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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO PSICOPEDAGÓGICO NA
ESCOLA INCLUSIVA
Por: Patrícia Cremonez Simas
Orientador
Prof.ª Maria Poppe
Rio de Janeiro
2010
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO PSICOPEDAGÓGICO NA
ESCOLA INCLUSIVA
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em
Psicopedagogia.
Por: Patrícia Cremonez Simas
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AGRADECIMENTOS
À Deus, por me capacitar e me dar
força em todos os momentos, aos
meus pais, familiares, amigos e a todos
que de alguma forma me apoiaram
nesta trajetória.
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DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho ao meu querido
sobrinho Marco Antônio, uma criança
autista e amante da música, fonte da
minha inspiração.
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RESUMO
O primeiro capítulo se inicia com um breve resumo sobre a
Psicopedagogia Institucional e sobre a educação inclusiva. Será abordado, de
forma breve, a questão do fracasso escolar, os distúrbios e as dificuldades de
aprendizagem, relacionadas à atenção, memória, comportamento e linguagem.
Este estudo será restrito ao Autismo, apontando a função do psicopedagogo
dentro da escola inclusiva.
No segundo capítulo, será estudado o que é aprendizagem, conceitos
de inteligência, focando na teoria das inteligências múltiplas e na inteligência
musical. Serão apresentados os benefícios da música para a aprendizagem,
considerando aspectos cognitivos, psicológicos, comportamentais e para
concluir o capítulo, será brevemente analisado como a música se dá no
cérebro.
O terceiro capítulo discute como, e em que sentido, a música pode
contribuir para a aprendizagem de crianças com distúrbios de aprendizagem,
especialmente o Autismo, considerando as principais dificuldades da síndrome.
Para tanto, inicialmente será discutido o que é e como deve acontecer
avaliação e posteriormente a intervenção psicopedagógica através da música.
Palavras- chave: Psicopedagogia Institucional, Música, Aprendizagem,
Autismo, Inclusão.
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METODOLOGIA
Este estudo refere-se a uma pesquisa teórica, envolvendo um estudo
bibliográfico, onde serão consultadas as principais publicações que tratam do
tema.
Para apresentar a música e suas influências no pensamento da criança,
citarei Jourdain (1998), Victorio (2008) e Sacks, que mostram os efeitos da
música no cérebro humano, fazendo observações sobre pessoas especiais;
Gardner (1994) e Smole (2000), que tratam das Inteligências múltiplas, em
especial a musical; Brito (2003), Snyders (1997) e Jeandot (2002) são autores
que tratam da música na escola. Gaiza (1998) aborda a “psicopedagogia
musical”, contribuindo o enriquecimento deste estudo.
Para relacionar neurociência e educação, busquei informações em
RELVAS (2005), (2009) e (2009).
Autores de Psicopedagogia: Oliver (2008), Grassi (2004), Weiss (2008),
Bossa (2000), Portilho (2009) e Porto (2009).
Em relação à inclusão e ao Autismo, utilizei como fonte de pesquisa a LDB
N° 9394 / 96 – Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Capítulo
V), para educação especial. Campbell (2009), Cunha (2009) e Orrú (2007) e
(2009).
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
O papel do psicopedagogo na escola inclusiva 11
CAPÍTULO II
A influência da música na aprendizagem 21
CAPÍTULO III
A música como instrumento auxiliar na intervenção psicopedagógica 33
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 42
ÍNDICE 45
FOLHA DE AVALIAÇÃO 47
8
INTRODUÇÃO
O contato com a música acontece precocemente, pois desde a barriga
de sua mãe, o bebê ouve as batidas de seu coração e percebe um dos
elementos fundamentais da música, o ritmo. Logo após o nascimento, a
criança já tem vida musical, pois quando algum som é emitido ao seu redor,
sua resposta imediata é virar-se em direção a ele. Um recém-nascido reage
ao som de uma música, quer ficando calmo e sereno, como ocorre com as
canções de ninar, e com a música erudita suave, quer reagindo
defensivamente em relação a um som mais intenso. Os estudos em psicologia
infantil afirmam que ocorrem sutis mudanças no batimento cardíaco do bebê
ao ouvir uma música. O cérebro da criança de seis meses já capta o sistema
de notas existentes em uma melodia, (JOURDAIN, 1994, p.91)
Na escola inclusiva, nos deparamos com crianças de todos os tipos,
seja a criança normal, a especial ou aquela que enfrenta dificuldades de
aprendizagem, e que muitas vezes, fica oculto para o educador o que
realmente acontece com este aluno. A música torna-se um recurso
psicopedagógico na escola, pois de alguma forma desequilibra o ser humano
permitindo ao educador avaliar e interferir nas dificuldades através de
atividades prazerosas.
Alguns autores apontam para a relação da música e a inteligência.
Smole, por exemplo, considera que na música existem algumas habilidades
importantes para desenvolvimento de noções matemáticas. A autora afirma
que atividades com objetos que produzem som, palmas, parlendas numéricas
e cantigas, além de contribuir para o desenvolvimento da musicalidade,
também auxiliam na abordagem das noções de número, padrões e percepção
espacial, tempo, regularidades, capacidade de interpretação e compreensão
(Smole, p. 2000, p.146). A linguagem também tem relação com a música.
Nossa fala ou nossa capacidade de comunicação através da voz é o resultado
de sons produzidos pelas cordas vocais, as quais servem de veículo sonoro a
uma idéia na formação das palavras. (BRITO, 2003, p. 89). Além disso, a
música tem um forte poder de influência sobre as pessoas, seja em relação a
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sua auto-estima, identidade ou sua expressividade. Conclui-se então, que a
música não deve ser uma área de conhecimento negligenciada na formação
das crianças. (KAERCHER e CRAIDY, 2001 p.129).
Meu contato inicial com a música na educação foi na primeira escola em
que trabalhei. Lá, percebi que não havia uma preocupação dos educadores
com as músicas que estavam sendo apresentadas às crianças. Na realidade,
elas ouviam na escola os CDs que traziam de casa. As músicas não tinham
nenhum comprometimento educacional; eram extremamente vazias, cheias de
valores americanizados e sem função pedagógica. Tais questões começaram
a me preocupar e me fizeram pensar: que valores estamos passando para
nossos alunos? Qual a importância da música no processo de aprendizagem
das crianças?
Além disso, meu sobrinho Marco Antonio foi uma importante fonte de
inspiração para a produção desta pesquisa, por ser um menino autista que
desde muito pequeno demonstrou intimidade com a música. Ele é capaz de
gravar letras completas de músicas complexas e mostra-se extremamente
sensível ao som. Pensando nele e em todas as crianças autistas que
possivelmente encontrarei ao longo da minha carreira como psicopedagoga,
empenhei-me em descobrir quais são as reais contribuições da música para
estes alunos, tendo em vista o desenvolvimento das habilidades sociais,
linguísticas, afetivas e cognitivas.
Apesar de este estudo ter tido um enfoque especial nas pessoas
autistas, também está relacionado às pessoas com outras dificuldades de
aprendizagem, que podem ser ajudadas através da música. Este pensamento
floresceu em minha mente ao lembrar-me que quando eu era criança, eu
apresentava inúmeras dificuldades de aprendizagem na escola por ser muito
distraída, não conseguia manter-me concentrada em sala de aula, pois meu
pensamente estava sempre distante. A música influenciou positivamente meu
desempenho acadêmico, pois quando os conteúdos eram transformados em
música, ou quando havia algum tipo de estímulo musical no ambiente, eu
conseguia aprender.
10
Este estudo iniciou-se então a partir da minha experiência pessoal e da
observação do meu sobrinho, gerando o seguinte problema: a música pode
contribuir positivamente no desempenho acadêmico de crianças com
dificuldades de aprendizagem? Foi formulada seguinte hipótese: a música é
um importante recurso pedagógico para auxiliar o professor no
desenvolvimento de seus alunos, já que as experiências musicais estão
repletas de estímulos que contribuem para o desenvolvimento infantil de forma
ampla, abrangendo aspectos intelectuais, corporais, afetivos, sociais,
linguísticos, entre outros. O principal objetivo deste trabalho foi comprovar a
contribuição da música para o desenvolvimento humano e sua importância no
processo de ensino-aprendizagem.
11
CAPÍTULO I
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NA ESCOLA
INCLUSIVA
1.1 O que é Psicopedagogia Institucional?
A psicopedagogia é um campo de atuação em Saúde e Educação que lida com o processo de aprendizagem humana; seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio _ família, escola e sociedade _ no seu desenvolvimento, utilizando procedimentos próprios da psicopedagogia. (Artigo 1º - CÓDIGO DE ÉTICA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDAGOGIA – ABPp)
A Psicopedagogia estuda a aprendizagem humana, uma área de
estudos recente e pouco explorada, que atende aos indivíduos que
apresentam dificuldades de aprendizagem. É uma área de estudos que está
situada além dos limites da Pedagogia e da Psicologia. Desta forma, busca
bases teóricas em outras áreas, como por exemplo, a Neurologia, a
Psicanálise, a Filosofia, a Sociologia, Fonoaudiologia e a Linguística. (PORTO,
2009)
Muitos motivos podem levar a não aprendizagem de uma criança, a
primeira função do psicopedagogo é descobrir quais são e uma vez
identificados buscar outros caminhos que levem a criança a interpretar algum
conteúdo, facilitando a sua aprendizagem em sala de aula. Identificar os
fundamentos das dificuldades de aprendizagem de uma criança significa “abrir
um leque de possibilidades” e considerar muitos aspectos no momento da
avaliação. Por isso, conforme mencionado anteriormente, a psicopedagogia se
utiliza de conhecimentos de outras áreas para poder analisar onde está a
dificuldade:
Com respaldo na psicanálise, que permite identificar mecanismos
psíquicos de representação que atuam na não-aprendizagem do aluno, o
12
profissional faz intervenções para descobrir se a dificuldade se trata de uma
questão de metodologia da escola, se tem a ver com a relação aluno-
professor, se a aprendizagem está estagnada por ter relação com o
crescimento, entre outros.
Conhecimentos básicos de Neurologia são fundamentais no diagnóstico
psicopedagógico, pois possibilita o reconhecimento ou não de uma
determinada síndrome ou transtorno de aprendizagem. A Neurociência e a
Psicopedagogia estão diretamente relacionadas, pois a compreensão do
funcionamento do cérebro ajuda o profissional a ter uma visão muito mais
abrangente das possibilidades de aprendizagem do ser humano. Ainda que o
aluno tenha um comprometimento severo, ele é capaz de aprender. Como
escreve Relvas, “o cérebro é o instrumento da aprendizagem.” (RELVAS,
2009, p.34)
Outro fator importante a ser considerado, é o grupo social em que a
criança está inserida e quais são as influências socioculturais desse grupo
sobre ela. O psicopedagogo vai analisar todos os aspectos sociais do aluno,
baseando-se na Psicologia Social. Pode acontecer também de a linguagem
utilizada pelo professor estar inadequada para o entendimento do aluno,
devido a uma de diferenças culturais e de linguagem. Nestes casos, conceitos
de lingüística questão também facilitam o psicopedagogo a identificar o
problema e intervir na situação.
Nota-se então, que a atuação psicopedagógica na escola é um trabalho
amplo. É preciso considerar todas as hipóteses e, ao longo do processo,
descobrir o que está dificultando a aprendizagem do sujeito. Descoberta a
questão, o psicopedagogo irá, através de atividades lúdicas, estimular a
aquisição de estruturas de pensamento, que possibilitem a aprendizagem na
sala de aula. (BOSSA, 2000)
1.2. Objeto de Estudo da Psicopedagogia
Segundo Silva, a psicopedagogia passou por três momentos no Brasil
desde o seu surgimento, que ocorreu devido à grande demanda do fracasso
escolar. No primeiro momento, o conhecimento teórico da psicopedagogia
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baseava-se em uma síntese simplificada dos saberes da psicologia e da
pedagogia. O objeto de estudos estava focado nos sintomas das dificuldades
de aprendizagem, a fim de remedia-los. Observou-se então, que tratar os
sintomas não era suficiente para resolver a questão, pois este é apenas um
sinal de que há algo errado, mas curar o sintoma, não significa resolver o
problema. No segundo momento, o sintoma deixa de ser o foco da
psicopedagogia e o processo de aprendizagem, e seus objetivos (remediar ou
refazer esse processo em todos os aspectos) passa a ser o objeto de estudos.
Ao contrário da etapa anterior, agora a psicopedagogia assume um saber
independente, tendo suas próprias técnicas e instrumentos corretivos e
profiláticos. A prática na clínica psicopedagógica, porém, mostrou que a
relação do psicopedagogo não acontece com o processo de aprendizagem e
sim com o sujeito da aprendizagem, sujeito este que foi chamado de ser
cognoscente, ou seja, aquele que está em processo de construção do
conhecimento. Esta mudança marcou então, o terceiro momento da
psicopedagogia, que permanece até os dias de hoje. (SILVA, 1998)
Bossa aborda tais fases de uma forma distinta de Silva. Segundo ela,
num primeiro momento, a avaliação do processo de aprendizagem era focada
nos déficits e a atuação psicopedagógica preocupava-se em vencer estas
desvantagens, trabalhando numa perspectiva de reeducação. O objeto de
estudo era o sujeito que não podia aprender, ressaltando a falta. Outra fase da
psicopedagogia, baseada na Psicanálise e na Psicologia Genética,
considerava a singularidade do indivíduo ou grupo, tendo em vista suas
características particulares e suas alterações, dentro da sua própria história e
do seu mundo sociocultural. O não - aprender passou a ter um significado
diferente, que não se opunha ao aprender. O objeto de estudo passa a ser o
“sujeito aprendendo”. A autora explica que devido às variações das visões de
homem e de aprendizagem ao longo da história, houve uma variação da
concepção de sujeito. Nos dias atuais, a atuação psicopedagógica se a dá a
partir de uma concepção de aprendizagem baseada em conceitos biológicos,
considerando que a afetividade e o “intelectual” interferem nas relações do
14
sujeito com o meio que, por sua vez são afetadas pelas condições
socioculturais existentes. (BOSSA, 2000)
O objeto de estudo da Psicopedagogia deve ser compreendido a partir
de dois enfoques: preventivo e terapêutico. A psicopedagogia na escola terá
uma função preventiva em diversos níveis. O primeiro visa “diminuir a
frequência dos problemas de aprendizagem”, desta forma, a prática acontece
juntamente com o corpo técnico da escola e com o professor em diversos
momentos: nas questões didático-metodológicas, no planejamento,
gerenciando a educação continuada dos professores, na avaliação, na relação
família x escola e etc. O segundo nível do trabalho na escola pretende diminuir
e tratar os problemas de aprendizagem que já existem. Para tanto, o
profissional irá produzir um plano diagnóstico da realidade escolar e irá
preparar planos de intervenção, procurando analisar o currículo com os
professores a fim de evitar que novos transtornos aconteçam. No terceiro nível,
os transtornos de aprendizagens já estão instalados e é preciso eliminá-los.
Nestes casos, a intervenção será terapêutica (clínica), mas a atuação
preventiva na escola continua acontecendo a fim de evitar que outros
problemas apareçam. (BOSSA, 2000)
1.3. O Fracasso Escolar e as Dificuldades de Aprendizagem
Se a aprendizagem é um processo que resulta de constante interação do indivíduo com o meio, a dificuldade para aprender se caracteriza por ser um impedimento, momentâneo ou persistente, do indivíduo diante de obstáculos que surgem nessa interação. (BARBOSA, L., 1989)
Na busca por um maior entendimento sobre as questões que envolvem
o fracasso escolar, faz-se necessário observar alguns aspectos que
influenciam o processo de aprendizagem. Segundo Weiss, “Considera-se
fracasso escolar uma resposta insuficiente do aluno a uma exigência ou
demanda da escola. Essa questão pode ser analisada e estudada por
15
diferentes perspectivas: a da sociedade, a da escola e a do aluno” (WEISS,
2008, p. 16)
A Perspectiva da Sociedade diz respeito ao tipo de cultura, as condições
e relações político-sociais, as ideologias dominantes e as relações explícitas
ou implícitas desses aspectos com a educação escolar, pois muitas vezes,
devido à falta de oportunidades e de estímulos necessários para o crescimento
cultural, desenvolvimento da linguagem, e acesso a um mundo letrado,
crianças de classes sociais baixas são tidas como incapazes ou portadores de
alguma síndrome, pois acabam fracassando na escola. Outro aspecto
relevante, é que devido à falta de recursos, a população de baixa renda fica
mais exposta a doenças letais, acidentes, subnutrição, além de sofrer
conseqüências devido a não existência ou existência inadequada de pré-natal.
(WEISS, 2008)
A perspectiva da escola não pode estar isolada da perspectiva da
sociedade, pois toda instituição, pública ou privada, funciona como um reflexo
do sistema socioeconômico em que está inserida. A má qualidade do ensino
provoca um desestímulo na busca do conhecimento, desta forma, muitas
vezes a escola é a produtora do fracasso escolar, devido a diversas falhas
existentes nela. Alguns exemplos são: metodologia de ensino e avaliação
inadequados; escolas desestruturadas, sem material pedagógico adequado;
professores sem apoio pedagógico tornam-se desqualificados pela sociedade,
família e alunos; discrepância tecnológica entre os alunos e a escola (a escola
parece estar parada no tempo, pois não acompanha os avanços da tecnologia)
e etc. Tais problemas, comuns nas escolas públicas do Brasil, desestimulam o
sujeito a querer adquirir conhecimento. Desta forma, “é preciso que o professor
competente e valorizado encontre o prazer de ensinar para que possibilite o
nascimento do prazer de aprender” (WEISS,2008).
A perspectiva do aluno está relacionada, “às suas condições internas de
aprendizagem” (WEISS, 2008, p. 22). A autora afirma que em sua experiência
em clínica psicopedagógica, constatou que apenas 10% dos indivíduos
encaminhados para o diagnóstico psicopedagógico, tinham suas dificuldades
relacionadas à sua história pessoal e familiar. Porém, para a escola, esta seria
16
a maior causa do fracasso escolar. Conforme visto anteriormente, diversos
fatores podem contribuir para a não- aprendizagem de um sujeito. Diante de
um novo conteúdo, aparentemente inalcançável, um clima negativo na escola,
a cobrança da família e dos professores por seu desempenho, sentimentos de
incapacidade, entre outros, levam o aluno a assumir certas posturas em sala
de aula, que dificultam ainda mais a sua produção acadêmica. Alguns
exemplos são: agitação intensa e/ ou desatenção em determinadas aulas,
“doenças” (dores em diversas partes do corpo) que também só aparecem em
certas aulas, o famoso “branco” nos momentos das provas e avaliações e etc.
Todas essas condutas, entre outras, podem desencadear dificuldades
posteriores que vão evoluindo a cada dia. Porém, “é preciso não confundir o
aluno com dificuldades de aprendizagem com o aluno que aprende, mas não
tem a produção esperada pelo professor e pela família.” (WEISS, 2008, p. 22)
No momento da avaliação psicopedagógica com um aluno que está
apresentando alguma dificuldade na escola, alguns aspectos complementam
as três perspectivas estudadas anteriormente. São eles: orgânicos; cognitivos;
emocionais – psicológicos; sociais – ambientais, pedagógicos e psicomotores.
Aspectos orgânicos: diz respeito à saúde do sujeito que aprende - saúde
física deficiente, alterações nos órgãos sensoriais, problemas no sistema
nervoso (TDAH, TDA, dislexias, disfasias, afasias e etc.), alimentação
inadequada, anemia ou distúrbios e etc.
Aspectos cognitivos: estão relacionados ao desenvolvimento e
funcionamento das estruturas cognoscitivas em diferentes domínios. Fazem
parte desse grupo, a memória, atenção, concentração, linguagem, raciocínio,
criatividade, antecipação e autonomia intelectual.
Aspectos emocionais / psicológicos: diz respeito à afetividade e suas
ligações com a construção do conhecimento, além de relacionar aspectos
inconscientes com a aprendizagem, como por exemplo, inibição, fantasia,
ansiedade, angústia, inadequação à realidade, sentimento generalizado de
rejeição, auto-estima, pertencimento, identidade, vínculos afetivos,
vulnerabilidade, resilência e etc.,
17
Aspectos sociais / ambientais: campo social, vínculos sociais, autonomia
moral e etc. Estão relacionados à perspectiva da sociedade, no âmbito familiar
e escolar. No aspecto social, Weiss (2000) cita questões de ideologia familiar e
também critica a “falsa democratização de algumas escolas”, em que, segundo
ela, colocam crianças de classe média, misturadas com as de classe menos
favorecidas, mas não dão às últimas, condições para que se desenvolvam
plenamente. Tais atitudes acabam por gerar sentimentos de baixa auto- estima
e de inferioridade. José e Coelho consideram questões como o tipo de
educação familiar, estímulos recebidos desde a primeira infância, a influência
dos meios de comunicação e etc. (JOSÉ & COELHO, 2002, apud OLIVER p.
28)
Aspectos psicomotores: é necessário que o educador observe as
percepções, a coordenação motora (ampla e fina), a lateralidade, o equilíbrio e
a respiração.
Conforme citado anteriormente na perspectiva da escola, os aspectos
pedagógicos estão diretamente relacionados. Desta forma, a escola que
deveria ser o espaço de aprendizagem, muitas vezes, devido a tais
circunstâncias, faz com que fiquem reduzidas as condições de acesso ao
conhecimento através dela, criando um desestímulo no estudante, que acaba
por desenvolver dificuldades de aprendizagem. (WEISS, 2000, p. 24-26)
1.4. A Educação Inclusiva
“Entende-se por Educação Inclusiva, para os efeitos desta lei, a modalidade de
educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais.” (LDB N° 9394 / 96, capítulo
V, art. 58)
Segundo Campbell, a educação inclusiva deve ser compreendida como
uma tentativa de atender às dificuldades de aprendizagem dos estudantes na
escola e como um meio de assegurar que as crianças portadoras de alguma
deficiência possuam os mesmos direitos que os demais, possibilitando que
todos sejam cidadãos de direito nas escolas regulares, bem-vindos e aceitos,
18
fazendo parte do grupo. Além disso, através do convívio com indivíduos que
tem habilidades e competências diferentes, a inclusão possibilita que os
estudantes se apropriem de valores éticos, como respeito ao próximo,
dignidade, igualdade e solidariedade, aprendendo a relacionar-se com pessoas
em condições distintas das suas. (CAMPBELL, 2009).
A LDB N° 9394 / 96, (Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional)
diz, no art. 59 do cap. V, que “os sistemas de ensino asseguração aos
educandos com necessidades especiais: I – currículo, métodos, técnicas,
recursos educativos e organização específica para atender às suas
necessidades; II- terminalidade específica para aqueles que não puderem
atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamental em virtude de
suas deficiências e aceleração para concluir em menor tempo o programa
escolar para superdotados; III- professores com especialização adequada em
nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como
professores do ensino regular capacitados para a integração desses
educandos nas classes comuns.” (LDB N° 9394 / 96. Capítulo V, Art. 59, I, II e
III).
Conforme visto na LDB, para que a inclusão de fato aconteça, é preciso
que a escola modifique-se para atender as necessidades das crianças que
apresentam qualquer tipo de dificuldade de aprendizagem, de modo que,
através de um trabalho sério, possibilite estas crianças a se desenvolverem.
Caso isso não aconteça, ao invés de incluir, a escola acaba excluindo ainda
mais esses sujeitos. A escola inclusiva deve promover aprendizagem e
desenvolvimento. Para o aluno especial aprender, é preciso fazer adaptações
curriculares e promover a acessibilidade ao conhecimento. “Não podemos
permitir que alguém deixe de aprender porque nós não providenciamos os
recursos” (Dayse Serra, citado em sala de aula, no dia 20/02/2010). Alguns
exemplos de adaptações curriculares estão relacionados aos conteúdos, aos
métodos, aos recursos, às estratégias, à avaliação, à temporalidade e às
atividades extracurriculares. Mudanças na estrutura da escola são necessárias,
como por exemplo: infraestrutura física, filosofia da escola (proposta
pedagógica) e organização escolar (CAMPBELL, 2009).
19
Conforme Cunha, é importante que a escola inclusiva disponibilize uma
sala de recursos para o atendimento individualizado das crianças especiais.
Devido à natural falta de concentração desses aprendentes, eles podem se
distrair facilmente com estímulos alheios a proposta. Desta forma, a sala de
recursos deve estar organizada de forma simples, sem muitos objetos, deve
conter apenas o material utilizado no momento da atividade. Num primeiro
momento, o educador deve observar quais objetos interessam mais o aluno,
para utilizá-los posteriormente. (CUNHA, 2009)
1.5. Autismo
O autismo compreende a observação de um conjunto de
comportamentos agrupados em uma tríade principal:
comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação
social e atividades restrito-repetitivas. (CUNHA, 2009, p. 20)
O termo autismo quer dizer “de si mesmo” e origina-se do grego “autós”.
(CUNHA, 2009, p. 20)
Segundo Campbell, o autismo pode ser entendido com um distúrbio,
que faz parte da classe conhecida como “Transtornos globais do
desenvolvimento”, em que a criança apresenta determinadas alterações no
desenvolvimento, que podem aparecer em idade precoce, isto é, nos primeiros
meses de vida, mas, normalmente os sintomas tornam-se aparentes
aproximadamente aos três anos e manifestam-se de forma grave durante toda
a vida. Para ela, as principais características destas inadequações são
comprometimentos na interação social, na comunicação e na imaginação.
Normalmente, estas crianças não aparentam serem portadoras de uma
síndrome, tem aparência normal (CAMPBELL, 2009). Cunha cita algumas
características presentes no indivíduo autista: uso insatisfatório de sinais
sociais, emocionais e de comunicação; ausência de reciprocidade afetiva,
comunicação não verbal restrita (linguagem corporal, expressão facial,
posturas e contato visual); não existem expressões gestuais; não aponta para
20
objetos; dificuldades para responder a sinais visuais, apresenta esteriotipias e
atraso ou inexistência de linguagem falada. Em relação à última característica
mencionada, vale ressaltar que nos casos em que há linguagem falada, muitas
vezes há uma grande dificuldade para iniciar ou manter um diálogo. Nota-se
também a ecolalia, ou seja, quando a criança repete palavras ou frases de
forma mecânica. O autor ressalta também, que a motricidade da criança
autista pode sofrer alterações, devido ao fato desta ser resultado da ação do
sistema nervoso sobre a musculatura. Desta forma, o indivíduo apresentará
dificuldades na motricidade fina, na coordenação visio-motora, no equilibro e
na lateralidade. Ele explica quando a lateralidade não é definida, a pessoa
pode sofrer com problemas de ordem espacial, distinção de direita e esquerda
e dificuldades na leitura e escrita. (CUNHA, 2009)
Campbell afirma que para alguns cientistas, os autistas possuem um
cérebro de essência masculina, ou seja, racionalizado. A parte emocional fica
totalmente de fora desse cérebro. Além disso, a maior parte das crianças
autistas é do sexo masculino, para cada quatro meninos autistas, existe
apenas uma menina que também apresenta o distúrbio. (CAMPBELL, 2009)
As causas do autismo ainda estão sendo analisadas. Algumas
possibilidades são de causas psicológicas, como disfunções cerebrais e
alterações nos neurotransmissores, falhas nas conexões neurais que
comprometem a comunicação entre diversas áreas do cérebro e fatores
ambientais ou genéticos. (ORRÚ, 2007)
A partir dos estudos feitos ao longo deste capítulo, fica claro perceber a
importância da psicopedagogia na escola inclusiva, seja prevenindo que as
dificuldades aparecem, detectando possíveis síndromes, intervindo nas
dificuldades através de atividades alternativas ou encaminhando para a
intervenção clínica. Além de atuar junto ao professor e à equipe técnica,
contribuindo no momento do planejamento, gerenciando a educação
continuada dos profissionais, adaptando currículos quando necessário e
participando na relação família x escola.
21
CAPÍTULO II
A INFLUÊNCIA DA MÚSICA NA APRENDIZAGEM
2.1. O que é Aprendizagem?
...é o resultado de uma construção (princípio construtivista)
dada em virtude de uma interação (princípio interacionista) que
coloca em jogo a pessoa total (princípio estruturalista) como
homogeineidade funcional e heterogeneidade estrutural”
(VISCA,1997, apud PORTILHO, 2009, p. 63).
A aprendizagem pode ser explicada como a maneira como indivíduos
retem novos conhecimentos, desenvolvem habilidades e mudam o
comportamento, através da experiência construída por fatores emocionais,
neurológicos, relacionais e ambientais. O Aprendizado resulta da interação
entre estruturas mentais e o ambiente. Segundo Barbosa, a aprendizagem não
está limitada às aquisições feitas na escola, mas se aplica a todos os
conhecimentos que o indivíduo adquire durante a vida, no âmbito familiar,
social e institucional. (BARBOSA,1989).
Para Visca (in PORTILHO) existe um Esquema Evolutivo da
Aprendizagem, que acontece em quatro níveis: Prontoaprendizagem,
Dêuteroaprendizagem, Aprendizagem Assistemática e Aprendizagem
Sistemática.
A pronto-aprendizagem diz respeito às primeiras aprendizagens do
bebê, nas relações vinculares com a mãe, ou indivíduo que assume esta
função. Através dessa interação, num “interjogo cognitivo-afetivo”, a mãe
transmite a sua história de vida e as influências do meio em que vive.
22
Num segundo momento, conhecido como Dêuteroaprendizagem, a
criança passa a aprender com a partir dos intercâmbios estabelecidos na
prontoaprendizagem e o ambiente familiar (pai, mãe, irmãos, outras pessoas
que moram na casa, objetos, animais e etc.).
Na aprendizagem Assistemática, além das pessoas pertencentes ao
ambiente familiar, outras passam a influenciar a aprendizagem, são aquelas
que estão perto do sujeito, mas não dentro de sua casa (vizinhos, televisão,
pessoas que chegam a casa e etc.).
Quando a criança passa a frequentar o ambiente escolar, ocorre a
Aprendizagem Sistemática. Sendo a escola a instituição responsável em
fornecer ao sujeito aprendizagens instrumentais ou acadêmicas (leitura,
escrita, cálculo); conhecimentos, atitudes, competências e estratégicas básicas
e necessárias para o acesso contínuo a níveis e sínteses mais avançados.
(PORTILHO, 2009).
Na perspectiva da Neurociência,
... é uma modificação biológica na comunicação entre os
neurônios, formando uma rede de interligações que podem ser
evocadas e retomadas com relativa facilidade e rapidez. Todas
as áreas cerebrais estão envolvidas no processo de
aprendizagem, inclusive a emoção. (RELVAS, 2009, p. 35).
Relvas afirma que a plasticidade cerebral assume um importante papel
na aprendizagem, uma vez as áreas do cérebro destinadas a determinadas
funções, podem assumir outras quanto se fizer necessário. Ressalta a
capacidade do cérebro em transferir conhecimentos de uma área para outra,
chamando a tal fenômeno de “interdisciplinaridade do cérebro”. Ela citou como
exemplo, a utilização do ritmo de uma música ser aproveitado na leitura, na
escrita e nos conceitos matemáticos. Segundo a autora, a plasticidade cerebral
“é propriedade do sistema nervoso que permite o desenvolvimento de
alterações estruturais em resposta à experiência, e como adaptação a
condições mutantes e a estímulos repetidos.” (RELVAS, 2005, p. 43). Afirma
23
que todos os nossos processos de aprendizagem e de reabilitação das
atividades motoras e sensoriais dependem da plasticidade cerebral cujo
desenvolvimento acontece ao longo da vida (RELVAS, 2009).
Ainda segundo Relvas, sem memória não há aprendizagem, pois a partir
da experiência e aquisição de conhecimentos novos, acontece a
transformação do comportamento, que é a aprendizagem. Através da
memória, estes conhecimentos ficam armazenados, podendo ser resgatados
quando necessário. Izquierdo afirma que “formamos novas memórias sobre
outras mais antigas, eventualmente modificando-as e inventando mentiras
verídicas” (IZQUIERDO, 2002, apud RELVAS, 2005). As informações
recuperadas podem sofrer modificações conforme o contexto do momento, em
meio a um complexo transito de sinapses (espaço entre neurônios onde
acontece a transferência de informações em forma de impulsos elétricos). A
memória não localiza-se em uma única parte do cérebro, é um fenômeno
biológico e psicológico que abrange sistemas cerebrais que trabalham juntos.
(RELVAS, 2009). Quando as informações chegam aos sentidos (visão, tato,
paladar, audição e olfato), inicia-se a formação das memórias, fase conhecida
como aquisição. Ao chegarem ao cérebro, acontece um processamento em
diversas regiões que resultam em memórias que podem ser de três tipos,
conforme a duração: Memória de Trabalho ou Operacional, Memória Recente
ou Memória de Curta Duração (Mcd) e Memória Remota, Permanente ou de
Longa Duração (Mld). A Memória de Trabalho guarda informação consciente
no cérebro por um pequeno período de tempo, apenas por alguns segundos ou
minutos, somente enquanto é processada. A Memória Recente retém a
informação por minutos ou horas e pode ter comprometimentos em alguns
processos patológicos, já a Memória de Longa Duração é aquela em que a
informação fica armazenada por anos. Mesmo que o sujeito sofra sérios danos
cerebrais, permanece inalterada. (RELVAS, 2005).
Segundo Jourdain, a memória de curto prazo possibilita que
cantarolemos a melodia de uma música logo após ouvi-la pela primeira vez.
Porém, a melodia só será sabida após uma semana se passada para a
24
memória de longo prazo. O autor explica que através de pesquisas, os
cientistas observaram que os lobos frontais “fazem malabarismo” para
organizar as informações na memória de curto prazo. Segundo ele, somente
sete conteúdos podem ser examinados ao mesmo tempo, caso o cérebro
receba mais informações, os lobos frontais se atrapalham. Já na memória de
longo prazo o processo acontece nos lobos temporal médio e inferior (abaixo
do córtex auditivo) e no hipocampo (exatamente abaixo), elemento
fundamental para essa memória. (JOURDAIN, 1998).
A atenção também é fundamental para aprendizagem, segundo Relvas,
“função desempenhada por uma estrutura complexa, encontrada no tronco
encefálico, denominado Formação Reticular (FR)” (RELVAS, 2009, P. 90). A
formação reticular é composta por uma rede de neurônios de tamanhos e tipos
variados interligados entre si. É responsável pelo controle da atividade elétrica
cortical (sono e vigília), está ligada ao estado de alerta, um dos estados mais
importantes da atenção. Também atua como um filtro dos muitos estímulos
externos recebidos pelo sistema nervoso central. Na formação reticular,
existem sistemas que trabalham através dos neurotransmissores:
noradrenalina, serotonina, dopamina e acetilcolina. (SCHWARTZMAN, 2008).
Segundo SCHWARTZMAN (2008), a atenção pode ser compreendida
em dois tipos: voluntária e automática: atenção automática diz respeito às
atividades nas quais não estamos conscientemente envolvidos, ao contrário da
atenção voluntária, em que é preciso um “esforço consciente”
(SCHWARTZMAN, 2008, p. 38). Quando alguém está aprendendo uma
atividade nova, como andar de bicicleta, nadar ou dirigir, precisa usar a
atenção voluntária, pois se faz necessário esforçar-se para aprender. Com o
tempo, conforme as habilidades vão se desenvolvendo, passa a realizar as
atividades de forma automática, ou seja, não precisa mais concentrar-se para
executar a tarefa, a menos que algum imprevisto aconteça. O autor explica,
que dentro da atenção voluntária, ainda existem aspectos variados que devem
ser considerados: quando o indivíduo recebe dois estímulos simultâneos e
precisa dedicar-se a ambos, usa a atenção dividia. Se estiver em alguma
25
situação em que diversos estímulos se apresentem, para conseguir concentrar-
se em apenas um assunto, utilizará a atenção focada ou seletiva. Na
realização de atividades cansativas, monótonas e prolongadas, será utilizada a
atenção sustentada para manter-se concentrado por um longo período de
tempo.
Nota-se que muitas competências estão diretamente relacionadas à
atenção, como a concentração, o grau de alerta, a seleção e a exploração. É
preciso que muitas estruturas, posicionadas em diferentes pontos do sistema
nervoso central, como a formação reticular, o tálamo, o sistema límbico, assim
como estruturas corticais e subcorticais, que tem relação com as funções
sensitivo-sensoriais e motoras (córtex frontal e pariental posterior), estejam em
harmonia para que tudo funcione perfeitamente (SCHWARTZMAN, 2008).
2.2. O que é Inteligência?
As pesquisas cognitivas mostram que, ainda que os sujeitos
tenham capacidades ou inteligências para aprender, é
necessário que o ambiente brinde oportunidades ao
desenvolvimento de tais capacidades e inteligências,
chamando da atenção principalmente a relação pedagógica
entre aluno e professor. (PORTILHO, 2009, p. 17).
Para Relvas, Inteligência é a capacidade de fazer associações, resolver
problemas e fazer novas conexões neurais. Segundo ela, “Inteligência não se
mede, se estimula.” (Marta Relvas, mesa redonda de psicopedagogia, em
06/02//2010)
Howard Gardner (1994) propõe uma reflexão sobre o conceito de
inteligência, analisando as sociedades ao longo dos séculos até o tempo
presente, observando a diversidade de atividades e profissões existentes. Para
ele, a inteligência assume um caráter múltiplo e as pessoas possuem estilos
cognitivos contrastantes. Segundo a teoria das Inteligências Múltiplas, temos
26
tipos variados de mente, cada indivíduo pensa e age de forma diferenciada. O
autor ressalta que os educadores devem preocupar-se em compreender as
individualidades de cada criança, pois elas têm suas mentes diferentes umas
das outras. Desta forma, critica os tradicionais testes de QI, pois apenas as
habilidades lingüísticas e as lógico-matemáticas são consideradas, e afirma
que para analisar de forma adequada a cognição humana, é preciso considerar
um conjunto de competências muito maior do que se imaginou. A maioria
destas competências não podem ser medidas através de testes padronizados.
Ele nomeou tais competências intelectuais de “inteligências” e considerou oito,
que são: Lógico-matemática, lingüística, musical, espacial, corporal-
cinestésica, interpessoal, intrapessoal (GARDNER, 1994).
O autor afirma que os hemisférios do cérebro ainda não estão
especializados no recém-nascido, isto acontece até os cinco anos e
rapidamente até os dezesseis, porém, de forma desigual em cada hemisfério e
em cada inteligência. Assim, é preciso estimular as inteligências múltiplas, para
que o sujeito tenha a oportunidade de desenvolver suas capacidades de forma
plena. (GARDNER, 1994, p. 9). A teoria de Gardner diz que as inteligências
são independentes umas das outras. Segundo ele, o fato de uma pessoa ter
habilidade para uma determinada inteligência, não significa que terá para todas
e vice-versa (SMOLE, 2000, p. 26).
Segundo Gardner “um estudo da inteligência musical pode nos ajudar a
entender o sabor especial da música e ao mesmo tempo esclarecer sua
relação com outras formas do intelecto humano.” (GARDNER, 1994, p. 78). As
pessoas que são dotadas de Inteligência Musical desenvolvida normalmente
são: Músicos, compositores, concertistas, fabricantes de instrumentos
musicais, afinadores de piano e etc. Esses indivíduos são sensíveis à
entonação e ao poder emocional da música; percebem o ritmo e marcação de
tempo. A inteligência musical se expressa através de uma habilidade para
compor, apreciar ou reproduzir uma peça musical. Inclui a capacidade de
perceber temas musicais, discriminação de sons, sensibilidade para identificar
texturas, ritmos e timbre. Dentre todas as competências que o ser humano
pode ser dotado, a musical é a que surge mais cedo (GARDNER, 1994).
27
2.3. Música e Aprendizagem
A aprendizagem é resultado da aquisição de novos conhecimentos e de
uma transformação no comportamento, para isso aconteça muitos fatores
estão envolvidos. A música na aprendizagem é uma proposta que visa
contribuir para o desenvolvimento de algumas habilidades, através dos
sentidos. É interessante observar que aqueles que possuem “inteligência
musical” tem facilidade para aprender a tocar um instrumento e através desse
aprendizado poderá desenvolver inúmeras habilidades, conforme afirma
Victório:
Podemos afirmar que o aprendizado da música ou de um
instrumento musical pode ajudar no desenvolvimento cognitivo,
sobretudo nos aspectos semânticos e nos sistemas de
memória, em virtude das regras que de uma maneira muito
geral, o organizam (VICTORIO, 2008, p.24).
Mas o benefício da música no desenvolvimento cognitivo dessas
pessoas acontece, principalmente, no momento da execução da música. No
caso de pessoas “não dotadas” musicalmente, o estímulo acontecerá de outras
formas, seja através da apreciação musical, atividades com música e
manuseio de instrumentos musicais de uma forma livre e etc. Conforme visto
anteriormente, cada pessoa tem a sua maneira de aprender. A citação abaixo
de Walter Howard permite o entendimento do que acontece com crianças
“dotadas” ou não para música nos estudos.
As crianças “dotadas” para música se divertem ou estudam
com mais gosto quando não ouvem música; os chamados “não
dotados” se divertem ou estudam muito melhor quando a
música ressoa perto deles. É unicamente porque os “não
dotados” não sabem se exprimir musicalmente, que se acredita
que a música não lhes causa nenhuma impressão. A verdade
é que a música penetra e vivifica todas as suas atividades
28
(grifo do autor), enquanto as “dotadas” nada extraem da
música para suas atividades extra-musicais. (HOWARD, 1984,
p. 69).
A partir da afirmação acima, fica claro que a idéia de utilizar a música
como instrumento psicopedagógico dentro da escola inclusiva, só poderá
atender àqueles que tem possibilidades de aprender através dela. Desta
forma, o educador precisa estar atento às individualidades de cada aluno, pois
assim como a música pode ser um excelente instrumento facilitador para
algumas crianças, para outras pode ser motivo de distração e desestímulo para
situações de aprendizagem.
Segundo Wilherms, cada elemento musical está relacionado a um
aspecto do ser humano. O ritmo ao movimento; a melodia à afetividade e a
estrutura musical (na harmonia ou na forma musical) contribui para a afirmação
ou restauração mental do homem (WILHERMS, 1976, apud GAINZA, 1988).
É importante que as atividades pedagógicas que envolvem a música na
escola, tenham uma bela sonância, pois, segundo Steiner, na primeira infância,
os ritmos musicais atuam plasticamente nos órgãos, por isso devem causar
uma boa impressão rítmica aos sentidos (STEINER, 1992, apud SMOLE,
2000). Segundo Sundin, as atividades estéticas e a música na educação
podem favorecer grandemente na estimulação das habilidades da criança,
pois, contribui para o desenvolvimento cognitivo, a atenção, a memória, a
agilidade motora e etc., além de promover a socialização na sala de aula ou na
escola. (SUNDIN, 1991).
Segundo o professor Cony Shirk da escola Americana, “ao estudar
música, as crianças abrem seu pensamento, começam a visualizar melhor as
idéias e tamanhos geométricos, o que auxilia no ensino da matemática.”
(FOLHA DIRIGIDA, 2005). Segundo Smole, de acordo com musicólogos, as
divisões dos tempos de duração das notas guardam proporções matemáticas
que constroem sonoridades harmônicas e melodias, que tem uma importante
função no estabelecimento de tonalidades. (SMOLE, 2000). Maffioletti afirma
29
que o manuseio de instrumentos musicais é uma atividade muito importante,
pois, proporciona diversas aprendizagens matemáticas, como agrupar ou
separar sons; classificação; noção de sequencia (antes, depois, agora) e
duração (muito tempo, pouco tempo, início, meio e fim). (CAIDY &
KAERCHER, 2001).
Conforme mencionado anteriormente, segundo a teoria das inteligências
múltiplas, as inteligências são independentes umas das outras. É comum as
pessoas pensarem que aqueles que possuem dotes musicais também
possuem matemáticos. Mas, segundo Jourdain, nenhuma relação semelhante
foi demonstrada de forma conclusiva. Porém concorda que o ensino da música
favorece o aprendizado da matemática, afirmando que pesquisas mostraram
um melhor desempenho em aritmética em pessoas que receberam aulas de
música do que outros que foram privados da educação musical (JOURDAIN,
1998).
Conforme Jourdain, alguns estudantes universitários pesquisados
conseguiram melhores resultados em contagens matemáticas após ouvirem
música clássica (mas não após ouvirem os sons da música popular, que são
muito menos organizados). Porém o benefício permaneceu apenas por cerca
de meia hora após a audição da música. O autor afirmou que, até aquele
momento, ainda não existiam provas concretas de que ouvir música clássica
favorecesse de forma permanente competências matemáticas. (JOURDAIN,
1998)
Smole também relacionou a música ao pictórico, observando que os
termos musicais lembram desenhos, como por exemplo, o arco e as linhas
ascendentes, decrescentes ou horizontais. Segundo ela, existe uma íntima
relação entre os teoremas de Gödel, a música de Bach e os desenhos de
Escher. Além disso, diz que é possível compreender determinados fatos
matemáticos ao ouvir as músicas de Bach (SMOLE, p. 2000, p.49).
Gardner afirma que a música exibe semelhanças com outros sistemas
sensoriais, para ele, “a localização de capacidades musicais no hemisfério
esquerdo sugeriu que determinadas capacidades musicais podem estar
intimamente ligadas a capacidades espaciais.” (GARDNER, 1994, p. 96) O
30
autor critica a forma como o “analfabetismo musical”, é aceitável sendo a
música uma forma de linguagem, em contraste com a ênfase que é dada a
linguagem nas escolas (GARDNER, 1994).
Conforme Jourdain, para muitas crianças, música é uma experiência
com a linguagem, “é linguagem distorcida em sua modulação e ritmo.”
(JOURDAIN,1998, p.92). Para Maffioletti, a música está muito perto do ser
humano, por ser uma linguagem criada por nós para expressar idéias e
sentimentos (CAIDY & KAERCHER, 2001). Victorio afirma que para algumas
atividades musicais, como a composição e a escrita, estão localizadas no
hemisfério esquerdo do cérebro, assim como os da linguagem. Segundo ela
existem sinais de que algumas funções da música e da linguagem, como a
sintaxe que está na música e na fala humana, são mediadas por substratos
neurais comuns (VICTORIO, 2008). Brito diz que o educador funciona como
um modelo para a criança. Logo, deve ter consciência de que, no momento em
que está falando ou cantando com ela, está contribuindo para seu
desenvolvimento vocal. Dessa forma, também é responsável pela formação de
hábitos como o de não forçar a voz, não gritar, boa postura e etc. (BRITO
2003, p. 89).
2.4. A Música no Cérebro
“... mas todos os sons, com exceção dos mais fracos, estimulam muitos
neurônios” (JOURDAIN, 1998, p. 35).
A música tem poder de influenciar nosso corpo de forma tão intensa
que, segundo Synyders, atinge o coração, o espírito e o corpo. Ela faz o corpo
vibrar e se movimentar de forma espontânea. Tal fenômeno se dá devido ao
seu “enraizamento” psicológico; a própria música atinge uma espécie de
existência corporal. Snyders afirma também que o educador deve ver a música
não só como poder, mas como algo que chega à violência. Tal afirmação quer
dizer que, da mesma forma que a música pode ser um recurso excelente se
utilizado de forma correta, o contrário também pode acontecer, pois músicas
negativas podem gerar sentimentos de violência, medo ou desânimo. Além
31
disso, dependendo do que se ouve, a música pode influenciar positiva ou
negativamente o desenvolvimento da criança, nos aspectos emocional, motor,
afetivo, cognitivo, social e comportamental. (SNYDERS, 1997, P.63).
Sacks afirma que grande parte do que ouvimos na primeira infância,
pode ficar gravado no cérebro para o resto da vida. (SACKS, 2007). Kolb e
Whishaw dizem que “o som não existe sem um cérebro para criá-lo” (KOLB e
WHISHAW, 2002, apud VICTORIO, 2008, p. 21)
Victorio afirma que,
A música estimula o cérebro através do tálamo que é a sede
de todas as emoções e as sensações e de todos os
sentimentos. É por meio dele que o centro cerebral é
automaticamente invadido sem bloqueio algum, possibilitando
o sentir e o criar (grifo da autora) (VICTORIO,p. 25).
Durante um longo período de tempo, os cientistas pensavam que o
hemisfério direito era responsável pela fala e o direito pela música, porém, em
1998, Springer e Deutsch, a partir de seus estudos, observaram que as
habilidades musicais não são lateralizados exclusivamente no hemisfério
direito. Eles afirmam que o hemisfério esquerdo envolve os aspectos musicais
relacionados à duração, ordem temporal, sequencia e ritmo. O direito está
relacionado à memória tonal, timbre, reconhecimento de melodias e
intensidades.
Um exemplo que comprova essa teoria foi citado por Victorio, relatando
a ocasião em que o compositor Maurice Ravel sofreu um AVC no hemisfério
cerebral esquerdo. Diversas habilidades musicais permaneceram intactas, as
relacionadas ao hemisfério direito, como reconhecer melodias, julgar afinação
de piano, detectar erros considerados minúsculos nas músicas que ouvia.
Somente às relacionadas ao hemisfério esquerdo foram abaladas, que são as
competências para produção musical, como tocar piano, compor e reconhecer
uma música escrita. Desta forma, “o nosso cérebro se constitui em uma
verdadeira caixa de ressonância, ele é todo musical” (VICTORIO, 2008, p. 23).
32
A partir dos estudos feitos ao longo deste capítulo, foi possível perceber
que um trabalho utilizando a música, feito de forma séria na escola, pode
contribuir grandemente para o desenvolvimento das crianças como um todo,
nos aspectos cognitivo, afetivo, social. No próximo capítulo, o estudo será
focado na influência da música em pessoas autistas.
33
CAPÍTULO III
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR NA
INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA
3.1. Avaliação Psicopedagógica
Para que seja possível intervir nas dificuldades de aprendizagem de um
aluno, primeiramente é preciso avaliar quais são as suas principais dificuldades
e os motivos pelos quais a criança não consegue aprender.
Desta forma, a avaliação psicopedagógica inicia-se a partir de alguns
questionamentos, como por exemplo: como meu aluno pensa? Que esquemas
ele utiliza para a aquisição de conhecimentos? Qual é o estilo cognitivo dele?
Que instrumentos pedagógicos podem se tornar psicopedagógicos? Vygotsky
diz que é necessário compreender os processos mentais do sujeito para
desenvolver programas de tratamento educacional que explorem ao máximo
suas capacidades cognitivas. (VYGOTSKY, 2007, apud CUNHA, 2009)
Nos primeiros encontros deve-se observar quais são os objetos que
mais interessam a criança, para que possam ser utilizados posteriormente na
intervenção psicopedagógica. Através da observação, conseguimos selecionar
estímulos que tornam o aprendente mais receptivo às práticas pedagógicas.
Segundo Cunha, “o que o aluno ama, o que lhe interessa, seus sonhos e seus
desejos são baldrames da atuação psicopedagógica” (CUNHA, 2009, p. 104).
Ele considera que a estrutura da avaliação psicopedagógica da criança deve
acontecer nos primeiros contatos com o estudante e sua família. Cita como
exemplo, a entrevista familiar, anamnese, sessões lúdicas e de avaliação
pedagógica, o histórico do aprendente e laudo médico (crianças especiais).
O autor também afirma que “o quadro do autismo impõe que toda a
avaliação psicopedagógica seja uma ação e uma pesquisa sobre o indivíduo,
com pertinência na sua história biológica, familiar e social.” Segundo ele, o
currículo adaptado para o aluno autista deve partir da avaliação, pois esta
34
possibilitará que o psicopedagogo perceba quais as habilidades precisam ser
conquistadas.
Na avaliação psicopedagógica, o profissional precisa estar atento a
muitos fatores e sinais que a criança apresenta para que possa formular uma
hipótese. Citarei a seguir alguns exemplos de comportamentos típicos do
autismo, que devem ser observados no momento da avaliação do aprendente.
Darei ênfase aos aspectos relacionados à linguagem e à comunicação (as
características variam em intensidade, não necessariamente todas estão
presentes).
(no autismo)... estudos indicam que o período de comunicação
cerebral é mais extenso, marcando uma disfunção neurológica
e prejudicando a recepção sensorial por meio da audição,
provocando desordem de linguagem, aquisição de
conhecimentos e evolução social, sendo específicos da
síndrome. (ORRÚ, 2009, p. 37)
A criança autista possui diversas dificuldades de linguagem, como em
metáforas e ironias, pois para ela, tudo tem um sentido literal. Por isso,
enfrenta dificuldades para compreender os sentimentos e as coisas abstratas.
Apresenta anormalidades de respostas a estímulos verbais e não verbais; falta
de verbalização e mímica; não se interessa em dialogar, mostrando-se
inacessível perante as tentativas de comunicação. Demonstra indiferença ou
hipersensibilidade aos estímulos sensoriais e reage de forma atípica e bizarra
ao som e ao paladar. Pode apresentar ecolalia ou uso estereotipado da fala.
Esta pode, também, ser inexistente, assim, o sujeito puxa, empurra ou conduz
fisicamente o parceiro de comunicação para expressar seu desejo. Há atraso
no desenvolvimento da fala, retrocesso dessa capacidade já adquirida e
emudecimento em alguns casos. Quando existe linguagem, normalmente suas
expressões são pobres, utilizando apenas uma ou duas palavras ao invés da
construção de frases. Sua fala é pouco comunicativa, sem espontaneidade,
com tendências ao monólogo e nem sempre corresponde ao contexto. Faz uso
o pronome pessoal na terceira pessoa, constrói frases gramaticais
35
incorretamente e utiliza substantivos e verbos de forma predominante em suas
frases. (ORRÚ, 2009,)
Outras características da pessoa autista: não estabelece contato visual; age
como se não percebesse o que ocorre com as outras pessoas; agride os
outros sem motivo; não explora o ambiente, permanece fixado em poucas
coisas; apresenta gestos repetitivos como balançar as mãos ou balançar-se
(esteriotipias); cheira ou lambe brinquedos e objetos e mostra-se insensível ao
ferimento, podendo ferir-se intencionalmente (RELVAS, 2009).
Campbell afirma que atualmente existem possibilidades de se
diagnosticar o autismo em bebês, analisando questionários respondidos pelos
pais e através de testes de comportamento. Desde muito cedo observa-se
alterações no sono (bebê muito quietinho ou inconsolável); a criança não faz
contato ocular (olhos nos olhos); apresenta uma forma atípica de olhar; não
compartilha o foco de atenção; não gosta receber carinho; demonstra aversão
a contato físico; não imita os adultos, como por exemplo acenar para alguém
ao se despedir e não olha na direção de quem a chama pelo nome. A autora
afirma também, que normalmente os pais só percebem que há algo diferente
com os seus filhos autistas por volta de um ano e meio, devido a uma
defasagem na linguagem ou quando percebem que o filho não interage com
outras crianças. (CAMPBELL, 2009, p. 121). A Intervenção precoce é
indispensável, até os seis anos de idade conseguimos êxito. Quando mais
cedo iniciarmos a intervenção, melhores resultados conseguiremos, pois “até a
criança começar a falar muita coisa já aconteceu no cérebro.” (Prof. Dayse
Serra, em sala de aula, em 27/02/ 2010).
Na escola, faz-se necessário garantir que o educando com autismo
sinta-se seguro e acolhido no novo ambiente, ambiente este que deve ser
repleto de estímulos afetivos, sensoriais e cognitivos, pois para Cunha, “o
derrotismo é o maior obstáculo para a aprendizagem”, por isso a educação
deve ser focada no ser humano e não na patologia (CUNHA, 2009, p. 52).
36
3.2. A Música como Recurso Psicopedagógico na Escola Inclusiva. ...é fato que diversas dificuldades de aprendizagens poderão ser resolvidas ou amenizadas quando os educadores tiverem seus olhares focados na promoção do desenvolvimento dos diversos estímulos neurais que se expõem de forma que se compreendam os processos e os princípios de estruturas do cérebro, conhecendo e identificando cada área funcional, visando estabelecer rotas alternativas para aquisição da aprendizagem, utilizando-se de recursos sensoriais como instrumento do pensar e do fazer (RELVAS, 2009, p. 34).
Embora pouco explorada, a música é utilizada como recurso pedagógico
na escola, especialmente na educação infantil. Ela pode tornar-se um
instrumento psicopedagógico quando sua utilização for focada em uma
determinada criança que apresente certa dificuldade. Sabemos que os
estímulos sensoriais são fundamentais para o sucesso na aprendizagem.
Assim, o psicopedagogo, em sua atuação com o sujeito, pode realizar
atividades fazendo algumas associações que proporcionem a memorização,
como imagens e sons, palavras, cores e etc., Inventar letras para músicas,
versinhos ritmados, frases engraçadas, etc., Relvas afirma que tais atividades
facilitam o armazenamento e o acesso a determinados conhecimentos.
(RELVAS, 2009).
Ao utilizar a música na escola, principalmente como recurso
psicopedagógico, o educador precisa respeitar o gosto musical do aluno, para
que obter um resultado positivo. Se a música utilizada for inadequada para o
sujeito, pode gerar reações opostas às desejadas, trazendo prejuízos. É
preciso pesquisar o mundo musical em que a criança está inserida, conhecer a
sua história, meio social, cultural e familiar, antes de iniciar um programa com
atividades. Deve-se ter em mente que, dependendo do que se ouve, a música
pode influenciar positiva ou negativamente o desenvolvimento da criança, nos
aspectos emocional, motor, cognitivo, social, comportamental, lingüístico e
afetivo, pois, conforme Wagner, “a música é a linguagem do coração humano”
(apud JEANDOT, 2002, p. 12). Cunha menciona a sensibilidade auditiva da
criança autista e lembra que não só com esses alunos, mas com todos em sala
de aula ou em qualquer contexto, é importante falar baixo, procurando manter
37
o ambiente mais equilibrado possível. É claro que existem barulhos alheios a
nossa vontade, como buzina de automóvel e sirenes. Nessas situações o
professor deverá tranqüilizar seu aluno e redirecionar a atenção, não
valorizando as reações excessivas (CUNHA, 2009). Tendo em vista esta
sensibilidade, acentua-se a necessidade de conhecer as preferências do aluno
para que a estimulação através da música tenha resultados positivos.
O psicopedagogo institucional deve aconselhar o professor de turma a
proporcionar um ambiente rico musicalmente; estimular o ouvido para o
reconhecimento dos sons e ruídos graves, agudos, longos, curtos, fortes ou
suaves; ajudar a criança a perceber os sons do seu corpo; realizar interação
entre a criança e o adulto através da música (cantar, pular, bater palmas e
etc.); sonorizar histórias, oferecer e confeccionar com a criança, instrumentos
musicais de sucatas variadas para que manuseie livremente. Ao cantar
músicas, acompanhar com gestos e cantar músicas sem letra, apenas à
melodia com fonemas variados. Exemplo: plim, plim,plim (NOGUEIRA, 2003 p.
19). Segundo Brito, a música na escola não deve ser trabalhada com objetivo
de formar músicos profissionais, mas sim em contextos educativos, visando o
desenvolvimento pleno da criança. Desta forma, a atividade deve ser repleta
de estímulos de modo que a criança possa perceber sentir, experimentar,
imitar, criar e refletir (BRITO, 2003). Segundo Grassi, “as músicas
representam recursos lúdicos de expressão e são facilitadores e estimulantes
do desenvolvimento e da aprendizagem dos sujeitos.” (GRASSI, 2008, p. 139).
Para crianças com bom funcionamento, a música estimula
competências ligadas à memória, à representação geométrica e à leitura.
Assim, a questão cognitiva torna-se consideravelmente relevante, pois os
movimentos no uso do instrumento promovem constante articulação
psicomotora, além de contribuírem no desenvolvimento da linguagem. A
utilização de instrumentos musicais, como o violão, a flauta ou a percussão,
por exemplo, por enfatizarem tempo, espaço, ritmo e postura corporal,
contribuem na escrita, no andar, na respiração e em outros aspectos
importantes juntamente com todo o processo de aprendizagem de conteúdo
escolar em sala de aula. A atenção norteia o aprendente a obter respostas
38
rápidas aos estímulos ambientais. (CUNHA, 2009). Smole afirma que quando a
criança se envolve em tarefas musicais, ela aprimora sua capacidade auditiva,
amplia sua coordenação visio-motora, suas capacidades de compreensão,
interpretação e raciocínio, descobre sua ligação com o meio em que vivem,
ampliam a expressão corporal e a linguagem oral. (SMOLE, 2000).
3.3. A Música como meio de Intervenção Psicopedagógica em Crianças
Autistas
Crianças mentalmente deficientes e autistas geralmente
reagem à música, quando tudo o mais falhou. A música é um
veículo expressivo para o alívio da tensão emocional,
superando dificuldades de fala e de linguagem. A música foi
usada para melhorar a coordenação motora nos casos de
paralisia cerebral e distrofia muscular. Também é usada para
ensinar controle de respiração e da dicção nos casos em que
existe distúrbio da fala. (SADIE apud CHIHIARELIi &
BARRETO, 2000, p. 9).
A intervenção psicopedagógica tem como função aperfeiçoar as
potencialidades do aprendente e reduzir ao máximo as suas dificuldades,
procurando sempre os recursos das diversas áreas do conhecimento para a
compreensão do ato de aprender, utilizando métodos e técnicas próprias. “o
trabalho com a criança não consiste apenas em propiciar novas maneiras de
aprender, mas, essencialmente, em buscar alternativas de ensinar” (CUNHA,
p. 104). Para tanto, de acordo com Visca, é necessário “conhecer
verdadeiramente como o sujeito aprende”, aceitando suas particularidades a
fim de fazer com que ele realmente aprenda. (VISCA, 1991, apud PORTILHO,
2009, p. 63).
Cunha afirma que:
o mediador deve utilizar o afeto e o estímulo, enriquecendo-os
com o saber, para que as possibilidades floresçam a partir do
interior do aprendente. Como resultado, as suas estruturas
cognitiva, emocional e social adquirem qualidades que
39
determinarão seu desenvolvimento. Quanto maior for o número
de mediações, maiores serão as oportunidades de aprender
(CUNHA, 2009, p. 104).
Pensar na utilização da música na intervenção psicopedagógica significa
atuar na afetividade e nas emoções do aluno, ao mesmo tempo estimulando
os sentidos, de modo que ele possa evoluir no seu processo de aprendizagem.
Para Cunha, dentre as outras formas de expressão do homem, a música, além
de contribuir para a motricidade e a linguagem, possibilita “movimentos de
doação e de acolhimento”, promovendo trocas afetivas e emocionais. Faz com
que o aluno expresse emoções que estão vivas, porém ocultas, que formam a
sua personalidade. Para ele, quando o conteúdo é transmitido através da
afetividade entre o educando e o educador “transmuda-se em realidade visível
e palpável”. Afirma que tarefas que incentivem elaborações cognitivas na área
da comunicação, juntamente com ações sensitivas e interesses afetivos,
facilitam o desenvolvimento das habilidades da criança autista e sua inserção
social. O início do processo de construção da autonomia desses aprendentes
se dá a partir da relação afetiva com o educador na escola, pois, mesmo
encontrando dificuldades para compreender os sentimentos e a subjetividade
das pessoas, eles não estão desprovidos de emoções (CUNHA, 2009, p. 78).
Muitas pessoas, por motivos biológicos, psíquicos ou emocionais,
contraem bloqueios que influenciam sua vida emocional e social e prejudicam
a estruturação de canais de aprendizagem. Por outro lado, uma vez que as
dimensões afetivas são estimuladas, os sonhos e desejos despertam e
descortinam os processos que dão acesso ao saber (CUNHA, 2009).
Estudos na área da neurociência esclarecem que a aprendizagem
acontece quando dois ou mais sistemas funcionam de forma inter
relacionadas. Logo, é possível compreender, por exemplo, como é proveitoso
aliar a música e os jogos em atividades escolares, pois há a possibilidade de
trabalhar mais de um sistema ao mesmo tempo: o auditivo, o visual e até
mesmo o tátil (a música possibilitando dramatizações). A música influencia o
ser humano de uma forma geral, logo este recurso pode e deve ser utilizado
40
com todo tipo de criança na escola inclusiva. Segundo Oliver, música facilita o
aprendizado, tornando-se bastante eficiente nos distúrbios de aprendizagem,
como autismo, demências entre outros (OLIVER, 2008,).
Sacks afirma que pessoas com lesão no lobo frontal podem ficar
incapacitadas de praticar algumas ações básicas, como vestir-se, por exemplo.
Nessas situações, a música pode ser utilizada como recurso mnemônico ou
narrativo: na prática, ela fornece uma série de comandos ou deixas na forma
de rimas ou canção. De acordo com o autor, o mesmo acontece com
indivíduos autistas e com pessoas com sério quadro de retardo mental, que
não conseguem realizar sequências simples que envolvam quatro ou cinco
movimentos ou procedimentos, mas são capazes de executá-las
acompanhando uma música. Afirma que “a música tem o poder de embutir
sequências, e fazê-lo quando outras formas de organização (inclusive a verbal)
não tem êxito” (SACKS, 2007, p. 231).
A partir dos estudos feitos ao longo deste capítulo, ficou claro que se a
música for explorada na escola, dentro em um planejamento sério, tendo em
vista as dificuldades de cada aprendente na escola inclusiva, torna-se um
excelente recurso psicopedagógico, repleto de possibilidades e benefícios para
todas as crianças dentro da escola, possibilitando uma aprendizagem saudável
e feliz.
41
CONCLUSÃO
A partir das informações obtidas através deste trabalho de pesquisa,
ficou claro que o fracasso escolar e as dificuldades de aprendizagem fazem
parte do cotidiano escolar no Brasil e que há uma demanda de crianças
especiais que precisam ser de fato incluídas nas escolas. Dentro desse
contexto, o psicopedagogo tem a importante função de criar rotas alternativas
que ajudem o sujeito a aprender. Para tanto, irá avaliar essas crianças e
desenvolver planos de intervenção que possibilitem que a aprendizagem
aconteça de uma forma prazerosa.
Visto que para incluir é necessário transformar a escola, o
psicopedagogo atua junto à equipe técnica, promovendo a educação
continuada dos profissionais, participa da elaboração dos planejamentos
juntamente com os professores de turma, orientando-os quanto às
necessidades das crianças especiais e das que apresentam dificuldades,
desenvolve adaptações curriculares quando necessário, disponibilizando o
acesso ao conhecimento para todos na escola.
Conclui-se que a música é um recurso que pode e dever ser muito bem
explorado no trabalho psicopedagógico na escola inclusiva, devido ao seu
poder de influenciar as pessoas em geral. Atua diretamente nas emoções e,
consequentemente, abre caminhos para a aprendizagem. O estudo comprovou
que música torna-se um excelente recurso para ser utilizado com crianças
autistas, pois muitas dificuldades relacionadas à linguagem, socialização e
afetividade podem ser superadas através da estimulação musical.
42
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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(Capítulo V)
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43
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WEISS, Maria Lúcia L. Psicopedagogia Clínica – uma visão diagnóstica
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Janeiro: Lamparina, 2008
ÍNDICE
45
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 7
INTRODUÇÃO 8
CAPÍTULO I
O PAPEL DO PSICOPEDAGOGO NA ESCOLA INCLUSIVA
1.1 - O que é Psicopedagogia Institucional? 11
1.2. Objeto de Estudo da Psicopedagogia 13
1.3. O Fracasso Escolar e as Dificuldades de Aprendizagem 15
1.4. A Educação Inclusiva 18
CAPÍTULO II
A INFLUÊNCIA DA MÚSICA BA APRENDIZAGEM
2.1. O que é Aprendizagem? 21
2.2. O que é Inteligência? 25
2.3. Música e Aprendizagem 27
2.4. A Música no Cérebro 30
CAPÍTULO III
46
A MÚSICA COMO INSTRUMENTO AUXILIAR NA INTERVENÇÃO
PSICOPEDAGÓGICA
3.1. Avaliação Psicopedagógica 33
3.2. A Música como Recurso Psicopedagógico na Escola Inclusiva 36 3.3. A Música como meio de Intervenção Psicopedagógica em Crianças
Autistas 38
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 42
ÍNDICE 46