Transcript of UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE ......UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE...
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DISSERTAÇÃO DE DOUTORAMENTO EM CIÊNCIAS DA
EDUCAÇÃO – ESPECIALIDADE DE HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
Doutorando: Jorge Ferreira Cotovio
Janeiro de 2011
1.1. Considerações prévias
.......................................................................................................
35
1.2.1. A religião
.................................................................................................................
36
1.2.2. O homem, a pessoa e o humanismo cristão
.............................................................
38
1.3. A dimensão religiosa da educação
....................................................................................
40
1.3.1. O acto de educar
.....................................................................................................
40
1.3.2. A educação cristã, uma educação “integral”
...........................................................
42
1.4. A dimensão educativa da Igreja
........................................................................................
46
1.4.1. Igreja educadora – uma vocação natural
................................................................
46
1.4.2. O conceito de “Escola Catñlica”
.............................................................................
49
1.4.3. A missão da Escola Católica
..................................................................................
52
1.4.3.1. A missão como
“escola”................................................................................
52
1.4.3.2. A missão como “Escola
Catñlica”.................................................................
56
Os «fundamentos»
.......................................................................................
56
A missão
......................................................................................................
58
c) fomentar relações interpessoais que facilitem o
desenvolvimento
integral dos alunos
...................................................................................
66
f) cooperar, em espírito de comunhão
.......................................................... 73
4
As referências específicas às escolas de matriz cristã
............................................. 76
O conceito, os tipos, as designações e os critérios
.................................................. 80
1.5. Considerações finais
..........................................................................................................
82
Capítulo 2
O debate em torno da expansão escolar/ “democratização do ensino”,
especialmente
no contexto do ensino privado
2.1. Considerações prévias
......................................................................................................
83
2.2. Os conceitos (e preconceitos) da democratização do ensino
............................................. 84
2.2.1. A origem do conceito: da expansão escolar à democratização
do ensino ............... 84
2.2.2. O conceito em Veiga Simão
...................................................................................
91
2.2.3. Os entendimentos do conceito na Democracia
....................................................... 98
2.2.4. Observações finais
................................................................................................
100
2.3. Expansão económica e fomento da escolarização
..........................................................
100
2.4. O Estado e as suas instituições face à problemática da
expansão escolar ...................... 115
A) NO ESTADO NOVO
Os primeiros estatutos do ensino particular
..........................................................
115
A Constituição de 1933
..........................................................................................
117
O 4º Estatuto do Ensino Particular
........................................................................
118
A reforma do ensino liceal de Carneiro Pacheco
.................................................. 119
A Concordata de 1940
..........................................................................................
120
A criação da Inspecção Geral do Ensino
...............................................................
121
O Estatuto do Ensino Liceal
..................................................................................
121
O ano de 1949 e o debate em torno das Bases do Ensino Particular
.................... 124
2.4.2. O 5º Estatuto do Ensino Particular
.......................................................................
131
2.4.3. As primeiras revisões do Estatuto do Ensino Particular
....................................... 135
2.4.4. Iniciativas governamentais num período de forte expansão
escolar .................... 137
2.4.5. Mais revisões do Estatuto do Ensino Particular e outros
normativos .................. 145
5
2.4.6. Fazer frente à explosão escolar, com o ensino particular
..................................... 149
2.4.6.1. As preocupações expansionistas de Galvão Telles
..................................... 149
2.4.6.2. O Estatuto da Educação Nacional e o ensino particular
.............................. 151
2.4.6.3. A Telescola
.................................................................................................
162
2.4.6.4. Intervenções (políticas) no I Congresso do Ensino
Particular .................... 167
2.4.6.5. Uma política do espírito para uma educação personalista
......................... 170
2.4.7. O ensino particular no contexto da «Batalha da Educação»
................................ 176
2.4.7.1 A “Batalha da Educação” e a democratização do ensino
............................ 176
2.4.7.2. Os normativos da Reforma Veiga Simão
.................................................... 181
2.4.7.3. O projecto de Estatuto do Ensino Particular
.............................................. 191
2.4.7.4. As intervenções do ministro acerca do ensino particular
........................... 197
As referências ao ensino particular em geral
............................................ 197
As (boas) referências à Igreja e às suas escolas
........................................ 204
A gestão dos confrontos com o ensino particular
..................................... 209
A «espiritualidade» de Simão
....................................................................
217
2.4.7.5. Algumas intervenções de serviços do MEN correlacionadas
com o
ensino particular
.........................................................................................
220
B) NO REGIME DEMOCRÁTICO
2.4.8. O PREC
................................................................................................................
227
2.4.8.1. O (novo) contexto político e os primeiros diplomas
................................... 227
2.4.8.2. A Constituição de 1976
..............................................................................
237
2.4.9. Os Governos constitucionais
.......................................................................................
240
2.4.9.1. Os programas dos Governos
.......................................................................
240
I Governo Constitucional
...........................................................................
240
II Governo Constitucional
.........................................................................
241
III Governo Constitucional
.......................................................................
242
IV Governo Constitucional
.......................................................................
242
V Governo Constitucional
.........................................................................
242
VI Governo Constitucional
.......................................................................
243
2.4.9.2. Uma produção legislativa sem paralelo, rumo ao 6º Estatuto
do Ensino
Particular
.................................................................................................
243
Lei nº 9/79, de 19 de Março (Bases do ensino particular e
cooperativo) ... 244
6
Lei nº 65/79, de 4 de Outubro (Lei da liberdade do ensino)
...................... 248
Decreto-Lei nº 553/80, de 21 de Novembro (6º Estatuto do
Ensino
Particular e Cooperativo)
..........................................................................
249
A revisão da CRP de 1982
........................................................................
258
A Lei de Bases do Sistema Educativo
....................................................... 258
Outros diplomas
........................................................................................
261
2.4.9.3. Intervenções de governantes
.......................................................................
262
2.4.10. O debate parlamentar
...........................................................................................
265
2.4.10.1. Na Assembleia Nacional
..........................................................................
266
Perante o fenómeno da explosão escolar, o apelo ao ensino
particular .... 266
O ensino particular como fonte de receita e poupança para o Estado
........ 268
A defesa da liberdade de ensino
................................................................
271
A denúncia do monopólio estatal
...............................................................
275
O apelo ao Estado supletivo
......................................................................
276
O reconhecimento do papel do ensino particular
...................................... 279
A exigência de uma política de apoios
...................................................... 280
Uma política de apoios que privilegie os mais desfavorecidos
................. 285
A questão da oficialização
.........................................................................
288
A denúncia das deficiências
.......................................................................
290
A crise
........................................................................................................
293
O elogio da emulação
................................................................................
295
A colaboração entre a família, a Igreja, o Estado e a escola
...................... 296
As referências a governos anti-religiosos
................................................. 297
2.4.10.2. Na Assembleia Constituinte
......................................................................
299
Ruptura ou continuidade?
..........................................................................
299
Diferentes perspectivas sobre a liberdade de ensino
................................. 304
Conceito(s) de ensino livre
........................................................................
307
O debate em torno da supletividade
..........................................................
308
2.4.10.3. Na Assembleia da República
....................................................................
315
Reconhecimento do papel relevante desenvolvido pelas escolas
privadas
.....................................................................................................
316
7
Um ensino particular com ou sem fins lucrativos?
.................................... 323
Reacções aos (esperados) apoios ao ensino particular
.............................. 325
2.4.11. Observações finais
...............................................................................................
326
2.5.1. O Magistério universal da Igreja Católica
............................................................
328
Compete educar, prioritariamente, à família, mas com ajudas
............................. 329
Compete à Igreja educar, por direito, dispensando privilégios
............................. 330
Compete ao Estado educar, com uma função supletiva, sob o princípio
da
subsidiariedade
.......................................................................................................
331
A defesa da liberdade de escolha para todos
......................................................... 335
A defesa da liberdade de ensino e do pluralismo escolar
...................................... 337
2.5.2. A posição do episcopado português
.....................................................................
339
O aplauso aos inícios da explosão escolar e as esperanças na
democratização
do ensino
...............................................................................................................
339
O reconhecimento do papel do ensino particular e da crise que o
assola ............. 343
As críticas à sobredeterminação estatal
................................................................
346
A defesa da liberdade de escolha e dos apoios financeiros
................................... 350
A defesa da liberdade de ensino
............................................................................
353
A defesa da oficialização e da autonomia
.............................................................
356
A recusa de qualquer tipo de privilégios
...............................................................
357
A disponibilidade para cooperar com o Estado
..................................................... 359
2.5.3. Perspectivas de dioceses e movimentos
...............................................................
362
Os movimentos e serviços diocesanos
...................................................................
362
O caso específico do Externato de Proença-a-Nova e as reacções da
diocese ...... 365
2.5.4. Intervenções de Escolas Católicas
.........................................................................
372
O reconhecimento do (relevante) papel do ensino particular
............................... 372
O registo de anomalias (deficiências) no ensino particular
.................................. 374
O aplauso à democratização do ensino
..................................................................
377
A denúncia de um Estado totalitário (a denúncia de injustiças /
discriminação)
e recados
.................................................................................................................
379
Os entendimentos da “oficialização”
.....................................................................
382
A defesa da liberdade de ensino e da liberdade de escolha
.................................. 385
A questão dos privilégios
.......................................................................................
389
8
As queixas, os recados e os pedidos ao episcopado
............................................... 398
2.5.5. Posições assumidas por católicos
..........................................................................
400
2.5.5.1. Posições de catñlicos “especialistas”
......................................................... 400
O reconhecimento do papel desempenhado pelo ensino privado
................ 400
O apoio à expansão escolar
..........................................................................
402
As críticas ao monopólio estatal do ensino
.................................................. 403
Os deveres de um Estado supletivo
..............................................................
412
O apelo à liberdade de ensino e ao decorrente financiamento estatal
......... 414
A denúncia de uma neutralidade a raiar o laicismo
..................................... 420
As críticas internas ao ensino particular
...................................................... 423
2.5.5.2. Posições de outras personalidades assumidamente católicas
...................... 426
O reconhecimento da utilidade pública do ensino privado
........................ 427
A instabilidade no ensino público versus estabilidade no
ensino
privado
.......................................................................................................
430
A defesa da liberdade de ensino
................................................................
437
A exigência dos apoios estatais
.................................................................
441
As críticas ao monopólio estatal
...............................................................
446
A denúncia de (outras) injustiças
...............................................................
450
A perspectiva (e a constatação) da crise
.................................................... 453
Os paradoxos
..............................................................................................
458
As críticas à maçonaria, ao comunismo e ao espírito anticlerical
............. 461
As observações críticas ao ensino privado, em geral
................................ 463
Os comentários internos à Igreja (e às suas escolas)
.................................. 467
As perspectivas dissonantes
.......................................................................
469
2.5.6. Observações finais
................................................................................................
476
2.6. Perspectivas não institucionais
.......................................................................................
477
2.6.1. Reacções de responsáveis do ensino privado não confessional
e de
organizações que representam o ensino privado
.................................................... 478
2.6.2. Opinião de especialistas da área educacional
....................................................... 482
O reconhecimento do papel decisivo do ensino privado
....................................... 483
Um Estado que se serve do ensino privado e o determina
.................................... 485
As observações críticas ao ensino privado
.............................................................
488
9
A defesa do ensino particular contra o monopólio estatal
.................................... 489
As críticas ao ensino particular
.............................................................................
491
2.6.4. Observações finais
.................................................................................................
495
2.7. Considerações finais
........................................................................................................
496
Capítulo 3
A Escola Católica no contexto da educação nacional e da expansão do
ensino
3.1. Considerações prévias
....................................................................................................
499
3.2. Razões históricas do impacto da Escola Católica no contexto da
sociedade
portuguesa
...............................................................................................................................
500
3.2.1.1. Um monopólio natural
................................................................................
500
3.2.1.2.Os sinais deste peso no Estado Novo
..........................................................
502
“Salazar”
.......................................................................................................
502
Estado-Igreja: uma relação titubeante
......................................................... 515
3.2.1.3. A herança do peso da Igreja no regime democrático
.................................. 523
3.2.2. O protagonismo das escolas católicas
...................................................................
526
3.2.2.1. Antecedentes históricos
...............................................................................
526
Da parte da Igreja
......................................................................................
539
Da parte de governantes e deputados
......................................................... 543
De outros sectores
......................................................................................
548
3.2.2.3. Um estatuto privilegiado no universo do ensino privado
........................... 553
Os argumentos dos católicos
.....................................................................
553
Os argumentos de deputados e governantes
............................................... 556
3.2.3. Observações finais
................................................................................................
560
3.3. Reacções aos efeitos colaterais do processo de democratização
do ensino .................... 561
3.3.1. O associativismo
...................................................................................................
563
3.3.1.1. A criação formal ou informal de uma estrutura aglutinadora
e
coordenadora das escolas da Igreja
...........................................................
563
10
Outras manifestações
.................................................................................
571
A criação do Departamento de Escola Católica (DEC)
............................ 591
O fim da Associação das Escolas Católicas
............................................... 592
As turbulências internas, em jeito de catarse
............................................ 598
Os receios de colisão com a AEEP
...........................................................
601
3.3.1.2. A criação de uma associação conjunta de todas as escolas
privadas ......... 606
3.3.1.2.1. Antecedentes
....................................................................................
606
Os primeiros tempos
........................................................................
626
Os desencontros nos primeiros anos da AEEP
................................ 646
Desentendimentos a propósito do CONGRENE
.............................. 649
3.3.1.2.4. O reconhecimento do papel das escolas católicas neste
processo ..... 653
3.3.2. A promoção da identidade e da qualidade educativa
........................................... 657
3.3.2.1. A busca da identidade própria
....................................................................
657
3.3.2.2. A promoção da qualidade pedagógica e científica
..................................... 667
3.3.3. O desafio da liberdade de ensino e a procura de um quadro
normativo
favorável
..............................................................................................................
680
Os (primeiros) sinais
.................................................................................
680
Os sinais externos
.......................................................................................
682
3.3.3.2. Passos para a efectivação da liberdade de ensino
....................................... 685
A liberdade de ensino na CRP de 1976
..................................................... 685
O paralelismo pedagógico (e a profissionalização em exercício)
.............. 687
11
As Bases do Ensino Particular e Cooperativo (Lei n.º 9/79, de 19
de
Março) e a Lei da Liberdade do Ensino (Lei n.º 65/79, de 4 de
Outubro)
.....................................................................................................
689
O 6º Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo (Decreto-Lei
n.º
553/80, de 21 de Novembro)
.....................................................................
699
Os reconhecimentos de um quadro legislativo “avançado”
....................... 708
3.3.4. Observações finais
................................................................................................
711
3.4.1. A territorialidade
...................................................................................................
713
3.4.1.1.2. As estatísticas
....................................................................................
721
a) Os estabelecimentos
.....................................................................
723
Os estabelecimentos por distritos e concelhos
................................. 728
As manutenções e os encerramentos
............................................... 766
As quebras parciais e totais
...............................................................
776
As novas escolas
..............................................................................
777
b) Os alunos
.....................................................................................
779
em jeito de síntese
............................................................................
782
3.4.1.1.3. Outras (análises) estatísticas
.............................................................
783
3.4.1.1.4. Os números da territorialidade do ensino particular
no
Parlamento
.......................................................................................
788
3.4.1.2. As motivações subjacentes à criação de escolas católicas
.......................... 799
3.4.1.2.1. A cristianização e o fomento das vocações consagradas?
.............. 799
3.4.1.2.2. O serviço às populações?
................................................................
805
3.4.1.2.3. A abertura aos mais desfavorecidos?
............................................. 809
A opção pelos pobres
....................................................................
809
A atenção pelas gentes das periferias e do interior esquecido
...... 819
É mais barato frequentar o colégio do que ir para o liceu
............. 822
Outros “desfavorecidos”
.................................................................
824
3.4.1.3. Algumas perspectivas dissonantes
..............................................................
836
Pouca perseverança
......................................................................................
837
Uma democratização regional
...........................................................................
842
Oposição?
...........................................................................................................
850
Promoção?
..........................................................................................................
851
3. Arquivos
............................................................................................................................
899
6. Outros documentos e textos citados
..................................................................................
905
7. Webliografia
......................................................................................................................
906
Anexos (Volume 2)
13
Abstract
O objecto desta investigação centra-se na história da educação
levada a cabo pelas
escolas privadas com ensino secundário liceal, em Portugal
continental, no período (mais)
associado à expansão escolar – décadas de cinquenta, sessenta e
setenta do século XX –,
procurando entender especialmente o comportamento das escolas
ligadas à Igreja Católica
face aos novos desafios e circunstâncias, e fazer emergir assuntos
pertinentes ou controversos,
acompanhando o seu debate.
Ao longo deste trabalho mostra-se o contributo prestado pelas
escolas privadas na
promoção cultural das populações nestas três décadas,
designadamente nas zonas do interior
do país. Neste processo de democratização regional é destacada a
acção da Igreja Católica,
com os seus bispos, sacerdotes e leigos, materializada no espírito
de serviço de centenas de
escolas católicas (e de muitas outras escolas privadas de
inspiração cristã), sentido como uma
missão não só pastoral, mas também cívica, em prol das
populações.
Mau grado as circunstâncias adversas, devidas sobretudo a
constrangimentos económicos
e políticos, as escolas católicas impuseram-se pela qualidade do
ensino, pela inquietude
perante a sobredeterminação estatal, pela persistência na busca da
sua identidade própria e,
em conjunto com as restantes escolas privadas, pela defesa da
liberdade de educação,
constitucionalmente assumida, mas realmente mitigada.
Neste quadro, a expansão escolar/ democratização do ensino, ao
nível do sector liceal,
deve ao ensino privado, com ênfase para as escolas directa ou
indirectamente ligadas à Igreja,
a sua promoção, bem evidenciada no número de estabelecimentos
existentes nos seus
primórdios, na sua distribuição territorial e no número de alunos
que os frequentavam,
contribuindo para a escolarização de gerações de alunos, e para a
promoção social das
povoações.
_
The object of this research is the history of education carried out
by private schools with
secondary education in mainland Portugal in the period (more)
associated with school
expansion – the fifties, sixties and seventies of the twentieth
century – as a means of
understanding, especially, the behaviour of schools connected to
the Catholic Church, faced
14
with new challenges and circumstances, and of bringing out relevant
or controversial issues,
while following their discussion.
Throughout this paper we show the contribution made by private
schools towards
promoting the populations culturally in these three decades,
particularly in inland areas of the
country. In the process of regional democratization, we highlight
the action taken by the
Catholic Church with its bishops, priests and lay people, embodied
in the spirit of service of
hundreds of Catholic schools (and many other private schools of
Christian inspiration),
perceived as a mission, not only pastoral, but also civic, in
favour of the populations.
Despite adverse circumstances, due mainly to economic and political
constraints, catholic
schools have imposed themselves through the quality of teaching,
through disquietude before
the overdetermination of the state, through persistence in the
pursuit of their own identity and,
together with the other private schools, through the defence of
freedom of education,
constitutionally assumed, but in fact mitigated.
In this framework, school expansion/ democratization of education,
in the secondary
school sector, owes its promotion to private education, with
emphasis on the schools directly
or indirectly connected with the Church, which is evident in the
number of existing
establishments in its infancy, in their territorial distribution
and in the number of students that
attended them, contributing to the education of generations of
students and to the social
promotion of villages.
_
L'objet de cette recherche se centre dans l'histoire de l'éducation
mise en œuvre par les
écoles privées avec enseignement secondaire, au Portugal
continental, dans la période (la
plus) associée à l'expansion scolaire – les décennies de cinquante,
soixante et soixante-dix du
XXème siècle -, en cherchant à comprendre spécialement le
comportement des écoles liées à
l'Église catholique face aux nouveaux défis et circonstances, et à
faire émerger des sujets
pertinents ou controversés, en accompagnant leur débat.
Tout au long de ce travail se montre la contribution des écoles
privées dans la promotion
culturelle des populations dans ces trois décennies, notamment dans
les zones de l'intérieur du
pays. Dans ce processus de démocratisation régionale est détachée
l'action de l'Église
Catholique, avec ses évêques, prêtres et laïcs, matérialisée dans
l'esprit de service de centaines
15
d'écoles catholiques (et de beaucoup d'autres écoles privées
d'inspiration chrétienne), ressenti
comme une mission non seulement pastorale, mais aussi civique, au
profit des populations.
Malgré les circonstances défavorables, dues surtout à des
contraintes économiques et
politiques, les écoles catholiques se sont imposées par la qualité
de l'enseignement, par
linquiétude devant la surdétermination de létat, par la persistance
dans la recherche de leur
propre identité et avec les autres écoles privées, par la défense
de la liberté de léducation,
constitutionnellement assumée, mais, en effet, atténuée.
Dans ce tableau, l'expansion scolaire/ démocratisation de
l'enseignement, au niveau du
lycée, doit à l'enseignement privé, notamment pour les écoles
directe ou indirectement liées à
l'Église, sa promotion, bien prouvée dans le nombre
d'établissements existants à ses débuts,
dans sa distribution territoriale et dans le nombre d'élèves qui
les fréquentaient, en contribuant
à la scolarisation de générations d'élèves, et à la promotion
sociale des populations.
16
17
Agradecimentos
A construção de um trabalho com este âmbito e extensão só foi
possível com o
entusiasmo do autor – sem dúvida! – mas também porque foram
convocados contributos a
pessoas e instituições. Destarte, embora o percurso calcorreado
tenha sido essencialmente
solitário, nunca me senti só. A estes companheiros de jornada que
me ajudaram nesta
aventura, o meu fundo agradecimento.
De entre eles, quero destacar:
- o Pe. José Manuel Martins Lopes, director do Colégio da Imaculada
Conceição/
Instituto Inácio de Loyola, pelo apoio precioso nos momentos
difíceis que precederam a
decisão, sempre difícil, de avançar com uma tese de
doutoramento;
- D. Manuel Nascimento Clemente por me estimular, abrir horizontes
e esclarecer
(muitas) dúvidas, quando ainda não estava seguro do objecto a
perseguir;
- o meu orientador, Professor Doutor António Gomes Ferreira, pela
disponibilidade e
apoio incondicional em todos os momentos, mau grado os muitos
afazeres profissionais e
responsabilidades académicas;
- a Associação Portuguesa de Escolas Católicas (APEC),
designadamente nas pessoas do
Pe. Alfredo Cerca e Diác. Dr. Acácio Lopes, por criarem condições
para o desenvolvimento
de um trabalho com esta dimensão;
- o Pe. Joaquim Rodrigues Ventura, director do Colégio de S.
Miguel, em Fátima, pela
partilha da sua experiência de vida, quase toda ela assente na
Escola Católica, pela
disponibilização da muita informação que dispunha, pela paciência
em me receber
simpaticamente no seu gabinete, deixando-se embalar ao som das
estórias que íamos
recordando;
- D. Carlos Moreira Azevedo pela paciência em me pôr à disposição
trinta anos de actas
das assembleias plenárias do episcopado e pelas facilidades na
consulta dos arquivos da
Conferência Episcopal Portuguesa e do Patriarcado;
- D. António Baltazar Marcelino pelas palavras de estímulo e pela
disponibilidade para
esclarecer dúvidas ou fornecer informações;
- o Professor Doutor José Veiga Simão pela amabilidade em me
receber várias vezes e
pelas horas infindáveis em que ficámos presos ao telefone,
conversando, esclarecendo
dúvidas, discutindo factos, conceitos e preconceitos;
18
- o saudoso Dr. Frederico Valssasina Heitor, pelo estímulo
transmitido e pela partilha de
informações sobre épocas remotas, sempre com tanta precisão e
delicadeza;
- todos os entrevistados, pela disponibilidade, pelo esforço de
memória, pelo entusiasmo
com que falavam destas coisas;
- as cerca de duas centenas de bispos, sacerdotes, religiosos e
leigos (muitos deles
membros das Autarquias, das Bibliotecas Municipais, das Santas
Casas da Misericórdia,
simples ex-professores ou ex-alunos) que gentil e pacientemente me
atenderam e deram
informações preciosas sobre as escolas de matriz cristã e outros
colégios das respectivas
dioceses, concelhos ou freguesias;
- o Pe. Doutor António Mendes Fernandes, pela simpatia, cuidado e
carinho especiais que
espiritualmente me foi transmitindo;
- o Pe. Joel Carlos Antunes, pela revisão de alguns textos;
- o Pe. José de Oliveira Moço, pelo trabalho esmerado e paciente na
revisão da maioria
dos textos e pelas longas conversas que, a este propósito,
encetávamos;
- a Associação de Representantes de Estabelecimentos do Ensino
Particular e
Cooperativo (AEEP) pelas facilidades concedidas na consulta dos
arquivos;
- a imprensa regional, nomeadamente os semanários diocesanos, pelo
manancial de
informação que me proporcionaram;
- a Biblioteca Municipal de Coimbra, onde tantas vezes me
desloquei, sobretudo para
consultar os 13 000 semanários diocesanos e outros periódicos,
assim como livros;
- o meu pai, companheiro de muitas viagens, sempre a viver
intensamente o
desenvolvimento do trabalho;
- a minha família alargada, sentida como um porto de abrigo onde eu
sabia poder
recorrer, especialmente a Paula, sempre pronta a dar
sugestões;
- a minha família nuclear – a Lurdes, a Patrícia e a Sofia – pelo
apoio diário, pelos
milhares de horas que se viram privadas da minha atenção, pelas
condições físicas, psíquicas
e emocionais que me possibilitaram consumar este desafio.
É um pouco de todos vós que também está plasmado por detrás das
(muitas) palavras que
escrevem esta tese…
AEEP – Associação de Representantes de Estabelecimentos do Ensino
Particular e
Cooperativo
APESP – Associação Portuguesa do Ensino Superior Privado
AR – Assembleia da República
ASE – Acção Social Escolar
CA – Contrato de Associação
CADC – Centro Académico de Democracia Cristã
CCEPC – Conselho Consultivo do Ensino Particular e Cooperativo
(depois de 1988,
Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo)
CDC – Código de Direito Canónico
CDS – Partido do Centro Democrático Social
CDS/PP – Partido do Centro Democrático Social/Partido Popular
CEE – Comunidade Económica Europeia
CEP – Conferência Episcopal Portuguesa
CNIR – Confederação Nacional dos Institutos Religiosos
(Masculinos)
CODEPA – Centro de Orientação e Documentação do Ensino
Particular
CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais
CONGRENE – Congresso das Escolas não Estatais
COPCON – Comando Operacional do Continente
CRP – Constituição da República Portuguesa
CRSE – Comissão de Reforma do Sistema Educativo
CS – Contrato Simples
CT – Exortação Apostólica Cathechesi Tradendae de João Paulo II
sobre a Catequese
CUF – Companhia União Fabril
20
DGEPC – Direcção-Geral do Ensino Particular e Cooperativo
DGES – Direcção-Geral do Ensino Secundário
DH – Declaração Dignitatis Humanae, sobre a liberdade
religiosa
DIM – Encíclica Divini Illius Magistri, de Pio XI
DR – Diário da República
EC – Escola(s) Católica(s)
EFTA – Associação Europeia de Livre Comércio (European Free Trade
Association)
ELP – Exército de Libertação de Portugal
Emc – Escola de matriz cristã
EMGFA – Estado Maior General das Forças Armadas
EN – Emissora Nacional
EO – Ensino Oficial
EP – Ensino Particular
FA – Forças Armadas
FC – Exortação Apostólica Familiaris Consortio de João Paulo II
sobre a Família.
FENPROF – Federação Nacional de Professores
FNAPEC – Federação Nacional das Associações de Pais de Alunos do
Ensino Católico
FNE – Federação Nacional de Educação
FNIRF (ou FNIR) – Federação Nacional dos Institutos Religiosos
Femininos
FR – Carta-Encíclica Fides et ratio, de João Paulo II
GE – Declaração Gravissimum Educationis, sobre a educação
cristã
GEP – Gabinete de Estudos e Planeamento
GEPAE – Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa
GS – Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobre a Igreja no mundo
actual
IASE – Instituto de Acção Social Escolar
IGE – Inspecção Geral do Ensino/ Inspecção Geral de Educação
21
INA – Instituto NunAlvres
ISCTE – Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa
ISET – Instituto Superior de Educação e Trabalho
ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada
JEC – Juventude Escolar Católica
JUC – Juventude Universitária Católica
LBSE – Lei de Bases do Sistema Educativo
LUAR – Liga de Unidade e Acção Revolucionária
MDLP – Movimento Democrático de Libertação de Portugal
MDP/CDE – Movimento Democrático Português/ Comissão Democrática
Eleitoral
ME – Ministério da Educação/ Ministro da Educação
MEC – Ministério da Educação e Cultura/ Ministério da Educação e
Ciência
MEIC – Ministério da Educação e Investigação Científica
MEN – Ministério da Educação Nacional
MFA – Movimento das Forças Armadas
MM - Encíclica Mater et Magistra, de João XXIII
NATO – Organização do Tratado Atlântico Norte (North Atlantic
Treaty Organization)
NEP – Núcleo do Ensino Particular da Região de Lisboa do SNAP
OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Económico
OECD – Organização Europeia de Cooperação Económica
OIEC – Office International de lEnseignement Catholique
ONU – Organização das Nações Unidas
PCP – Partido Comunista Português
PPD – Partido Popular Democrático
PPM – Partido Popular Monárquico
PRM- Projecto Regional do Mediterrâneo
PS – Partido Socialista
QA - Encíclica Quadragesimo Anno, de Pio XI
22
SDEP – Secretariado Diocesano do Ensino Particular
SEOP – Secretaria de Estado da Orientação Pedagógica
SNAP – Secretariado Nacional das Associações de Pais
SNAP-NEP – Secretariado Nacional das Associações de Pais – Núcleo
do Ensino Particular
da Região de Lisboa
SNAPEP – Secretariado Nacional das Associações de Pais dos
Estabelecimentos do Ensino
Particular
SNEIE – Serviço/ Secretariado Nacional do Ensino da Igreja nas
Escolas
SPZC – Sindicato de professores da Zona Centro
SPZN – Sindicato de professores da Zona Norte
UCP – Universidade Católica Portuguesa
UDP – União Democrática Popular
UEC – União das Escolas Católicas
UGT – União Geral dos Trabalhadores
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e
a Cultura (United
Nations Educational, Scientific and Cultural Organization)
23
Introdução
A história da educação contemporânea em Portugal não está
suficientemente estudada e
esclarecida. As mutações societárias, sobretudo a partir de meados
do século passado,
sucederam-se a um ritmo acelerado e incomum, gerando
descontinuidades e até fracturas, por
vezes com contornos ainda pouco definidos. Insere-se neste contexto
toda a dinâmica
associada ao processo de escolarização em massa da população jovem
portuguesa, conhecido
normalmente por “expansão escolar” / “democratização do
ensino”.
Surgindo este processo no seio de uma conjuntura política nacional
muito peculiar,
embora afectada por circunstâncias externas que a irão determinar
fortemente, pesa sobre ele
uma carga ideológica dificilmente separável das decisões e opções
que sucessivamente, em
ritmo titubeante, vão sendo tomadas, e nem sempre convictamente
assumidas. Parte
significativa deste património ideológico de base iluminista tem
origem séculos antes, sob a
inspiração do homem de confiança do Rei D. José I – o Marquês de
Pombal. A convicção de
que as responsabilidades do ensino devem ser assumidas pelo Estado
levará Sebastião José
(quase) ao limite, fracturando a acção da instituição que à época
mais se deu à arte de instruir
e ensinar – a Igreja Católica.
Com uma sociedade civil fraca e uma Igreja fragilizada por duros
golpes acometidos de
tempos a tempos, emerge facilmente um Estado centralizador e
dominador que à custa do
poder e da inculcação ideológica faz crer aos cidadãos a sua
omnipresença e omnisciência.
Nesta cultura enformada pelo Educating for Passivity (Formosinho,
1987), progressivamente
sedimentada na sociedade portuguesa, a óptica das análises
históricas acerca da educação
nacional pende quase que naturalmente para o lado da coisa pública,
minimizando-se (e
olvidando-se) o papel desenvolvido pela iniciativa privada da polis
e pela Igreja.
O trabalho que desenvolvemos e ora apresentamos procura colmatar
esta suposta
imperfeição analítica completando o debate e repondo a justeza
possível a um período
histórico fervilhado por acontecimentos ímpares e determinantes –
as décadas de cinquenta,
sessenta e setenta do século XX.
O Século das Luzes condicionou os anos sequentes e como que ofuscou
os séculos
anteriores. Num contexto de um pequeno território lusitano, o
pensamento iluminista
pombalino mitigou a colaboração estreita entre o rei e o clero na
tarefa da educação, até então
com o protagonismo natural deste. Naqueles tempos, em mosteiros ou
em casas episcopais,
em sacristias ou em edifícios erigidos para o efeito, a Igreja já
entende ser sua missão
24
evangelizar através da arte do ensino, promovendo a formação
integral da pessoa. Santa Cruz
de Coimbra, com os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, Alcobaça,
com a Ordem de
Cister, Santo Antão, em Lisboa, ou o Colégio de Jesus e Colégio das
Artes, em Coimbra, com
a Companhia de Jesus, são alguns dos marcos indeléveis deste
continuum formativo-
pedagógico-cultural-pastoral levado a cabo pelas instituições da
Igreja. Com este ritmo e
entendimento, hoje talvez pouco relevantes mas ousados para a
época, Portugal será mais uma
Nação a justificar a afirmação de Werner Jaeger (2003) ao
considerar a Igreja Católica como a
“maior instituição educativa do mundo pós-clássico”.
Mas a um nível mais elementar, e até ao século XVIII, já era
razoável a rede de ensino
“das primeiras letras” implantada no Reino, com o protagonismo das
dioceses e das ordens
religiosas, acção esta complementada por mestres nomeados por
pressão dos habitantes ou
dos seus representantes. Este gérmen de rede nacional de ensino,
potenciada pelos jesuítas,
leva vários autores 1 a considerar que a reforma pombalina não
inaugura a rede oficial de
escolas públicas, como por vezes se faz crer desvalorizando o papel
desempenhado pela Igreja
e pela sociedade civil.
Nestes primeiros seis séculos da Nacionalidade, estava, pois,
“muito arreigada a ideia de
que a obrigação de ensinar (sobretudo as primeiras letras) competia
à família e à Igreja, e só
supletivamente ao Estado”, não sendo fácil distinguir a acção da
Igreja e a acção do Estado
(Gomes, 1982: 14/15). Pombal quebra esta dinâmica e esta
cumplicidade e faz crer, no seu
mandato de pouco mais de um quarto de século, que o Estado tem a
obrigação de ter o
monopólio do múnus educativo. Mas esta convicção não melhora o
estado da nossa educação:
apesar das ambições do Marquês, no final do seu mandato o parque
escolar oficial é quase
inexistente (Rodrigues et al, 2000: 14). Continuará a valer nos
tempos vindouros a atitude
persistente da Igreja, mesmo com o vaivém de muitas ordens
religiosas, coadjuvada por boas
vontades da sociedade civil. A “densa malha de igrejas paroquiais e
de mosteiros” garante a
escolarização mínima também a gente simples, ávida de cultura
(Ramos, 1998: 1094), numa
época em que os intelectuais viam mais inconvenientes que vantagens
na generalização da
instrução para todos (Gomes, 1982: 16). Também os colégios e casas
de educação dirigidos
por leigos, assim como a Associação de Escolas Móveis, dão um
precioso contributo, tanto
para a educação das crianças como para a escolarização da
juventude, prestando um
contributo significativo neste esforço de promoção cultural do
século XIX.
1 Ver, entre outros, Joaquim Ferreira Gomes (1982: 14-15) e Áurea
Adão (1997: 351).
25
Com Passos Manuel verifica-se um grande impulso na educação
nacional e criam-se os
primeiros liceus. Com Fontes Pereira de Melo e, posteriormente,
António Augusto de Aguiar,
desenvolve-se o ensino técnico. Mas apesar destes rasgos
empreendedores que pretendem
generalizar a educação e reforçar o papel centralizador do Estado
também neste âmbito,
Alexandre Herculano considera desastrosa a nossa situação, no
respeitante à instrução pública
(Carvalho, 1986: 574). E o escritor tem razão. Em 1890, Portugal
possui 79,2% de
analfabetos, em confronto com os 0,08% da Noruega, os 0,36% da
Dinamarca, os 0,4% da
Suécia, os 0,51% da Alemanha, os 1% da Inglaterra e Escócia, os 17%
da Bélgica, os 28% da
Irlanda, os 38% da Áustria, os 42% da Itália e os 68% da Espanha 2
(Carvalho, 1986: 711,
citando Agostinho de Campos e Salvado Sampaio).
O sonho pombalino de melhor educação com muito mais Estado e menos
Igreja (e sem
qualquer jesuíta!), dispensando inclusivamente parte significativa
das instituições religiosas
que mais experiência tinham neste campo, parecem não ter sucesso
nestes cento e sessenta
anos de monarquia, marcados por expulsões e regressos, por
antipatias e renovadas
cumplicidades. Melhor sorte não terá a 1ª República. Acolhendo uma
cultura tendencialmente
uniformizadora, os republicanos procuram dar um forte impulso à
educação mas a
instabilidade governativa e o menosprezo pela Igreja e suas escolas
contribuem mais uma vez
para o inêxito das reformas. A nossa educação continua a apresentar
fracos resultados em
comparação com outros países europeus, mau grado o enorme
investimento em escolas
públicas e algum decréscimo na taxa de analfabetismo.
O Estado Novo mantém a ideia de que deve ser o Estado a garantir e
a prestar o serviço
“público” da educação, tolerando, contudo, o ensino privado e
reconfigurando as suas
relações com a Igreja, agora com maior campo de manobra mas
balizada por preconceitos
regalistas do passado. Nas três décadas que se seguem ao final da
segunda guerra mundial,
Portugal é desafiado, e até pressionado, a promover uma ampla e
profunda escolarização em
massa da população. Acompanha-o nesta aventura uma parte da Europa,
sob os auspícios do
Plano Marshall. É comummente aceite a imprescindibilidade da
educação no
desenvolvimento económico e progresso das sociedades, e acredita-se
que a “educação para
todos” e durante mais tempo atenuará as desigualdades sociais.
Nestas circunstâncias, a
Europa mais desenvolvida investe fortemente na educação,
especialmente na de nível
secundário, aumentando-se para isso progressivamente a escolaridade
obrigatória (Joaquim
Azevedo, 2000: 37)
2 Os dados referentes à Europa dizem respeito a 1881.
26
Mas o nosso atraso educativo comparativamente aos países mais
desenvolvidos da velha
Europa continua a ser preocupante. Portugal tem um Estado e uma
sociedade colocados na
semi-periferia do sistema mundial, afastado da competição económica
entre as nações e, por
consequência, da necessidade de maiores níveis de qualificação
profissional, que nunca ousou
investir na educação para todos de forma intensa e organizada, pelo
menos até à década de
setenta do século XX (António Teodoro, 2001: 52, 419-421). A
centralidade do Estado –
característica marcante de um Estado semi-periférico – conduzirá ao
enfraquecimento da
acção (e reacção) da sociedade civil e da Igreja, assumindo-se o
Estado como “quase o único
agente de escolarização desde as reformas de Pombal” (p. 419). Este
conjunto de factores terá
contribuído significativamente para a constância do nosso atraso
educativo.
Perante este contexto adverso, o Plano Marshall pretende dar uma
ajuda acrescida ao
nosso país e fomentar a economia com planos de fomento cultural.
Para se alcançar este
desiderato será urgente um esforço dantesco em recursos humanos,
materiais e estruturais.
Todavia, as circunstâncias conjunturais não são as mais favoráveis:
o rescaldo de uma guerra
mundial que deixa as suas sequelas mesmo num país semi-periférico e
não directamente
envolvido no conflito; um regime político tendencialmente
ditatorial, pouco aberto a riscos
não controlados e a ideias criativas, e adepto da estratificação
social; uma cultura nacional
marcada pela pouca convivialidade com a educação e a literacia, bem
como com os desafios
ousados e o empreendedorismo; um aumento crescente da tensão nos
territórios ultramarinos,
com o decorrente desgaste político e financeiro. Se a todos estes
factores juntarmos a
passividade imersa na cultura nacional, criadora do mito do Welfare
State, fácil será
entendermos a dificuldade em o Estado português consumar as metas
impostas pela pressão
externa, assim como em dar resposta à crescente procura interna de
mais e melhor
escolarização.
É neste contexto que a Igreja, com as suas escolas e muitas outras
inspiradas nos seus
ensinamentos (e outras ainda simplesmente laicas), uma vez mais
procura responder a este
surto educacional – sentido com mais acuidade no sector liceal –,
com a criação, em
variadíssimos locais, de estabelecimentos de ensino que acabam por
ser o grande recurso de
parte significativa da população portuguesa. Com esta atitude,
perante uma (possivelmente
estratégica) letargia estatal, é consensualmente aceite que,
sobretudo no período do Estado
Novo, “os colégios privados cumpriram uma relevante função social”
(Nñvoa, 1995: 107).
Destarte, o desenvolvimento exponencial da rede pública de educação
nos últimos anos
da década de sessenta e no dealbar da década de setenta do século
passado, assim como a
revolução de Abril de 1974, interferem determinantemente na
dinâmica dessas escolas,
27
gerando profundas mutações no equilíbrio das redes privada e
estatal de ensino ao nível
secundário liceal. A centralidade do Estado insiste na asfixia da
sociedade civil, cavando
ainda mais um fosso há muito aberto. Com relações pouco abertas e
cordiais com a Igreja e a
sociedade civil, o Estado não potencia a emergência de novas ideias
e boas práticas fora do
seu perímetro. Mesmo com a explosão escolar de Veiga Simão,
Portugal não mitigará a
distância que o separa da Europa.
Parafraseando Joaquim Ferreira Gomes (1982), diremos que continua
“muito arreigada” a
ideia de que a obrigação de ensinar compete ao Estado, e só
supletivamente à família e Igreja.
Paradoxalmente, numa época e num regime em que se idolatra o valor
da liberdade.
Pela conjuntura internacional, pelos desafios lançados, pela teia
de acções e intervenções
geradas, as décadas de cinquenta, sessenta e setenta do século XX
são um período indelével
da história (recente) da educação nacional que justifica
investigações aturadas,
designadamente sobre o papel desempenhado pelo ensino privado em
todo este processo de
intenso apelo ao fomento cultural.
Este período, marcado pela Constituição Política de 1933, pela
Concordata de 1940, pelo
Estatuto do Ensino Liceal de 1947 e pelo (5º) Estatuto do Ensino
Particular de 1949, será na
década de setenta fértil na produção de normativos e outros
documentos fundamentais, assim
como na criação de organismos afectos à Escola Católica e ao ensino
privado em geral: a Lei
n.º 5/73, de 25 de Julho (Reforma Educativa); a Constituição de
1976; a publicação do
documento da Sagrada Congregação para a Educação Católica sobre a
Escola Católica, em
1977; a publicação do documento “Orientações Pastorais sobre a
Escola Catñlica”, pela
Conferência Episcopal Portuguesa, em 1978; a primeira tentativa de
criação de uma
Associação de Escolas Católicas, também em 1978; a publicação, em
1979, das “Bases Gerais
do Ensino Particular e Cooperativo” (Lei n.º 9/79, de 19 de Março)
e da “Lei de Liberdade do
Ensino” (Lei n.º 65/79, de 4 de Outubro); em 1980, a criação do
Departamento de Escola
Católica (DEC), afecto ao Secretariado Nacional da Educação Cristã,
e, finalmente, a
publicação do Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo
(Decreto-Lei n.º 553/80, de 21 de
Novembro) – um marco significativo para a afirmação e estabilização
do ensino privado.
Facilmente se entende que este mosaico de acontecimentos,
normativos, publicações e
atitudes estimula um estudo dos contornos e das razões mais
profundas que conduziram e
acompanharam o pulsar da educação nacional, especialmente na sua
intersecção com a
instituição da sociedade que nunca terá desistido da missão de
educar – a Igreja Católica.
28
Envoltos neste contexto, propomo-nos centrar a investigação na
história da educação
levada a cabo pelas escolas privadas com ensino secundário liceal,
em Portugal continental,
no período (mais) associado à expansão escolar – décadas de
cinquenta, sessenta e setenta do
século XX –, procurando indagar especialmente o comportamento das
escolas ligadas à Igreja
Católica face aos novos desafios e circunstâncias, e fazer emergir
assuntos pertinentes ou
polemizantes, acompanhando o seu debate.
Tendo em conta este objecto de estudo, contemplámos como ponto de
partida do
presente trabalho o seguinte questionamento:
«A participação de Portugal no European Recovery Program – o “Plano
Marshall” de
ajuda norte-americana à Europa do pós-guerra – exige “um Plano de
fomento cultural, sem o
qual não tem significado nem eficiência um Plano de fomento
econñmico” (PRM, 1964: xiii).
A industrialização requer quadros qualificados, e o crescimento da
escolarização, mormente
ao nível do ensino secundário, torna-se uma realidade a partir da
década de cinquenta. Perante
esta nova conjuntura, como se posiciona a Escola Católica?»
Na procura de possíveis respostas a esta pergunta, regemo-nos pelas
seguintes linhas
orientadoras:
1. Há um reconhecimento generalizado quanto ao papel desenvolvido
pelo ensino
privado, sobretudo nas décadas de cinquenta e sessenta do séc.
XX.
2. O Estado, apesar das palavras de apreço para com o ensino
privado e de ter consentido
a construção de um quadro legislativo progressivamente mais
favorável à efectivação
da liberdade de ensino, tem subalternizado na prática este
subsistema de ensino.
3. A Igreja, através da Escola Católica e também das escolas de
matriz cristã, é a grande
promotora da democratização do ensino em Portugal.
4. A Escola Católica goza de um prestígio na sociedade portuguesa
por mérito próprio,
facilitado pelo peso que a Igreja possui, mau grado as vicissitudes
externas e as
contingências internas.
5. A Igreja vê na escola um importante campo de acção para
transmitir a sua doutrina e
os seus ensinamentos. Todavia, no Estado Novo (e também após a
revolução de Abril
de 1974), pareceu estar mais empenhada no ensino da religião nas
escolas estatais do
que com a problemática da Escola Católica, pois aqui esse ensino
encontrava-se
assegurado. Consequentemente, e mau grado as boas relações
institucionais com o
poder, a sua actuação na defesa e promoção da Escola Católica foi
tardia e discreta,
29
não evitando que, por falta de meios ou por défice de eficácia,
muitas das suas escolas
encerrassem.
6. A Escola Católica, porque habituada a funcionar isoladamente,
teve dificuldades em
responder aos efeitos colaterais do processo de expansão da rede
estatal de ensino.
Aos primeiros sinais de concorrência, e perante os novos contextos
emergentes,
algumas escolas da Igreja preferiram não correr riscos e negociar o
seu encerramento.
Outras, porém, mais ousadas, enfrentaram a situação de forma
positiva, lutando pelos
seus direitos, concertando esforços, envolvendo nesta dinâmica as
restantes escolas
privadas, descobrindo outros caminhos que passaram pela criação de
novas estruturas
associativas para reforço da sua identidade religiosa e cívica,
assim como pela (forte)
contribuição na construção de um quadro normativo assaz avançado
para a época. E
estas escolas católicas terão sido as grandes protagonistas das
mudanças ad intra e ad
extra de todo o ensino privado, gerando um novo tipo de
relacionamento com o
Estado e com a sociedade.
A opção metodológica assumida neste trabalho situa-se no quadro da
investigação em
História da Educação que se apoia fundamentalmente numa análise
qualitativa, apesar de se
usarem técnicas quantitativas específicas na análise de certos
conjuntos de dados, para
servirem de apoio a ideias que desenvolvemos durante a
pesquisa.
Nesta abordagem histórica, que embora procure novas leituras não
rejeita uma narrativa
clássica, e em que há “uma postura descritiva e interpretativa, o
estudo em profundidade, o
detalhe cuidadoso das situações concretas, a observação dos
processos organizacionais e dos
comportamentos dos actores, as intenções e o sentido que estes
atribuem à acção” (Costa,
1997: 121), utilizámos documentos de índole diversa, a entrevista e
a observação interna e
participante.
Como não abunda literatura que aborde intensamente este temário,
procurámos convocar
fontes que nos permitissem fazer explorações segundo uma óptica
diferente da geralmente
adoptada nestas abordagens, ou seja, da lógica estatal/ pública.
Destarte, valorizámos um
conjunto significativo de fontes primárias, desconhecidas (ou
arredadas) da investigação
histórica, cujo contributo nos pareceu assaz importante. Inserem-se
neste lote os documentos
consultados em arquivos da Igreja Católica, mormente no arquivo da
Conferência Episcopal
Portuguesa, onde visitámos três décadas de Actas das Assembleias
Plenárias, e em três
arquivos afectos ao Patriarcado de Lisboa, onde encontrámos
informação pertinente em
relatórios, boletins, correspondência trocada com colégios e
governantes, manuscritos, etc.
30
No arquivo da Associação de Representantes dos Estabelecimentos de
Ensino Particular e
Cooperativo (AEEP), tivemos oportunidade de consultar todo o
historial concatenado com a
criação da respectiva associação, expresso designadamente nas actas
dos diversos órgãos
sociais.
Também recolhemos informação relevante (e em alguns casos inédita)
em documentos
privados de personalidades distintas ligadas às escolas católicas
ou ao ensino privado em
geral. São o caso dos arquivos pessoais de Frederico Valsassina
Heitor e de Fernando Pinto
Ribeiro Brito, e, com maior acuidade, dos Padres Joaquim Rodrigues
Ventura e Nuno de
Santa Maria Fróes Burguete. Igualmente útil foi a disponibilização
de documentos
importantes da parte de José Veiga Simão, pertencentes ao seu
arquivo pessoal.
No arquivo histórico do Ministério da Educação encontrámos
ficheiros com estatísticas
de colégios nas décadas de cinquenta, assim como relatórios e
correspondência diversa muito
pertinente no período correspondente ao mandato de Veiga Simão. Na
via on line da Direcção
de Documentação e Informação do Parlamento, colhemos informação
valiosa em oitenta e
quatro Diários da Assembleia Nacional, doze Diários da Assembleia
Constituinte e catorze
Diários da Assembleia da República.
A nível do quadro legislativo, consultámos sessenta diplomas,
destacando-se as
constituições políticas, os diversos estatutos do ensino
particular, com ênfase para os de 1949
e 1980, e a série de leis e decretos-lei que consolidou o edifício
normativo concernente ao
ensino privado nos últimos anos da década de setenta do século
XX.
Outras fontes primárias (e secundárias) a que recorremos, e já
habituais neste género de
investigação, encontram-se em livros e outros documentos existentes
em Bibliotecas
Universitárias e Municipais. De entre estes documentos, destacamos
os jornais e revistas de
âmbito nacional e regional, por nós densamente utilizados. Neste
particular, elegemos os
semanários diocesanos pelo manancial de informação que nos
proporcionaram, assinalando
factos, veiculando opiniões e orientando sequentes pesquisas
cirúrgicas.
Nesta pesquisa alargada aos órgãos de comunicação social da Igreja
3 , utilizámos o
seguinte critério: consulta de oito semanários de referência de
sete dioceses representativas da
geografia do país, desde 1949 a 1981 (A defesa, diocese de Évora; A
Ordem e Voz
Portucalense, diocese do Porto; A Voz do Domingo, diocese de
Leiria; Correio de Coimbra,
diocese de Coimbra; Jornal da Beira, diocese de Viseu; Mensageiro
de Bragança, diocese de
Bragança; Reconquista, diocese de Portalegre e Castelo Branco);
consulta do diário
3 Foram consultados cerca de 13 000 jornais.
31
Novidades (diocese de Lisboa) dos meses de Julho e Outubro desde
1950 a 1974, e
diariamente nos anos de 1973 e 1974, assim como em datas
consideradas por nós com grande
probabilidade de fornecer notícias acerca da matéria em estudo;
consulta pontual de outros
periódicos.
Este painel de informações veiculado (sobretudo) pelos periódicos
da Igreja mostrou-se
uma mais-valia que será justo enfatizar: possibilitou-nos o relato
de acontecimentos muitas
vezes ignorados por outras fontes ou, se já revelados, narrados em
perspectivas e contextos
diferentes; apresentou-nos a dinâmica assimétrica do país real, o
país das grandes cidades e
dos concelhos e freguesias do interior esquecido, perdidos no meio
das serras e penhascos;
estimulou-nos a procurar mais informação de forma a esclarecer,
completar e ampliar a
notícia ou a opinião publicitada; contagiou-nos, muitas vezes, na
emoção associada ao facto,
sem, contudo, nos condicionar a análise; provou-nos como foram
(são) importantes estes
meios de comunicação social regionais, normalmente sustentados por
um conjunto discreto de
boas vontades.
Também a Internet se mostrou uma via normal de recolha de
informação, submetida,
naturalmente, às indispensáveis purgas. No final, inclui-se a lista
exaustiva da bibliografia,
webliografia e das fontes utilizadas.
À recolha e organização dos dados documentais associaram-se trinta
entrevistas a alguns
dos mais destacados protagonistas do percurso recente da Escola
Católica e do ensino privado
em geral, ou a personalidades que foram testemunhas entusiasmadas
de factos relevantes
deste período – conjunto este a que Jorge Adelino Costa (1997)
chama de “informantes
privilegiados” (p. 123) –, realizadas, em geral, segundo um modelo
semi-estruturado e
registadas sob a forma de gravação áudio. Esta “recolha de
memñrias”, realizada entre 2006 e
2010, traduziu-se em mais uma fonte preciosa de informação: por
entre a emoção natural
associada a situações deste género, haurimos acontecimentos e
estórias intensamente vividas,
muitos deles inéditos, esclarecemos cenários abstrusos, comprovámos
factos determinantes e
encontrámos pistas para fundamentarmos ideias e hipóteses centrais.
Ademais, com a maioria
dos entrevistados, criámos a oportunidade de relermos o momento
passado com os olhos do
presente, provocando, não poucas vezes, algum “conflito
geracional”, que nos ajudou a
entender ainda melhor algumas agendas escondidas na retórica e na
praxis de então. Neste
enquadramento, a realização de entrevistas não teve como objectivo
uma análise de conteúdo,
mas sobretudo a convocação para o debate de documentos com rosto,
que responsabilizam os
próprios pelas afirmações proferidas (normalmente como respostas
directas a questões por nós
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formuladas), e que foram criteriosamente adunados pelo pulsar da
investigação, enriquecendo
o registo e compreensão dos acontecimentos e das ideias.
A análise estatística foi importante para nos fornecer dados
numéricos relativos a
estabelecimentos e alunos no período em análise. Convocámos
informação oficial mas,
sobretudo, produzimos um conjunto de dados originais sobre esta
matéria que esclareceram
factos e ajudaram a sustentar posições. Assim, cruzámos informação
variada, muita dela
recolhida empiricamente, que nos possibilitou estudar mais em
profundidade e extensão o
percurso evolutivo de quatrocentas e dez escolas privadas
existentes em pelo menos um dos
seguintes anos lectivos: 1955/56, 1963/64 e 1972/73. Com estes
dados, e referente a este
universo (e, em alguns casos, também ao conjunto das estatais),
pudemos estabelecer
comparações, avaliar níveis de estabilidade/ resistência face às
adversidades externas,
verificar graus de penetração no território nacional e até
especular sobre possíveis motivações
para a criação de tão elevado número de colégios. Para a
caracterização das escolas privadas,
além dos Anuários Católicos, socorremo-nos da informação criteriosa
de cerca de duas
centenas de bispos, sacerdotes, religiosos e leigos (muitos deles
membros das Autarquias, das
Bibliotecas Municipais, das Santas Casas da Misericórdia, simples
ex-professores ou ex-
alunos) sobre as escolas de matriz cristã e outros colégios das
respectivas dioceses, concelhos
ou freguesias.
De todas estas fontes procurámos recolher os factos, as opiniões e
os números que
pudessem enriquecer o debate em torno do objecto de estudo, quer se
mostrassem
consonantes com a linha de pensamento defendida, quer entrassem em
conflito com ela.
Tamanha amplitude de recursos possibilitou-nos em muitas situações
o completamento e o
cruzamento da informação, resultando daí assim uma maior
acreditação dos factos.
Finalmente, como observador, ocupamos um lugar privilegiado: quase
três décadas de
vivência e intervenção no ambiente da Escola Católica, grande parte
das quais como elemento
do corpo directivo de um colégio diocesano; doze anos de presença
assídua nas reuniões do
Conselho Coordenador do Ensino Particular e Cooperativo; seis anos
na Direcção da
Associação Portuguesa de Escolas Católicas (e actualmente seu
Secretário-geral) e
acompanhante apaixonado do seu percurso desde a intenção da sua
criação; mais de meio
século de pertença, simpatia, cumplicidade e amor à Igreja
Católica. Graças a esta experiência
vivida e particularmente interiorizada, proporcionou-se um conjunto
de circunstâncias
favoráveis que personalizaram a investigação: o conhecimento
pessoal de muitos dos actores
principais, possibilitando-nos entender melhor os contornos dos
discursos e das práticas; a
recordação de factos e contextos que nos permitiram enfatizar
aspectos porventura pouco
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valorizados em trabalhos deste género e sobre a temática educativa;
o entendimento de como
se concatena a espiritualidade com a materialidade, facultando uma
auscultação das coisas,
dos acontecimentos e das decisões numa óptica não meramente
objectiva e hermética, mas
holística e integral.
Se esta intimidade com o tema nos permite ver de forma mais
sustentada e alargada a
realidade (complexa) que o envolve, não deixa porém, de incluir
evidentes riscos. Sabendo
nós que muitas das decisões da investigação reflectem a
subjectividade do investigador e que
a metodologia não se pode dissociar deste facto “a não ser que
adopte uma abordagem
tecnicista, na qual os investigadores se mantenham fora do mundo
social” (Ozga, 2000: 151),
procuramos, contudo, “não nos atolar na visão opinativa sobre as
questões, expurgando as
contaminações de ideias pré-estabelecidas” (Bento, 2000:
139).
Para evitar possíveis (e involuntários) contágios da emoção com a
realidade objectiva –
porque até “pode haver uma intrínseca fragilidade de substância
oculta por trás de um quadro
de precisões especiosas”, como adverte Carlo Cipolla (1993: 97)… –
procurámos, sempre que
possível, a utilização de mais do que um método de recolha de dados
– a triangulação
metodológica – de forma a concatenar factos e reforçar a validação
interna.
Este conjunto de informações, criteriosamente explorado,
constituiu-se como um suporte
ao desenvolvimento da tese, interagindo estreitamente com o pulsar
da investigação,
comprovando factos, estimulando (novas) vias de análise,
fundamentando ideias por nós
esboçadas ou mesmo defendidas.
Assumida a problemática e os modos de a esculpir, construímos um
plano de redacção
alinhado em três níveis de intervenção.
No primeiro nível analisamos os tipos de relação existentes entre a
religião e a educação.
Não podíamos deixar de fazer esta abordagem, pois assumimos
claramente que o fenómeno
religioso – mais concretamente a religião católica – perpassa a
história deste trabalho.
Apoiando-nos na convicção da cumplicidade entre religião e
educação, vamos perscrutar a
dimensão religiosa da vida humana, assim como a dimensão religiosa
da educação, plasmada
no acto de educar e que configura a educação integral. Por último,
e decorrente desta íntima
relação da educação com a religião, analisaremos a dimensão
educativa da Igreja
consubstanciada significativamente na Escola Católica – uma escola
com uma identidade
própria que lhe confere uma missão insubstituível – , mas também
figurante em outras escolas
privadas cujos modos de estar e de ensinar são inspirados pela
matriz cristã.
Num segundo nível vamos concentrar-nos no processo de fomento
cultural conhecido por
“expansão escolar/ democratização do ensino”. Depois de o
definirmos e contextualizarmos
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externa e internamente, vamos expor e analisar as perspectivas das
instituições ligadas ao
Estado e à Igreja Católica – assim como outros posicionamentos
oriundos de organizações e
movimentos da sociedade civil e de cidadãos de reconhecido mérito
–, no tocante à inserção
do ensino privado neste continuum expansionista da
escolarização.
No terceiro nível vamos centrar-nos na Escola Católica, situá-la na
sociedade portuguesa
e confrontá-la com a dinâmica da expansão escolar. Para tal,
propomo-nos encontrar razões
para o significativo acolhimento da sociedade portuguesa à Escola
Católica, apesar de esta,
muitas vezes, funcionar em circunstâncias adversas. Depois, iremos
verificar quais as atitudes
assumidas pelas escolas católicas quando confrontadas com a
expansão escolar estatal (e
potenciadas pela Revolução de Abril de 1974), sobretudo as que
resultam de posições
construídas de forma organizada e concertada e que determinarão os
tempos vindouros.
Por último – e depois de apresentarmos informação estatística
alargada referente à
implantação do ensino privado no território nacional, e das
possíveis razões que terão
estimulado a criação das escolas da Igreja –, procuraremos
investigar se a Escola Católica,
conjuntamente com as escolas privadas de matriz cristã, foram as
promotoras (ou colaboraram
na promoção) da expansão escolar, ou se, pelo contrário, se
opuseram ao impulso inicial da
massificaç&