso I, do Código Penal,
podendo acarretar numa grande injustiça.
Durante a elaboração do trabalho foram estudadas as características do dolo e da
culpa, a fim de que fossem mais bem visualizadas, em um contexto geral, as
grandes diferenças existentes entre estes. Assim, conseguimos distinguir com
clareza os casos de incidência de um e de outro.
Após o breve estudo, com a exposição do entendimento de diversos autores
renomados no Direito Penal, observando-se a teoria finalista da ação, verificou-se
que é muito difícil constatar-se com clareza que um indivíduo que conduz veículo
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automotor sob influência de álcool e que causa acidente com vítima fatal possa vir a
ser denunciado por ter praticado o delito de homicídio que consta do Código Penal.
Ou seja, com a elaboração do presente artigo, verificou-se que seria muito difícil
termos a certeza de que o agente, nestas condições apostas, estaria agindo com
dolo, tanto em sua modalidade direta como na eventual, na qual o agente assume o
risco de produzir o resultado.
Embora a tendência da problemática estabelecida no presente trabalho de
conclusão tenha tomado este rumo, importante salientar que ainda há muito a ser
estudado acerca do dolo eventual e a culpa consciente nos casos de homicídio de
trânsito. O resultado aqui estabelecido como o melhor a ser tomado para se
evitarem injustiças está totalmente contrário ao que a “sociedade leiga” entende
como conceito de fazer justiça, o que demonstra a grande dificuldade de se tratar do
tema.
Ainda, deve ser considerado que é muito importante a análise do caso in concreto,
observando-se sempre o princípio do in dubio pro reo. Somente desse modo, com a
análise concreta do caso de acordo com as provas produzidas é que poderemos
emitir um juízo de opinião, podendo-se chegar ao mais correto enquadramento, mas
devendo sempre se ter muito cuidado para não confundir os institutos, pois isso
poderá dar causa a graves e irreparáveis consequências.
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