Post on 04-Nov-2018
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDESPÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSO”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A INFLUÊNCIA DO CONSTRUTIVISMO NA FORMAÇÃO SUPERIOR
Por: Orisval Brito
OrientadorProfessor Celso Sanchez
Goiânia, GO
2008
0
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDESPÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A INFLUÊNCIA DO CONSTRUTIVISMO NA FORMAÇÃO SUPERIOR
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Docência do
Ensino Superior.
Por: Orisval Brito
1
AGRADECIMENTOS
Aos meus saudosos professores da
Universidade Gama Filho, cujos esforços
para me formar em Psicologia resultaram
em uma melhora substancial daquilo que
eu era. Aos meus colegas de grupo de
estudo, Sônia Maria, Gessé Cândido Dias
e Maria Marinho da Silva, devotados e
esforçados companheiros de luta. Aos
meus clientes em psicoterapia de grupo
familiar e em terapia de casal, que me
enriqueceram sobremodo a base teórica
adquirida na Universidade. Mas com
destaque, à Vida que vivi desde que vim
ao mundo e que direcionou meus passos
2
para esta esplêndida ciência que é a
Psicologia.
DEDICATÓRIA
Eu não poderia deixar de dedicar esta
monografia à minha atual esposa, Maria
Marinho da Silva, que, fazendo minhas
as suas palavras, teve-se sacrificado
com afinco para que eu pudesse voltar
a me interessar pelo estudo curricular,
do qual me mantive afastado durante os
21 anos em que me dediquei à
3
psicoterapia de casal e de grupo familiar.
Que o Criador de Todas as Coisas a
recompense pelo seu sacrifício, pois
toda minha vida não será suficiente para
tanto.
RESUMO
Esta monografia busca resgatar, para o ambiente Escola, o
pensamento forte de um homem, cujas experiências iniciais em clínica
aconteceram justamente na lide com alunos das escolas públicas do Kansas.
George A. Kelly, de espírito aventureiro e científico não-pragmático, inovou o
modo de se compreender uma pessoa. Se um aluno lhe era enviado com a
alegação de que era uma criança preguiçosa, Kelly não se voltava para
observar o aluno a fim de confirmar ou não, o juízo do mestre. Estudava os
comportamentos da criança e analisava-o dentro do sistema de construtos
(cognições) do queixoso. Neste ponto, ele inovou significativamente o modo de
se compreender o ente humano.
Na Escola brasileira enfatiza-se sobejamente o construtivismo
piagetiano, mas poucos, talvez ninguém fale do construcionismo de Kelly. O
autor da monografia julga que é tempo de se olhar para a Teoria do Construto
Pessoal. Embora criada dentro do ambiente clínico, ela serve para qualquer
ambiente onde se encontrem pessoas em interação. Afinal de contas,
atualmente mais do que nunca, todos estamos na condição de quase sãos,
quase doentes e universitários e professores não fogem a isto. Portanto, são
pessoas quase sãs, quase doentes que interagem por, no mínimo, 5 anos, nos
cursos brasileiros de formação de nível superior. Pessoas que, através de
gerações passadas recentes, ensejaram a criação de Teorias perenes, como
as que serão abordadas aqui. A questão principal que surge da observação
4
das condições político-sociais é: o modo como universitários e mestres
estruturam seus sistemas de Construtos Pessoais numa sociedade regida pelo
Mercado e pela filosofia neoliberal, interfere com o processo Ensino-
Aprendizagem em sala de aula?
Todo o trabalho monográfico foi realizado visando definir uma
provável resposta à questão. A análise final não deve ser considerada
definitiva, mas sim um ponto de partida...
METODOLOGIA
A metodologia utilizada por mim não foi complexa. Centrou-se
totalmente na pesquisa bibliográfica, com algumas consultas a artigos
publicados na Internet e que se relacionavam com o tema proposto.
A par com as leituras especializadas, o acompanhamento diário dos
noticiários televisivos e a leitura ocasional de notícias políticas em jornais, bem
como a participação ativa nos movimentos dos aposentados, levado a efeito
pela ABRAP-GO, mantiveram-me informado e atualizado sobre o que está
acontecendo no Mundo a partir do advento da Globalização, assim como da
implantação do pensamento neoliberal nas políticas governamentais dos
países, com ênfase para o Brasil.
Tenho contato constante com vários estudantes universitários, com
destaque para os três aqui citados: Lenner Martins Silva; Jairo Lourenço Lira
da Silva e José Neves da Silva Neto. Entre estes contatos há uns que são
professores universitários, como é o caso da Mestra em Direito e Professora de
Educação Física, Cristiane Hollanda Camilo. Com estes, converso muito sobre
a convivência universitária, obtendo tanto a visão dos alunos (cada um deles
estuda em uma faculdade diferente da dos outros) como a do professor. Além
deles, tenho meus dois filhos também universitários: Suzana Marinho de Brito,
5
faculdade de Direito da UFG, e Filipe Marinho de Brito, faculdade de
Engenharia da Computação, UFG. Amigos e amigas de meus filhos e eles
mesmos servem de cobaias para, através de conversas “descompromissadas”,
eu investigar o que muito me interessa e que faz parte do tema desta
monografia.
SUMÁRIO
Introdução 08
A visão da Lei está correta? 10
A Lei estabelece um limite rígido 11
A Orientação do trabalho monográfico 13
Capítulo I O Universitário no Complexo Social em que Vivemos 17
Adolescência 18
1.1 O que é adolescência 18
1.2 O efeito da comunicação na formação da pessoa 19
1.3 O descuido da Psicologia 20
1.4 O Neoliberalismo e a Desconstrução do Brasil 23
1.5 Origens do Neoliberalismo 25
Capítulo II A Pessoa na Visão da Psicologia Culturalista 28
As Teorias Psicológicas
29
2.1 A Contribuição da Psicologia Individual de Alfred Adler 29
2.1.1 A visão de Adler e o status quo atual 32
6
2.2 Teoria Interpessoal da Psiquiatria, de H. S. Sullivan 33
2.2.1 A visão de Sullivan e o status quo atual 37
2.3 Existencialismo de Binswanger, Kierkegaard e 39
2.3.1 Entendendo o Existencialismo 39
2.3.2 A visão existencialista e o status quo atual 44
2.4 A Teoria do Construto Pessoal, de George A. Kelly, 47
2.4.1 A visão de Kelly e o status quo atual 53
Capítulo III Reflexão Final Sobre a Estrutura Social Vigente e a Juventude
Universitária que Nela se Forma 56
3.1 A velocidade da Informação, fator desagregador da Sociedade 57
3.2 A mercadofagia estraçalha culturas 59
3.3 Flexibilizando fronteiras e interferindo com a Faculdade 61
3.4 Escola, a primeira a perceber o dilema da criança 62
3.5 Intensificando-se o conflito entre mestres e Alunos 63
3.6 O advento do neoliberalismo e da Internet na sociedade 64
3.7 Distanciam-se os Universitários de seus Mestres 65
3.8 A ganância destrói a humanidade e endeusa o Lucro 66
3.9 A perda da consciência ética do universitário brasileiro 67
3.10 É preciso enfrentar a anomia no ambiente acadêmico 68
Conclusão 70
E a resposta mais provável é “sim” 71
Anexo I 75
Anexo II 79
Bibliografia Consultada 81
7
INTRODUÇÃO
Qual é a questão?
A interação pessoal é complexa e um dos mais férteis terrenos de
pesquisa que se apresenta aos que buscam respostas para os enigmas
humanos. Em uma sala de aula há muitos modos de se abordar a interação
entre professor e aluno. Um destes modos é exemplificado por Maria Aparecida
Morgado, em sua Dissertação de Mestrado, na PUC, SP, onde a autora estuda
a sedução entre aluno e professor a partir de um enfoque psicanalítico.
Praticamente o mesmo tema é abordado aqui, mas sob outro enfoque. Não há
nenhuma ênfase no processo da sedução interpessoal envolvendo suposto
jogo de forças inconscientes. O tema que embasa este trabalho diz respeito à
inquirição sobre o processo de construção das realidades internas pelos alunos
de cursos de nível superior, em estreita e indissociável dependência dos
processos sociais; assim como à provável influência de tais construções na
interação com os professores e no processo ensino-aprendizagem.
A questão que se levanta tem várias facetas, mas pode ser
sumariamente colocada assim: o rapidíssimo advento da globalização,
secundada pelo pensamento neoliberal, na prática da Educação brasileira,
afetou significativamente o processo de Construção e Reconstrução da
8
Realidade no jovem universitário, interferindo, este processo, de modo
profundo na relação ensino-aprendizagem? O jovem no período final da
adolescência, já está realmente adulto, pronto e acabado para que nele não se
leve mais em conta os complexos processos maturacionais por que ainda
continua passando? Nossa Sociedade Brasileira neoliberalista e globalizada
apresenta as condições básicas sociais que propiciam ao jovem continuar seu
amadurecimento com segurança e com discernimento claro do que deseja e do
que pode alcançar? Seu processo de Construção e Reconstrução da Realidade
interfere com a relação aluno-professor, influindo significativamente no
processo ensino-aprendizagem?
Este Projeto de Pesquisa bibliográfica e reflexiva se justifica em função
das dificuldades que as Universidades e Faculdades em geral vêm tendo
quanto ao aproveitamento e à formação do aluno, ao final do curso. A prova
desta dificuldade encontra-se nas avaliações que o Governo Federal submete
as entidades de ensino superior para saber qual o grau de aproveitamento final
do corpo discente de cada uma delas. Os resultados obtidos nos “provões” ao
final dos cursos colocam muitas faculdades em situação aflitiva, implicando
gastos extras e dispêndio de energia humana na busca de uma saída
satisfatória para o dilema. Faculdades com instrumental didático de primeira
linha nem sempre conseguem obter boas classificações para seus cursos.
Especula-se que a causa seja a má formação profissional ou instrucional dos
professores; exige-se deles que se aprimorem, que façam o mestrado, o
doutorado etc... Mas não se tem levado em consideração um fator fundamental
em toda a formação superior: os processos psicológicos e emocionais dos
envolvidos na dinâmica do construto ensino-aprendizagem1, bem como sua
forte predominância nos processos de Construção e Reconstrução da
Realidade, que acontecem quer nos alunos, quer nos mestres do ensino
superior. De que modo o pensamento neoliberal afetou estes processos? Em
que profundidade? Como o advento da Globalização interfere com a
1 ENSINO-APRENDIZAGEM é um construto superior, na classificação de G. Kelly, com pólos inter-relacionados, onde os pólos positivos dos construtos inferiores harmonia-desarmonia; equilíbrio-desequilíbrio têm de ser realizados, enquanto os pólos negativos devem permanecer submergidos (v. pg.51-52 da monografia)
9
construtividade dos jovens universitários no processo ensino-aprendizagem
nas faculdades brasileiras? Quais teorias psicológicas podem servir de
instrumentos que orientem pesquisas sobre os processos de Construção e
Reconstrução da Realidade nos alunos de nível superior, de modo geral,
considerando parâmetros gerados pelo pensamento neoliberal e pela
globalização? Parâmetros tais como:
1. a responsabilidade legal do adulto sobre suas ações e suas opções;
2. as conseqüências da mobilidade do dinheiro na desconstrução dos sensos
de Moral, Ética e Humanidade;
3. status social como objetivo que obedece à assertiva “os fins justificam os
meios” etc...
A visão da Lei está correta?
O ingresso em uma faculdade é um dos rituais sociais de emancipação
do jovem adulto. A Lei n° 10.406, de 10/01/2002, diz, em seu artigo 5°: “A
menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica
habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Note-se bem o peso e a
responsabilidade desta imputação legal: “habilitada à prática de todos os atos
da vida civil”. Esta tentativa de pôr um divisor legal definitivo e radical entre a
adolescência e o estado adulto não foi bem expressada, porquanto estabelece
um rompimento abrupto entre a adolescência e o estado adulto. Nos dias
atuais, no final das contas, este artigo de Lei está ultrapassado, pois, sem
mencionar outras quebras de limites, a jovenzita de 14 anos, por exemplo, já
pratica fartamente o coito e com freqüência é pegada2 de surpresa, ela e sua
família, por uma gravidez indesejada. Existe uma ONG em Goiás que
desenvolve vários projetos voltados para a adolescência desamparada ou
marginalizada. Nesta ONG, no trabalho que se volta para as púberes e
adolescentes, é assustador o número de meninas na faixa dos 13 aos 17 anos,
bem como de jovens meninos na mesma faixa etária, que se tornam pais por
acidente. E os pais deles, avós antes do tempo, freqüentemente se recusam à 2 Não abono a ressurreição do particípio passado arcaico “pêgo” ou “pêga”, conforme vêm fazendo os paulistanos no seu linguajar inculto. Se tal houvesse, “pêgo” seria no máximo o macho da “pêga”. É preocupante a desestruturação da língua portuguesa no Brasil, graças à degradação da aprendizagem e do treinamento dos professores de hoje.
10
assunção do fato e, com freqüência, os pais da garota expulsam-na de casa, o
que a lança em desespero e total desorientação. Geralmente o jovem pai,
assustado, abandona a garota, desaparecendo de sua vida. Visando evitar que
a desgraça destas meninas se torne bem maior e que este fato facilite seu
ingresso no crime, por falta de opção, a ONG em questão mantém este
meritório trabalho social. Na área da prática da cópula, a quebra dos padrões
morais que vigiam outrora, graças à invasão da família pela internet, pelo
cinema, pela TV, por jornais e revistas pornôs trouxe um dilema de enormes
proporções para a Sociedade Humana e no que diz respeito ao artigo de lei
aqui comentado, fê-lo absolutamente obsoleto. Entretanto, mesmo que as
quebras de paradigmas sociais não houvessem acontecido, ainda assim creio
que sua redação deveria ser repensada. A transição da adolescência para a
fase adulta não acontece a seco, de um momento para outro, mediado
somente por um dia de aniversário.
A Lei estabelece um limite rígido
No inciso IV deste artigo se estabelece também como marco para a
entrada na idade adulta: “Pela colação de grau em curso de ensino superior”.
Do ponto de vista da Psicologia e da Educação este inciso de Lei dá o que
pensar. Na faculdade, empresta-se ênfase à formação profissional, o que está
conforme com a letra da Lei (e com a urgência do atual Rei da humanidade: o
Mercado) e isto induz tanto professores quanto quaisquer outros adultos em
contato com aqueles jovens a tratá-los como se fossem realmente adultos
responsáveis. Não são. Ao menor sinal de perigo, correm para o seio familiar
(quando têm família) em busca de proteção e apoio. Diante de um dilema, que
muitas vezes, por imprudência, pouca maturidade e falta de conhecimento,
criaram, aninham-se nos braços de seus pais e deles esperam que os safem
da encrenca. No entanto, uma vez reconhecido como “adulto”, ou uma vez
ingressado no mundo adulto, o jovem é encarado como alguém que já possui
estruturado um bom sistema de Construção da Aprendizagem e da Realidade.
11
Há a tendência a se perceber o adolescente jovem adulto com pleno equilíbrio
psicafetivo e emocional e pronto e acabado para ser transformado em material
de consumo na Sociedade Globalizada, o que a letra da Lei ratifica.
No pensamento neoliberal, que está conforme com o pensamento do
legislador, o sucesso ou o insucesso do indivíduo cabe exclusivamente a ele.
Não se conseguiu definir um divisor de águas responsável e conforme com o
período agitado da transição entre o estágio da “adolescência adulta” e o
estágio adulto real; ou seja: não se conseguiu definir um “período de transição”
para isto, como aconteceu relativamente à criança que, nos tempos medievais
era entendida como um “adulto em miniatura”. Assim, para os legisladores
globalizados atuais, se uma criança de 10 anos é livre para optar por atirar e
matar colegas em sua escola, é livre, também, para arcar com a pena de prisão
e a dureza do cárcere, nos Estados Unidos. Isto nos deixa, em nós, psicólogos
e educadores, uma pergunta que não quer calar: “que insumos sociais aquela
criança recebeu que lhe dessem meios de construir uma realidade estruturada
no respeito à vida, na compreensão plena de seus atos, embasado em um
sistema de Construtos Centrais e Construtos Impermeáveis3 capazes de lhe
proporcionar defesas psicossociais que evitassem aquele comportamento
imaturo, imitativo de modelos irreais cinematográficos e televisivos
irresponsáveis? Não estará a Sociedade norte-americana punindo naquela
criança o erro e o crime educacional que lhe pertencem por inteiro?”
No Brasil, onde os mesmos modelos pervertidos se aliam às
necessidades básicas frustradas pelo Sistema Globalizado, já se cogita na
redução da maioridade de 18 para 16 anos justamente com o fito de possibilitar
ação equivalente àquela dos norte-americanos. Ampara-se esta tendência no
pensamento neoliberal, que diz que é de inteira responsabilidade do indivíduo
(não da pessoa, mas do indivíduo)4 sua decisão de sucesso ou de insucesso
3 Ver páginas 51-52 da monografia.4 Entendo por Pessoa aquele ser social que está comprometido com os mores e os folkways da sociedade em que vive e rege seu comportamento segundo as crenças e as leis que vigem neste meio. Entendo por Indivíduo aquele ser compreendido nele mesmo; que não se divide; que não está comprometido com o social, mas com suas próprias crenças, com seus próprios valores e com seus próprios juízos.
12
na vida, ressalvado algum quantum de “sorte” em suas lutas para superar as
dificuldades sociais que se lhe apresentam. Entendo que cabe, aqui, alguns
questionamentos interessantes, tais como:
― é lícito desconsiderar-se as condições ainda em desenvolvimento
dos processos emocionais, assim como da estruturação de um Sistema de
Construtos Pessoais para a realização sadia da Construção da Realidade no
adolescente universitário, tomando-o como plenamente maduro para o
enfrentamento da vida com que já se depara?
― seu sucesso ou seu fracasso no curso superior não permanecem
condicionados, ainda, a um incipiente processo de Construção da Realidade e
da Aprendizagem centrados em valores (ou “desvalores”) familiares, com os
quais está em constante choque de interesse e conflitos de geração?
― a passagem para um estágio socialmente considerado de
responsabilidade civil implica a aceitação imposta por Lei de um corte abrupto
no desenvolvimento e amadurecimento psicoemocional do indivíduo?
― pode, realmente, o sistema Legal impor ao desenvolvimento
individual que se processe por etapas estanques e bem delimitadas? Etapas
onde os dilemas profundos devem cessar abruptamente, em função do
ingresso da pessoa em estratos diferenciados do viver e do amadurecer
sociais?
― de que modo os processos familiares e sociais religiosos, políticos e
econômicos podem ser compreendidos como fatores de relevância nos
processos psicológicos de construção e reconstrução da realidade nos alunos
universitários e como isto atua facilitando ou dificultando seja o relacionamento
aluno-professor, seja a aprendizagem em si mesma?
A Orientação do trabalho monográfico
13
Estas questões contêm-se na pergunta que se coloca como problema a
ser analisado e o que se procura são indícios significativos que, após análise
crítica reflexiva do pensamento neoliberalista, apontem marcos teóricos para a
pesquisa educacional em nível universitário. O trabalho segue o seguinte
norteamento:
1) Crítica sucinta das mudanças sociais drásticas que a população
sofreu e sofre desde quando o pensamento neoliberal foi introduzido no Brasil.
Não se vai realizar um trabalho em profundidade, visto que a tarefa exigiria um
alentado volume. Tentar-se-á sumariar o tema, enfocando-o a partir da óptica
definida para a monografia. Com o mundo globalizado, o lar de cada pessoa é
exatamente este: o Mundo. Não só o geográfico, mas principalmente o social
com seus processos complexos, às vezes dantescos, aterrorizantes e
desnorteantes. Não há como negar que a maioria esmagadora da população
mundial, cerca de 80%, encontra-se como quem está no meio de um furacão:
absolutamente desnorteada; totalmente desamparada e colocada à parte das
oportunidades que a sociedade globalizada tem a oferecer. Entre estas
pessoas estão alunos e professores de faculdades. A juventude deste início de
milênio cristão, no mundo todo, encontra-se literalmente sem pai nem mãe. A
faculdade é seu último abrigo antes do seu dasein acontecer. Como muito bem
resumiu minha filha, que terminou este ano o curso de Direito na Universidade
Federal de Goiás – U.F.G.: “Eu tomei três grandes sustos nesta minha vida. O
primeiro, quando entrei na faculdade e vi que tudo lá é absolutamente diferente
de tudo o que até então eu tinha visto, quer em estudo, quer em
comportamento dos alunos. No início foi o espanto; depois, a euforia de não ter
regras a obedecer, como acontece no primeiro e segundo graus; finalmente, o
desnorteamento diante da falta de orientação, falta de firmeza e principalmente
de interesse dos professores por nós, alunos. O segundo, quando prestei prova
para a OAB e fui reprovada. Cerca de 60% do que foi pedido nas provas
passou longe das portas de minha faculdade. O terceiro, quando deixei a
faculdade e busquei um emprego. Agora, sim, compreendo o que é lutar com o
diabo segurando-o pelos chifres. As armas que consegui obter, por meus
14
esforços mais do que pelos esforços de meus professores, são extremamente
insuficientes e incompletas diante das exigências do mercado de trabalho. É
aqui, na dura realidade da vida, que terei de realmente estudar. Sozinha, sem
orientação de professores nem o abrigo ilusório dos muros da universidade”.
Esta é a realidade dos universitários brasileiros e não só dos deste milênio,
mas daqueles de há exatos trinta anos, quando este monografista colou grau
em Psicologia, em agosto de 1978, na U.G. F., no Rio de Janeiro.
2) levantamento de algumas teorias da Personalidade que contenham
hipóteses válidas, axiomáticas, já comprovadas socialmente, capazes de
embasar os argumentos monográficos. A Pedagogia tem-se apegado
firmemente ao trabalho de Jean Piaget e colocado um pé também nos
trabalhos realizados pelos comportamentalistas. Além destes dois parâmetros,
ela ainda se firma, de modo pregnante, na Psicanálise de Freud, mas tudo isto
em relação aos estudantes das fases anteriores àquela, universitária. No
entanto, há teorias psicológicas que se prestam muito bem à reflexão do
dasein5 atual das pessoas deste início de milênio cristão. Teorias que se voltam
para o adulto ou o adolescente jovem adulto e que oferecem direções
interessantes a serem consideradas e pensadas. Que oferecem, enfim, um
enfoque a ser atentado para que se possa ao menos dar início a um trabalho
em profundidade sobre os dilemas cruciais por que passam o Ensino Superior
e seus alunos.
3) Evidenciar os possíveis motivos psicológicos, sociais e políticos que
interferem com a estruturação construtivista da realidade dos professores, se
não justificando, ao menos oferecendo um caminho para que se compreenda o
estado de impotência em que muitos se debatem em silêncio. O magistério,
como todas as profissões desta realidade globalizada, deixou de ser uma
vocação para integrar o grupo das “tábuas de salvação”. Ser professor
universitário é mais uma opção para qualquer profissional que se forma em
algum grau de pós-graduação. Um meio de ganhar a vida, independentemente
5 Dasein = estar no mundo; ser lançado ao mundo; estar aí.
15
de se a pessoa gosta ou não, de exercer o magistério. Se não consegue
engajar-se no mercado de trabalho naquele ramo de especialidade que cursou,
então, o negócio é lutar para se engajar como professor em alguma
universidade. Ao menos enriquece o curriculum enquanto batalha por uma
porta de entrada em seu ramo profissional.
4) Destacar a Teoria do Construto Pessoal, de George A. Kelly, como
relevante para a pesquisa e o estudo fenomenológico do Construtivismo no
jovem universitário brasileiro que interage com o mestre no complexo e
delicado sistema ensino-aprendizagem, fundamentação deste trabalho.
O autor sabe que este é um trabalho monográfico e, portanto, requer
que seja sucinto. Mas no atual complexo meio social em que estudantes,
professores e faculdades se encontram inseridos, quando tudo está mudando
como num caleidoscópio, é um tanto difícil, senão mesmo impossível ser-se
sucinto demais em um tema como este. Mesmo assim, buscar-se-á satisfazer
esta exigência dentro do possível, sem, contudo, perder o objetivo que se
propõe.
É necessário, ainda, fazer notar que a monografia se prende a uma
secção de um processo social que se inicia no sistema de governo adotado
pelo país, o qual se reflete danosamente no seio familiar onde, por sua vez, o
cidadão deve ser gestado, educado e iniciado de modo firme na conceituação
da Moral e da Ética. Sem estes pilares – as colunas Jaqim e Boaz da Cabala
Social – qualquer país desmorona e é o que se vê não somente no país
chamado Brasil, mas em todos aqueles que infelizmente não escaparam do
polvo denominado globalização. Por isto, por forçosamente se restringir a uma
secção fictícia do processo social que se vive atualmente, há hiatos que geram
insatisfação em leitores mais informados e mais atentos. Destes, o
monografista espera compreensão e que supram os hiatos com suas próprias
reflexões.
16
CAPÍTULO IO UNIVERSITÁRIO NO COMPLEXO
SOCIAL EM QUE VIVEMOS
17
“Como conseqüência da guerra, surgiu uma
crença generalizada na grande força da
comunicação de massa. A mídia foi encarada como
capaz de moldar a opinião pública e inclinar as
massas para quase qualquer ponto de vista
desejado pelo comunicador.”
DeFleur, M.
ADOLESCÊNCIA
1.1 O que é adolescência?
A primeira coisa que chamou a atenção do monografista, quando
buscou publicações sobre o adolescente universitário e sua estrutura
construtivista psicoemocional, foi a absoluta falta de artigos de peso sobre o
tema. Parece que há um acordo tácito quanto à maioridade responsável
daquele que entra no chamado Ensino Superior. Os adultos, seus mestres,
encaram-no deste ponto de vista, portanto, não há nada que se escrever sobre
seus dilemas, conflitos e dramas íntimos e seus respectivos reflexos na
interação do adolescente universitário com seus professores e com o novo
mundo em que acabam de entrar. Dramas e desequilíbrios emocional-
psíquicos são relegados aos consultórios dos psicólogos clínicos e os
professores não têm nada a ver com isto. O tempo de os mestres se
18
incomodarem em dar atenção a tais assuntos, já passou. Os que ministram
matérias em faculdades lidam com adultos. No entanto, eles ainda são
púberes e adolescentes...
A propósito: o que é adolescência? Uma pergunta de difícil resposta.
Poeticamente entendo a adolescência como a alva do amanhecer. A escuridão
da noite ainda permanece sobre a Terra, mas a Natureza começa a vislumbrar-
se em suas formas. Turvas, ainda escuras, mas já definidas aqui e ali,
recortadas que estão contra o céu que clareia. Considerando a noite como as
fases anteriores do desenvolvimento psicoemocional e fisiológico do indivíduo,
a adolescência é a alva do amanhecer para a Vida Adulta. Tudo é
deslumbrante e, simultaneamente, totalmente desconhecido em sua
profundidade.
O adolescente — assim também o chamado adolescente jovem adulto
— vê os contornos dos fatos e dos processos sociais e toma isto como sendo a
totalidade. Mas comete erros enormes por causa desta infantilidade. Entre
estes erros está a violência que se alastra pelas escolas e é pomposamente
denominada de booling. É interessante esta tendência dos estudiosos para
resolver um acontecimento complexo através da atribuição de um nome a ele.
Se tem um nome, tem face e, como dizia El Cid, o herói espanhol, “o inimigo é
mais aterrorizador quando não tem rosto”.
A Psicologia, num esforço estrênuo, tenta encontrar um caminho que a
conduza à compreensão do dilema humano. Mas até agora não atinou com a
porta que possa levá-la a tal realização — para tristeza e angústia não somente
dos terapeutas e psicanalistas, mas também dos educadores de todos os
níveis.
A fim de entrar no trabalho mesmo desta monografia, é necessário que
o autor faça um apanhado sucinto de como está a Sociedade Humana neste
19
Século XXI cristão. Assim, vai servir-se de alguns autores de importância na
Educação, para construir o teatro onde se desenvolverá seu raciocínio.
1.2 O efeito da comunicação na formação da pessoa
A respeito deste tema há poucos livros e artigos de pesquisadores e
estudiosos que esvoejam sobre seus esconsos meandros filosóficos, políticos e
econômicos. Não se vai citar nenhum deles, porque não se voltam para o
problema precípuo que esta monografia coloca. O autor escolheu alguns
escritos relativos ao tema da globalização, que dão ênfase à comunicação,
para embasar seu trabalho. Em primeiro lugar ressalta o quão complexos são
os temas globalização e comunicação. No entanto, considerando-se o leito por
onde o fenômeno da Globalização corre desde há muitos e muitos milênios e
que se chama Comunicação, este fenômeno era inevitável. Conforme diz
Zygmunt Bauman, “outrora a velocidade da comunicação era a mesma do
corpo daquele que a portava”. Ela chegava a um núcleo pequeno e demorava a
se espalhar pela comunidade. Todos tinham tempo de digeri-la e adaptá-la às
suas crenças e aos seus juízos e valores locais (fenômeno que a Psicanálise
conhece sob a denominação de catatimia, quando considerado
individualmente). Mas veio o correio a cavalo e a velocidade da comunicação
aumentou. Agora, era a mesma da alimária que a transportava. E, então, surgiu
o telégrafo e logo a seguir uma imprensa rudimentar, local. A velocidade da
comunicação já começava a desequilibrar as comunidades e a exigir de seus
membros uma readaptação dos modos de vida individual e comunitário, um
efeito desequilibrador e acelerador do viver social. A Construção da Realidade
Íntima de cada um, capaz de colocar a pessoa afinada com as novidades e as
novas possibilidades sociais, exigia quebra de paradigmas, como os religiosos,
por exemplo, e impunha uma velocidade que aumentava o estado de
ansiedade das pessoas. Alguns universitários eram mais aptos a isto, portant o,
eram mais rápidos nos seus processos de Construção e Reconstrução da
Aprendizagem das novidades (assim como das suas Realidades Íntimas), de
20
modo a aproveitá-las e delas retirar o máximo insumo possível. Outros eram
mais lentos, como foi o caso dos mórmons, que, até hoje, lutam por sobreviver
servindo-se de meios fósseis sociais e de Ensino. Os mais aptos
adaptativamente assumiram as lideranças e sempre conseguiram manter-se na
vanguarda, porquanto seus processos de Construção da Aprendizagem e de
suas Realidades Íntimas não eram embasados apenas num Ensino que
pugnava por (e ainda conseguia) manter a tradicionalidade. Para os mais
aptos, na conceituação mercadológica, o melhor das mudanças e os trabalhos
tidos como “de elite”: liderança, chefia, gerência de mercado e de pessoal;
O&M etc... Para os demais, o peso da alienação social, consubstanciada no
mourejamento do trabalho “de rescaldo”, aquele que os mais adaptados não
mais desejavam executar, embora necessitassem dele.
1.3 O descuido da Psicologia
Àquela altura a Psicologia mergulhava de cabeça no estudo do
indivíduo, esquecendo-se, lamentavelmente, de também estudar com a mesma
intensidade e profundidade a pessoa em que aquele indivíduo devia
transformar-se, a qual tinha de viver em íntima simbiose com sua própria
individualidade. Enquanto a Psicologia, de certo modo, alienava-se da pessoa
social, prosseguia o avanço da velocidade e da disseminação da informação. A
tecnocracia surgiu e se firmou. Ao rádio seguiu-se a Televisão e os valores, as
crenças, as tradições foram literalmente estupradas. A opinião entrava no seio
familiar e tinha rosto e tinha carisma e tinha o poder da sedução social. Os
meios e a velocidade da comunicação sofrem um impacto sem precedentes
com o advento das redes de computadores. Com elas, veio a internet e com
esta, o mundo perdeu, literalmente, suas fronteiras sociais. Se tais fronteiras
continuaram a existir geograficamente, política e socialmente foram elididas. A
internet propiciou a oportunidade para que o leito por onde corria
ordenadamente a informação se transformasse em um verdadeiro rio
Amazonas em tempo de cheia. Como bem o disse Zygmunt Bauman:
21
“Essa situação mudou enormemente com o avanço dos
meios que permitiam afastar os conflitos, solidariedades,
combates, debates e a administração da justiça para além
do alcance do olho ou do braço humanos. O espaço
tornou-se 'processado/centrado/organizado/normalizado’
e, acima de tudo, emancipado das restrições naturais do
corpo humano. (...) Sobre este espaço planejado,
territorial-urbanístico-arquitetônico, impôs-se um terceiro
espaço cibernético do mundo humano com o advento da
rede mundial de informática. (...) Doravante, as pessoas
não podem ser separadas por obstáculos físicos ou
distâncias temporais. Com a interface dos terminais de
computadores e monitores de vídeo, as distinções entre
aqui e lá não significam mais nada. (...) A ‘interface dos
terminais de computadores’ teve impacto variado nas
situações angustiosas de diferentes tipos de pessoas. E
algumas – na verdade um bocado delas – ainda podem,
como antes, ser ‘separadas por obstáculos físicos e
distâncias temporais’ separação que agora é mais
impiedosa e tem efeitos psicológicos mais profundos do
que nunca”. (BAUMAN, 1998).
Pegada no meio deste furacão quando ainda estava às voltas com as
profundas mudanças que o telefone, o rádio e a televisão tinham trazido e
introduzido tanto no seio da célula familiar, quanto nos processos ensino-
aprendizagem escolares, a família desagregou-se mais rapidamente e a Escola
foi eleita “com unanimidade” sua substituta no processo de Educar a Pessoa
em que o jovem deveria transformar-se. Uma eleição desastrosa, como se
pode verificar pelos descaminhos por onde envereda a interação aluno-
professor nas escolas secundaristas. Se esta opção aliviou a carga emocional
22
e a responsabilidade dos pais para com a formação do cidadão útil ao país,
descarrilou, por outra parte, a locomotiva do Ensino.
A desagregação da célula familiar — onde eram mantidos e defendidos
os valores éticos, morais, religiosos e políticos da sociedade —, desestruturou,
pelo conflito informacional, o sistema de Construtos Pessoais Centrais6 dos
jovens adolescentes. Se, por um lado, a Comunicação lhes colocava à
disposição uma quantidade de Informação assombrosamente inconsistente e
mutável, enriquecendo-lhes os processos cognitivos de modo perigoso e
descontrolado, por outro lado não lhes concedia — nem concede — tempo
para assimilar e selecionar tais informações, o que forçosamente nos leva à
suposição de que o amadurecimento do jovem adolescente passou a exigir que
o processo de maturação psicoemocional fosse ampliado muito além do limite
convencional dos 18 anos. O jovem pós-moderno, se desenvolveu Q. I.
suficiente para entrar em uma Faculdade bem mais cedo do que os das
gerações passadas, não adquiriu maturação psicoemocional na mesma
velocidade e, com isto, não tem conseguido estruturar sistemas de construtos
Impermeáveis7 e Centrais com a qualidade necessária para lhes servir de
esteio no conduzir-se socialmente. Daí que é lícito supor-se que atualmente
têm-se jovens bem mais imaturos cursando o Ensino Superior, do que se tinha
há duas gerações atrás. E justamente quando o processo Ensino-Educação se
encontrava no olho do furacão ressurgiu o perverso pensamento neoliberalista.
1.4 O Neoliberalismo e a Desconstrução Social no Brasil
Este é um título de amplidão quase infinita, portanto, mercê da carência
de espaço, dada a natureza deste trabalho, farei um resumo do resumo do que
seja a ação funesta desta filosofia político-econômica em nosso país. E para
tanto, recorro à ajuda da Mestra Alessandra Arce, em seu artigo de 6 Os que não se modificam ao correr dos anos e gerenciam o ator social na sua interação (ver a Teoria do Construto Pessoal, de Kelly, às fls 50 – 51 da monografia)7 Sistema de Construtos Pessoais que oferecem grande rejeição a novos elementos que venham alterar o foco de conveniência do indivíduo (Ver a Teoria do Construto Pessoal, de Kelly, às fls. 50 – 51 da monografia)
23
doutoranda, publicado pela Editora “Autores Associados”, no livreto intitulado
“Sobre o Construtivismo”. Seu apanhado sobre a importância desastrosa do
pensar neoliberal é absolutamente inconteste e cabe em todos os estudos
sociais e problemas afins, como é o caso da relação professor↔aluno e vice-
versa. Transcrevo, ipsis literis, o que a articulista diz:
“Por serem totalizantes e totalitárias as políticas
neoliberais apresentam-se como ‘pensamento único’,
‘verdade incontestável’. O ideário neoliberal, por meios
extremamente autoritários, bane qualquer pensamento
contrário em nome da ‘liberdade’ que ele alega preservar”.
“Como todo ideário neoliberal é baseado na ilusão de que
tudo depende apenas do indivíduo, divulga-se a idéia de
que o sistema social colocaria acima de tudo os
interesses individuais e sua realização, sendo as relações
entre os indivíduos reguladas apenas pelo mercado,
que levaria, através da união de todos esses interesses
distintos, à harmonia social. As desigualdades são vistas
como naturais e sua fonte vem do esforço de cada um e
de uma certa ‘sorte na vida’. O indivíduo deixa de ser fruto
dos processos sociais, dissolvem-se as distinções entre
história e destino e o indivíduo vê-se obrigado a resignar-
se com a miséria, pois ela é fruto de seu pouco empenho
social ou da sua falta de sorte” (ARCE, 2005)
Se algum dia realmente houve um regime totalitário no Brasil, este
começou e se firmou com a implantação do neoliberalismo, trazido para nosso
país pelo ex-presidente Fernando Collor de Melo e nele implantado pelo nada
saudoso Fernando Henrique Cardoso. É claro que FHC não teve alternativa,
pois a Evolução Tecnológica da Comunicação no mundo impunha-se ao país.
Mas ele devia ter sido menos servil aos interesses econômicos estrangeiros e
24
não ter permitido a dilapidação do patrimônio nacional brasileiro, construído
com tanto suor e lágrimas — durante a rebelião militar de 64 contra a baderna
e o domínio estrangeiro que reinava no Brasil — e o esforço ingente e tenaz
dos que, depois, foram chamados de parasitas da nação pelo próprio
presidente FHC. A Amazônia e as Telecomunicações brasileiras que o digam.
O “entreguiso” perdura com os atuais políticos, a maioria, os “caciques” que
comandam nosso país, egressos da cassação que os Militares de 1964 lhes
impuseram como castigo (leve, em minha opinião). Voltaram. E o que fizeram?
NADA! Entregaram tudo o que fora construído com grande esforço,
gratuitamente, ao Capital Estrangeiro, pois voltaram totalmente doutrinados no
pensar neoliberal contra o qual se insurge a Dr.ª Arce. Este período de nossa
História devia ser mais bem escrutinado pelos pesquisadores da Psicologia
Social e da Pedagogia, pois provavelmente ele apresenta um corte
epistemológico não esclarecido, uma “dobra” na História moderna do Brasil.
Talvez nesta dobra se encontrem diretrizes para a explicação do que sucedeu
aos jovens cujos pais permaneceram por 20 anos alienados do processo
Político nacional brasileiro, bem como do direito à consciência de sua
cidadania. A verificação de que o jovem, que nas primeiras eleições
“democráticas” se tinha entusiasmado com a Política perdeu este entusiasmo
nos últimos pleitos é um sinal de estridente alarma, pois indica que estes
mesmos jovens estão reconstruindo negativamente seu modo de entender
Política. Como este processo acontece? Que Sistema de Construtos
Impermeáveis (os que dão sustentação aos estereótipos e aos preconceitos) a
juventude brasileira atual está formando e generalizando entre si de modo claro
ou sub-repticiamente? Ao que parece, ninguém ainda atentou para isto. No
entanto, a juventude de elite do país, os jovens universitários, está neste
cadinho. Embora o ideário neoliberal, como diz Arce, afirme que o Sistema
Social Neoliberalista coloca acima de tudo os interesses individuais e sua
realização, este pensamento pervertido se esquece de ressaltar que só o faz
com relação àqueles que dominam o Capital Mundial e os Poderes
Constituídos. E o Capital Mundial encontra-se nas mãos daquela parcela de
20% dos mais ricos do mundo, entre estes se inserindo, é claro, os que
25
dominam os Poderes Constituídos, cujos sensos de Ética e de Moral foram
“elastificados” a perder de vista. Os demais 80% encontra-se à margem do
Social e é por isto que, hoje, fala-se tanto em trabalhos de “inclusão social”
para os menos favorecidos ou para os desvalidos da “sorte”. É por isto,
também, que hoje se vê centenas de indigentes morrendo à míngua nas portas
dos hospitais, com o Estado ou desinteressado, ou desencorajado, ou sem
condições econômico-financeira para os socorrer. E isto não somente em
nosso país.
1.5 Origem do Neoliberalismo.
“Toda e qualquer doutrina deve ser entendida como
resultado de uma oposição. Ela estrutura-se para
combater algum princípio que lhe desagrada ao mesmo
tempo em que procura oferecer-lhe uma alternativa. Com
o neoliberalismo não foi diferente. Suas raízes teóricas
mais remotas encontram-se na chamada escola austríaca
— reconhecida por sua ortodoxia no campo do
pensamento econômico — que se centralizou em torno do
catedrático da Faculdade de Economia de Viena,
Leopold von Wiese, na segunda metade do século XIX e
que ficou conhecido por seus trabalhos teóricos sobre a
estabilidade da moeda, especialmente o publicado com o
título de “O Valor Natural”(1889)”.
“Mais recentemente o neoliberalismo surgiu pela pri-meira vez, em 1947, com o célebre encontro entre um grupo de intelectuais conservadores em Monte Pélier, na Suiça, onde formaram uma sociedade de ativistas para combater as políticas do Estado de Bem-estar social. Essas políticas tiveram inicio em 1942 com a pu-
blicação na Inglaterra do Relatório Benveridge. Segundo
26
ele, depois de vencida a guerra, a política inglesa dever-
se-ia inclinar doravante para uma programação de aberta
distribuição de renda, baseada no tripé da Lei da
Educação, a lei do Seguro Nacional e a Lei do Serviço
Nacional de Saúde (associadas aos nomes de Butler,
Benveridge e Bevan). A defesa desse programa tornou-se
a bandeira com a qual o Partido Trabalhista inglês venceu
as eleições de 1945 colocando em prática os princípios do
Estado de Bem-estar Social”. (Negrito nosso)8.
Fez-se questão de negritar o objetivo fundamental dos ressuscitadores
do pensar neoliberalista porque é exatamente isto que acontece em todo o
mundo, em todos os países, sem exceção. Como pode, o Ensino, trabalhar
com crianças, adolescentes e jovens adultos que se encontram mergulhados
na injustiça social trazida pelo pensamento neoliberal?
Os bolsões de miséria alastram-se pelo país; o salário para
empregados em trabalhos de “rescaldo” empresarial foi achatado e comprimido
ao máximo, para que o lucro multinacional pudesse crescer astronomicamente.
A procura de emprego se multiplicou em comparação com a oferta e uma
dificuldade a mais foi colocada para os candidatos: especialização. O jovem,
futuro mão-de-obra útil mercadologicamente falando, tem de cumprir uma
tremenda maratona de estudos para se aprimorar e se candidatar a vagas cuja
remuneração quase sempre está aquém do esforço de aprimoramento
realizado pela pessoa às próprias custas. As populações dos países pobres ou
emergentes foram exprimidas como um limão. O sumo está sendo aproveitado
ao máximo, com um mínimo possível de contrapartida remunerativa, enquanto
o “bagaço” deve se virar como puder, lutando por algum trabalho “indigno”, com
remuneração pífia, e deve ainda dar graças a Deus por o ter conseguido. No
meio destas pás de esmagar cidadãos, liberdades e bem-estar social,
8 http://educaterra.terra.com.br/voltaire/atualidade/neoliberalismo2.htm
27
encontramos a família. Esta, literalmente triturada pela máquina neoliberalista
chamada globalização, não tem mais condições, ao menos nas classes média
e pobre dos países em geral, de arcar com a educação moral e cívica de suas
proles e delega esta gigantesca tarefa à Escola que, ao somar o que lhe é
delegado com sua pesada tarefa de Ensinar, sufoca e se descarrila
literalmente. E o que se vê é o que aí está: jovens mal-educados e
despreparados educacionalmente para cursar estudos de nível superior.
O quadro acima é de onde emanam os insumos sócio-educacionais e
políticos que alimentam o processo de Construção da Realidade Íntima de
cada jovem e que embasam o Construtivismo na Formação Superior.
28
CAPÍTULO II A PESSOA NA VISÃO DA PSICOLOGIA
CULTURALISTA.
“... de tanto ver triunfar as nulidades, o
homem sente vergonha de ser honesto”.
Olavo Bilac.
AS TEORIAS PSICOLÓGICAS
Entre as muitas Teorias da Personalidade que existem, de algumas algo
se deseja comentar aqui, visto que, ao ver do monografista, são importantes
para que se compreenda o que é buscado e pesquisado neste trabalho.
2.1A contribuição da psicologia individual, de Alfred Adler (Viena, 1870; Aberdeen, 1937).
29
Em total contraste com a Teoria Psicanalítica de S. Freud, Adler
sustenta que:
a) o homem é motivado fundamentalmente pelas solicitações sociais;
b) o homem procura contato com outros homens; é socialmente
cooperativo e põe o bem-estar social acima do interesse próprio;
c) o homem desenvolve um Estilo de Vida próprio que, no entanto, é
predominantemente voltado para o social, o meio externo;
d) o homem é fundamentalmente um ser social, em vez de um ser
sexual. Sua motivação é o interesse social e, não, o sexual;
e) a inferioridade do homem não se restringe ao âmbito da
sexualidade, mas estende-se a todas as facetas de seu ser, tanto
as físicas quanto as psicológicas.
O futuro e, não o passado, motiva o animal humano em seu viver. Esta
assertiva adleriana é retomada por Baddeley (1990) — citado por Juan Ignácio
Pozo9 —, que encontrou dois mecanismos complementares para resolver o
dilema da aprendizagem humana: ao primeiro mecanismo chamou de
programação genética. Este mecanismo possibilita o desencadeamento de
pautas comportamentais complexas que visam primordialmente à
sobrevivência do indivíduo orgânico. É um mecanismo rígido e incapaz de se
adaptar a solicitações novas do ambiente. Ao segundo mecanismo denominou
de aprendizagem. Esta, é compreendida como a possibilidade de alterar ou
reorganizar as pautas de comportamento obedecendo às exigências do meio.
É aqui, quando este meio é o social, que se enquadram as assertivas
adlerianas, principalmente no que diz respeito à alínea “d” de suas proposições
acima listadas: o homem é fundamentalmente um ser social, em vez de um ser
sexual. Sua motivação é o interesse social e, não, o sexual.
É necessário notar que as afirmativas de Adler podiam ser
consideradas axiomáticas, há pouco tempo. Mas os axiomas de Adler não mais 9 POZZO, J. I., Aprendizes e Mestres, 2002, RS, Artmed, pg 24.
30
encontram lugar numa sociedade perversamente regida pelo pensar neoliberal
e pelo Mercado. Ele afirmou que “o homem é motivado fundamentalmente
pelas solicitações sociais”. Que solicitações são estas, na atualidade em que
se vive? A solicitação à corrupção; à inversão de valores: à ganância; à filosofia
de levar vantagem em tudo. A solicitação ao desespero, à anuição à derrocada,
ao abandono, à morte em desolação silenciosa. A solicitação ao
comportamento violento, antiético e amoral. Diante de tal estado de coisas, o
homem adleriano torna-se um Quasímodo social. Sente-se impotente e cai em
descrença e anomia individual e social. Em contrapartida, o novo homo não
adleriano, que surge do ventre da globalização fecundada pelo pensar
neoliberalista, como um Adamastor cresce, fortifica-se, e pensa que pode tudo
fazer sem uma reação, senão do povo esmagado, com certeza da Natureza
vilipendiada.
Adler também afirmou que o homem procura contato com outros
homens; é socialmente cooperativo e põe o bem-estar social acima do
interesse próprio. Em uma sociedade regida pelo Mercado isto não mais é
possível. A não ser que este homem entenda por bem-estar social obter
vantagens para si a qualquer preço, que é o que vigora em nossa triste
atualidade e, neste caso, o aforismo teria suas diretrizes invertidas.
Lamentavelmente é o que o neoliberalismo globalizado fez valer. Os contatos
pessoais, quando acontecem, têm, quase sempre, um objetivo: explorar o
outro. Tirar vantagem deste contato com o outro. Este não é um
comportamento sancionado pelo axioma de Adler. Ele também afirmou que o
homem desenvolve um Estilo de Vida próprio que, no entanto, é
predominantemente voltado para o social, o meio externo. Perfeitamente válido
na atualidade, este Estilo de Vida, no entanto, deve ser reestudado à luz do
neoliberalismo. Em uma sociedade onde Moral, Ética, Honra e Patriotismo
foram relativizados ao máximo, em que bases uma pessoa se firma para criar
um Estilo de Vida que lhe permita vencer? Certamente em uma base cognitiva
relativizada e profundamente amoralizada. Como a Escola Universitária
31
compreende isto? Provavelmente não atenta para as bases deste processo
que, no entanto, com certeza lhe interessa.
O axioma seguinte, de Adler, deve ser revisto em sua conceituação.
Sexo não significa coito ou ato coital. O mesmo Freud não emprestou a este
termo tal significado. Sexo quer dizer prazer. Prazer em tudo: no almoçar
quando se tem fome; no banhar-se quando se está com calor; no rir quando se
está em boa companhia e, também, no orgasmo quando se pratica o coito.
Logo, sexo é tudo o que dá prazer. Em verdade, o axioma seria melhor
expressado deste modo: “O homem é um ser sexual, que busca realizar seu
interesse social dentro do hedonismo que lhe é inato”. Dito deste modo, o
axioma nos mostra de imediato o grande perigo que sua prática traz para
qualquer pessoa, quando não controlado por regras éticas, morais e legais.
Viver hedonicamente é viver pelo ID, como diria Sigmund Freud. E isto é um
desastre para a pessoa e para qualquer sociedade em que vigore este tipo de
Estilo de Vida. Entretanto, os apelos consumistas de uma sociedade regida
pelo Mercado voltam-se precipuamente para o prazer, logo, para o sexo
hedonista. O interesse social do homem adleriano centrado no sexo, no prazer,
torna-o fácil vítima do canto de sereia que o Mercado faz chegar aos seus
ouvidos. Embota-lhe os sentimentos elevados e, em contrapartida, desperta-lhe
aqueles menos humanos e menos aprimoradores da espiritualidade das
pessoas. Em resumo: estimula-o a viver através dos impulsos instintuais, o que
o leva de volta a um estágio animal que já devia ter ultrapassado
definitivamente.
O último aforismo de Adler, “a inferioridade do homem não se restringe
ao âmbito da sexualidade, mas estende-se a todas as facetas de seu ser, tanto
as físicas quanto as psicológicas”, vale integralmente nesta sociedade gerida
mercadologicamente. E para ela é necessário que os educadores voltem suas
atenções. Qualquer pessoa é necessariamente inferior ao meio social onde
vive. Este “Complexo de Inferioridade Social” é benéfico quando impulsiona a
pessoa a encontrar meios de o vencer, pois assim ela ascende tanto
32
econômico-financeiramente, quanto moral, ética e psicologicamente. No
entanto, em uma filosofia de Mercado gerida pelo pensamento neoliberal, este
aforismo adleriano leva o homem a um embate violento com o sistema. Pois,
se este sistema o esmaga, esmaga tudo o que nele tem valor para sua auto-
estima e para sua auto-imagem. Nenhuma Identidade se conforma a esta
destruição de si. A violência que se vê em todas as áreas sociais e em todas as
camadas da Sociedade Humana é, pode-se assim considerar, uma reação da
inferioridade forçada do homem àquilo que o força a ela. E a juventude
universitária não lhe escapa.
2.1.1 A Visão de Adler e o status quo atual.
Analisando a influência na Educação pela situação neoliberalizante e
globalizada que vige no Brasil de nossos dias, através do enfoque sócio-
educacional da teoria de Adler, a conclusão a que se chega é, com certeza, a
de que o rapidíssimo advento da globalização, secundada pelo pensamento
neoliberal, na prática da Educação brasileira afeta significativamente o
processo de Construção e Reconstrução da Realidade no jovem universitário e
interfere, realmente, de modo profundo na relação ensino-aprendizagem. E
esta influência neoliberalista e globalizada afeta diretamente este processo
individual e pessoal através dos resultados desestruturantes e nefastos que o
predomínio do Mercado no campo econômico-financeiro social trouxe para o
país. Tem-se, então, aqui, acredita o monografista, as respostas mais
prováveis a duas das perguntas colocadas inicialmente nesta monografia.
Ainda que tenha sido criada dentro do pensamento psicoterapêutico, a
Teoria de Alfred Adler é eminentemente educacional e é estranho que até hoje
os Educadores tenham-se mantido ignorantes de sua existência. Ela devia ser
melhor estudada por eles e o pensamento do grande psicólogo devia ser mais
bem aplicado à Educação como Ciência.
33
2.2 A contribuição da teoria interpessoal da psiquiatria, de Harry Stack Sullivan (Norwich, 1892 – Paris, 1949)
A questão expressada como problema monográfico nos remete
também ao pensamento de Harry Stack Sullivan, que compreendia a
“personalidade”
“... não como uma entidade estática ou estável, mas como
uma abstração, referindo-se aos padrões relativamente
duradouros de situações interpessoais repetitivas, que
caracterizam a vida humana” (BURTON, 1978).
A visão de Sullivan nos mostra um enfoque em que aquilo que se
chama de personalidade (e eu entendo como identidade) não é fixo nem
concreto ou objetivo, mas sim constituído de padrões sensopercebidos
mutáveis. Por isto ele considerava a personalidade uma entidade abstrativa.
Essa mutabilidade faz que um indivíduo não seja igual a si mesmo em épocas
diferentes e, aqui, seu pensamento ombreia-se com o de Jean Piaget. Este,
dizia que
“O homem normal não é social da mesma maneira aos
seis meses ou aos vinte anos de idade, e, por
conseguinte, sua individualidade não pode ser da mesma
qualidade nesses dois diferentes níveis” (PIAGET, 1977).
Vale ressaltar, ainda na visão de Sullivan, os três modos pelos quais
ele acredita que a pessoa experiencia a vida. O primeiro modo, chamado de
prototáxico, é a forma menos elaborada e corresponde à fase da infância,
quando o infante não se sente diferenciado do outro. O segundo modo,
chamado paratáxico, é aquele em que a pessoa vivencia os eventos
correlacionando-os magicamente, isto é, sem reconhecer sua continuidade e
sua seqüência lógica. As estereotipias são ótimos exemplos deste modo de
34
conhecer o mundo, assim como as crenças populares, tais como a que afirma
que o gemido da ema no descampado é sinal de azar no relacionamento
amoroso de quem o ouve. Esta crença até se contém em uma música popular
brasileira. Finalmente, o modo sintáxico, onde o conhecimento é adquirido
através da comparação entre eventos que são confrontados para se obter uma
correlação lógica entre eles. Sullivan nos diz que estes três modos não são
excludentes entre si com o amadurecimento intelectual e podem, mesmo após
a pessoa haver atingido a maturidade, acontecer em situações diferentes.
Assim, um adulto razoavelmente bem instruído pode reagir com o modo
prototáxico de conhecimento da realidade em uma determinada situação. Note-
se que Sullivan se refere aos modos como acontece a Aprendizagem, processo
de profundo interesse do Ensino. Difere da Teoria de Adler porque este,
estudou o homem na relação social, a qual ele próprio constrói, modifica,
reorganiza, aprimora e adapta para dali definir-se como pessoa. São, portanto,
enfoques que se complementam e não se excluem mutuamente.
Uma vez que o enfoque desta monografia está centrado no
Construtivismo — ou na Construtividade, o que dá no mesmo — dos processos
cognitivos da pessoa enquanto aluno ou professor, enquadremos os
parâmetros de aprendizagem “sullivanianos” nesta óptica. A prototaxia do
infante necessariamente permanece até o final da vida de uma pessoa, pois a
Identidade Individual se constitui de cognições permanentes, absorvidas nas
várias etapas que constituem o amadurecimento individual e, por isto, sempre
recorre a modos cognitivos, emocionais ou comportamentais anteriormente
absorvidos para, reelaborando-os diante de novas aprendizagens, reconstruir
constantemente seus processos internos, através dos quais procura responder
e adequar-se às solicitações sociais. A prototaxia tem início ainda na idade
infante, quando o bebê não possui mais que algumas horas de vida. Está,
portanto, enraizada na psique individual em uma área inalcançável às
representações cognitivas formais (a chamada fase pré-verbal). Na infância
tardia, quando o infante já engatinha e balbucia, a prototaxia é puro magismo.
As incipientes cognições são construídas em cima de figuras fantasmáticas e
35
de processos desconexos à percepção infantil. A Identidade da pessoa, nesta
etapa crucial de sua Construção da Aprendizagem, fica permanentemente
moldada em suas fundações de conformidade com as vivências relacionais do
bebê. Várias facetas (as “máscaras” de que se diz que são o significado do
termo ‘personalidade’) de sua construção passam a constituir identidades
particulares que o Ser do infante busca organizar de modo equilibrado e seguro
para si. Nesta etapa se define o tipo ou a qualidade de emoção que irá
gerenciar a base fundamental de toda a emocionalidade do indivíduo, o que o
tornará singular diante de seus pares. A parataxia já se insere nos processos
avançados da cognição social, quando o Ensino Formal influi no
condicionamento da aprendizagem social. No entanto, não se encontra
totalmente ampliada através do Conhecimento, de modo que muitos
fenômenos da vida, assim como fenômenos sociais, são compreendidos
magicamente. Se, por exemplo, acontece um fenômeno social por causas
econômicas, como a elevação do preço da passagem de ônibus devido à
valorização do dólar, as pessoas menos informadas tendem a reagir com
violência contra os motoristas (eixo proximal prototáxico) ou contra os políticos
(eixo distal paratáxico), pois entendem que é deles a responsabilidade pelo seu
desgosto. O imediatismo de suas necessidades levam-nas a conclusões
mágicas e cômodas. A prototaxia e a parataxia englobam todas as
estereotipias sociais, religiosas, familiares etc... através das quais os indivíduos
incultos ou de pouca instrução apreendem e compreendem a realidade exterior
e sua fenomenologia e lhes dão base à formação do Estilo de Vida de que nos
fala Adler. As estereotipias são meios de que os incultos ou menos instruídos
se servem, enquanto cientistas (na visão de Kelly, toda pessoa é uma
cientista), para encontrar condições de predizer e controlar os acontecimentos
à sua volta. Finalmente, a terceira etapa de conhecimento da realidade,
segundo Sullivan, a sintaxia, corresponde àquela tida como a mais
recomendável; a que indica maturidade e capacidade de raciocinar
objetivamente, sem magismos e sem estereotipias ou juízos de valor
desnecessários. É claro que, sem necessidade de muitas explicações, os três
modos encontram-se permanentemente presentes nos processos de
36
conhecimento, logo, no Construtivismo da Aprendizagem e da Realidade de
cada pessoa. Ninguém possui o Conhecimento total sobre todos os fenômenos
que acontecem quer no social, quer na vida pessoal. Assim, em maior ou
menor grau, as pessoas se servem de um dos modos de conhecimento para se
explicar determinado fenômeno que lhe escapa à realidade construída até
àquele momento. É importante, assim parece, colocar em destaque o fato de
que a emoção que mais rege a pessoa no viver e conviver globalizado é a
emoção de Medo10. E o Medo estimula mais rapidamente o conhecimento da
realidade através das modalidades prototáxicas e paratáxicas, antes que
sintáxicas. O Medo também incentiva e propicia o fenômeno conhecido, no
comportamentalismo, como generalização de resposta. Assim, se entre 450
políticos, 150 deles são corruptos, o alcance prejudicial das ações destes
últimos, alardeada com clamor pela Mídia ávida de “IBOP” antes de tudo,
desperta o Medo na população e, então, é fácil generalizar a cognição “político
é corrupto” para todos os integrantes desta classe de trabalhadores públicos,
como uma defesa psicológica contra a responsabilidade de eleger um corrupto
e, também, de justificar o desinteresse pela Política. Esta é uma construção
paratáxica e é muito generalizada entre nosso povo. Os adolescentes que
adentram nossas Universidades encontram-se ainda muito fortemente no
processo da Construtividade Paratáxica da realidade. Note-se que a sintaxia é
claramente intuída no processo instrucional, pois ao se instruir, o jovem
adolescente universitário desconstrói muito de sua aprendizagem proto e
paratáxica. No entanto, a informação globalizada propicia-lhe terreno fértil para
novas e mais elaboradas aprendizagens (condicionamentos) proto e
paratáxicos bem mais complexos que aqueles anteriores. E é aqui que estudos
e pesquisas psicológicas e psicopedagógicos deixam a desejar no que se
refere ao jovem universitário.
10 Medo, com maiúscula, porque o monografista deseja fazer que o leitor entenda este vocábulo como expressando algo além da condição de temor simplesmente. Uma entidade abstrata que, contudo, está presente constantemente como um fantasma que assombra o futuro de qualquer um. Uma criação do modus operandi do neoliberalismo e da globalização, impalpável, indescritível, mas real na escuridão com que a vida futura de nossa juventude atual se apresenta. O Medo que se alimenta da incerteza de segurança e proteção que cada pessoa, independentemente da idade que possua, sente em relação à inconsistência com que o viver social empresarial lhe premia nestes dias de conturbação.
37
2.2.1 A Visão de Sullivan e o status quo atual.
Aqui, também, cabe uma análise da situação da sociedade brasileira
diante da visão sullivaniana. Conforme se deduz do capítulo I, o sistema de
comunicação de massa — no Brasil e no mundo — está envenenado por duas
vertentes aterrorizantes: a primeira, a vertente do Mercado. Esta vertente
atinge a todas as camadas sociais e faixas etárias e seu estímulo constante é:
compre e seja um ‘vitorioso’ diante dos que não podem fazê-lo. Em um
paradoxo chocante, o Mercado, que achata os salários e desencoraja o
investimento industrial na melhoria de seus produtos em função do lucro, busca
incentivar os 80% da humanidade composta dos classe-média (os pobres ou
quase) e dos miseráveis, ao consumismo. Com isto, também se torna um dos
fortes sustentáculos da criminalidade em todas as suas cruéis vertentes. As
expectativas pessoais frustradas e os sonhos de consumo sempre
inalcançados conduzem a recorrência à aprendizagem proto e paratáxica, as
quais evitam a crueza da consciência sintáxica. Por outro lado, toda pessoa
necessita de heróis aos quais imitar para poder aprender e trilhar seu caminho
na senda do amadurecimento pessoal. Os heróis clássicos eram os pais. Mas
estes foram sendo substituídos pelos heróis fabricados. Ora, um herói é um
estímulo que inicialmente desperta a atenção; esta, despertada, estimula a
motivação. Motivada, a pessoa atua no ambiente e o faz inicialmente imitando
seu modelo. A imitação cria o hábito e o hábito se introjeta e passa a influir
poderosamente no sistema cognitivo da pessoa. Este sistema é justamente
aquele que necessita de aprendizagens sintáxicas relativas aos sensos de
Moral, Ética e Legalidade. Mas é aí que entra o veneno do consumismo
neoliberal. Os heróis, principalmente os televisivos e cinematográficos, são
antiéticos, violentos, exibicionistas e muita coisa mais. E são vendidos às
toneladas e muito rapidamente, de modo que não há espaço para a meditação
sobre suas mensagens subliminares. Modelos cinematográficos incentivam o
apelo à violência, à vingança, à corrupção de valores como meio de: a) obter
38
pela força o que não é possível conseguir no consumismo simplesmente
porque não há dinheiro nem oportunidade suficiente de ganhá-lo; ou b) servir-
se das armas para impor a defesa de valores altamente questionáveis, como a
idéia de que a América do Norte é a mais correta e a mais protetora de todas
as nações. Quem mais necessita de heróis são justamente os jovens. Eles
aprendem através da prototaxia e da parataxia como enfrentar, driblar e ganhar
em um sistema cruel, onde humanidade e Justiça são virtudes ultrapassadas. A
Televisão e a Internet tornam cada vez mais precoce o limite social entre o
amadurecimento psicoemocional e a responsabilidade civil. Perdem-se, assim,
os limites legais para o amadurecimento oficial do indivíduo. Ele não é mais
aquele dos 18 anos. O indivíduo está maduro quando, ainda criança, “assume”
irresponsabilidades das quais não tem plena consciência, quer no que lhe diz
respeito, quer no alcance que têm no meio em que vivem. A idade limite
estipulada pela Lei 10406, na prática perdeu sua validade, pois a
responsabilidade civil real acontece abruptamente, dependendo da classe
social da criança ou do adolescente. No caos social, processos familiares e
processos sociais religiosos, políticos e econômicos que embasam a
Construção e a Reconstrução da Realidade nos jovens universitários não
podem ser compreendidos como meios eficazes de Educar os alunos e, deste
modo, não servem senão fracamente para facilitar o relacionamento aluno-
professor na convivência educacional. Os professores, pilares da Educação,
em sua quase totalidade são membros da classe inferior, a classe média e,
como tal, sofrem as mesmas agruras que seus alunos. Assim, temos, aqui,
possíveis respostas para mais duas das perguntas colocadas dentro daquela
que se ofereceu como questão basilar deste trabalho.
2.3 A contribuição do Existencialismo de Binswanger (Kreuzlingen, 1881 – Kreuzlingen, 1966) Kierkegaard e Heidegger para este trabalho.
39
A Escola Existencialista, segundo Arthur Burton, foi uma reação à
filosofia desenvolvida por Hegel, no Século XIX. Este filósofo não deixava
espaço para o Medo em sua teoria, o que a tornava “idealista romântica que
envolvia a procura de absolutos” (Burton). Rebelando-se contra a hierarquia
eclesiástica e os cristãos inautênticos, Kierkegaard “descreveu a condição
emocional do homem de forma mais penetrante” (Burton). Em outras palavras,
o romantismo oniróide de Hegel foi substituído por um realismo mais cruel,
porém mais objetivo. A par com Kierkegaard e já naqueles tempos, Nietzsche
foi outro observador arguto do desespero crescente do ser humano e do
fracasso deste em conseguir satisfazer suas necessidades pessoais. Mas
Nietzsche também entrou por uma concepção oniróide de um super-homem,
capaz de “pairar acima de sua alienação, mediante um poder autogerado”
(Burton). Surgindo entre os pensadores que adotaram a linha de pensamento
de Kierkegaard, Sorge e Heidegger puseram em destaque a interdependência
das pessoas no viver e conviver sociais. Mach, na Física; e Wittgenstein na
Lógica, influenciaram sobremodo estes pais do Positivismo Lógico. Ainda que
demasiadamente sucinta, esta introdução foi necessária. O Existencialismo é
uma escola muito complexa, onde inúmeros pensadores de renome mundial,
cujos pensamentos ainda vigoram com força na pós-modernidade em que nos
encontramos, tornam muito difícil uma abordagem simplificada desta corrente
de pensamento. No entanto, tentar-se-á esta façanha dentro do espaço exíguo
de que se dispõe.
2.3.1 Entendendo o Existencialismo
O que é existencialismo? Nas palavras de Arthur Burton,
“existencialismo é o tornar-se adulto sem os costumeiros envoltórios de ‘poder’
e ‘carne’”. Este não é o direcionamento que o Mercado impinge à Humanidade.
Heidegger dizia que “a angústia do homem está na sua existência”. Esta
assertiva também deve ser considerada um axioma. Em síntese o que o
Existencialismo assevera com razão e acerto é que à medida que o progresso
40
tecnológico avança nas mais diversas modalidades do viver humano, mais o
homem se perde de si e do ambiente em que vive. Ele se aliena, este é o termo
clássico dentro da Escola Existencialista, hoje renomeada de Humanismo.
Desde os tempos de Heidegger, Kierkegaard e Camus que as pessoas
descobriram em angústia que não mais sabem amar, porque desconhecem o
que seja o Amor. O coito abundante e sem ética ou moral esvaziou a seidade
mesma do ser humano. E sua desvinculação do amor interpares; sua
banalização e comercialização fizeram que o homem se perdesse de si
mesmo. Já no início do século XX estava configurado o que hoje é uma
aterrorizante realidade: as condições para manifestações intensas e
numerosas, em todas as camadas sociais, de alienação, autismo, ansiedade
aguda, pânico, angústia, depressão intensa, desorientação psicafetiva e perda
do significado das coisas e dos seres em si mesmos. Ansiedade, Medo e
Desespero constituem, atualmente, a realidade emocional das pessoas. A
Psiquiatria passou a encarar a esquizofrenia como um mero estilo de vida e
Lopez-Ibor já chamava aos cidadãos comuns, em sua época, de
esquizofrênicos em liberdade. Transcrevo, aqui, um trecho do trabalho de
Arthur Burton, que nos transmite a intensidade da infelicidade que assola a
humanidade pós-modernista.
“Portanto, não foi por acaso que Heidegger, Camus,
Sartre e outros começaram a escrever sobre o Nada, a
polaridade ontológica oposta ao ser, que todos tinham
evitado nomear, até então. E eles escreveram com tanta
crueza, tédio e amargura, que iluminaram a perda social
da alegria no mundo. A náusea de Sartre foi um epíteto
muito adequado e, evocando essa desagradável
associação gástrica, ela não permitiu mais uma vez a
intelectualização do crescente dilema da desumanização.
Isto, creio, mais do que qualquer outra coisa, marcou
Sartre como existencialista” (Burton, 1974).
41
Heidegger, em seu aforismo: “a angústia do homem está na sua
existência”, foi de uma lucidez impressionante. Mais que antes, na atualidade
em que nos encontramos sob a funesta égide da globalização e do
pensamento neoliberal, o que ele disse vigora com plena e aterrorizante força.
A humanidade atual vive uma mentira existencial. Uma mentira que é criada e
mantida por interesses puramente econômicos. Sob o tacão do neoliberalismo
ninguém mais é autêntico. Todos são fantoches. Todos são mentiras
ambulantes. Todos são solitários na multidão e a solidão em grupo é a maior
alienação que alguém pode sofrer. Os mestres de alunos de nível superior não
podem auxiliar o crescimento destes para o estágio mais avançado do
conhecimento da realidade, o estágio sintáxico sullivaniano, porque estão
vivendo em angústia. São indivíduos e, não, pessoas. Ser indivíduo é ser
solitário em meio à multidão. Ser pessoa é ser integrado com o processo
multitudinário. Ambos, mestre e aluno, estão literalmente no dasein de
Heiddegger. Ambos foram lançados na vida e desde então rolam por ela.
Quando somos lançados no mundo, lançados na vida, ou seja, quando
sofremos o dasein, é para que cresçamos e nos tornemos humanos. Para
tanto, todos precisamos de fontes de alimentação informativa, de modo que
possamos realizar o processo de construir e reconstruir a realidade que
percebemos e na qual temos de viver, com um mínimo de segurança e
orientação e esta fonte é a Comunicação. Para este processo a figura do
mestre é suprema, na Universidade. Ela resume todas as autoridades
anteriores com que o jovem universitário interagiu e das quais colheu
informações e experiências com as quais construiu sua realidade interacional
até aquele momento. É vivenciando intensamente o dasein; participando
intensamente dos processos da vida que as pessoas auferem do ambiente as
informações de que necessitam para sua reconstrução da realidade íntima. E
não se vivencia o dasein se não se está integrado e interagindo com nossos
semelhantes, num processo criativo, seletivo e construtivo. Em última palavra,
o dasein “heiddeggiano” constitui a capacidade de a pessoa construir-se e
reconstruir-se, sejam quais sejam suas condições físicas e sociais. É a
autocriação; o autogerenciamento da vida pelo indivíduo. E isto foi tirado de
42
toda pessoa na face da Terra pelo neoliberalismo e o Mercado globalizado e
neoliberalizado.
Binswanger nos fala de três espécies de mundos que cada pessoa
vivencia. O eigenwelt, que é aquele mundo interior, íntimo, profundo, que a
pessoa constrói e reconstrói só para si e não reparte com ninguém. O
eigenwelt é o EU dentro do corpo. Por isto, no eigenwelt acontecem as
vivências ideacionais, as fantasias. Todos necessitamos de um espaço íntimo,
só nosso, onde possamos sonhar sem ter medo de críticas ou censuras de
terceiros. O eigenwelt é este espaço. Todos precisamos da liberdade de pensar
nossos pensamentos sem ter que os expor a terceiros. Assim, temos o direito
de ser acerbos ou não, em nossa fantasia; de ser maus ou bons, sem que isto
afete a realidade exterior, pois temos o controle sobre este mundo que nos
pertence totalmente. A pessoa se desequilibra quando vive seu eigenwelt
completamente na relação social, pois isto a faz vulnerável, ao mesmo tempo
em que a coloca marginalizada do meio em que age. Se alguém se permite
invadir por terceiros e deixa seu eigenwelt exposto a críticas e ataques, perde a
própria Identidade. Entretanto, ser vulnerável é um modo de compensar a
solidão que o estilo de sociedade hoje imposto às pessoas lhes dá. Quanto
mais alguém coloca seu eigenwelt no social, mais alienado se torna e mais
vazio se sente existencialmente. No entanto, a globalização neoliberalizante
obriga as pessoas a escaparem da angústia através deste modo
desequilibrado de existir. Uma fuga redundante, que termina por trazer a
pessoa de volta ao início de seu martírio. No mundo globalizado da atualidade,
ninguém escapa desta sina trágica. Uns com maior intensidade, outros com
menos, mas todos vivenciam este círculo vicioso.
O segundo mundo é o Umwelt, que compreende o mundo dos objetos
físicos, incluindo o dos animais infra-humanos. O Umwelt é importante porque
“todas as estruturas psíquicas de ordem superior são baseadas no mundo
físico de ordem, objetos e previsibilidade” (Burton). O Umwelt é a natureza em
geral, o cosmos, o fluido amniótico e todo ambiente onde a vida individual se
43
desenrola. Ora, o ambiente geológico e social em que uma pessoa vive, faz
parte de seu ser psicossocial. Então, Burton está correto quando diz que “nós
somos nossos objetos não-humanos”. Sim, pois estes objetos fazem parte de
nosso campo vital na visão de Kurt Lewin. Então, o meio geográfico e social
onde vivemos são partes integrantes de nossa Individualidade. Ordem, objetos
e previsibilidade no mundo exterior constituem referenciais do Umwelt, os quais
dão base sólida para que a pessoa organize suas percepções e seu mundo
cognitivo através do processo de construção e reconstrução da realidade
vivenciada e experienciada. Na Globalização, entretanto, o Umwelt foi
profundamente alterado, de modo que a ordem e a previsibilidade perderam
muito de sua independência no que tange à manipulação pelo interesse do
lucro. O emprego, por exemplo, pilar da vida em sociedade, tornou-se tão
inseguro que ninguém sabe se amanhã, quando chegar ao trabalho, já não
estará desempregado. As mega-empresas das telecomunicações que
invadiram o Brasil são exemplo vivo e revoltante de como o Umwelt nacional
brasileiro está de cabeça para baixo neste terreno.
O terceiro Mundo entendido pelo Existencialismo é chamado de
Mitwelt. “A Sociedade é o Mitwelt e o Amor é sua energia aglutinante” , diz-nos
Arthur Burton. No Mitwelt as pessoas preocupam-se umas com as outras e
todas elas se sentem interdependentes. É esta interdependência que traz para
a vida social o cuidado dos cidadãos com seus conterrâneos, bem como o
respeito à propriedade privada de cada um deles. A Ordem é zelada por todos
e isto traz necessariamente o Progresso para a comunidade. Há a consciência
clara em cada cidadão de que não se pode viver sem o próximo; a consciência
de que a vida em sociedade baseia-se totalmente na interdependência. Quanto
mais forte seja esta consciência comunitária, mais dispensáveis são os
controles estatais sobre o comportamento dos cidadãos. Cada um é
responsável por si e se cobra e se vigia por si mesmo. Numa sociedade assim,
para a obediência aos limites de velocidade, por exemplo, não há necessidade
de “pardais” ou “lombadas eletrônicas”, pois o cidadão consciente obedece à
Lei e à sinalização sem que seja necessário que o Estado intervenha para
44
discipliná-lo. Cada um conhece seus deveres para com o próximo e para com a
vida social. O Mitwelt estrutura um ambiente no qual todo indivíduo sabe que
diretrizes seguir para conviver bem com seus semelhantes. Ele tem uma
diretriz sólida e um norte social bem definido. Seu processo de Construção da
Aprendizagem e da Realidade, seja qual seja esta realidade, é positivo,
construtivo e criativo. Acima de tudo, é cooperativo. Construtividade,
criatividade e positividade são atributos do Amor Social. Entretanto, desde os
tempos de Binswanger, e mesmo muitos milênios antes dele, o mundo social
não consegue atingir este ideal de vida comunitária. Sem levar em
consideração outras variáveis intervenientes, o Mercado sempre esteve
presente como fator de perturbação e impedimento para a realização deste
ideal. Por isto é que, para Binswanger, o Mitwelt freqüentemente é cheio de
terror e de angústia. Na atualidade neoliberalizada e globalizada esta visão
“binswangeriana” é crítica e dilacerante. Todo o ideal de estrutura social
desmoronou completamente. Não mais há harmonia; não mais há norte seguro
a seguir; não mais há valores a respeitar e o outro é um inimigo em potencial.
Porque o cidadão perdeu o respeito pelo outro e por si mesmo, o Estado tem
de intervir de modo invasivo e o que se vê é a total falta de privacidade. Olhos
eletrônicos vigiam a todos até mesmo da estratosfera e eles fazem que até
mesmo o Eigenwelt se torne frágil e permeável coletivamente.
2.3.2 A visão Existencialista e o status quo atual.
Embora o enfoque existencialista seja mais uma visão crítica e analítica
de uma época, nunca, antes, esteve tão drasticamente atualizada quanto como
agora, na globalização neoliberalizada. A experiência do vazio existencial pôde
ser constatada pelo monografista em uma pequena parcela de estudantes
universitários, dentre os quais, os que foram citados inicialmente neste
trabalho. Entre as frases que disseram, havia algumas como as seguintes: “Eu
não me sinto alguém, uma pessoa que tenha valor. É como se eu estivesse
sempre fora do mundo, tentando entrar nele sem encontrar uma porta, uma
45
abertura”; ou “Às vezes eu acordo à noite e sinto uma angústia, um medo que
não sei definir. Uma sensação nítida de estar perdido, sem chão sob meus pés.
A faculdade não me atrai. Ao contrário, ao pensar nela sinto uma...uma... coisa
assim como insegurança e repulsa... Sinto como se vivesse em um mundo de
fantasmas...” ou: “Não creio nas meninas da faculdade. Elas são vazias,
perdidas tanto quanto eu. Quando a gente fica, um não sabe o que dizer
seriamente ao outro. É um jogo de nada para nada... Então, a gente se beija
para disfarçar esta sensação esquisita de não sei quê. O sexo... o coito, como
o senhor diz, não satisfaz. A gente sempre termina com uma sensação de
desgosto, de decepção, de algo que não satisfez uma necessidade que a gente
não sabe definir o que é”. Tais frases e outras equivalentes abrem uma janela
para que se veja que, nestes jovens universitários, há o horrível Vazio
Existencial. A vivência do Nada, de conformidade com Camus e Sartre. A vida,
para estes jovens, não tem sentido, não tem razão de ser. E o que é pior, eles
não encontram quem os oriente e lhes esclareça do que sofrem. Ora, isto é
fruto direto de uma sociedade que está mergulhada no pensamento e na
política neoliberal em todos os seus campos sociais. Uma sociedade em que o
Estado se encontra manietado pelo Poder Econômico Mundial. E isto significa
que a Sociedade não propicia as condições para o Mitwelt, conforme definiu
Burton. E se não há o Mitwelt, não há o Amor que aglutina as pessoas de modo
positivo.
A juventude universitária deste nosso pós-modernismo encontra-se
acéfala no que diz respeito ao apoio, à orientação e à proteção e segurança
firmes de que necessita nesta etapa crítica de seu amadurecimento. Vivencia o
Medo em todo o seu horror. Talvez isto seja uma das explicações para a
drogadicção incontrolável no meio universitário; para a violência gratuita contra
colegas e contra professores. Para a agressão aos bens materiais da entidade
de ensino — muros, cadeiras, quadros negros e outros instrumentos de apoio à
prática do Ensino. Os professores, por sua vez, também estão sofrendo a
mesma agrura do Vazio Existencial. Têm de cumprir com cansativos
programas de capacitação em cursos caros e, no final, o que conseguem em
46
termos de remuneração não compensa todo o esforço despendido. Fora isto,
as universidades, com destaque para as públicas, não oferecem as mínimas
condições de trabalho, descaso que funciona como um estímulo negativo para
a motivação pessoal. Como, então, voltar uma atenção especial e cuidadosa
para os jovens cuja formação como cidadão têm sob suas responsabilidades?
É pedir que sejam sobre-humanos. Sob a óptica do Existencialismo, também
se verifica que a resposta mais coerente para a questão monográfica que se
coloca é afirmativa: o rapidíssimo advento da globalização, secundada pelo
pensamento neoliberal, na prática da Educação brasileira afeta
significativamente o processo de Construção e Reconstrução da Realidade no
jovem universitário e, mais ainda, também neste processo no que diz respeito
ao corpo docente. A dinâmica do ensino-aprendizagem se deteriora, visto que
o jovem adolescente teve seu processo de crescimento psicossocial e
emocional profundamente perturbado no seio mesmo de seu útero social, a
família, e atinge a idade limite legal para a maioridade ainda desorientado e
imaturo.
A Teoria do Existencialismo – ou Humanismo – é outra dentre as
teorias que não são levadas em consideração pela Educação e, como se pode
inferir do pouco que foi dito acima, ela talvez devesse ser melhor estudada
pelos educadores e pelos que planejam a Educação. Os jovens (e seus
mestres) precisam desesperadamente compreender o que está acontecendo
com eles, com suas vidas, principalmente os jovens que ainda nem mesmo
começaram a viver e já estão destinadas a um triste fim, como a vida dos
pintos de granja. A compreensão do caos programado possibilitará, talvez, um
esforço coletivo da comunidade estudantil e da comunidade docente para
anulá-lo e colocar, em lugar dele, ordem e assertividade no meio universitário.
Mas a ignorância das razões do caos leva à baderna e a surtos violentos de
protestos e revoltas sociais, que é o que se vê cada vez mais constantemente
pelo mundo a fora.
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Como fica a Construção da Realidade no jovem universitário? A
resposta é: não fica. Ela se desintegra e desaparece num constante processo
de Reconstrução de uma Realidade que não tem fim nem ordem e não pode
ser compreendida rapidamente, como seria o ideal.
2.4 A contribuição da Teoria do Construto Pessoal, de George A. Kelly (1905-1966), base deste trabalho.
Talvez seja bom iniciar esta parte diretamente com um excerto retirado
do livro de Lawrence A. Pervin, “Personalidade, Teoria, Avaliação e Pesquisa”.
Ele diz:
“As experiências iniciais de Kelly, em psicologia clínica,
ocorreram nas escolas públicas de Kansas. Durante sua
permanência nesse trabalho, descobriu que os
professores enviavam alunos à clínica ambulante com
queixas que pareciam estar relacionadas com os próprios
professores; isto é, em vez de tentar verificar a queixa do
professor, Kelly decidiu tentar entendê-la como sendo
uma expressão da construção dos fatos do próprio
professor”.
A experiência deste cientista é relevante para a Educação, embora não
tenha o monografista encontrado alguma referência a seu nome nos livros
desta área do conhecimento, quando pesquisou a respeito.
Como é o entendimento de Kelly sobre o Construtivismo? A tese
principal de Kelly é: “todo homem é um cientista”, na medida em que todos os
de uma mesma cultura usam os mesmos construtos de sua língua e passam
pelos mesmos processos psicológicos. Por isto, toda pessoa, em sua cultura,
tenta predizer e controlar os fenômenos que vivencia no meio geográfico,
social, emocional e psicológico em que vive, tal e qual fazem os cientistas.
48
No jargão do Construtivismo segundo George A. Kelly, a vida de
qualquer pessoa, logo, também aquela do adolescente, é uma interpretação
construtiva da realidade, que muda na medida em que a pessoa avança na
maturidade e amplia seu campo de conhecimento. Assim, intimamente, o
edifício do conhecimento construído pelo indivíduo, ainda que mudando
constantemente, não se altera de todo em seu cerne mesmo e mantém suas
estruturas básicas, na qual as figuras de autoridade construídas cognitivamente
ocupam lugar de destaque. Arthur Burton diz que:
“A teoria de Kelly é uma teoria cognitiva da personalidade,
isto é, dá ênfase aos meios pelos quais o indivíduo
percebe os estímulos, à maneira pela qual interpreta e
transforma estes últimos em relação a estruturas
preexistentes e às maneiras pelas quais ele se comporta
com relação a essas interpretações e transformações”
(BURTON, 1975).
Em que consiste o mecanismo construtivista segundo Kelly? Sem
adentrarmos outras considerações, este mecanismo parte da premissa de que
as pessoas antecipam os acontecimentos construindo psicológica e
imaginativamente suas réplicas. A partir daqui, a pessoa vivencia os
acontecimentos interpretando-os e lhes atribuindo uma estrutura e um
significado. O indivíduo percebe que há eventos que compartilham
experiências comuns a todos e há aqueles cujas experiências são singulares a
alguns indivíduos ou a si mesmo. Ele também discerne semelhanças e
diferenças; contigüidade e distância entre eventos ou entre partes deles etc... É
justamente a observação destes fenômenos nos eventos que vivencia que
induz no indivíduo a construção de construtos. Sem os construtos, a vida de
qualquer pessoa seria caótica.
Uma vez que dois fenômenos nunca são exatamente os mesmos, a
pessoa realiza abstrações. Com elas, constrói imaginativamente eventos
49
semelhantes entre si, mas diferentes de outros, desenvolvendo deste modo
seus construtos pessoais.
George A. Kelly entendia todos os construtos como dicotômicos, ou
seja, cada um tem um pólo de semelhança e outro de contraste. São
necessários pelo menos três elementos para que a pessoa forme um construto.
Os elementos A e B são percebidos como semelhantes entre si, enquanto o
terceiro elemento, C, é percebido como contrastante com os dois outros.
Exemplo: uma pessoa está sobre um terreno plano e olha para dois morros
diante de si. Os dois são semelhantes em forma e tamanho, mas são
contrastantes com o terreno onde ela se encontra. Então a pessoa forma o
construto (A≡B)≠C (A é semelhante a B e ambos são contrastantes com C).
Outro exemplo mais objetivo: Jailson, aluno de uma faculdade de Direito, diz
que o professor de Direito Constitucional é ruim, se comparado com sua mestra
do ano anterior. Ele me apresentou o pólo de contraste de seu construto
pessoal a respeito do Professor de Direito Constitucional. Preciso saber qual é
seu pólo de semelhança, por isto pergunto: Que outra coisa é tão ruim para
você quanto o professor de quem reclama? E ele, irônico, responde: “Ah...
Com certeza dia chuvoso e frio. Detesto frio e nebulosidade”. Então, Jailson me
deu os dois pólos de seu construto Bom-Ruim. Ele construiu a fórmula
(A≡B)≠C.
(A≡B) forma o pólo de semelhança do construto, enquanto (A≡B)≠C
constitui o pólo de contraste. Então, como diz Burton, “a maneira pela qual os
construtos são construídos para se tornarem semelhantes forma o pólo de
semelhança do construto; e a forma pela qual eles contrastam com o terceiro
elemento forma o pólo de contraste do construto”.
Todo construto é dicotômico, mas nenhum é dimensional, na acepção
de que possua gradação de valores ou de intensidades entre seus pólos. Por
exemplo: sejam os construtos: branco – preto; alto-baixo; claro-escuro; bom-
mau; belo-feio etc... Entre seus pólos de semelhança e de contraste não há
50
gradação. Para tanto, é necessário que a pessoa lance mão de outro construto,
o de quantidade ou o de intensidade, a fim de obter gradações de valor ou de
força entre os pólos do primeiro construto. Ex: através do construto de
quantidade é possível obter-se uma escala com cinco valores, a saber:
Preto → cinza escuro → cinza claro → branco acinzentado → branco.
Kelly deu ênfase à necessidade de se reconhecer que um construto é
constituído da comparação entre semelhanças e contrastes. Deste modo, não
é possível compreender a natureza do construto de uma pessoa quando ela se
serve apenas de um dos pólos: ou o pólo de semelhança, ou o pólo de
contraste. Não é possível conhecer o que um construto significa para alguém,
até que conheçamos quais os eventos que este alguém inclui no construto
considerado, bem como que eventos ele considera como opostos ao construto
em questão. Por exemplo: quando um universitário se expressa em relação a
um de seus professores como incompetente, não se pode apreender todo o
significado deste pólo de contraste do construto competente – incompetente se
não se conhece que eventos o universitário inclui no pólo ( incompetente) do
seu construto e quais aqueles que considera opostos a ele. A compreensão
desta posição de Kelly é de suma importância para a estruturação de uma
metodologia de estudo, pesquisa e compreensão do processo de Construção
da Realidade, assim como da Construção da Aprendizagem nos alunos do
Ensino Superior.
Todo construto possui uma amplitude de conveniência e um foco de
conveniência. Entende-se por amplitude de conveniência todos os eventos
para os quais a pessoa considera útil a aplicação de seu Sistema de
Construtos. No caso do exemplo do estudante Jailson, sua amplitude de
conveniência abrange toda a Faculdade onde estuda, pois, em seu campo
cognitivo, ela é ruim porque, mesmo recebendo queixas dos alunos, mantém
professores como o que citou, em seus quadros. Já o foco de conveniência
compreende os eventos nos quais a aplicação do construto é de máxima
utilidade. No caso de Jailson, seu foco de conveniência compreende os
51
horários de aula em que aqueles professores ruins estão em sala. Jailson se
recusa a assistir às raras aulas que os professores ruins ministram e sempre
que eles estão presentes na faculdade, Jailson permanece no pátio, estudando
outras matérias, como uma forma de protestar contra a incompetência
daqueles mestres.
Os construtos também são classificados em:
Centrais – são fundamentais para o funcionamento de uma pessoa no
meio social. Não se modificam facilmente ao longo dos anos. Pode-se
considerá-los como sendo integrantes daquela parte da pessoa que o
Existencialismo denomina de eigenwelt.
Periféricos – são complementares e podem ser modificados sem
acarretar mudanças profundas na estrutura central do sistema de construtos
pessoais. Pode-se dizer que estes construtos integram o umwelt do
Existencialismo.
Permeáveis – quando admitem, em sua amplitude de conveniência,
elementos recém-concebidos. Também integram o umwelt existencialista.
Impermeáveis – os que rejeitam novos elementos que alterem seu
foco de conveniência. Integrariam o eigenwelt do Existencialismo.
Rígidos – quando levam sempre a predições invariáveis (eigenwelt);
Flexíveis – quando possibilitam à pessoa esperar certa conseqüência
num dado evento e outra conseqüência em outro evento, ainda quando em
condições fenomenológicas muito semelhantes (umwelt).
Kelly deixa claro que os construtos não podem ser considerados
entidades verbais ou que estejam sempre verbalmente disponíveis à pessoa
que deles se serve. O teórico foge do construto consciente-inconsciente,
preferindo servir-se do construto verbal — pré-verbal para expressar o
fenômeno psicanalítico. Um construto verbal é aquele que possui uma palavra,
um termo designativo que o identifique objetivamente; já um construto pré-
verbal é aquele que foi construído mesmo antes da aquisição da fala. Isto não
significa que não haja construto pré-verbal adquirido após este período e, até
52
mesmo, no estágio adulto. Basta que ele seja de natureza que não permita sua
expressão verbal, ainda quando usado pela pessoa. Algumas vezes, neste
caso, um dos pólos do construto não está disponível para verbalização, mesmo
que seja capaz de ser expressado verbalmente. Nestes casos ele é
denominado de pólo submerso. Por exemplo: se alguém insiste em dizer que
toda pessoa só faz coisas boas e não é capaz de admitir e expressar o pólo
contrário deste construto, então, subentende-se que esta pessoa submergiu
este pólo.
O sistema de construtos pessoais possui uma hierarquia e se
organizam, dentro dela, em grupos de semelhanças e dessemelhanças. As
pessoas se diferenciam entre si segundo os significados de seus construtos e
segundo a organização deles em seu sistema pessoal. Neste sentido, toda
pessoa é única. Por outro lado, na hierarquia de construtos pessoais há
construtos superiores e construtos inferiores. Aqueles, contêm um ou mais de
um destes. Por exemplo: o construto competente — incompetente contém os
construtos subordinados conhece — não conhece; sabe explicar — não sabe
explicar; domina a matéria — não domina a matéria etc... Pode acontecer a
ocorrência de estruturas complexas, nas quais um construto superior só o é em
relação a algumas partes do sistema, sendo subordinado relativamente a
outras partes do mesmo sistema. Assim, o construto bom professor — mau
professor pode estar subordinado ao construto competente — incompetente.
Em resumo, conforme diz Burton, “segundo a teoria dos construtos pessoais de
Kelly, a personalidade de um indivíduo é seu sistema de construtos”.
É bom ressaltar o fato de que duas pessoas são semelhantes na
medida em que se sirvam de sistemas de construtos semelhantes. Assim,
quanto mais organizada e estruturada seja uma Sociedade, mais seus
membros se tornam semelhantes relativamente aos sistemas de construtos
pessoais de que se servem. Do mesmo modo, quanto mais desorganizada e
confusa seja uma Sociedade, tanto mais seus membros são dessemelhantes
com relação aos seus sistemas de construtos pessoais. Indivíduos com
53
sistemas de construtos pessoais dessemelhantes tendem a ou se organizarem
em grupos fechados, ou entrarem em conflito. Observando-se a anarquia
reinante nas Faculdades do nosso país, particulares ou públicas, seria
interessante que os mestres pudessem levar a efeito uma pesquisa entre o
corpo discente e o corpo docente na base da visão de Kelly. Lembremos,
também, que Papéis Sociais são conjuntos de atividades afins que
caracterizam uma pessoa em sociedade. Por exemplo: o papel social de
professor compreende, entre outras tarefas, aquela de ensinar e de cobrar
aprendizagem; de orientar e direcionar os trabalhos dos seus alunos; de avaliar
e qualificar tais trabalhos, de esclarecer dúvidas e suscitar dúvidas no corpo
docente etc... Assim, é possível solicitar-se a uma pessoa que indique entre,
por exemplo, três papéis sociais (pai, mãe e professor), dois deles que sejam
semelhantes e um que seja dessemelhante. A pessoa poderá dizer que são
semelhantes professor e mãe e dessemelhante pai. Professor e mãe são
semelhantes porque são compreensivos e são dessemelhantes de pai porque
este é incompreensivo. Neste caso, a dimensão do construto considerado é
compreensão — incompreensão.
Kelly dizia que “os processos de um indivíduo são canalizados
psicologicamente pelas maneiras através das quais antecipa os eventos”.
Assim, ao fazer uma opção, a pessoa de certo modo realiza uma aposta, pois
antecipa um evento particular sobre o qual guarda uma determinada
expectativa. O resultado desta sua aposta poderá ou não, confirmar o construto
no qual se baseou para optar. Se não confirma, força a pessoa a desconstruir
aquele construto e construir outro, que irá integrar seu sistema de construtos
pessoais, o qual poderá alterar de maneira significativa o modo como percebe
os fatos. É sempre através de uma recorrência a construtos anteriores, prenhes
de emoções positivas ou negativas, para os alterar consoante com as
exigências do meio atual, que a pessoa vai modificando sua estrutura
construtivista, buscando adaptá-la tanto às necessidades e apelos do meio em
que vive, quanto às suas próprias necessidades íntimas. Tanto Kelly quanto
54
Adler afirmam a mesma coisa: o futuro e não o passado orienta a vida da
pessoa.
2.4.1. A visão de Kelly e o status quo atual
As teorias anteriormente abordadas serviram para descortinar um palco
analítico onde as condições sociais da vida dos atores de antanho que deram
condições de as gerarem foram comparadas com as da atualidade e ensejaram
uma análise sucinta das premissas teóricas daquelas teorias. A Teoria do
Construto Pessoal, de Kelly, entretanto, fundamenta esta monografia porque
oferece uma metodologia que se sugere deve ser estudada mais a fundo pela
Educação, para pesquisa e compreensão da situação angustiosa em que
nossa juventude universitária se debate, mercê das condições mercadológicas
e do pensamento político-social que vige no presente.
A formação estrutural dos Construtos Pessoais é totalmente
dependente da ordem familiar e social em que a pessoa vive e interage. Ela dá
base às conceituações, às crenças, aos juízos e aos valores pessoais através
dos quais uma pessoa define para si mesma sua postura relativamente ao
meio em que interage e amadurece. Assim, a Estrutura de Construtos Pessoais
de qualquer pessoa, para ser construída e reconstruída positivamente
necessita de um palco de vida em que os atores tenham ações coerentes,
claras, que ofereçam uma visão de futuro otimista, com oportunidades de
crescimento e com fenômenos sociais que sirvam de estímulos positivos. É
dentro deste palco, conforme ficou explicitado na Teoria de Kelly, que as
pessoas edificam uma Estrutura de Construtos Pessoais com vistas à previsão
e ao controle das coisas e dos fenômenos que a rodeiam. É assim que, do
ponto de vista médico, conseguem diminuir seu coeficiente de ansiedade e
atuar de modo assertivo e com segurança com vistas aos seus objetivos de
vida, bem como à construção de um Estilo de Vida sadio e vigoroso.
55
Entretanto, o status quo social desta pós-modernidade em que a
humanidade se encontra não oferece as condições necessárias e desejáveis
para o amadurecimento sadio de nossa juventude, acadêmica ou não. Como já
foi comentado ao se dissertar sobre o Existencialismo, o palco de vida atual é
caótico, cheio de antagonismos, prenhe de incertezas, inseguranças e anomia
social. Aliás, a regra neoliberal é uma só: vença aproveitando quaisquer
oportunidades, servindo-se de quaisquer meios e contando com um “quantum”
de sorte. Mais que nunca se vê na prática a sentença de Rui Barbosa, citada
na capa deste capítulo. Assim, é de preocupar a situação sócio-política
nacional brasileira, a qual está a requerer uma atenção especial dos
educadores e dos órgãos públicos voltados para a Educação Superior no
sentido de realizarem pesquisa, coleta de dados, análise e definição dos dados
sociais coletados, os quais suprem a formação da Estrutura de Construtos
Pessoais dos universitários, assim como também requer trabalho cuidadoso a
pesquisa do processo de Desconstrução e Reconstrução desta estrutura nos
Sistemas de Construtos Pessoais dos professores acadêmicos. Afinal de
contas, a interação Professor↔Universitário é de fundamental importância para
o bom aproveitamento do aluno no processo ensino-aprendizagem acadêmico.
A violenta distorção dos valores éticos, políticos, legais e morais que
sobreveio ao sistema social brasileiro com o advento da globalização
neoliberalizada e neoliberalizante desestruturou todo o arcabouço social e
atingiu em cheio a célula social básica, a família. Os nossos universitários, em
sua grande maioria, vêm de núcleos familiares desfeitos ou totalmente
desestruturados. Que sistema de Construtos Pessoais eles usam para se
organizarem interiormente e estabelecer seus modos de interagirem com
professores, com a faculdade e com os colegas universitários? Se quando a
sociedade tinha uma estrutura previsível o jovem adolescente apresentava
conflitos resultantes de uma recorrência psicafetiva construcional a estágios
anteriores de seu amadurecimento11, conflitos que interferiam no processo 11 Fase psicanaliticamente denominada de regressão adolescente, quando, no processo maturacional, a pessoa se depara com desafios que seu EU percebe como de grande ameaça e busca regredir a estágios onde aqueles desafios não existiam e podia contar com a proteção
56
ensino-aprendizagem e requeriam atenção dos mestres; como se encontra, na
atualidade, a juventude universitária nesta fase de insegurança e recorrência,
perante a desestruturação social que a globalização neoliberalizada fez cair
sobre seu mundo? Na adolescência atual, a que sistemas de construtos
anteriores, relativos ao processo maturacional, pode a psique do jovem recorrer
se o cenário de atuação que a Sociedade oferece é caleidoscópico e muda
constantemente, não oferecendo referenciais suficientemente sólidos pelos
quais se guiar? Quiçá o teórico George A. Kelly tenha um caminho a oferecer
na busca da compreensão do fenômeno em questão, bem como na indicação
de uma orientação a ser seguida.
CAPÍTULO III REFLEXÃO FINAL SOBRE A ESTRUTURA SOCIAL
dos seus pais.
57
VIGENTE E A JUVENTUDE UNIVERSITÁRIA QUE NELA SE FORMA.
“Se a nova extraterritorialidade da elite parece uma
liberdade intoxicante, a territorialidade do resto parece
cada vez menos com uma base doméstica e cada vez
mais com uma prisão – tanto mais humilhante pela
intrometida visão da liberdade de movimento dos
outros.”
Zygmunt Bauman.
3.1 A velocidade da Informação como fator desagregador da Sociedade
Foi visto que a evolução da História política, social, religiosa e familiar
evoluiu pelo canal da informação. Esta, em sua condução principal, a
Comunicação, saiu da lenta passada humana para as microondas. Um salto
em velocidade que ainda não foi totalmente absorvido pela humanidade. Se
antigamente as sociedades eram bem estruturadas, com seus cidadãos
sabendo com certeza a que locais pertenciam, a que pátria deviam defender e
a que valores deviam obediência, neste início do Terceiro Milênio Cristão toda
aquela certeza esboroou-se e esvaiu-se como fumaça no horizonte das
civilizações.
58
Moral, Ética, Religião, Patriotismo, Valores Societários, tudo isto
solidificava a célula social, a família. Os membros de uma família sabiam com
certeza como se comportar e o que a sociedade esperava de cada um deles. A
Construção do Real em qualquer cidadão tinha parâmetros a seguir e fluía de
modo equilibrado e quase previsível. A vida girava em torno da empresa e a
empresa pertencia ao município onde estava instalada. Também pertencia, de
certo modo, aos empregados que nela trabalhavam. Dava segurança às
famílias e era esteio do Governo, pagando os impostos e exercendo sua
participação na vida comunitária. A Política de Pessoal empresarial, de certo
modo, ajudava na estruturação dos códigos de ética familiar e os jovens
recebiam diretamente de seus pais, empregados da empresa, uma orientação
ética saudável. A Sociedade mudava lentamente, mas de modo seguro, e os
valores, os costumes, as Leis e tudo o mais que embasava a vida numa
cidade, num estado ou mesmo em um país mudava com lentidão, mas com
segurança. O processo de Desconstrução e Reconstrução da Realidade em
cada cidadão acontecia e progredia sem traumas angustiosos e os folkways e
os mores eram transmitidos de geração a geração sem grandes alterações.
A Escola era o templo dos saberes escolásticos. A educação social era
de inteira responsabilidade dos familiares e as famílias sabiam com certeza a
que estratos sociais pertenciam. Havia ordem. A inferioridade dos homens, no
ver de Adler, era uma motivação que o impelia para a busca de uma saída de
uma posição social menos para uma posição social mais, via de regra
obedecendo a princípios morais e éticos. A busca de mudança de status
implicava necessariamente o respeito ao outro e às normas constitucionais. Se
era verdade que o homem era impulsionado por um desejo insaciável de poder
e domínio, também era verdade que, maduro, o homem era motivado por um
interesse social honesto e voltado para a Sociedade. Buscava completar-se
enquanto Identidade, no sentido de formar-se como adulto responsável,
plenamente cônscio de seus deveres e direitos. E para isto a Escola contribuía,
assim como a Religião, adjudicando informações concretas, certas, que
embasavam o processo de Construção e Reconstrução da Realidade nos
59
alunos. Uma vez este processo internalizado, a pessoa seguia pela vida
centrada nas expectativas do futuro, mais do que pelas suas experiências no
passado. E o futuro era delineado com certo grau de previsibilidade, o que
tornava o processo de Construção da Realidade, quer no adulto, quer no
estudante de nível superior, algo certo e controlável. Não há o que Reconstruir
de uma realidade que ficou para trás na dimensão tempo-espaço. Ela já se
estratificou. Por isto, Adler defendia que o homem era motivado pelo futuro e
não pelo passado. No entanto, como vimos no capítulo I, o advento da
comunicação via microondas alterou drasticamente este lento progredir da
estrutura de identidade dos cidadãos. As novidades chegavam às mãos dos
ávidos leitores dos jornais, ou a seus ouvidos pelas ondas do rádio, em
enormes quantidades. Formadores de opinião criavam bolsões de discussão
acirrada e o comércio alavancou-se como nunca. Surgiu com mais força o
conflito de gerações, entre o modo como os jovens estruturavam suas
realidades e aqueles já solidificados em seus pais e nos mais idosos, cujos
processos de Desconstrução e Reconstrução da Realidade aconteciam sob
grande resistência.
As qualificações multiplicaram-se espantosamente. Trabalhos que,
outrora, nem ao menos se desconfiava pudessem existir, passaram a ser
corriqueiros e logo integravam os curricula das escolas técnicas e das
faculdades. Entretanto, ainda que sob a égide da velocidade tecnológica, as
sociedades mantinham uma estrutura protetora relativamente a seus cidadãos.
E as Universidades pugnavam por adequar as novidades às suas cátedras e às
tradições ancestrais. O processo de Construção da Aprendizagem no jovem
universitário seguia paralelo àquele de sua Construção da Realidade. A família
ainda era a célula social de maior relevância e nela até os adultos se sentiam
protegidos e realizados. O processo de Construção e Reconstrução da
Realidade e da Aprendizagem nos alunos universitários não interferia
negativamente na relação aluno-professor, embora, conforme registrado nas
crônicas de jornais e revistas, o conflito de gerações estivesse bem mais
estratificado e mais fortalecido. Nas décadas de 1950 e 1960 este conflito
60
ocupou páginas e páginas de livros e revistas especializadas e foi muito
debatido em faculdades de psicologia e de educação.
3.2 A mercadofagia estraçalha culturas.
“A companhia pertence às pessoas que nela investem — não aos seus
empregados, fornecedores ou à localidade em que se situa”. Eis o credo do
açougueiro de empresas, Albert J. Dunlap, citado por Bauman. Rapidamente
absorvido pelos empresários, este modo desestruturador de pensar assumiu
uma dimensão aterradora, com a liberdade que a mobilidade dos recursos
aplicados nas bolsas de valores lhes dava, graças ao advento da rede mundial
de computadores, a internet. O dinheiro deixava de reconhecer fronteiras. Os
investidores podiam ir de um a outro continente em questão de segundos.
Bastava um e-mail e a pressão de um botão de computador. Na Inglaterra foi
Margareth Thatcher quem encabeçou uma “guerra de aniquilação”, nas
palavras de Bauman, contra o status quo governamental. Na Conferência
Anual do Partido Conservador inglês os empresários martelavam
incansavelmente sua mensagem ameaçadora: estavam dispostos a pagar os
impostos locais para o financiamento da construção de estradas, bem como os
consertos necessários na infra-estrutura municipal ou estadual, mas não
encontravam razão para arcarem com a manutenção dos desempregados, dos
inválidos e de outros “refugos humanos” locais, por cuja desdita não se sentiam
responsáveis nem assumiam qualquer obrigação. Estava deflagrada, nas
palavras de Zygmunt Bauman, a Grande Guerra da Independência em relação
ao Espaço com o advento da rede mundial de computadores. E estava,
também, deflagrada uma guerra feroz entre a iniciativa privada e o Poder
Público constituído. No meio deste conflito de interesses, o povo, a família e os
jovens. E no íntimo do povo, da família e dos jovens acontecia um terremoto no
processo de Construção e Reconstrução da Realidade e da Aprendizagem. As
seguranças ruíam. As certezas acabavam. A empresa podia mudar
61
rapidamente de município se não obtivesse vantagens que fizessem aumentar
os lucros de seus investidores. E começou a guerra de benefícios fiscais
interestaduais. Agora, empregados, fornecedores e porta-vozes comunitários
não tinham voz nas decisões dos investidores empresariais. Só estes tinham o
poder de considerar irrelevante e de invalidar as reivindicações que aqueles
viessem fazer sobre o modo como a empresa era gerenciada. Podiam, mesmo,
ameaçar e coibir o Poder Público constituído, pois de um momento para outro,
podiam tomar a decisão de mudar de localidade e na que ficasse para trás
centenas e centenas de empregados restavam a ver navios; centenas de
fornecedores perdiam os clientes e entravam no risco de falência. Porta-vozes
comunitários não mais podiam defender os interesses da comunidade por
temor de incomodar os todo-poderosos senhores investidores. Insegurança na
comunidade municipal gerava tensão no seio familiar. Tensão e incerteza
abalavam o processo Educacional dentro da família. Os insumos construtivistas
que os jovens agora recebiam diferiam em natureza e durabilidade. A pessoa
não era mais o centro de importância social, mas sim a empresa, uma entidade
imaterial, irreal, mas ainda assim, soberana. Aquelas norte-americanas
invadiram as outras culturas em busca de mão-de-obra barata, assenhoreando-
se dos costumes locais e lhes impondo hábitos culturais que lhes eram
próprios. McDonalds, Bob’s, Coca-Cola e a adoração ao dólar tomaram conta
dos Mercados nas outras nações. O “way of life” norte-americano alastrou-se
mundo a fora, facilitando a vida dos irmãos do norte e mergulhando no
ostracismo as culturas dos invadidos. “Mercadofágicas12”, as empresas norte-
americanas impunham seu modo de compreender concorrência e competição:
englobar, devorar, digerir e recriar Mercados à sua imagem e semelhança.
3.3 Flexibilizando fronteiras e interferindo com a Faculdade
O advento da rede mundial de computadores, a Internet, foi como um
terremoto nos países, em todos os níveis de suas sociedades. Os paradigmas 12 Mercatu + fago
62
sócio-familiares foram quebrados com maior velocidade; as opiniões
começaram a ter seus formadores e estes variavam grandemente em suas
cognições e suas intenções a respeito dos fatos veiculados pela rede. A
Universidade Pública viu-se forçada a também buscar acelerar seu modo de
atuar junto à juventude, mas esbarrou no paquiderme da burocracia estatal e
ficou para trás. Naquelas particulares, contudo, mercê da transformação do
Ensino em mercado, houve uma aceleração e uma incorporação tecnológica
mais eficaz. No entanto, o pensamento mercadológico voltado para o Lucro
flexibilizou demais a área da Educação Instrucional. Professores jovens
demais, inexperientes para a função de Educar, ainda que bem preparados
para Instruir, passaram a ocupar o trabalho universitário. Acabaram-se as
“cátedras”. Rapidez, Eficiência, Fluidez. Eis a pedra de toque mercadológica na
Educação Instrucional. Era preciso criar especializações e ignorar o que
alguém já dissera: o especialista é aquele que sabe muito a respeito de pouco.
Rapidamente as verdades e as crenças foram totalmente relativizadas, o que
exigiu, das comunidades, que se tornassem mais ágeis para acompanhar as
grandes mudanças que lhes sobrevinham. As decisões restritas a uma elite
privilegiada redundavam em mudanças drásticas na vida social, exigindo tempo
do resto da população para compreender o que estava acontecendo. Os
insumos da comunicação social atingiam em cheio o núcleo familiar. As
certezas que constituíam estereótipos na educação da prole e que eram
comuns a toda uma comunidade começaram a variar drasticamente e o
processo de aprendizagem social foi forçado a ser constante e cada vez mais
rapidamente reconstruído. O choque entre os que mais rápido se adaptavam a
esta nova realidade e aqueles que pugnavam por manter o status quo foi
inevitável. A família se desequilibrou e os cabeças destas células sociais se
desdobraram quase inutilmente em cuidados no esforço de evitar que sua prole
se perdesse no emaranhado de informações contraditórias que lhes chegavam
a toda hora. A internet se tornou invasora descontrolada do lar. Iniciou-se um
choque entre a educação familiar e a anomia social. Família e prole se
dissociaram. A informação familiar oferecida aos jovens não condiz com os
padrões de ética ou de moralidade que a internet lhes traz como o certo, a
63
“bola da vez”. A própria linguagem mudou. O sentido dos vocábulos, também.
O conflito de gerações se acirrou. A Escola, cujo escopo era Instruir, tornou-se
a cavilha que ligava a célula social ao trem da sociedade em frenético
movimento e os pais desorientados delegaram à instituição instrucional a tarefa
de também Educar sua prole. Instruir (informar; ensinar; transmitir
conhecimentos) tornou-se sinônimo de Educar (formar uma pessoa moral, ética
e civilmente capaz de viver em sociedade).
3.4 Escola, a primeira a perceber o dilema da criança
A criança passou a sofrer o peso de ter que coadunar e organizar as
informações que recebia quer no seio familiar, quer no ambiente escolar, com
aquelas que lhes chegavam através da Internet e da Mídia globalizada para
estruturar um cabedal aprendido de cognições de que, posteriormente, servir-
se-ia a fim de Construir e Reconstruir fosse a Aprendizagem, fosse uma
realidade interna que lhe possibilitasse interagir com harmonia em ambos estes
meios. E neste processo não conta com a orientação madura de um adulto
bem estruturado. Por isto, segue seu impulso natural de curiosidade e se torna
fácil vítima de perigos enormes para si. Sua realidade interna que devia
atender às tradições familiares e às novidades sociais, adoecia, pervertia-se
facilmente. A Escola percebeu rapidamente que a criança, o futuro cidadão,
estava no centro daquelas mudanças bruscas e merecia que se lhe desse mais
atenção. Por isto, a ela foi dedicado uma profusão de estudos e pesquisas, no
esforço dos educadores para compreender os complexos processos que,
agora, embasavam seu Construtivismo na Aprendizagem. A Educação sofria
choque muito sério, pois professores também são humanos, têm famílias e,
como tal, enfrentam as mesmas dificuldades que aquelas dos pais de seus
alunos. Por isto, também se encontram no mesmo barco sem rumo em que se
debatem os pais de seus pupilos.
64
3.5 Intensifica-se o conflito entre Mestres e Alunos
O processo de construção, desconstrução e reconstrução da realidade
encontrava dificuldade no meio acadêmico discente, e a flexibilidade da
Direção e dos professores das Faculdades já não era suficiente para um
sistema alienado ou em processo de alienação pelos jovens rebeldes. Tal
rebeldia era função da aceleração no processo construtivista de alunos cujas
“Identidades” buscavam acompanhar os novos modus vivendi sociais, os quais,
com muita freqüência, chocavam-se com a tradicionalidade regional e
instrucional. Já naqueles idos, no princípio da globalização, o Construtivismo
pessoal dissociava-se da relação aluno-professor e influía significativamente no
processo ensino-aprendizagem, intensificando os conflitos e as rebeldias.
Poucos compreendiam que enfrentavam a influência nefasta do neoliberalismo,
que surgia com força. A desproporção entre o número de professores e aquele
de alunos coagiu os mestres a optar por se restringir à matéria que deviam
ensinar. O tempo de aula não dava espaço à interação social, à conversa
educacional, a uma intimidade mais pessoal e menos didática no sentido estrito
do ensino. Os jovens adolescentes universitários tinham de encontrar suas
respostas entre si mesmos e aqueles que não mais contavam com o apoio de
uma boa família eram os mais prejudicados e geralmente os líderes dos grupos
estudantis.
3.6 O advento do neoliberalismo e da Internet na sociedade
Nos países emergentes o pensamento neoliberal chegou macio,
disfarçado de bonzinho, e assenhoreou-se de tudo o que tinha valor
econômico. Então, começou a derrocada. Demissões e mais demissões, todas
visando empregados antigos, estabilizados. Motivo? Estavam ganhando muito
e não produziam de conformidade com o que lhes era pago. As sociedades,
não só nos países emergentes, mas também naqueles integrantes do Grupo
dos Sete (o G-7), perderam seus nortes. Suas populações rapidamente foram
empobrecidas para que os dominadores do Poder Econômico ganhassem sem
65
freios. O bem-estar social foi relegado ao Estado que, assoberbado com a
quantidade de miseráveis e pobres nascidos do dia para a noite pela ação do
Mercado, afogou-se. E não é preciso ir longe para constatar esta assertiva.
Aqui no Brasil os noticiários mostram diuturnamente filas e mais filas de pobres
e miseráveis morrendo à míngua nos corredores e no chão dos hospitais
públicos que não possuem estrutura nem médicos nem medicamentos para os
atender. Com a rede mundial de computadores as fronteiras culturais e
mercadológicas sumiram. A Comunicação traz, agora, a Informação
diretamente de qualquer parte do mundo à casa dos cidadãos. Qualquer
criança atualmente tem acesso, quase sempre irrestrito, ao manancial da
Informação. Acelerou-se o desenvolvimento de seu Q. I. (Quociente Intelectual)
que se tornou cada vez mais precoce. Entretanto, se a cibernética beneficiou a
criança e o jovem quanto ao Q. I., trouxe, com a Internet, uma parcela de
Informação perversa, distorcida, maldosa. Opiniões doentias social, política e
culturalmente são veiculadas sem censura. Patologias psicossociais são
divulgadas na rede mundial acobertadas pela liberdade irrestrita concedida à
Comunicação de Massa. Jovens púberes e adolescentes universitários não têm
mais razão para apoiar seu processo Construtivista nos conceitos familiares e
legais. O novo, o que quebra paradigmas contra os quais seu natural impulso
de luta pela superioridade se volta, substitui “arcaicos” conceitos de Moral,
Ética e Religião. Além disto, no Brasil, os exemplos dos políticos e do sistema
penal reafirmam a vantagem da Impunidade sobre a Moralidade, a Decência, o
Direito e a Honestidade. A Aprendizagem objetiva, real, deixa de se situar
dentro das paredes das Universidades. Agora, ela está na Internet e é para ela
que se voltam universitários e estudantes secundaristas. E é ali que suas
Identidades se esboroam.
3.7 Distanciam-se os universitários de seus mestres
66
A destruição da família pela ação de uma educação demasiadamente
livre e acéfala coloca os jovens, muito cedo, na condição de sofredores do
Vazio Existencial. Seu eigenwelt é vivido no exterior e alimenta cada vez mais
aquele vazio existencial sobre o qual tanto escreveram Kierkegaard,
Heidegger, Nietzsche, Camus e outros. O Umwelt dos universitários, por sua
vez, encontra-se desorganizado porque a ordem, os objetos e a previsibilidade
que lhe dão base, na atualidade foram demasiadamente relativizados e
“mutabilizados”, de modo que lhes chegam na velocidade dos interesses de
Mercado, dos jogos políticos e da Informação pela Internet e lhes são
apresentados aos processos cognitivos como uma figura caleidoscópica. A
base de seu Mitwelt, a energia do Amor, gelatinizou-se. Amor, na atualidade, é
coito e nada mais. É desejo carnal do macho pela fêmea. É assim que os
jovens universitários aprendem e é com base nesta aprendizagem distorcida
que se relacionam. Seu processo Construtivista difere daquele que ocorre em
seus mestres. Os conflitos entre alunos e professores se tornam mais fortes e
mais radicalizados e já se iniciam no ensino secundário. A família
desestruturada pelos divórcios, pela falta de tempo e de diálogo dos pais para
com seus filhos, e pela luta desesperada para sobreviver, não constitui mais
um templo de segurança e proteção. Nestas bases, o Mitwelt não tem
condições de estruturar um ambiente psicossocial que propicie à juventude
saber quais diretrizes seguir para viver bem com seus semelhantes. O Medo, o
Vazio Existencial e a Angústia da época de Binswanger estão, mais que nunca,
presentes no viver e conviver de nossa juventude universitária atual.
3.8 A ganância destrói a humanidade e endeusa o Lucro
A Comunicação não poderia ser contida, pois é um atributo que nos
diferencia dos demais animais. Seu progresso chegaria até onde chegou. Mas
não se pode imputar-lhe a responsabilidade pelo ideário neoliberal. Ela cumpre
seu papel de levar a Informação rápida e simultaneamente a diversas partes do
67
mundo. O que se tornou doença quase incurável foi o pensamento dos
intelectuais reunidos em Monte Pélier para combater as políticas estaduais de
bem-estar social, às quais entendiam como paternalismo dispensável e
irresponsável do Poder Público. Assim, deram força à cobiça dos potentados
do Poder Econômico e o que resultou foi fome, miséria, criminalidade
incontrolável e consumismo desenfreado nas sociedades13. Quebraram os
paradigmas sociais e familiares; destruíram os valores religiosos e
humanísticos. Substituíram tudo por um único senhor: o Lucro. Quem muito
tem, mais quer ter; quem nada tem, até o pouco que tem está perdendo. No
Brasil, os aposentados são considerados fora do Mercado e, logo, um peso
morto que deve ser descartado. Seus reajustes e a recuperação das perdas
sofridas são sempre atacados com acidez pela Imprensa e pelo Governo. O
mesmo governo que não hesita em liberar quarenta bilhões de reais para dar
sustentação ao Mercado Bancário. Entretanto, é bom lembrar que, hoje, mais
da metade das famílias brasileiras vive com a aposentadoria dos velhos de
ontem e, entre estes, uma parcela significativa dos jovens universitários.
Pergunta-se novamente: qual é o processo Construtivista que estes jovens
estruturam em seus íntimos? Como pode o neoliberalismo descaradamente
afirmar que “o sistema social coloca acima de tudo os interesses individuais” se
o que se vê e se sente na prática é exatamente o contrário? O mal deste
século não é a ansiedade, mas sim a Mentira. Toda a estrutura neoliberalista
estriba-se nesta destruidora da Moralidade e da Ética em qualquer área social.
E isto é um desastre para a formação do sistema de Construtos Pessoais de
nossa juventude.
3.9 A perda da consciência ética do universitário brasileiro
13 Nos últimos dias, até os gananciosos estão às voltas com a quebradeira generalizada dos bancos, os maiores glutões do planeta. E se lembraram de Deus, comparecendo em massa a uma missa que mandaram rezar para conseguir do Criador ajuda para salvar suas fortunas que se vão ralo a baixo no descontrole das Bolsas de Valores. Pedem trilhões de dólares ao Governo, como no caso norte-americano, mas não querem abrir mão de suas retiradas bilionárias, como se a quebradeira em que lançaram o mundo não lhes dissesse respeito e não os envolvessem também.
68
O universitário adolescente mal entra na Vida e encontra a injustiça
social, o descaso das autoridades “incompetentes” e o peso esmagador da
impotência sobre seus ombros e sobre os ombros de sua família, para qualquer
lugar que se volte. Dentro da sala de aula, uma parcela significativa destes
brasileiros quase sem futuro, encontra-se com professores que, também
esmagados pela filosofia mercadológica e inexperientes, não conseguem
comprometer-se com a Arte de Educar. Cumprem, aos trancos e barrancos, o
dever de Ensinar. Muitos ministram suas aulas com um mínimo de interesse,
pois os conflitos construtivistas entre suas Identidades já quase formadas e
aquelas dos alunos, ainda em formação, desestimula-os e os leva à construção
de construtos geralmente pessimistas. “Eles fingem que ensinam; nós fingimos
que estudamos”. Nunca este triste aforismo foi tão verdadeiro nas nossas
faculdades. Piorando a situação, a Internet disponibiliza farto material de
pesquisa e de trabalhos para monografias ou teses de mestrado e doutorado,
levando os universitários ao vício pernicioso do control c, control v, fato que ou
desestimula o mestre, ou faz que apenas dê de ombros, indiferente ao ato
lesivo do universitário para consigo mesmo (quiçá, até ele, quando estudante,
tenha-se servido deste artifício desonesto).
Comportamentos políticos nas diversas áreas da estrutura da
sociedade brasileira fornecem maus insumos que sub-repticiamente modelam
o processo de Construção da Realidade na juventude universitária. Os
cidadãos se percebem sufocados, impotentes, sem compromisso entre si e o
sistema e desamparados por este. No Brasil, parte dos políticos são chagas
fétidas contaminando o ar da Democracia e insultam os eleitores com seus
comportamentos criminosos, de conchavos mútuos, de crimes de lesa-pátria e
de sem-vergonhismo espantoso. Mesmo com centenas de provas dos crimes
cometidos por eles e apresentadas pela P. F. na Imprensa falada e escrita,
diante do vídeo choram e negam veementemente que aqueles crimes tenham
sido de suas responsabilidades. Jovens púberes e jovens adolescentes os
vêem e entendem o mau exemplo que lhes chega. Mas não há diálogo entre
69
pais e filhos sobre o que a Imprensa mostra. Quando muito somente um
comentário feito com desprezo ou derrotismo: “político é tudo igual”. Que
sistema de Construtos Pessoais os adolescentes universitários formam a partir
do mau exemplo das autoridades constituídas, modelos nacionais que lhes
embasam o Construtivismo na aprendizagem e na interatividade? E como se
processa a generalização destes construtos na sua amplitude de conveniência
no complexo relacionamento intelectual e emocional do universitário com o
Ensino e com os seus mestres? Ninguém sabe. Ninguém volta a atenção para
isto. Ninguém tem uma consciência de quanto averiguar tal processo é
importante para a compreensão da relação conflituosa da Construtividade no
meio universitário.
3.10 É preciso enfrentar a anomia no ambiente acadêmico
Todo este cadinho de descaminhos psicafetivos, de conflitos, de
desestruturações sociais e de violência descontrolada no meio juvenil constitui
uma carga de insumos que exige ser debatida com mais atenção e seriedade,
senão pelas autoridades “incompetentes” constituídas, ao menos nos meios
dos que exercem o magistério. A Aprendizagem não se dá somente na sala de
aula. Ela acontece mais fortemente fora deste ambiente. Alunos não aprendem
o que está estratificado em livros; aprendem adaptando o que ouvem ou lêem à
realidade que vivem e sentem. É assim que aprimoram seu Construtivismo na
Aprendizagem. Com este processo estruturam seu sistema de Construtos
Pessoais, os quais regem o modo como percebem, entendem e interpretam o
meio acadêmico e a relação com os mestres.
A humanidade foi dividida: 80% da população mundial foi reduzida à
pobreza e relegada ao abandono e esta realidade é aquela de mais de cem
países no mundo. Na divisão capitalista do mundo, os 20% que perfaz a elite
foi incentivado à concorrência e à competição acirrada para formar excelentes
70
profissionais, e, com isto, conseguir emprego com um ganho razoável. Sem a
profissionalização, a especialização e a aquisição de títulos e mais títulos
universitários, o elemento integrante destes 20% está fadado à descida para a
“segundona”, o meio onde vegeta os 80% da humanidade atual. Dentro de tal
filosofia a juventude neoliberalizada e globalizada se desumaniza e sente com
mais intensidade o peso de sua condição de impotência social.
O homem deixou de ser um ser social e se tornou um ser neoliberal.
Deixou de colocar o bem-estar social acima dos próprios interesses, pois estes
foram redirecionados para as prementes necessidades básicas de abrigo,
alimento e segurança. O Estilo de Vida da maioria esmagadora do “homo
sapiens sapiens” redefinido “homo neoliberalis” não se volta para o Social, mas
para a sobrevivência. Seu complexo de inferioridade tornou-se uma cela de
onde não tem saída. Os jogos econômico-político-financeiros não mais são de
seu conhecimento. Seus destinos e o de suas proles são decididos em
ambientes fechados, com ar refrigerado e regado a vinhos finos. Guerras são
decididas para atender a interesses de uns poucos e centenas, milhares de
vidas são perdidas sem que os familiares dos que foram mandados morrer
saibam a razão clara pela qual tiveram de perder seus filhos. E se, nos países
do G-7, o desespero vem através das guerras inúteis e sem propósitos claros,
nos países emergentes ele chega através do desemprego e do subemprego,
da desinformação e do desrespeito à pessoa humana, o que esmaga a
juventude e lhes retira a esperança e o norte na vida.
É de ambientes sócio-familiares assim desestruturados que vêm os
jovens universitários. Desde muito cedo, eles se perdem na anomia social
generalizada. Aos trancos e barrancos elaboram seus processos
Construtivistas, juntando os cacos das compreensões que conseguem ter das
informações confusas que os cercam e engolfam e que são manipuladas pelo
interesse do Mercado. O vazio existencial assola-lhes as almas desde muito
cedo e o que lhes é oferecido pela pobreza e pela desorganização da nação
71
em que vivem são a impotência social, uma perspectiva de futuro sem
segurança, a fome, as drogas e os vícios de todos os tipos.
72
CONCLUSÃO
“Para pessoas como eu, uma economista e
jornalista, instruída e bem paga, com uma dose de
espírito empreendedor, a nova flexibilidade do mercado
de trabalho do Reino Unido revelou oportunidades
maravilhosas. (...) Para pessoas sem qualificações
condizentes com as exigências do mercado, sem os
adequados recursos de família ou economias suficientes,
a crescente flexibilidade acaba significando uma
exploração ainda maior pelos empregadores...”
Diane Coyle.
E A RESPOSTA MAIS PROVÁVEL É “SIM”
A crueza dos resultados sociais do pensamento neoliberal que
alavanca o Mercado desta pós-modernidade em que se vive foi exposta,
73
propositadamente com cores muito fortes. Claro está que a ênfase foi dada à
parte menos protegida da Sociedade justamente porque ela é a maior fatia. É
preciso voltar os olhos para os 80% de pobres e miseráveis que, como
acontece no Nordeste brasileiro, ainda come barro para saciar a fome (veja-se
o JN do ½ dia de 10/10/2008). É preciso voltar os olhos para as favelas das
grandes cidades brasileiras, onde vive a maior parte de suas populações em
perigosa vizinhança com a criminalidade; e para os conjuntos residenciais que
estão ao redor de tais locais e são habitadas por pessoas classificadas como
classe média. É preciso, enfim, buscar meios de estudar o jovem adolescente
universitário, grande parte deles egressa destes bolsões de pobreza, para
compreender sua estrutura de pensamento, aquela que o conduz através de
um sistema de Construtos Pessoais que tem como norte orientador uma
sociedade no limite da falência total dos valores de Ética, Moral e Honra.
É, em muito, daqueles meios sociais que chegam às Universidades
jovens adolescentes nos quais as estruturas de seus sistemas Construtivistas
partem de fontes sociais com folkways e mores bastante heterogêneas entre si.
Assim, os que integram os grupos socialmente marginalizados, como é o caso
dos jovens desviados pertencentes à classe média e média alta brasileira, têm
Construtos Pessoais centrados na Construção de uma Realidade marginal,
com valores e crenças dissociadas da legalidade e do bem-estar do convívio
social sadio, que se constitui com valores éticos e morais positivos. Estudantes
de terceiro grau como estes, possuem Construtos Centrais que os conduzem a
comportamentos aéticos e amorais no âmbito universitário. Geralmente são
adeptos das drogas e as disseminam entre a população universitária sem
qualquer senso de censura. Não possuem limites educacionais de família, por
isto tendem a ser agressivos, desobedientes e imediatistas na busca do sexo
(prazer). Seus Construtos Periféricos complementam aqueles centrais, mas
respondem com maior rapidez aos insumos sociais que se afinem com o meio
social de onde vieram, pois ali se centra seu Foco de Conveniência, enquanto
a Universidade constitui o ambiente para a sua Amplitude de Conveniência.
Grande parte dos universitários marginalizados não é egressa de favelas ou
74
guetos, mas sim das camadas sociais de classe média. Criados com
demasiada liberdade, com pouca supervisão educacional dos pais e apegados
à internet, eles se constituem nas maiores dores de cabeça para os diretores e
professores universitários. Fora dos muros da universidade, quase sempre
também são problemas para os agentes da Lei. Este grupo de universitários
tende a possuir Construtos Permeáveis somente para elementos da
aprendizagem que se afinem com o modo distorcido pelo qual entendem a vida
em sociedade. E aqui é bom considerar o que a Psicanálise chama de
catatimia, uma defesa egóica através da qual a pessoa adéqua a realidade
exterior percebida às suas necessidades, desejos, expectativas, temores e
fraquezas interiores. Neste aspecto, a realidade não é aquela que o exterior
coloca para o indivíduo, mas sim aquela que é construída em seu Eu. Os
Construtos Impermeáveis do grupo dos classe média voltados para o lado
negro do convívio social constituem aqueles que rejeitam quaisquer novos
elementos que se choque com o modo como Constroem a Realidade e a
Aprendizagem. Têm Estilos de Vida que buscam a superioridade através do
imediatismo, do logro, da artimanha e da desobediência civil. É preciso
compreender, conforme dizia Adler, que, enquanto indivíduos, estes
universitários são partes de uma estrutura social mais ampla. Portanto, são
reflexos do meio social onde foram educados.
Finalizando estas considerações, ressalte-se que na sala de aula a
interação professor-aluno acontece através dos Sistemas de Construtos
Pessoais de cada um. Uma vez que o professor representa a ordem e o
progresso dentro de limites legais, a parcela desviada dos universitários classe
média e média alta interpreta-o, segundo seu Sistema de Construtos Pessoais,
de modo depreciativo. Tudo, então, que vem daquela figura representativa da
parte organizada e responsável da Sociedade se choca com os Construtos
Impermeáveis do universitário. A resistência dos construtos impermeáveis pode
ensejar comportamentos francos de rebeldia, agressividade ou intolerância no
universitário para com a figura do professor. Por outro lado, se o professor
possui um Sistema de Construtos Pessoais formado dentro de campos sociais
75
ordeiros, organizados e afeitos à ética e à moralidade, seus Construtos
Impermeáveis tornam-no incapaz de aceitar o universitário que a ele se opõe.
O conflito, declarado ou disfarçado, que se faz presente na interação aluno-
professor tem alta probabilidade de interferir significativamente no processo
ensino-aprendizagem. Uma vez que o sistema social-familiar se desagregou e
sabendo-se que, conforme comprovam a Psicologia e a Psicanálise, a pessoa,
no final do período da adolescência, sofre uma regressão a padrões
internalizados de comportamentos infantis, prototáxicos, nosso jovem
universitário com toda certeza não pode ser considerado um adulto pronto e
acabado para que nele não mais se leve em consideração os complexos
processos maturacionais por que ainda está passando. Seu processo de
Construção e Reconstrução da Realidade ainda é incipiente e inseguro e,
portanto, interfere na relação aluno-professor colocando entre ambos uma
situação interativa deveras delicada, embora rica em material para pesquisa e
estudo. E é claro que o rapidíssimo advento da Globalização com o
concomitante pensar neoliberal desestabilizou não somente a área instrucional
das faculdades, mas todas as áreas do sistema social brasileiro. Com este
resultado interferiu, sim, de modo profundo na relação universitária do processo
ensino-aprendizagem.
O monografista acredita que conseguiu demonstrar o quanto é
importante, no ensino de nível superior, a entidade universitária e o professor
considerarem o Construtivismo dos alunos, não do ponto de vista piagetiano,
mas do ponto de vista da Teoria do Construto Pessoal, de Kelly.
Embora não se trate de um trabalho de pesquisa, com resultados
estatísticos prováveis, a linha de desenvolvimento construída pela análise
sucinta, mas objetiva, das considerações fatuais analisadas indicam que:
a) A globalização neoliberalizada afetou significativamente o processo de
Construção e Reconstrução da Realidade e da Aprendizagem no jovem
brasileiro;
76
b) O jovem universitário no período final da adolescência não está
suficientemente amadurecido para ser considerado adulto apto a assumir
as responsabilidades sociais e legais que a eles se atribuem;
c) A sociedade brasileira, no atual momento histórico que atravessa, não
apresenta as condições básicas sociais e familiares que propiciem ao
jovem continuar seu amadurecimento com segurança e com discernimento
claro do que deseja e do que pode alcançar.
d) O processo de Construção e Reconstrução da Realidade interfere, sim, na
relação aluno-professor e tem alta probabilidade de influir
significativamente no processo ensino-aprendizagem.
Finalizando, o autor deseja ressaltar que esta monografia é
fundamentada em leituras de livros de educadores conhecidos, de livros de
denúncias políticas nacionais e internacionais, de livros de Teorias da
Personalidade, de livros específicos sobre o neoliberalismo e a globalização,
de conversas descompromissadas com universitários goianos, de artigos na
internet e em publicações esparsas; e também na leitura da Lei 10.406 e da
Constituição Brasileira. Ela não contém nenhum elemento de pesquisa de
campo nos moldes científicos, portanto, as conclusões a que se chega podem
ser consideradas com mais acerto como levantamento de hipóteses para
investigação científica. Hipóteses que, com toda a certeza, trarão luz sobre o
dilema universidade-universitário na dimensão da Construtividade no processo
de amadurecimento do cidadão brasileiro.
ANEXO IARTIGO NA INTERNET (acessado dia 12/07/2008)
77
NeoliberalismoOrigens
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/atualidade/neoliberalismo2.htm
Toda e qualquer doutrina deve ser entendida como resultado de uma oposição. Ela estrutura-se para combater algum princípio que lhe desagrada ao mesmo tempo em que procura oferecer-lhe uma alternativa. Com o neoliberalismo não foi diferente. Suas raízes teóricas mais remotas encontram-se na chamada escola austríaca - reconhecida por sua ortodoxia no campo do pensamento econômico - que se centralizou em torno do catedrático da Faculdade de Economia de Viena, Leopold von Wiese,na segunda metade do século XIX e que ficou conhecido por seus trabalhos teóricos sobre a estabilidade da moeda, especialmente o publicado com o título de “O Valor Natural”(1889).
Mais recentemente o neoliberalismo surgiu pela primeira vez, em 1947, com o célebre encontro entre um grupo de intelectuais conservadores em Monte Pélier, na Suiça, onde formaram uma sociedade de ativistas para combater as políticas do Estado de Bem-estar social. Essas políticas tiveram inicio em 1942 com a publicação na Inglaterra do Relatório Benveridge. Segundo ele, depois de vencida a guerra, a política inglesa deveria-se inclinar doravante para uma programação de aberta distribuição de renda, baseada no tripé da Lei da Educação, a lei do Seguro Nacional e a Lei do Serviço Nacional de Saúde (associadas aos nomes de Butler, Beveridge e Bevan). A defesa desse programa tornou-se a bandeira com a qual o Partido Trabalhista inglês venceu as eleições de 1945 colocando em prática os princípios do Estado de Bem-estar Social.
Para Friedrich von Heyek esse programa levaria o país ao retrocesso. Escreveu então um livro inflamado que pode ser considerado como o Manifesto do Neoliberalismo - "O Caminho da Servidão"(1944).Nele expôs os princípios mais gerais da doutrina, assegurando que o crescente controle do estado levaria fatalmente à completa perda da liberdade, afirmando que os trabalhistas conduziriam a Grã-Bretanha pelo mesmo caminho dirigista que os nazistas haviam imposto à Alemanha. Isso serviu de mote à campanha de Churchill, pelo Partido Conservador ,que chegou ao ponto de dizer que os trabalhistas eram iguais aos nazistas.
A outra vertente do neoliberalismo surgiu nos Estados Unidos e concentrou-se na chamada escola de Chicago do prof. Milton Friedman. Combatia a política de New Deal do Presidente F.D.Roosevelt por ser intervencionista e pró-sindicatos. Friedman era contra qualquer regulamentação que inibisse as empresas e condenava até o salário-minimo na medida em que alterava artificialmente o valor da mão-de-obra pouco qualificada. Também opunha-se a qualquer piso salarial fixado pelas categorias sindicais pois segundo terminavam por adulterar os custos produtivos, gerando alta de preços e inflação.
Devido a longa era de prosperidade - quase 40 anos de crescimento - que impulsionou o mundo ocidental depois da segunda guerra, graças as diversas adoções das políticas keynesianas e sociais-democratas, os neoliberais recolheram-se para a sombra. Mas a partir da crise do petróleo de 1973, seguida pela onda inflacionaria que surpreendeu os estados de Bem-estar social, o neoliberalismo gradativamente voltou à cena. Denunciou a inflação como resultado do estado demagógico perdulário,
78
chantageado ininterruptamente pelos sindicatos e pelas associações. Responsabilizaram os impostos elevados e os tributos excessivos, juntamente com a regulamentação das atividades econômicas, como os culpados pela queda da produção. O mal devia-se pois a essa aliança espúria entre o Estado de Bem-estar social e os sindicatos. A reforma que apregoavam devia passar pela substituição do Estado de Bem-estar social e pela repressão aos sindicatos. O estado deveria ser desmontado e gradativamente desativado, com a diminuição dos tributos e a privatização das empresas estatais, enquanto os sindicatos seriam esvaziados por uma retomada da política de desemprego, contraposta à política keynesiana do pleno emprego. Enfraquecendo a classe trabalhadora e diminuindo ou neutralizando a força dos sindicatos, haveria novas perspectivas de investimento, atraindo novamente os capitalistas de volta ao mercado.
O primeiro governo ocidental democrático a inspirar-se em tais princípios foi o da sra. Tatcher na Inglaterra, a partir de 1980. Enfrentou os sindicatos, fez aprovar leis que lhes limitassem a atividade, privatizou empresas estatais, afrouxou a carga tributária sobre os ricos e sobre as empresas e estabilizou a moeda. O Governo Conservador da sra. Tatcher serviu de modelo para todas as políticas que se seguiram posteriormente no mesmo roteiro.A hegemonia do neoliberalismo hoje é tamanha que países de tradições completamente diferentes, governados por partidos os mais diversos possíveis, aplicam a mesma doutrina.
NeoliberalismoAlguns princípios básicos do Neoliberalismo
Filosofia: na teologia neoliberal os homens não nascem iguais, nem tendem à igualdade.Logo qualquer tentativa de suprimir com a desigualdade é um ataque irracional à própria natureza das coisas. Deus ou a natureza dotou alguns com talento e inteligência mas foi avaro com os demais. Qualquer tentativa de justiça social torna-se inócua por que novas desigualdades fatalmente ressurgirão.A desigualdade é um estimulante que faz com que os mais talentosos desejem destacar-se e ascender ajudando dessa forma o progresso geral da sociedade.Tornar iguais os desiguais é contraproducente e conduz à estagnação. Segundo W. Blake: "A mesma lei para o leão e para o boi é opressão!"
Exclusão e pobreza: a sociedade é o cenário da competição, da concorrência. Se aceitamos a existência de vencedores, devemos também concluir que deve haver perdedores. A sociedade teatraliza em todas a instâncias a luta pela sobrevivência. Inspirados no darwinismo, que afirma a vontade do mais apto, concluem que somente os fortes sobrevivem cabendo aos fracos conformarem-se com a exclusão natural. Esses, por sua vez, devem ser atendidos não pelo Estado de Bem-estar, que estimula o parasitismo e a irresponsabilidade, mas pela caridade feita por associações e instituições privadas, que ameniza a vida dos infortunados. Qualquer política assistencialista mais intensa joga os pobres nos braços da preguiça e da inércia. Deve-se abolir o salário-minimo e os custos sociais, porque falsificam o valor da mão-de-obra encarecendo-a, pressionando os preços para o alto, gerando inflação.
Os ricos: eles são a parte dinâmica da sociedade. Deles é que saem as iniciativas racionais de investimentos baseados em critérios lucrativos. Irrigam com seus capitais a sociedade inteira, assegurando sua prosperidade. A política de tributação sobre eles deve ser amainada o máximo possível para não ceifar-lhes os lucros ou inibi-los em
79
seus projetos. Igualmente a política de taxação sobre a transmissão de heranças deve ser moderada para não afetar seu desejo de amealhar patrimônio e de legá-lo aos seus herdeiros legítimos.
Crise: é resultado das demandas excessivas feitas pelos sindicatos operários que pressionam o estado. Este, sobrecarregado com a política providenciaria e assistencial, é constrangido a ampliar progressivamente os tributos. O aumento da carga fiscal sobre as empresas e os ricos, reduz suas taxas de lucro e faz com que diminuam os investimentos gerais. Sem haver uma justa remuneração, o dinheiro é entesourado ou enviado para o exterior. Soma-se a isso os excessos de regulamentação da economia motivados pela continua burocratização do estado, que complicam a produção e sobrecarregam os seus custos.
Inflação: resultado do descontrole da moeda. E esse por sua vez ocorre devido ao aumento constante das demandas sociais (previdência, seguro-desemprego, aposentadorias especiais, redução da jornada de trabalho, aumentos salariais além da capacidade produtiva das empresas, encargos sociais, férias e etc...) que não são compensadas pela produção geral da sociedade. Por mais que o setor produtivo aumente a riqueza, a gula sindical vai na frente fazendo sempre mais e mais exigências. Ocorre então o crescimento do déficit público que é tapado com a emissão de moeda.
Estado: não há teologia sem demônio. Para o neoliberalismo ele se apresenta na forma do estado. O estado intervencionista. Dele é que partem as políticas restritivas à expansão das iniciativas. Incuravelmente paternalista, tenta demagogicamente solucionar os problemas de desigualdade e da pobreza por meio de uma política tributária e fiscal que termina apenas por provocar mais inflação e desajustes orçamentários.Seu zelo pelas classe trabalhadoras leva-o a uma prática assistencialista que se torna um poço sem fim. As demandas por bem-estar e melhoria da qualidade de vida não terminam nunca, fazendo com que seus custos sociais sejam cobrados dos investimentos e das fortunas.
Ao intervir como regulador ou mesmo como estado-empresário, ele se desvia das suas funções naturais, limitadas à segurança interna e externa, a saúde e à educação. O estrago maior ocorre devido a sua filosofia intervencionista. O mercado auto-regulado e auto-suficiente dispensa qualquer tipo de controle. É uma Cosmo próprio, com leis próprias, impulsionadas pelas leis econômicas tradicionais (oferta e procura, taxa decrescente dos lucros, renda da terra, etc...). O Estado deve pois ser enxugado, diminuído em todos os sentidos. Deve-se limitar o número de funcionários e desestimular a função pública.
Mercado: se há um demônio existe também um Céu. Para o neoliberalismo esse local divino é o mercado. Ele é quem tudo regula, faz os preços subirem ou baixarem, estimula a produção, elimina o incompetente e premia o sagaz e o empreendedor. Ele é o deus perfeito da economia moderna, tudo vê e tudo ouve, omnisciente e omnipresente. Seu poder é ilimitado e qualquer tentativa de controla-lo é um crime de heresia, na medida em que é ele que fixa as suas próprias leis e o ritmo em que elas devem seguir. O mercado é um deus,um deus calvinista que não tem contemplação para com o fracassado. A falência é sua condenação. Enquanto que aquele que é bem sucedido reserva-se-lhe um lugar no Éden.
Socialismo: segundo demônio da teologia neoliberal. É um sistema político
80
completamente avesso aos princípios da inciativa privada e da propriedade privada. É essencialmente demagógico na medida em que tenta implantar um igualdade social entre homens de natureza desigual. É fundamentalmente injusto porque premia o capaz e o incapaz, o útil e o inútil, o trabalhador e o preguiçoso. Reduz a sociedade ao nível de pobreza e graças a igualdade e a política de salários equivalentes, termina estimulando a inércia provocando a baixa produção. Ao excluir os ricos da sociedade, perde sua elite dinâmica e seu setor mais imaginativo, passando a ser conduzido por uma burocracia fiscalizadora e parasitária.
Regime político: o neoliberalismo afina-se com qualquer regime que assegure os direitos da propriedade privada. Para ele é indiferente se o regime é democrata, autoritário ou mesmo ditatorial. O regime político ideal é o que consegue neutralizar os sindicatos e diminuir a carga fiscal sobre os lucros e fortunas, ao mesmo tempo que desregula o máximo possível a economia. Pode conviver tanto com a democracia parlamentar inglesa, como durante o governo da Sra. M. Tatcher, como com a ditadura do Gen. A.Pinochet no Chile. Sua associação com regimes autoritários é tático e justificada dentro de uma situação de emergência (evitar uma revolução social ou a ascensão de um grupo revolucionário). A longo prazo o regime autoritário, ao assegurar os direitos privados, mais tarde ou mais cedo, dará lugar a uma democracia.
Teóricos: o neoliberalismo é resultado do encontro de duas correntes do pensamento econômico. A primeira vem da escola austríaca, aparecida nos finais do século XIX tendo a frente Leopold von Wiese e que teve prosseguimento com von Miese e seu mais talentoso discípulo Friedrich von Heyek, que apesar de austríaco fez sua carreira em Londres. Heyek se opôs tanto à política keynesiana (por seu intervencionismo) como ao estado de Bem-estar social (pelo seus assistencialismo) idealizado primeiro na Inglaterra em 1942. A outra vertente é formada pela chamada escola de Chicago, tendo Milton Friedman como seu expoente. Friedman foi o principal crítico da política do New Deal do presidente F.D.Roosevelt (1933-45) devido sua tolerância com os sindicatos e a defesa do intervencionismo estatal. INTERNETE - ATUALIDADE
ANEXO II
81
Artigo na Internet (acessado dia 23/08/2008)Frei Betto *
Adital – Artigos – Opinião
O neoliberalismo é o novo caráter do velho capitalismo. Este adquiriu força hegemônica no mundo a partir da Revolução Industrial do século 19. O aprimoramento de máquinas capazes de reproduzir em grande escala o mesmo produto e a descoberta da eletricidade possibilitaram à indústria produzir, não em função de necessidades humanas, mas sobretudo visando ao aumento do lucro das empresas. O excedente da produção e a mercadoria supérflua obtiveram na publicidade a alavanca de que necessitavam para induzir o homem a consumir, a comprar mais do que precisa e a necessitar do que, a rigor, é supérfluo e até mesmo prejudicial à saúde, como alimentos ricos em açúcares e gordura saturada. O capitalismo é uma religião laica fundada em dogmas que, historicamente, merecem pouca credibilidade. Um deles reza que a economia é regida pela "mão invisível" do mercado. Ora, em muitos períodos o sistema entrou em colapso, obrigando o governo a intervir na economia para regular o mercado.14
O fortalecimento do movimento sindical e do socialismo real, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial (1940-1945), ameaçou o capitalismo liberal, que tratou de disciplinar o mercado através dos chamados Estados de Bem-Estar Social (previdência, leis trabalhistas, subsídios à saúde e educação etc.). Esse caráter "social" do capitalismo durou até fins da década de 1970 e início da década seguinte, quando os EUA se deram conta de que era insustentável a conversibilidade do dólar em ouro. Durante a guerra do Vietnã, os EUA emitiram dólares em excesso e isso fez aumentar o preço do petróleo. Tornou-se imperioso para o sistema recuperar a rentabilidade do capital. Em função deste objetivo várias medidas foram adotadas: golpes de Estado para estancar o avanço de conquistas sociais (caso do Brasil em 1964, quando foi derrubado o governo João Goulart), eleições de governantes conservadores (Reagan), cooptação dos social-democratas (Europa ocidental), fim dos Estado de Bem-Estar Social, utilização da dívida externa como forma de controle dos países periféricos pelos chamados organismos multilaterais (FMI, OMC etc.) e o processo de erosão do socialismo real no Leste europeu. O socialismo ruiu naquela região por edificar um governo para o povo e não do povo e com o povo. À democracia econômica (socialização dos bens e serviços, e distribuição de renda) não se adicionou a democracia política; não nos moldes do Ocidente capitalista, mas fundada na participação ativa dos trabalhadores nos rumos da nação. Nasceu, assim, o neoliberalismo, tendo como parteiro o Consenso de Washington - a globalização do mercado "livre" e, segundo conveniências, do modelo norte-americano
14 É o que vem acontecendo recentemente, nos EUA, com a quebra de grandes bancos e o Governo tendo de intervir para evitar – ou adiar – uma catástrofe econômico-financeira anunciada.
82
de democracia (jamais exigido dos países árabes fornecedores de petróleo e governados por oligarquias favoráveis aos interesses da Casa Branca). O capitalismo transforma tudo em mercadoria, bens e serviços, incluindo a força de trabalho. O neoliberalismo o reforça, mercantilizando serviços essenciais, como os sistemas de saúde e educação, fornecimento de água e energia, sem poupar os bens simbólicos - a cultura é reduzida a mero entretenimento; a arte passa a valer, não pelo valor estético da obra, mas pela fama do artista; a religião pulverizada em modismos; as singularidades étnicas encaradas como folclore; o controle da dieta alimentar; a manipulação de desejos inconfessáveis; as relações afetivas condicionadas pela glamourização das formas; a busca do elixir da eterna juventude e da imortalidade através de sofisticados recursos tecnocientíficos que prometem saúde perene e beleza exuberante. Tudo isso restrito a um único espaço: o mercado, equivocadamente adjetivado de "livre". Nem o Estado escapa, reduzido a mero instrumento dos interesses dos setores dominantes, como tão bem analisou Marx. Sim, certas concessões são feitas às classes média e popular, desde que não afetem as estruturas do sistema e nem reduzam a acumulação da riqueza em mãos de uma minoria. No caso brasileiro, hoje os 10% mais ricos da população - cerca de 18 milhões de pessoas - têm em mãos 44% da riqueza nacional. Na outra ponta, os 10% mais pobres sobrevivem dividindo entre si 1% da renda nacional. Milhares de pessoas consideram o neoliberalismo estágio avançado de civilização, assim como os contemporâneos de Aristóteles encaravam a escravidão um direito natural e os teólogos medievais consideravam a mulher um ser ontologicamente inferior ao homem. Se houve mudanças, não foi jamais por benevolência do poder.
* Frei dominicano. Escritor.
83
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