Trabalho de paleografia

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“Contrato entre o cabido e o abade de Ronfe sobre o casal de Vila fuste (sic) da dita freguesia”

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  • Todos ns sabemos, mais ou menos, ou pensamos saber como eram e

    quais funes tinham os diferentes sistemas de escrita por vezes adotados e

    usados pelos homens. Na verdade, elas podem ser reduzidas, essencialmente, a

    duas: a gravao dados e texto, a fim de preservar a sua memria; e, a

    comunicao de dados e textos para que outros possam us-los agora e no futuro.

    Estes dois efeitos esto ligados entre si, uma vez que voc no se pode

    comunicar, atravs da escrita, aquilo que no tenha sido registado; e, claro,

    cada registro de evento pressupe a possibilidade de que outros venham tomar

    conhecimento daquilo que foi fixado no texto. (Por exemplo, a cidade de Roma)

    era (como ainda ) rea de escrituras, um lugar quase inteiramente escrito, onde a

    porcentagem de memria escrita nos corredores ocultos do poder muito menor

    que o que foi comunicado de fato ou o que era transmissvel; alm disso,

    concentra uma enorme exibio de escrita urbana (inscries, pinturas, grafites)

    espalhada pela cidade, que est disponvel para a livre leitura de cidados

    alfabetizados, muitos dos quais tambm tm acesso consulta de livros em

    bibliotecas pblicas (...) o exemplo de uma cultura em que a funo da escrita,

    predominantemente, era a de comunicao e divulgao de textos sociais: uma

    cultura em que a produo de papel teve como objetivo a oportunidade social da

    leitura. (PETRUCCI, 2002:57-58. traduo nossa)

  • 1. Escrita cortes

    L-se ao final do contrato: SeSta feira XXI de dagoSto anno do Senhor de myl

    quinhentos e SeiS anos e, no seu incio, Era contenda antre o Cabydoo de guimares e

    Joham fernandiz conigo deSSe collegio e abbade de Romfe Sobre demarcacom dos

    caSaes . scilicet . ho de villa JuSte que he do cabydoo . e do caSal daalem a elle conjunto

    que he de Romfe . Sitos em eSSa freiguesia (doc. 11 do mao 74 CSMOG/DP).

    O contrato foi redigido em uma variante da escrita cursiva gtica, cuja cursividade

    a fez resultar na processual (MARTNEZ, 1991:217-257). Entretanto possvel notar

    resqucios da escrita carolngia em muitos grafemas. Isto se confirma em Berwanger e Leal

    (2008:65-67), que definem a escrita gtica como uma variante da carolngia, a qual, tendo

    surgido na Frana, disseminou-se pela Europa influenciando as escritas nacionais, e tinha

    como caractersticas os arredondamentos e as formas regulares.

    Ainda segundo os dois autores, em Portugal, a escrita gtica caracterizava-se pelo

    traado rpido, pela tendncia unio das letras, que eram mais angulosas e por traos

    longos e finos envolvendo a letra. A cortes foi adotada, nas cortes portuguesas, no sculo

    XV e parte do XVI, com escrita cursiva arredondada, muito ligada e com traos finais se

    prolongando em forma curva. J a processual era usada em documentos judiciais e

    processos pblicos, com muitos enlaces e irregularidade na separao das palavras.

    No documento podem-se perceber trs formas do s: no final de palavra

    corresponde a um nico trao ascendente descrevendo uma volta em sentido horrio a

    partir do grafema anterior. Tambm h uma ocorrncia em que ele produzido com dois

    traos, sendo o primeiro semelhante quele utilizado na produo do c ou e, seguido de um

    pequeno z sobrescrito. No incio e no meio das palavras o s produzido com o mesmo

    movimento utilizado na escrita do f e do r. O f se diferencia de s pela presena de um trao

    horizontal ao meio, o r pela altura menor em relao pauta.

    O d, feito com um s trao, tem dupla pana direita, enquanto o b as tem

    direita. Surge j a letra v minscula, inexistente em latim (MEIRINHOS, 1995), porm esta

    s ocorre em inicio de palavras, uma vez que, em posio medial, mantm-se o uso do u.

    Para escrever o r maisculo o escriba adiciona cursividade ao modelo gtico primitivo, que

    antes era desenhado em trs traos, e assim perde seu desenho original lembrando um V

    arredondado cortado ao meio.

    O pronome relativo que abreviado sem que se tire a pena do papel, a partir do

    desenho da letra q, formando uma curva em sentido horrio da esquerda para a direita.

  • Enquanto a conjuno e feita como uma volta em sentido anti-horrio que desce abaixo

    da pauta, podendo ou no emendar-se ao grafema seguinte. A nasalidade marcada com til

    corresponde a uma curva com ductus inverso sobre a vogal que o antecede, caso contrrio

    ser marcada com m.

    O h mantm o movimento da escrita chancelaresca, com um trao que inicia como

    um b at a pauta ento descreve uma curva sinuosa em forma de S invertido. Em alguns

    casos o escriba no retira a pena do papel o que resulta em um nexo com o prximo

    grafema que se assemelha ao desenho do y ou ij.

    Sobre o fonema [i] suas representaes concorrem de maneira no uniforme,

    sendo possvel encontrar, ao mesmo tempo, i, y e ij. Ocorrem ainda hiatos voclicos em

    muitas ocasies, com ou sem nasalizao: oo, ee, aa, a e u. Tambm ocorrem

    consoantes dobradas bb, ll, ff e nn, sem modificao de nexo que prejudique a leitura.

    Quanto s abreviaes, estas ocorrem uniformemente ao longo do documento,

    demonstrando o hbito do escriba em manipul-las: as contraes de er/re, or/ro, ue/ua,

    con/com, aparecem mesmo dentro de palavras, mais de uma vez e tambm em conjunto, o

    que demanda maior ateno durante sua leitura. Tambm ocorrem abreviaes

    padronizadas de nomes prprios e expresses como Frrz (Fernandez), . S . (scilicet, isto ),

    tas

    (testemunhas), tam

    (tabeliam), Sr (Senhor), v

    ts (quinhentos), entre outros.

  • 3. Aspectos materiais

    O Contrato entre o cabido e o abade de Ronfe sobre o casal de Vila fuste (sic) da

    dita freguesia delimita as regras sobre uma partilha de terras, e seu direito de usufruto, e

    representa, de fato, um contrato no apenas porque assim foi classificado pelo Arquivo da

    Torre do Tombo, mas por apresentar todas as partes que o caracterizam como tal, segundo

    descreve Bellotto (2002):

    acordo pelo qual duas ou mais pessoas fsicas ou jurdicas estabelecem

    entre si algum(uns) direito(s) e/ou obrigao(es). Protocolo inicial: ementa,

    designao de data e local. Nomes e qualificao dos contratantes. Texto: objeto

    do contrato e todas as clusulas conveniadas. Protocolo final: frmula de praxe

    E pr estarem assim justos e contratados, assinam... Datas tpica e cronolgica.

    Assinaturas do contratante, do contratado e das testemunhas.

    Em consulta ao stio1 do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, pode-se verificar

    que o documento usa como base o pergaminho de papel. Isso no pode ser comprovado,

    pois no dispomos do documento seno por registros fotogrficos. Entretanto, graas

    nitidez das imagens, possvel verificar que o material utilizado para a redao do contrato

    permitiu que a tinta penetrasse o suficiente para que pudesse ser vista sua sombra no verso

    do documento.

    Quanto tinta, no h como definir sua composio, mas podemos inferir que seja

    aquela adequada ao uso da pena sobre papel, como aquelas produzidas a partir da goma

    arbica, o qual, dizem Berwanger e Leal (2008:85) seu uso desenvolveu-se apenas quando

    os europeus da Era dos Descobrimentos a redescobriram a partir do sculo XV e passaram

    a compr-la na costa ocidental da frica, tornando-se um dos primeiros produtos africanos

    comercializados na Europa.

    1 http://digitarq.arquivos.pt/DetailsForm.aspx?id=4668201

  • 4. Aspectos complementares

    Segundo consta no stio da Wikipdia2 3

    , Ronfe uma Vila e freguesia do

    concelho de Guimares (cidade portuguesa situada no Distrito de Braga, regio Norte e

    sub-regio do Ave) com 5,02 km de rea no qual residiam, em 2011, 4462 habitantes. Foi

    sede de concelho at 1834 e tinha, em 1801, 853 habitantes. Durante a Idade Mdia fazia

    parte da antiga provncia do Norte Atlntico portugus de Entre-Douro-e-Minho.

    J sobre a origem do documento, consta no stio4 do Arquivo Nacional da Torre

    do Tombo que, a Igreja Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimares pertenceu ao

    arcebispado de Braga.

    Em data ainda indeterminada, entre 1860 e 1864, vrios cdices do cartrio do

    Governo Civil do Porto foram recuperados e ordenados cronologicamente, constituindo

    maos com cerca de 40 documentos cada, aos quais foi dada uma numerao sequencial,

    entre os anos de 1938 e 1990. Em 2011, no mbito de um protocolo com a Cmara

    Municipal de Guimares, toda a documentao foi descrita em base de dados, seguindo um

    plano de tratamento arquivstico.

    Esses cdices contm, alm do documento analisado, todos os antigos estatutos da

    colegiada, documentos eclesisticos, documentos civis e legais.

    2 https://pt.wikipedia.org/wiki/Ronfe

    3 https://pt.wikipedia.org/wiki/Guimares

    4 op. cit.

  • REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Contrato entre o cabido e o abade de Ronfe sobre o casal de Vila fuste (sic) da dita

    freguesia. (1506) Colegiada de Santa Maria da Oliveira de Guimares,

    Documentos particulares, m. 74, n. 11. Disponvel em: <

    http://digitarq.arquivos.pt/DetailsForm.aspx?id=4668201>. Acesso em:

    18/09/2005.

    BELLOTTO, Helosa L. (2002) Como fazer anlise diplomtica e anlise tipolgica de

    documento de arquivo. So Paulo: Arquivo do Estado, Imprensa Oficial. v. 8

    BERWANGER, Ana Regina; LEAL, Joo E. F. (2008) Noes de Paleografia e de

    Diplomtica. Santa Maria: UFSM. 3. ed.

    MARTNEZ, Ramn C. (1991) Fondos documentales reales de la Edad Media en el

    Archivo Histrico Provincial de Albacete: consideraciones paleogrficas y

    diplomticas. Al-Basit: revista de estudios albacetenses. Albacete : Instituto de

    Estudios Albacetenses, Ao XVII, n. 28, p. 217-257

    MEIRINHOS, Jos F. (1995) A escrita nos cdices de Santa Cruz de Coimbra. Biblioteca

    Pblica Municipal da Cidade do Porto.

    Normas tcnicas para transcrio e edio de documentos manuscritos. (2015) Arquivo

    Nacional, Ministrio da Justia. Disponvel em: <

    http://www.arquivonacional.gov.br/Media/Transcreve.pdf>. Acesso em:

    18/09/2005.

    PETRUCCI, Armando. (2002) Prima lezione di paleografia. Roma: Laterza. pp. 57-58.

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Ronfe

    https://pt.wikipedia.org/wiki/Guimares