Post on 15-Oct-2021
UNIVERSIDADE ANHANGUERA-UNIDERP
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEIO AMBIENTE
E DESENVOLVIMENTO REGIONAL
MARCO AURÉLIO PERRONI PIRES
O SHOPPING CHINA NO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO DE
PONTA PORÃ/BR E PEDRO JUAN CABALLERO/PY
CAMPO GRANDE – MS
2017
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Marco Aurélio Perroni Pires
O Shopping China no desenvolvimento socioeconômico de Ponta
Porã/BR e Pedro Juan Caballero/PY
Tese apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional da
Universidade Anhanguera-UNIDERP,
como parte dos requisitos para a obtenção
do título de Doutor em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Regional.
Orientador:
Prof. Dr. Sandino Hoff
CAMPO GRANDE – MS
2017
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Dedico
À minha mulher Madalena e a minhas filhas Natália e
Maiara: muitas vezes privadas de minha presença, mas
nunca de meu amor. Minha maravilhosa família, vocês são
o alento para continuar seguindo em frente.
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AGRADECIMENTOS
Ao Supremo Deus e a Meishu-Sama por iluminar nossos caminhos,
muitas vezes por nós incompreendidos, mas que conduzem à luz, ao amor e à
felicidade; À Universidade Anhanguera-Uniderp, pela oportunidade e pelo
suporte concedido na realização desta Tese; Ao Prof. Dr. Sandino Hoff, um
exemplo de competência e comprometimento com a pesquisa. Meus
agradecimentos pela orientação, compreensão, confiança e contribuição para
evolução do meu conhecimento científico e humano e, também, pela paciência;
ao Prof. Dr. Gilberto Luiz Alves pela presença marcante e orientações e
sugestões que foram fundamentais para a solidificação dos trabalhos. Aos
professores do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente e
Desenvolvimento regional: Prof. Dr. Celso Correia de Souza, Prof. Dr. Cleber
José Rodrigues Alho, Prof. Dr. José Sabino, Prof. Dr. Ademir Kleber de Oliveira
Morbeck, Profa. Dra. Rosemary Mathias, Profa. Dra. Lídia Maria Lopes
Rodrigues Ribas, Prof. Dr. Mauro Henrique Soares da Silva, Profa. Dra.
Mercedes Abid Mercante, Profa. Dra. Neiva Maria Robaldo Guedes, Prof. Dr.
Silvio Favero, Profa. Dra. Vânia Lúcia Brandão Nunes, Profa. Dra. Vera Lúcia
Ramos Bononi, pela amizade, ensinamentos e pelo exemplo de dedicação à
ciência, com sabedoria e humildade. O compartilhamento de seus
conhecimentos, sugestões e ideias foram mais do que decisivos para o sucesso
desse trabalho; e ao Prof. Dr. Francisco de Assis Rolim Pereira enfim a todos
por aceitarem gentilmente o convite de integrar essa banca e pelas valiosas
sugestões; Ao Prof. Dr. Reginaldo Brito da Costa, meu grande incentivador e
minha inspiração. Grato pela confiança e por acreditar em mim. Ao meu genro
Renato pelo carinho e por compartilhar minhas preocupações, maluquices,
conquistas e alegrias. À minha mãe Zelinda, meu pai Manoel, pela minha
existência, e meus Amigos Cristiano e Ramona: grato pelos jantares, pelo
acesso à internet e por todo carinho dispensado. Desculpem-me qualquer
incômodo. Minha irmã Elaine. Agradeço a todos pela compreensão e apoio, e
por torcer pelos resultados, e, acima de tudo, pela tolerância. E também, pelas
vezes em que não agradeci. Muito obrigado... Ao amigo Estevão, à Profa. Roseli
Aurea pela ajuda incondicional. À Aline, Bartira, Maria José e Karen grato pela
amizade ofertada, o carinho dispensado e pelo sorriso nas horas certas. Aos
amigos Ana Maia e José Carlos pela ajuda e apoio incondicional oferecido, pela
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grande contribuição na investigação do trabalho. Minha gratidão às colegas
Marta, Giselda, Lilian que muito colaboraram para este trabalho e o Pina meu
irmão de fé que foi muito importante nessa trajetória, vocês proporcionaram
momentos incríveis na nossa vida acadêmica. Levo-os no meu coração. À
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela
concessão da bolsa de estudos.
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“Se o homem deseja crescente prosperidade, deve somar
esforços para aprofundar sua inteligência”.
Meishu-Sama
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SUMÁRIO
1. Resumo Geral ...................................................................................... 9
2. General Summary .............................................................................. 10
3. Introdução Geral ................................................................................ 11
4. Revisão de Literatura ......................................................................... 17
4.1. Capital Financeiro, monopólio e cartéis .......................................... 20
4.2. Os primeiros anos do comércio em Pedro Juan e em Ponta Porã .... 27
5. Referências Bibliográficas ................................................................. 30
6. Artigos ................................................................................................. 33
Artigo I ..................................................................................................... 33
Casa China: a comercialização de produtos artesanais e manufaturados
a circulação de mercadorias produzidas pela indústria moderna - 1933
a 1990 ..................................................................................................... 33
Resumo ................................................................................................... 33
Abstract ................................................................................................... 33
Introdução ............................................................................................... 34
Material e Métodos .................................................................................. 35
Resultados e Discussão ......................................................................... 37
Conclusão ............................................................................................... 58
Referências Bibliográficas ..................................................................... 59
Artigo II ................................................................................................... 63
A expansão do Shopping China e o desenvolvimento sustentável na
região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, Mato Grosso do Sul,
1990-2015 63
Resumo ................................................................................................. 63
Abstract ................................................................................................... 63
Introdução ............................................................................................. 64
Material e Métodos .................................................................................. 65
Resultados e Discussão ......................................................................... 66
Conclusão ............................................................................................... 81
Referências Bibliográficas ................................................................... 82
7. Conclusão Geral .............................................................................. 84
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1. Resumo Geral
O Shopping China localiza-se em Pedro Juan Caballero/PY, fronteira seca
com Ponta Porã/BR, uma empresa familiar de capital próprio que se transformou
em oligopólio de capital aberto. Localiza-se à sudoeste do estado de Mato
Grosso do Sul e é relevante no contexto socioeconômico dos municípios de
ambos os países. Este estudo objetivou analisar as atividades comerciais do
Shopping China no desenvolvimento socioeconômico de Ponta Porã e Pedro
Juan Caballero, entre 1933 e 2015. Os objetivos específicos foram: examinar a
transformação do comércio de produtos artesanais e manufaturados para a
comercialização de mercadorias modernas, provenientes de países
estrangeiros, entre 1933 e 1990; e analisar a expansão do Shopping China e
seus impactos na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã entre 1933 e
2015. Enquadra-se na linha de pesquisa Sociedade, Ambiente e
Desenvolvimento Regional Sustentável. As fontes primárias, utilizadas na
pesquisa, foram observações, entrevistas semiestruturadas e depoimentos com
diretores e colaboradores; bem como fotografias e documentos fornecidos pela
empresa e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan
Caballero/PY. As fontes secundárias foram coletadas em revistas, livros, artigos
e sites do Shopping China. A origem se deu junto com outras duas casas
comerciais até 1940, quando acontece a instalação da Aduana em Pedro Juan
Caballero e se inicia uma nova fase comercial.
Palavras-chave: Capital financeiro, desenvolvimento, casa comercial.
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2. General Summary
Shopping China is located in Pedro Juan Caballero/PY at a land border
with Ponta Porã/BR. It was a family owned business that became a publically
traded oligopoly. It is located in the southwest of Mato Grosso do Sul State and
is relevant for the socioeconomic context of municipalities from both countries.
This study aimed at analyzing Shopping China’s commercial activities within the
socioeconomic development of Ponta Porã and Pedro Juan Caballero between
1933 and 2015. Specific goals were to examine transformation from handmade
and manufactured products commerce to commercialization of modern goods
originating from foreign countries between 1933 and 1990, and to analyze
Shopping China’s expansion and its impacts in the regions of Pedro Juan
Caballero and Ponta Porã from 1933 to 2015. It is part of the Society,
Environment and Sustainable Regional Development research line. Primary
sources used in the research ranged from observations to semi-structured
interviews, statements from directors and collaborators, as well as photographs
and documents provided by the company and by the Culture Department of the
Intendance of Pedro Juan Caballero/PY. Secondary sources were collected from
magazines, books, articles and Shopping China websites. The origin of the
business occurred along with two other trading houses until 1940, when the
installation of the Customs of Pedro Juan Caballero took place and a new
commercial phase began.
Keywords: Financial capital, development, trading house.
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3. Introdução Geral
O distrito paraguaio de Laguna Punta Porá surgiu em 1899. Dois anos
depois, recebeu a denominação Pedro Juan Caballero, oficializado como junta
econômica e administrativa em 19051. Localiza-se na latitude 22º 32’ 49”,
longitude 55º 43’ 59”, altitude 658 m, e possui área de 4.733 km².
A economia de Pedro Juan Caballero, no final do século XIX, girava em
torno da extração da erva-mate, da pecuária e do comércio de produtos
transportados do interior paraguaio e do porto de Concepción/PY. O porto,
segundo FREIRE (1999, p. 119): “tinha suas portas abertas para o comércio de
todo o mundo, inclusive europeu, e as imensas campinas brasileiras eram
formadas por fazendas e de vilas e de cidades; portanto, de consumidores". O
distrito era um dos pontos de descarga de mercadorias e o local da fronteira
explorado por carreteiros comerciais paraguaios e brasileiros.
O município de Ponta Porã, BR, desenvolveu-se, praticamente, à mesma
época que o vizinho paraguaio. Localiza-se na latitude 22º 32' 11" S, longitude
55º 43' 36" W, altitude 655 m e possui uma área de 5.329 km. O desenvolvimento
histórico da região tinha na produção pecuária e extração da erva-mate as
principais fontes de renda da população fronteiriça por um longo período. Em
1912, o Decreto de criação do município nº 617 foi assinado pelo Presidente2 do
Estado de Mato Grosso Joaquim Augusto Costa Marques.
Em 1930, a família Cogorno, vinda do Uruguai, transferiu-se para a região,
dando início aos seus negócios em 1933 com a instalação de três casas
comerciais nos dois municípios: Casa Nippon e Casa China em Pedro Juan
Caballero e Casa Rosa no lado brasileiro.
A Casa China, configurando-se como empresa familiar, expandiu-se, ao
longo de 83 anos de existência, de pequena casa comercial em oligopólio de
capital aberto, mantendo relações socioeconômicas em toda a região da
fronteira. Atualmente, mantém filiais em Ciudad del Este, Foz do Iguaçu e em
Salto del Guayrá.
O tema deste estudo é o desenvolvimento das três casas comerciais
(1933 a 1990) da família Cogorno e o desempenho dos negócios realizados ante
1 Informações colhidas no Departamento de Cultura da Municipalidad de Pedro Juan Caballero/PY 2 Na época Governador de Estado era intitulado Presidente
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as mudanças estruturais ocasionadas pela ampliação do estabelecimento
comercial em Shopping China, a partir de 1990.
Antes, porém, assinala-se que a comunidade acadêmica ainda não
desenvolveu estudos relativos ao contexto social, econômico e ambiental do
Shopping China. A carência de estudos mais acurados sobre o seu papel e
importância no cenário regional e nacional faz deste estudo inédito. Pontua-se a
escassez de material existente no banco de dados de teses da Capes sobre a
referida empresa, não tendo sido encontrado nenhum trabalho científico no
banco de dados.
A justificativa de estudar a casa comercial paraguaia não se ateve apenas
ao fato de Ponta Porã situar-se a poucos metros do Shopping China e, como tal,
abrigar milhares de turistas compradores e consumidores, mas também porque,
apesar das peculiaridades existentes em cada um dos dois municípios, o
desenvolvimento histórico e econômico de ambos sempre foi comum, ou seja,
tendo como base a pecuária, a madeira e a erva-mate. A erva-mate foi coletada
nos dois lados, desde o final do século XIX e transportada da rua paraguaia para
a brasileira e vice-versa. Para CORRÊA (2014, p. 50):
"A fronteira sul de Mato Grosso foi sendo ocupada de
maneira desordenada, tendo ainda como referência o
contexto da guerra com o Paraguai. Em primeiro lugar, essa
ocupação foi fortemente atraída pela existência dos ervais
nativos".
O povoamento da fronteira deve-se, também, aos gaúchos que se
localizaram no sul do estado, fugidos das perseguições advindas da Revolução
Federalista e que se estabeleceram nas terras da Companhia Matte Larangeira,
a partir de 1893. De acordo com CORRÊA (2014, p. 52):
“Assim, em 1890 já estavam radicados na fronteira sul de
Mato Grosso os primeiros gaúchos que serviram de
referência e de retaguarda a outros migrantes. A grande
corrente migratória para essa região de fronteira foi
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provocada, porém, pela Revolução Federalista ocorrida em
terras gaúchas (1893-1895)".
Em 1902, os gaúchos exigiram a posse das terras e se uniram
politicamente aos comerciantes, grupo dominante que governava o estado de
Mato Grosso, com a finalidade de diminuir o poder econômico e hegemônico da
Matte Larangeira, por conta dos benefícios que ela usufruía. Segundo
CENTENO (2007, p. 29): "os migrantes gaúchos travaram uma incessante luta
para ocupar as terras cedidas por arrendamento, à Companhia Matte
Larangeira".
A extração da erva-mate em 1883, principal atividade econômica do sul
de Mato Grosso, foi um empreendimento financiado pelo Banco Rio e Mato
Grosso, especialmente criado para sustentar as atividades da empresa. A
Companhia liquidou suas atividades em 1902. Em seu lugar, foi criada a empresa
Larangeira, Mendes e Cia, que atuou na região de Porto Murtinho e,
posteriormente, em Caarapó, durante quatro décadas.
A concessão imperial dada à Cia Matte Larangeira causou discórdia e
conflitos armados na fronteira, motivados pela disputa de poder e de influência
política e econômica na região sul do Estado. Confrontaram-se os comerciantes,
hegemônicos no governo estadual, com os proprietários do capital financeiro da
Companhia que monopolizava a comercialização e o capital econômico. ALVES
(2005, p. 44) descreveu o monopólio da erva-mate:
"A produção e a comercialização dessa mercadoria foram
praticamente monopolizadas pela empresa Larangeira,
Mendes e Cia., situação que lhe permitiu transformar-se no
mais poderoso grupo econômico regional, cuja receita
chegou a corresponder ao quíntuplo da arrecadação
estadual, e na maior credora da dívida do governo mato-
grossense no final da década de vinte".
Conforme CORRÊA (2014, p. 51): "Em 1882, pelo Decreto Imperial n.
8.799, Larangeira obteve o privilégio da exploração por dez anos dos ervais,
iniciando oficialmente suas atividades, na área, no ano seguinte". Foi assinado
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com o governo do estado novo contrato de arrendamento, nos mesmos moldes
do anterior, que vigoraria até 1916. À época da criação da Matte Larangeira,
existiam empresas oligopolistas no Paraguai que compravam erva-mate no lado
brasileiro. O proprietário da Matte Larangeira tinha escritório em Concepción,
Paraguai; posteriormente, o transferiu para o Brasil.
O meio de transporte utilizado para levar a erva-mate para Concepción e
trazer as mercadorias compradas no porto era através das caravanas de carretas
de boi. Nas palavras de OLIVEIRA (2011, p. 6):
“O eixo Ponta Porã-Pedro Juan Caballero-Concepción
continuou em operação, com o transporte de erva-mate
situando-se entre as atividades mais importantes da região
nas décadas de 1920 e 1930. As carretas puxadas por bois
eram o meio de transporte dominante”.
Em relação à pecuária em Pedro Juan Caballero, desde o início da
municipalidade, o gado era levado por comitivas até o porto de Concepción onde
era comercializado e embarcado. A partir de 1942, o Banco Nacional de Fomento
instalou-se em Pedro Juan Caballero, financiando a criação de gado da região.
Ao chegar à região de fronteira, em 1930, Felipe Cogorno começou a
trabalhar e prosperou o que lhe possibilitou abrir duas casas comerciais do lado
paraguaio, investindo o capital ganho em uma casa comercial do lado brasileiro.
O precursor da família comprava, pagando de forma direta aos fornecedores, as
mercadorias produzidas no Paraguai e as revendia na fronteira, sem os serviços
de bancos, inexistentes em Pedro Juan Caballero/PY. A maior dificuldade para
o comerciante eram as grandes distâncias e as estradas em péssimas condições
entre a fronteira e os entrepostos de distribuição. Concepción distava 210 km de
Pedro Juan Caballero. A rota de Pedro Juan a Concepción estava aberta desde
o século XVII como trilha de indígenas e como rota paraguaia a Santiago de
Xerez e a Villa Real.
As mercadorias, comercializadas pela Casa China, após 1940,
representavam a expressão do universal, resultados da produção das indústrias
internacionais, aliadas ao capital financeiro. Explicita-se que a categoria
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universal é a expressão do comércio mundial e o comércio da Casa China é
analisada, como um singular que expressa a sociedade capitalista da produção.
Os dados foram coletados por meio de observações, depoimentos e
relatos com diretores e proprietários do Shopping China; bem como foram
analisadas fotografias e documentos fornecidos pelo Departamento de Cultura
da Intendência de Pedro Juan Caballero. Também foram coletados dados em
jornais, revistas, livros, artigos, sites do Shopping China, jornais eletrônicos e
outros que versavam sobre a empresa.
O estudo sobre a participação do Shopping China no desenvolvimento e
na transformação do contexto socioeconômico dos municípios de Porã/BR e
Pedro Juan Caballero/PY tem como papel de fundo o desenvolvimento da casa
comercial, em 1933, em especial a Casa China, na fronteira e seu
desenvolvimento, apresentando as fases primitivas do comércio na fronteira e as
dificuldades de regiões remotas de dois países latinos e suas peculiaridades e
obstáculos geográficos a serem vencidos.
Neste estudo, busca-se mostrar a força e a perseverante vontade de
vencer, de quem não desiste e, também, descrever os sucessos alcançados com
o progresso e o trabalho do comerciante que vence as barreiras do tempo, assim
como a evolução do mercado. Pretende-se ainda demonstrar a trajetória de
superação dos proprietários da pequena casa comercial iniciada em 1933 que,
nos anos 1990, decidem inovar em todos os aspectos comerciais, no marketing,
na agressividade, nos produtos importados de alta qualidade, no atendimento
diferenciado, no sistema de vendas diferenciado e na ousadia de se transformar
em um grande oligopólio comercial.
O desenvolvimento das casas comerciais na fronteira acompanhou a
evolução do mercado e suas transformações no processo produtivo. A
industrialização da mercadoria nos grandes centros e sua comercialização
através das casas comerciais criou um novo mercado, um novo comerciante e
um novo cliente que se torna mais exigente e seleto quanto àquilo que deseja
adquirir.
O mundo mudou, o mercado mudou e o cliente também se tornou
diferente. A sobrevivência no mercado depende da conexão entre o mercado e
o consumidor, em que o comerciante deve entender as necessidades do cliente
e dessa forma o mercado evoluiu e se desenvolveu.
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O objetivo geral deste estudo foi analisar o comércio efetivado pelo
Shopping China e o desenvolvimento do comércio de Ponta Porã e Pedro Juan
Caballero entre 1933 e 2015. Os objetivos específicos analisar a transformação
do comércio de produtos manufaturados para um comércio de produtos
industrializados, entre 1933 a 1990; Identificar a expansão do Shopping China e
seus impactos na região de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã entre 1990 e
2015.
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4. Revisão de Literatura
O capitalista tem necessidade de progredir e para conseguir seu intento
precisa adquirir riquezas que é a mola mestra que impulsiona a acumulação de
dinheiro através da transmutação de suas mercadorias que são comercializadas.
Dessa forma, o capitalista procura, de todas as formas, transformar as suas
mercadorias em dinheiro.
É preciso elucidar as leis que regem o modo capitalista de produção,
desveladas pelos escritos de MARX (2013, p. 53), especialmente quando
assinala que: “para o ciclo do capital obter êxito, o capital-dinheiro deve
empregar os meios de produção e a força de trabalho”. A esse respeito, AUED
(1981, p. 22): acrescenta que se impõe “ao capital individual comportamento
constante de apropriar-se da maior parte do valor excedente, gerado na
sociedade”.
As leis econômicas modificaram-se ao final do século XIX no velho
continente que as socializou mundo afora, porque foi necessário que o capital
obtivesse o controle do mercado em escala internacional. Nessa direção, ALVES
(2005, p. 70) lembra que:
“No plano substantivo do universal, a passagem do século
XIX para o século XX testemunhou a ‘viragem do velho
capitalismo para a dominação do capital financeiro’. Em
outros termos, a livre concorrência, que na sua realização
levou a uma progressiva concentração do capital, foi ela
própria superada, numa determinada etapa da evolução
histórica desse processo de concentração, ao ser gerado o
monopólio. Dessa forma, o capitalismo atingiu sua fase
‘superior’, o imperialismo”.
A passagem da nova fase do capitalismo foi a transformação da livre
concorrência em monopólio e o domínio do capital financeiro substituiu o domínio
do capital, em geral (LÊNIN, 1979); ainda segundo LÊNIN (1979, p. 25): “A
concorrência transforma-se em monopólio. Daí resulta um imenso progresso na
socialização da produção. E, particularmente, no domínio dos aperfeiçoamentos
e inovações técnicas”. Sobre esse tema ALVES (2005, p. 51) discorre:
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“Em âmbito mundial, da livre concorrência para a sua fase
superior, o imperialismo. Com essa concentração, mais os
efeitos dos novos recursos tecnológicos aplicados à
produção (fábrica moderna), aos transportes (navio a vapor,
em substituição à vela e ferrovia) e às comunicações
(telégrafo), os oligopólios em formação passavam a dispor
de recursos sofisticados para exercer o controle do mercado
em escala mundial”.
ALVES (2005, p. 71) afirma ainda que, ao final da Guerra do Paraguai
(1870):
“Em Mato Grosso o capital financeiro manifestou-se por
duas vertentes. A primeira delas utilizou como canal a
própria casa comercial, quando esta se erigiu em
representante de bancos nacionais e estrangeiros. Do
crédito à produção comercial retirou a maior força de seu
domínio econômico e político no Estado, nessa fase. A sua
ação implacável, porém, refletida especialmente em
elevadas taxas de juros sobre empréstimos e
financiamentos, gerou nos capitalistas mato-grossenses
ligados à produção, o anseio pela presença de bancos na
região”.
A casa comercial exercia um controle nas empresas de produção e
transporte, que os financiava a juros exorbitantes, e por clamor da população o
capital financeiro começa a se instalar no estado de Mato Grosso nos anos de
1910 e 1920, quando, segundo ALVES (2005, p. 74):
“As primeiras agências bancárias se instalaram em Mato
Grosso”. [...] “A segunda vertente pela qual o capital
financeiro se manifestou na região corporificou-se em
empresas de produção e de transporte, a ele diretamente
19
ligadas, instaladas entre fins do século XIX e início do século
XX”.
As casas comerciais eram responsáveis pelo controle da navegação e das
mercadorias comercializadas na região, daí o monopólio da navegação durante
o primeiro período do pós-guerra, até a chegada das empresas e dos bancos
estrangeiros que passaram a financiar e controlar esse negócio.
A base teórica que explica a viragem do capital, em geral, para o domínio
do capital financeiro, descrita para Mato Grosso, no final do século XIX e começo
do século XX, também é válida para o que estava acontecendo em terras
paraguaias, em proporções menores, em 1930, especificamente, em
Concepción, em cujo porto se concentrava a comercialização de produtos
industrializados, vindos da Europa pelo rio Paraguai, como foi em Corumbá,
lócus da análise de ALVES (2005).
Em Concepción se localizava a comercialização dos produtos importados
e também daqueles que seriam exportados. Ali, também, estava instalada a
Industrial Paraguaia de propriedade de “Pacífico de Vargas presidente da
empresa paraguaia em 1890” (LAINO, 1976). Esta e outras empresas
monopólicas tomaram o lugar dos ervateiros da província de Concepción e de
Pedro Juan Caballero que perderam a concessão temporária, cedida pelo
governo, para a exploração e o comércio da erva-mate, para essas companhias,
que passaram a dominar esse mercado. Para ROIG (1984, p. 64):
“Las patentes para explotación de yerbales eram concedidas
por seis meses. Em los Archivos de Concepción
(documentos Comunales) tenemos dados de concessiones
a partir de 1877”.
Essa situação aconteceu em território brasileiro, e paraguaio,
constatando-se a substituição da livre concorrência pelos monopólios que
passaram a dominar o mercado.
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4.1. Capital financeiro, monopólio e cartéis.
LÊNIN (2011) afirma que o capital financeiro é originado a partir da fusão
do capital bancário com o capital industrial. AUED (1981, p. 22), por seu turno,
assim descreve o caminho:
“Este movimento leva que o capitalista passe a transformar
valor-excedente em capitais constantes, via novas máquinas
e tecnologias mais modernas. Assim, para obter maior
produtividade, aumentará relativamente seu capital
constante e consequentemente reduzirá a parte de capital
variável que corresponde à parte da força-de-trabalho, do
trabalho vivo. Do trabalho que cria valor”.
AUED (1981) assevera que o valor excedente do capital social se
transforma em capital constante através da transmutação em maquinário,
equipamentos e tecnologia, reduzindo o valor do capital variável e aumentando
o lucro, situação que contribui para a efetivação do ciclo do capital. No
desenvolvimento do capitalismo, concentram-se as empresas e os capitais para
ultrapassar as barreiras da livre concorrência; daí a formação de cartéis e
monopólios.
Com o fim dos conflitos da Guerra da Tríplice Aliança, os capitalistas
paraguaios formaram um cartel, para comprar a erva-mate em território
brasileiro, comercializaram-na no mercado interno e também a exportaram para
a Argentina. Nesse momento, exerciam a monopolização do comércio, segundo
CENTENO (2008, p. 192): “a Industrial Paraguaia foi criada em 1886, tendo
como principais fundadores influentes Figuras ligadas ao poder no Paraguai” e,
principalmente, a Matte Larangeira que esteve mais ligada a Pedro Juan
Caballero na aquisição da matéria prima para adquiri-la e revendê-la junto ao
mercado argentino.
No lado brasileiro, a exploração da erva-mate na região de fronteira foi
tumultuada e causou muitos conflitos entre a Matte Larangeira, os comerciantes,
que buscavam espaço político e os gaúchos, que reivindicavam a posse da terra,
apesar das concessões do governo brasileiro para a sua exploração oficial. O
contrabando da erva-mate para empresas paraguaias continuava favorecendo
21
os oligopólios paraguaios. Nessa perspectiva, CENTENO (2008, p. 196)
esclarece que:
“A exploração ilegal foi realizada, também, por indivíduos
que já exploravam erva-mate no Paraguai, como Pacífico de
Vargas, empresário ligado à Industrial Paraguaia. Esse
cidadão explorava erva-mate em Mato Grosso sem a
anuência do ministro da agricultura”.
Conforme CENTENO (2008, p. 197): Pacífico de Vargas, porém, nunca
conseguiu a permissão para a exploração legal da erva-mate, e nem por isso
deixou de comercializá-la no Paraguai, ele tinha fortes ligações com a Industrial
Paraguaia sendo presidente da empresa em 1890. Com o fim do conflito com o
Paraguai e o livre trânsito pelo rio, o mercado expande-se e ocorre a
modernização da produção da erva-mate e de seu comércio.
Um exemplo da produção financiada pelo capital financeiro foi Thomaz
Larangeira, concessionário da região ervateira. CORRÊA (2014, p. 51) esclarece
que: "desde 1882, pelo decreto Imperial n. 8799, Larangeira obteve o privilégio
da exploração por dez anos dos ervais, iniciando oficialmente suas atividades no
ano seguinte". Já, segundo AYALA e SIMON (2011, p. 254):
“Para a facilidade de trânsito e condução de cargas existe,
propriedade da Empresa Matte Larangeira, uma linha férrea
de 22 km, cujo ponto terminal é São Roque, onde existem
casas comerciais de importância (na maioria, filiais das de
Porto Murtinho), destinadas a abastecer os municípios de
Bela Vista e Ponta Porã”.
Antes de iniciar a extração da erva-mate, a Cia. Matte Larangeira criou o
Banco Rio e Mato Grosso com vistas ao financiamento do grande
empreendimento. Muitos pesquisadores descreveram em trabalhos científicos o
poderio exercido pela Cia Matte Larangeira de Thomaz Larangeira e o início da
exploração da erva-mate na fronteira em 1882. PÈBAYLE e KOECHLIN (1981,
p. 5), por exemplo, ponderam que: “Esta sociedade exerceu um monopólio quase
22
absoluto da colheita das folhas do ILex paraguariensis A. St.-Hil. durante quase
três quartos de século, graças a concessões do governo federal brasileiro, até
1947, sobre 60 km2".
A Companhia Matte Larangeira passou por muitas fases de influência
política no alto escalão do governo estadual de Mato Grosso em seus primeiros
anos de existência. Na década de 1880, o grupo se organizou para, em 1891,
criar a Companhia Matte Larangeira como sociedade anônima. Nos primeiros
anos do século XX, CENTENO (2008, p. 203) descreve: “a Companhia foi
contestada, pelos comerciantes que se aliaram aos imigrantes gaúchos que
ocupavam a região e contestavam os direitos da Companhia” pelo poder
exercido pela Matte Larangeira na Região de fronteira.
A Companhia Matte Larangeira representa bem essa fase principalmente
pela ação do capital financeiro e as sucessivas concessões de exploração da
erva-mate, fase assim pontuada por CENTENO (2008, p. 208): "com a resolução
nº. 102 de 17/07/1895, que concede o direito de explorar até mais de cinco
milhões de hectares de terras, estabelecendo, a partir de então, o monopólio nos
ervais de Mato Grosso". Na visão de ALVES (2005, p. 74-75):
“A Companhia Matte Larangeira, entre 1891 e 1902, e a
Larangeira, Mendes & Cia., sua sucessora, posteriormente,
monopolizaram a exploração da erva-mate, numa área
arrendada junto ao Estado, que excedia a três milhões de
hectares, reduzida em 1916 para 1,8 milhão de hectares. A
última dessas empresas, em 1923, além da área arrendada,
dispunha de 271.026 hectares nos municípios de Bela Vista
e Ponta Porã, adquiridos por meio de compra”.
O grupo liderado pelo Banco Rio e Mato Grosso, que controlava a
Companhia Matte Larangeira: "entra em liquidação em 1902 [...] por um fracasso
numa empreitada que visava à exportação da borracha" CENTENO (2008, p.
209); de acordo com essa autora: "Thomaz Larangeira fica com boa parte do
negócio, sendo também a Companhia vendida para um sindicato, em Buenos
Ayres, organizado por Francisco Mendes Gonçalves & Comp., o qual ficou com
maior parte que Larangeira" (CENTENO, 2008, p. 210). E ainda:
23
"No ano de 1929, acontece uma ruptura entre a empresa
argentina e a situada no Brasil.[...] a maior parte das ações
eram ainda da empresa argentina. Após a década de 1930,
devido à política nacionalista de Vargas, seus sócios
procuram nacionalizar a empresa" (CENTENO 2008, p.
211).
Quando Getúlio Vargas, no final da década de 1930, iniciou a Marcha para
o Oeste e interrompeu a renovação de concessões de terras para exploração,
ocupando principalmente as regiões próximas da fronteira, a empresa perdeu
expressão no cenário político e sofreu pressões para perda da concessão da
exploração da erva-mate. Posteriormente, com o aparecimento de novas
lideranças políticas e a crise de 1929, começou a decadência desse período de
influência política da Companhia Matte Larangeira de mais de cinco décadas de
exploração, a qual abrange a concessão para explorar os ervais, a partir de 1882,
seguida de outras concessões de exploração posteriores.
O interior do Brasil, ao final do século XIX, não dispunha de estrutura nem
comunicação e meios de transporte adequados, seguros e rápidos com os
grandes centros da época, o que dificultava a comercialização nessas regiões.
Preocupado com a geopolítica, o presidente Getúlio Vargas procurou
ocupar a região, inclusive criando no mesmo período a Colônia Vargas, no
município de Dourados, incrementando a ocupação do Estado de Mato Grosso.
“O governo de Getúlio Vargas criou o Território Federal de Ponta Porã
pelo Decreto-Lei nº 5.812, de 13 de setembro de 1943, estabelecendo Ponta
Porã sua capital” (MAGALHÃES, 2013, p. 257).
Com a chegada da estrada de ferro em Corumbá, o Porto Esperança
perdeu espaço, e começou a decadência das casas comerciais em Corumbá
com a instalação da agência do Banco do Brasil que passou a financiar os
negócios antes realizados por essas casas. Os bancos também se instalaram e
começaram a efetuar transações financeiras na capital Cuiabá. Isso, e a chegada
da NOB (Ferrovia Noroeste do Brasil) fizeram com que as casas comerciais
perdessem sua força e começassem a derrocada. É a mudança, ou seja, a
viragem do velho para o novo capital.
24
Os bancos passaram a realizar todas as transações financeiras, após a
instalação da ferrovia que tomou o lugar do porto como referência de transporte
na negociação, diminuindo o valor do frete e aumentando a rapidez na entrega
do produto. Anteriormente, o capital financeiro esteve presente em Corumbá,
sendo gerido pelas casas comerciais que mantinham um anexo bancário ao
prédio do comércio. LÊNIN (2011, p. 159): "O século XX marca, pois, o ponto de
viragem do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital, em geral,
para a dominação do capital financeiro". Foi o que aconteceu no interior de Mato
Grosso: as casas comerciais do entreposto de Corumbá, antes prósperas,
sucumbiram diante da capacidade de transporte e rapidez na entrega do produto
realizado pela ferrovia.
A livre concorrência foi suplantada pelos monopólios no pensamento de
LÊNIN (2011, p. 251):
"Um imperialismo que luta contra outro, um monopólio
contra outro, um capital financeiro contra outro. A
superioridade do imperialismo alemão sobre o inglês é mais
forte do que a muralha das fronteiras coloniais ou dos
direitos alfandegários protecionistas”.
LÊNIN (2011, p. 263) ainda assinala que: “o monopólio é um produto da
concentração da produção num grau muito elevado do seu desenvolvimento.
Formam-se, então, as associações monopolistas dos capitalistas, os cartéis, os
sindicatos e os trustes3”.
Os monopólios pretendem realizar suas mercadorias e para isso
formaram os cartéis, influenciaram os sindicatos e criaram os trustes que
consistiram na fusão de várias empresas cujas atividades se interligaram,
abrangendo desde as fontes de matérias-primas, passando por todas as fases
de produção, até a distribuição do produto no mercado.
A Inglaterra, por ser um dos primeiros países a explorar as grandes
navegações, conquistou muitas colônias e, por conseguinte, seus produtos
maquino-manufaturados foram consumidos o que aumentou suas riquezas.
3 Fusão de várias empresas de modo a formar um monopólio com o intuito de dominar determinada oferta de produto e/ou serviço.
25
Esse fato é atestado por LÊNIN (2011, p. 160-161) ao afirmar que: "o aumento
da concentração da produção e do capital em grau tão elevado que dá origem,
e tem conduzido, ao monopólio". Essa mudança deixou de ser de origem da livre
concorrência para a concentração do capital, o capital financeiro, etapa da
evolução histórica desse processo de concentração que gerou o monopólio, o
capital financeiro.
A expansão dos negócios e a acumulação de recursos financeiros
possibilitaram a entrada em outros ramos de negócios, pois o capital ganho não
pode ficar parado, necessitando ser reinvestido em novas frentes comerciais,
assim, os pequenos comerciantes foram eliminados pelo capital financeiro.
O capital dinheiro precisa realizar-se através das mercadorias que se
transformaram em dinheiro e o fez circular. A esse respeito AUED (1981, p. 21)
pondera que: “é o ciclo que o valor originariamente adiantado tem de percorrer,
a fim de se constituir em novo capital”. Os comerciantes da época, como Felipe
Cogorno, realizavam suas mercadorias e reinvestiam em novas mercadorias,
que se transformavam em capital.
Assim a implantação da indústria moderna, na região de Mato Grosso
transitou, conforme discorre ALVES (2005, p. 51):
“Do período manufatureiro para o da maquinaria industrial.
E, assim como essa transição definiu a superação da
indústria manufatureira pela moderna, também o comércio
manufatureiro foi superado, nesse momento, por um novo
comércio”.
O comerciante Felipe Cogorno buscava pessoalmente as mercadorias em
Concepción. Ele mesmo realizava as compras. Atuando como comerciante de
físicos, Felipe Cogorno tinha de se afastar de seu estabelecimento comercial,
porque inicialmente, a mercadoria que buscava em Concepción vinha em caixas,
a granel e a presença física do comerciante era imprescindível. Estabeleciam-se
os preços quando se revendiam os produtos. Segundo ALVES (2005, p. 38): “Já
foi assinalada a peculiaridade da operação de compra e venda no período
manufatureiro – em quaisquer condições tal operação só se efetiva mediante a
presença física da mercadoria”. Ainda, conforme ALVES (2005, p. 38):
26
“O pagamento só se fazia contra entrega do produto, daí
porque operações de crédito eram desconhecidas ou
destituídas de maior importância em face de seu
insignificante volume. [...] outra questão é que a
peculiaridade da operação estava estreitamente associada
à qualidade do produto, que ainda não apresentava, nessa
fase, maior unidade. Logo, o preço acertado na compra e na
venda estava sempre na dependência da qualidade da
mercadoria, o que tornava indispensável sua presença
física”.
Em 1940, com a fusão da Casa China, concentrando as três lojas em uma
só, formava-se um novo comércio. Produtos com marcas reconhecidas
internacionalmente, produtos embalados em caixas, preço fixado pelo mercado.
ALVES (2005, p. 53) enuncia que:
“A padronização dos produtos, viabilizada pela fábrica
moderna, que passou a assegurar uma comercialização de
novo tipo, que dispensava a presença física das
mercadorias. [...]. A subordinação do comércio de físicos às
novas forças do comércio mundial, geradas e controladas
pelos oligopólios”.
A produção industrial e o financiamento bancário alteraram
completamente o cenário e a engrenagem do comércio de físicos, em que não
era mais necessária a presença da mercadoria propriamente dita, mas, sim, a
mercadoria final, fabricada pelas indústrias. Os oligopólios começaram a
controlar o mercado mundial. Nos termos de ALVES (2005, p. 54): “É nesse
contexto que se deve entender o relacionamento do comerciante de físicos da
região com os grandes oligopólios que passaram a dominar e controlar o
mercado mundial” e entra em cena o crédito. Ainda, conforme ALVES (2005, p.
56):
27
“O crédito, como já se acentuou, era uma operação
praticamente desconhecida durante a primeira metade do
século XIX, tornando-se, portanto, elemento distintivo da
nova casa comercial. Nesse sentido, esta começa a
funcionar como um verdadeiro banco, o que denota
nitidamente sua mudança de qualidade”.
As casas mato-grossenses manifestavam um interesse pela produção
fundiária. A esse respeito ALVES (2005, p. 58) esclarece: “Disso se aproveitou
a burguesia mato-grossense para estabelecer, segundo suas conveniências, a
regulamentação da venda, arrendamento e doação de terras”. O estado passa a
doar terras aos colonos, gratuitamente, áreas com 50 hectares para agricultura
e 200 hectares para pecuária com intuito de ocupar o estado e enfraquecer a
Matte Larangeira.
4.2. Os primeiros anos do comércio em Pedro Juan e em Ponta Porã
Destaca-se que a compreensão das relações sociais, econômicas e
ambientais da região de fronteira é imprescindível para seu entendimento. A
economia girava em torno da extração da erva-mate, pecuária e do comércio de
artesanatos e de manufaturados, vindos de caravanas do interior guarani.
Em 1933, a família italiana Cogorno, antes radicalizada no Uruguai,
transferiu-se para a região de fronteira, dando início aos seus negócios através
das casas comerciais: Nipon e China do lado paraguaio da fronteira e a casa
Rosa do lado brasileiro, conforme publicação na Revista CHINA NEWS (2012,
p. 11): "La empresa Shopping China, ubicada en La ciudad de Pedro Juan
Caballero-Paraguay, fue fundada por la família Cogorno en al año 1933".
Nos anos 1930, existiam muitas empresas estrangeiras oligopolistas já
estabelecidas em território paraguaio, remanescentes desde o fim da Guerra da
Tríplice Aliança quando foi liberada a navegação no rio Paraguai. Para
CENTENO (2008, p. 191), entre outros monopólios, estavam “Campos y
Quebrachales, Puerto Sastre S.A. e Companhia de Navegación Nicolas
Mihanovich S. A”.
As casas comerciais tiveram um papel preponderante no período
manufatureiro como centro da economia, tanto em Pedro Juan Caballero e Ponta
28
Porã, quanto no porto de Corumbá. Estudando a casa comercial de Corumbá,
ALVES (2003, p. 5) escreve:
“Ela correspondeu ao instrumento indispensável à
acumulação do capital industrial, basicamente de origem
inglesa, pois importava e distribuía suas mercadorias. Ia
mais além à casa comercial, já que importava, também, os
demais produtos de que necessitava o consumidor e
monopolizava a exportação de grande parte, quando não da
totalidade, dos produtos locais”.
Segundo Maria Teresa Cogorno, Felipe Cogorno comercializava produtos
fabricados em outros continentes para revendê-los. Na década de 1940,
começou a diferenciar seus produtos em relação aos seus concorrentes,
trazendo produtos diferentes dos comercializados na região para atender às
necessidades da clientela. ROBBINS (2002, p. 10) afirma que: "atender às
exigências do cliente com um custo mais acessível será a força motriz do
sucesso". Esse foi um dos segredos de Felipe Cogorno, bons produtos e
atendimento diferenciado ao comércio local. Esse destaque pode ser entendido,
segundo HOFF (2016, p. 32), como:
"Seguiu-se o modelo mundial: a mercadoria acondicionada
em embalagens tinha marcas definidas, determinadas por
seu conteúdo, seu peso, sua espécie e seu preço.
Cumpridas essas exigências, o mercado estava apto para a
comercialização mundial dos produtos”.
O Shopping China é uma empresa tradicional da fronteira que
acompanhou as mudanças e as evoluções comerciais, desenvolvendo-se com
recursos próprios. Transformou-se em oligopólio comercial, a partir da década
de 1990.
O estudo realizado por ROCHA (2013) sobre a gênese dos grandes
grupos econômicos brasileiros aponta duas características importantes: a
predominância do capital de origem comercial na estruturação dos grupos
29
econômicos nacionais e a relevância do estado na conformação da trajetória de
crescimento de determinados grupos econômicos. A escolha desses indicadores
visou fornecer um parâmetro para a análise de algumas questões relevantes
refere à estruturação, à privatização de empresas prestadoras de serviço público
e à organização desses grupos econômicos mais recentes.
Os fatos históricos e econômicos demonstraram questões relevantes em
momentos distintos brasileiros. Pontua-se que também ocorreram fatos
marcantes em Pedro Juan Caballero, como: a liberação de produtos importados
a partir da instalação da aduana em Pedro Juan Caballero; a modificação do
comercio após a revolução de 1947; e a promoção da economia local após a
mecanização da agricultura em Ponta Porã, que aqueceu os mercados brasileiro
e paraguaio.
Reitera-se que a finalidade deste trabalho foi estudar fatos históricos
referentes à evolução da Casa Comercial, negócio familiar e sua transformação
em Shopping China, de capital aberto. Por meio dele, objetivou-se conhecer e
compreender o seu desenvolvimento, expansão e estruturação e, em síntese, o
desafio de manter o desempenho do grupo, frente ao mercado altamente
competitivo e às crises financeiras, bem como identificar os impactos
socioeconômicos e ambientais caracterizados por essa evolução.
30
5. Referências Bibliográficas
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UNIDERP, 2003. 100p.
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1870-1929. 2ed. Revisada. Campo Grande: UNIDER/UFMS, 2005. 119p.
AYALA, S. C.; SIMON, F. Álbum Gráfico do Estado de Mato Grosso. Tomo III.
Campo Grande: Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul, 2011.
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AUED, I. Ensaio sobre a Lei geral da Acumulação Capitalista em Marx. Revista
Unimar, Maringá, v. 3, [s. n.], p. 21-24, 1981.
CENTENO, C. V. Educação e Fronteira com o Paraguai na historiografia
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CENTENO, C. V. Educação do Trabalhador na Fronteira de Mato Grosso
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(Dir.) Shopping China, electo mejor comercio de importados de las
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CORRÊA, V. B. Fronteira Oeste. 3ed. Revisada e ampliada. Campo Grande:
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FREIRE, J. P. Terra, Gente e Fronteira. Ponta Porã: Editora Borba, 1999. 182p.
31
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Santa Cruz – RS. 1905 a 1930. Geosul, Florianópolis, v. 31, n. 62, p. 19-38,
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Editora Cerro Corá, 1976. 238p.
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1979. 127p.
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FE/UNICAMP, 2011. 270p.
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ROCHA, M. A. M. Grupos Econômicos e Capital Financeiro: uma história
recente do grande capital brasileiro. 2013. 192f. Tese (Doutorado em
32
Economia) — Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas.
Campinas.
ROIG, C. M. Q. Estampas de Pedro Juan Caballero. Assunción: Editora
Alborada S. R. L., 1984. 384p.
33
6. Artigos
Artigo I
Casa China: a comercialização de produtos artesanais e manufaturados e
a circulação de mercadorias produzidas pela indústria moderna - 1933 a
1990.
Marco Aurélio Perroni Pires
Resumo
As lojas Casa China e Casa Nipon, inauguradas em 1933, na cidade
paraguaia de Pedro Juan Caballero, e a Casa Rosa, implantada em Ponta Porã,
MS, foram empresas da família Cogorno, reunidas num grande estabelecimento
comercial, em 1940, denominado Casa China, localizado na cidade paraguaia.
Atualmente, a Casa China evoluiu para a condição de um amplo oligopólio, de
capital aberto, denominado Shopping China. Localiza-se na fronteira com Ponta
Porã, sudoeste do estado de Mato Grosso do Sul/BR. Neste estudo, objetivou-
se analisar a comercialização de produtos artesanais e manufaturados nas três
lojas da família Cogorno e a circulação de mercadorias oriundas do mercado
internacional na Casa China, entre 1933 a 1990. As fontes primárias foram
observações, entrevistas, depoimentos e relatos com proprietários, diretores da
empresa; fotografias e documentos fornecidos pela empresa e pelo
Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero. As fontes
secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos e jornais. Os dados
obtidos revelaram a atuação desse empreendimento como fator de
transformação do comércio de físicos para a comercialização regida pela
abstração de produtos padronizados.
Palavras-chave: Empresa familiar, oligopólio comercial e fronteira.
Casa China: the commercialization of handmade and manufactured
products and the circulation of goods produced by the modern industry -
1933 to 1990
Abstract
Casa China and Casa Nipon stores, inaugurated in 1933 in the
Paraguayan city of Pedro Juan Caballero, as well as Casa Rosa, located in Ponta
34
Porã, MS, were companies run by the Cogorno family. They were gathered into
a large commercial establishment called Casa China, located in the Paraguayan
city. Currently, Casa China has evolved to the condition of a wide publically
traded oligopoly named Shopping China. It is located at the border with Ponta
Porã, southwest of the state of Mato Grosso do Sul/BR. In this study, the goal
was to analyze commercialization of handmade and manufactured products in
the three family Cogorno’s stores, as well as circulation of Casa China goods
stemming from international market, between 1933 and 1990. Primary sources
were observations, interviews, statements and accounts from the company’s
owners and directors, photographs and documents provided by the company and
by the Culture Department of the Intendance of Pedro Juan Caballero. Secondary
sources were collected in books, magazines, articles and newspapers. Obtained
data revealed implementation of this enterprise as a transformation factor from
commerce of physical goods to commercialization governed by the abstraction of
standardized products.
Keywords: Family owned business, commercial oligopoly and frontier.
Introdução
O mundo, em 1933, estava saindo de uma grande recessão econômica,
conhecida como Quebra da Bolsa de Valores de Nova York (1929). A crise
diminuiu a produção industrial e aumentou o desemprego que alcançou cerca de
14 milhões de norte-americanos. No Brasil, o governo de Getúlio Vargas
implantava uma série de medidas para resguardar o mercado interno.
Em Pedro Juan Caballero/PY, nesse ano, foi fundada a Casa China que
operava com duas filiais: Nipon e Rosa, a primeira localizada na cidade
paraguaia e a outra em Ponta Porã, lado brasileiro. Os três estabelecimentos
comerciais, em 1940, foram incorporados na Casa China. A partir de 1990, a
família proprietária abriu cotas a acionistas e a bancos, passando a desenvolver-
se como oligopólio comercial. Mudou o nome para Shopping China, operando
então como empresa de capital aberto.
Pedro Juan Caballero, na metade do século XIX surgiu como distrito,
denominado Laguna Punta Porá. Em 1899, apareceu como centro comercial da
erva-mate, inclusive com a presença da Cia. Matte Larangeira, que mantinha no
local um entreposto para levar o produto até o porto de Concepción. Dois anos
35
após, foi oficializado como junta econômica e administrativa da Municipalidad de
Pedro Juan Caballero/PY. A cidade4 localiza-se na latitude 22º 32' 49", longitude
55º 43' 59", altitude 658 metros, e possui uma área de 4.733 km².
O município de Pedro Juan Caballero dista 215 km do rio Paraguai, uma
distância considerável a ser vencida, passando pelos cerros e matas da região,
para realizar a comercialização com o porto de Concepción. Eram diversas as
comitivas que carregavam a erva-mate até o porto e traziam mercadorias para a
venda nas casas comerciais.
Pelo lado brasileiro, Ponta Porã desenvolveu-se, praticamente, à mesma
época em que a vizinha paraguaia. Em 1912, o município foi criado pelo Decreto
nº 617, assinado pelo Presidente do Estado de Mato Grosso, Joaquim Augusto
Costa Marques. Situa-se em latitude 22º 32' 11" S, longitude 55º 43' 36" W,
altitude 655 m e possui uma área de 5.329 km. A produção pecuária e a extração
da erva-mate foram as principais fontes de renda da população fronteiriça, por
um longo período.
Neste artigo analisou-se a comercialização de três casas comerciais e da
loja unificada, no período de 1933 a 1990. Propondo-se ainda estudar o
desenvolvimento das vendas de produtos artesanais e manufaturados. E
verificar como se deu o comércio e o desenvolvimento na região de Fronteira
com a liberação dos produtos importados pela aduana paraguaia a partir de
1940.
Destaca-se que a comunidade acadêmica ainda não desenvolveu estudos
relativos ao contexto social, econômico e ambiental da Casa China. Nenhum
trabalho científico foi encontrado no banco de dados de teses da Capes
referentes a essa empresa. A carência de estudos mais acurados sobre o seu
papel tornam importante este estudo.
Material e Métodos
A base teórica deste estudo foi estabelecida a partir dos escritos de
ALVES (2003; 2005), AUED (1981) e MARX (1818-1883) (2013), para fins de
definir o movimento da produção, da distribuição e do consumo na sociedade
capitalista; e de FRAGINALS (1989), ALVES (2005) e HOFF (2016) para o
4 Informações colhidas no Departamento de Cultura da Municipalidad de Pedro Juan Caballero/PY
36
entendimento do período manufatureiro da produção e da comercialização; de
ROIG (1984) para fundamentar a formação de oligopólios de erva-mate, do
tanino nos portos do rio Paraguai; e de LAINO (1976) que estudou as
concessões de terras públicas a grupos capitalistas, logo após o término da
Guerra Da Tríplice Aliança.
O local desta investigação é a fronteira paraguaia e brasileira, nas
municipalidades de Pedro Juan Caballero/PY, e de Ponta Porã/MS.
Figura 1. Mapa de localização de Pedro Juan Caballero/PY e Ponta Porã/BR.
Fonte: GOOGLE EATH (2017).
As fontes primárias utilizadas neste artigo foram construídas com o
registro de observações feitas no local das atividades da loja, com depoimentos
e relatos, colhidos com proprietários e diretores da empresa. Foram utilizados
documentos fornecidos pela empresa de Felipe Cogorno e pelo Departamento
de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero, fotografias, jornais da época
(Jornal do Comércio e Jornal de Pedro Juan Caballero/PY) e o Álbum Gráfico do
Estado de Mato Grosso. Além dessas fontes, também foram colhidos
37
depoimentos de membros do Departamento de Cultura do Departamento de
Amambai e relatos de diretores da Associação Comercial do Paraguai.
Fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos e registros
de memórias.
O conteúdo das entrevistas foi sistematizado com o auxílio da análise
temática de BARDIN (2011), organizado de acordo com as respostas do roteiro
de entrevista, em cinco períodos, na sequência de pré-análise, análise do
material selecionado e análise dos resultados. As entrevistas foram divididas em
momentos distintos para propiciar ao leitor um melhor entendimento e
compreensão dos fatos relatados.
A análise do estudo apoiou-se em duas categorias principais: o período
manufatureiro e a fase da indústria moderna que modificou, também, o comércio.
Resultados e Discussão
Felipe Cogorno, imigrante italiano, com rápida passagem pelo Uruguai,
deslocou-se para Concepción, com intento de chegar a São Paulo, mas se
estabeleceu, definitivamente, com três casas comerciais, duas em Pedro Juan
Caballero e uma em Ponta Porã. Essas informações provieram dos depoimentos
da Sra. Cogorno. Há que se tomá-las com cuidado, porque a memória da família
nem sempre consegue reconstituir a história dos negócios de lojas que existem
há 85 anos. Estando em Montevidéu, ninguém viajaria a São Paulo pelo rio
Paraguai e por terra a Juan Pedro Caballero, para, depois, seguir à capital
paulista. Bastava entrar num navio e seguir de Montevidéu para Santos, SP, a
não ser que estivesse errante, à procura de um lugar que parecesse alvissareiro
aos propósitos da família.
O Início das Atividades do Comerciante Cogorno, no Período Manufatureiro
O estabelecimento das atividades comerciais de Felipe Cogorno marca o
período inicial deste estudo. Momento histórico, durante a Guerra do Chaco
(1932 a 1935), que teve eco em Pedro Juan Caballero. Segundo MAGALHÃES
(2014, p. 139):
“Campanário, Porto Mojoli e Guaíra viram centenas de
funcionários paraguaios se despedirem em direção a um
38
acontecimento violento e implacável: a Guerra do Chaco. A
Cia Matte não se furtou em auxiliar os guaranis na luta contra
a Bolívia, prestando-lhes efetivo apoio, ao equipar os que
desejaram lutar pelo seu país, com roupas, cobertores,
sapatos e levando-os em caminhões até perto das fronteiras
em guerra”.
Por ocasião da Guerra do Chaco, os portos ao longo do rio Paraguai, que
mantinham um tráfego intenso de mercadorias, particularmente de erva-mate,
diminuíram o movimento fluvial. Também foi obstaculizada a comercialização
com o porto de Concepción, afetando os percursos das comitivas da fronteira.
As barreiras, como a distância de Pedro Juan Caballero ao porto de
Concepción e as péssimas estradas não impediram que Felipe Cogorno
iniciasse seus negócios. Em 1933, seus estabelecimentos comercializavam
apenas produtos artesanais e artigos provenientes da manufatura paraguaia,
para revendê-los em lojas, sítios, fazendas e vilas dos dois municípios. A erva-
mate, colhida no Brasil e na região paraguaia, transitava pelo povoado, rumo ao
porto paraguaio, desde a década anterior.
Em 1940, com a abertura da aduana paraguaia, a Casa China passou a
comercializar também produtos gerados pela indústria moderna, conforme
depoimentos dos familiares. É de se supor que o término do comércio fluvial de
Corumbá, MS, facilitou a aquisição de mercadorias, em volume de ofertas, no
porto de Concepción.
Segundo FREIRE (1999, p. 119): "O porto de Concepción tinha suas
portas abertas para o comércio de todo o mundo, inclusive europeu, e as
imensas campinas brasileiras eram semeadas de fazendas, de vilas e de
cidades; portanto, de consumidores". O autor acrescenta que Laguna Punta
Porá, nome anterior a Pedro Juan Caballero, era o ponto de descarga das
mercadorias e, também, o centro de encontro dos carreteiros comerciais do lado
paraguaio.
A dinâmica regional da produção nos dois municípios comportava-se, no
período histórico, de forma semelhante: pecuária, coleta de erva-mate e extração
de quebracho (tanino). Em outros termos, não se registravam novos arranjos
produtivos nos dois lados. Em contrapartida, constataram-se rearranjos
39
fundiários, principalmente na parte paraguaia: terras públicas, concedidas a
capitalistas para desenvolver o país guarani, ao longo dos portos do rio Paraguai,
logo após a Guerra da Tríplice Aliança; e a apropriação das terras por grupos
oligopolistas estrangeiros, com reestruturação fundiária e com nível moderno de
exploração, como ferrovias, portos adequados e tecnologia industrial.
No lado brasileiro, Ponta Porã, a coleta e a manufatura da erva-mate
foram favorecidas pela concentração de terras e de manchas de erva-mate,
arrendadas pelo Império brasileiro à Companhia Matte Larangeira.
As duas cidades vizinhas distavam 215 quilômetros do porto de
Concepción/PY, principal acesso de mercadorias de importação e exportação.
Listam-se alguns obstáculos ao desenvolvimento local, em 1933: estradas
difíceis para o transporte em carretas; a estrada de rodagem, que liga Ponta Porã
a Campo Grande, ainda não estava construída, embora a Companhia Matte
Laranjeira tenha construído as estradas vicinais ligando os municípios para
escoamento da mercadoria e o Exército brasileiro, localizado em Ponta Porá,
tenha colaborado na conservação das estradas, ligando o distrito aos
municípios; a estação ferroviária mais próxima era a de Campo Grande, distante
300 quilômetros da fronteira.
Antes de passar à análise da passagem do período manufatureiro do
comércio na fronteira para a comercialização de produtos gerados pela indústria
moderna, há que se recuperar o desenvolvimento regional, em dois aspectos
históricos: o arrendamento de terras devolutas a famílias capitalistas paraguaias,
após a Guerra da Tríplice Aliança - uma política pública proposta com a
finalidade de desenvolver o país; e, a partir da década de 1880, a apropriação
do território paraguaio por grupos econômicos monopolistas e das terras no sul
do Mato Grosso por parte da Matte Larangeira.
A Política de Terras do Governo Paraguaio para a Recuperação Econômica
do País
Conforme LAINO (1976, p. 101), em 1870, “o Estado paraguaio era
proprietário de 72 quilômetros de estrada de ferro; de 148 edifícios na capital
Assunção e outros 352 no interior do país. O mais importante, porém, é que ele
era proprietário de quase a totalidade das terras do país”.
40
O governo paraguaio, na década de 1870, fez as concessões das terras
devolutas para famílias capitalistas e favoreceu também colonos rancheiros do
Departamento de Amambay, ao qual pertencia Laguna de Ponta Porá, mais
tarde, denominada Pedro Juan Caballero. O governo objetivou explorar a erva-
mate, os quebrachais e a criação de gado, logo depois da Guerra da Tríplice
Aliança.
Conforme ROIG (1984, p. 64-67), 107 grupos de rancheiros ocuparam as
terras, em 1877. Eles já tinham a experiência da exploração da erva-mate e
coletavam o produto desde 1850 em toda a região do Departamento de
Amambay e ao longo do rio Paraguai. Manoel Antônio Gamarra e Julián
Quevedo tinham seus ranchos localizados em Punta Porá, na fronteira com o
Brasil. ROIG (1984, p. 64) informa: “Don Manuel Antonio Gamarra, héroe de la
guerra contra la Triple Alianza, volvió a solicitar especificando la cantidad de
ranchos, pero ubicándolos siempre em la jurisdicción o pareje de Punta Porá, em
la década de 1870”. ACOSTA (2007, p. 17) acusou o fato da sanção da
constituição paraguaia e, a partir desta, a instituição do novo Estado, “agora
muito mais liberal, sob a presidência de Rivarola”. Procedeu-se, a seguir, à
concessão de terras para famílias capitalistas, com a finalidade de desenvolver
as regiões.
A rota de Pedro Juan Caballero para Concepción estava aberta desde o
século XVI, como trilha de indígenas que se estendia do Paraguai a Santiago de
Xerez (Aquidauana/MS) e Villa Real, povoados fundados no século XVI
destruídos no começo do século XVII pelos bandeirantes brasileiros.
A rota passava pelo município paraguaio e as carretas eram o meio de
transporte utilizado para realizar o transporte da erva-mate e do quebracho, até
o porto de Concepción e, também, para o translado das mercadorias compradas
no porto para a região de fronteira.
De CORRÊA e CORRÊA (2009) extraiu-se um resumo sobre valorização
das “indústrias quebrachales”. Conforme os autores, “A produção de tanino
incorporou o dilema histórico da fronteira que configurou esse caráter periférico
e de complementaridade do contexto econômico da região platina”. Acrescentam
“a presença de capitais estrangeiros em atividades extrativas que se destinaram
a explorar matérias-primas de alta aceitação no mercado mundial, provenientes
dos abundantes recursos naturais da região”. Os autores informaram, ainda, que
41
na fronteira dos dois países se desenvolveram a pecuária e a extração de erva
mate, ambas de caráter extensivo, combinando expansão latifundiária com
“super exploração de mão-de-obra”. Surgiu, assim, “a expropriação violenta de
terras e da exploração da força de trabalho, tendências acentuadas em áreas de
fronteira” (CORRÊA e CORRÊA, 2009, p. 57-8).
Uma nova fase de rearranjo fundiário ocorreu na década de 1880, no país
guarani. Empresas monopolistas passaram a dominar a comercialização da
erva-mate e do quebracho e acabaram tomando o espaço dos ervateiros
rancheiros, através de apropriações, compras e concessões de terras.
LAINO (1976, p. 132) isso propiciou “a venda das principais fontes de
riqueza do país: bosques, pastagens, terras agricultáveis, ervais e prédios de
Assunção e do interior”. O plano do governo era “promover e alavancar a
colonização do país, principalmente com o aporte do imigrante europeu” (LAINO,
1976, p. 104), o que favorecia os grandes latifúndios e dificultava os pequenos e
médios proprietários.
“Junto aos capitalistas estrangeiros, anglo-argentinos
principalmente, para os quais os preços das terras eram
quase que irrisórios, a fração oligárquica do governo
aproveitou subalternamente para adquirir propriedades até
então do Estado, enquanto a maioria da população
camponesa era expulsa dos campos de seus ancestrais. O
Estado também utilizou a situação para fazer caixa e pagar
“rendas aos banqueiros de Nova Yorque, Londres e
Amsterdã” (LAINO, 1976, p. 104).
A privatização das terras gerou consórcios pecuário-extrativistas:
“As principais empresas e consórcios criados foram “La
Industrial Paraguaya” (erva-mate e “obrajes”, fundada em
1886) que chegou a adquirir 2.647.727 hectares; a “Cía.
Domingo Barthe” (erva-mate, gado e “obrajes”, fundada na
década de 1880) que adquiriu 1.875.000 hectares; a “Mate
Larangeira” (erva-mate e “obrajes”, fundada na década de
42
1880) que adquiriu 800.000 hectares; “Carlos Casado el
Alisal” (tanino, fundada em 1890) com 5.625.000 hectares;
“Liebig’s Extract of Meat and Co.” (Extrato de carne, fundada
em 1898) que adquiriu 562.326 hectares; “Societé La
Foncière” (gado, fundada em 1893) que adquiriu 502.500
hectares; “Sociedade Rural Belgo-Sudamericana” (gado,
fundada em 1896) com 300.000 hectares; e a “The Paraguay
Land & Cattle Company” fundada na década de 1880) com
1.687.500 hectares” (LAINO, 1976, p. 105).
O autor ainda informou que entre 1883 e 1896, “Quatorze milhões de
hectares dos quarenta milhões e meio do território `nacional` passaram nestes
anos à categoria de propriedade privada de oito consórcios europeus, argentinos
e brasileiros” (LAINO, 1976, p. 105). O Quadro 1 demonstra a presença de
empresas oligopolistas no Paraguai.
Quadro 1. Oligopólios no Paraguai, após a Guerra da Tríplice Aliança.
Empresa Transporte Extração Localização
Carlos Casado Ltda Naval Tanino e
quebracho
Chaco paraguaio
Cía. Domingo
Barthe
Naval Erva mate e
gado
Chaco Paraguaio
Campos y
Quebrachales
Naval Quebracho Puerto Sastre
Quebrachales de
Fusionados S. A.
Naval Quebracho Porto Maria e Porto
Tirol, no Chaco e Porto
Max, Concepción.
New York and
Paraguay Company
S. A.
Naval Quebracho
vermelho
Ao norte do Chaco, no
Porto Pinasco.
New York and
Paraguay Company
S. A.
Via férrea e
Naval
Florestal Villeta, próximo a
Assunção
43
The American
Quebracho
Company S. A.
Naval Tanino Porto Guarani.
River Plate
Quebracho
Company S. A.
Naval Tanino Porto Palma Chica.
Estâncias e
Quebrachos Porto
Galileo.
Naval Classes de
madeiras e
tanino.
Rio Pilcomayo
Industrial Paraguaia
S. A.
Naval Erva-Mate e
Madeira.
Alto Paraná
Fonte: LAINO (1976) e ROIG (1984).
CORTE CABALLERO (2007, p. 158) acentuou que o espanhol Carlos
Casado Del Alisal, saindo de Rosário, Argentina, para o Chaco paraguaio, “se
beneficiou do processo privatizador chaquenho [...] bem antes de que se
concretizasse a definitiva `nacionalización` da região”. A partir de 1886, comprou
lotes no Porto Casado, lotes de terras do governo e quase todo o Chaco
paraguaio (CORTE CABALLERO, 2007, p. 170).
LAINO (1976, p. 6) afirmou que a Industrial Paraguaia S. A. tinha porto de
embarque e também a sede administrativa em Tacurú-Pucú. A Companhia Matte
Larangeira, que explorava a erva-mate com autorização do governo brasileiro na
fronteira com Paraguai, havia iniciada a exploração em território paraguaio e,
conforme LAINO (1976, p. 11), foi o primeiro e o mais extenso latifúndio do
Paraguai. As empresas lutaram pela hegemonia nos portos do rio Paraguai,
definindo a luta intermonopólica, conforme descreveu LÊNIN, (2011, p. 251)
sobre as ações do imperialismo, cujo comportamento foi de "luta contra outro,
um monopólio contra outro, um capital financeiro contra outro”.
Os ervais nativos na região fronteiriça acabaram gerando conflitos entre
comerciantes mato-grossenses e detentores da concessão para explorá-los. A
disputa pelo poder econômico e político entre os dois grupos arregimentou,
também, os gaúchos, que se haviam instalado nas terras da concessão e
44
queriam a posse da terra. Sobre essa questão, CORRÊA (2014, p. 50) afirmou
que:
"A fronteira sul de Mato Grosso foi sendo ocupada de
maneira desordenada, tendo ainda como referência o
contexto da guerra com o Paraguai. Em primeiro lugar, esta
ocupação foi fortemente atraída pela existência dos ervais
nativos".
A concessão para explorar as imensas matas nativas extraindo as
riquezas naturais do sul do Mato Grosso. Conforme (ALVES, 2005, p. 74-75):
“Numa área arrendada junto ao Estado, que excedia 3
milhões de hectares, reduzida em 1916 para 1,8 milhão de
hectares. A última dessas empresas, em 1923, além da área
arrendada, dispunha de 271.026 hectares nos municípios de
Bela Vista e Ponta Porã, adquiridos por meio de compra”.
Empresas argentinas, uruguaias, brasileiras e norte-americanas estavam,
conforme ALVES (2005, p. 75), “ligadas diretamente ao capital financeiro, que
eliminou a mediação da casa comercial, começou por intensificar o processo de
concentração da propriedade fundiária e da produção em Mato Grosso” e no
interior paraguaio. A Cia Matte Larangeira iniciou suas atividades em
Concepción/PY, bem antes de instalar-se no Brasil. Tinha um entreposto
localizado em Pedro Juan Caballero. A indústria do quebracho instalou-se em
Porto Murtinho, MS. Em 1883, a erva-mate “transformou-se rapidamente no
principal produto de exportação da Província”. Também, a extração da borracha
foi desenvolvida, “isenta de impostos” (ALVES, 2005, p. 87). A indústria de
transformação de carne, localizada em Descalvados, cresceu com a injeção de
capital financeiro na empresa. A usina de cana-de-açúcar Itaici não resistiu à
concorrência e foi adquirida por grupos monopolistas franceses. A produção do
charque em saladeiros mato-grossenses cresceu muito nas primeiras décadas
de 1905 (ALVES, 2005, p. 87-97).
45
O Negociante Felipe Cogorno: comércio de produtos paraguaios - 1933 a
1940
Consoante o relato da proprietária da Casa China, Maria Teresa Cogorno,
quando a família italiana deixou o Uruguai, em 1930, um dos dois irmãos
permaneceu naquele país. Felipe Cogorno e esposa seguiram em viagem pelo
rio da Prata cruzando a Argentina para chegar ao rio Paraguai e desembarcaram
no porto de Concepción. Compraram uma carreta de segunda mão e seguiram
viagem para Pedro Juan Caballero, onde acabaram se estabelecendo. A
ampliação do mercado comercial possibilitou a abertura de três casas comerciais
de perfis semelhantes, distantes entre si. As lojas vendiam produtos artesanais
e manufaturados.
A economia da fronteira girava em torno do comércio da erva-mate, que
era prática comum entre os comerciantes da fronteira, há décadas, desde as
concessões do governo a ervateiros paraguaios. Após a Guerra da Tríplice
Aliança, o comércio passou para as mãos das empresas estrangeiras
monopolistas.
O historiador Júlio Alvarez, em depoimento, informou que Felipe Cogorno
não negociava com erva-mate, mas se preocupou que suas lojas, em
contrapartida, atendessem aos clientes com produtos de primeira necessidade
e, por isso, buscava contato com as famílias do interior dos dois municípios para
expor suas mercadorias, visitando as fazendas e ranchos da região, levando
produtos como tecidos, sabão, panelas.
Havia estradas de rodagem entre Ponta Porã, Bela Vista e Porto Murtinho,
construídas pela Companhia Mate Larangeira. A conclusão da obra de ligação
da atual capital sul-mato-grossense a Ponta Porã.
Aliada à expansão da rede rodoviária, seguiram as linhas telegráficas. Em
1922, Ponta Porã se uniu a Campo Grande nesse sistema de comunicação.
(QUEIROZ, 1999, p. 32).
Na Figura 2, pode-se observar a variedade de produtos comercializados
pela Casa Nipon, em 1934, em uma loja rudimentar de madeira crua (à esquerda
da Figura 2) e, em 1945, a Casa China, loja ampla e expandida (à direita). A
Casa Nipon oferecia: pó de arroz, perfumes, revendedor exclusivo da marca
Capricho de Rainha, papel de presente, extratos, sabonetes e baixela de
Barcelona, seda, além de outros produtos.
46
Figura 2. Casa Nipon em 1934 e Casa China em 1945. Fonte: ROIG (1984, p.
297).
Segundo Medina, dono da Casa Medina, entraves comerciais postos pelo
governo paraguaio, antes de 1940, dificultavam a comercialização de produtos
importados, porque visavam ao protecionismo das indústrias paraguaias.
Felipe Cogorno, ao fixar residência na fronteira, negociou produtos
oriundos da manufatura paraguaia como chapelaria, bebidas, sedas, perfumes
e bijuterias, conforme propaganda registrada nos jornais da época. O Jornal do
Comércio, noticiário brasileiro, no mês de março em 1934, trazia a seguinte
propaganda: “Indo a Ponta Porã, visitem a Casa Nipon. O melhor sortimento em
artigos de alta novidade especialmente em presentes finos”.
O depoimento de Medina confirmou, em sua descrição, a existência, entre
1933 e 1940, do que FRAGINALS (1989) denominou “comércio do período
manufatureiro”, cuja característica é a presença física da mercadoria e do
comprador por ocasião das trocas. Felipe Cogorno valia-se das informações que
conseguia por intermédio do telégrafo, fator igualmente importante no período,
que funcionava desde 1922. O telégrafo era um meio de comunicação rápido e
eficiente, informando aos comerciantes as variações do mercado e suas
oscilações para realizar seus produtos. FRAGINALS (1989, p. 333) apontou a
utilidade do telégrafo para o mundo habitado: “A telegrafia moderna munia os
mercados da Europa entre si, as cidades norte-americanas entre si; mais tarde,
os cabos submarinos ligaram a Inglaterra ao continente europeu (1851), Cuba
aos Estados Unidos (1867) e os Estados Unidos à Europa”.
47
O período manufatureiro, enquanto uma categoria de análise, revelou-se
tardio na região. Este registro foi importante fazer porque ALVES (2005, p. 53)
assinalou:
“Se a subordinação do comércio de físicos às novas forças
do comércio mundial, geradas e controladas pelos
oligopólios, ocorreu com certa rapidez nas regiões mais
desenvolvidas, segundo formas em regra claras, não
aconteceu o mesmo em regiões onde o capitalismo ainda
não havia atingido tal estágio. Essa consideração é de
fundamental importância ao ser feita a abordagem do caso
mato-grossense”.
Quando Felipe Cogorno abriu suas lojas, em 1933, predominava na
pequena região o comércio de físicos. Conforme descreve ALVES (2003), o
pagamento só se fazia com a entrega do produto, ou seja, a apropriação da
riqueza produzida na região era feita pelo comerciante que ditava as regras de
preço e qualidade do produto. Segundo FRAGINALS (1989, p. 312):
“O comerciante, e especialmente o comerciante dessa
época, foi sempre um homem avesso a qualquer abstração:
seu mundo era o das coisas tangíveis, fisicamente situadas
em um lugar, mensuráveis, objetivamente quantificáveis. Só
se sentia seguro entre mercadorias e, por isso, seu reino foi
o armazém. Um comerciante sem armazém era tão absurdo
como um sacerdote sem igreja”.
Os comerciantes de físicos do final do século XIX e do começo do século
XX, apropriaram-se da produção, ditaram o valor e a qualidade das mercadorias,
negociaram, qualificaram e precificaram o artigo nas trocas.
Naquela época, as compras eram realizadas em Assunção e Concepción
de maneira informal, de modo empírico e, às vezes, nem eram documentadas.
Conforme Medina, a mercadoria era transportada por carretas em caravanas, a
48
cavalo ou mesmo pelo rio até Concepción e seguia viagem até Pedro Juan
Caballero, por via terrestre.
Ainda segundo o autor, havia em Paso Mbut um grupo que confeccionava
chapéus produzidos com trabalho manufatureiro fibras de Caranday, árvore
nativa do Paraguai. Como esse produto fazia muito sucesso na fronteira, seu
comércio era farto na região. Os chapéus eram levados pelos artesãos em
cestas colocadas no lombo dos cavalos e, depois de sete dias de viagem pelos
cerros, chegavam a Pedro Juan Caballero. O povoado de Paso Mbut chegava a
produzir 2.000 chapéus, os quais eram rapidamente comercializados. O giro
comercial, realizado pela produção em grande escala e a venda de mercadorias
em rápida rotação possibilitou um aquecimento do comércio da família Cogorno.
A manufatura de chapéus apontou para a valoração do capital. Conforme AUED
(1981, p. 21):
“Transformar capital-dinheiro em elementos naturais de
produção – em meios de produção e força de trabalho, ou
seja, capital produtivo: capital produtivo em capital
mercadoria e este em dinheiro é o círculo que o valor
originariamente adiantado tem de percorrer, a fim de se
constituir em novo capital”.
Com a modernização das indústrias, a empresa de Felipe Cogorno
modernizou-se, evoluiu, intensificou a divisão do trabalho, adquiriu novos
equipamentos e acompanhou o desenvolvimento em curso. A partir de 1940,
diversos produtos como bijuterias e outros, oriundos do artesanato, da
manufatura e da indústria moderna foram adquiridos ou no porto de Concepción
ou em Assunción, além daqueles levados pelos fornecedores diretamente à
fronteira.
Apesar do aquecimento econômico e da vontade de Felipe Cogorno em
expandir os negócios, a região de fronteira ainda sofria com as grandes
distâncias e com estradas mal conservadas, o que dificultava o transporte das
mercadorias estrangeiras para o entreposto de distribuição, localizado no porto
de Concepción/PY. Segundo o historiador Júlio Alvarez, a viagem chegava a
durar dois meses pelos cerros e matas paraguaias em caravanas (Figura 3). As
49
condições e a época foram completamente diferentes das de Corumbá do final
do século XIX. Ali, os produtos chegavam pelo rio Paraguai e desembarcavam
diretamente nas casas comerciais. O transporte rodoviário do porto a Pedro Juan
Caballero era demorado e difícil.
O banco de Concepción intermediava a compra e a venda dos produtos.
Segundo Maria Teresa Cogorno, somente com a instalação da aduana em Pedro
Juan Caballero, em 1940, o governo permitiu a liberação da importação de
produtos estrangeiros.
O novo período de análise foi o comércio de Cogorno ser unificado numa
loja ampla e moderna, após a abertura da aduana paraguaia à importação.
Figura 3: Caravana paraguaia de mercadorias vindas do porto de Concepción.
Fonte: ROIG (1984, p. 56).
A Casa Comercial de Felipe Cogorno: do Comércio de Físicos para a
Abstração das Trocas no Mercado Internacional
A partir de 1940, a Casa China começou a comercializar produtos,
principalmente oriundos do mercado internacional, ampliando a importação de
mercadorias estrangeiras fornecidas pelos fabricantes de complexos industriais
mundiais. Conforme depoimentos da família Cogorno, ao instalar a aduana, o
governo paraguaio liberou a importação e exportação, dando “maior liberdade e
concorrência ao comércio”.
50
ALVES (2005, p. 51) atribuiu a superação do período manufatureiro à
produção moderna de mercadorias: “As transformações incidiram mais sobre a
qualidade do que sobre a quantidade, cuja mais vigorosa manifestação foi à
implantação da indústria moderna na região”. Acrescentou: “Essa transição
definiu a superação da indústria manufatureira pela moderna, também o
comércio manufatureiro foi superado, nesse momento, por um novo comércio”.
A Casa China representou o novo comércio, adaptando-se à realidade da
época e se atualizando com o mercado mundial, obtido com novas tecnologias
e capital financeiro. A produção moderna marcou o novo período para o comércio
de Felipe Cogorno, porque firmou a base para a distribuição das mercadorias.
Nesse sentido, afirma MARX (2013, p. 388) que: “A ciência real da economia
moderna só começa quando a análise teórica se desloca do processo de
circulação para o de produção”.
A importância desse período foi acentuada pela proprietária, Maria
Teresa, em seu depoimento: “Foi um divisor de águas, pois a partir da entrada
de produtos estrangeiros, através das grandes empresas internacionais, passou-
se para um novo tipo de negociação comercial”. Conforme ela, a importação
obedeceu rigorosamente à autorização e à fiscalização do governo. Foram
comercializados produtos de origem alemã, sueca, inglesa, entre outros, com
marcas reconhecidas como Sollinger, produtora de tesouras de corte de cabelo
e de facas, vasilhas de Vereco, bebidas, perfumes, conservas, entre outros. O
depoimento da proprietária pôs forte acentuação na data oficial da abertura da
aduana.
Ainda segundo informação da proprietária da Casa China, a abertura do
comércio de importação pelo governo paraguaio, impulsionou os negócios, pois
além de trazer novos produtos, gerou também um consumidor que exigiu uma
nova forma de negociar, de comprar e de embalar os produtos importados. Isso
causou mudanças positivas na Casa China e, consequentemente, em seu
comércio. FRAGINALS (1989) referiu-se à passagem do “comércio de físicos”,
no período manufatureiro, para o início da comercialização de produtos
abstratos, padronizados, embalados, com garantia e descrição de seu conteúdo.
Foi o que ocorreu em âmbito mundial ainda no século XIX. Em âmbito regional,
o comércio manufatureiro de Felipe Cogorno em Pedro Juan Caballero foi
substituído no início da década de 1940.
51
ALVES (2005, p. 52) enuncia, em termos teóricos, o final da negociação
de produtos no período manufatureiro: “As forças oligopolistas passavam a
controlar o mercado mundial e subordinavam às suas ‘leis estranhas’ o comércio
de físicos”.
O capital financeiro possibilitou a criação de novos modelos e padrões
inseridos na cadeia produtiva e os produtores industriais passaram a observar o
tamanho, o peso, coloração, embalagem e qualidade comprovada. Segundo
HOFF (2016, p. 32):
"Seguiu-se o modelo mundial: a mercadoria acondicionada
em embalagens tinha marcas definidas, determinadas por
seu conteúdo, seu peso, sua espécie e seu preço.
Cumpridas essas exigências, o mercado estava apto para a
comercialização mundial dos produtos”.
O novo comércio de Pedro Juan Caballero, na década de 1940, contou
também com melhoria de transporte. A Casa China adquiriu um caminhão para
transportar suas mercadorias, o que se tornou um fator importante para a
distribuição dos produtos nas aldeias e distritos paraguaios e brasileiros.
No final da década de 1940, havia seis casas comerciais formais
estabelecidas em Pedro Juan Caballero: destacaram-se: a Casa China, a Casa
dos Pueblos, a Casa La Trigueña, a Casa La Bohême, a Casa Perpetuo Socorro
e a Casa Medina. O primeiro estabelecimento comercial de Pedro Juan
Caballero havia sido a casa comercial de José Tápias Ortiz, em 1894. Os
estabelecimentos citados eram abastecidos de mercadorias vindas do porto de
Concepción (Depoimento de Medina).
Medina destacou a falta de estrutura básica da municipalidade paraguaia,
nos anos 1940, como energia elétrica, telefone, água encanada e tratada e
calçamento. As casas eram de madeira, de taipa e de chão batido e as casas
comerciais eram construções de madeira e de alvenaria. As edificações, em sua
maioria, apresentavam-se frágeis, bastante rudimentares e sem beleza.
A energia elétrica e prédios foram rapidamente instalados, porque uma
grande parte de produtos embalados exigia estabelecimentos seguros e
conservação, mediante energia elétrica.
52
Figura 4. Aspecto do layout da Casa China em 1945. Fonte: ROIG (1984, p.
297).
A Figura 4 traz Perlita Canale Cogorno e sua mãe Ana Cogorno, atrás do
balcão de ofertas, com os seguintes produtos listados em categorias:
Maquiagem e perfumaria: pó, batons, sombras, cremes, Paco
Rabane, Chanel, desodorante, creme facial, shampoo,
condicionador, laquê;
Roupas: tecidos e, moletons, casacos e calças de couros, camisas,
calça jeans, chapéus panamá e femininos, lenços de seda;
Utensílios Domésticos: baixelas de vereco, jogos de panelas,
cristais finos, bandejas, porcelanas orientais, louças finas, facas
Sollinger, estatuetas de porcelana, malas de couro, tesouras,
nhandutis e canetas Parker;
Bebidas: licores, vinhos e whisky;
Bijuterias e joias: brincos, pulseiras de prata, bijuterias, prataria,
bomba de prata para tereré.
Muitos desses artigos foram produzidos em indústrias modernas, cuja
comercialização se adequou a um novo período, que ALVES (2003, p. 66)
estabeleceu como posterior ao comércio manufatureiro:
53
“As máquinas criaram as condições, em primeiro lugar, para
que o processo de transformação das matérias-primas,
mesmo em face da diversidade de fontes, deixasse de incidir
sobre a qualidade da mercadoria produzida. Houve uma
padronização generalizada das mercadorias,
desaparecendo aquela vasta gama de tipos de um mesmo
produto como consequência das limitações imanentes à
produção manufatureira. Essas mesmas condições deram o
respaldo para que começasse a se impor o reino da
abstração sobre o das coisas físicas. A própria natureza da
troca transformou-se substancialmente com o surgimento
das bolsas de produtos – Commodity Exchange – e as
operações baseadas num abstrato mercado futuro”.
A ideia central aqui sustentada é que, inicialmente, o comerciante exercia
o domínio sobre a produção, através da presença física da mercadoria. Com o
desenvolvimento da produção capitalista, isso se inverte. A modernização da
produção, mediada pelo capital financeiro, passou a exercer o domínio sobre o
comércio. O comerciante da fronteira adaptou-se à nova situação e começou a
intensificar a divisão do trabalho interno e a negociar produtos, cuja marca tinha
a imposição do “reino da abstração” sobre as coisas físicas.
A circulação de mercadorias em Pedro Juan Caballero oportunizou a
capitalização do negociante, com produtos de giro rápido. Aumentou o número
de turistas que passaram a visitar a região de fronteira. Houve incremento de
diversos tipos de turismo, como turismo de vendas, de compras, de lazer. Os
produtos ali comercializados seduziam os compradores pela sua qualidade,
conforme depoimentos dos proprietários.
A modernização da Casa China, tanto a visibilidade de aspecto físico,
quanto a quantidade e qualidade das mercadorias à venda, apontou para o que
ALVES (2005, p. 16) denominou a “universalização da sociedade pela ampliação
espacial do mercado”. A produção industrial adequara-se aos ditames do
imperialismo, obrigando a transição do comércio do período manufatureiro para
a comercialização de produtos mundiais.
54
Felipe Cogorno manteve-se à frente dos negócios até seu falecimento, em
1947. A viúva, Ana Franco de Cogorno, assumiu-os até 1968, data em que o
filho, Rubi José, tomou a si a administração que perdurou até 1979. Com seu
falecimento, sua esposa Maria Teresa Cogorno responsabilizou-se pela
empresa familiar, com auxílio direto de seus três filhos nas tarefas de controle
de mercadorias e atendimento ao público. A formação dos filhos foi prioritária:
os futuros empresários foram preparados com instrução superior.
As trocas entre o comerciante e os entrepostos paraguaios e brasileiros
davam-se, conforme relato de Medina, com pagamento em “cash”, posto que em
formas parceladas. Uma relação de confiança predominava entre fornecedor e
comerciante. Cada nova compra era paga após sua venda, seguida de nova
aquisição5.
Nas décadas de 1940 e 1950 não existiam bancos nos dois municípios.
Relatos de Medina, do membro da Junta Comercial de Pedro Juan Caballero e
de Maria Teresa Cogorno informaram que não existia quem pudesse financiar
as empresas, até 1960, mas, em Concepción, funcionaram serviços bancários
desde 1930.
Na década de 1970, conforme Medina, os comerciantes paraguaios
possuíam contas nos bancos brasileiros, buscavam financiamentos no Banco da
Lavoura e no Banco Financial, localizados em Ponta Porã. O que existia eram
casas de câmbio, que negociavam as moedas utilizadas no comércio da fronteira
como guarani, dólar e os réis (até 1942), quando a moeda brasileira se
transformou em cruzeiro.
Os Bancos na Fronteira Ponta Porã e Pedro Juan Caballero e o Transtorno
da Revolução de 1947
O primeiro banco a atuar em Pedro Juan Caballero foi o Banco Nacional
de Fomento - BMF, em 1942, que tinha a finalidade de custear a produção
pecuária. Os comerciantes e a população não tinham acesso ao serviço do
banco e tinham que recorrer aos bancos brasileiros que os aceitavam como
correntistas. Posteriormente, o banco público do lado paraguaio passou a ser
denominado Banco Del Paraguai. O primeiro banco privado a se instalar ali foi o
5 Depoimento de Maria Teresa Cogorno
55
Banco Exterior de Espanha, em fevereiro de 1969, que se transformou em Banco
Bilbao de Escádia. Essa instituição aceitava correntistas, como pessoa física ou
jurídica, o que não impediu que muitos paraguaios permanecessem como
correntistas no Brasil.
O Interbanco inaugurou sua agência em Pedro Juan Caballero em 14 de
dezembro de 1981; o Banco Del Paraná S. A., em 1982; e o Bancopar, em 1982.
Segundo Medina, este banco presta serviços de financiamento de exportação e
importação de diferentes produtos agrícolas como café, soja e tartago, entre
outros, além de financiar atividades industriais e comerciais e manter
assessoramento financeiro, transferências internacionais em dólar e em moeda
nacional, guarani, e ordens de pagamentos em qualquer parte do país,
dinamizando assim as transações bancárias comerciais no interior do país.
A instalação de bancos na cidade foi enaltecida pelos depoimentos, pois:
o capital financeiro representa a dinâmica ao comércio local nas transações
comerciais de importação e exportação.
Em março de 1947, segundo o Jornal do Comércio de Campo Grande,
houve uma revolução no Paraguai, promovida pelo partido Colorado contra uma
“aliança comunista” liderada pelo Partido Liberal, líder da coalizão opositora de
partidos políticos, com sede da resistência em Concepción apesar de ser pouco
provável que um partido liberal fizesse uma aliança comunista para realizar uma
revolução. Os vencedores denominaram os vencidos de comunistas, embora
estes fossem apenas pessoas pobres e descalças. Importa, porém analisar as
consequências da Revolución de los Pynandí (pés descalços).
Segundo a proprietária da Casa China, Maria Teresa Cogorno, a
revolução “causou mudanças estruturais na sociedade paraguaia”, porque
muitas famílias abandonaram a região e fugiram para os países vizinhos em
busca de asilo político. Mas, a pior ocorrência foi o saqueio, feito pelos
revolucionários em Pedro Juan Caballero. A família Cogorno fugiu para o lado
brasileiro, abandonando a loja: “Ainda observamos a barbárie praticada pelos
revoltosos, sem nada poder fazer”. Com a vitória do Partido Colorado, em agosto
de 1947, “começou nova perseguição violenta aos opositores”. Muitos deles
homiziaram-se na fronteira, fugindo de Concepción. Os depoimentos
apresentaram poucos detalhes, mas pode-se deduzir a forte presença do Estado
que se fez sentir na sociedade civil na disputa pelo controle dos territórios e o
56
domínio do capital financeiro a substituir o domínio do capital em geral, conforme
assinalava LÊNIN (1979, p. 45), à sua época.
Os paraguaios refugiados que se fixaram na fronteira acabaram sendo
selecionados para trabalharem em território brasileiro, na construção civil. Foram
absorvidos como força de trabalho “nas construções de escolas, hospitais e
estrada de rodagem”, finaliza a proprietária sobre o destino dos revoltosos
remanescentes. Como já ocorrera depois da Guerra da Tríplice Aliança, também
ao final da Revolução de 1947, “o proletariado de origem paraguaia” (ALVES,
2005) acabou sendo absorvido por essas atividades laborais. Houve um
contínuo processo de absorção de trabalhadores paraguaios, como, por
exemplo, na colheita do café da Cia América de Fomento Econômico, empresa
do Paraguai que iniciou seus trabalhos em 1952 e encerrou suas atividades em
1958. Essa empresa empregou no plantio e na colheita do café mais de 2.000
paraguaios, muitos deles sobreviventes de Concepción, conforme relatos de
Maria Teresa Cogorno e Medina.
Implantação da política de mecanização do campo em Ponta Porã
Conforme relatos de Medina e da proprietária Maria Teresa Cogorno,
houve incentivo financeiro do governo brasileiro à mecanização da agricultura no
Brasil, na compra de maquinário, no plantio e custeio aos agricultores através do
Banco do Brasil, agência de Ponta Porã. Sem se referir a decretos brasileiros,
os depoentes apontaram uma política levada a efeito pelos decretos militares de
1964 a 1966, em que “o poder público foi levado a interferir praticamente em
todos os setores do sistema” (IANNI, 1996, p. 229-230). IANNI cita, tal fato,
sendo também este testificado por, PAIVA e outros ao afirmar que: “No ano de
1965, o governo federal criou o Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), que
se constituiu numa revolução total do sistema de crédito agrícola no país:
permitiu que toda rede bancária dele viesse a participar” (PAIVA e outros apud
IANNI, 1981, p. 16). Foi nesse momento que se formaram as cooperativas
modernas de produção, comercialização, industrialização e exportação. IANNI
(2005, p. 253) concluiu: “Aos poucos, a indústria instalada no país, em
associação com as multinacionais, cria e recria o mundo agrário”.
A política governamental brasileira e as reformas econômicas do Estado
brasileiro favoreceram o comércio de Ponta Porã e de Pedro Juan Caballero, a
57
partir da produção mecanizada da agricultura na década de 1970. Tal política
produziu o incentivo na produção de grãos, principalmente a soja que foi muito
importante para o desenvolvimento de Ponta Porã, Amambai, Aral Moreira e toda
a região da fronteira, quando muitos gaúchos vieram para o estado para produzir
e comercializar essa commodity, com destaque para a Fazenda Itamarati, a
maior produtora de soja do município. Isso se refletiu no comércio local da
fronteira. A implantação de lojas de produtos de insumos agrícolas e a instalação
de peças para o maquinário agrícola se multiplicaram em Ponta Porã e geraram
empregos e rendas na região.
A indústria do turismo, da compra, da venda e do lazer pode ser dividida
em “mercado instantâneo, feminino, de férias curtas, lazer de fim de semana, de
turismo de negócios, de solteiros, do ócio ativo e o da terceira idade” (VIEIRA,
2003, p. 102-103). A Casa China estabilizou-se no mercado e a sua gestora
investiu na melhoria contínua de seus produtos e, principalmente, na formação
intelectual de sua família, em especial nos estudos dos filhos para prepará-los a
assumir os negócios e, assim, efetivar a ampliação da escala das forças
produtivas e mobilizar todos os meios econômicos e potencializar a
comercialização.
Ainda, se acentua a construção da estrada Ponta Porã a Campo Grande
(1939) e seu asfaltamento em 1979, além da instalação do porto seco em Ciudad
del Este, como fatores importantes do desenvolvimento comercial em Ponta
Porã e em Pedro Juan Caballero. Outros fatores foram o término da construção
do ramal Indubrasil a Maracaju em 1944, aos arredores de Dourados em 1949 e
a Ponta Porã, em 1952, datas anotadas pelos depoentes que favoreceram o
transporte de mercadorias e o incremento do volume de negociações da Casa
China.
Na Figura 5 destaca-se a boa localização da Casa China na linha de
fronteira, na avenida principal, em uma construção robusta e bem apresentável
aos clientes, além de demostrar a boa aparência e a localização bem
centralizada da Casa China nos anos 80 o que atraia muitos clientes para
adquirir seus produtos.
58
Figura 5. Casa China 1980. Fonte: ROIG (1984, p. 296).
Conclusão
O artigo construiu um contexto histórico sobre o desenvolvimento da
fronteira, demarcada como municipalidade de Pedro Juan Caballero/PY, e o
município de Ponta Porã/BR, discutiu as concessões feitas pelo Governo
Paraguaio no Departamento de Amambay a colonos paraguaios (rancheros),
desde 1850, e apropriação do Território Paraguaio por monopólios, bem como,
dos campos de ervais no Sul do Mato Grosso, a Indústria do Tanino e a Cia.
Matte Larangeira.
A Casa China iniciou suas atividades em 1933, período do comércio de
físicos e manufaturados, expandiu-se através da ampliação das suas vendas e
a instalação da aduana em Pedro Juan Caballero. Em 1940, o comércio
manufatureiro foi substituído pela comercialização de produtos provenientes das
indústrias internacionais.
A Casa China comercializou os produtos oriundos do artesanato e da
manufatura paraguaia como permitia o governo na época, até a instalação da
aduana em 1940. O comércio foi analisado pela categoria período manufatureiro
A abstração das mercadorias do mercado mundial, a intervenção do
Estado e do capital financeiro na produção e nas transações comerciais e a
abertura da aduana paraguaia determinaram uma nova fase do comércio,
analisada com a categoria da abstração da mercadoria, esta gerada pela
indústria moderna que exigiu, também, um comércio moderno.
59
A presença do Estado e do capital financeiro determinou a ampliação do
mercado de insumos agrícolas e a extensão de cultivo da soja.
As mudanças na produção e na comercialização favoreceu a expansão
das atividades comerciais da Casa China, atualizando-se em novos rumos
empresariais.
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61
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Caxias do Sul: Educs, 2003. 182p.
62
ANEXO 1
Quadro 2. O quadro 2 foi elaborado a partir de informações coletadas de
pessoas entrevistadas e também de informações de funcionários e ex-
funcionários do Shopping China. Períodos expressivos de desenvolvimento da
Casa China, com os produtos comercializados em períodos da Casa China
Produtos comercializados 1933 –
1940
Produtos comercializados 1941 – 1970
Maquiagem – perfumaria Maquiagem – perfumaria
Polvo – maja/Espanha – creme
feminino
Pó – batons – sombras – cremes
hidratantes Perfumes –Michavel/Argentina -
Sonho Azul/Argentina
Perfume Paco Rabane – Chanel –
desodorante Ther Brut
Batons – esmalte – extratos Creme facial – Shampoo – condicionador
Jabones Laquê
Roupas e tecidos Roupas - tecidos e Canetas Parker
Camisas de seda – seda – calça
de linho inglês – casacos
femininos e masculinos
Moletons – casacos e calças de couros -
Casimira inglesa - Chapéus
Panamá
Camisas – calça jeans - Chapéus Panamá
e femininos
Lenço p/ pescoço – PY Lenços de seda
Utensílios domésticos Utensílios domésticos
Baixelas – jogo de panelas – vaso
de porcelana – Nhandutís – rádio
– cristais
Baixelas de Vereco – jogos de panelas
cristais finos - bandejas – porcelanas
orientais – louças finas - Facas Sollinger
Estatuetas Marchal - Enxovais
p/casa
Estatuetas de porcelana
Malas de couro - Imagem
religiosa
Malas de couro – tesouras
Virela gabinete – Lamparinas Nhandutis
Bebidas Bebidas
Licores – vinhos – Whisky Licores – vinhos – Whisky
Bijuterias e joias Bijuterias e joias
Reina – anéis – correntes –
gargantilhas – brincos – broches
Brincos – pulseiras de prata – bijuterias
Gargantilha – Bijuterias –
balangandãs
Prataria - Bomba de prata para tereré
63
Artigo II
A expansão do Shopping China e o desenvolvimento sustentável na região
de Pedro Juan Caballero e Ponta Porã, 1990-2015
Marco Aurélio Perroni Pires
Resumo
O objeto deste estudo é o Shopping China: a intensificação das forças
produtivas do estabelecimento e os efeitos sociais e econômicos obtidos em
Pedro Juan Caballero e em Ponta Porã, entre 1990 e 2015. E, especificamente,
analisar o incremento das tecnologias no Shopping China e os efeitos sociais e
econômicos produzidos pelo estabelecimento na região. As fontes primárias
foram anotações feitas nas observações, entrevistas semiestruturadas com
diretores da empresa; jornais, fotografias e documentos fornecidos pela empresa
referida e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro Juan
Caballero. As fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas, artigos. A
direção da terceira geração da família Cogorno, a implantação de novas técnicas
de venda, a construção do novo prédio, a consolidação do grupo oligopolista e
os investimentos efetuados em seus empreendimentos colocaram os
fundamentos para a criação do Shopping China.
Palavras-chave: Expansão, Fronteira, comércio.
Shopping China expansion and sustainable development in the regions of
Pedro Juan Caballero and Ponta Porã - 1990 to 2015
Abstract
The object of this study is Shopping China and its impacts on the region of
Pedro Juan Caballero and Ponta Porã between 1990 and 2015. Specific goals
were to analyze the development of Shopping China and its social and
environmental impacts. Primary sources were annotations made in observations,
semi-structured interviews with the company’s director, photographs and
documents provided by the referred enterprise and by the Culture Department of
the Intendance of Pedro Juan Caballero. Secondary sources were collected in
books, magazines and articles. Shopping China transformation and expansion
demanded, too, the implementation of new selling techniques, such as a self-
64
service system, a new building construction for the display of imported products
held by the store, consolidation of the oligopolistic group and investments in other
enterprises.
Keywords: Expansion, frontier, commerce.
Introdução
Os portos do rio Paraguai foram abertos, após a Guerra da Tríplice
Aliança, liberando o comércio de mercadorias. Em terras guaranis, ao longo do
rio Paraguai, circularam produtos da pecuária, da erva-mate e do tanino
(quebracho), uma produção controlada por dezenas de empresas estrangeiras.
Na região de fronteira, entre Brasil e Paraguai, desde o final do século
XIX, operou-se o comércio da erva-mate, como o principal produto, entre Punta
Porá, atual Pedro Juan Caballero, e o porto de Concepción. Em 1930, o comércio
de secos e molhados tornou-se importante, quando, no lado brasileiro, foram
formados fazendas e sítios por imigrantes gaúchos, paulistas e mineiros que se
estabeleceram, desde o início do século XX, na região.
O italiano Felipe Cogorno6, em 1933, após permanecer algum tempo no
Uruguai, fixou-se com duas casas comerciais, China e Nipon, em Pedro Juan
Caballero e com uma loja em Ponta Porã, de nome Casa Rosa.
Em 1940, o comerciante reuniu os negócios num grande estabelecimento
comercial, de nome Casa China. A concentração de mercadorias numa única
casa comercial, num amplo espaço, possibilitou a intensificação da divisão do
trabalho e a negociação de produtos provenientes da indústria moderna. Os
mecanismos de comercialização de mercadorias sofreram mudanças, seguindo
as transformações operadas nas técnicas de produção das grandes indústrias
mundiais. Os produtos comercializados provinham, em grande parte, do porto de
Concepción, em comitivas de carruagens.
Na década de 1990, a Casa China, tendo a terceira geração da família à
frente dos negócios, transformou-se em Shopping China em 1995, um oligopólio
poderoso que, além de criar filiais em cidades fronteiriças importantes, mantém
outros empreendimentos, entre eles fazendas de gado e postos de gasolina.
6 Felipe Cogorno Canale, italiano, fundador da Casa China em 1933.
65
O objeto deste estudo é o Shopping China: a utilização de novas forças
produtivas no estabelecimento e os efeitos sociais e econômicos obtidos em
Pedro Juan Caballero e em Ponta Porã, entre 1990 e 2015. O objetivo do estudo
foi analisar o incremento das tecnologias no Shopping China e os efeitos sociais
e econômicos produzidos na região
Material e Métodos
O artigo foi estruturado em três períodos: O Desenvolvimento Econômico
do Shopping China no Primeiro Período 1990 – 1999; A Construção do novo
prédio e a ampliação do negócio 1999-2009; A Consolidação do Shopping China
2010-2015.
As fontes primárias, utilizadas na coleta de dados, foram as anotações
feitas por ocasião da observação empírica, jornais, relatos, depoimentos de
diretores, sites da empresa, fotografias e documentos fornecidos pelos diretores
do Shopping China e pelo Departamento de Cultura da Intendência de Pedro
Juan Caballero. As fontes secundárias foram coletadas em livros, revistas e
artigos.
A coleta de dados foi realizada a partir de vários procedimentos: a
observação empírica feita em visitas ao local de atividades da loja, com registro
das observações; entrevistas realizadas com diretores, gerentes, supervisores e
funcionários do Shopping China; e depoimentos colhidos junto aos proprietários
do estabelecimento comercial. Na visita à Associação Comercial do Paraguai
foram colhidos depoimentos do presidente, de um ex-presidente, de diretores e
de três membros da instituição. Também, foram reunidos depoimentos dos
membros do Departamento de Cultura do Departamento de Amambai e relatos
do diretor de Cultura da Intendência de Pedro Juan Caballero.
Os dados coletados foram sistematizados, de acordo com as respostas
das entrevistas e com os documentos disponíveis, em temática principal e em
sub-temáticas, seguindo as orientações da Análise Temática de BARDIN (2011):
A temática principal foram as ações decisivas da empresa, com as
seguintes práticas comerciais, entendidas como sub-temáticas.
O primeiro período caracterizou-se pela mudança no comando da
empresa, agora sob a direção dos netos do fundador, formados em curso
superior. As ações decisivas da empresa foram sistematizadas em maior
66
sofisticação da divisão do trabalho, em modernas técnicas de gestão e a
atualização profissional do funcionalismo; na diminuição do custo na circulação
da mercadoria, por força das transformações ocorridas nos meios de transporte
rodoviário entre Pedro Juan Caballero e o porto seco de Ciudad del Este; na
ampliação do espaço físico da Casa China; na introdução do self-service; e no
presença do capital financeiro, junto ao capital familiar.
Para este período foram utilizados documentos da municipalidade de
Pedro Juan Caballero, da Associação Comercial e também depoimentos e
relatos dos proprietários, além do jornal eletrônico.
No segundo período, as sub-temáticas foram sistematizadas da seguinte
maneira: manutenção do sistema self-service; construção do prédio; e atuação
da municipalidade.
Para o segundo período foram coletados depoimentos e relatos dos
membros da associação comercial paraguaia, dos membros da família,
entrevistas em jornal, revistas e fotos;
O terceiro período caracterizou-se pelo investimento na expansão da
empresa mediante a comercialização de produtos de alta qualidade, que
favoreceram a ampliação de negócios e determinaram novos mercados.
Para o terceiro período a análise foi realizada com os dados seguintes:
relatos e depoimentos dos membros da associação comercial paraguaia,
membros da família, registro das visitas à municipalidade e à biblioteca
municipal, consulta a jornais, revistas e fotografias.
Resultados e Discussão
Segundo o depoimento de Mariano Godoy7, a partir de 1990, novos rumos
se deram na administração da Casa China, caracterizaram-se pela formação
profissional dos netos da família Cogorno8 a assumir o empreendimento; pela
intensificação da divisão do trabalho; pelo capital financeiro que se colocou à
disposição da família; pela redução do tempo da circulação da mercadoria, por
meio de um transporte eficiente, e pela confiança no crescimento dos recursos
financeiros investidos na empresa. Em síntese, afirma-se que a família Cogorno
utilizou novas forças produtivas nas suas atividades comerciais.
7 Mariano Godoy, empresário e corretor concedeu depoimento sobre a história da nova geração Casa China, 2016. 8 Família Cogorno, terceira geração (netos) de Felipe Cogorno Canale.
67
A terceira geração do grupo familiar assumiu o comando da Casa China,
renovando as práticas comerciais através de novas estratégias de mercado,
aprendidas na formação profissional. Felipe Cogorno9 formou-se em
Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas em São Paulo;
Gustavo Cogorno10 diplomou-se pela Universidade Federal de Administração
Rural em Viçosa/MG e José Carlos Cogorno11 formou-se em Direito pela
Universidade Nacional em Assunção/PY. A Casa China começou a desenvolver
uma nova etapa em seu trabalho comercial, quando os novos, profissionais
assumiram os negócios. Conjuntamente, eles “passaram a trabalhar na empresa
comercial e nos demais empreendimentos da família e a tomar parte nas
decisões administrativas junto com a mãe”12.
O esquema obedece ao que Felipe Cogorno explicitou em entrevista ao
jornal eletrônico “La Nación”, (julho de 2017) por vários fatores: pela ampliação
do espaço físico, pela modernização da gestão, pela redução do tempo da
circulação da mercadoria com transporte eficiente, pelo aumento dos recursos
financeiros investidos na empresa, pela importação de produtos e pela aplicação
de uma nova metodologia de trabalho.
O Desenvolvimento Econômico do Shopping China no Primeiro Período
1990 – 1999
Quando se afirma que a ciência da economia moderna se desloca da
distribuição para a produção, significa que a investigação inicia na criação do
valor econômico, produzido pela força de trabalho. Os irmãos Cogorno, em seus
depoimentos, não se referiram à teoria do valor, mas conheciam a sua parte
prática na acumulação do capital comercial e que a circulação de mercadorias
modernas somente é possível porque o produto foi fabricado em indústrias
modernas. Entenderam que as forças produtivas desenvolvidas na indústria,
também devem ser básicas no comércio, citando como exemplo o self-service,
uma força produtiva importante para facilitar o contato do cliente com a
mercadoria e incrementar o lucro.
9 Felipe Cogorno, primeiro Neto de Felipe Cogorno Canale, e Diretor Presidente do Grupo Shopping China. 10 Gustavo Cogorno, segundo Neto de Felipe Cogorno Canale. 11 José Carlos Cogorno, terceiro Neto de Felipe Cogorno Canale. 12 Maria Tereza Alvarez Samaniego de Cogorno, Nora de Felipe Cogorno Canale; mãe de Felipe, Gustavo e José Carlo. Concedeu depoimento 2017/1.
68
Segundo o empresário Godoy, em decorrência do aumento do fluxo do
capital e da empregabilidade estabelecida, “o desenvolvimento da Casa China
foi inevitável”. As novas filiais instituídas nas cidades turísticas do Paraguai foram
consideradas o segundo impacto causado pela Casa China. Os proprietários do
estabelecimento seguiram as leis econômicas da sociedade capitalista,
conforme afirmação de AUED (1981, p. 21):
“As leis econômicas do capitalismo impõem ao capital
individual comportamento incessante (constante) de
apropriar-se da maior parte do valor excedente gerado na
sociedade. Esta apropriação, na forma dinheiro, só se torna
possível depois que as mercadorias são realizadas, isto é,
quando o valor capital abandona a forma mercadoria e
adquire a forma do equivalente universal: o dinheiro”.
Godoy informou a ampliação e a expansão do capital investido nas filiais
de Salto del Guayrá e em Ciudad del Este. O relato do presidente da Associação
Comercial paraguaia Alejandro Aranha13, confirma o fluxo estabelecido pelas leis
econômicas da sociedade capitalista “com as instalações ampliadas de 300m²
para 6.500m² e a casa comercial cadastrada como importadora especial passou,
também, a importar diretamente dos fornecedores asiáticos”. A abertura da filial
em Ciudad del Este, no ano de 1995, além da expansão comercial, teve o
objetivo de mais explicitamente, receber os produtos importados, vindos pelo
porto de Paranaguá, transportados em território brasileiro.
Pelo depoimento de Aranha, o movimento da Casa China aumentou
devido ao Plano Collor e, posteriormente, ao Plano Real. Foi uma consequência
do sistema self-service, foi uma nova força produtiva também a criação de novas
filiais. O aumento da clientela foi uma consequência do investimento de capital
financeiro, esta sim, uma força produtiva válida e eficiente.
A consequência foram vendas de volumes grandes de mercadorias. Os
proprietários passaram, então, a ventilar a necessidade de ampliar mais uma vez
o espaço físico, agora para oferecer de modo mais amplo e adequado aos
13 Alejandro Aranha, empresário e Presidente da Associação Comercial de Pedro Juan Caballero/PY. Concedeu depoimento em junho de 2017.
69
produtos importados das grandes marcas internacionais e, sobretudo, uma
melhor acomodação para exposição dessas mercadorias. E repetiam dar mais
conforto, espaço e comodidade ao público.
O capitalista, para vender, aumenta a jornada de trabalho no interior de
sua loja. Conforme AUED (1981, p. 22), através da exploração da força de
trabalho “é que os capitalistas poderão acumular e produzir seus capitais numa
escala ampliada”. A Casa China aumentou suas vendas e o seu movimento,
contratando dois mil trabalhadores, conforme informações colhidas na
Associação Comercial de Pedro Juan Caballero.
Segundo Felipe Cogorno (neto), “a implantação da nova dinâmica,
estabelecida pelo Shopping China, impactou os comerciantes de Pedro Juan
Caballero, que perceberam as mudanças consistentes e efetivas”. Como
consequência, alguns se aventuraram copiando suas ideias e algumas
empresas procuraram estabelecer novos procedimentos organizacionais,
repetindo o que foi realizado pela casa comercial. Contudo, “nem todos
conseguiram estabelecer os métodos organizacionais capazes de efetuar as
mudanças necessárias e também muitos sucumbiram nessa tentativa”.
A reordenação do trabalho efetivou-se com técnicas de marketing mais
agressivo, a qualificação da força de trabalho no sistema self-service, o uso de
uniforme por parte dos funcionários da empresa, a organização do layout, a
padronização de setores e com uniformização de procedimentos. O conjunto de
medidas reduziu custos, padronizou as estratégias organizacionais e foi avaliado
pelos proprietários como “impactos”. Evitou-se aqui o termo, substituindo-o por
desenvolvimento das forças produtivas na comercialização que corresponde
mais à questão do crescimento da Casa China.
O essencial a investigar, porém, não se satisfaz com as formas aparentes,
que são importantes, mas, não levam em consideração a conexão interna dos
fenômenos. É preciso considerar que, na trajetória histórica da Casa China, o
domínio do capital financeiro substituiu o capital familiar e o capital, em geral, o
que possibilitou a formação de um oligopólio. Paralela a essa nova situação
econômica do estabelecimento, a livre concorrência foi substituída pelo
monopólio. Em termos teóricos, no capitalismo concorrencial exportavam-se
mercadorias; nos monopólios, exportam-se capitais (LÊNIN, 1979, p. 60). Os
monopólios introduziram seus métodos em toda a parte, porque controlaram as
70
fontes de matérias-primas nas indústrias, a fabricação de produtos acabados e
a circulação das mercadorias.
Os monopólios distribuíram os produtos segundo um plano único entre
dezenas de milhões de consumidores num comércio mundial, subordinado à
indústria moderna. Elaboraram um discurso e sempre destacaram o que é a
forma aparente: velar por uma constante harmonia entre a produção e o
consumo, porque o resultado prático é o lucro comercial. Conheceram a teoria
do valor-trabalho de Smith e Ricardo: o trabalho despendido na produção das
mercadorias constitui a medida do valor da troca e expressa os preços em
dinheiro. Dessa forma, entender a produção da mercadoria é captar o
funcionamento da produção capitalista. Tem-se que o essencial a investigar
deve revelar que o valor é formado pelo trabalho social e o valor de troca, a razão
da comercialização, constitui a forma de manifestação do valor. Tal explicação
teórica vai além da forma aparente de ver e negociar produtos acabados, que se
apresentam prontos nas prateleiras, ocultando sua produção. Por isso, a ciência
moderna deve partir não do produto acabado nas vitrines, mas da produção com
o dispêndio da força de trabalho.
O capital acumulado e a produção de riquezas provêm da inteligência dos
proprietários e das novas tecnologias instaladas para obter maior venda e
maiores lucros. Provém, principalmente, do capital financeiro investido nos
negócios e na apropriação do valor criado pela força de trabalho do
estabelecimento.
Funcionários da empresa, em entrevista, relataram, também, a ampliação
da loja: a modernização do estabelecimento e o aumento do capital, que
proporcionou sua expansão em 1995 (Figura 1).
Figura 1. Fotos da Casa China em 1994 (à esquerda) e, do Shopping China (à
direita) com 6.500m² de área. Fonte: JORNAL LA NACIÓN (2017).
71
O crescimento das vendas transformou a Casa China em acumulador e
reprodutor de seu capital em larga escala, o que fez com que o capital financeiro
lhe abrisse as portas, através dos bancos, oferecendo-lhes financiamento e
investimentos. O crescimento físico exigiu a melhora no layout da loja e a
intensificação da divisão do trabalho foi fundamental para o seu sucesso. Os
vendedores, responsáveis pelas gôndolas, colocavam o seu número individual,
por meio de uma pequena tarjeta nos produtos, para melhor controlar a venda
de cada um, isso porque eles recebiam o equivalente ao salário comercial do
Paraguai mais a comissão, conforme relato de ex-funcionários: “Recebemos um
salário comercial e mais a comissão, que varia de produto a produto, no
percentual de 0,01% a 0,40%”.
O aumento do fluxo de turistas e os produtos ofertados muitas vezes
requeriam mais tempo do funcionário, o que acarretava aumento da jornada de
trabalho, compensado pela comissão. Os funcionários não se referiram, e nem
tinham condições para a ela aludir, à mais-valia gerada e ampliada pela jornada
extensiva do trabalho.
Segundo relato de ex-funcionários e também de membros da Associação
Comercial paraguaia, não só os consumidores, mas também os concorrentes
perceberam os detalhes do atendimento ao cliente, considerado “diferenciado”.
A expansão do capital social levou ao aumento do número de funcionários que,
de cinco, em 1990, passou para 230 empregados em 1995 e de 2 mil na
atualidade.
O incremento da atividade econômica e, consequentemente do lucro,
resultou na instalação dos demais negócios da família: a aquisição de prédios e
estabelecimentos, postos de gasolina e fazendas. Isso só foi possível com
disponibilidade de capital financeiro.
O membro da Junta Comercial Paraguaya, Alejo Mendieta14, no início da
década de 1990, em Pedro Juan Caballero, existiam muitas casas comerciais
em atividade, destacando-se duas por se utilizarem de novas técnicas de
mercado agressivos e diferenciados: “A Casa dos Pueblos e o Stúdio Center
introduziram novas e modernas técnicas mercadológicas de trabalho com o
controle de entrada e saída de mercadorias, atendimento diferenciado aos
14 Alejo Mendieta, empresário, jornalista e membro da Junta Comercial Paraguaya. Concedeu depoimento em 2017/1.
72
clientes e padronizações de procedimentos”. O depoimento continua: “As duas
casas comerciais não utilizavam o sistema self-service”. A Casa dos Pueblos
encerrou suas atividades, no início de 2.000, e o Studio Center é uma casa
comercial de médio porte.
A utilização do self-sevice foi indicada pela família Cogorno como causa
primeira do desenvolvimento da empresa. O mesmo pensamento marcou o
depoimento do representante da Junta Comercial. Este estudo considerou a
inovação como uma ferramenta de efeito propulsor, exigida pela modernização
da indústria e subordinada ao capital financeiro, investido na empresa. Há que
se reconhecer a nova força produtiva introduzida no estabelecimento com o
sistema self-service. Entretanto, os determinantes principais do desenvolvimento
do Shopping China foram o capital e sua preponderância como oligopólio. Na
concorrência inter-monopolista é o capital financeiro que desempenha o papel
principal. Continuando seu depoimento, Mendieta informou:
“Com o aumento do capital, vieram as primeiras aquisições
patrimoniais, o aumento do espaço físico para a realização
das vendas, o diferencial organizacional e suas
consequências, maior credibilidade e confiança por parte
dos proprietários e o aumento do lucro objeto do capitalismo
o que levou os proprietários a se aproximarem do capital
financeiro para futuros investimentos”.
A frota de 40 veículos facilitou o transporte rápido entre Pedro Juan
Caballero e os postos de abastecimentos paraguaios e brasileiros. Facilitou o
trabalho do comerciante que não necessitou mais estar presente fisicamente por
ocasião das trocas, bastando-lhe recorrer ao telefone para adquirir volumes de
mercadorias padronizadas. Felipe Cogorno, o neto do fundador, em entrevista
ao jornal eletrônico “La Nación”, (julho de 2017) apontou o valor do transporte
próprio, afirmando que “deu rapidez e agilidade na comercialização, impulsionou
os negócios e aprimorou o atendimento da Casa China”. Não dependia mais de
intermediários para buscar os produtos nos portos e, assim, pôde reduzir os
preços dos artigos, aumentar as vendas, enfrentar com sucesso a concorrência
e converter o capital-mercadoria em dinheiro, seguindo os tratados de economia
73
aprendidos nos cursos superiores: “O capitalista que conseguir reduzir o valor
de sua mercadoria será aquele que mais facilmente transmutará o capital-
mercadoria em dinheiro” (AUED, 1981, p. 22).
A modernização possibilitou o oferecimento de 70.000 mil produtos em
1996 e ensejou a mudança da Casa China em Shopping China, realizada em
1999, graças à concentração do capital. O estabelecimento comercial, dessa
forma, seguiu a tendência, que concentra a produção e o capital, enquanto
característica marcante do capitalismo.
Em entrevista, o proprietário afirmou, ademais que os irmãos, integrados
nos negócios, perceberam a necessidade de implantar mudanças no comércio.
Revelou um motivo que os levou a inovar: percebendo o momento de irritação
de um funcionário com um cliente que queria pegar na mão um produto para
avaliá-lo, ação não permitida no estabelecimento. A vontade do comprador foi “o
insight para implantar o sistema self-service”. O depoente considerou o incidente
como fator de mudança de comportamento administrativo, pois lhe surgiu a
clareza de que o cliente queria ver de perto a mercadoria exposta nas prateleiras
e compará-la com mercadorias semelhantes. Apesar de o produto estar
padronizado, o cliente mantém a tendência do comerciante de físicos: quis
verificar a qualidade da mercadoria e não acreditou cegamente no produto que
apresentou-se padronizado e aprovado pelas instituições pertinentes. A
introdução do self-service foi considerada pela família Cogorno “um impacto
causado pela empresa”. A abstração das trocas, a que a família comerciante
estava acostumada a praticar, não serve para o cliente.
O self-service foi uma força produtiva nova introduzida por Felipe e seus
irmãos, uma ação comercial que liberou a mercadoria, produzida pelas indústrias
e lavouras modernas, alimentadas pelo capital financeiro e por tecnologias
avançadas e que, ipso facto, o comércio, institucionalmente ligado à produção,
também deveria apresentar-se com técnicas atualizadas. Pela formação e
experiência, aprenderam os irmãos comerciantes que produto bom para
comercializar é o efetuado pela produção moderna, que impõe qualidade e se
apresenta como dominante na circulação e no consumo. A seu modo, captaram
que o comércio estava subordinado à produção, que o valor da mercadoria é
criado na produção e se concretiza no consumo.
74
A Construção do novo prédio e a ampliação do negócio (1999-2009)
Também, Godoy atribui a instalação do Shopping China, num novo local,
à expansão dos negócios da empresa e às estratégias da comercialização de
mercadorias de alta rotatividade, com tecnologia moderna. O depoente atribuiu
às novas estratégias nas trocas a responsabilidade da construção de um amplo
prédio. Na realidade, a capacidade de acumular capital, transmudando o capital-
mercadoria em dinheiro, proporcionou a construção de nova casa comercial. A
teoria, segundo AUED (1981, p. 22), é a de que: “o capitalista que conseguir
reduzir o valor da sua mercadoria será aquele que mais facilmente transmutará
o capital-mercadoria em dinheiro”. Além do capital familiar, o decisivo foi o capital
financeiro investido no estabelecimento.
Godoy e Mendieta, também, reiteraram o entendimento, ao afirmar que,
no final da década de 1990, o Banco BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria
Paraguay S.A.) ofereceu um crédito em dólares que instigou o grupo a construir
o novo prédio. Felipe Cogorno manifestou-se ser possuidor de alguns terrenos,
fruto de investimento que sua mãe fizera anteriormente, com a finalidade de
concretizar o projeto.
Inicialmente, o grupo pensou em construir próximo ao estabelecimento
principal, na rua lateral ao prédio, na Laguna Punta Porá, em uma área de 6.500
m². Entretanto, depois de consultar um especialista em marketing, perceberam
não ser ali o melhor local. Procuraram outro terreno da família na entrada da
cidade, com sete hectares. Porém, a propriedade localizava-se num banhado, o
que não impediu, de ser o escolhido, pois ali, em quarenta minutos, passava o
mesmo número de automóveis que no terreno próximo da lagoa. Conforme o
engenheiro Luiz Cogorno15, era preciso ajustar o terreno com aterramento e
drenagem do local, para o início das obras. Isso foi providenciado e as obras
tiveram início em fevereiro de 2004.
Segundo Felipe Cogorno, a princípio, pretendia-se construir um depósito,
contudo a ideia prosperou para a construção de um grande prédio para
exposição dos produtos e também uma praça de alimentação. Dois anos mais
tarde, iniciou-se a primeira ampliação do empreendimento.
15 Luiz Cogorno, Engenheiro Civil, sobrinho de Maria Tereza Cogorno. Depoimento sobre o aterramento do terreno onde se construiu o Shopping China.
75
Figura 2. Mostra a construção e o prédio concluído do Shopping China em 2005.
Fonte: SHOPPING CHINA (2017).
Conforme os proprietários, o comércio começou a se expandir a partir da
Rua Carlos Domingues, esquina com Bernardino Caballero sentido Shopping
China. Os comerciantes paraguaios investiram ali, inicialmente, no comércio de
pneumáticos, inaugurando um novo ponto comercial em Pedro Juan Caballero.
Mendieta e Godoy, em depoimento, referiram-se à construção do novo prédio,
atribuindo-lhe a valorização da área, com a instalação de empresas e
condomínios residenciais.
Em 2005, segundo Alejandro Aranha, o novo intendente da
Municipalidade implantou a cobrança de dois impostos que não eram cobrados
anteriormente: a Patente Comercial e o Imposto Imobiliário, criados a partir da
reformulação tributária em Pedro Juan Caballero, com aumento de suas
alíquotas. Nessa época, já havia a cobrança do IVA Imposto Nacional de
Importação com alíquota de 10% e o Imposto de Renda Pessoa física e jurídica,
ambos com 5% de alíquota.
Godoy relatou que, em 2009, foram feitos investimentos para ampliar a
loja de Salto del Guayrá e começou, também, a construção do prédio ao lado do
Shopping China para o funcionamento do Hipermercado Max II16 e do posto de
16 Hipermercado Max I e II, os quatro postos Petrobrás de Pedro Juan, o Atacado Fortis e o Shopping Outlet, também fazem parte do Grupo Shopping China.
76
combustível Petrotruck. A família Cogorno construiu, por fim, o prédio do Atacado
Fortis e mais um posto Petrobrás no mesmo espaço.
Ocorreu, contudo, um impasse ambiental com a construção do prédio do
Shopping China, pelo aterramento e consequente elevação do terreno, que se
encontrava em região alagadiça, a fim de posicioná-lo no nível da rua.
É importante ressaltar que, na municipalidade de Pedro Juan Caballero,
não existia lei ambiental que impossibilitasse a construção do prédio. Bastava
apenas a autorização da municipalidade. Contudo, o que não foi previsto é que,
na época das chuvas, estas águas, despejadas na área construída do Shopping
China, escorreriam para os locais mais baixos, não aterrados, onde se
encontram os residenciais, causando transtornos aos moradores da região. A
problemática ficou a cargo da municipalidade, que ainda está procurando sanar
o problema.
De acordo com relato de membros da Associação de Comércio do
Paraguai, com a transferência do Shopping para a entrada da cidade, houve um
melhoramento no trânsito do centro comercial de Pedro Juan Caballero, que
estava muito congestionado. Estimaram uma redução de 60% no fluxo de
veículos. Entretanto, isso não causou perdas ao comércio central de Pedro Juan
Caballero, nas palavras do empresário e jornalista Mendieta.
A municipalidade havia instituído o Imposto Imobiliário e a Patente
Comercial que mantiveram suas alíquotas. O IVA, imposto nacional, não sofreu
nenhuma alteração em sua alíquota. Isso dificultou os negócios, pois os impostos
incidiram sobre o valor final da mercadoria, conforme depoimento de ex-
funcionários.
As leis econômicas da sociedade capitalista impuseram aos irmãos
proprietários um comportamento incessante de apropriar-se da maior parte do
valor gerado. Os produtos importados do porto seco de Ciudad del Leste, já
pagos com o equivalente em dinheiro aos fornecedores, foram revendidos em
Pedro Juan Caballero, depois de haver diminuído os custos do transporte
mediante a subtração do tempo de circulação da mercadoria. No entanto, os
impostos continuavam a ser recolhidos, aumentando os custos, evidentemente
necessários e não questionados.
77
A Consolidação do Shopping China (2010-2015)
O terceiro período se caracterizou pelo investimento na expansão da
empresa mediante produtos novos, de alta qualidade, que favoreceram a
ampliação de negócios, buscando outros nichos de mercado para suprir as
necessidades de compras dos clientes do Shopping China.
Conforme relatos de Godoy e Mendieta, em 2011, iniciaram-se as obras
de construção do Planet Outlet, com 16.000 m² e no ano de 2015 começaram a
planejar e projetar a nova loja em Ciudad del Este, dentro do Shopping Paris.
Conforme relato de Alejo Mendieta, o Shopping China negociava seus
produtos junto aos mercados norte-americano, europeu, latino-americano,
australiano, japonês, desde 2.000, quando os empresários começaram também
a comprar dos países asiáticos.
A evolução do crescimento comprovado com o número de habitantes
(Tabela 1), segundo a Associação Comercial paraguaia a população de Pedro
Juan Caballero é de 135.455 habitantes e o número de turistas que visitam o
Shopping China chega aos 4.000. Número de colaboradores do grupo é de
3.500, e o aumento das casas comerciais chega a 3.520 estabelecimentos, o
que denota a evolução e o desenvolvimento do município paraguaio.
Tabela 1. Crescimento populacional de Pedro Juan Caballero, a expansão e
ampliação do Shopping China o aumento de trabalhadores e no comércio
Pedrojuanino
Shopping
China
Nº de
Habitantes
de Pedro
Juan
Caballero
Nº de Casas
Comerciais em
Pedro Juan
Caballero
Nº de
Trabalhadores
do Shopping
China
Nº de
Turistas
no
Shopping
China
1990/1999 83.000 1.930 230 2.230
2000/2009 91.350 3.030 1.500 3.800
2010/2015 135.455 3.520 3.500 4.000
Fonte: Associação Comercial paraguaia, junho de 2017.
À medida que o grupo se consolidava, aumentavam-se as exigências dos
fornecedores que impuseram maiores cotas de mercadorias a serem
comercializadas. Em décadas seguintes, as mercadorias foram adquiridas
78
também em entrepostos do Brasil. Atualmente, o Shopping China tem quatro
lojas, Pedro Juan Caballero, Salto del Guayrá no Paraguai, Chuy no Uruguai e
Puerto Aguirre Bolívia, localizadas estrategicamente com a fronteira do Brasil.
Em construção está uma quinta loja em Ciudad del Leste. Com exceção de Chuy,
localizam-se as demais no Paraguai, a poucos quilômetros do território brasileiro;
a loja de Chuy, Uruguai, também está voltada aos consumidores brasileiros.
Texto de Lênin, o intelectual que estudou minuciosamente o movimento do
capital financeiro e das empresas monopolistas.
O capitalista necessita transformar a mercadoria em dinheiro, contudo a
concorrência o faz reduzir o seu preço, diminuir a força de trabalho, aumentar a
produtividade. O capitalista que consegue realizar estas ações é aquele que
mais facilmente transforma sua mercadoria em dinheiro AUED (1981, p. 22).
O comerciante, geralmente, utiliza o trabalho dos funcionários e o
aumento de artigos de venda, a afim de vencer a concorrência com outros
comerciantes. AUED (1981, p. 21-22) expõe a oposição entre comerciantes:
“Esta busca os colocará frente a frente como litigantes, pois,
se um deles necessita transformar o valor excedente em
capital, o outro também necessita percorrer o mesmo
caminho, transformando-os em oponentes na esfera do
mercado”.
Conforme a teoria econômica clássica, a concorrência normalmente se
vence com o aumento da jornada de trabalho ou com introdução de novas forças
produtivas. Entretanto, no caso do Shopping China, a concorrência normal foi
superada com a instalação do oligopólio. Conforme LÊNIN (1979, p. 38), “A
substituição do velho capitalismo, onde reinava a livre concorrência, por um
novo, onde reina o monopólio”.
Segundo relato de Aranha, o aumento do patrimônio do grupo
efetivamente puxou o crescimento da cidade, “causando impacto ocupacional de
novas e velhas empresas para a região do Shopping China, a partir da Rua
Carlos Domingues esquina com Bernardino Caballero”. O comércio de
pneumáticos é um bom exemplo, além dos serviços de postos de gasolina,
79
hospitais, condomínios, hotéis, oficinas, empresas de transporte, autopeças,
comércio, restaurantes e outras empresas diversas.
A região do Shopping China chama a atenção pelo movimento de turistas,
principalmente nos fins de semana e feriados (Figura 3).
Figura 3. O movimento dos turistas e o crescimento da região do Shopping
China. Fonte: SHOPPING CHINA (2017).
Apesar do movimento acentuado de clientes do Shopping China, em
2014, a crise econômica mundial se acentuou e atingiu o comércio na região de
fronteira quando U$ 1,00 o dólar chegou a alcançar o valor de R$ 4,00, fato que
esvaziou o Shopping China e o comércio de Pedro Juan Caballero. Nessa fase,
segundo o Presidente da Associação Comercial de Pedro Juan Caballero,
Alejandro Aranha, o comércio teve uma baixa de mais de sessenta casas
comerciais. O número de dispensados, segundo o pessoal do R. H. do Shopping
China, chegou a 600 (seiscentos) funcionários.
Neste mesmo período, o intendente já no seu terceiro mandato,
reformulou os valores das alíquotas dos dois impostos: Imobiliário e Patente
Comercial. Segundo dados da Municipalidade Paraguaia, os impostos Imobiliário
e Patente Comercial, implantados em 2005, têm cobranças especificas,
explicadas a seguir.
O Imposto Imobiliário, sobre o valor fiscal da terra e da área construída,
divide-se em três zonas: zona preferencial (área nobre) com asfalto,
empedramento e terra; zona Urbana com asfalto, empedramento e terra e zona
Suburbana com asfalto, empedramento e terra. A municipalidade cobra um
percentual sobre o valor do terreno, a área construída, mais 1% sobre a
valoração fiscal. A área construída é dividida por 10 categorias e por antiguidade.
80
Para se realizar o cálculo do imposto devido soma-se uma das categorias
avaliadas, somadas à antiguidade do prédio, mais 1%:
Imposto Imobiliário = C+A+1%.
A Patente Comercial é regida pela lei 135/91/Nac/PY que determina as
alíquotas de acordo com o tamanho do empreendimento comercial (pequeno,
médio e grande), assim calculada:
Patente Comercial = Vlr. Ativo+Tam.+0,01%+0,75
Os valores dos impostos cobrados em Pedro Juan Caballero incidiram,
diretamente, no valor das mercadorias comercializadas na fronteira, que
encareceu o produto final comercializado na região.
Segundo relatos de Aranha e Mendieta, em 2015 o intendente municipal
iniciou negociação junto ao Banco Mundial para solucionar o impacto ambiental,
causado pela construção do prédio do Shopping China, para escoamento das
águas da chuva que assolam os condomínios e empresas da região. Somente
em 2016 saiu o financiamento do Banco Mundial no valor de U$ 3.000.000,00
para solucionar o problema.
O relato de Maria Tereza Cogorno sinaliza: “Outro impacto foram as ações
sociais do grupo”. O Shopping China realizou a manutenção do prédio da creche
do Paraguai e, na opinião da proprietária, apostou no desenvolvimento do país,
promovendo educação básica das crianças, e contribuindo com a nutrição delas,
por meio da distribuição de alimentos às escolas públicas de Pedro Juan
Caballero, cujas doações atendem a aproximadamente três mil crianças de baixo
nível econômico.
Prestou auxílio aos asilos do Brasil e do Paraguai e, além disso, o
Shopping China tem um projeto chamado Operación Sonrisa para crianças com
lábio leporino, as quais são encaminhadas para Assunção, com a mãe, onde
recebem toda a assistência de hospedagem, translado alimentação e o que for
necessário para o tratamento.
O Shopping China dispõe de um consultório médico planejado para
colaboradores e clientes de primeiros socorros e em 2015, o Shopping China
81
adquiriu um contêiner com cadeiras de roda para atender às pessoas
necessitadas tanto de Pedro Juan Caballero como de Ponta Porã.
Conclusão
As considerações finais do artigo referem-se à reconstrução científica do
processo histórico do desenvolvimento do Shopping China.
Felipe Cogorno, o fundador das casas comerciais, controlou a empresa,
administrando-a até sua morte. Da mesma forma, com sua morte, a família
assumiu todas as responsabilidades. Maria Teresa Cogorno, nora do fundador,
ao assumir a Casa China, providenciou a formação acadêmica dos filhos que,
no retorno dos estudos, inovaram a comercialização da loja, numa decisão de
gerência compartilhada e globalizada dos negócios. Com robusto capital teórico
adquirido, transformaram a loja em Shopping China.
Observou-se que, em seus depoimentos, os novos administradores não
se conceberam como burgueses que conquistaram uma renda capitalizada
mediante trabalho árduo, vida frugal de poupança e trabalho próprio, como sói
acontecer com pessoas de êxito. O trabalho próprio da família, enquanto única
forma de enriquecimento, havia ficado para trás. Reconheceram as qualidades
da poupança e do trabalho próprio dos antepassados como necessárias,
atribuindo o comércio sólido e consistente, que herdaram, ao trabalho próprio da
família, com o acréscimo de que, em décadas seguidas, o desenvolvimento deu-
se, também, com o trabalho de funcionários, técnicos e especialistas.
Os administradores, da terceira geração familiar, não vincularam a
conquista da renda capitalizada a um capital inicial ou a uma grande experiência
comercial de seus avós, ainda em terras italianas; sintetizaram apenas:
“Compraram uma carreta de segunda mão em Concepción para iniciar o
trabalho”.
Com a experiência adquirida nas práticas comerciais da família, somada
à formação acadêmica, os irmãos reconheceram que o trabalho próprio foi
decisivo nos primeiros tempos, porque foi necessário trabalhar e poupar.
Entretanto, no decorrer das décadas de comercialização, a força de trabalho
alheia, aliada ao capital financeiro, para eles, justificou e legitimou a conquista
dos bens materiais. O discurso dos depoentes proprietários, entretanto, dirigiu-
se a comprovar o êxito comercial com a introdução de novas tecnologias, citando
82
o self-service, as inovações administrativas e a aplicação do capital financeiro.
Acentuou a contratação de 2 mil funcionários atualmente, com a observação de
que o trabalhador necessita do emprego para sobreviver e de que esta foi e é a
contribuição da empresa para o aumento de emprego em ambos os países. É
um discurso, absolutamente, correto.
O pesquisador deve, porém, passar das formas aparentes no discurso
para conceber a força de trabalho como fonte da riqueza e como condição do
capital, na sua reprodução incessante. A ideia definida neste artigo foi a força do
trabalho, alçada à categoria principal de análise, uma categoria tão decisiva para
a compreensão quanto o capital investido e o aumento das forças produtivas,
como o self-service e as inovações tecnológicas.
A transformação da Casa China em Shopping China e seu êxito comercial,
conforme o economista se deveu, também, à força de trabalho despendido nas
atividades comerciais, porque o trabalho que cria o capital não é o trabalho
próprio, mas o trabalho apropriado ou trabalho alheio, no linguajar dos clássicos
da economia. É assim que funcionam as leis da sociedade capitalista. E foi assim
que entendemos a reconstrução científica do processo histórico do Shopping
China.
Referências Bibliográficas
AUED, I. Ensaio sobre a Lei geral da Acumulação Capitalista em Marx. Revista
Unimar, Maringá, v. 3, [s. n.], p. 21-24, 1981.
BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2011. 280p.
JORNAL LA NACIÓN. Pionero del éxito. Cuaderno Foco: Análisis del escenario
y de negócios a nível nacional y internacional. Edición de 06 de junio de 2017.
Assunción, 2017. [online]. Disponível em:
<http://www.lanacion.com.py/foco/2017/06/06/pionero-del-exito/>. Acesso em:
27 jul. 2017.
LÊNIN, I. Imperialismo Fase Superior do Capitalismo. São Paulo: Global Ed.,
1979. 127p.
83
SHOPPING CHINA. Histórico. Pedro Juan Caballero, 2017. [online]. Disponível
em: <http://www.shoppingchina.com.py/#>. Acesso em 15 ago. 2017.
84
7. Conclusão Geral
A análise das três casas comerciais, a partir de 1933, que
comercializavam produtos de origem do comércio de físicos, paraguaio, e depois
de 1940 passaram também a comercializar produtos industrializados pode-se
constatar a modificação na forma de negociar e transportar embalar bem como
a comunicação e os transportes que se transformaram transmutando a forma de
negociar da sociedade.
A partir de 1990, quando a terceira geração começa a participar das
decisões da casa comercial, foram programadas mudanças estruturais que
modificaram e transformaram a pequena casa comercial em um oligopólio
comercial.
O sistema self-service, implementou o modus operandi de comercializar
as mercadorias de alta rotatividade e colaborou para a acumulação de capital
que foi reinvestido em novos negócios, ampliando as margens de lucratividade
do Shopping China e permitiu a sua expansão, através de novos postos de
trabalho, abertos em de novas filiais.
A construção de seu prédio consequência da força produtiva, causou um
transtorno ambiental, que persiste desde sua inauguração, entretanto essa
alteração causada pelo grupo oligopólico, torna-se irrelevante diante do papel
socioeconômico da empresa como promotora de empregos e do
desenvolvimento na fronteira, incrementando incentivando o intendente
municipal a colaborar na solução dessa problemática por meio de um projeto
junto ao banco mundial, aprovado em 2016 uma vez que esses prejuízos, em
um contexto geral, diluem-se, pela análise demonstrada ao impactar mais
benefícios e rendas a municipalidade, fazendo-a sobressair-se no cenário
comercial em diferentes países.
85
Anexo 2.
Quadro 3. Demostra uma pequena parte das marcas comercializadas pelo
Shopping China, junto aos seus clientes
Marca Diesel
Tommy Hilfiger
Dudalina
Anatomic & Co
Osmo +
Sigma
Lápidus sporp
Dakley
Felip Krein
Individual
Lacost
Under Sportstyle
Ferracini
United Colors of Benetton
Barracuda Canny on Locador
Wrangler
Kildare
Adidas
Puma
Nike
Cat
Givenchy
Paco Rabanne
Hollister
Carolina Herrera
Carter´s
Capodart
Asic Gel
Gucci
Armani
Proskate
Ralph Lauren Bienners
Bvgari
Police
Dumond
Rafitthy
Polo Ralph Lauren
Dorfman Pacific
Michael Kors
Fonte: Shopping China (2017).
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Anexo 3. Autorização para realização da pesquisa no Shopping China.