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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”
PROJETO VEZ DO MESTRE
“GLOBALIZAÇÃO, UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL”
SUSANA ISABEL DE BRITO RIBEIRO
RIO DE JANEIRO
SETEMBRO/2003
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“GLOBALIZAÇÃO, UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL”
Trabalho monográfico de conclusão do curso de Marketing no
Mercado Globalizado, apresentado ao Departamento de Pós-Graduação
em Marketing da Universidade Cândido Mendes, como requisito
parcial para obtenção do título de especialista.
Professor ORIENTADOR: Marco Antônio Larosa
RIO DE JANEIRO, 2003
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AGRADECIMENTO
Agradeço a todos que fizeram e fazem parte da minha vida e me ajudaram a conquistar mais
um projeto da minha vida.
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SUMÁRIO
Introdução 7
CAPÍTULO I
Dimensão espaço-temporal 9
CAPÍTULO II
O caráter desarmônico da Globalização 14
CAPÍTULO III
As diferentes correntes de abordagem: cépticos e globalistas 16
CAPÍTULO IV
Globalização: a visão econômica do fenômeno 29
Considerações Finais 40
Bibliografia 42
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Introdução
Pretendemos com o presente trabalho discutir as principais abordagens sobre o
conceito globalização na produção intelectual contemporânea, bem como apresentar
resultados acerca da constatação de que há pouco consenso e muitas divergências em
torno da temática. Em todos os momentos da discussão percebe-se a angústia por parte
de alguns autores seja pela escassez de argumentos que respalde uma afirmação mais
contundente sobre a existência de uma um fenômeno global, ou, ao contrário, a
fragilidade de fatos para convencer a corrente de cépticos de que o mundo e as ações
humanas são pautados hoje por agentes externos que estão regulando a vida local a
ponto de torna-la inserida em condutas internacionalizadas descaracterizando-as de sua
genuína origem. Toda essa idéia passa por diversas dimensões das sociedades.
Debate-se, por exemplo, se o Estado está desaparecendo ou perdendo força no
novo cenário mundial, dado a ampliação do poder das organizações transnacionais e da
sua incapacidade de exercer ingerência sobre estas. Por outro lado, admite-se que o
Estado é indestrutível, pois sua ação é parte integrante da nova ordem, na medida em
que ocupará áreas ou setores que não interessam ao capital internacional. Enfim, a
discussão alastra-se por todos os campos e uma infinita capacidade de criar idéias e
argumentos acaba por colocar mais indagações do que propriamente certezas ao tema.
Para tanto, dividimos a apresentação do presente trabalho em alguns tópicos,
considerados essenciais para o desenvolvimento mais coerente do texto. Em um
primeiro momento, procuramos aprofundar a dimensão espaço-temporal como fator
precursor da Globalização ou como campo onde operam as ações globais, as quais
possibilitam a permanente transformação do espaço local e uma profunda mudança nas
noções de temporalidade.
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Em seguida, discutiremos o que os autores chamam de Caráter Desarmônico da
Globalização em que se expõe inúmeros argumentos contrários a idéia de qualquer
possibilidade de existência de um processo global justo e harmônico.
Depois passaremos a exibir a polêmica em torno das Diferentes Correntes de
Abordagem: os cépticos e os globalistas, no qual discutimos os argumentos daqueles
que não acreditam na tão decantada idéia de Globalização, Internacionalização ou
Mundialização e em que se procura comprovar a fragilidade dos argumentos favoráveis
a esse fenômeno. E para tanto, recorrem a números, estatísticas, constatações históricas
extraídos de conceitos concebidos em diversos campos do saber, como a Economia, a
História, a Sociologia, a Filosofia. Por fim, não poderia ausentar-se uma abordagem das
perspectivas econômicas em relação ao fenômeno e que titularemos como
Globalização: a visão econômica do fenômeno.
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CAPÍTULO I
A DIMENSÃO ESPAÇO-TEMPORAL
Não há um consenso para a definição de globalização em relação à conceituação
científica e a própria idéia do fenômeno em si, considerando-se, neste caso, todas as
implicações sociais pretensamente observadas por estudiosos atrás do termo
globalização. Tal como acontece com todos os conceitos das ciências sociais, seu
sentido exato é amplamente contestável por inúmeros autores de diferentes matrizes
ideológicas. De modo geral, a globalização tem sido diversamente concebida como ação
a distancia - quando os atos dos agentes sociais de um lugar podem ter conseqüências
significativas para terceiros. Como atestam Paul Hirst e Grahame Thompson:
“Costuma-se dizer que estamos em uma era
em que a maior parte da vida social é determinada
por processos globais, em que culturas, economias e
fronteiras nacionais estão se dissolvendo”.
(HIRST.THOMPSON:1998, p. 13)
Percebe-se ainda o fenômeno globalização sob três aspectos: como compreensão
espaço-temporal (numa referência ao modo como a comunicação eletrônica instantânea
vem desgastando as limitações da distância e do tempo na organização e na interação
sociais); como interdependência acelerada (entendida aqui como a intensificação da
relação entre economias e sociedades nacionais, de tal modo que os acontecimentos de
um país têm um impacto direto em outros); por fim, como um mundo em processo de
encolhimento, através do processo de erosão das fronteiras e das barreiras geográficas à
atividade sócio-econômica). Para cada um destas percepções há questionamentos. Sobre
a compreensão espaço-temporal, Milton Santos contesta:
"Um outro mito é do espaço e do tempo
contraídos, graças, outra vez, aos prodígios da
velocidade. Só que a velocidade apenas está ao
alcance de um número limitado de pessoas, de tal
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forma que, segundo as possibilidades de cada um,
as distancias têm significações e efeitos diversos e o
uso do mesmo relógio permite igual economia de
tempo”(SANTOS:2000, P.41)
Na verdade, o que distingue essas definições é a ênfase diferenciada que se dá
aos aspectos matérias, espaço-temporais e cognitivos da globalização. É imperioso aqui
nos determos por um momento nessas três partes, para se estabelecer uma concepção
geral da globalização antes de se voltar para o debate sobre seu valor analítico e
explicativo.
A globalização tem um aspecto inegavelmente material, na medida em que é
possível identificar, por exemplo, fluxos de comércio, capital e pessoas em todo o
globo. Esta base material desponta-se, como uma unanimidade entre os estudiosos, que
a reconhecem com um precedente histórico. É o que se vê em “A época da
perplexidade”, de Rena Armand Dreifuss:
"A internacionalização das sociedades-nações
em direção a uma “economia-mundo”, foi
empurrada através da prática mercantil, e muitas
vezes por meio da conquista territorial, formando
sistemas colônias e imperiais. No século XX a
internacionalização foi sustentada pelo ímpeto de
atores empresarias que marcaram presença não só
como agentes centrais da produção, mas como
atores políticos”(DREIFFUSS:1996, p. 133)
Todos os elementos identificados como a estrutura material da globalização são
facilitados por tipos diferentes de infra-estrutura – física (como os transportes ou os
sistemas bancários); normativa (como as regras do comércio) e simbólica ( a exemplo
do inglês usada como língua franca) – que criam as pré-condições para formas
regularizadas e relativamente duradouras de interligação global. Não se pode falar de
contatos ao acaso, pois a globalização se refere a esses padrões arraigados e duradouros
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de interligação mundial. É o que se confirma pela observação do professor Milton
Santos:
"Os fatores que contribuem para explicar a
arquitetura da globalização atual são: a unicidade
da técnica, a convergência dos momentos, a
cognoscibilidade do planeta e a existência de um
motor único na história, representado pela mais-
valia globalizada.”(SANTOS, 1993, p. 24)
Mas o conceito de globalização denota muito mais do que a ampliação de
relações e atividades sociais atravessando regiões e fronteiras. É que ele sugere uma
magnitude ou intensidade crescente de fluxos globais, de tal monta que Estados e
sociedades ficam cada vez mais envolvidos em sistemas mundiais e redes de interação.
Em conseqüência disso, ocorrências e fenômenos distantes podem passar a ter sérios
impactos internos, enquanto os acontecimentos locais podem gerar repercussões globais
de peso. Em outras palavras, a globalização representa uma mudança significativa no
alcance espacial da ação e da organização sociais, que passa para uma escala inter-
regional ou intercontinental. Isso não significa que, necessariamente, a ordem global
suplante ou tenha precedência sobre as ordens locais, regionais, nacionais da vida
social.
O que se observa, assim, é que as limitações do tempo social e do espaço
geográfico, que são coordenadas vitais da vida social moderna, já não parecem impor
barreiras fixas a muitas formas de interação ou organização social, como atestam a
existência das novas tecnologias de comunicação como a Internet, que permite a
negociação em mercados financeiros globais durante as 24 horas do dia. À medida que
as distâncias “encolhem”, aumenta também a velocidade relativa da interação social, de
tal modo que crises e acontecimentos em partes distantes do mundo, passam a ter
impacto mundial imediato que implica um tempo menor de reação para os responsáveis
pela tomada de decisões.
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A globalização gera uma certa mudança cognitiva, que se expressa numa
conscientização popular crescente do modo como os acontecimentos distantes podem
afetar destinos locais (e vice-versa) bem como em percepções públicas da redução do
tempo e do espaço geográfico. Milton Santos reitera esta mudança:
"O período histórico atual vai permitir o que
nenhum outro período ofereceu ao homem, isto é, a
possibilidade de conhecer o planeta extensiva e
aprofundadamente. Isto nunca existiu antes, e deve-
se exatamente aos progressos da ciência e da
técnica”(SANTOS,1993, p. 31)
Em termos bastante triviais, a globalização denota a escala crescente, magnitude
progressiva, a aceleração e o aprofundamento do impacto dos fluxos e padrões inter-
regionais de interação social. Refere-se a uma mudança ou transformação na escala da
organização social que liga comunidades distantes e amplia o alcance das relações de
poder nas grandes regiões e continentes do mundo. Entre outras conseqüências destas
transformações na organização social das regiões do planeta, sobressai-se o fenômeno
da mundialização do uso e dos costumes, como afirma Dreifuss:
“A mundialização compreende a
generalização e uniformização de produtos,
instrumentos, informação e meios à disposição de
importantes parcelas da população
mundial.”(DREIFUSS,1996, p. 133)
Tal observação, entretanto, não deve ser entendida como algo que prenuncia o
surgimento de uma sociedade mundial harmoniosa, ou de um processo universal de
interação global em que haja uma convergência crescente de culturas e civilizações. Ao
contrario, a consciência da interligação crescente não apenas gera novas animosidades e
conflitos, como pode também alimentar políticas reacionárias e uma xenofobia
arraigada. Uma vez que um segmento significativo da população mundial não é
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diretamente afetado pela globalização, ou fica basicamente excluído de seus benefícios,
ela é um processo profundamente desagregador e, por isso mesmo, vigorosamente
contestado.
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CAPÍTULO II
O CARÁTER DESARMÔNICO DA GLOBALIZAÇÃO
Em “Desafios da Globalização”, Aldaíza Sposati, endossa o caráter desigual da
globalização ao observar:
"Todavia, quando este processo se manifesta
na desregulamentação da força de trabalho, no
achatamento dos salários e no aumento do
desemprego, ele se torna extremamente perverso,
porquanto ao invés de traduzir a busca da igualdade
ele retrata, isto sim, a globalização da
diferença”(SPOSATI: 2000, p. 43)
A desigualdade da globalização garante que ela fique longe de ser um processo
universal, uniformemente experimentado em todo o planeta. Doravante, inicia-se a
discussão dos cépticos, daqueles que se apoiam na idéia da desigualdade da
globalização, para expor densos argumentos na tentativa de destruir teoricamente o mito
da globalização.
Sendo assim, para os críticos, é exatamente esse tipo de ressalva que torna o
próprio conceito de globalização profundamente insatisfatório.
“No entanto, quanto mais de perto
observávamos, mais superficiais e infundadas
tornavam-se as declarações dos partidários mais
radicais da globalização. À medida que
prosseguíamos, nosso ceticismo ia aumentando até
nos convencermos de que a globalização, da
maneira como é concebida por seus defensores mais
extremados, é basicamente um mito.”( HIRST
THOMPSON:1998, p.14).
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Se o global não pode ser interpretado literalmente como um fenômeno universal,
falta uma especificidade clara ao conceito de globalização. Há o esforço de se
determinar campos, áreas, setores, unidades territoriais, espaços urbanos que estão,
teoricamente, inseridos em algum momento por um fenômeno global:
"O processo de globalização não é uniforme,
não atinge todos os países da mesma maneira e não
atinge a todos os que vivem no mesmo país do
mesmo modo. O processo de globalização não se dá
também só na esfera da economia, ainda que esta
seja determinante”. (SPOSATI:2000, p.43).
Também é problemática uma concepção mais relativista ou subjetivista do
global que simplesmente o conceba em termos do ápice de uma hierarquia de escalas
espaciais de organização e interação sociais que vão do local para o nacional, o regional
e o global. Sem referências geográficas claras, como é possível distinguir o
internacional ou o transnacional do global, ou, a propósito, os processos de
regionalização dos processos de globalização. É precisamente pelo fato de grande parte
da literatura sobre globalização não especificar as referências espaciais do global que,
segunda a argumentação de alguns autores, o conceito torna-se tão amplo que fica
impossível operacionalizá-la em termos empíricos. Portanto, pode-se afirmar que ele é
basicamente sem sentido como veículo de compreensão do mundo contemporâneo.
Entretanto, o professor Milton Santos, afirma que é possível trabalhá-lo no
campo das experiências apontado para o caráter material da globalização:
“Considerando o que atualmente se verifica
no plano empírico. Podemos, em primeiro lugar,
reconhecer um certo número de fatos novos
indicativos da emergência de uma nova
história”.(SANTOS:1993, p.20).
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CAPÍTULO III
AS DIFERENTES CORRENTES DE ABORDAGEM:
CÉTICOS E GLOBALISTAS
De um modo geral, ao interrogar o conceito de globalização os autores procuram
estabelecer uma prova conclusiva da tese de globalização. Na maioria dos casos, isso
implica a construção de um modelo abstrato de economia global, cultural global ou
sociedade mundial e a avaliação de até que ponto as tendências contemporâneas
correspondem a eles. No caso específico da área econômica tal afirmação é amplamente
defendida e propalada pelos estudiosos, sejam eles historiadores ou economistas, para
os quais há concretamente uma economia globalizada.
“A reestruturação da economia mundial
centrada na globalização representa uma resposta à
exaustão do modelo de crescimento industrial que
tem prevalecido no pós-guerra, baseado na
produção de bens de consumo”. (ACOFORADO:
1997, p.14).
Já os outros críticos da tese globalista procuram avaliar até que ponto as
tendências contemporâneas se comparam com o que os diversos historiadores de
economia afirmam ter sido a belle époque da globalização, a saber, o período de 1890 a
1914.
“O volume do comércio exterior mundial
expandiu em torno de 3,4% ao ano, entre 1870 e
1913. Após 1913, o comércio foi adversamente
afetado pelo crescimento de tarifas, restrições
quantitativas, controles de câmbio e, depois, pela
guerra, e expandiu em media, menos que 1% ao
ano, entre 1913 e 1950. No entanto, após 1950, o
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comercio realmente decolou para crescer mais do
que 9% ao ano até 1973. Entre 1973 e meados da
década de 80, a taxa de crescimento caiu, voltando
a se aproximar dos níveis do final do século XIX e
expandindo-se a uma taxa de 3,6%..”(HIRST
THOMPSON: 1998, p.42).
Analisando os fluxos migratórios e o mercado de trabalho internacional os
mesmos autores chegam a seguinte conclusão com relação à migração familiar:
“A era da migração familiar em massa não se
repetiu da mesma maneira como se deu no período
até a Primeira Guerra Mundial” (HIRST,
THOMPSON:1998, p. 42)
Nos dois casos acima citados, há um forte pressuposto de que os dados
estatísticos em si podem determinar a “verdade” sobre a globalização. Nesse aspecto, a
análise dos chamados autores cépticos decididamente descarta o valor ou explicativo
desse conceito. Em vez de globalização, eles acreditam que uma conceituação mais
válida das tendências atuais seria captada pelos termos “internacionalização”, isto é,
laços crescentes entre economias ou sociedades nacionais essencialmente distintas – e
“regionalização ou triadização” – o agrupamento geográfico de trocas econômicas e
sociais transfronteiriças. A idéia de uma globalização apoiada num processo de
“triadização” da concentração do capital mundial pode ser, de fato, encontrado em
Hirst e Thompson:
“Como admitem alguns dos defensores
extremados da globalização, a economia mundial
está longe de ser genuinamente global. Ao
contrário, os fluxos de comércio, de investimento e
financeiro estão concentrados na Tríade da Europa,
Japão e América do Norte, e parece que esse
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domínio vai continuar.” (HIRST,
THOMPSON:1998, p.15).
Não se pode negar que esse é um argumento a favor da continuidade da primazia
do território, das fronteiras e dos governos locais e nacionais na distribuição e
localização do poder, da produção e da riqueza na ordem mundial contemporânea. No
entanto, surge um enigma: como explicar a desarticulação entre o difundido discurso
sobre a globalização e as realidades de um mundo em que, em sua maioria, as rotinas de
vida cotidiana são dominadas por circunstâncias locais e nacionais?
Em vez de proporcionar esclarecimentos sobre as forças que moldam a ordem
mundial contemporânea, o conceito de globalização, no dizer de muitos autores,
desempenha função bem diferente. Em síntese, o discurso sobre globalização é
entendido como uma construção primordialmente ideológica – um mito conveniente,
que, em parte, ajuda a justificar e legitimar o projeto global neoliberal, isto é, a criação
do livre mercado global e a consolidação do capitalismo anglo-americano nas principais
regiões econômicas do mundo.
“No entanto, quanto mais de perto
observávamos, mais superficiais e infundadas
tornavam-se as declarações dos partidários mais
radicais da globalização. Particularmente,
começamos a nos inquietar com três fatos: primeiro,
a ausência de um modelo da nova economia global
comumente aceito e de uma referência a como ela se
diferencia de estágios anteriores da economia
internacional; em segundo lugar, na ausência de um
modelo claro contra o qual medir tendências, a
inclinação fortuita a citar exemplos de
internacionalização de setores e processos como se
fossem uma evidência do crescimento de uma
economia dominada por forças autônomas do
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mercado global. E, em terceiro, a lacuna de fundo
histórico, a tendência de retratar mudanças
correntes como únicas e sem precedentes,
firmemente fixadas para persistirem por muito
tempo no futuro. Para abreviar, à medida que
prosseguíamos, nosso ceticismo ia aumentando até
nos convencermos de que a globalização da maneira
como é concebida por seus defensores mais
radicais, é basicamente um mito”.(HIRST E
THOMPSON: 1998, p.14).
Afirma-se, por conseguinte, que a internacionalização das relações econômicas
ou sociais depende das políticas e de preferências das grandes potências do momento, já
que só elas possuem poderio militar e econômico suficiente para criar e manter as
condições necessárias a uma ordem internacional liberal aberta. Parte-se do pressuposto
que as nações hegemônicas, leia-se Estados Unidos como vanguarda desde a Segunda
Guerra Mundial, exercem o papel de formuladores de políticas sociais e econômicas
para o mundo, como atesta também o professor Otávio Ianni:
“O mundo pós-guerra Fria significou,
fundamentalmente, o triunfo de uma "ordem
mundial" em que apenas os Estados Unidos podem
ser qualificados como uma superpotência e que,
portanto, podem impor, embora com algumas
restrições encontradas no âmbito interno desse país,
sua hegemonia em escola mundial. A hegemonia
norte-americana compreendida no contexto que
aqui traduzimos por "imperialismo tardio" ,
conceito esse formulado por James Petras, não
encontra ainda sérias contestações. Alardeada como
significando o fim da história, a vitória final do
Ocidente e do liberalismo, êxito que teria permitido,
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finalmente, o fim das lutas entre diferentes
ideologias e a conseqüente diminuição da violência,
das guerras, da corrida armamentista, a
Globalização é o triunfo da Pax norte-americana,
que não pode prescindir da fabricação de
confrontos militares e políticos regulares, que impõe
suas regras aos países do Terceiro Mundo.”
(IANNI: 2000, p. 51)
Sem o exercício do poderio norte-americano, sugere essa argumentação, a ordem
mundial liberal existente que sustenta a recente intensificação da interdependência
internacional acabaria entrando em colapso. Isso leva a um outro aspecto crucial, a
saber, o fato de que historicamente as ordens liberais são pouco propensas a durar, uma
vez que, num sistema em que as nações estão em luta constante pela dominação, a força
dos estados hegemônicos acaba tendo uma vida finita. Como tendem a afirmar muitos
cépticos, sem uma nação hegemônica para policiar o sistema liberal, como no período
de 1919-1939, seguem-se a corrida para a auto-suficiência econômica e a ruptura da
ordem mundial. Em última análise, a interdependência internacional é uma situação
temporária e contingente.
Há ainda a visão daqueles que rejeitam a afirmação de que o conceito de
globalização pode ser simplesmente descartado como uma construção puramente
ideológica, ou como sinônimo do imperialismo ocidental. Embora não negue que o
discurso da globalização pode realmente servir aos interesses de poderosas forças
sociais do Ocidente, a explicação desses autores enfatiza também que ele reflete
mudanças estruturais reais na escola da organização social moderna. Isso se evidencia,
entre outras manifestações, pelo crescimento das empresas multinacionais, pelos
mercados financeiros mundiais, pela difusão da cultura popular e pelo destaque da a
degradação ambiental do Planeta. Ao mesmo tempo críticos da ordem Globalizante
alguns estudiosos reconhecem estas mudanças.
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"São pessoas que se comportam com
desenvoltura nas grandes infra-estruturas e infra-
organizações, entre as quais estão os aeroportos
internacionais, já que se tornaram verdadeiras
cidades passageiras. Essa população está se
familiarizando com a diversidade de formas e
recursos de intercomunicação". (DREIFUSS: 1996,
p.137)
Esta corrente de pensadores não concebe a Globalização como um fenômeno
exclusivamente econômico, mas a confere um status equiparável a outras dimensões da
atividade social. Esse apego a uma concepção diferenciada ou multidimensional da
globalização reflete uma compreensão Weberiana e/ou pós marxista e pós-estruturalista
da realidade social, que a considera composta de diversas ordens institucionais ou redes
de poder distintas: as de natureza econômica, tecnológica, política, cultural, natural etc.
Reduzir a globalização a uma lógica puramente econômica ou tecnológica é tido
como profundamente equivocado, pois desconhece a complexidade intrínseca das forças
que moldam as sociedades modernas e a ordem mundial. Assim, a análise parte de uma
concepção da globalização como um conjunto de processos inter-relacionados que
operam através de todos os campos primários do poder social, inclusive o militar, o
político e o cultural. Não existe, porém, um pressuposto de que o padrão histórico ou
espacial de globalização em cada um desses campos seja idêntico ou sequer
comparável.
Nesse aspecto, ainda de acordo com estes autores, não se presume que os
padrões da globalização cultural, por exemplo, reproduzam necessariamente os padrões
da globalização econômica. A visão deles promove uma concepção da globalização que
reconhece essa diferenciação, admitindo a possibilidade de que ela avance em ritmos
diferentes, com geografias distintas.
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É central nessa concepção a ênfase nos atributos espaciais específicos da
globalização. Procurando diferenciar as redes e sistemas globais dos que operam em
outras escalas espaciais, como o local e o nacional, a análise desses autores identifica a
globalização, primordialmente, com as atividades e relações que se materializam em
escala inter-regional ou intercontinental. Em "Economia Mundial", o professor
Theotonio dos Santos, identifica esta visão quando afirma:
"É inegável, contudo, que os processos de
integração regional tendem a sobrepor-se, na atual
conjuntura, a outros pólos que foram fundamentais
na etapa do pós-guerra”.(SANTOS:1993, p. 49)
Essa perspectiva envolve estes autores na tentativa de estabelecer distinções
analíticas mais exatas entre o conceito de globalização e os conceitos de regionalização
e localização, isto é, a articulação das relações sociais dentro dos Estados,
respectivamente. Feito isso, entretanto, a relação entre globalização e essas outras
escalas da organização social não é tipicamente concebida em termos hierárquicos ou
contraditórios. Ao contrário, as inter-relações entre escalas diferentes são consideradas
fluidas e dinâmicas. E o que atesta o professor Milton Santos:
"Hoje vivemos um mundo da rapidez e da
fluidez. Trata-se de uma fluidez virtual, possível pela
presença dos novos sistemas técnicos, sobretudo os
sistemas da informação, e de uma fluidez efetiva,
realizada quando essa fluidez potencial e utilizada
no exercício da ação, pelas empresas e instituições
hegemônicas ".(SANTOS: 1993,p. 83)
A tentativa de fazer uma especificação mais sistemática do conceito de
globalização é também complementada pela importância atribuída a suas formas
temporais ou históricas. Em vez de tentar avaliar como as tendências globais
contemporâneas se comparam a tal o qual modelos abstratos de um mundo globalizado,
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ou de simplesmente comparar a magnitude dos fluxos globais entre épocas diferentes, a
analise desses autores recorre a formas sócio-históricas de análise. Nesse sentido, temos
em Anthony Giddens em As Conseqüências da Modernidade, pag71 uma abordagem do
tema globalização que considera o presente numa perspectiva histórica para formular
teorias, por exemplo, das conseqüências da globalização no papel do Estado-Nação:
"Os estados nação, argumenta-se, estão se
tornando progressivamente menos soberanos do que
costumavam ser em termos de controles sobre seus
próprios negócios - embora poucos hoje antecipem
para o futuro próximo a emergência do "estado
mundial" que muitos no inicio deste século previam
como uma probabilidade real." (GIDDENS:1991, p.
71)
Projetar fórmulas ou teorias para compreender o fenômeno da globalização
analisando-a por um prisma dialético, implica em situar o tema dentro do que o
historiador francês Fernand Braudel denominou de perspectiva da longue durée, isto é,
os padrões de longo prazo da mudança histórica secular. Mais uma vez recorre-se a
Giddens para endossar tal perspectiva:
"A história dos últimos dois séculos não é
portanto a história da perda progressiva da
soberania por parte dos estados-nação. Aqui mais
uma vez devemos reconhecer o caráter dialético da
globalização e também os processos de
desenvolvimento desigual." (GIDDENS: 1991, p.
82)
Compreender a globalização contemporânea exige que ela seja situada no
contexto das tendências seculares do desenvolvimento histórico mundial, como citou-se
acima. Sobre esta visão, encontra-se relevante contribuição de Hirst e Thompsom:
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"Assim, a Primeira Guerra Mundial destruiu
a hegemonia britânica, acelerando um processo que
deveria ter acontecido de forma muito mais lenta,
simplesmente como conseqüência do declínio
industrial britânico. Isso resultou em um período de
protecionismo e concorrência autárquica nacional
na década de 30, seguida pelo estabelecimento da
hegemonia americana após a Segunda Guerra
Mundial e pela reabertura da economia
internacional do sistema de Bretton Woods. Isso
significa o perigo de admitir que as grandes
mudanças atuais na economia internacional não
tenham precedentes e que sejam inevitáveis ou
irreversíveis" (HIRST E. THOMPSON,1998, p.26)
Mas esse desenvolvimento, como a análise desses autores reconhecem, é
pontuado por fases distintas - desde a época do descobrimento do mundo até a belle
époque dos anos do entre-guerras nas quais o ritmo da globalização parece intensificar-
se, ou às vezes, ao contrário, regredir. Compreender a globalização contemporânea
implica recorrer ao conhecimento do que diferencia essas fases distintas, inclusive o
modo como esses sistemas e padrões de interligação global se organizam e reproduzem,
suas diferentes geografias e histórias e a configuração mutável das relações de poder
inter-regionais . Por conseguinte, a análise globalista amplia o conceito de globalização,
de modo a abarcar a idéia de suas formas históricas distintas. Isso requer um exame de
que os padrões de globalização, dentro e entre os diferentes campos de atividades, se comparam e se
contrastam ao longo do tempo.
Essa tradição particular da análise sócio-histórica estimula a concepção da
globalização como um processo um tanto indeterminado, pois não se inscreve numa
lógica pré-ordenada que presuma uma trajetória histórica ou um estado final únicos, isto
é, o surgimento de uma única sociedade mundial ou civilização global, como sugeriu
Giddens.
24
A globalização, argumenta-se, é movida por uma confluência de forças e
incorpora tensões e dinâmicas. Como já foi comentando, a análise destes autores,
descarta o pressuposto de que seja possível explicar a globalização unicamente em
referência aos imperativos do capitalismo ou da tecnologia. Tampouco se pode entendê-
la como uma simples projeção da modernidade ocidental por todo o globo.
“A modernidade é inerentemente globalizante
- isto é evidente em algumas das mais básicas
características das instituições modernas, incluindo
em particular sua ação de desencaixe e
reflexividade. A globalização pode assim ser
definida como a intensificação das relações sociais
em escala mundial, que ligam localidades distantes
de tal maneira que acontecimentos locais são
modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas
de distancias" (GIDDENS:1991, p.70)
Ao contrário disso, para a visão dos autores, a globalização é um produto de
forças múltiplas que incluem os imperativos econômicos, políticos e tecnológicos além
de fatores conjunturais específicos como, por exemplo, a criação da antiga Rota da Seda
ou o colapso do socialismo de Estado. O professor Otávio Ianni, por exemplo, entende a
globalização do capitalismo a partir da derrocada socialista na Europa e Ásia:
"Na época da globalização propriamente dita
do capitalismo, o que se concretiza com o fim da
guerra fria, ou a desagregação do bloco soviético, é
a adoção da economia de mercado por praticamente
todas as nações do ex-mundo socialista; nessa
época ocorre uma transformação quantitativa e
qualitativa do capitalismo, como modo de produção
e processo civilizatório. Uma transformação
quantitativa e qualitativa no sentido de que o
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capitalismo se torna concretamente global,
influenciando, recobrindo, recriando ou
revolucionando, todas as outras formas de
organização social do trabalho, da produção e da
vida."(IANNI:2000, p. 184)
Ou seja, por esta análise, a globalização não tem um padrão fixo ou
predeterminado de desenvolvimento histórico. Os eventos sociais - e as transformações
delas decorrentes, são resultados de forças dialéticas que destroem e constroem
conceitos e normas. Além disso, uma vez que atrai e empurra as sociedades para
direções diferentes, ela gera, simultaneamente, cooperação, conflito, integração e
fragmentação, ordem e desordem.
"E claro que o globalismo não anula nem a
interdependência nem o imperialismo. Essas são as
duas dimensões da realidade histórica e geográfica
do capitalismo que se reproduzem e se recriam com
maior força ainda. Mais do que nunca, essas
categorias são generalizadas no sentido de que
abarcam indivíduos, coletividades e povos em todos
os continentes, ilhas e arquipélagos. São
determinações que se reproduzem todo o tempo,
reiterando, modificando, ou mesmo aprofundando
as desigualdades sociais, econômicas, políticas e
culturais. Pode-se mesmo dizer que a dinâmica da
reprodução ampliada do capital, em escala mundial
,tem propiciado uma acentuada concentração do
poder econômico, agravando a questão social em
âmbito também mundial.".(IANNI:2000, p. 184)
Rejeitando as interpretações historicistas ou deterministas da globalização, a
análise dos chamados globalistas convida a uma concepção aberta da mudança global, e
não a uma visão fixa ou singular do mundo globalizado.
26
É central nessa interpretação, entretanto, uma concepção da mudança global que
implica uma reordenação significativa dos princípios organizadores da vida social e da
ordem mundial. Três aspectos dela tendem a ser identificados, quais sejam, a
transformação dos padrões dominantes da organização sócio-econômica, a do princípio
territorial e a do poder. Ao fazer desaparecer as limitações do espaço e do tempo nos
padrões de interação social, a globalização cria a possibilidade de novas formas de
organização social transnacional, como, por exemplo, as redes de produção e regimes
reguladores globais, ao mesmo tempo, que torna as comunidades de determinados
lugares vulneráveis ás condições ou aos acontecimentos globais, como ocorreu no caso
da decisão da Organização Mundial do Comercio sobre a guerra da banana entre União
Européia e os Estados Unidos, com suas conseqüências para os produtores de banana
das ilhas Windward.
Ao transformar o contexto e as condições da interação e da organização sociais,
a globalização também implica uma reordenação das relações entre o território e o
espaço sócio econômico e político. Ou seja, à medida que as atividades econômicas,
sociais e políticas transcendem cada vez mais a regiões e as fronteiras nacionais, isso
representa um desafio direto para o principio territorial da organização social e política
moderna. Esse princípio pressupõe uma correspondência direta entre a sociedade, a
economia e a organização política num território nacional exclusivo e delimitado por
fronteiras. Mas a globalização rompe essa correspondência, na medida em que a
atividade social, econômica e política já não podem ser entendidas como tendo limites
idênticos aos das fronteiras territoriais nacionais. E esta percepção, segundo Ianni, não é
recente, pois se inscreve no limiar dos primórdios da globalização do capitalismo.
"Ao longo da história, desde o século XVI ao
XX, e já pronunciando o século XXI, multiplicam-se
as empresas, corporações e conglomerados
compreendendo monopólios, trustes, cartéis,
multinacionais e transnacionais. São
empreendimentos que estão sempre ultrapassando
fronteiras geográficas e históricas, atravessando
27
mares e oceanos, instalando-se em continentes, ilhas
e arquipélagos. Assim, se é verdade que o
mercantilismo, o colonialismo e o imperialismo
tinham raízes no nacionalismo e ajudaram a
difundir o modelo de Estado-nação pelo mundo
afora, é também verdade que quebraram fronteiras
de tribos, clãs, povos, nacionalidades, culturas e
civilizações. Nesse sentido é o capitalismo entra
decisivamente no desenho e redesenho do mapa do
mundo criando nações e colônias, metrópoles e
impérios, geoeconomias e geopolíticas, ocidentes e
orientes".(IANNI: 2000, p.174)
Não se pode admitir, porém, que o território e a localização estejam se tornando
irrelevantes mas que, nas condições da globalização contemporânea, eles são
reinventados e reconfigurados, isto é, inseridos num contexto global e postos em
competição cada vez maior. Esta última questão se liga ao terceiro e ultimo aspecto da
transformação identificadas na literatura globalista, ou seja, a transformação das
relações de poder.
Há no cerne da análise desta corrente de autores uma preocupação com o poder:
seus aspectos instrumentais, sua configuração, sua distribuição e seus impactos. A
globalização é tida como expressando a escala crescente em que o poder é organizado e
exercido. Nesse aspecto, ela implica a reordenação das relações de poder entre e através
das principais regiões do mundo, de tal modo que as sede centrais do poder e as que lhe
ficam submetidas encontram-se muitas vezes a oceanos de distancias. As relações de
poder estão profundamente inscritas na dinâmica da globalização, como é confirmado
pelas discussões permanentes sobre suas implicações para o Estado-Nação.
28
CAPÍTULO IV
GLOBALIZAÇÃO: A VISÃO ECONÔMICA DO FENÔMENO
Na impossibilidade de ampliar a polêmica sobre os vários aspectos da
globalização (questões culturais, políticas, éticas, etc.), seja por limitação do objetivo do
trabalho, ou por escassez de tempo, detenho-me daqui para frente na discussão travada
por alguns autores a respeito da globalização econômica, sem ter a pretensão de esgotar
o tema no âmbito da abordam que faremos, mas jogar uma luz sobre o debate e aguçar
as mentes para uma reflexão coerente e séria de um tema tão vital para a humanidade.
A globalização econômica contemporânea está associada a uma defasagem
acelerada entre os Estados ricos e pobres e entre os povos na economia global.
"A globalização, mesmo entendida de forma
sutil como a concretização do mundo inteiro como
um único lugar, coloca problemas. Pois afinal, não
existe uma percepção única do mundo. A rigor,
dever-se-ia falar de globalizações. Ela é uma para o
Europeu, cuja cultura já é profundamente
cosmopolita, e tem desempenhado o papel de centro
de referencia do mundo cultural da modernidade;
ela é outra para o norte-americano, elevado à
máxima e única potência mundial, mas numa
sociedade cujo cancro emerge com visibilidade na
formação das redes de comunicação mundial; ela é
ainda distinta para o africano, condenado a viver
em espaços em que o Estado desapareceu ou tende a
desaparecer; e ainda outra para o asiático, cuja
integração mundial é absolutamente recente e a
maior novidade do final do século. Para não
falarmos dos latino-americanos ou dos australianos,
os primeiros situados numa intricada encruzilhada e
29
os segundos, reproduzindo o" sucesso ocidental" no
Oriente”. (IANNI: 2000, p.87)
Ao determinar a localização e a distribuição da riqueza e da capacidade
produtiva na economia mundial, a globalização define e reformula os padrões globais de
hierarquia e desigualdade. Isso tem implicações profundas para a segurança humana e
para a ordem mundial, na medida em que as desigualdades globais condicionam as
oportunidades de vida dos indivíduos e das coletividades, para não falar em criar as
precondições e um mundo mais instável e desregrado. Não surpreende que o problema
da desigualdade global tenha se tornado uma das questões mais prementes e
controvertidas da agenda global.
Embora haja muita preocupação pública e acadêmica, como vimos na discussão
sobre o fenômeno da globalização, o debate não se cristaliza facilmente num diálogo
entre os cépticos (os que não admitem o rótulo globalização) e os globalistas (são os
autores que aceitam, mas fazem ressalvas). Em parte, isso se deve à grande
complexidade das questões e, em parte, ao fato da escala da tragédia humana envolvida
ser tão esmagadora que transformar a própria idéia de um debate sobre essas questões
numa espécie de afronta as sensibilidades morais.
Apesar de haver uma discordância considerável, tanto entre os cépticos quanto
entre os globalistas, quanto às conseqüências da desigualdade global e aos remédios
apropriados para ela, o que tende a distinguir estes dois grupos são, acima de tudo, seus
diagnósticos diferentes das causas subjacentes ao problema e, em particular, à relação
deste com a globalização econômica.
Entre os globalistas de orientação neoliberal, a globalização econômica
contemporânea é vista como encarnando a criação de um único mercado global, que,
mediante a operação do livre comércio, a mobilidade do capital, e a competição global é
o arauto da modernização e do desenvolvimento. Mesmo não se considerando um
neoliberal, parece confirmar esta posição:
30
"A modernização do mundo implica a difusão
e sedimentação dos padrões e valores socioculturais
predominantes na Europa Ocidental e nos Estados
Unidos. Estão em causa os princípios da liberdade e
da igualdade de proprietários articulados no
contrato juridicamente estabelecido. Estão em causa
os processos de urbanização, de industrialização,
mercantilização, de secularização." (IANNI: 2000,
p.99)
Apontando para o milagre econômico do Leste asiático e para a experiência
latino-americana de inicio a meados da década de 1990 (e, aliás, para a pronta
recuperação de muitas dessas economias depois do tumulto econômico de 1997-98), os
neoliberais enfatizam que a solução para as desigualdades globais deverá ser encontrada
na adoção de uma política de abertura ao capital global e à competição global e na busca
de uma integração mais estreita na economia mundial. Embora haja um reconhecimento
de que a globalização econômica gera tanto perdedores, quanto ganhadores fortes. Os
neoliberais frisam a difusão crescente da riqueza e da prosperidade em toda a economia
mundial - o efeito em cascata.
A pobreza global - segundo os padrões históricos - caiu mais nos últimos
cinqüenta anos do que nos quinhentos anteriores, e o bem-estar das populações de quase
todas as regiões melhorou significativamente nas últimas décadas. Em vez da antiga
fratura entre norte e sul, afirmar-se que uma nova divisão internacional do trabalho vem
substituindo o tradicional modelo centro-periferia das relações econômicas globais.
Como resultado o Terceiro Mundo vai ficando cada vez mais diferenciado, à
medida que mais Estados tirando proveito dos mercados globais abertos,
industrializaram-se; a Coréia do Sul, por exemplo, é hoje membro da OCDE, o clube
ocidental das nações ricas, enquanto muitos outros países em processos de
industrialização aspiram a participar dela. Reconhecendo os limites econômicos e
morais da busca da igualdade global, os neoliberais continuam dispostos a aceitar as
31
desigualdades "naturais" criadas pelo mercado global, quando comparadas à perda de
liberdade - e de eficiência econômica - acarretada pela intervenção multilateral para
corrigir as conseqüências da globalização econômica desigual.
Nessa medida a globalização econômica é associada a uma crescente
prosperidade mundial: a pobreza extrema e a desigualdade global são vistas como
estados transitórios, que desaparecerão com a modernização global conduzida pelo
mercado. A globalização econômica, afirma-se, cria as precondições para uma ordem
mundial mais estável e pacífica, uma vez que a interdependência econômica duradoura,
como confirmam as relações entre estados ocidentais, torna cada vez mais irracional o
recurso a força militar ou à guerra e, portanto, torna-o, cada vez mais improvável.
Já os globalistas de orientação social-democrata ou radical dão uma
interpretação bem diferente das desigualdades globais. A globalização econômica,
dizem eles, é diretamente responsável por aumentar as disparidades de oportunidade de
vida no mundo inteiro - há um aprofundamento de polarização da renda e da riqueza. E
até com relação a eliminação das distancias através de meios técnicos mais avançados,
percebe-se a dicotomia entre os inseridos e os não inseridos neste espectro tecnológico
que, supostamente, vai encurtar o espaço geográfico.
"Trocando em miúdos: em vez de
homogeneizar a condição humana, anulação
tecnológica das distancias temporais/especiais tende
a polariza-la. Ela emancipa certos seres humanos
das restrições territoriais e torna extraterritoriais
certos significados geradores de comunidade - ao
mesmo tempo que desnuda o território, no qual
outras pessoas continuam sendo confinadas do seu
significado e da sua capacidade de doar
identidade"(BAUMANT,1999, p.24)
32
Nesse sentido, três padrões correlacionados se evidenciam: a segmentação da
força de trabalho mundial entre os que ganham e os que perdem com a globalização da
economia; a crescente marginalização dos perdedores da economia global; e o desgaste
da solidariedade das nações, uma vez que os sistemas de assistência social não podem
ou os governos não querem arcar com os custos de proteger os mais vulneráveis. A
globalização econômica cria um mundo mais abastado para alguns, à custa da pobreza
crescente de outros. Essa pobreza, entretanto, já não se restringe ao sul, ao mundo em
desenvolvimento, vem aumentando também em alguns setores do norte abastado.
"Essa nova lei do valor - que é uma lei
ideológica do valor - é uma filha dileta da
competitividade e acaba por ser responsável
também pelo abandono da noção e do fato da
solidariedade. Daí as fragmentações resultantes.
Daí a ampliação do desemprego. Daí o abandono
da educação. Daí o desapreço à saúde como um
bem individual e social inalienável.”
(SANTOS:1993, p.48)
A globalização econômica, afirmam esses globalistas, é responsável pela
globalização crescente da pobreza. Nas economias da OCDE, a desigualdade, o
desemprego e a exclusão social aumentaram, já que muitos empregos não qualificados e
semiqualificados foram transferidos para empreitadas mais lucrativas em países em
desenvolvimento. Essa reestruturação econômica global acarreta uma segmentação da
força de trabalho, tanto em países ricos quanto pobres, entre os que ganham e os que
perdem com o capitalismo global.
"O aumento da pobreza não obedece "as
políticas neoliberiais", mas sim ao funcionamento
do capitalismo, que cria um pólo de riqueza e outro
de pobreza, gerando sobreprodução e subconsumo.
A batalha pela competitividade é a causa central do
empobrecimento recente. Na última década a
33
aceleração da mudança tecnológica coexistiu com o
aumento da desnutrição de um quinto da população
mundial, e com a morte pela fome de vários milhões
de pessoas na África em 1994.
Inclusive, dentro dos Estados Unidos, os 35
milhões em estado de pobreza absoluta, convivem
com maravilhas do Silicon Valley. Há ali mais de
um milhão de detentos nas cadeias, e a
criminalidade empurrou a média de vida no Harlem
a um patamar inferior ao de Bangladesh"
(COGGIOLA:1997,p.51)
Isso divide as nações e desgasta a base de solidariedade social. Nas economias
avançadas, a competição global mina as coalizões sociais e políticas necessárias aos
programas sólidos de bem-estar social e a política de proteção social, enquanto no
mundo em desenvolvimento, os programas de assistência social supervisionados pelo
FMI e pelo Banco Mundial restringem severamente os gastos públicos com o bem-estar
social. Hoje em dia, segundo se sugere, a globalização da pobreza é, cada vez mais, um
tema de preocupação vital global e compartilhada. Ao dividir os Estados e povos, ela
gera uma fragmentação mais profunda de ordem mundial e das sociedades, gerando as
condições de um mundo mais instável. A menos que a globalização econômica seja
refreada, um novo barbarismo irá prevalecer à medida que a pobreza, a exclusão social e
o conflito social envolverem o mundo. É o que se pode verificar na obra do professor
Milton Santos:
"O último período, no qual nos encontramos,
revela uma pobreza de novo tipo, uma pobreza
estrutural globalizada, resultante de um sistema de
ação deliberada. Examinando o processo pelo qual
o desemprego é gerado e a remuneração do
emprego se torna cada vez pior, ao mesmo tempo
em que o poder público se retira da das tarefas de
proteção social, é lícito considerar que a atual
34
divisão "administrativa" do trabalho e a ausência
deliberada do Estado de sua missão social de
regulação estejam contribuindo para uma produção
científica, globalizada e voluntária da pobreza" (
SANTOS:1993, p.72).
O que se requer é uma nova ética global, que reconheça o dever de cuidar, além
das fronteiras, bem como dentro delas, e uma nova negociação global entre as nações
ricas e pobres. Isso implica repensar a democracia social como um projeto puramente
nacional, reconhecendo que, para continuar eficaz num mundo que se globaliza, ela tem
que estar inserida num sistema reformulado e muito mais forte de gestão global, que
procure combinar a segurança humana com a eficiência econômica. Giddens aprofunda
a discussão propondo a adoção dos movimentos sociais e pacifistas, além
inevitavelmente da perspectiva de se utilizar o Estado como agente executor de
regulações ao ímpeto da globalização.
"Os movimentos sociais proporcionam
vislumbres de futuros possíveis e são em parte
veículos para a sua realização. Mas é essencial
reconhecer que, da perspectiva do realismo utópico,
eles não são necessariamente a única base de
mudanças que podem conduzir a um mundo mais
seguro e mais humano. Os movimentos pacifistas,
por exemplo, podem ser importantes para despertar
consciências e atingir metas táticas a respeito de
ameaças militares. Outras influências, contudo,
incluindo a força da opinião pública, as políticas
das corporações de negócio e dos governos
nacionais, e as atividades de organizações
internacionais, são fundamentais para obtenção de
reformas básicas. A perspectiva do realismo utópico
reconhece a inevitabilidade do poder e não seu uso
35
como inerentemente nocivo. O poder, em seu sentido
mais amplo, é um meio de conseguir que as coisas
sejam feitas. Numa situação de globalização
acelerada, procurar maximizar a oportunidade e
minimizar os riscos de alta-consciência requer uso
coordenado do poder. A solidariedade para com as
aflições dos oprimidos é integral a todas as formas
de política emancipatória, mas alcançar as metas
envolvidas depende com freqüência da intervenção
da influencia dos privilegiados "(GIDDENS,1991,
p.161)
A reconstrução de um projeto social democrático exige a busca coordenada de
programas nacionais, regionais e globais que regulem as forças da globalização
econômica, ou seja, a garantia, em outras palavras, de que os mercados globais
comecem a servir as populações do mundo, e não o inverso. Estender a democracia
social para além das fronteiras também depende de fortalecer os laços de solidariedade
entre as forças sociais, nas diferentes regiões do mundo, que procuram contestar ou
resistir aos termos da globalização econômica contemporânea. Assim como o sistema de
Bretton Woods criou uma ordem econômica mundial com o objetivo da busca da
democracia social nacional, faz-se necessário um novo pacto global, afirmam muitos
globalistas, para domar as forças da globalização econômica e criar uma ordem mundial
mais justa e mais humana.
Uma outra corrente, a dos cépticos, especialmente os de inclinação marxista
tradicional, a perspectiva de um New Deal global é decididamente utópica. Mesmo
reconhecendo que o capitalismo contemporâneo está criando um mundo mais dividido e
desregrado, é pura ingenuidade política presumir que os Estados, as empresas e as
forças sociais que mais se beneficiam da atual ordem mundial tendam, em algum
momento, a consentir em sua reforma efetiva, e muito menos em sua transformação.
Segundo essa análise, o centro e a periferia - o Primeiro e o Terceiro Mundo -
continuam a ser, sem sombra de dúvidas, um aspecto fundamental da ordem mundial
36
vigente. Em vez de o capital internacional criar um só mundo, ele tem sido
acompanhado pelo aprofundamento da desigualdade global, através da marginalização
da maioria das economias do Terceiro Mundo, à medida que se intensificam os fluxos
de comércio e investimentos entre as economias da OCDE, com a exclusão de grande
parte do resto do planeta. Em vez de uma nova divisão global do trabalho, a análise
radical aponta para um aprofundamento da fratura norte-sul. É central nessa análise a
concepção da internacionalização econômica contemporânea como nada além de uma
nova forma de imperialismo ocidental. Atualmente 50% da população mundial e dois
terços de seus governos estão presos às regras disciplinares do FMI ou do Banco
Mundial. Como demonstrou a crise do Leste asiático, até os mais abastados dentre os
países em processo de industrialização estão sujeitas as dominações dos governos do G-
7, particularmente dos Estados Unidos.
A internacionalização econômica reforça, em vez de substituir, os padrões
históricos de dominação e dependência, de tal sorte que as possibilidades de
desenvolvimento real permanecem efetivamente bloqueadas. Com o aumento da
pobreza, o conflito entre o norte e o sul se aprofunda, enquanto o Ocidente abastado,
através de vários mecanismos que vão desde a OTAN até o Banco Mundial, recorre a
uma forma de controle global do tumulto para consolidar seu poder e garantir seu
sucesso econômico. Ao mesmo tempo, as nações ricas interferem decisivamente em
áreas de países emergentes a fim de "limpar" as impurezas sociais e construir um lugar
pacífico e seguro para o repouso do capital produtivo e, sobretudo, do capital
especulativo. É o que observa Zigmunt Baumant:
“A atenção localizada sobre um "ambiente
seguro" e tudo o que possa de fato ou supostamente
implicar é exatamente o que as forças do mercado,
atualmente globais e portanto extraterritoriais,
querem dos governos(com isso impedindo-os de
fazer qualquer outra coisa). No mundo das finanças
globais, os governos detêm pouco mais do que o
papel de distritos policiais superdimensionados; a
37
quantidade e a qualidade dos policiais em serviço,
varrendo os mendigos, perturbadores e ladrões de
ruas, e a firmeza dos muros das prisões assomam
entre os principais fatores de "confiança dos
investidores" e, portanto, entre os dados principais
considerados quando são tomadas decisões de
investir ou de retirar um investimento".
(BAUMANT: 1999, p.128)
A internacionalização do capital vem criando um mundo cada vez mais
insubordinado e violento, no qual a pobreza, a privação e o conflito são a realidade
cotidiana da maioria dos povos. Nesse contexto, reformar a arquitetura da ordem
econômica atual é um gesto inútil, quando o que se requer para acabar com o
imperialismo é uma mudança nacional revolucionária, tanto nas metrópoles quanto nas
periferias. Somente uma ordem internacional socialista, na qual os Estados socialistas
sejam as peças essenciais da construção, é capaz de erradicar a pobreza global através
da redistribuição resoluta da riqueza e dos privilégios.
Por outro lado os cépticos de inclinação mais realista vêem essas prescrições
como puro idealismo, se não fantasia, num mundo que assistiu recentemente ao colapso
completo do socialismo de Estado. Os problemas da desigualdade globais, sugerem
eles, é, na verdade, uma das questões internacionais mais refratárias da agenda global,
uma questão que desafia uma resolução eficaz. Com respeito a isso, embora possam
admitir que a internacionalização econômica está associada a uma polarização cada vez
maior entre as nações ricas e pobres, eles não consideram que seja essa a causa única ou
sequer primária da desigualdade crescente. Fatores nacionais, que vão desde a adoção
de recursos até a política econômica são tão ou mais importantes como determinantes
do padrão de desigualdade global.
Também estar descartada a idéia de que a desigualdade social pode ser
erradicada, ou menos moderada, através de uma intervenção internacional coordenada,
ou da criação de uma ordem mundial socialista. Para estes autores, a desigualdade está
38
inscrita na própria estrutura de uma ordem mundial, visto que a hierarquia global de
poder é conseqüência de um sistema que classifica os Estados de acordo com dotação
econômica e militar nacional.
.Além disso, essa hierarquia de poder, afirma esses realistas, é essencial para a
manutenção de uma ordem internacional estável, já que, num sistema de Estados
anárquico - isto é, de auto-ajuda; a paz e a segurança acabam dependendo da disposição
dos Estados mais poderosos de policiar o sistema. A hierarquia, daí a desigualdade, é
um ingrediente vital da concepção realista da ordem mundial, assim como a base da
governabilidade internacional eficaz.
39
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Moderar as desigualdades globais pode ser uma aspiração moral, mas não é
necessariamente uma aspiração racional se vier a solapar a base principal da ordem
internacional. Tampouco é uma aspiração viável num sistema em que os Estados lutam
constantemente para manter seu poder e influencias uns sobre os outros. As tentativas
multilaterais de abordar as desigualdades globais através do refreamento do poder dos
mercados globais, estão necessariamente fadadas ao fracasso, visto que os fracos não
dispõem meios efetivos para obrigar os fortes a tomar medidas que, por definição,
ameaçam seu poder e sua riqueza.
Por essas razões, entre outras, os cépticos demonstram certa antipatia e algumas
reservas aos projetos grandiosos de estabelecimento de uma ordem mundial mais
eqüitativa e mais justa. Paradoxalmente, ponderam eles, é provável que tal ordem
mundial não seja mais segura nem mais pacífica do que a atual ordem injusta. Isso não
quer dizer que os de convicção realista necessariamente consideram a desigualdade
crescente como moralmente aceitável ou politicamente sustentável a longo prazo, mas
crêem que ela continua a ser um problema sem nenhum meio efetivo de resolução
internacional.
É somente dentro das fronteiras do Estado-Nação - da nação como comunidade
moral de destino - que é possível materializar soluções legitimas e eficientes para o
problema da desigualdade global. Tais soluções serão sempre parciais e limitadas, uma
vez que, realisticamente, os governos não podem aspirar a corrigir todas as fontes
externas de desigualdade interna. Embora a cooperação internacional entre os Estados
possa viabilizar a correção de alguns dos piores excessos do mercado global, as
desigualdades, no fim das contas, só podem ser enfrentadas com sucesso e legitimidade
através do aparato dos sistemas nacionais de bem-estar social e da busca resoluta da
riqueza e poder econômico nacionais. Os governos nacionais, concluem os cépticos,
continuam a ser os únicos instrumentos apropriados e comprovados de mediação e
40
correção das conseqüências mais graves da internacionalização econômica desigual e,
portanto, da materialização da "boa comunidade".
41
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