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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A FAMÍLIA E O SAGRADO
Por: Maria Cristina Tolentino
Orientadora: Profa. Mary Sue
Rio de Janeiro 2007
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A FAMÍLIA E O SAGRADO
Apresentação de monografia à Universidade Candido Mendes como requisito para obtençãdo grau de especialista em Terapia Familiar.
Por: Maria Cristina Tolentino
Rio de Janeiro 2007
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RESUMO
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as estruturas familiares de
um ponto de vista religioso, considerando que muitas delas exageram no culto ao
sagrado, podendo assim, levar o sistema familiar a um adoecimento. A
metodologia foi bibliografica, tendo como base teórica a obra de Carl Gustav
Jung e outros autores que tratam do assunto. Partimos da representação
simbólica arquetípica do deus mitológico Hermes, das imagens cristãs, Jesus e o
Diabo e do orixá Exu da religião afro-brasileira, para tentar mostrar que o
excesso de devoção, fé e amor ao objeto escolhido, há uma despersonalização do
indivíduo. O interesse despertado pelo tema veio em função de acreditar, que
esses mitos reforçam a essência do indivíduo, que precisa nutrir o deus interior
para manter-se religado ao Divino. Temos como hipótese que, a família religiosa
fanática que cede ao poder daqueles que manipulam as figuras consideradas
sagradas, não têm consciência do Divino e muito menos, a experiencia dele em si
mesmo enquanto indivíduos. A questão é conhecer qual o mecanismo
desenvolvido pela família que espera soluções no sagrado?
Palavras chaves: família - religião - abuso do poder
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METODOLOGIA
A metodologia aplicada neste trabalho será a bibliográfica descritiva. Ribas
(2004, p.33), a define escrevendo: “a pesquisa descritiva tem por finalidade a
descrição das características de determinada população ou fenômeno”. Para
abordarmos o fenômeno familia, buscamos bibliografias de autores que
argumentam sobre as estruturas familiares, religiões e também alguns conceitos
da Psicologia Análitica de Jung.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO --------------------------------------------------------------------------------------7
CAPÍTULO I - Fundamentos junguianos -----------------------------------------------------9
CAPÍTULO II - O Sagrado e a família --------------------------------------------------------19
CONCLUSÃO --------------------------------------------------------------------------------------39
BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________41
ÍNDICE__________________________________________________________43 FOLHA DE AVALIAÇÃO____________________________________________44
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INTRODUÇÃO
Este trabalho vem mostrar que é possível um olhar sobre as estruturas
familiares de um ponto de vista religioso, considerando que muitas delas
exageram no culto ao sagrado, podendo assim, levar o sistema familiar a um
adoecimento.
As figuras simbólicas que influenciam a personalidade do homem podem
ser projetadas nos arquétipos dos deuses gregos, cristãos e africanos, os quais
serão tratados nesta pesquisa.
Para elaborar esse trabalho vamos buscar na psicologia analítica de Jung,
fundamentos teóricos para explicar o que é arquétipo e especificamente a relação
deles enquanto símbolos sagrados presentes na psique.
Segundo Jung (O.C.Vol. IX/1 §155) “o arquétipo é uma espécie de aptidão
para reproduzir constantemente as mesmas idéias míticas”; logo, é possível supor
que os arquétipos sejam as impressões gravadas pela repetição de reações
subjetivas. Jung ainda ressalta: “arquétipos são determinados apenas quanto à
forma e não quanto ao conteúdo, é um elemento vazio e formal em si, isto é, uma
possibilidade dada a priori da sua apresentação”.
A mitologia, segundo Brandão (2002:37), "é sempre uma representação
coletiva, transmitida através de várias gerações e, que relata uma explicação do
mundo. [...] decifrar o mito é, pois, decifrar-se. [...] Talvez fosse mais exato defini-
lo como uma verdade profunda de nossa mente".
A obra de Jung, juntamente com outros autores darão subsídios que podem
mostrar a possível disfuncionalidade familiar pelo excesso de projeção que fazem,
quando cultuam o sagrado.
Partiremos da representação simbólica arquetípica do deus mitológico
Hermes, das imagens cristãs e do orixá Exu da religião afro-brasileira, para tentar
mostrar que a projeção pela devoção a essas imagens, nada mais são do que
uma projeção narcísica.
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Conta o mito que Narciso amou a si mesmo. Analogamente, pode-se
observar, que a projeção psíquica colocada excessivamente na imagem do
sagrado, pode gerar patologias, como em Narciso. Parece que, com esse excesso
de devoção, fé e o amor ao objeto escolhido, há uma despersonalização do
indivíduo. Há uma projeção de seus conteúdos pessoais através da fé, no
Sagrado; onde ele transfere através do símbolo consagrado (imagens), seus
desejos e necessidades, para um elemento imaginário concretizador, se
colocando a mercê da boa sorte.
Temos como questão esclarecer qual o mecanismo desenvolvido pela família
religiosa, onde muitas delas são levadas a criar sintomas fanáticos, de adoração a
um deus, a um culto, cujos deuses são projeções muitas vezes das figuras de
autoridade parentais.
O interesse despertado pelo tema veio em função de acreditar, que esses
mitos reforçam a essência mítica do indivíduo, que precisa nutrir esses deuses
dentro de si, para manter-se imageticamente religado ao Divino.
No entanto, o que se vem percebendo na sociedade contemporânea, é um
abuso da religiosidade e uma manipulação que vem sendo exercida por alguns
indivíduos que querem e usam o poder através da imagem de Deus. Fazendo
isso, sacrificam em nome do Divino uma coletividade que se entrega
desmedidamente a uma fé, perdendo suas características individuais. As pessoas
tornam-se objeto de manipulação a ponto de chegarem a um “sintoma” de
fanatismo. Esse fanatismo toma um vulto tão grande que atinge e contamina a
família enquanto célula de uma sociedade que está envolta pelo véu do
misticismo.
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Capítulo I
FUNDAMENTOS JUNGUIANO
Os conceitos que Jung desenvolveu na Psicologia Analítica que serão
usados para fundamentar esse trabalho são: Self, Arquétipo, Persona, Sombra
Baseado em suas idéias primeiras, Jung chegou à ampliação do conceito
de arquétipo, postulando que o mesmo é “psicóide”; o “unus mundus”, ou seja,
uma instância reguladora básica; uma “ação à distância”. Isto pode ser constatado
na teoria do quantum que mostra a hipótese da “ação à distância”, onde os
integrantes do átomo se comportam harmoniosamente, como se cada uma das
fontes “soubesse” o que a outra esta fazendo. Quando o comportamento é
alterado de uma delas (partículas), a outra muda instantaneamente de modo igual,
sem que haja nenhuma força ou sinal aparente de ligação (SAMUELS, 1989,
p.48).
O autor reafirma aqui, a idéia de unus mundus, “não como no sentido de
que o todo obedece à mesma regra, mas no sentido de que cada extrato da
existência está intimamente ligado a todos os outros extratos” e agem como um
sistema. No qual o funcionamento dinamiza a relação entre o inconsciente e o
consciente, no homem, num sentido individual e também coletivo (SAMUELS,
1989, p.125-126).
Samuels (1989, p.48) “confirma dizendo que o inconsciente psicóide é uma
instância reguladora básica, porém suas manifestações não podem ser
diretamente percebidas ou ‘representadas’”. Entende-se que, psicóide é
semelhante à psique, ou seja, pertence à psique e também à matéria.
Ainda segundo o autor (1989, p.125) Jung definiu psicóide como psique e
matéria, que estão contidas no mesmo e único mundo, mantendo contato
permanente. Isso significa em última análise, que se edificam “em fatores
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irrepresentáveis e transcendentais”. Define o autor dizendo que, é “provável que
psique e matéria sejam dois diferentes aspectos de uma mesma e única coisa”.
Outros conceitos importantes de serem apresentados neste trabalho são o
Self e arquétipo. Para Jung apud Moacanin, (1986, p.48) Self é "o princípio
organizador, guia e unificador que dá direção à personalidade e sentido à vida”.
Para Jung (O.C.VOL.VIII/2, $417) “o arquétipo é insondável”. Com essa
afirmação, ele dá a idéia de que o homem traz em si, uma forma inata de
conhecimento, tanto quanto, a sua sobrevivência e o seu destino. Ou seja, o
arquétipo é uma fôrma vazia, na qual vão sendo depositados conteúdos
configurados de símbolos, imagens, experiências e idéias, que podem ser
constelados ou não, isto é, receber carga energética suficiente para entrarem em
ação através dos símbolos, que são a sua manifestação máxima. Arquétipo é
holográfico e traz conteúdos universais, que se constelam individualmente de
acordo com os conteúdos particulares. Vão se constelando, se ajustando com o
contexto antropológico e social de cada sujeito.
Arquétipos são representados por símbolos infinitos que não atinge o todo,
trazem em si a idéia das representações socioculturais. No entanto, podem ser
constelados mostrando o limite da sua forma. Jung chama a atenção dizendo:
Devemos ressaltar, mais uma vez, que os arquétipos são determinados apenas quanto à forma e não quanto ao conteúdo, e no primeiro caso, de um modo muito limitado. Uma imagem primordial só pode ser determinada quanto ao seu conteúdo, no caso de tornar-se consciente e, portanto preenchida com o material da experiência consciente (O.C.Vol. IX/1§155).
Os arquétipos para Jung constituem-se de imagens primordiais, são
construções do inconsciente coletivo, do imaginário social onde, os maiores e
melhores pensamentos da humanidade são moldados. Ainda segundo o autor, “o
arquétipo é uma espécie de aptidão para reproduzir constantemente as mesmas
idéias míticas”; logo, é possível supor que os arquétipos sejam as impressões
gravadas pela repetição de reações subjetivas.
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Sendo assim, arquétipos, são imagens primeiras que se constituem como
forças ou tendências que levam à repetição das mesmas experiências. Dessa
maneira, um arquétipo traz consigo uma influência específica ou uma força que
lhe confere um efeito numinoso e fascinante ou que impele à ação. O arquétipo
seria, pois, uma espécie de força primordial que se apodera da psique e a impele
a transpor os limites do humano, dando origem aos seus comportamentos tanto no
bem como no mal. É, a partir destas “imagens primordiais”, que surgem e
ressurgem os novos eidos do social, as idéias, os heróis, gênios ou santos.
Sobre essas formas sociais, Jung baseou o que chamou de Inconsciente
coletivo. Conceito que considerou apud Moacanin (1986, p.45), como sendo:
Parte da psique que deve sua existência exclusivamente à hereditariedade,
e não as experiências pessoais que tenham sido conscientes em determinado
momento, desaparecendo depois da consciência. Estas são: a camada da psique
que ele denomina de inconsciente pessoal e que contém todo o material
esquecido ou reprimido pelo indivíduo, deliberado ou involuntariamente.
É o inconsciente pessoal, uma parte da psique que se distingue, do que
Jung chamou de inconsciente coletivo. O inconsciente coletivo independe das
manifestações do inconsciente pessoal. Diz que “os conteúdos que fazem parte do
inconsciente coletivo, nunca estiveram na consciência e por isso não foram
adquiridos individualmente, mas deve-se sua existência à hereditariedade”
(op.cit.).
Segundo Jung (O.C.Vol.VII/2) já o inconsciente pessoal, constitui-se de
conteúdos que já foram conscientes, de experiências individuais, mas que
desapareceram da consciência por terem sido esquecidos e reprimidos. Os
complexos e as imagos formam, em sua maior parte, o inconsciente pessoal,
enquanto que, “o inconsciente coletivo, possui conteúdos impessoais, é
basicamente constituído pelos arquétipos, isto e, pelos instintos e correlatos”.
O inconsciente coletivo corresponde às camadas mais profundas do
inconsciente, as bases estruturais da psique, os fundamentos de todos os
indivíduos. A psique possui um substrato comum. Assim como o corpo humano
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apresenta uma determinada anatomia comum, ou seja, a mesma forma, estrutura
e função.
Nas profundezas do inconsciente coletivo, Jung encontrou um centro
ordenador, donde decorre inesgotável fonte de energia, que é o Self. Este
conceito é de fundamental na psicologia junguiana.
O inconsciente coletivo até onde nos é possível perceber, parece ser
constituído de temas ou imagens de natureza mitológica. Os mitos são os
verdadeiros expoentes do inconsciente coletivo, representam imagens
arquetipicas do inconsciente coletivo. “Do mesmo modo como as constelações
foram projetadas no céu, assim também outras figuras semelhantes foram
projetadas nas lendas e nos contos de fadas ou em personagens históricas” (O.C.
Vol. VIII/2 §325).
Jung lança mão dos mitos e das figuras dos contos de fadas para descrever
sobre o arquétipo do todo - o Self. Diz que Self é: “o modus operandi que pode ser
comparado ao centro de um campo de energia que tem o objetivo de realizar um
padrão de personalidade e de vida que como potencialidade, é dado a priori”
(WHITMONT, 2002,p.195).
Partindo da premissa de que a atividade humana é, na sua maior parte,
influenciada por instintos e que nossa fantasia, percepção e pensamento são
naturalmente influenciados por elementos formais inatos e universais, é que
podemos considerar que, os arquétipos podem ser, “originários, depósito das
impressões superpostas, deixadas por certas vivências fundamentais comum a
todos os seres humanos” (SILVEIRA. 1994 p.80).
Segundo Humbert (1983, p.113), Jung considera “o inconsciente coletivo
como sendo uma realidade objetiva, cuja atividade é criativa e possuindo o que
em termos de consciente chamaríamos de um saber”.
Como realidade objetiva e criativa, a personalidade, segundo a psicologia
analítica, constela as imagens arquetipicas da sombra e da persona, arquétipos
que estruturam a psique. Cada um desses arquétipos, por mais que distintamente
sejam, trazem como força oppositorun, a complementaridade entre si.
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A Sombra é considerada como um arquétipo que polariza as energias
positivas e negativas. As negativas referem-se a aspectos obscuros, ameaçadores
e indesejáveis da personalidade. As positivas contendo qualidades vitais que são
adicionadas à vida e a fortalecem.
A sombra constitui um problema de ordem moral que desafia a
personalidade do eu como um todo, pois ninguém é capaz de tomar consciência
desta realidade sem despender energias morais. Mas nesta tomada de
consciência da sombra trata-se de reconhecer os aspectos obscuros da
personalidade, tais como existem na realidade. Este ato é a base indispensável
para qualquer tipo de autoconhecimento e, por isso, via de regra, ele se defronta
com considerável resistência (O.C.VOL. IX/2 §14).
Segundo Samuels (1998,p.50) todo homem que teme e despreza ou não
pode aceitar o que esta em si mesmo, não enfrenta o que Jung chamou de
sombra. O autor complementa dizendo que muitas vezes a instintividade está na
sombra, “e que sombra é um misto de julgamento, aceitação e integração: se
possível, nessa ordem”.
A sombra também expressa o sentimento da humanidade como um todo,
de uma cultura determinada, numa época determinada. “Assim, a sociedade nos
diz que não podemos furtar, assassinar ou agir de alguma forma destrutiva, sem
que sejamos punidos. A maioria de nós se conforma, mais ou menos, a esses
padrões e, conseqüentemente nega e reprime o ladrão e o assassino que existem
dentro de nós” (SANFORD, 1988, p.65).
Jung não considera a sombra uma “coisa má”, “a sombra pode tomar a
forma do próprio inconsciente. Esse lado escuro do homem faz parte dele e, é ele
também”. Este conceito na psicologia analítica tem como significado ser diferente
de pecado. “Sombra é tudo que tem qualquer substância ou solidez, e, portanto,
valor” (SAMUELS, 1989, p.87).
A sombra é o lado inferior e indiferenciado da personalidade, é a parte
obscura da psique. Ela se remete de diferentes modos à consciência, que é a
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parte superior e diferenciada da psique, dentro do processo de individuação
(PIERI, 2002, p.474).
Jung resumiu a sombra como sendo tudo aquilo pelo qual o individuo teme,
despreza, e, dessa forma não pode aceitar em si mesmo. Ele afirma que todo
individuo é acompanhado por uma sombra, e quanto menos ela estiver
incorporada à sua vida consciente, tanto mais escura e espessa ela se tornará.
Dependendo da espessura dessa estrutura psíquica, o indivíduo
desenvolverá tendências que podem levar à repressão da sombra. Estas seriam
no mais das vezes, sempre negativas, não haveria questões, não existiriam
dúvidas. A sombra é então, uma unidade complexa, autônoma e plena de
vitalidade. Ela é basicamente o negativo de cada um, vulgar, primitiva,
inadequada e incomoda.
A sombra positiva surge, quando nos identificamos com nossas qualidades
negativas, ela possui muitas qualidades que são vitais, que devem ser trazidas à
nossa vida. No entanto, é necessário um bom relacionamento com ela, onde
aprenderemos o caminho da individuação.
[...] A sombra é a porta para nossa individualidade. Uma vez que a sombra nos apresenta nossa primeira visão da parte inconsciente da nossa personalidade, ela representa o primeiro estágio para encontrar o Self (WHITMONT, 2004, p148).
Segundo Sanford (1988, p. 67-69), falando do lado positivo da sombra, ele
diz que ela pode ser uma figura passiva, personificando ai uma fraqueza que não
se assumi, que não se percebe. “A personalidade da sombra também pode ser
encarada como uma vida não vivida”. Mas entrar em contato com esses
conteúdos, nem sempre se dá de modo simples e pode chocar a personalidade
consciente. Ao mesmo tempo sem ela, bloqueia-se a capacidade de reação
saudável em situações de vida que se tornam intoleráveis.
Outro ponto de importância que Sanford (1988, p. 67-70), aponta sobre a
sombra positiva, é quanto ao que se refere ao senso de humor.
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[...] De uma analise de humor que mostra, que, freqüentemente, quem ri é a personalidade da sombra. Isso acontece porque o humor expressa muito das nossas emoções subjacentes, inferiores ou temidas.... O riso faz com que a sombra seja liberada sem perniciosidade (op.cit. 69).
Uma questão intrigante que permanece suscitando no homem reflexão, é
quanto, ao como lidar com a sombra. A Igreja criou problemas espirituais ao se
referir à sombra, como sendo o mal. A sombra era vista como pecado.
Em função disto, o modo mais comum de lidar com esse arquétipo é
negando sua existência. Pois, entrar em contato com ela, significa ter contato com
a culpa e a tensão, forçando o individuo a execução de uma tarefa espiritual e
psicológica (SANFORD, 1988, p.76).
Negando a sombra, o homem estará negando a possibilidade do contato
com as coisas positivas do lado obscuro da psique, deixando de aprender com
elas. E como descrevem os autores, são carregadas de energias pessoais que
projetadas no outro, refletem incômodos, dificultando assim, as relações.
Projeção é um mecanismo inconsciente que ocorre sempre que uma parte
de nossa personalidade, quando ativa, não tem relação com a consciência. Essa
parte não reconhecida, mas muito viva em nós, projeta-se sobre outras pessoas
de tal modo que vemos algo nos outros que realmente é uma parte de nós
mesmos, o que provocará resultados negativos à medida que os relacionamentos
se processam (op.cit.p. 77).
Jung traz o conceito de sombra como sendo também, coletiva. Está é
“formada por um grupo ou nação que possua um determinado ideal de ego, que
em troca cria a sombra coletiva”. Como por exemplo, o autor cita os nazistas com
o ideal coletivo de raça ariana, os americanos se diferenciando dos índios se
colocando como superiores outros exemplos que a história cita. “É necessário
haver uma consciência individual considerável para que se evite essa espécie de
identificação tal que as qualidades da sombra individual e da sombra coletiva da
nossa cultura e tempo tornem-se interminavelmente interligadas” (op.cit.p.79).
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Tal movimento da sombra coletiva é muitas vezes percebida em grupos
religiosos. Cujo lideres manipulam os conceitos de Deus, criando uma massa de
crentes cada vez maior, visto a necessidade que o homem possui de estar
conectado com Deus. No entanto, cada um projeta sua necessidade no seu Deus
por isso, múltiplas religiões e múltiplas imagens de Deus. Essas instituições e
seus dirigentes continuam tendo como finalidade manipular entre outras coisas, a
estrutura familiar, que da mesma forma já fazia a religião desde o século XII como
conta Áries (1973).
Outro conceito que será apresentado aqui será persona. Jung define como
sendo as "máscaras" necessárias aos homens, para que possam se adaptar ao
meio em que vivem. Ela é contextualizada e representada por símbolos como,
roupas, livros, ações comportamentos, máscaras para diferenciar o que é de si e o
que é do outro, personificando-as.
Nesse arquétipo tudo é claro, é visível, é adaptativo, possui conteúdos
gerais do inconsciente coletivo, no entanto, como diz Jung (2001,p.34), “ela e um
recorte arbitrário da psique coletiva”.
Na psicologia analítica encontramos o termo persona para designar, um
aspecto da personalidade, o representante mais eminente da psique coletiva
externa ou mundana, que se encontra dentro da personalidade. Uma estrutura da
psique é, portanto, uma das subpersonalidades que giram em torno do Eu, o papel
ou o status social do homem nas relações com o mundo cultural e social. Ela é a
adaptação do homem àquilo que é coletivo, isto é, como ele reage em resposta
aos outros e às situações para adaptar-se ao ambiente e trocar com ele.
Jung tomou de empréstimo ao teatro grego e romano, o termo persona, isto
é, a máscara usada pelos atores daquele drama para representar os personagens.
A persona é a fachada social que incorporamos, para enfrentar o mundo, as várias
personagens que se incorporam ao ego, para que ele enfrente o mundo. Sem a
persona, nossos impulsos fortes e primitivos tornariam difícil a troca com o social
(SAMUELS, 1989,p.50).
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Nas representações sociais, nos papéis que o indivíduo representa no
mundo, seja através do familiar seja através das carreiras, o advogado, a
professora, o analista, o engenheiro, a mãe, o estudante, o aprendiz, enfim, é aqui
que se encontram as variantes da persona.
A persona tem um papel ainda mais positivo do que a criação da aparência.
Como ele sugeriu, a antiga máscara ou persona que os gregos e romanos usavam
não pretendia identificar os atores, mas servia como objeto de melhor expressão
das personalidades que eles representavam. Deste modo a persona também pode
ser o órgão da personalidade através do qual expressamos certas coisas a
respeito de nós mesmos para os outros (GREENE, 1975 apud SANFORD,
1988,p.88).
A questão da persona é o risco de criar-se uma grande identificação com
ela, afirmam os autores. O risco ocorre, quando a persona é usada como
máscara, disfarce para ocultar a real personalidade, ficando assim, limitada ao
papel que está sendo representado pela persona. A conseqüência disso é o
desenvolvimento do artificialismo, da falsidade e do superficialismo da
personalidade (op.cit. p.88).
O homem é muitas vezes por pressão do meio social obrigado a assumir
certos papéis que nem sempre foram de escolha própria, e sim criadas através da
expectativa de terceiros. O homem é um ser social, e muitas vezes tem a
necessidade de incorporar certos papeis representados pelas imagens
arquetípicas, como por exemplo “pastores, ou ministros, ou mesmo médicos -
terapeutas”. Os papeis determinados pelas figuras arquetípicas, ficam impressas
na personalidade e vão sendo consteladas através das suas ações e atitudes
cotidianas.
Mas é muito importante lembrar que persona não deve ser aceita
impunemente, pois o risco de adaptação é muito grande, afastando assim, a
personalidade da sua estrutura original. A persona em questão pode afastá-lo de
si mesmo.
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É necessário enquanto lidamos com a persona, saber desenvolver também
um ego adequado, para que continuemos a ser nós mesmos. Caso contrário,
quando a diferenciação não se estabelece o padrão de personalidade baseia-se
na imitação estereotipada (WHITMONT, 1988, p. 40).
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Capítulo II
A FAMÍLIA E O SAGRADO
• HISTÓRIA SOCIAL DA FAMÍLIA
O conceito de família para o antropólogo Levi-Straus (1998):
“Família é uma palavra que serve para designar um grupo social possuidor de, pelo menos, três características: 1-tem sua origem no casamento; 2-é constituído pelo marido, esposa e pelos filhos provenientes de sua união, embora seja licito conceber que outros parentes possam encontrar o seu lugar próximo ao núcleo do grupo; 3-os membros da família estão unidos entre si por a) laços legais; b) direitos e obrigações econômicas, religiosas ou de outra espécie; c) um conjunto bem definidos de direitos e proibições sexuais; e uma quantidade variada e diversificada de sentimentos psicológicos tais como amor, afeto, respeito, reverencia, etc” (STRAUS, op.cit.,p.361).
Na idade média, as famílias não tinham privacidade, viviam voltados para o
externo, para o social, onde o viver era dividido com o social. Posteriormente, as
leis religiosas em muito influenciaram a formação da família. Ganhou-se
privacidade, no entanto condicionada as normas da igreja. A religião exerce
juntamente com o Estado a responsabilidade e a autoridade, retirando o poder de
decisão da própria família. Era tudo voltado para a lei do pecado e autoridade.
Eram o homem, o Estado e a Religião.
Apesar de controlado, foi dado ao homem o direito de exercer o poderio
sobre sua família, mulher, filhos, serviçais e terras. Era tão poderoso que a vida
destes, estava em suas mãos.
As funções na vida pública entre os séculos XIV e XVI eram bem definidas,
o homem era o provedor e a mulher tinha como função à reprodução. Nessa
época as crianças começam a ganhar valor.
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As representações sucessivas dos meses dos anos introduziram, portanto essas novas personagens: a mulher, o grupo de vizinhos e companheiros e finalmente a criança. E a criança se ligava a essa necessidade outrora desconhecida de intimidade, de vida familiar, quando não ainda precisamente, de vida “em família” (ÀRIES, 1973, p.199).
“Ao longo do século XVI, surgira uma nova idéia que simbolizava a duração
da vida através da hierarquia da família”, então se estabelece, a idade que se
considera a criança. Outra consideração que se deve fazer, pela história contada
por Áries (op.cit.) é do quanto à igreja influenciou e determinou a vida das famílias,
a educação dos filhos e os valores sociais.
Neste trabalho vamos tratar da religião ocidental que exerce o poder sobre
a família criando um discurso de ameaça.
“A culpa é companheira permanente da humanidade: ela já estava presente no inicio dos tempos, segundo a Bíblia. Sem ela, dizem alguns, tenderíamos a ignorar o próximo e a viver num permanente estado de preguiça. Mas esse lado favorável é facilmente suplantado pelos efeitos das falsas convicções e das emoções e pensamentos negativos típicos desse sentimento sobre o corpo e a mente. Para levar uma vida saudável, é imprescindível saber lidar com a culpa” (PELEGRINNI, 2007, p.37).
Temente a Deus os homens tem suas leis sociais. A igreja julgava os
comportamentos, como faz até hoje, considerados alguns deles, como sendo do
demônio. As famílias tinham regras de convívio, tanto externo quanto interno,
ditado pela Madre Igreja (ARIÈS, 1973.p.200).
Existem sociedades humanas onde não há o reconhecimento da família
como um núcleo, ela faz parte de um grande coletivo. Na áfrica os massai e os
jagas vivem a família como um grande coletivo. “A poligamia e a poligenia. Na
poligamia é um sistema onde o homem pode ter varias esposas e a poligenia é um
sistema onde vários maridos compartilham uma esposa” (STRAUS apud
SHAPIRO, 1998, p.359).
Em cada sociedade especificamente são criados rituais que marcam
simbolicamente a estruturação dela como um todo e também da família como
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pertencente a esse todo. Muitos desses rituais são cultuados até os dias de hoje.
Como por exemplos rituais de: casamento,
batizados, morte, etc. Rituais que são contextualizados dentro da cultura e da
geografia de cada povo.
Algumas sociedades cultuam animais como sagrados. Eles são
considerados os veículos de comunicação com os deuses. Outras sociedades
cultuam imagens esculpidas em louça, fazem altares com os mais variados
materiais, com a mesma finalidade de demonstrarem adoração.
Como exemplo de adoração, no oriente, na Índia, até hoje as vacas são
dadas como sagradas. Enquanto que na religião afro-brasileira, os animais são
sacrificados também com uma conotação de sagrado, porém em sacrifício para
simbolizar a adoração a um panteão de deuses.
Na religião católica é Jesus Cristo e os “santos” que intercedem junto a
Deus. Foram os profetas, os beatos e místicos que ensinaram o povo a rezar,
fazer pedidos e a falar com Deus. Até hoje na imagem personificada dos “padres e
madres” que ensinam, que só se chega a Deus, inicialmente por eles e depois
pela intersecção dos santos.
Numa outra corrente cristã, os protestantes, ao contrário dos que acreditam
em Jesus pregado da cruz, para sempre lembrar o sacrifício dele pela humanidade
– a culpa - crêem em Jesus vivo, fora da cruz e ressuscitado. Não existe um
panteão de santos, o que acreditam é que Jesus é o único caminho que leva a
Deus.
Já na mitologia grega que é politeísta, Hermes é a representação do deus
que estabelece a comunicação entre os deuses do seu panteão e os demais
reinos.
Após ter apresentado essas vertentes religiosas, inicialmente mostraremos
pela mitologia grega, como esses cultos de modo geral podem interferir nas
estruturas psíquicas individuais e sociais da família.
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• Um deus na mitologia
O deus Hermes é o representante da comunicação entre os deuses e os
homens, conforme a árvore genealógica da mitologia grega descrita por Moniz
(1998). Conta o mito que Atlas casou-se com Plêione, de quem nasceu Maia. Da
união dela com Zeus, gerou um filho - Hermes, o arauto dos imortais.
Hermes é o deus mensageiro divino dos deuses, sobretudo de Zeus. É o
deus protetor do comércio, dos viajantes e atletas, oradores, filósofos e
intelectuais em geral. Hermes é fundamental na relação com as almas mortas, na
medida em que as “transporta” para o mundo subterrâneo onde reina soberano o
deus da morte e do inferno, Hades.
O que caracteriza esse deus, Hermes é o arquétipo do gatuno, mágico,
artífice, mensageiro dos deuses, deus das fronteiras, do comércio, das
encruzilhadas, das palavras, da linguagem. Inventivo e brincalhão tem
necessidade de por as mãos em alguma coisa, com intuito de buscar sempre
coisas novas – tornando-se um instrutor celeste indicando como se deve
desenvolver naturalmente o modo singular de vida.
O deus “costumava ser invocado nas cerimônias dos magos como
transmissor de fórmulas mágicas”, segundo a alquimia (MONIZ,1998,p.217),
assunto que não cabe ser aprofundado neste trabalho.
Em Roma, o deus helênico foi cultuado como Mercúrio, e segundo Moniz,
(1998,p.213-215), “Mercúrio, nome que provavelmente se originou do termo merx
e de suas variações mercês, que significa mercadoria, comestíveis e também
negócios”. Ganha outra titulação, passa a ser considerado o companheiro do
homem, mensageiro, é o dispensador de bens, é o que gosta de misturar-se aos
homens. É considerado também o protetor dos viajantes, deus das estradas,
guardião dos caminhos. É o deus da leveza e inventor da lira e da flauta, o profeta
do logos. Como Mercúrio, o deus de Cilene, o escrivão da psicostasia no
julgamento dos mortos e patrono, na época helenística, de todas as ciências,
23
tornou-se importante sobre tudo porque teria criado o mundo por meio do logos,
da palavra. O filho de Maia era considerado o lóguios, o sábio, o judicioso, o
próprio Logos.
Hermes – Mercúrio é o que sabe e, por isso mesmo, aquele que transmite
toda ciência secreta. Não sendo apenas um olímpico, mas igualmente ou sobre
tudo um ‘companheiro do homem’, tem o poder de lutar contra as forças ctônias,
isto é, as forças do inferno, porque as conhece. O deus “costumava ser invocado
nas cerimônias dos magos como transmissor de fórmulas mágicas”. (MONIZ,
1998, p.217).
São múltiplas as missões e as comissões de Hermes - Mercúrio, mas o que
interessa mais de perto nesse deus são suas relações com o mundo dos homens,
um mundo por definição “aberto”, que está em permanente construção/destruição,
em estado de reconstrução, isto é, sendo melhorado e superado. Os seus
atributos primordiais – astúcia e inventividade, domínio sobre as trevas, interesse
pela atividade dos homens, “psicopompia”, serão continuamente reinterpretados e
acabarão por fazer desse deus, uma figura cada vez mais complexa.
No mundo greco-latino, sobretudo em Roma, com os gnósticos e
neoplatônicos, Hermes Trismegisto se converteu num deus muito importante, cujo
poder varou séculos. Com o nome de Hermes Trismegisto, que significa “Hermes
três vezes Máximo”, sobreviveu através do hermetismo e da alquimia até o século
XVII (MONIZ, 1998,p.217).
Foi o inventor da flauta, diante da qual Apolo ficara encantado, e trocou pelo
seu caduceu. Recebeu de Apolo, além do caduceu, lições de mântica, de poder
divinatório (o caduceu possuía poder tanto para a cura, quanto para prever o
futuro). Os símbolos iconográficos de Hermes-Mercúrio são, um chapéu/capacete
e um par de sandálias aladas, um bastão e o caduceu, com duas serpentes
entrelaçadas na parte superior (Idem).
Numa interpretação junguiana, cobrir a cabeça com um chapéu, que é sede
da psique e da inteligência, pode significar proteção ou cristalização dos
pensamentos. Por isso, Jung, sugere a troca de chapéu dizendo que: “trocar de
chapéu é trocar de idéias, ter uma outra visão do mundo”. As sandálias aladas,
24
por sua vez, separam a terra do corpo pesado e vivente, daí a importância
simbólica das sandálias depostas. Descalçar a sandália e entregá-la ao parceiro,
era entre os judeus a garantia de um contrato com o divino “(BRANDÃO, 1993).
As sandálias aladas, para o filho de Maia é um símbolo de elevação mística e,
particularmente, configura-se no domínio dos três níveis cósmicos, ou seja, o
olímpico (céus), o telúrico (terra) e o ctônico (infernos)”.
Entretanto, o caduceu é o seu principal símbolo. Ele significa “bastão de
arauto”, é um bastão em torno do qual se enrolam, em sentidos inversos, duas
serpentes. Nesse enfoque, o caduceu representa equilíbrio entre os antagônicos,
isto é, os dois aspectos simbólicos da serpente à direita e a esquerda, o diurno e o
noturno, o benéfico ou o maléfico. (MONIZ, 1998, p.230).
Jung se refere a esse deus, como sendo hábil em ambas as funções, isto é,
versado em conduzir para a luz ou para as trevas, é “o vencedor mágico da
obscuridade, porque sabe tudo e, por esse motivo, pode tudo”.(JUNG, 2002,p.258)
Hermes-Mercúrio é o deus de pés alados, leve e aéreo, hábil e ágil, flexível
e desenvolto, estabelece as relações entre os deuses e os deuses, e entre os
deuses e os homens, entre as leis universais e os casos particulares, entre as
forças da natureza e as formas de cultura, entre todos os objetos do mundo e
todos os seres pensantes.
Sendo este deus protetor da natureza e condutor de almas ao submundo,
de acordo com a mitologia, ele é também considerado, o deus pregador de peças,
o mensageiro divino de Zeus que "voa como o pensamento". Conta o mito que
este deus pregador de peças era apenas meio humano, tendo o torso e a cabeça
de um homem com pequenos cornos, orelhas pontudas e as pernas de um bode
ou cachorro.
Hermes não era um deus em quem se pudesse confiar as decisões mais
simples do cotidiano. Nessas situações era traiçoeiro e maldoso e quase sempre
suas indicações conduziam as pessoas ao perigo, ou mesmo para caminhos
tortuosos que se desviavam da trilha original da viagem. (MONIZ, 1998, p.22)
Na história contada no livro de Sasportas (1995, p.13), “Zeus encarregou
Hermes de estabelecer a arte da troca na terra”. Ele era o patrono das ações
25
furtivas e não um bandido. Suas ações eram reconhecidas por Zeus, tanto que
eram muito úteis ao poderoso deus. Zeus o encarregava de salvar as pessoas em
perigo. Ele era sempre o escolhido quando as crianças precisavam ser salvas.
Mercúrio consegue transformar com seus truques e espertezas o mortal Hércules
em divino; seduz Hera elogiando seus lindos seios e fazendo-a amamentar a
pobre criança encontrada por acaso no caminho, fazendo com isso se cumprir a
determinação de que, um mortal, ao mamar numa deusa se transformaria em
deus também. Com isso, Hermes protegeu Hércules das provações que passou
em seu caminho de herói.
Ainda, segundo o autor, Hermes honra e participa de todos as questões dos
deuses se considerando um deles. Reverencia a todos, por mais diferentes que
possam ser. (SASPORTAS, 1995).
Hoje, dentro das relações familiares podemos fazer uma analogia dizendo
que as características de Hermes, em forma de imagem arquetípica, se
apresentam nos elementos das estruturas psíquicas familiares.
Podemos tomar como exemplo uma personalidade dentro da família que
representa a imagem, como vemos na psicologia junguiana, aspectos do arquétipo
de Hermes. Com o seu lado negativo ele é o dedo duro, o fofoqueiro, intrigueiro,
aquele que busca estar sempre afetando o outro de modo incomodo, podendo ser
o elemento identificado patologicamente na família. Tomo como hipótese que,
estas características podem ser desenvolvidas num ambiente altamente religioso
e repressor onde para se defender das imposições e chamar a atenção de alguma
forma, o elemento faz o contrário de tudo que é estabelecido numa ordem familiar.
Desta maneira, colocando nele toda a culpa da desestruturação dessa ordem.
A culpa é um sentimento que está arraigado, arquetipicamente, na psique.
Será o elemento trabalhado em terapia familiar, onde se busca afrouxar o
sentimento de sofrimento das pessoas, dando a possibilidade delas aprenderem a
amar em família.
É possível também existir nas famílias, elementos que se apresentam como
o grande comunicador, o ponderado, o intermediário, o que busca ser justo nos
confrontos familiares. Pensando numa terapia preventiva, o elemento identificado
26
não necessariamente precisa ter as características negativas, pode ter as boas
características do deus Hermes, ele pode manter a família mais saudável através
dessas virtudes. Neste cenário familiar tomamos como hipótese que a relação
com o sagrado é mais harmônica e a culpa é olhada de modo não ameaçadora
nem manipuladora.
• Um deus da mitologia afro-brasileira
Autores como Bastide (2001, p.161) ), descrevem que: “Os etnológicos que
na África se interessaram pela figura de Exu ou por seus mitos, o designam pelo
termo trickster, e realmente, à primeira vista, parece um ser malicioso que se
compraz em brincadeiras, em lograr tanto os outros deuses como os homens...”.
A religião nagô possui um panteão de deuses, liderados por Orumilá,
chamados de orixás (òrìxà). Acima de Orumilá esta Oludumaré, um deus distante,
inacessível, considerado o deus supremo. Conta o mito que ele criou os orixás
para que estes governassem o mundo e o supervisionassem (VERGER,1996).
[...] parece que poderemos elaborar um sistema em que cada orixá torna-se um arquétipo de atividade, de profissão, de função, complementares uns aos outros, e que representam o conjunto das forças que regem o mundo. É o que exprime algumas histórias de Ifá, que os babalaôs recitam: os orixás e os eboras são os intermediários entre Olodumaré e os seres humanos e receberam, por delegação, alguns de seus poderes” (op.cit.,p.21).
Na religião dos orixás, os candomblés, estão ligados a noção de família.
Uma grande família unida pelo "Axé", energia que alimenta através de vários
fundamentos secretos, a força daquele conjunto familiar. A hierarquia é rigorosa,
todos da mesma família devem obediência a seus superiores, já que são
possuidores de maior sabedoria e maturidade espiritual.
[...] A família numerosa, é originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos. O orixá seria, em princípio, um ancestral divinizado, que em vida, estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da natureza, como o trovão, o vento, as águas doces e salgadas, ou, então, assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como
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a caça, o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo conhecimento das propriedades das plantas e de sua utilização (VERGER,1996,p.18-19).
O orixá Exu, que segundo o mito era a quem cabia ouvir, um dos orixás
desse grande panteão, considerado no mito como o grande intermediário entre os
deuses e os próprios deuses, assim como também entre os deuses e os homens.
Tinha como função trazer e levar mensagens, queixas e lamentações, percorria de
aldeia em aldeia, correndo o mundo todo, com a missão de saciar todas as
necessidades e aflições. Com isso, tantas vivências o fizeram ser considerado
Sábio (Idem).
Na mitologia da religião Yorubá o orixá Exu, possui as mesmas
características arquetípicas de Hermes. Qualquer que seja sua origem, ele é um
determinante, um ponto comum único: “ser ele indispensável como mensageiro no
culto dos demais orixás”, ele é o grande intermediário (Revista Orixás, 2003,p.17).
O seu lado negativo tem como características ser irascível, encrenqueiro,
competitivo, astucioso, grosseiro, vaidoso, indecente, e, por tudo isso, foi
simbolizado grosseiramente, pelos missionários cristãos, como o demônio.
Demônio esse, que passou a ser utilizado para amedrontar e aumentar o poderio
da Igreja sobre as pessoas, e sobre as famílias com grandes conseqüências até
os dias de hoje. Com a permanência desse designo de mau, ainda não se tem um
entendimento claro sobre esse arquétipo, que é um representante de importância
para os processos psicológicos do ser humano, segundo a psicologia analítica
(VERGER, 1996).
Exu é também conhecido como deus da fornicação, quando na verdade
esse fato nada mais é do que a afirmação de sua truculência, atrevimento e
ausência de vergonha e da necessidade de chocar a moral oficial e o transgredir.
Quando potencializa o seu lado positivo, Exu carrega em si encantos e
segredos. Ele é também, guardião dos templos, das casas, cidades e pessoas.
Suas lendas, seus mitos são muitos, boas ações e péssimas também, mas, com
certeza sempre trocando, ensinando e pregando peças e dores. Exu é o
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mensageiro responsável por transmitir a comunicação do deus maior, ao deus do
oráculo e aos indivíduos. As encruzilhadas, as hermas, são seus lugares
prediletos, é ai onde devem ser colocados os agrados e as oferendas para ele
(PRANDI, 2001, p.21).
Nos mitos encontramos explicações e sentidos para praticas e concepções do candomblé, descobrindo que o mito está impregnado nos objetos rituais, nas cantigas, nas cores e desenhos das roupas e colares, nos rituais secretos de iniciação, nas danças e na própria arquitetura dos templos e, marcadamente nos arquétipos ou modelos de comportamento do filho-de-santo, que recordam no cotidiano as características e aventuras míticas do orixá do qual se crê descender o filho humano.... (op.cit. p.19).
Na África e na religião afro-brasileira – o Candomblé, o zelo para com a
família é por demais representativo. É a verdadeira riqueza que possuem.
Os rituais de incorporação desse orixá são definidos pelas cores e
ornamentos usados para o reconhecimento da sua linhagem familiar. Para mostrar
a importância desse deus neste panteão, nos rituais é dado a ele o privilégio de
saborear primeiro as oferendas (ambrosia dos deuses), que é servido pelos seus
filhos santo e só depois, os demais orixás podem saborear.
Essa família religiosa hierarquicamente colocada, em muito pode ser
comparada àquelas que até hoje, socialmente, têm apenas no pai o grande
nutridor desse núcleo. Desse modo, estabelecendo relações patriarcais e
hierárquicas com atitudes severas e punidoras, onde pode causar um
engessamento nos demais membros da família, que vivem para servi-lo. As
conjugalidades que caminham por esse viés, temos como hipótese, que se
fecham nelas mesmas impossibilitando outras relações de troca,fora desse
mundo. Suas redes de relações ficam circunscritas apenas ao grupo e modelo
religioso a que pertencem.
Esse é mais um modelo dos quais as famílias buscam referência e amparo
para se estruturar.
A busca pelo sagrado existe desde a família primitiva. Talvez por isso o
surgimento de tantas seitas e religiões atualmente. Sabe-se que, umas cultuam a
29
ancestralidade e crêem que os seus familiares que foram para o Orum (Céu),
podem lhes proteger e guiar. Suas imagens mitológicas são representadas pelas
vestimentas, adornos e comportamentos típicos de cada orixá, que é manifestado
numa pessoa. Outras religiões têm necessidade de cultuar imagens, que são
materializadas em barro e outros materiais, estabelecendo relações metafísicas
com essas imagens.
Assim, como muitas outras religiões, a afro-brasileira também apresenta
pontos obscuros como, a possibilidade de manipular o coletivo em nome de Deus.
Parece que fazem isso, para possivelmente controlar a vida das pessoas, das
famílias e da comunidade em geral. Seus líderes oferecem promessas e garantias
que mobilizam afetivamente o indivíduo, que sensibilizado passa a venerar o
sagrado, sendo regidos por ele.
Positivamente, as famílias no Candomblé podem proporcionar
aprendizados e possibilidades que levam a pessoa a conhecer e desenvolver os
sentimentos de compaixão, solidariedade, amor, acolhimento e fé. Participam dos
rituais todos os membros da família. A família no candomblé tem como proposta a
inclusão de indivíduos e não o contrário. Percebe-se que é uma religião, talvez
uma das poucas, ou a única religião, que tenta não discriminar as pessoas,
independente de suas escolhas em qualquer área da vida.
È permitido o crescimento dessa família religiosa pelo acolhimento de
outras pessoas que passam também a devotar, através da fé, nessa crença e
fazer parte desse clã. Acreditam que o culto dessa religião leva o indivíduo a ter
um contato direto com a energia dos orixás, que são “incorporados” nos “filhos de
santo”. Esse orixá seria o responsável por sua “cabeça” - repreensão e orientação
de seus atos diante da vida. Conta o mito que, quanto mais entregue a essa
energia do santo, mais diretamente está o indivíduo em contato com a força do
orixá. Do ponto de vista junguiano é a fé que leva o individuo a ser orientado pelo
sagrado.
Existe uma inversão disto quando vemos no atual cenário social, o culto a
violência diária nas sociedades que“dês-constrói” famílias, que não se mantém
30
pela fragilidade de sua estrutura. Que entregam a vida através da fé ao sagrado
se deixando manipular. deixando se levar pelo poder manipulador que também
pode o Candomblé oferecer. Essa religião não é bem vista por ter em muitas
situações, dirigentes que abusam e usam de oportunismo, como as outras
igualmente, para manipular em nome do sagrado e também por serem
descendentes de escravos. Povo que trouxe seus mitos e rituais para cá, e os
entrelaçaram com os mitos da igreja católica. É uma religião composta, na sua
maioria, por pessoas mais humildes e em situações de dificuldades, criando por
isso, um estigma de inferioridade cultural.
• Um deus na mitologia cristã - JESUS
Conta o mito cristão que o anjo Gabriel anunciou à Maria que ela seria a
mãe do filho de Deus. Jesus nasceu numa manjedoura, rodeado de animais,
simbolizando simplicidade, a humildade, mostrando que ele seria o rei do reino
dos céus.
Jesus cresceu e foi buscar o seu destino. Andou pelo deserto com a
finalidade de purificar-se. Viveu muitos processos sofreu tentações e desafios
colocados pelo Diabo. Em gloria, voltou para o povo arrebanhando homens e
mulheres que se tornaram seus seguidores. Ele pregava em nome de Deus – seu
pai.
Jesus criou seu próprio rebanho, chamando homens que se tornaram seus
apóstolos. Como seus seguidores consideravam-no o prometido Messias ou "o
Cristo, o filho do Deus vivo", conforme o apóstolo Mateus 16:16.
Para compor o seu quadro de doze apóstolos, Jesus escolheu entre os
seus seguidores, homens que pregaram sua doutrina pelos tempos afora.
Segundo o apóstolo Lucas 6:12 escreve os nomes dos escolhidos: “Simão, a
quem acrescentou o nome de Pedro, e André, seu irmão; Tiago e João; Filipe e
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Bartolomeu; Mateus e Tomé, Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelote; e
Judas, filho de Tiago e Judas. Eucariotes” (BÍBLIA, 1999, Novo Testamento, p.69).
O povo que cada vez mais presenciava milagres, bondades e a humildade
de Jesus .Consideravam que ele poderia ser um Deus bom. Na passagem bíblica
o apóstolo Mateus 15: 32-39 (BÍBLIA, 1999, Novo Testamento, p.20), escreve:
“E, chamando Jesus os seus discípulos, disse: tenho compaixão dessa gente, porque a três dias que permanecem comigo e não tem o que comer; e não quero despedi-la em jejum, para que não desfaleça pelo caminho. Mas os discípulos lhe disseram: onde haverá neste deserto tantos pães para fartar tão grande multidão? Perguntou-lhes Jesus: quantos pães tendes? Responderam: sete e alguns peixinhos. Então, tendo mandando o povo asentar-se no chão, tomou os sete pães e os peixes, e, dando graças, partiu, e deu aos discípulos e estes, ao povo. Todos comeram e se fartaram e, do que sobejou, recolheram sete cestos cheios. Ora, os que comeram eram quatro mil homens alem de mulheres e crianças. E, tendo despedido as multidões, entrou Jesus no barco e foi para o território de Magadã”.
Jesus percorreu muitos territórios espalhando sua doutrina e, cada vez mais
crescia o número de crentes. Porém, o povo judeu julgou-o e condenou-o à cruz,
pois negaram que ele era o Messias. Seus seguidores diziam que Jesus era rei. E
Jesus dizia que era rei do reino dos Céus. A prova disso é que após sua
crucificação e morte, ressuscitou, e apareceu para Madalena e seus discípulos.
Dando início a era Cristã onde ele é considerado como o sagrado, salvador da
humanidade.
Do ponto de vista da psicologia de Jung, pode-se dizer que Jesus é o
arquétipo do Salvador.
“A linguagem dos símbolos a cerca de Cristo consiste, sobretudo nos atributos que caracterizam a vida do herói tais como: origem improvável, pai divino, nascimento ameaçado de perigo, pronta salvação, amadurecimento precoce (crescimento do herói) superação da própria mãe e da morte, milagres, fins trágicos e prematuro, tipo de morte simbolicamente significativo, efeitos póstumos (aparições), sinais miraculosos. Como Logos, filho do pai Rex gloriae (Rei da Gloria), Judex mundi (Juiz do mundo), Redempitos et Salvator (Redentor e Salvador), Jesus é o próprio Deus, uma
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totalidade universal expressa iconograficamente, como a própria definição da divindade” (JUNG, O.C.Vol XI/2 §229).
Jung solicita que ao invés dos teólogos racionalizarem e usarem do
intelecto, para dizer sobre a existência de Deus, que ensinem o povo a sentir a
experiência de Deus (Idem). Mas, como ensinar a experiência da fé? Como
ensinar sentimento? Tomo como hipótese que a experiência religiosa está na
prática do cotidiano. A experiência de Deus está nas atitudes dos homens, que
praticam e desenvolvem em si a dinâmica do bem e da fé.
A prática de alguns teólogos é manipular através da fé uma grande massa
de invivíduos que buscam Deus sem senti-lo. Racionalmente tentam explicar o
invisivel através da fé.
“Em um engano, realmente trágico, estes teólogos não percebem que não é uma questão de teólogos provando a existência da luz, mas de pessoas cegas que não sabem que seus olhos poderiam enxergar. Já é mais do que tempo de tomarmos consciência de que não adianta nada louvar a luz se ninguém consegue vê-la. É muito mais necessário ensinar às pessoas a arte de ver” (BRYANT, 1983, p.13).
Cabe uma reflexão sobre, até que ponto a fé é estrutura positiva ou
negativa dentro de um núcleo familiar? Do ponto de vista junguiano, tanto podem
ser uma quanto a outra. Psicologicamente, as pessoas mostram nos seus
comportamentos e atitudes, como constroem o seu universo espiritual.
Nos sistemas familiares onde a prática da fé é excercida de forma
impositiva, a figura de Deus pode passar a ameaçar, provocando uma adoração
através do medo.
Em famílias religiosas onde a racionalização da fé em Deus é usada para
punir, castigar e ameaçar, afetando assim, o comportamento dos seus membros, e
que, por medo e fascínio, acabam se entregando à Deus - imagem invisivel -
representando assim uma cegueira da alma. Pois esperam em Deus tudo que
ocorre na sua vida, de uma forma tão radical caindo no fanatismo.
33
As organizações religiosas que manipulam as famílias pelo medo podem
impedir o processo de individuação. Processo esse, que para Jung, significa
individuar-se, conhecer-se a si mesmo e diferenciar- se. Temos como hipótese
que o fanatismo represente a indiferenciação do homem com Deus.
De modo social esses indivíduos usam o nome do Deus para o exercício do
poder, inclusive criando fortunas pessoais oriundas de promessas de bem-
aventuranças, que iludem uma massa de fiéis desesperados, que acreditam e se
entregam a uma fé cega, em troca da certeza de que serão protegidos, por Deus,
mas através deles, que são os seus representantes.
Já a experiência de fé no Divino, pode ser positiva, quando a família
encontra um ponto de equação da prática desta fé, usando dos princípios básicos
de amor, solidariedade, compreensão e etc. Muitas vezes, em harmonia e com a
disposição de serem melhores com seu próximo, os membros dessa família
ouvem, acolhem, partilham, buscando dentro do possível resolver, ou drenar os
impasses ou simplesmente trocar afetos. E a fé, estará ali, presente, mas sem
ameaças e fanatismos.
A história já deixou marcas em outros tempos, indicando que todas às
vezes, que o Estado falha, que foge das suas responsabilidades nas diversas
áreas, (seja ele de que regime for), é quase inevitável que o sistema ideológico
prevalecerá, se aproveitando desse abandono, angariando fies, conquistando
mais espaços na política, aumentando seus poderes com a criação de redes, e
assim enriquecerem mais rápido.Tudo em nome de Deus e de Jesus.
O que entendemos é que Jesus só nos pediu, que tivéssemos fé nele e que
amássemos o nosso próximo como a nós mesmos.
• O DIABO
Chegamos ao ponto de reconhecer que não é possível falar do Diabo sem
falar em Deus. Karem Armstrong (1994,p.10), historiadora das religiões,
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acompanhou o que teria sido o desenvolvimento do sentido que o homem tem de
Deus. E se Deus é considerado eterno, imutável e anterior ao surgimento à
criação do homem, como os demônios são para Orígenes, o estudo dessa
pesquisadora apontou ao contrário, para o fenômeno de que a idéia de Deus
varia muito, pois cada geração tem que criar a imagem de Deus que funciona para
ela.
“Sempre que um conceito de Deus deixou de ter sentido ou importância, foi discretamente abandonado e substituído por uma nova ideologia (...). apesar de sua transcendência, a religião é muitíssimo pragmática. Veremos que é muito mais importante uma idéia funcionar do que ser lógica ou cientificamente válida” (ARMSTRONG,1994, p.11).
Deus e o Diabo são imagens originadas a partir da visão dos homens sobre
as forças invisíveis que experimentava e que os cercavam, “passando a nomeá-
las como espírito ou o espiritual, o santo, o mana, os numina, os jinn; ou ainda
foram percebidos como poder impessoal, como eletricidade ou radioatividade”, as
pessoas desejavam entrar em contato com essas forças ocultas que associavam
as forças da natureza e fizeram-nas deuses. Porém com características humanas
(FUENTES, 1997, p.24).
A natureza do Diabo, assim como a de Deus, pertence ao âmbito do
sagrado, ambos são realidade psíquica. Mas a terrível presença da imagem do
Diabo na vida e nos sonhos da humanidade faz com que a realidade se tornasse
ameaçadora. O homem tem que pagar penitencias a Deus para se livrar do Diabo.
Porém, cabe lembar que “a maior astucia do Diabo é nos convencer que não
existe” (BAUDELAIRE,1996,p.09).
Otto (1992,p.49), descreveu a experiência com essas forças invisíveis da
realidade transcendental, como mysterium terrribile et fascinans. É terrível porque
se dá como um profundo choque que nos isola das conformações da normalidade,
e fascinans porque, paradoxalmente, exerce uma atração irresistível. Também
aponta que essa experiência é individual.
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“O conteúdo qualitativo do numinoso cuja forma é o misterioso, é, por um lado, o elemento repulsivo (...) o tremendum (...) Por outro, e ao mesmo tempo, é algo que exerce uma atração particular, que cativa, fascina e forma, com o elemento repulsivo do tremendum, uma estranha harmonia de contrastes (...) Quanto mais o divino, sob forma do demoníaco, é para a alma o objeto de terror e de horror, tanto mais, simultaneamente, encanta e atrai (...) O mistério não é (...) sò o espantoso, è também o maravilhoso” (Idem).
O poder numinoso atribuído a essas forças invisíveis é sentido de diferentes
maneiras: às vezes inspira pavor ou uma excitação bárbara, que seduz, arrasta,
arrebata estranhamente, crescendo em intensidade até produzir o delírio e o
inebriamento; às vezes as pessoas sente profundo respeito e humildade. A este
elemento dionisíaco da ação do numen, Otto chamou o fascinante (Idem).
As pessoas, a princípio, ao criarem seus mitos e adorar seus deuses,
estavam procurando uma explicação para os fenômenos divinos, assombrosos e
fascinantes. Os mitos são compreendidos hoje, como metáfora (figura de
linguagem), um meio para descrever essa realidade complexa e fugidia.
Ao participar de cultos e rituais, homens e mulheres, aceitam o poder e a
influência desses deuses sobre suas vidas.
Otto (1992, p.50), diz ainda que a irracionalidade dessa realidade
transcendental experenciada, é arrasadora e as emoçoes que causam não podem
ser expressa em palavras ou conceitos.
Para Jung, Deus ou o SI-Mesmo em sua totalidade se situa além dos limites
pessoais e quando se manifesta, se é que Isso ocorre, é somente sob a forma de
um mltologema religioso; os seus símbolos oscilam entre o máximo e o mínimo.
“A unidade e a totafldade se situam a um nível superior na escala dos valores objetlvos, uma vez que não podemos distinguir os seus símbolos da Imago Dei (Imagem de Deus). Tudo o que se diz sobre a Imagem de Deus pode ser aplicado sem nenhuma dlficudade aos sfmbolos da totalldada” (JUNG, O.C.Vol.IX/2,p. 30).
Ainda segundo Jung, para que o Si-Mesmo não pareça inteiramente
benigno, ele enfatiza que deve ser comparado a um daimon, um poder de-
terminante sem consciência; ficando as decisões éticas relegadas ao próprio
36
homem. Recomenda, ainda que esse daimon, que foi traduzido por demônio sob a
influência dos valores cristãos, corresponde a um poder determinante que vem ao
nosso encontro tal como o poder da providência e do destino.
Sabe-se que a cultura ocidental judeu-cristã formulou a idéia de um Deus
único, proposto, insistentemente, como totalmente bom, e por isso queremos
apontar a importância psicológica desta idéia unilateral que causa desequilíbrio
psiquico. A psicologia analítica de Jung releva que o mito serve para estruturação
psíquica, portanto, busca no mito elementos que expliquem esses fenômenos
naturais.
Jung diz que o mito religioso trata da relação do homem com Deus e
representa, em termos psicólogico, uma relação do homem com seus próprios
conteúdos inconsciente. O processo de metamorfose na divindade judeu-cristâ,
fato esse que antecipa uma transformação histórica na conciencia ocidental. Com
o nacimento de Cristo - Messias - o Salvador criou-se um monoteísmo unilateral,
Deus se despoja das coisas sombrias e nefastas e se torna Summum bonum - O
Bem Supremo.
De outro modo, a imagem do Díabo personificado imprime a figura de um
homem vestido com peles trazendo à cabeça chifres de cervo, e que
arquetipicamente está na psique coletiva, representando a separão entre o bem e
o mal (FUENTES, 1997,p.14).
Jung nos fala que é o conflito entre os opostos, ou seja, quando isso implica
um conflito de dever, vivido muitas vezes como uma experiencia dilacerante, que
coloca o homem diante do problema moral. O problema da moralidade e da ética
se apresenta psicologicamente ao homem quando, por um lado, ele tem que
refletir e agir de acordo com um julgamento moral que esteja em concordância
consigo mesmo, ou seja, com sua própria consciência, e por outro, estar em
relação com as exigencias supa-ordenadas do Si-Mesmo, que é capaz de fazer as
mais arbitrárias e penosas solicitações. Jung enfatiza que por trás da ação de um
omem não se encontra nem a opinião pública nem o código moral, mas a
37
personalidade da qual ele ainda é incosnciente. É por essa personalidade
incosnciente que o homem terá que se responsabilizar-se (JUNG,1967,p.155).
“Os que têm vontade, o destino os conduz, os que não têm, o destino os
arrasta” (JUNG, O.C.Vol.IV,p.295). Destino aqui está sendo usado para significar
tanto “uma vontade de Deus, quanto uma catástrofe natural, mas ainda assim,
implicando no reconhecimento de uma autoridade interna inconsciente do Si-
Mesmo.
Diante do posto, foi visto que Deus e o Diabo tanto amedronta quanto
fascina o homem. E o que quermos apontar, é que este estado psicológico pode
ser usado tantos para o bem quanto para mal. Quando visto apena
unilateralmente, quer seja para o bem ou para o mal, podem ser instrumento de
manipulação da massa sócio-cultural que teme a Deus e ao Diabo, este, com
sendo a “imagem impressa na consciência do arquétipo do grande inimigo” e se
deixa levar pela fé (NOGUEIRA,1986,p.05).
Vemos ao longo do tempo que as famílias de religião judaico-cristã,
repetidamente usam essas imagens para ameaçar, punir, castigar e desenvolver
nas pessoas o sentimento de pecado e culpa. As famílias com elementos com
egos frágeis, cedem às imposições sociais, recebem chantagem emocional a
ponto de não condizirem suas próprias vidas. Tudo fica em nome de Deus e do
Diabo.
Para ilustrar este trabalho, tomamos emprestado as palavras de José
Saramago (1992, p.386), que escreve em seu livro O Evangelho Segundo Jesus
Cristo, um diálogo entre Jesus, Deus e o Diabo numa barca em alto mar, onde
Jesus, ao perguntar ao Diabo se é mesmo verdade que ele, com a finalidade de
levar os homens à tentação, atormentava suas pobres vidas, o Diabo responde:
"Mais ou menos, limitei-me a tomar para mim aquilo que Deus não quis, a carne,
com a sua alegria e a sua tristeza, a juventude e a velhice, a frescura e a
podridão, mas não é verdade que o medo seja uma arma minha, não me lembro
de ter sido eu quem inventou o pecado e o seu castigo, e o medo que neles há
sempre”.
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Saramago inverte que seja o bem algo de Deus, e o mal, do Diabo, como
podemos verificar nessa passagem onde o diálogo continua e Jesus pergunta a
Deus: "com quanto de sofrimento e de morte se pagarão as lutas que, em seu
nome e no meu, os homens que em nós vão crer travarão uns contra os outros?
(Idem). “E Deus desfia inúmeros feitos terríveis: atrocidades, torturas,
assassinatos, perseguições, guerras e mortes; que, em nome Dele, ou pelas suas
próprias mãos, teriam acontecido e continuaria acontecendo à humanidade ao
longo de toda a história” (FUENTES,1997, p.28).
Essa inversão do que seja bem e mal, nos parece um exercício importante
para que não nos esqueçamos, e não nos mantenhamos rigidamente acreditando,
apenas, em um lado de uma história. Parece ser essa atitude o que nos leva,
inconscientemente, aos mecanismos de rejeição e projeção.
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CONCLUSÃO
Nesta pesquisa mostramos que a família e a religião podem se conjugar
das mais variadas formas. No desenvolvimento deste trabalho verificamos
diversas constelações arquetipicas, isto é, padrões que se repetem há muitos
anos no comportamento da família na prática da fé.
A sociedade cria sistemas religiosos que faz com que o homem acredite
que pode chegar a Deus. Essa promessa da iluminação tanto pode ser explorada
como bem administrada. Na primeira, o simbólico do sagrado pode ser
manipulado nas mais variadas formas: cristãos, deuses gregos e santos da
religião afro-brasileira, por exemplo.
Quando utilizado de maneira negativa, percebemos que o nome de Deus é
instrumento de manipulação de “ovelhas”. Estas, possuídas de fé cega podem se
entregar a ponto de se despersonalizar frente ao sagrado, criando em si certa
patologia – o fanatismo.
Por outro lado, o positivo pode ser percebido nas famílias onde o sagrado é
experenciado com ponderação, equilíbrio e bom senso. Somente a prática
consciente dessa re-ligação divina é que leva a experiência com Deus.
Segundo o ponto de vista da psicologia analítica, o homem precisa do
sagrado para mover o seu processo de individuação, isto é, diferenciar-se do outro
na sua autenticidade. Essa ligação com o divino é um dado da Natureza do
homem.
Para Jung, Deus é uma experiência numinosa – mágica, inalcançável, é
uma imagem psíquica. Por isso, é importante que a sociedade familiar pratique
sua fé através de ritos, para manter acessa essa numinosidade que também
pertence ao homem.
Sabe-se que todas as formas religiosas afetam o homem, que pela fé,
pratica a devoção na linguagem da sua cultura, com seus mitos, criando seus ritos
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e cultos. No entanto, esses ritos praticados de forma radical e excessiva podem
levar a família e toda a sociedade a uma desorganização psíquica.
Muitas vezes, o que é lamentável, a teologia é usada como remédio social,
com intuito de poder e manipulação. A intelectualização do sagrado afasta o
homem da sua natureza sagrada. Reconhecemos que a re-ligação depende do
indivíduo, pois é uma centelha divina, mas que vemos na sociedade é um abuso
do nome de Deus. Como as pessoas estão carentes, pois vivem numa violência
sem fim, os espertos, usam dessa fragilidade para controlar a massa que pensa
em Deus e não vive a experiência de Deus na sua vida.
Portanto, concluímos que existe uma necessidade do humano ter
consciência e perceber que projetar no sagrado suas condições narcísicas, o faz
depender e temer e não obedecer as suas leis interiores, que são iluminadas pelo
sagrado e o torna mais humano.
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BIBLIOGRAFIA
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
DEDICATÓRIA 3
RESUMO 4
METODOLOGIA 5
SUMÁRIO 6
INTRODUÇÃO 7
CAPÍTULO I - FUNDAMENTOS JUNGUIANOS 9
CAPÍTULO II - A FAMÍLIA E O SAGRADO 19
CONCLUSÃO 39
BIBLIOGRAFIA 41
ÍNDICE 43
FOLHA DE AVALIAÇÃO 44