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UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO
ADAPTAO, SAUDADES DE CASA E SINTOMATOLOGIA
DEPRESSIVA NOS ESTUDANTES DESLOCADOS
Joana Isabel da Encarnao Canha
MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA
(Seco de Psicologia Clnica e da Sade / Ncleo de Psicologia Clnica Dinmica)
2009
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CINCIAS DA EDUCAO
ADAPTAO, SAUDADES DE CASA E SINTOMATOLOGIA
DEPRESSIVA NOS ESTUDANTES DESLOCADOS
Joana Isabel da Encarnao Canha
Dissertao orientada pelo Prof. Doutor Bruno Gonalves
MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA
(Seco de Psicologia Clnica e da Sade / Ncleo de Psicologia Clnica Dinmica)
2009
IAgradecimentos
Em primeiro lugar, ao Prof. Dr. Bruno Gonalves pelo apoio, acompanhamento,
disponibilidade, motivao e talento, cruciais realizao deste estudo.
Ermelinda Ganana e ao Paulo Andrade pela preciosa ajuda na recolha dos
protocolos.
A todos os estudantes deslocados da Madeira e dos Aores que partilharam a sua
experincia.
Dr. Clia Figueira, pela fora, apoio e constante pacincia, que me permitiram
permanecer estvel em momentos de maior aflio.
Ao Filipe Enes pelas ideias criativas, fora e motivao externa, quando a interna no
era suficiente.
Ana Rodrigues e Marta Mouro pelo apoio psicolgico e companhia durante o dia
e algumas noites.
minha famlia, em especial aos meus pais, que mesmo numa ilha fizeram sentir o
seu apoio e fora da mesma maneira como se estivessem em Lisboa.
IINDICE
Resumo ........................................................................................................................... 1
Abstract ........................................................................................................................... 2
Introduo ....................................................................................................................... 3
Captulo 1: A transio para a faculdade dos estudantes
1.1. A transio para a faculdade ........................................................................ 4
1.2. A transio para a faculdade enquanto migrao ........................................ 10
1.3. Perda e depresso: a teoria psicanaltica ...................................................... 13
Captulo 2: Objectivos e Mtodo
2.1 Objectivos e Variveis Estudadas ................................................................. 15
2.2 Mtodo .......................................................................................................... 15
2.2.1 Hipteses ............................................................................................ 15
2.2.2 Instrumentos ....................................................................................... 15
2.2.3 Participantes ........................................................................................ 17
2.2.4 Caracterizao da Amostra ................................................................. 18
Captulo 3: Resultados
3.1 Caractersticas psicomtricas do QAE e do QSC ......................................... 19
3.2 Resultados obtidos com os instrumentos ...................................................... 26
3.3 Testes das hipteses ...................................................................................... 30
Captulo 4: Discusso ..................................................................................................... 33
Captulo 5: Concluses ................................................................................................... 38
Captulo 6: Referncias Bibliogrficas ........................................................................... 40
IIINDICE DE FIGURAS
Figura 1 Distribuio da pontuao na CES-D ........................................................................... 29
NDICE DE QUADROS
Quadro 1 Anlise dos itens do Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados .................................................................................................. 19 Quadro 2 Anlise factorial do Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados ........................................................................................... 21 Quadro 3 Anlise dos itens do Questionrio Saudades de Casa ................................................... 22 Quadro 4 Anlise factorial do Questionrio Saudades de Casa ................................................... 24 Quadro 5 Pontuao no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados ........................................................................................... 26 Quadro 6 Mdia no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados ...................... 26 Quadro 7 Mdia no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados consoante a naturalidade ............................................................................................... 27 Quadro 8 Mdia no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados consoante a idade .......................................................................................................... 27 Quadro 9 Pontuao no Questionrio Saudades de Casa ............................................................. 27 Quadro 10 Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante o sexo ....................................... 28 Quadro 11 Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante a naturalidade ........................... 28
IV Quadro 12 Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante a idade ...................................... 28 Quadro 13 Pontuao na CES-D .................................................................................................... 28 Quadro 14 Mdia na CES-D consoante o sexo .............................................................................. 29 Quadro 15 Mdia no CES-D consoante a naturalidade .................................................................. 30 Quadro 16 Mdia no CES-D consoante a idade ............................................................................. 30 Quadro 17 Relao entre as trs variveis sintomatologia depressiva, saudades de casa e adaptao ....................................................................................... 31 Quadro 18 Regresso linear ............................................................................................................ 31
LISTA DE ABREVIATURAS
Abreviatura Significado
QAE Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
QSC Questionrio Saudades de Casa (Archer, Ireland, Amos, Broad & Currid, 1998)
CES-D Center for Epidemiological Studies Depression Scale: Escala de Depresso do Centro de Estudos Epidemiolgicos (Gonalves & Fagulha, 2004)
1
RESUMO
A transio para a universidade , s por si, uma altura de grandes mudanas para os
estudantes. Estas mudanas so ainda mais acentuadas para os estudantes deslocados da
Madeira e dos Aores que, no s tm que deixar a casa dos pais, como tm que se adaptar a
um ambiente diferente e com diferentes recursos. O objectivo deste trabalho estudar a
eventual relao entre a adaptao, as saudades de casa e a sintomatologia depressiva.
Recorreu-se ao mtodo bola de neve e internet para recolher uma amostra de 137 sujeitos,
sendo que 80 so naturais da Madeira e 57 dos Aores, avaliados individualmente atravs do
Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados, Questionrio Saudades de Casa
e pela a CES-D. Hipotetizou-se que a sintomatologia depressiva apresentada est
positivamente correlacionada com a intensidade das saudades de casa, (hiptese 1) e com as
dificuldades de adaptao (hiptese 2). Procedeu-se anlise das relaes entre estas trs
variveis, nomeadamente relao entre as duas variveis independentes, saudades de casa e
problemas de adaptao (hiptese 3). Verificamos, ainda, qual destas duas variveis
independentes est mais directamente ligada com a sintomatologia depressiva, sendo que se
hipotetizou que a adaptao tem um efeito indirecto na depresso (hiptese 4).
Os dados corroboram todas as hipteses. Verificou-se ainda que os estudantes
deslocados da Madeira tm nveis mais altos de sintomatologia depressiva face aos
estudantes dos Aores e que 43,4% da amostra apresenta nveis altos de sintomatologia
depressiva, acima de 30.
Palavras-chave: Transio, Estudantes Deslocados da Madeira e Aores, Adaptao,
Saudades de Casa, Sintomatologia Depressiva
2
ABSTRACT
The transition to university is, in itself, a time of great change for the students. These
changes are even more pronounced for students displaced from Madeira and the Azores,
which not only have to leave their parents' home, as they have to adapt to a different
environment and different resources. The purpose of this investigation is to study the possible
relationship between the adjustment, the homesickness and depression symptoms. A snow-
ball method and the internet (SURVS) was used to gather a sample of 137 subjects, of which
80 are from Madeira and 57 from Azores, individually assessed by Questionnaire Regarding
Adaptation of Displaced Students, Homesickness Questionnaire and the CES-D. It has been
hypothesized that depressive symptoms are positively correlated with the intensity of
homesickness, (hypothesis 1) and the difficulties of adaptation (hypothesis 2). We also
analyzed the relationship between these three variables, namely the relationship between the
independent variables, homesickness and adjustment problems (hypothesis 3). We also
observed which of these two independent variables is more directly linked with depressive
symptoms, and is has been hypothesized that the adaptation has an indirect effect on
depression (hypothesis 4). The data confirm all the hypotheses. It was also found that
students displaced from Madeira have higher levels of depressive symptoms compared to
students in the Azores and 43.4% of the sample has high levels of depressive symptoms,
above 30.
Keywords: Transition, Students Displaced from Madeira and Azores, Adaptation,
Homesickness, Depressive Symptoms
3
INTRODUO
Ao longo dos anos, so muitos os estudantes que deixam a casa dos pais para
prosseguir os estudos na faculdade. Esta transio engloba uma mudana de residncia,
amigos, apoio familiar e uma adaptao ao local de chegada, que muitas vezes totalmente
diferente do de origem.
Esta mudana, normalmente, ocorre lado a lado com a transio para a vida adulta,
que, por si s, repleta de vrios desafios. Assim, nesta etapa h alteraes tanto no mundo
externo do estudante, como no interno.
Numa tentativa de facilitar esta fase de adaptao, vrios estudantes visitam
regularmente a casa dos pais e a localidade de origem, onde h no s um sentido de
familiaridade, como um maior apoio de amigos e familiares.
Contudo, nem todos os estudantes tm a possibilidade de passar os fim de semana em
casa dos pais, como o caso dos estudantes provenientes da Madeira e Aores.
Devido distncia, dificuldade e custos de deslocao at terra natal, estes
estudantes enfrentam um maior condicionamento nas visitas aos pais e sua terra. Por isso,
h uma dificuldade acrescida, visto que tm que lidar com todos os factores ligados
mudana, longe da sua rede de apoio habitual. Estas circunstncias podem constituir factores
de risco para o surgimento de sintomas depressivos mais ou menos intensos.
Tendo em conta o nmero crescente de estudantes deslocados das ilhas portuguesas
em solo continental, parece pertinente perceber que factores esto implicados nesta mudana,
assim como o peso das saudades de casa e da melhor ou pior adaptao destes estudantes na
eventual manifestao de sintomatologia depressiva.
4
CAPTULO 1: A TRANSIO PARA A FACULDADE DOS
ESTUDANTES DESLOCADOS
1.1. A transio para a faculdade A adolescncia tardia e a transio da escola secundria para a universidade uma
altura stressante para os estudantes. Tendo em conta a confuso que frequentemente
acompanha a procura de uma identidade adulta, e o conflito entre a independncia
recentemente adquirida e a vinculao aos pais, no de surpreender que muitos adolescentes
e jovens adultos experienciem dificuldades em se ajustar s mudanas na vida (Lafrenier &
Ledgerwood, 1997).
Autores como Erikson (1976) e Levinson (1997), definem este perodo como uma
fase de vida especfica que antecede a idade adulta a que chamam de Idade Adulta Jovem e
Transio da Idade Adulta Jovem, respectivamente. Por si s, a este perodo concernem
vrios desafios, tarefas e incertezas que, quando resolvidos, daro espao idade adulta
propriamente dita.
Existem vrios marcos que podem dificultar e/ou facilitar esta transio. Num estudo
realizado por Agudo (2008), obtiveram-se correlaes negativas significativas entre o nmero
de marcos de transies realizados e a sintomatologia depressiva apresentada. No entanto, os
dados tambm demonstraram que os sujeitos que tinham apenas cumprido at dois dos
marcos mostravam uma diminuio da sintomatologia depressiva.
De acordo com Lahelma e Gordon (2003), os pesquisadores que estudam assuntos
ligados juventude vem a sada da casa dos pais como sendo uma das maiores transies
em direco idade adulta, juntamente com a formao de um casal, a mudana para o
ensino superior e a entrada no mercado de trabalho. As pessoas mais novas podem sair de
casa para prosseguir os estudos noutras cidades ou por outras razes, sem necessariamente
pensarem no que significa esta mudana de residncia.
A transio para a faculdade , normalmente, vista como uma subida na vida que
envolve novas oportunidades para os estudantes (Bernier, Larose & Whipple, 2005). Tanto
para o estudante que deixa a casa dos pais para frequentar a universidade, como para o que
vive com os pais e prossegue com a vida acadmica, existe um desafio significativo que
poder levar a dificuldades de adaptao e stress (Lafrenier & Ledgerwood, 1997).
Alm disso, tal transio concerne inmeros desafios, especialmente para aqueles
5
estudantes que saem de casa para ir para a faculdade. Esta sada representa uma quebra
marcada nas suas rotinas e no seu estilo de vida prvio, assim como uma adaptao a um
ambiente completamente diferente que envolve desafios acadmicos, sociais e residenciais
(Fisher & Hood, 1987).
Num curto espao de tempo, os estudantes vem-se em comunidades onde tm
poucos amigos ou nenhuns; so forados a lidar com novas fontes de stress, como o tentar
procurar um percurso na cidade, ou partilhar a habitao com colegas desconhecidos. Muitos
so confrontados, pela primeira vez, com novas responsabilidades como a gesto de dinheiro,
e a definio de limites na sua vida social (Lafrenier & Ledgerwood, 1997). Sem a superviso
de um adulto, aprendem a administrar os seus prprios assuntos e a assumir
responsabilidades de um adulto, sendo que, ao mesmo tempo, tm que se ajustar s mudanas
na sua rede social de apoio, a nvel de composio e disponibilidade (Kenny, 1987, citado por
Bernier, Larose & Whipple, 2005; Larose & Boivin, 1998).
Da mesma maneira, estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades
nos EUA encontram-se longe da sua famlia e amigos, e tm uma rede de suporte diferente
dos estudantes americanos. Face a face com novos valores e crenas, estes estudantes tm de
se adaptar a muitas diferenas culturais. Para alm das preocupaes de desenvolvimento
comuns a todos os estudantes, encontram portanto agentes stressores adicionais devido s
exigncias da adaptao cultural. Dificuldades lingusticas, acadmicas, interpessoais,
financeiras e intrapessoais constituem tambm uma fonte de stress para estes estudantes
(Mori, 2000). Uma situao de crise pode surgir de dificuldades financeiras, pois a falta de
fundos para continuar os estudos num stio diferente do de origem um dos problemas mais
expressos (Cadieux & Wehrly, 1986).
Adicionalmente s preocupaes econmicas geradas por viver fora de casa dos pais,
Holdsworth (2000) defende que as mudanas de vida a que os estudantes universitrios esto
sujeitos podem ter consequncias complexas. Isto porque, para alm de terem que lidar com a
sada da casa dos pais e a adaptao universidade, h que ter em conta o prprio
desenvolvimento de identidade do estudante. Contudo, o autor sugere ainda que necessrio
ter em considerao factores como o nvel scio-econmico, o nvel de escolaridade dos pais,
o contexto cultural e as expectativas dos filhos e dos pais, de forma a ter uma viso completa
do assunto, uma vez que, todos estes aspectos influenciam a prpria mudana e consequente
adaptao dos estudantes.
6
Neste sentido, torna-se pertinente perceber as razes que levam prpria escolha de
sair de casa ou no, de modo a prosseguir os estudos. Para muitas famlias da classe mdia do
Reino Unido, com tradio de educao superior, sair de casa para ir para a universidade
um passo importante para a vida adulta e independncia. Por outro lado, jovens que
tradicionalmente acabam o secundrio e procuram trabalho, podem preferir a segurana
emocional e optar por permanecer em casa perto dos pais e amigos, ao frequentar o ensino
superior. Esta divergncia de escolhas, poder reflectir as diferenas entre famlias (a famlia
cujo estudante sai da casa dos pais e a famlia cujo estudante permanece em casa destes) e as
suas expectativas sobre como os jovens negoceiam as transies para a vida adulta (Patiniotis
& Holdsworth, 2005).
Num estudo de Patiniotis e Holdsworth (2005), no Reino Unido, 78% dos estudantes
que vivem com os pais dizem que o fazem devido a questes econmicas, sugerindo que o
viver em casa uma estratgia para poupar dinheiro. Enquanto as razes econmicas tm um
grande peso na deciso dos estudantes, outros factores como as expectativas e atitudes da
famlia podero ser igualmente importantes.
Historicamente, um nmero substancial de publicaes tm dado nfase associao
entre a mudana de residncia e a sade fsica e mental. Tanto para populaes imigrantes
como para migrantes internos h evidncias de uma maior taxa de hospitalizao devido a
doenas mentais (Murphy, 1965).
Nos estudantes que saem de casa para viver em residncias para estudantes
universitrios h uma maior necessidade de adaptao, e h uma maior quebra entre o estilo
de vida do passado, e um ambiente totalmente novo que envolve tanto aspectos acadmicos,
como de residncia. O indivduo que se muda exposto, simultaneamente, s caractersticas
do novo ambiente e ao stress do trnsito (no caso de uma mudana da provncia para uma
grande cidade) assim como separao da famlia, e segurana do antigo ambiente. Qualquer
um destes aspectos pode ser um factor determinante para uma doena fsica e mental (Fisher
& Hood, 1987).
O mesmo acontece com os estudantes vindos de outros pases para frequentar
universidades nos EUA. Como mostra Mori (2000), as mudanas drsticas que estes
estudantes experienciam nos seus papis sociais, posies e relaes interpessoais durante os
seus estudos nos EUA, afectam inevitavelmente, a vrios nveis, o seu auto-conceito
(Winkelman, 1994) e a sua viso do mundo (Westwood, Lawrence & Paul, 1986).
7
O stress de adaptao ao ambiente estranho manifesta-se atravs de uma variedade de
sintomas (Thomas & Althen, 1989). A falta de familiaridade com o meio envolvente pode
gerar um perodo de saudades de casa, durante o qual os estudantes podem sofrer de
dolorosos sentimentos de isolamento e/ou solido. Em alguns casos severos, o seu profundo
sentimento de falta de ajuda e de esperana pode ser um indicativo de depresso (Mori,
2000). Fisher e Hood (1987) defendem que as transies resultam num menor controlo, pois
os procedimentos habituais so inapropriados para as novas circunstncias. A perda de
controlo pode criar condies para experincias iniciais de depresso, sendo que esta
depresso pode aumentar devido quebra com a casa, amigos e familiares (Fisher, 1986).
sabido que sentir saudades de casa envolve um sentido de solido, disforia, aflio
emocional e pensamentos sobre casa (Fisher, 1988). Os pressupostos de Fisher e Hood (1988)
assentam na ideia de que as saudades de casa esto associadas a elevados nveis de
perturbaes psicolgicas (ansiedade, fobias, sintomas somticos, depresso), assim como a
um fracasso cognitivo (tendncia para a distrao). As saudades de casa ocorrem quando uma
pessoa abandona uma rede social de apoio bem desenvolvida e tem, consequentemente,
dificuldades na adaptao a um novo ambiente (Beck, Taylor, & Robbins, 2003). Ainda,
podem ser um sinal de ansiedade devido separao e consequente luto, como
conceptualizado na literatura sobre vinculao (Ainsworth, 1979, citado por Beck, Taylor, &
Robbins, 2003), ou, por outro lado, podero reflectir a presso em lidar com um novo
ambiente (Fisher e Hood, 1987).
No mesmo sentido, Bloom (1987) sugere que apesar da separao pais/adolescentes
ser uma parte normal da vida, pode ser sentida pelos adolescentes como uma grande perda. O
autor afirma que a separao frequentemente desencadeia reaces emocionais intensas,
acompanhadas por tentativas de reaproximao pessoa perdida. As reaces emocionais
variam, mas geralmente incluem nostalgia, depresso, irritao e culpa.
Fisher, Murray e Frazer (1985) defendem que quanto maior a distncia de casa,
maiores as saudades de casa. Da mesma forma, Brooks e DuBois (1995) assumem que
quanto maior a distncia entre a localizao do estudante e a casa dos pais, maiores as
dificuldades de adaptao durante o primeiro ano de faculdade. Por outro lado, num estudo
de Tognoli (2003), encontraram-se fortes correlaes entre a distncia entre a casa dos pais
faculdade e as saudades de casa. Os estudantes cuja casa dos pais se encontra mais perto da
faculdade completam com maior facilidade a transio para a faculdade.
8
Porm, a adaptao depende tambm de caractersticas de personalidade/
idiossincrticas, background , assim como outros factores ambientais (p.e. suporte social)
(Brooks & DuBois, 1995). De acordo com Tognoli (2003), as visitas informais casa dos
pais podem providenciar uma experincia curativa e positiva, aparentada com o processo de
reabastecimento descrito por Bowlby (1984): as crianas retornam ao objecto (normalmente a
me), aps uma ausncia momentnea, de modo a lidar com o trauma da separao (Puskar,
1986). Newland e Furnham (1999) demonstram que estudantes universitrios que relataram
saudades de casa tm menos probabilidade de ter uma rede social de suporte segura, e mais
provavelmente apresentam altos nveis de perturbao psicolgica.
Fisher e Hood (1988) verificaram que os sinais de perturbaes eram elevados para os
estudantes que afirmaram ter saudades de casa logo aps a chegada universidade.
possvel prever estas perturbaes atravs dos estados psicolgicos em que se encontravam
os estudantes antes de sarem de casa. Entre as vrias explicaes sugeridas, os autores
privilegiam a ideia de que os estudantes que sentem saudades de casa manifestam
vulnerabilidade antes de sarem de casa.
No entanto, h estudos que concluem que todos os estudantes, independentemente do
estatuto de residncia, mostram um aumento de perturbaes psicolgicas, particularmente na
depresso e obsesso, assim como uma maior tendncia para andar de cabea na lua. Na
mesma perspectiva, o estudo de Fisher e Hood (1987) mostra que um grande acontecimento
de vida, normalmente associado ao aumento de oportunidade educacional e social, pode ter
efeitos adversos, pelo menos a curto prazo, ao nvel do funcionamento psicolgico. Na
verdade, este estudo conclui que existe um aumento da depresso para os dois tipos de
estudantes universitrios (os que vivem em casa dos pais e os que tiveram que sair).
Jordyn e Byrd (2003) mostraram que os ajustamentos de vida dos estudantes
universitrios e os seus nveis de desenvolvimento da identidade esto associados; o modo
como se processa esta associao varia consoante o nvel das dificuldades de vida
experienciados e o bem-estar. Independentemente dos ajustamentos de vida, geralmente os
estudantes na fase de construo da sua identidade consideram terem experienciado maiores
nveis de desafios desenvolvimentistas, alienao acadmica, maus tratos sociais, e altos
nveis de ansiedade, depresso e nveis mais baixos de vitalidade (energia), do que os
estudantes que no se encontravam nessa fase.
9
Relativamente aos estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades
nos EUA, tambm eles mostram preocupao com perturbaes mentais. Um estudo da
Columbia University, referido por Hamboyan e Bryan (2005), revelou que 75% dos
estudantes estavam preocupados com a depresso e mais de 25% referiram pensamentos
suicidas. Outros estudos mostraram que as preocupaes com a depresso e o suicdio esto
entre os mais srios problemas relativamente aos estudantes.
Os estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades nos EUA, no se
deparam apenas com maiores riscos de doena mental, como experienciam as dificuldades
associadas com o desenraizamento e o choque cultural (Hamboyan & Bryan, 1995). Ao
imigrarem para outro pais, os estudantes deparam-se com sintomas ligados ao que
Zwingmann e Gunn (1983) chamam uma perturbao de desenraizamento. A perturbao
de desenraizamento acontece quando, aps uma mudana significativa, como o caso dos
estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades nos EUA, as capacidades
cognitivas, psicolgicas e psicossociais normais do estudante so perturbadas de forma a que
uma adaptao ao pais anfitrio seja perturbado. A perturbao de desenraizamento pode
incluir sintomas como a desorientao, reaces nostlgicas e depressivas, sentimentos de
isolamento, alienao, impotncia, parania e hostilidade. Contudo, de acordo com
Zwingmann e Gunn (1983) uma mudana de localidade/ pas, isoladamente no suficiente
para desencadear esta perturbao, pois esta o produto de dificuldades e incompetncia a
nvel social e relacional tanto no pas anfitrio, como no pais de origem. De qualquer modo, a
perturbao de desenraizamento possui uma alta probabilidade de reduzir a qualidade de vida
tanto a nvel das aspiraes do estudante, como a nvel das suas competncias ocupacionais/
de adaptao.
Um estudo de Eddin e Blankenship (1988) sobre os cuidados de sade utilizados
pelos estudantes nos EUA, concluiu que os estudantes vindos de outros pases tinham muitos
mais diagnsticos de perturbaes ligadas ao stress, tais como a depresso, ansiedade, dores
de cabea, obstipao e insnias do que os estudantes domsticos. Hamboyan e Bryan (1995)
afirmam que sentimentos como a solido e sintomas como o choro so comuns devido
separao da famlia. Como uma forma de se precaverem face a perturbaes de
desenraizamento, alguns estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades nos
EUA (Zwingmann & Gunn, 1983), vivem com familiares ou amigos da mesma nao e
cultura; todavia, as saudades de casa e os sentimentos de isolamento e solido so comuns.
10
Muitos estudantes americanos experienciam stress como ansiedade, depresso ou ambos
(Aubrey, 1991), mas os estudantes vindos de outros pases, normalmente no fazem a
distino entre sofrimento emocional e doena somtica, sendo que muitos atribuem as suas
dificuldades psicolgicas a processos orgnicos (Flaskerud, 1986, citado por Mori, 2000).
Sendo o apoio social dos pais um factor com muito peso na adaptao dos estudantes
universitrios deslocados, Holmbeck e Wandrei (1993) analisaram vrios factores que
predizem a adaptao: para os estudantes do sexo feminino, uma menor coeso na famlia,
vinculao, auto-estima e apoio social dos pais estavam associados com nveis mais altos de
depresso e estados ansiosos, assim como um maior nmero de sintomas fsicos. Estes
resultados sugerem que a vinculao e o apoio dos pais so um importante factor que prediz
uma boa adaptao universidade.
1.2. A transio para a faculdade enquanto migrao Ao longo da histria e em todos os pases sempre houve, e continua a existir, o
processo de migrao. Migrao, uma mudana na localizao da residncia, um fenmeno
universal que tem ocorrido ao longo do tempo e em todas as naes. O processo de migrao
um processo heterogneo, tanto qualitativo como quantitativo. Pode envolver um indivduo
que muda para prosseguir com os estudos, procura um novo e melhor emprego, anseia por
um futuro melhor, ou ainda que muda para evitar a perseguio poltica e religiosa ou para
casar (Bhugra, 2004). A deciso de deixar uma cultura familiar implica vrias contingncias
inter-pessoais. A ruptura dos laos familiares e de amizade podem provocar sentimentos de
medo, apreenso e perda (Vega, Kolody, & Valle, 1987).
No estudo de Vega, Kolody e Valle (1987), evidenciou-se a noo de que a adaptao
dos migrantes depende muito da capacidade de resoluo dos stressores interpessoais,
associados quebra da rede social no pas de origem e a sua substituio no pas anfitrio.
Por exemplo, cerca de trs quartos da amostra gostariam de ter mais amigos e familiares no
pais anfitrio. De facto, alguns imigrantes optam por permanecer poucos anos no pas
anfitrio e apontam, como principal causa, o descontentamento com o suporte social. O
resultado obtido pelos autores, complementa pesquisas anteriores que indicam que os
imigrantes mexicanos, quando comparados com mexicanos-americanos nativos, referem
menor apoio social disponvel e uma menos satisfao (Vega & Kolody, 1985). tambm de
11
salientar que as ligaes emocionais com os amigos tm mais importncia do que os laos
familiares para a previso da depresso (Vega, Kolody, & Valle, 1987).
Para uma melhor compreenso da adaptao dos migrantes, Arredondo-Downd
(1981) definiu quatro estdios de adaptao: 1. Fascinao; 2. Hostilidade em relao
cultura anfitri; 3. Adaptao; e 4. Biculturalidade genuna. Segundo o autor, estes estdios
surgem do conflito entre as expectativas do viajante e as experiencias obtidas atravs da
vivencia no pas anfitrio.
Na fase inicial da migrao, poder haver menos problemas de sade especficos
devido idade, rasteio mdico e curto perodo de permanncia. Tseng (2001) afirma que,
para conhecer melhor o impacto da migrao na sade mental, necessrio ter em ateno os
tipos de stress mental a que o migrante est exposto, quais as estratgias psicolgicas
utilizadas face ao stress e o impacto de tudo isto na sua sade mental (Bhugra, 2004).
Fried (1977) observou que os imigrantes tm reaces que se assemelham a reaces
de luto. Eles manifestam sentimentos de grande perda, desamparo, raiva e idealizao do
lugar perdido. Toffler (1970, citado por Arredondo-Downd, 1981) refere que mudar para uma
nova localizao geogrfica uma mudana de vida que gera um sentimento de perda. Este
sentimento de perda pode ser originado pelo choque cultural.
O termo choque cultural foi introduzido por Oberg (1960) para descrever a
ansiedade sentida pelo sujeito por no saber o que fazer e quando o fazer. Oberg (1972)
props cinco estdios no processo de choque cultural de um viajante que tambm pode ser
considerado um imigrante: Estdio 1 O sujeito sente euforia e excitao pela nova cultura;
Estdio 2 As actividades dirias assemelham-se a crises. Como resultado, o sujeito
experiencia hostilidade para com as pessoas sua volta. Este um perodo de transio
psicolgica dos valores de casa para os valores do pais anfitrio. Quando esta transio
falhada, o sujeito pode sentir um descontentamento extremo relativamente ao pas anfitrio;
Estdio 3 O sujeito comea a compreender a cultura do pas anfitrio e a se sentir em
contacto com ele mesmo; Estdio 4 O sujeito consegue verificar os aspectos positivos e
negativos do pas anfitrio; Estgio 5 O sujeito regressa a casa e experiencia, novamente,
um choque cultural no reajuste.
Bock (1970) utiliza o termo choque cultural como uma reaco emocional, que
consequncia da incapacidade de prever, controlar e compreender o prprio comportamento,
que parece ser uma necessidade bsica. A vulnerabilidade e a carncia de suporte social
12
podero resultar na manuteno de sentimentos de ansiedade, confuso e revolta, que por sua
vez, podero levar apatia.
Um outro aspecto a ter em considerao a aculturao. A aculturao a
transformao da identidade do migrante e o seu sentimento de pertena. um processo pelo
qual os migrantes passam visando a adaptao (Bhui, 2008). Durante este processo, muitos
migrantes experienciam sentimentos de luto (sensao de confuso e de no pertena), que se
traduzem em ansiedade, depresso, sonolncia e solido. Bhui (2008) defende que este
processo de acultutao dura cerca de doze a dezoito meses, sendo que nesta altura que se
d o perodo de adaptao, seguido de um restabelecimento com sucesso.
A separao inicial, apesar de traumtica para alguns, no a altura de maiores danos
para muitos imigrantes. a soma de pequenos eventos ulteriores que acaba por ter um efeito
traumtico (Ecke, 2005). De acordo com Ecke (2005), ao longo do tempo, o imigrante perde
vrios eventos como nascimentos, novas casas e aniversrios dos familiares e amigos que
esto na terra natal; sofre ainda com a impossibilidade de estar presente e apoiar em situaes
de doena, traumas pessoais e mortes. A incapacidade contnua de participar directamente e
estar rodeado por amigos e familiares em diversas situaes, leva o imigrante sensao de
isolamento, mltiplas perdas e um luto complicado.
Bhugra (2004) defende que h uma possibilidade dos migrantes terem uma maior
probabilidade de sofrerem de depresso devido perda que podero ter sofrido. O autor
acrescenta que esta depresso pode ser acompanhada por sintomas de ansiedade. O migrante
pode experienciar ansiedade, visto j estar sob stress e presso derivado migrao, na
medida em que esta envolve um choque cultural, uma perturbao da identidade e carncia de
suporte social.
Um outro factor que Bhugra (2004) refere que pode levar depresso o sentimento
de derrota. Esta derrota pode derivar de uma privao social e econmica severa, originando
sentimentos de baixa auto-estima, que, por sua vez, podero conduzir a perturbaes
psiquitricas. A alienao e a desculturalizao podem contribuir para o aumento do
sentimento de fracasso e do sentimentos de rejeio e isolamento. Assim, situaes de vida
adversas, discriminao, baixa auto-estima e pouco suporte social podem conduzir a
situaes duradouras, que noutras condies seriam apenas de curta durao (Chakraborty &
McKenzie, 2002, citado por Bhui, 2008).
13
1.3. Perda e depresso: a teoria psicanaltica A teoria psicanaltica sempre procurou compreender a depresso como um processo
relacionado com a perda de um objecto (ou melhor, de uma certa forma de relao com um
objecto). Esta ideia claramente indicada por Freud e est na base da aproximao que faz
entre luto e melancolia (1917|1976). De acordo com o autor, a melancolia, hoje chamada
de depresso, a reaco perda do objecto amado, sendo que este no precisa
necessariamente de ter morrido, mas sim perdido enquanto objecto de amor. Por vezes, esta
perda pode ser notada, mesmo que no se saiba ao certo o que se perdeu.
O tema foi depois retomado por outros autores. Segundo Abraham (1924, citado por
McWilliams, 2005, Bowlby, 1985) um importante precursor das tendncias depressivas
consiste na vivncia da perda prematura, sendo que esta pode ser revivida consoante as
circunstncias de vida. Tambm Coimbra de Matos (2001) enfatiza o papel da perda na
depresso. De acordo com o autor, a depresso instala-se quando o individuo perde o objecto,
sendo que este j tido como incerto partida. Contudo, o indivduo sente-se triste, mas nega
a realidade da perda negao do sentimento de perda; est-se triste sem saber porqu (p.
183), algo que Freud (1976) j havia referido, em alguns casos.
Esta teoria permite compreender a relao entre migrao e depresso.
A perda de um objecto especifico pode ser comparada perda de estatuto, de suporte
social e de relaes significativas, que poder incluir o sentimento de luto. A sua resoluo
pode ser influenciada por estilos de vinculao, existncia de suporte social, ganho ou perda
do estatuto social e outros factores (Bhugra, 2004).
Independentemente da natureza da perda, a adaptao envolve um processo de luto
que ocorre em fases (Arredondo-Dowd, 1981). No seu estudo, Arredondo-Dowd (1981)
interpreta o processo de luto dos imigrantes luz da perspectiva de Bowlby (1961, citado por
Arredondo-Dowd, 1981). Na primeira fase do processo de luto o sujeito experiencia
sentimentos de entorpecimento, choque e incredulidade. Os imigrantes no conseguem
compreender que realmente partiram e que no iro ver stios e caras familiares, levando a
sentimentos de alienao, que por sua vez, aumentado pelo estrangeirismo do novo
ambiente. Esta mudana leva-os a assumir um estatuto minoritrio numa cultura maioritria,
f-lo sentir-se deslocados. Estas reaces podem progredir para sentimentos de dor,
desespero e desorganizao, que so a sintomatologia da fase dois. As saudades de casa
instalam-se e o sujeito experiencia uma perda emocional. Cada vez mais, as referncias a
14
casa esto carregadas com sentimentos de idealizao e anseio. De acordo com Arredondo-
Dowd (1981) estes sentimentos so descritos pelas mesmas pessoas que, previamente,
criticaram a sua terra por no oferecer o suficiente. Na fase trs, os sentimentos so mais
positivos e esperanosos. Instala-se a deciso de reorganizao da prpria vida, de
estabelecer novos relacionamentos, e uma nova casa e/ou carro podero ser um estmulo.
Neste estudo ir combinar-se o estudo entre a sintomatologia depressiva e as saudades
de casa, sentidas pelos estudantes deslocados da Madeira e dos Aores. de realar que a
transio para a faculdade e a adaptao dos estudantes que deixam a casa dos pais para
prosseguir os estudos uma altura que os estudantes esto sob stress e experienciam
sentimentos como solido e saudades de casa (Fisher & Hood, 1987), que podem evoluir para
depresso (Fisher & Hood, 1987, 1988; Mori, 2000). Desta forma, esperamos que as
saudades de casa contribuam para uma maior sintomatologia depressiva.
Uma vez que os estudos existentes acerca dos estudantes de deixam a casa dos pais
para ir para a faculdade so referentes, principalmente, a estudantes americanos ou a
estudantes vindos de outros pases para frequentar universidades nos EUA, este estudo tem
igualmente um carcter exploratrio, onde esperamos obter informao sobre o que se passa
em Portugal, a nvel da adaptao e da sintomatologia depressiva, mais concretamente com
os estudantes deslocados das ilhas portuguesas e que frequentem a faculdade em Lisboa.
15
CAPTULO 2: OBJECTIVOS E MTODO
2.1 Objectivos e Variveis Estudadas
Nesta investigao, pretende-se estudar a relao entre as saudades de casa dos
estudantes deslocados, a adaptao dos mesmos e a sintomatologia depressiva.
Deste modo, as variveis independentes so as saudades de casa, avaliada pela verso
portuguesa do Questionrio das Saudades de Casa - QSC (Homesickness Questionnaire)
(Archer, Ireland, Amos, Broad, & Currid, 1998); e a adaptao dos estudantes deslocados,
avaliada pelo Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados QAE. A varivel
dependente a sintomatologia depressiva, avaliada pela verso portuguesa da Escala de
Depresso do Centro de Estudos Epidemiolgicos (Center for Epidemiological Studies
Depression Scale - CES-D) (Gonalves & Fagulha, 2004).
2.2 Mtodo
2.2.1 Hipteses
Tendo em conta diversos estudos (Fisher & Hood, 1988; Brooks & DuBois, 1995;
Mori, 2000; Tognoli, 2003) que admitem as saudades de casa como factor dificultador da
adaptao dos estudantes faculdade, hipotetiza-se que a sintomatologia depressiva
apresentada est positivamente correlacionada com a intensidade das saudades de casa,
(hiptese 1) e com as dificuldades de adaptao (hiptese 2).
Procura-se, alm disso, esclarecer as relaes entre estas trs variveis. Supe-se,
nomeadamente, que existe uma relao entre as duas variveis independentes, saudades de
casa e problemas de adaptao (hiptese 3), e procurar-se- verificar qual destas duas
variveis independentes est mais directamente ligada com a sintomatologia depressiva,
sendo que se hipotetiza que a adaptao tem um efeito indirecto na depresso (hiptese 4).
2.2.2 Instrumentos
Para este estudo, foi constitudo um protocolo com trs seces.
16
A primeira seco, constituda por um Questionrio Sobre a Adaptao dos
Estudantes Deslocados, criado por ns, de modo a analisar quais os factores que dificultam e
facilitam a adaptao. Este questionrio foi criado com a ajuda de trs focus grupos,
constitudos por cinco sujeitos, cada um, sendo que os participantes frequentavam o segundo
ou terceiro ano da faculdade em Lisboa. O primeiro grupo era constitudo por quatro
elementos do sexo feminino e um do sexo masculino, todos naturais da Madeira, com idades
compreendidas entre os 21 e os 24 anos. No segundo grupo estavam presentes dois elementos
do sexo feminino e trs do sexo masculino, sendo que dois eram naturais dos Aores e trs da
Madeira com idades compreendidas entre os 20 e os 2 anos. E no terceiro grupo constavam
cinco elementos do sexo feminino, quatro naturais da Madeira e um dos Aores, com idades
compreendidas entre os 19 e os 23 anos. Os grupos eram heterogneos relativamente aos
cursos frequentados pelos sujeitos (psicologia, arquitectura, economia, direito e engenharia
informtica e electrotcnica). Durante aproximadamente uma hora, foi pedido aos sujeitos
que falassem sobre a sua experincia de adaptao faculdade e a Lisboa, sendo que
focassem quais os factores que, por um lado facilitaram essa mesma adaptao, e por outro
quais os que dificultaram. Os dois primeiros grupos discutiram uma grande diversidade de
factores e no terceiro j se verificaram repeties de factores. Aps a recolha do material,
construram-se os itens que deram origem ao questionrio.
Assim, no questionrio solicitado aos participantes que classifiquem, segundo uma
escala de cinco pontos, que variam entre 1 (dificultou muito) e 5 (facilitou muito), os 27 itens
constituintes do questionrio, pelo que as pontuaes podem variar entre 27 e 135.
A segunda seco, constituda por um Questionrio das Saudades de Casa,
traduzido e adaptado por ns. Originalmente, o Homesickness Questionnaire uma prova de
Archer, Ireland, Amos, Broad e Currid (1998). um instrumento auto-descritivo que utiliza
33 itens, onde esto representados os principais aspectos das saudades de casa, subdivididos
em duas subescalas: no gostar da faculdade (13 itens) e vinculao a casa (20 itens). Esta
prova avalia a frequncia destes sintomas, utilizando uma escala de quatro pontos, de 1
(nunca) a 4 (muito frequentemente), pelo que as pontuaes podem variar entre 33 e 132,
sendo que as pontuaes mais elevadas indicam um maior nvel de saudades de casa. Sete
dos itens esto construdos com uma formulao positiva (contrria aos restantes), de modo a
quebrar tendncias de resposta e avaliar os aspectos positivos.
17
A terceira seco constituda pela verso portuguesa da CES-D (Gonalves &
Fagulha, 2004). Escala foi construda com o objectivo de avaliar a ocorrncia da
sintomatologia depressiva na populao em geral (Radloff, 1977) e demonstrou ser til, no
s em estudos epidemiolgicos, mas tambm em estudos com jovens universitrios (Radloff,
1991). Por essa razo foi seleccionada para o presente estudo. Relativamente adaptao
para a populao portuguesa, foram demonstrados bons resultados quanto preciso e
consistncia interna (Gonalves & Fagulha, 2004). O CES-D um instrumento auto-
descritivo, que apresenta qualidades de parcimnia e facilidade e rapidez de aplicao e
cotao. composto por 20 itens, que representam os principais aspectos da sintomatologia
depressiva, avaliando a frequncia dos sintomas na ltima semana. As respostas so dadas
numa escala de quatro ponto, de 0 (nunca ou muito raramente) a 3 (com muita frequncia ou
sempre). Assim, as pontuaes variam entre 0 e 60, sendo que as pontuaes mais elevadas
indicam maior sintomatologia depressiva. Quatro dos vinte itens so construdos com uma
formulao positiva (contrria aos restantes), de modo a quebrar tendncias de resposta e
avaliar os aspectos positivos. Os resultados derivados desta escala permitem identificar
quatro factores: afecto depressivo, afecto positivo, actividade somtica e retardada, e relaes
interpessoais (Radloff, cit. Por Gonalves & Fagulha, 2004).
2.2.3 Participantes
Tendo em conta que o objectivo deste estudo abordar a transio dos estudantes
deslocados para a faculdade, a mostra foi constituda por sujeitos de ambos os sexos,
provenientes da Madeira e dos Aores, que frequentassem o primeiro ano de faculdade em
Lisboa, pela primeira vez. Esta especificao deveu-se ao facto desse ser um perodo que
exige um grande esforo de adaptao para os estudantes em geral (Fisher & Hood, 1987,
1988).
Foram utilizadas duas metodologias para a angariao de sujeitos. Recorreu-se
metodologia de bola de neve, onde colaboraram colegas, amigos e familiares, onde foram
recolhidos dois teros da amostra. O restante um tero da amostra foi recolhido com o apoio
do programa SURVS1, que permite a elaborao e distribuio dos questionrios via internet.
1www.survs.com
18
2.2.4 Caracterizao da Amostra
Foram obtidos 137 protocolos, dos quais 31 apenas responderam ao QAE e ao QSC.
Contudo, estes dados sero utilizados para o tratamento dos dados destes questionrios. A
amostra constituda por 137 sujeitos, sendo que 98 eram do sexo feminino e 39 do sexo
masculino. A idade dos sujeitos encontra-se entre os 17 e os 24 anos, sendo que a mdia foi
de 19 anos (DP = 1,29). Quanto regio de origem, a amostra inclui 80 sujeitos provenientes
da Madeira e 57 dos Aores, o que corresponde a 58,4% e a 41,6 % da amostra,
respectivamente.
19
CAPTULO 3: RESULTADOS
Num primeiro momento, proceder-se- anlise das caractersticas psicomtricas de
dois dos questionrios utilizados, uma vez que no esto aferidos para a populao
portuguesa: o Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados e o Questionrio
Saudades de Casa. Seguidamente, apresentar-se- uma viso global dos dados, previamente
cotados, e consequentemente a anlise exploratria dos mesmos. Finalmente, debruar-nos-
emos sobre os dados que sustentam o estudo das hipteses formuladas e terminaremos com a
anlise multivariada dos dados2.
3.1 Caractersticas psicomtricas do QAE e do QSC
Quadro 1: Anlise dos itens do Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
Item Mdia Desvio-Padro Correlaes Item-Total Alfa de Cronbach
sem o item
Distncia da famlia 2,08 0,82 0,49 0,75
Dimenso da cidade 2,74 0,89 ,019 0,77
Distncia dos amigos 1,83 0,78 0,36 0,76
Diferena de temperatura 2,58 0,65 0,16 0,77
Novos relacionamentos amorosos
3,18 0,75 0,18 0,76
Festas da faculdade 3,72 0,80 0,59 0,74
Realizar tarefas domsticas 2,73 0,68 0,36 0,76
Viver com familiares/amigos 3,50 1,09 0,38 0,75
Custo de vida mais alto 2,10 0,70 0,02 0,77
Familiar/amigo que mostre a cidade
3,60 0,87 0,37 0,75
Arranjar um emprego 2,98 0,31 0,16 0,77
Viver sozinho 2,72 1,11 0,30 0,76
Maior taxa de criminalidade 2,24 0,70 0,24 0,76
2 Para efectuar as anlises estatsticas apresentadas recorreu-se ao Statistical Package for the Social Sciences SPSS, para Mac.
20
Diferenas culturais 2,69 0,63 0,33 0,76
Viver com outros estudantes 3,55 0,89 0,38 0,75
Gostar do curso 4,06 0,78 0,15 0,77
Viver num apartamento 3,06 0,95 0,25 0,76
Distncia do(a) namorado(a) 2,49 0,88 0,05 0,77
Muitas pessoas na rua e nos locais pblicos
2,88 0,81 0,23 0,76
Novos amigos 4,24 0,91 0,34 0,76
Facilidade de deslocao para outras regies do pas ou para o estrangeiro
3,37 0,91 0,49 0,75
Servios de apoio ao estudante
3,11 0,71 0,12 0,77
Proximidade com o mar 2,31 1,04 0,37 0,75
Ser bolseiro 3,45 0,87 0,09 0,77
Arquitectura da cidade 3,01 0,63 0,54 0,75
Gostar da faculdade 3,95 0,83 0,50 0,75
Distncia entre a residncia e a faculdade
3,30 1,12 0,20 0,77
Atravs da anlise do quadro possvel verificar que os factores que os estudantes
dizem que mais favorecem uma boa adaptao (recorrendo mdia) so os novos amigos
(4,24, DP = 0,91), gostar do curso (4,06, DP = 0,78), gostar da faculdade (3,95, DP =0,83), as
festas da faculdade (3,72, DP = 0,80), ter uma familiar/ amigo que mostre a cidade (3,60, DP
= 0,87), viver com outros estudantes (3,55, DP = 0,89) e viver com amigos/ familiares (3,50,
DP = 1,09). Por outro lado, os factores que contribuem para uma maior dificuldade na
adaptao so: distncia dos amigos (1,83, DP = 0,78), distncia da famlia (2,08, DP = 0,82)
e proximidade com o mar (2,31, DP = 1,04). Os restantes itens revelaram no ter muito peso
a nvel da dificuldade ou facilidade de adaptao dos estudantes. Analisando estes resultados
de acordo com o sexo, no obtemos diferenas.
Trs dos itens que constituem o Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes
Deslocados possuem correlaes muito baixas com o total: Custo de vida mais alto (r =
0,02), Distancia do namorado(a) (r = 0,05), e Ser bolseiro (r = 0,00). Assim sendo, estes
trs itens sero excludos para o resto da anlise do teste e dos dados. Por outro lado, itens
21
como Distncia da famlia, Festas da faculdade e Facilidade de deslocao para outras
regies do pas ou para o estrangeiro tm fortes correlaes com o total, r = 0,49, r = 0,59 e r
= 0,49, respectivamente.
Os itens apresentam todos uma boa variabilidade de resposta (o desvio-padro varia
entre 0,31 e 1,12) e o valor do alfa de Cronbach (aps excluso dos trs itens referidos) de
0,77, o que revela uma boa consistncia interna.
Quadro 2: Anlise factorial do Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
Factores Item
1 2 3 4 5
Distncia da famlia 0,74 0,18 0,04 -0,09 0,15
Distncia dos amigos 0,74 -0,03 0,11 -0,02 -0,09 Viver sozinho 0,72 0,03 0,01 -0,25 0,03
Viver num apartamento 0,54 0,13 -0,29 0,25 -0,04 Proximidade com o mar 0,51 -0,03 0,25 0,24 0,15
Gostar da faculdade 0,47 0,35 0,08 0,27 0,02 Viver com outros estudantes 0,01 0,79 0,03 -0,06 0,05
Realizar tarefas domsticas 0,04 0,72 0,15 0,04 -0,11 Viver com familiares/amigos 0,12 0,63 0,09 -0,18 0,37
Festas da faculdade 0,36 0,51 0,37 0,00 0,13 Gostar do curso 0,27 0,35 -0,31 0,18 -0,30
Distncia entre a residncia e a faculdade 0,04 0,49 -0,29 0,43 -0,03
Familiar/amigo que mostre a cidade 0,33 0,39 0,26 -0,09 -0,15
Diferenas culturais -0,08 0,13 0,70 0,14 0,34 Novos relacionamentos amorosos 0,37 -0,25 0,68 -0,20 -0,11
Arquitectura da cidade 0,19 0,34 0,64 0,05 0,27 Novos amigos -0,03 0,32 0,57 0,24 -0,03
Servios de apoio ao estudante -0,13 0,04 0,03 0,82 -0,11 Muitas pessoas na rua e nos locais pblicos -0,08 -0,07 0,29 0,75 0
Dimenso da cidade 0,14 -0,17 -0,19 0,63 0,30
22
Facilidade de deslocao para outras regies do pas ou para o estrangeiro 0,30 0,10 0,43 0,52 0,09
Maior taxa de criminalidade 0,06 -0,07 0,25 0,05 0,76
Diferena de temperatura -0,07 0,17 0,27 -0,24 0,62 Arranjar um emprego 0,08 0,01 -0,14 0,22 0,60
A anlise factorial dos dados sugere que esto cinco factores presentes. Os factores
foram obtido aps rotao Varimax. No factor 1 esto includos seis itens, que indicam a
vinculao a casa e explica 12,65% da varincia; o factor 2 concerne cinco itens, indicativos
de aspectos sociais e explica 11,90% da varincia; no factor 3 esto presentes quatro itens
indicativos da integrao no local anfitrio e explica 11,36% da varincia; o factor 4 contm
quatro itens que indicam estruturas de apoio socializao e explica 11,05% da varincia; e,
por fim, no factor 5 esto presentes trs itens indicativos de controlo/segurana e explica
8,17% da varincia. Dois dos itens obtiveram uma pontuao aproximada em dois dos
factores: o item Distancia entre a residncia e a faculdade est relacionado com o factor 2 e
4 (aspectos sociais e estruturas de apoio sociabilizao, respectivamente) e o item
Familiar/amigo que mostre a cidade est relacionado com o factor 1 e 2 (vinculao a casa
e aspectos sociais, respectivamente).
Quadro 3: Anlise dos itens do Questionrio Saudades de Casa
Item Mdia Desvio-Padro Correlaes Item-Total
Alfa de Cronbach sem o item
No consigo deixar de pensar na minha casa ou na minha terra. 2,93 0,76 0,58 0,90
No me consigo concentrar no meu trabalho porque estou sempre a pensar na minha casa ou na minha terra.
2,34 0,89 0,74 0,90
Quando no estou a pensar em nada particular, os meus pensamentos voltam sempre minha casa e minha terra.
2,84 0,89 0,53 0,91
Raramente penso sobre a minha terra. 3,50 0,71 0,54 0,91
Est tanta coisa a acontecer aqui, que raramente penso sobre a minha casa ou na minha terra.
3,15 0,71 0,60 0,90
Vou a casa tantas vezes quanto posso. 2,99 1,05 0,00 0,91
23
Escrevo para casa todas as semanas. 2,15 1,15 0,43 0,91
Pensar na minha terra faz-me chorar. 2,16 0,96 0,67 0,90
Sonho com os meus amigos da minha terra. 2,14 0,77 0,36 0,91
Integrei-me muito bem na universidade. 2,07 0,79 0,37 0,91
Se alguma vez fosse a casa por alguns dias, no quereria voltar. 2,04 1,01 0,63 0,90
Tento pr o meu quarto parecido com o da minha casa. 1,69 0,84 0,12 0,91
Raramente escrevo para casa. 3,09 1,21 0,30 0,91
Odeio este lugar. 1,91 0,95 0,57 0,90
Raramente vou a casa durante o semestre. 2,41 1,08 0,01 0,91
Tendo a aproximar-me de pessoas que provm da mesma terra que eu. 2,71 0,98 0,25 0,91
Fico muito transtornado(a) quando penso na minha terra. 2,20 0,80 0,65 0,90
Estou muito feliz por frequentar a universidade aqui. 2,35 0,85 0,74 0,90
Fico transtornado(a) se no consigo telefonar para casa todas as semanas. 3,07 1,09 0,47 0,91
No me consigo concentrar no meu trabalho. 2,40 0,85 0,77 0,90
Sinto-me vazio(a) por dentro. 2,45 0,95 0,61 0,90
Evito ir a casa porque seria demasiado perturbador. 1,53 0,92 0,29 0,90
Desejaria nunca ter vindo para a universidade. 1,43 0,68 0,46 0,91
Sonho com a minha terra ou a minha casa. 2,22 0,80 0,68 0,90
Esforo-me por no pensar na minha terra. 1,85 0,83 0,26 0,91
As pessoas aqui irritam-me. 2,06 0,94 0,41 0,91
Parece que no me consigo adaptar universidade. 1,74 0,86 0,56 0,90
Frequentemente sonho com a minha famlia que est na minha terra. 2,15 0,84 0,58 0,90
24
Os meu pais "empurraram-me" para vir para a faculdade. 1,41 0,74 -0,11 0,91
Sinto-me como se tivesse deixado uma parte de mim na minha terra. 2,91 0,95 0,68 0,90
Culpo-me por ter vindo para a universidade. 1,32 0,61 0,41 0,91
Sinto-me inquieto(a) aqui. 2,52 1,02 0,82 0,90
Se vou a casa por alguns dias sinto-me entusiasmado(a) por voltar para a universidade.
2,99 0,85 0,52 0,91
Atravs da anlise do quadro possvel verificar que trs dos itens que constituem o
Questionrio Saudades de Casa possuem correlaes muito baixas com o total: Vou a casa
tantas vezes quanto posso (r = 0,00), Raramente vou a casa durante o semestre (r = 0,01),
e Os meus pais empurraram-me para vir para a faculdade (r = - 0,11).
Assim sendo, estes trs itens sero excludos para o resto da anlise do teste e dos
dados. Por outro lado, itens como No me consigo concentrar no meu trabalho porque estou
sempre a pensa na minha casa ou na minha terra, Estou muito feliz por frequentar a
universidade aqui e No me consigo concentrar no meu trabalho tm fortes correlaes
com o total, r = 0,74, r = 0,74 e r = 0,77, respectivamente.
Os itens apresentam todos uma boa variabilidade de resposta (o desvio-padro varia
entre 0,61 e 1,21) e o valor do alfa de Cronbach (aps os trs itens removidos) de 0,91, o
que revela uma boa consistncia interna.
Quadro 4: Anlise factorial do Questionrio Saudades de Casa
Factores Item
1 2 3 4 5 6
Integrei-me muito bem na universidade. 0,83 -0,19 0,11 0,30 -0,11 -0,05 Sinto-me vazio(a) por dentro. 0,69 0,19 0,26 0,15 0,03 0,11 Fico muito transtornado(a) quando penso na minha terra. 0,68 0,24 0,32 0,10 0,12 0,25
Culpo-me por ter vindo para a universidade. 0,67 0,16 0,01 -0,05 0,30 -0,16
No me consigo concentrar no meu trabalho porque estou sempre a pensar na minha casa ou na minha terra.
0,60 0,29 0,45 0,15 0,11 0,23
25
Pensar na minha terra faz-me chorar. 0,56 0,47 0,20 0,15 0,06 0,15 Desejaria nunca ter vindo para a universidade. 0,45 0,11 0,03 0,11 0,36 0,33
Sinto-me inquieto(a) aqui. 0,43 0,38 0,30 0,41 0,32 0,27 Sonho com a minha terra ou a minha casa. 0,22 0,78 0,28 0,05 0,05 0,08 Frequentemente sonho com a minha famlia que est na minha terra. -0,04 0,71 0,29 0,18 0,09 0,20
Sinto-me como se tivesse deixado uma parte de mim na minha terra. 0,34 0,70 0,26 0,02 0,15 0,08
Se alguma vez fosse a casa por alguns dias, no quereria voltar. 0,31 0,56 0,26 0,29 0,09 -0,07
Tento pr o meu quarto parecido com o da minha casa. -0,26 0,56 -0,14 0,30 0,06 -0,46
No me consigo concentrar no meu trabalho. 0,45 0,56 0,21 0,28 0,30 -0,01
Fico transtornado(a) se no consigo telefonar para casa todas as semanas. 0,02 0,48 0,25 -0,11 0,43 0,37
Sonho com os meus amigos da minha terra. 0,30 0,42 0,24 -0,15 -0,34 0,31
Esforo-me por no pensar na minha terra. -0,19 0,32 0,08 0,20 -0,17 0,70 Raramente penso sobre a minha terra. 0,08 0,18 0,79 0 0,26 -0,02 No consigo deixar de pensar na minha casa ou na minha terra. 0,22 0,25 0,69 0,21 -0,12 -0,01
Est tanta coisa a acontecer aqui, que raramente penso sobre a minha casa ou na minha terra.
0,19 0,16 0,68 0,03 0,34 0,09
Se vou a casa por alguns dias sinto-me entusiasmado(a) por voltar para a universidade.
0,19 0,17 0,63 0,35 0,01 -0,15
Quando no estou a pensar em nada particular, os meus pensamentos voltam sempre minha casa e minha terra.
0,12 0,36 0,57 0,02 0,04 0,26
Estou muito feliz por frequentar a universidade aqui. 0,38 0,25 0,53 0,37 0,34 -0,04
Odeio este lugar. 0,22 0,06 0,39 0,71 -0,05 0,21 As pessoas aqui irritam-me. 0,15 0,01 0,11 0,88 -0,06 0,02 Parece que no me consigo adaptar universidade. 0,29 0,26 0,22 0,67 -0,08 0
Tendo a aproximar-me de pessoas que provm da mesma terra que eu. -0,07 0,13 -0,14 0,58 0,30 0,17
Escrevo para casa todas as semanas. 0,09 0,24 0,11 0,04 0,75 0,14 Raramente escrevo para casa. 0,17 -0,04 0,23 -0,02 0,75 -0,17 Evito ir a casa porque seria demasiado perturbador. 0,31 -0,02 -0,10 0,17 0,16 0,73
26
Procedeu-se anlise factorial dos dados recolhidos seguida de rotao Varimax. O teste do
cotovelo sugeriu que seria mais indicada uma soluo a 6 factores. No factor 1 esto
presentes em sete itens, que indicam o no gostar da universidade, o que explica 14,58% da
varincia; o factor 2 concerne oito itens, indicativos da vinculao a casa e terra, o que
explica 13,83% da varincia; no factor 3 esto presentes sete itens indicativos da preocupao
com pensamentos sobre a casa e a terra, o que explica 12,91% da varincia; o factor 4 contm
trs que indicam a atraco a casa e terra, o que explica 10,33% da varincia; no factor 5
esto presentes dois itens, indicativos do contacto com a casa e a terra, o que explica 7,98%
da varincia; e, por fim, o factor 6 contem um item, que indica o evitamento a casa e terra,
o que explica 6,96% da varincia. Dois dos itens obtiveram uma saturao aproximada em
dois dos factores: o item Sinto-me inquieto aqui est relacionado com o factor 1 e 4 (no
gostar da faculdade e atraco a casa e a terra, respectivamente) e o item Fico
transtornado(a) se no consigo telefonar para casa todas as semanas est relacionado com o
item 2 e 5 (vinculao a casa e terra e contacto com a casa e a terra, respectivamente).
3.2 Resultados obtidos com os instrumentos
Quadro 5: Pontuao no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
Mnimo Mximo Mdia Desvio-Padro N
Pontuao 50 92 73,42 8,23 137
Relativamente adaptao dos estudantes deslocados, verificmos que a mdia das
pontuaes obtidas no QAE foi de 73,42 (DP = 8,23), num total de 137 sujeitos.
Quadro 6: Mdia no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
consoante o sexo
Sexo Mdia no QAE Desvio-Padro N
Feminino 73,68 7,63 98
Masculino 72,77 9,66 39
27
A mdia do QAE foi ligeiramente mais elevada para o sexo feminino, 73,68 (DP =
7,63) em contraste com 72,77 (DP = 9,66) do sexo masculino. No entanto, esta diferena no
estatisticamente significativa (t = 0,53, p = 0,56).
Quadro 7: Mdia no Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
consoante a naturalidade
Naturalidade Mdia no QAE Desvio-Padro N
Madeira 73,14 7,86 80
Aores 73,82 8,79 57
A mdia do QAE de 73,14 (DP = 7,86) para os estudantes deslocados da Madeira e
de 73,82 (DP = 8,79) para os estudantes deslocados dos Aores. Os dois valores so quase
idnticos e a diferena no estatisticamente significativa (t = -0,480, p = 0,63).
Quadro 8: Correlaes entre o Questionrio Sobre a Adaptao dos Estudantes Deslocados
e a idade
Idades QAE
Idades 1,00 -0,02
QAE -0,02 1,00
No existem correlaes estatisticamente significativas entre o QAE e a idade (r = -
0,02=.
Quadro 9: Pontuao no Questionrio Saudades de Casa
Mnimo Mximo Mdia Desvio-Padro N
Pontuao 35 97 69,88 14,97 137
Relativamente s saudades dos estudantes deslocados, verificmos que a mdia das
pontuaes obtidas no QSC foi de 69,88 (DP = 14,97), num total de 137 sujeitos.
28
Quadro 10: Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante o sexo
Sexo Mdia no QSC Desvio-Padro N
Feminino 69,96 14,50 98
Masculino 69.69 16.27 39
As mdias das saudades de casa para o sexo feminino (69,96, DP = 7,63) e para o
sexo masculino (69,69, DP = 16,27) so muito prximas. A pequena diferena observada no
estatisticamente significativa (t = 0,09, p = 0,93).
Quadro 11: Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante a naturalidade
Naturalidade Mdia no QSC Desvio-Padro N
Madeira 71,28 16,02 80
Aores 67,93 13,22 57
A mdia das saudades de casa maior para estudantes deslocados da Madeira, 71,28
(DP = 16,02) em contraste com os estudantes deslocados do Aores, 67,93 (DP = 13,22).
Contudo, a diferena observada no estatisticamente significativa (t = 1,29, p = 0,20).
Quadro 12: Mdia no Questionrio Saudades de Casa consoante a idade
Idades QSC
Idades 1,00 -0,17
QSC -0,17 1,00
No existem correlaes estatisticamente significativas entre o QSC e a idade (r = -
0,17).
Quadro 13: Pontuao na CES-D
Mnimo Mximo Mdia Desvio-Padro N
Pontuao 6 52 25,80 12,74 106
29
Quanto sintomatologia depressiva, verificmos que a mdia das pontuaes obtidas
na CES-D foi de 25,80 (DP = 12,74), um valor j elevado. Foram apenas considerados 106
sujeitos da amostra, uma vez que 25 sujeitos apenas responderam ao Questionrio Sobre a
Adaptao dos Estudantes Deslocados e ao Questionrio Saudades de Casa.
Figura 1: Distribuio da pontuao na CES-D.
A figura 1 mostra a distribuio dos resultados. Verifica-se que 44,3% dos sujeitos
apresentam resultados abaixo de 20, que o ponto de corte para a populao portuguesa, e
55,7% dos sujeitos apresentam resultados superiores a 20. Mas, 43,4% apresenta resultados
superiores a 30.
Quadro 14: Mdia na CES-D consoante o sexo
Sexo Mdia no CES-D Desvio Padro N
Feminino 26,84 13,07 76
Masculino 23,17 11,64 30
O sexo feminino (26,84, DP = 13,07) obteve uma mdia mais alta, a nvel da
sintomatologia depressiva, do que o sexo masculino (23,17, DP = 11,64), contudo, esta
diferena no estatisticamente significativa (t = 1,34, p = 0,18).
15,1
29,2
12,3
30,2
12,3
0,9 0
5
10
15
20
25
30
35
0 a 10
11 a 20
21 a 30
31 a 40
41 a 50
51 a 60
30
Quadro 15: Mdia no CES-D consoante a naturalidade
Naturalidade Mdia no CES-D Desvio Padro N
Madeira 28,05 13,50 59
Aores 22,98 11,22 47
Os estudantes deslocados da Madeira (28,05, DP = 13,50) obtiveram uma mdia
superior aos estudantes deslocados dos Aores (22,98, DP = 11,22). Esta diferena
estatisticamente significativa (t = 2,07 , p = 0,04), o que significa que os estudantes
deslocados da Madeira revelam mais sintomatologia depressiva.
Quadro 16: Mdia na CES-D consoante a idade
Idades CES-D
Idades 1,00 -0,03
CES-D -0,03 1,00
No existem correlaes estatisticamente significativas entre a CES-D e a idade (r = -
0,03.
3.3 Testes das hipteses
Recorreu-se s correlaes (Quadro 17), de modo a estudar as hipteses, a
sintomatologia depressiva apresentada est positivamente correlacionada com a intensidade
das saudades de casa (hiptese 1) e com as dificuldades de adaptao (hiptese 2). Por outro
lado, existe uma relao entre a adaptao e as saudades de casa (hiptese 3).
31
Quadro 17: Relao entre as trs variveis sintomatologia depressiva,
saudades de casa e adaptao
QAE QSC CES-D
QAE 1,00 - 0,54** - 0,54**
QSC - 0,54** 1,00 0,84**
CES-D - 0,54** 0,84** 1,00
** Correlao significativa a 0.01.
Atravs da anlise dos dados possvel verificar que a correlao entre a CES-D e o
QSC, no s estatisticamente significativa (p = 0,01), como uma correlao positiva e
forte (r = 0,84). Assim, a hiptese 1 corroborada, pois quando a intensidade das saudades de
casa aumenta, a sintomatologia depressiva tambm aumenta.
Por outro lado, tambm encontramos correlaes estatisticamente significativas, ainda
que menos fortes, entre o QAE e a CES-S (r = -0,54, p = 0,01). Isto significa que quanto mais
dificuldades de adaptao, maior a sintomatologia depressiva, o que confirma a hiptese 2.
Por fim, tambm foram encontradas correlaes estatisticamente significativas (p =
0,01) entre o QAE e QSC (r = -0,54), o que significa que quando maiores as dificuldades de
adaptao, maiores so as saudades de casa. Esta relao bem corroborar a hiptese 3.
Utilizando a regresso linear mltipla, procurou-se testar a hiptese 4 que hipotetiza
que a adaptao tem um efeito indirecto na sintomatologia depressiva. Contudo, estes
resultados sero entendidos sob reserva, uma vez que as condies de aplicao no foram
rigorosa (temos duas variveis dicotmicas).
Quadro 18: Regresso linear mltiplaa
Coeficientes
Estandardizados
Varivel Beta t Valor p
QSC 0,79 12,62 0,000
QAE -0,10 -1,70 0,092
Idades 0,07 1,33 0,188
Sexo -0,15 -2,95 0,004
Naturalidade -0,07 -1,25 0,213
a) Varivel dependente: CES-D
32
Atravs da anlise dos dados possvel verificar que o efeito da varivel QSC na
CES-D no s estatisticamente significativo (t = 12,62, p = 0,000), como tem um grande
efeito (Beta = 0,79). Por outro lado, o mesmo no se verifica entre a varivel QAE e CES-D.
Supe-se que quando se tem em conta o efeito das saudades de casa na sintomatologia
depressiva, o efeito da varivel adaptao diminui e deixa de ser significativo. Assim, perante
a existncia de correlaes entre a adaptao e a sintomatologia depressiva, mas a
incapacidade da primeira influenciar directamente a segunda, verifica-se a hiptese 4 (a
adaptao tem um efeito indirecto na depresso.
Tambm se verificou que h uma ligao entre o sexo e a sintomatologia depressiva,
concretamente, o sexo feminino tem maior probabilidade de ter sintomatologia depressiva.
33
CAPTULO 4: DISCUSSO
Os 27 itens que constituem o QAE mostraram ter uma boa consistncia interna (alfa =
0,77) e revelaram uma estrutura factorial constituda por cinco factores. Esta anlise factorial
est relacionada com os factores que facilitam ou dificultam a adaptao dos estudantes
deslocados a um novo local de residncia e de estudo: vinculao a casa, que explica 12,65%
da varincia; aspectos sociais, que explica 11,90% da varincia; integrao no local anfitrio,
que explica 11,36% da varincia; estruturas de apoio socializao, que explica 10,05% da
varincia; e controlo/segurana, que explica 8,17% da varincia. A pontuao total do QAE
obteve correlaes altas na anlise item a item. Contudo, trs dos 27 itens obtiveram uma
fraca correlao com a pontuao total. Uma anlise mais fina a esses itens mostram que no
item custo de vida mais alto no houve uma grande diferenciao das respostas, sendo que
as respostas dos estudantes variavam entre dificultou e no dificultou nem facilitou. Por
sua vez, no item distncia do(a) namorado(o), a maioria das respostas centrou-se na opo
no dificultou nem facilitou, o que nos leva a pensar que muitos dos estudantes no est
numa relao amorosa, ou pelo menos em nenhum envolvimento que sintam como uma
relao. Este factor pode estar relacionado com a idade dos sujeitos, uma vez que a mdia das
idades de 19 anos. Por fim, tambm no item ser bolseiro a maioria das respostas centrou-
se na opo no dificultou nem facilitou, o que pode indicar que a maioria dos estudantes
no recebe bolsa e por isso -lhes indiferente esse factor.
Um dos principais objectivos aquando a criao do QAE foi a recolha de informao
relativa a quais os factores que os estudantes consideram terem facilitado ou dificultado a
adaptao. Atravs da anlise do QAE foi possvel perceber quais esses factores, algo que
apenas se especulava at agora. Assim, os factores que os estudantes dizem que mais
favorecem uma boa adaptao so os novos amigos, gostar do curso, gostar da faculdade, as
festas da faculdade, ter uma familiar/ amigo que mostre a cidade, viver com outros estudantes
e viver com amigos/ familiares. Estes itens foram de encontro s expectativas iniciais. Por
outro lado, os factores que contribuem para uma maior dificuldade na adaptao so:
distncia dos amigos, distncia da famlia e proximidade com o mar. O item proximidade
com o mar est relacionado com a ausncia da proximidade com o mar. Ainda que os dois
primeiros itens no sejam inesperados, a proximidade com o mar foi algo imprevisto, uma
vez que obteve um resultado superior a outros itens, os quais espervamos ser mais relevantes
34
a nvel da dificuldade de adaptao, como por exemplo diferenas culturais e maior taxa
de criminalidade. Estes, e outros itens, revelaram no ter muito peso a nvel da dificuldade
ou facilidade de adaptao dos estudantes. No caso concreto deste itens, maior taxa de
criminalidade e diferenas culturais, era esperado, por convvio com estudantes
deslocados da Madeira e dos Aores, que a maior taxa de criminalidade fosse uma factor que
dificultasse a adaptao. Na realidade, os dados apontam para uma indiferena, por parte dos
estudantes deslocados, a esse factor. No caso das diferenas culturais, muitas vezes so
apontadas as diferenas entre as ilhas e o continente, mas os dados, mais uma vez mostram
que esse um factor com pouco peso na adaptao. Reflectindo um pouco nessa questo, as
ilhas e o continente fazem parte de um nico pas, Portugal, logo as diferenas culturais no
sero assim to acentuadas ao ponto de dificultar a adaptao dos estudantes deslocados.
Relativamente ao QSC, os 33 itens apresentam uma boa consistncia interna (alfa =
0,91). O questionrio revelou uma anlise factorial de seis factores: no gostar da
universidade, que explica 14,58% da varincia; vinculao a casa e terra, que explica
13,83% da varincia; preocupao com pensamentos sobre casa e a terra, que explica 12,91%
da varincia; atraco a casa e terra, que explica 10,33% da varincia; contacto com a casa
e a terra, que explica 7,98% da varincia; e evitamento casa e terra, que explica 6,96% da
varincia. No entanto, a nvel do ltimo factor, esta soluo no totalmente satisfatria, uma
vez que apenas concerne um item. Podemos especular que este um item com o qual s
concordam os estudantes que esto muito perturbados.
Trs dos itens que constituem a escala obtiveram correlaes baixas com a pontuao
total. Estes resultados no vo de encontro ao estudo original de Archer, et al. (1998). De
acordo com o estudo, a anlise factorial do Homesickness Questionaire revelou uma soluo
a dois factores para 25 dos itens. Os factores dividiam-se na vinculao a casa (14 itens) e no
no gostar da universidade (13 itens). Dois dos itens tiveram uma pontuao semelhante nos
dois factores. Contudo, os restantes oito itens obtiveram correlaes significativas entre os
grupos dos estudantes com saudades de casa e dos estudantes sem saudades de casa, e esto
relacionados com preocupaes com pensamentos sobre casa e a terra, identificao a casa,
atraco a casa e terra, contacto com a casa e a terra e evitamento casa e terra.
Desta forma possvel inferir que o QSC no se comporta de igual forma para a
populao portuguesa e para a populao do Reino Unido, a nvel da distribuio dos itens
35
pelos factores. Contudo, revelou ser um bom teste para avaliar a varivel saudades de casa a
nvel da populao portuguesa.
Ao estudar a adaptao dos estudantes deslocados da Madeira e dos Aores,
inevitvel falar das contingncias a que estes estudantes esto sujeitos, nomeadamente os
factores que facilitam ou dificultam a prpria adaptao e as saudades de casa.
A nossa primeira hiptese postula que a sintomatologia depressiva apresentada est
positivamente correlacionada com a intensidade das saudades de casa, o que foi confirmado.
De factor, verificou-se que a correlao entre estas duas variveis muito alta (r = 0,84, p =
0,01). Estes resultados vo de encontro a estudos anteriores descritos no Captulo 1 (1.2).
Relativamente s saudades de casa, no existem diferenas significativas tanto a nvel
do sexo e idade, como a nvel da naturalidade, sendo que o sexo feminino tem tantas
saudades de casa quanto o sexo masculino (Quadro 10), e os estudantes deslocados da
Madeira tm tantas saudades de casa como os estudantes deslocados dos Aores (Quadro 11).
Quanto sintomatologia depressiva verificamos que a mdia das pontuaes
elevada (25,80), uma vez que o ponto de corte para a populao portuguesa 20. Verifica-se
tambm que 44,3% dos sujeitos apresentam resultados abaixo de 20 e 55,7% dos sujeitos
apresentam resultados superiores a 20. Mas, o dado mais inquietante que 43,4% apresenta
resultados superiores a 30 (Figura 1). De acordo com Gonalves e Fagulha (2004), para
valores acima de 30 muito provvel que haja uma depresso clnica, a probabilidade destes
estudantes estarem clinicamente deprimidos, at com depresso Major muito elevada. Este
dado tanto importante, como inesperado. Ainda que se espera-se a existncia de alguma
sintomatologia depressiva, no eram esperados valores to elevados para uma percentagem
to grande.
No se encontraram diferenas significativas a nvel do sexo, o sexo feminino tem um
nvel de sintomatologia depressiva igual ao sexo masculino. Estes resultados j haviam sido
encontrados noutros estudos (Bayram & Bilgel, 2008; Oliver & Burkham, 1978; Steptoe,
Tsuda, Tanaica, & Wardle, 2007). Mas, o sexo revelou ser uma varivel capaz de prever a
sintomatologia depressiva, ainda que tenha um valor baixo (Beta = -0,15) (Quadro 18). Os
resultados apontam tambm para o facto dos estudantes deslocados da Madeira apresentarem
maiores nveis de depresso em relao aos estudantes deslocados dos Aores (Quadro 15),
mas, relativamente s idades, no se verificam diferenas estatisticamente significativas
(Quadro 16).
36
Como segunda hiptese formulamos que a sintomatologia depressiva est
positivamente correlacionada com as dificuldades de adaptao. Tambm esta hiptese
apoiada pelos dados. Ainda que seja um correlao mais baixa do que a correlao entre as
saudades de casa e a sintomatologia depressiva, a correlao entre a adaptao e a varivel
dependente estatisticamente significativa (r = -0,54). O que significa que quanto maior as
dificuldades de adaptao, maior a sintomatologia depressiva apresentada.
Neste estudo tambm analisamos a relao entre as saudades de casa e a adaptao,
hiptese 4. Os dados corroboram a hiptese, uma vez que foi encontrada uma correlao
negativa significativa entre as duas variveis (r = -0,54). Este resultado no foi surpreendente,
uma vez aquando maiores dificuldades de adaptao, mas os estudantes sentem saudades de
casa, de um ambiente conhecido e ao qual esto completamente adaptados.
Como ltima hiptese, propusemo-nos a estudar o possvel efeito indirecto da
adaptao na sintomatologia depressiva. Mais uma vez, os dados apoiam esta hiptese. As
saudades de casa parecem constituir uma varivel mediadora entre a adaptao e a
sintomatologia depressiva, uma vez que esto correlacionados com a adaptao e esto
tambm fortemente correlacionadas com a sintomatologia depressiva, enquanto a correlao
entre a adaptao e a sintomatologia depressiva nitidamente mais baixa e deixa mesmo de
ser estatisticamente significativa quando se utiliza uma tcnica de anlise multivariada.
Supe-se um possvel modelo base para este estudo, no qual deveram incidir futuros estudos,
a adaptao influncia as saudades de casa, que por sua vez influenciam a sintomatologia
depressiva.
H que ressalvar que os resultados deste estudo no so generalizveis a todos os
estudantes deslocados da Madeira e dos Aores que estudam em Portugal continental, mas
pode, sim, contribuir enquanto um indicador dessa realidade.
Estudar a transio para a faculdade algo que j tem sido estudado em outros pases
como os EUA, como possvel verificar pelo quadro terico do presente estudo. Contudo,
nenhuma ateno foi dada aos estudantes deslocados das ilhas portuguesas. Uma vez que so
muitos os estudantes deslocados da Madeira e dos Aores em Portugal continental, um estudo
longitudinal, ao invs de um transversal, como este, poderia ser til na clarificao do
desenrolar da adaptao, saudades de casa e consequente sintomatologia depressiva ao longo
do curso. Por outro lado, seria pertinente alargar este estudo a outras partes do pas, que
sejam preferenciais dos estudantes deslocados das ilhas portuguesas, para continuar os
37
estudos. Seria tambm importante, conhecer as diferenas e semelhanas entre os estudantes
deslocados das ilhas e os estudantes que ingressam na faculdade na prpria ilha.
Apesar das crticas e possibilidades de melhoria, de realar o carcter pioneiro deste
estudo, uma vez que no s deu origem a um instrumento que avalia os factores que
dificultam e facilitam a adaptao, como abriu portas para futuros estudos dentro desta
populao.
38
CAPTULO 5: CONCLUSES
A transio para a universidade uma fase que implica vrias mudanas no estudante.
Nomeadamente, nos estudantes deslocados da Madeira e dos Aores, ir para a universidade
implica, muitas vezes, uma mudana de localidade. Nesta mudana esto patentes alteraes
a nvel de apoio, do sentido de familiaridade, e envolve uma adaptao no s ao local
anfitrio, como uma adaptao a diferentes pessoas e por vezes a diferentes nuances na
prpria cultura.
O presente trabalho teve como objectivo principal estudar a relao entre as saudades
de casa dos estudantes deslocados, a adaptao dos mesmos e a sintomatologia depressiva.
De modo a analisar as variveis procedeu-se, por um lado, criao e anlise do QAE e, por
outro, traduo e anlise do QSC. Os resultados obtidos revelaram uma boa consistncia
interna para ambos os testes, assim como revelaram ser um instrumento til na avaliao da
adaptao e das saudades de casa.
Atravs deste estudo foi possvel comprovar que a sintomatologia depressiva est
positivamente correlacionada com as saudades de casa (hiptese 1) e com a dificuldade de
adaptao (hiptese 2). Mais, foram encontradas correlaes entre a adaptao e as saudades
de casa (hiptese 3), e abrimos portas em relao ao comportamento das variveis umas nas
outras. Deste modo, foi possvel confirmar que apesar da adaptao estar inversamente
correlacionada com a sintomatologia depressiva, este efeito quase nulo, sem a presena das
saudades de casa (hiptese 4). Assim, as saudades de casa uma varivel mediadora entre a
adaptao e a sintomatologia depressiva.
Uma das principais contribuies deste estudo diz respeito compreenso dos
factores que facilitam e dificultam a adaptao dos estudantes deslocados. Desta forma, os
factores que parecem mais contribuem para uma boa adaptao so os novos amigos, gostar
do curso, gostar da faculdade, as festas da faculdade, ter uma familiar/ amigo que mostre a
cidade, viver com outros estudantes e viver com amigos/ familiares. Por sua vez, os factores
que contribuem para uma maior dificuldade na adaptao so: distncia dos amigos, distncia
da famlia e proximidade com o mar (ausncia da proximidade com o mar). Foi uma surpresa
alguns factores como as diferenas culturais e a maior taxa de criminalidade no terem sido
apontados, pelos estudantes, como factores que dificultam a adaptao.
39
O dado surpreendente e inquietante prende-se com o facto de uma grande
percentagem da amostra apresentar nveis de sintomatologia depressiva acima de 30, algo que
j considerado uma depresso clnica ou at mesmo uma depresso major. Para melhor
conhecer este dado sero importantes investigaes futuras que forneam, no s uma
explicao para este facto, como abram caminhos a possveis estratgias aplicveis na prtica
clnica.
40
CAPTULO 6: REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS
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