Post on 26-Nov-2018
Trabalho de pesquisa sobre os conflitos de Ruanda que em 1994 eclodiram no genocídio. Apresentado na disciplina Conflitos Sociais do Bacharelado em Ciências e Humanidades da Universidade Federal do ABC, como requisito parcial do Curso.Orientadora: Prof. Camila Nunes Dias
Os conflitos entre Hutus e Tutsis
Ana Andreotti - Juliana do Anjos - Rosangela de Paula
Os conflitos entre Hutus e Tutsis
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Ana Claudia Andreotti Juliana dos Anjos Rosa Rosangela F. de Paula
Introdução
Ruanda é um país localizado na África central sem saída para o mar e de
poucos atrativos, tem economia baseada na agricultura, setor que detém 90%
da força de trabalho.
Após inicialmente ter sido atribuído à Alemanha pelos tratados de divisão do
continente africano no final do século IXX, a República de Ruanda passou a ser
colonizada por belgas, fato esse que foi crucial para o processo de cristalização
dos conflitos entre dois grupos ditos étnicos que habitavam aquela região da
África, os Hutus e os Tutsis.
Desde então esses conflitos perpassaram décadas pontuados por
enfrentamentos, golpes políticos e massacres até que culminassem num
genocídio em que 800000 pessoas foram assassinadas, em sua maioria Tutsis,
mas também Hutus moderados.
A comunidade internacional ficou inerte perante a barbárie. A Onu manteve a
filosofia de priorizar a segurança em detrimento da manutenção de paz.
Atualmente Ruanda se reconstrói com objetivo de fomentar essencialmente o
desenvolvimento do país e de superar os problemas sociais e econômicos
através de políticas públicas de transferência de renda.
Formação Étnica
Os hutus e tutsis se estabeleceram por uma pequena região situada próximo ao
centro do continente africano que hoje é conhecida como Ruanda. Os hutus
foram os primeiros a chegarem, sua principal atividade econômica era a
agricultura. Já os tutsis chegaram pouco posteriormente, com seus grandes
rebanhos de vacas, e realizando parcerias que lhes proporcionava parcelas dos
terrenos hutus.
Nos séculos XII e XIV, os tutsis se organizaram formando um reino chamado
Nyiginya, o qual era concentrado na figura centralizadora do mwami, que
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mágico-religiosos e uma natureza considerada sagrada. No período dos séculos
XIV até século XIX, a expansão tutsi se caracterizou por ocupações violentas de
chefaturas tutsis e hutus e por ocupações pacificas através de negociações.
Devido à figura centralizadora do mwami, todos os rebanhos de vacas os
pertenciam. Deixando assim os senhores tutsis responsáveis pelos grandes
rebanhos, os quais vaziam acordos de vassalagem com os camponeses hutus,
que se ofereciam para cuidar e tratar das vacas, e em troca prestavam serviços e
faziam pagamentos aos senhores das vacas. Esse sistema contribui para uma
visão de superioridade dos tutsi em relação aos hutus, que se fundamentas em
três eixos: 1) econômica, pois dominariam economicamente os hutus devido à
sua riqueza em gado e à institucionalização da vassalagem; 2) na crença da
origem celestial dos tutsis, cujos fundadores teriam “caído do Céu”; 3) política,
pela dominância do reino tutsi, devido ao mwami. Apenas na elite tutsis se
praticava uma espécie de endogamia, como forma de conservar a pureza do
ideal tutsi e de sua superioridade.
Colonização versus Etnia
Em 1894 Ruanda foi colonizado pelos alemães, essa ocupação pouco afetou o
sistema político, social e econômico do país. Sua única interferência foi à criação
do Bezirk Ruanda-Urundi, que uniu em uma província administrativa dois países.
Com o término da Segunda Guerra mundial e derrota da Alemanha, o território
colonizado foi entregue a Grã-Bretanha que depois de negociações ficou sob os
cuidados da Bélgica. Foi à influência missionária Católica e a colonização Belga
que alteraram drasticamente o quadro econômico, social e político do país.
A Bélgica subdividiu o distrito de Ruanda-Urundi, em duas províncias, cada uma
com administração colonial, militar e civil própria, além de um vice-governador.
Em 1929 Ruanda passou por uma reforma administrativa que dividiu o país em
45 comunas, chefiadas majoritariamente por tutsis. Isso foi encarado como uma
espécie de “tutsificação”, pois espalhava por todo o território uma superioridade
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tutsi que lhes proporcionava benefícios administrativos e no âmbito
educacional.
A Igreja católica teve uma grande participação na tutsificação, pois além de
deter forte influência na administração Belga, criou a teoria da superioridade
racial tutsi que privilegiou fortemente este grupo. Porem, esse grande apoio da
Igreja Católica acabaria em 1950, devido às mudanças política e ideológica.
Em 1946, a ONU (Organização das Nações Unidas) atribuiu à Bélgica a tutela
dos territórios do Ruanda-Urundi. Atribuindo assim o dever a Bélgica de prestar
contas de sua administração, e pressionando-a a conduzir o país à
independência. Devido às exigências, em 1952, implantou-se um sistema
administrativo que criava um conjunto de conselhos consultivos regionais e
nacionais, e aumentava o poder do mwami, que possuía etnia tutsi, agravando
assim a dominação tutsi.
A implementação desse processo provocou uma forte reação na elite intelectual
hutu, que denunciou a tutsificação do novo regime, e a exclusão dos
desfavorecidos, no caso os hutus, dos processos de decisão político-
administrativos. Culminando assim na criação, em 1957, do “Manifesto dos
hutus”, que denunciava à histórica superiorização administrativa, social e
educacional dos tutsis sob os hutus, condicionada pela colonização Belga, e o
estado de estrangeirismo dos tutsis, pois segundo o Manifesto estes não são
originários de Ruanda. Além das denuncias o manifesto reivindicava a mudança
de poder em vista a independência de Ruanda. Os co-autores desse Manifesto
possuíam grande atuação na missão Católica, a qual passou a apoiar a luta hutu.
Após o Manifesto a divisão étnica Tutsi e Hutu passou a ser publica, e a elite
tutsi declarou abertamente sua aversão ao manifesto e sua historia de
superioridade. Este processo radicalizou a divisão entre tutsi e hutus,
fortalecendo a nova parceria entre a igreja Católica, a administração Belga e a
etnia hutu, e marginalizando a etnia Tutsi e a imagem do mwami, que vê como
única aliada a ONU, que pode lhes levar a independência.
Em 1959, com a morte do mwami Mutara III, nas vésperas da sua deslocação à
sede da ONU, para participar numa ronda de conferências sobre a
independência do Ruanda-Urundi, e com o poder tutsi elegendo um novo
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mwami Kigeri V, sem consultar a administração belga e a população local.
Culminou, em pouco tempo depois, no primeiro grande conflito, no qual as
milícias hutus iniciaram uma campanha de violência no norte do país contras os
tutsis, gerando uma recíproca resposta dos tutsis, nessa violenta ação e reação à
Bélgica teve que intervir com suas forças de segurança e do exército, quebrando
e modificando as chefias, acarretando assim, em 1959, em 25 mil refugiados
tutsis.
Em 1961, a administração belga outorga a autonomia política e administrativa
de Ruanda, criando um governo provisório com o dever de organizar as
eleições legislativas. A 28 de Janeiro de 1961, o governo provisório proclama a
independência e a criação da República de Ruanda. Devido ao golpe militar
hutu e a latente impotência da ONU, a Bélgica lança, no mesmo ano, um
referendo sobre a monarquia e as eleições legislativas, que com 70% dos fotos,
foi alcançada a vitoria pelo partido político PARMEHUTU (Parti du Mouvement
de l’Emancipation Hutu). A nova Assembleia Legislativa redige a Constituição
República de Ruanda, elegendo assim o primeiro presidente Grégoire
Kayibanda. Em 1 de Julho de 1662, foi oficialmente declarado e aceito pela
comunidade internacional a independência do país.
Deflagração dos Conflitos
Foi pela Conferência de Berlim em 1884, que Ruanda juntamente com Burundi
passou a pertencer à Alemanha. Com o falecimento do o mwami Rwabugiri
tiveram início violentas disputas pela sucessão.
Por essa ocasião líderes dos menores clãs se aliaram aos chefes alemães, que
concederam proteção e liberdade aos componentes da elite Tutsi.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações transferiu a
administração de Ruanda e do Burundi para a Bélgica, que investiu mais
intensamente na política de divisão étnica.
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Esses fatos consolidaram a estratégia utilizada desde o início da colonização
de Ruanda que consistia em fomentar os conflitos para estabelecer a
dominação.
Os Tutsis detinham a soberania sobre as terras e os hutus a eles eram
submetidos à partir de uma política de divisão étnica artificial.
“Chegaram a ser enviados cientistas para tirarem as medidas da
população, os quais alegaram que os tutsis teriam uma compleição física
naturalmente aristocrática.”( MENDONÇA, 2013)
Cartões com supostas identificação de etnia foram distribuídos a todos os
habitantes.
Após a Segunda Guerra Mundial as autoridades belgas passaram a se
submeter à supervisão da Organização das Nações Unidas.
Por todo o continente buscava-se combater o colonialismo, a essa época
disseminou-se o Manifesto Hutu cuja intenção era somente a inversão, Tutsis
eram invasores e Ruanda pertencia aos Hutus.
Em novembro de 1959 um ativista Hutu Dominique Mnonyumutwa, foi
espancado por militares tutsis e foi espalhado o boato de que ele havia
morrido, este fato iniciou uma revolta que se espalhou por todo o país, e teve
por conseqüência a inversão promovida por militares belgas substituindo o
poder Tutsi por Hutus.
Ruanda passou a ser uma republica com autonomia plena, em 1962 tendo
Kayibanda como presidente.
Em 1963 ocorreu uma invasão de tutsis vindos do Burundi, o governo
estabeleceu unidades de auto-defesa. Mas essa medida eclodiu em um intenso
massacre de tutsis. Em decorrência da perseguição, calcula-se que, em 1964,
em torno de 250 mil tutsis haviam saído do país. Naquela época os líderes
religiosos e de organizações humanitárias foram apontados como cúmplices do
massacre.
O presidente Kayibanda nomeou o chefe do exército, Juvenal Habyarimana
para organizar os Comitês de Defesa Pública fato esse que inicialmente derivou
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na fuga de 100 mil Tutsis – estatísticas apontam para 1 milhão de Tutsis vivendo
fora do país até a década de 70 a maior parte em Uganda.
Habyarimana pouco tempo depois tomou o poder, proclamou-se presidente e
fundou o Movimento Revolucionário Nacional pelo Desenvolvimento (MRND).
“o MRND apresentava traços de partido totalitário: a militância era imposta à
grande maioria da população e todos os chefes e quadros administrativos
tinham de ser membros do partido, que tinha células em todas as colinas. Em
cada célula eram distribuídos trabalhos comunitários (...) e realizavam-se
cerimônias de demonstração de lealdade ao partido (...). O MRND controlava
ainda os média (sic) e todas as associações civis" (PINTO 2011)
O governo Habyarimana recebia forte ajuda financeira e militar da Bélgica e da
França durante toda a década de 70 e inicio de 80, mas ao fim dos anos oitenta
sofria intensas investidas da oposição, uma dessas investidas, a criação de um
Jornal: “Kanguka”.
O fim da guerra fria denotaria mais um golpe para a administração de
Habyarimana, pois imediatamente após os países ocidentais – sobretudo a
França - passaram a condicionar o prosseguimento da ajuda à democratização
do país.
Sendo assim em junho de 1990 o presidente anunciou o estabelecimento de
um sistema multipartidário.
Em 1º de outubro de 1990, a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), movimento de
resistência integrado por exilados Tutsis em Uganda, invadiu o país, decretando
guerra ao regime de Habyarimana.
A esse momento os hutus da aldeia de Kibilira eram convocados pela radio de
que o trabalho a ser executado naquele mês seria combater os vizinhos tutsis -
matar os inyenza, baratas.
O jornal de inclinação Hutu, Kangura, divulgou uma nota agradecendo o
presidente da França na época por enviar um contingente militar para a ajudar
no combate à invasão da FPR.
“Jean-Christophe Mitterrand, filho do presidente, era, na ocasião,
comissário de assuntos africanos do Ministério do Exterior e grande
comerciante de armas. Assim, o envolvimento francês na guerra foi-se
acentuando cada vez mais: de um lado, motivado pelo fato de a França
procurar defender um território francófono, tendo em vista que a
maior parte dos rebeldes era originária de Uganda, uma área
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anglófona; de outro, pelo interesse em vender armas e em controlar a
economia do país.” ( MENDONÇA, 2013)
Em 1993 foi estabelecido o acordo de Arusha que tinha propósito de conciliar
o governo de Ruanda com a FPR. Tratava do direito de retorno ao exilados em
Uganda e da junção do exercito com a guerrilha formando uma só força de
defesa. Também estabelecia um governo para transição, misto.
Lideranças Hutus acusaram Habyarimana de traição pelo tratado.
Simultaneamente carregamentos de facões vindos da china em aviões
franceses eram distribuídos gratuitamente em Kigali.
Em 6 de abril de 1994, o avião em que estavam Habyarimana e Cyprien
Ntaryamira, presidente do Burundi, foi abatido e os líderes Hutus culparam a
FPR e a Unamir pelo ataque. Este fato foi estopim do genocídio em que 800.000
tutsis e hutus moderados foram mortos em um período de 100 dias.
Diante do agravamento da situação, em 11 de janeiro de 1994, Roméo
Alain Dallaire, general canadense comandante da UNAMIR, enviou um
telegrama ao Assessor Militar da Secretaria Geral da ONU, General
Maurice Baril, advertindo sobre a movimentação da Interahamwe e
do perigo de uma guerra civil.
Em resposta, a ONU avisou que não interviria, sugerindo a Dallaire
que partilhasse as informações com Habyarimana e com as
embaixadas da Bélgica, da França e dos Estados Unidos (EUA), o que
foi feito. Mas nenhuma providência foi tomada, apesar da contínua
mobilização da população para o genocídio. Segundo o relatório das
Nações Unidas sobre o genocídio, a análise da situação política em
Ruanda, elaborada tanto pela UNAMIR como pelos demais órgãos da
ONU, teria sido deficiente. ( ).
Os processos gacaca e suas implicações.
A análise das formas como foram julgados os crimes de guerra e os
responsáveis pelo genocídio em Ruanda pode ser de grande valia para a
compreensão dos desdobramentos do conflito entre os Tutsis e Hutus. Para
essa parte do trabalho baseamo-nos em um artigo da Universidade de Oxford
Retributive Justice: The gacaca cours in Rwanda, no qual os autores defendem
que o modo como foram julgados os crimes de genocídio nos tribunais
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populares denominados gacaca poderia perpetuar os desacordos entre esses
dois grupos, abrindo precedentes para novos conflitos no futuro. Também
buscamos na internet notícias sobre o fim do processo gacaca com a extinção
dos tribunais populares em 2012.
Segundo a interpretação abordada, os conflitos entre os Tutsis e Hutus se dão
em ciclos de vingança, perpetuando o desentendimento entre os dois grupos. O
modo como é possível entender os acontecimentos que culminaram no
genocídio de 1994 pode variar dependendo de qual perspectiva se adota. Em
um dos extremos localiza-se a interpretação segundo a qual o povo de Ruanda
vivia em relativa paz, apesar das diferenças étnicas e que os conflitos foram
desencadeados pela presença dos colonizadores europeus. No outro extremo, a
ideia de que o desacordo entre o Hutus e Tutsis já existia antes da colonização,
sendo os Hutus historicamente oprimidos e explorados pelos Tutsis, de forma
que o conflito só teria se agravado com a presença dos colonizadores.
Após o genocídio em 1994, a comunidade internacional instaurou International
Criminal Tribunal os Rwanda (ICTR), em Arustra, na Tanzania, para julgar os
crimes de guerra ocorridos em Ruanda. Milhares de dólares teriam sidos
investidos nesse tribunal, que se mostrou pouco eficiente. Julgando apenas
casos de oficiais e mandantes de crimes de guerra, quase 10 anos após o
genocídio, o ICTR havia realizado apenas 15 julgamentos (COREY & JOIREMAN,
2004). Noticias da data em que o processo gacaca foi encerrado, em 2012,
apontam que no total, foram apenas 54 casos julgados pelo ICTR. Os tribunais
nacionais de Ruanda, por sua vez, não tinham capacidade para lidar com todos
os casos, tanto os considerados crimes de guerra, quanto os crimes de
genocídio. Com grande parte dos juízes e advogados assassinados durantes os
conflitos, o judiciário ruandense havia julgado pouco mais de 5500 casos até
2004 (COREY & JOIREMAN, 2004).
Com prisões super lotadas de acusados que esperavam julgamento, e toda uma
população que esperava por justiça para poder continuar suas vidas, o Processo
Gacaca foi instaurado em 18 de junho de 2002, inspirado na tradição dos
tribunais populares que eram realizados no período pré-colonial em Ruanda,
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denominados gacaca (que pode ser traduzido como “justiça no gramado”).
Tradicionalmente os gacacas eram fóruns criados para decidir coletivamente
desentendimentos entre membros de uma comunidade. A participação era
voluntária e os casos eram decididos por um ancião que tinha liberdade para
aplicar as penas que considerasse adequadas. O Processo Gacaca, por sua vez,
tinha uma abrangência nacional e era extremamente regulamentado. Tratando
apenas os casos de genocídio cometidos durante a guerra civil, período
considerado entre outubro de 1990 a dezembro de 1994, os julgamentos
ocorriam ao ar livre e eram supervisionados por juízes informais, que recebiam
um treinamento prévio. Não eram permitidas penas de morte. Poucos casos
eram sentenciados a prisão perpétua (certa de 10%). Os casos mais graves eram
sentenciados à prisão com penas de no máximo 25 anos, os demais eram
encaminhados para campos de trabalho comunitário e passavam por um
processo de ressocialização.
As principais críticas externas ao Processo Gacaca eram relacionadas aos
aspectos legais da tradição jurídica ocidental, que considerava que os
julgamentos populares não eram devidamente imparciais e os juízes informais
não estavam capacitados para fazer a aplicação adequada das leis. Mas havia
ainda outra questão, referente à própria natureza dos conflitos entre os Tutsis e
os Hutus. Como citado anteriormente, acredita-se que o modo como os dois
grupos interpretam os acontecimentos pós-coloniais é determinante na
perpetuação dos ciclos de violência de um contra o outro, motivados sempre
pelo sentimento de impunidade e o desejo por vingança. Como os tribunais
gacaca julgavam apenas os crimes de genocídio cometidos entre 1990-1994,
isso fazia com que apenas os Hutus fossem acusados. Os Tutsis não eram
julgados nesse tribunais populares. Isso, somado às falhas do gacaca do ponto
de vista legal, poderia desencadear novos conflitos no futuro.
De acordo com artigos de jornais e revistas eletrônicas de julho de 2012 (data
em que o Processo Gacaca foi encerrado, dez anos após sua criação), certa de 2
milhões de pessoas passaram pelos tribunais populares, e 65% delas foram
sentenciadas de alguma forma. Outras 10 000 morreram aguardando
julgamento, o que nos leva a pensar que, apesar das críticas de uma
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comunidade internacional que se manteve omissa tanto antes quanto depois do
genocídio, sem o Processo Gacaca talvez a população de Ruanda se encontraria
hoje em condições muito piores.
Conclusão
Devido a manipulação que sofreu desde sua colonização Ruanda é um país
desestruturado e pautado por violentos conflitos sociais.
A estratégia de colonização adotada pela Bélgica consistiu em ressaltar
diferenças e persuadir grupos criando separações étnicas artificiais e assim
submetendo uma etnia à outra.
Durante o genocídio a ação da ONU foi bastante questionável e a conclusão a
que se pode chegar e segundo o relatório da própria ONU, é que o escasso
interesse estratégico por parte da comunidade internacional e primordialmente
dos países membros causou tamanha inércia. Além da priorização da segurança
perante a manutenção da paz.
Em termos de reconstrução o atual governo ruandês estabelece políticas que
visam promover o desenvolvimento do país e o crescimento econômico.
Para tal o principal programa de políticas públicas para o desenvolvimento é
“Visão 2020”, cuja principal estratégia é a eliminação da pobreza e a
modificação de Ruanda para um país de renda média.
O princípio primordial para recuperação desta nação é a justiça e o fim do
divisionismo.
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Ana Claudia Andreotti Juliana dos Anjos Rosa Rosangela F. de Paula
Referências:
GOUREVITCH, Philip. 2000 Gostaríamos de Informá-lo de que amanhã seremos
mortos com nossas famílias: Histórias de Ruanda. São Paulo: Cia das Letras .
MENDONÇA, Marina Gusmão de 2013. O genocídio em Ruanda e a inércia da
comunidade internacional - Brazilian Journal IR, Marília, v.2, n.2, p.300-328
Maio/Ago. 2013
PINTO, Teresa Nogueira. 2011 Ruanda: entre a segurança e a liberdade.
Relações Internacionais. Lisboa, nº 32, dez (PINTO, Teresa Nogueira. 2011
Ruanda: entre a segurança e a liberdade. Relações Internacionais. Lisboa, nº 32,
dez (disponível em: http://www.scielo.oces.mctes.pt/scielo.php?pid=S1645-
91992011000400004&script=sci_arttext)
Imagem: Sketch for paintings of the genocide in Rwanda - Guzy, Julius
http://juliuspaintings.co.uk/cgi-bin/paint_css/rwanda/rwandaSketch.pl
COREY, Allison; JOIREMAN, Sandra F. “Retributive Justice: The gacaca cours in Rwanda” , African Affairs (2004).
“Rwanda 'gacaca' genocide courts finish work” http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-18490348
“Rwanda ends Gacaca genocide tribunals”, http://www.dw.de/rwanda-ends-gacaca-genocide-tribunals/a-16033827
FLORENCIO, Fernando. Uma História de Violência sob as Brumas des Virunga: Morte e poder no Ruanda. Cadernos de Estudos Africanos, Lisboa, n. 21, jan. 2011 . Disponível em <http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-37942011000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em 16 out. 2013.
http://www.un.org/ <http://daccess-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/N99/395/47/IMG/N9939547.pdf?OpenElement> Acesso em 10 out. 2013
REPUBLIC OF RWANDA MINISTRY OF FINANCE AND ECONOMIC PLANNING ”RWANDA VISION 2020” http://www.gesci.org/assets/files/Rwanda_Vision_2020.pdf Acesso em 12 out. 2013