Post on 01-Dec-2018
Universidade de São Paulo
Faculdade de Educação
Adriele Nunes da Silva
Arte no muro: infâncias brasileiras [re]veladas?
São Paulo
2013
2
Adriele Nunes da Silva
Arte no muro: infâncias brasileiras [re]veladas?
Trabalho de Conclusão do Curso de
Licenciatura em Educação apresentado junto à
Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo - FEUSP/SP.
Orientação: Profª. Dra. Márcia Aparecida Gobbi
São Paulo
2013
3
Silva, Adriele Nunes da
Arte no muro: infâncias brasileiras [re]veladas? / Adriele Nunes da
Silva; orientação Márcia Aparecida Gobbi. São Paulo: FEUSP,
2013.
(p. 92); (tab. 01)
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) - Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo.
4
Nome: SILVA, Adriele Nunes da
Título: Arte no muro: infâncias brasileiras [re]veladas?
Trabalho de Conclusão de Curso em Pedagogia (TCC), junto à Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo/SP.
BANCA
Profa. Dra. Márcia Aparecida Gobbi
Profa. Dra. Patrícia Dias Prado
Profa. Dra. Ana Lúcia Goulart de Faria
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AGRADECIMENTOS
Provavelmente serei injusta com alguns e esquecerei completamente outros, já
que é muito difícil citar e agradecer devidamente cada uma das pessoas que
desempenharam algum pequeno/grande papel na conclusão deste trabalho, que
também é a conclusão de uma fase.
Agradeço primeiramente à minha mãe, por sua noção e busca de justiça, todos
os dias, além de me ensinar desde muito pequenina o que é ser mãe e pai, por ser esta
fortaleza, na qual eu me espelho; paro, e me vejo sempre questionando sobre quem é
você, Aparecida Belarmina Nunes? Que mesmo sem conhecer Marx, é uma
idealizadora de uma sociedade mais justa e humana, como também sem conhecer
Simone de Beauvoir, tampouco as teorias feministas, ensina-me desde bebê o que é
ser mulher, jamais dependente, nunca submissa! A você que mais que minha mãe, é a
minha teórica preferida, muito obrigada pela força e resistência de todos os dias, por
ser quem você é, sinceras admirações, gratidão e amor eterno.
Ao [re]nascimento da paternidade de meu pai, Antonio, que também tem me
incentivado e ajudado em muitos momentos.
Agradeço muito à grande colaboradora, co-autora, parceira e orientadora Profa.
Dra. Márcia Aparecida Gobbi, por ter primeiramente acreditado em mim e ter aceitado
me orientar, pelas leituras críticas, impressões e pontuações sempre muito pertinentes
e reflexivas.
À Taylla, por ter sido uma das melhores amigas com quem alguém pode contar,
pela força, bom humor, carinho e eterna amizade.
À Profa. Dra. Patrícia Dias Prado, pelo companheirismo, paciência, e início aos
estudos de pesquisa científica nas áreas de Educação Infantil e Artes.
6
Também agradeço especialmente às professoras Ana Lúcia Goulart de Faria e
Patrícia Dias Prado, por aceitarem o convite para compor esta banca e contribuírem
com novas reflexões.
A todas as amigas e colegas dos dois grupos de estudo de que participo, aos
abraços, discussões, leituras e correções dos parágrafos antigos e novos e,
principalmente pela risada nos momentos desesperadores.
E a todas as pessoas que não citei aqui para não transformar esta página numa
autobiografia, devo muito a tod@s vocês e agradeço pela presença de cada um/a na
minha vida.
7
“[...] atenção
tudo é perigoso tudo é divino maravilhoso atenção para o refrão uau
é preciso estar atento e forte não temos tempo de temer a morte
atenção para a estrofe para o refrão
pro palavrão para a palavra de ordem
atenção para o samba exaltação
[...] atenção
para janelas no alto atenção
ao pisar o asfalto o mangue atenção
para o sangue sobre o chão atenção [...]”
Experiência urbana relatada por Caetano Veloso e Gilberto Gil em “Divino Maravilhoso”1
1 Disponível: <http://letras.mus.br/caetano-veloso/44718/>, acesso em: 29/04/2013.
8
“Quando o muro separa uma ponte une Se a vingança encara o remorso pune Você vem me agarra, alguém vem me solta Você vai na marra, ela um dia volta E se a força é tua ela um dia é nossa Olha o muro, olha a ponte, olhe o dia de ontem chegando Que medo você tem de nós, olha aí Você corta um verso, eu escrevo outro Você me prende vivo, eu escapo morto De repente olha eu de novo Perturbando a paz, exigindo troco Vamos por aí eu e meu cachorro Olha um verso, olha o outro Olha o velho, olha o moço chegando Que medo você tem de nós, olha aí O muro caiu, olha a ponte Da liberdade guardiã
[...]
Olha aí...Olha aí...” “Pesadelo” - Compositores: Maurício Tapajós e Paulo César Pinheiro - Interpretada por MPB 42
2 Disponível em: <http://www.vagalume.com.br/mpb4/pesadelo.html>, acesso em: 28/10/2013.
9
IV3
Soldado-raso da República.
Quarto batalhão de Caçadores aquartelado em Sant’Ana.
Rogai por nós!
Valha-me Deus!
Todo vibro de ignorâncias militares.
... O calcanhar direito se levanta,
Corpo inclinado prá frente...
A marcha rompe.
Marcha, soldado,
Cabeça de papel,
Soldado relaxado
Vai preso pro quartel...
V
“Escola! Sen...tido!”
[...]
3 ANDRADE, Mario. Poesias completas: Losango Caqui. São Paulo, Martins, 1955, p. 72-76.
10
IX
Careço de marchar cabeça levantada
Olhar altivo prá frente...
Mas eu queria olhar à esquerda...
Bonita casa colonial
Cheínha mesmo de paisagem!
- “Olhar altivo prá frente!”
O meu tenente
Não aprecia as casas coloniais.
Porém o meu olhar blefa o tenente.
Olhou altivo prá frente
E batendo no quépi do soldado da frente
Fez esquerda-volver
E meigamente espiou a casa colonial.
11
- CINZA4
+ ARTE
4 Grafite destacado do filme: Cidade Cinza, MESQUITA, Marcelo; VALIENGO, Guilherme, 2013.
12
RESUMO
SILVA, ADRIELE NUNES DA. Arte no muro: infâncias brasileiras [re]veladas? (92).
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Faculdade de Educação, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2013.
O presente Trabalho de Conclusão de Curso em Pedagogia teve como propósito analisar
desenhos grafitados infantilizadores, pensados e feitos por adultos nos muros de duas pré-escolas
na cidade de Osasco, São Paulo (Brasil), bem como do diálogo entre grafite x pixação
perceptível em um dos muros de uma das instituições.
Assim, esse estudo teve a pretensão de estimular esta discussão, que é reveladora de
outras temáticas do tecido social, como a segregação e a exclusão nas cidades, não apenas dos
meninos e meninas de pouca idade, como também dos moradores das periferias paulistanas, que
são excluídos da participação e da construção política e artística de suas próprias cidades. Estes
são extirpados de seu próprio existir, de suas próprias possibilidades de criação e atuação nas
cidades nas quais são moradores. Sendo assim, à revelia desta mesma sociedade que os excluem
e os escondem, os moradores das periferias (assim como as crianças, em outras proporções)
trazem à tona esta exclusão, revelando-a, registrando-a, pixando-a. Por meio de expressões
gráficas urbanas, os indivíduos comunicam, existem, registram suas marcas nas telas das cidades,
sussurrando palavras (muitas vezes intencionalmente ilegíveis), preenchendo, resistindo e
recriando as cidades das quais também fazem parte.
Dentro dos limites de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), procurou-se dialogar
com outros momentos históricos para, entre outras intenções, buscar referências no passado
histórico para compreender acontecimentos cotidianos e no tempo presente. Para isso, buscou-se
uma conversa com os muralistas mexicanos do século XIX, os quais, banhados por uma
multiplicidade de referências, ultrapassaram os limites das telas e dos cavaletes, prolongando-se
para os muros, criando uma nova estética, rompendo com o quadro normativo, construindo sua
identidade, trazendo referências, não externas, mas cotidianas - experiências estas da própria
vida diária.
PALAVRAS-CHAVE: Pré-escolas – Infância – Grafite - Pixação – Direito à cidade.
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ABSTRACT
SILVA, Adriele NUNES DA. Art on the wall: Brazilian childhoods [re] veiled? (92).
Completion of course work (undergraduate) - Faculty of Education, University of São
Paulo, São Paulo, 2013.
This Work Conclusion Pedagogy Course wanted to analyze childhooder graphite
drawings, designed and made by adults on the walls of two institutions of kindergarten in the
city of Osasco, São Paulo (Brazil), as well as dialogue between grafite x painting perceived in a
the walls of an institution.
So, this study sought to bring this discussion which is indicative of other issues of the
social fabric as the segregation and exclusion in cities, not just the boys and girls in early age, as
well as residents of the suburbs of São Paulo, who are excluded from participation and artistic
and political construction of their own cities. These are rooted out of his own existence, their
own possibilities for creation and performance in the cities which are residents. So, by default
this same society that exclude and hide, then the residents of the suburbs (as well as children in
other proportions) bring up this exclusion, revealing it, recording it, painting it. Through
graphical expressions urban the individuals communicate, exist, register their marks on the
screens of cities, whispering words (often intentionally unreadable), filling, resisting and
rebuilding the cities which are also part.
It was intended to talk to other historical moments, for among other intentions, seek
references in historical past to understand everyday events and at the present time. For this, we
sought a conversation with the Mexican muralists of the nineteenth century, who bathed in a
multiplicity of references, exceeded the limits of the screens and easels, extending to the walls,
creating a new aesthetic, breaking with the regulatory framework , building its identity, bringing
references, not external, but daily, these experiences of daily life, inspiring the creation and
strength.
KEYWORDS : Kindergarten - Childhood - Graphite – “Pixação” - Right to the City.
14
RESUMEN
SILVA, Adriele NUNES DA. Arte en los muros: infancias brasileños [re] velada? (92).
Finalización de los cursos (pregrado) - Facultad de Educación, Universidad de São Paulo,
São Paulo, 2013.
El presente trabajo tiene como objetivo analizar dibujos infantiles hechos en grafito,
diseñados y realizados por adultos en los muros de dos instituciones de preescolar, en la ciudad
de Osasco, San Pablo, Brasil, al mismo tiempo que reflexiona sobre el diálogo entre el grafite y
la pixaçao, observados en uno de los muros de una de las instituciones.
De esta forma, este trabajo pretende traer a discusión un debate que pone en evidencia
otras problemáticas sociales, como la exclusión social en los grandes centros urbanos, la cual
sufren no solo los niños y niñas, sino también los habitantes de los barrios marginales de la
periferia de San Pablo, los cuales son excluidos de los procesos de participación al momento de
la construcción política y artística de sus propias ciudades. Son arrancados de su propio ser,
negándoles toda capacidad de creación y actuación en las ciudades que habitan.
De esta manera, los ciudadanos de estos barrios marginales (así como también, en otra
escala, lo hacen los niños y niñas) expresan esta exclusión social revelándola y registrándola en
los muros. Por medio de formas de expresión gráficas urbanas los individuos dan cuenta de su
existencia. Comunican y registran sus marcas en los lienzos de la ciudad, susurrando palabras (en
muchas ocasiones intencionalmente ilegibles), rellenando, resistiendo y recreando las ciudades
de las cuáles también forman parte. Dentro de las limitaciones de una tesis de grado, se pretende
dialogar con otros momentos históricos para, entre otros motivos, encontrar las referencias del
pasado que nos permitan comprender acontecimientos de la vida cotidiana del presente. Para eso,
se plantea un diálogo con los muralistas mexicanos del siglo XIX que, influenciados por
múltiples corrientes artísticas, atravesaron los límites del lienzo y el caballete, invadiendo los
muros y creando una nueva forma estética, rompiendo el cuadro normativo vigente,
construyendo una nueva identidad y trayendo referencias no externas, sino cotidianas,
experiencias de la vida diaria, inspirando fuerza y creatividad.
PALABRAS CLAVE: Preescolar - Infancia - Grafito - “Pixação” - Derecho a la Ciudad.
16
“Como se encantado fosse!?”5 Foto: Adriele Nunes, 2013.
5 Legenda pensada pela autora Adriele Nunes da Silva (2013).
17
“Infâncias brasileiras [re]veladas?”6 Foto: Adriele Nunes, 2013.
6 Legenda pensada pela autora Adriele Nunes da Silva (2013), fazendo referência ao título do trabalho.
18
Foto Abertura – “Panorama geral do muro de uma EMEI, na cidade das Flores, em
Osasco” Imagem: Adriele Nunes, 2013.
24
Sumário
I N Í C I O
Em busca dos traços silenciados dos habitantes de Osasco... ....................................................... 25
1. É nóis! E se as crianças pequenas e muito pequenas dominassem o cenário? ...................... 29
2. O que estes muros têm nos comunicado? .............................................................................. 35
3. CLIQUES: Osasco na fita! .................................................................................................... 36
4. “CÁPSULA DO TEMPO: Vamos fazer nossa parte para Osasco ser mais saudável” ......... 40
5. Infâncias brasileiras pelo ‘sss....pray’? .................................................................................. 56
6. GRAFITE X PIXO: O ato criador resiste e insiste, escapa. .................................................. 66
7. “Atitude é com nóis! Tá ligado?!” ........................................................................................ 80
Referências Bibliográficas ............................................................................................................ 84
25
Em busca dos traços silenciados dos habitantes de Osasco...
Desconfiai do mais trivial,
na aparência singelo.
E examinai,
sobretudo,
o que parece habitual.
Suplicamos expressamente:
não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,
pois em tempo de desordem sangrenta,
de confusão organizada,
de arbitrariedade consciente,
de humanidade desumanizada,
nada deve parecer natural,
nada deve parecer impossível de mudar.
Bertolt Brecht (1898-1956)7
“Por que temos uma visão tão restrita a respeito do bebê, ou da criança pequena?”
perguntou-me a atriz Sandra Vargas, do grupo teatral Sobrevento, durante entrevista em
22/10/20118, ano em que desenvolvi, sob orientação da Profa. Dra. Patrícia Dias Prado, a
pesquisa “Teatro para bebês na interface com a Educação Infantil: um diálogo possível?”
(SILVA, 2012). Esta pesquisa teve como base metodológica três entrevistas semi-estruturadas
com três diferentes grupos e companhias de teatro para crianças muito pequeninas. Assim, o
objetivo do estudo foi o de investigar as concepções de infância das artistas, bem como o porquê
destas terem resolvido “remar contra a maré”9 de produção do teatro adulto e conceber peças
para as crianças muito pequenas. Faço destaque à entrevista realizada com Sandra Vargas, pela
trajetória de anos de pesquisa e de LUTA tanto cênica quanto poética, pela realização do Festival
Internacional de Teatro para Bebês (no Brasil), que, apesar do preconceito dentro do próprio
7 Trecho retirado do site: <http://www.consciencia.net/artes/literatura/brecht.html>, acesso em 10/09/2013.
8 Caderno de campo, 2011.
9 A expressão “remar contra a maré”, neste caso, tem o significado de ir contra a opinião geral.
26
teatro, é endereçado principalmente a esses seres humanos de pouquíssima idade, assim como, da
luta por espaço e verba, já que com certa frequência as menores verbas são destinadas a esse tipo
de produção.
No entanto, para os próprios atores e atrizes do grupo Sobrevento, trata-se do direito à
arte, à cultura e à integração social, para todos (as) os (as) cidadãos (ãs), inclusive os de pouca e
pouquíssima idade, revelando concepções de infância deste grupo que acredita na plenitude, na
capacidade poética, inventiva, imaginativa e criativa das crianças pequenas. Outro destaque que
faço refere-se ao momento da entrevista com a atriz Sandra, quando esta me disse algo que
ficaria desde então guardado em minha memória. Disse-me que, se “jogássemos” na internet
“pintura para bebês” e ao clicarmos em “imagens”, surgiriam as mais infinitas imagens pré-
fabricadas, de cores padronizadas e por, muitas vezes, constituídas de personagens um tanto
quanto conhecidos pelas crianças muito pequenas; ao passo que se clicássemos em palavras
“radicais” como “nostalgia” ou “solidão”, apareceriam imagens extremamente poéticas e
transformadoras. Por que esse descrédito quanto à possibilidade de imaginação e de criação das
crianças pequenas e muito pequenas? Em continuidade aos estudos, o presente trabalho emergiu
da necessidade de aprofundamento de algumas das questões levantadas a partir desta minha
pesquisa de iniciação científica (IC).
Paralelamente à iniciação, cursei a disciplina optativa “Apropriações do urbano: a cidade
pelas lentes e traços de meninos e meninas”, com a Prof. Dra. Márcia Aparecida Gobbi. Nessa
disciplina, por intermédio de uma viagem didática à comunidade de Heliópolis em 12/11/2011,
fiquei frente a frente com a temática dos desenhos e infâncias, pois neste mesmo dia um dos
espaços visitados foi uma creche, que expunha alguns dos trabalhos relacionados ao uso das
imagens com as crianças pequenas. Havia recortes de revistas e desenhos grafitados em quase
todas as paredes internas do espaço. No entanto, o uso dessas imagens em muitos momentos era
um tanto precipitado, mal localizado, visto que a maioria das imagens mantinha estereótipos de
gênero, em que se ensinava o que é ser mulher e o que é ser homem, e inclusive estereótipos
étnicos, representados pelo predomínio imagético de desenhos e fotografias de revistas de
pessoas brancas, loiras, o que não dialogava com a realidade daquele espaço próximo à
comunidade Heliópolis, cujos moradores e moradoras, em sua maioria são negros/as ou
mulatos/as. Também por meio das leituras do curso, pude observar mais atentamente questões
27
que antes passavam despercebidas ou naturalizadas por mim, como se não precisasse de um
estudo ou de um olhar mais aprofundado quanto às questões relativas à arte e infância, assuntos
pouco explorados e/ou abordados nas pesquisas e nas formações de professoras e professores.
Doravante a essas provocações, sigo na busca de uma observação atenta e minuciosa
quanto à produção cultural imagética criada para as culturas infantis, especificamente nos muros
de duas instituições, localizadas em dois diferentes bairros da cidade de Osasco, no Estado de
São Paulo.
Ao pensarmos em culturas infantis, destacaremos, dentre outros/as pesquisadores/as
importantes na temática, o sociólogo Florestan Fernandes (1979, p.160), quando o mesmo foi a
campo e estudou as “Trocinhas” no bairro do Bom Retiro. De acordo com o especialista, essas
atividades excedem aos limites da recreação, assumindo aspectos e relações diferentes entre seus
pares e destes para com o grupo e quanto “[...] as relações das diversas ‘trocinhas’ entre si.”. Ao
estudar a organização dos grupos infantis, para o autor, as crianças iniciam seus contatos com o
meio social de modo mais livre e íntimo, apresentando-se organizadas e regulamentadas,
havendo inclusive sanções punitivas para as que transgridem. Participam desses grupos tanto
meninas como meninos. Já no início da puberdade, a separação em grupos infantis femininos e
masculinos fica evidente.
Ainda segundo o autor (p.171): “[...] A expressão ‘cultura infantil’ é mais adequada, na
medida em que traduz melhor o caráter da subcultura que nos preocupa no momento. Ela é mais
inclusiva que ‘folclore infantil’ e traz consigo a conotação específica, concernente ao segmento
da cultura total partilhado [...]”. Para o sociólogo (1979, p. 171), a cultura infantil é constituída
de elementos quase que exclusivos dos/as pequenos/as (de sua característica ludicidade), mas
também partilhando de elementos da cultura do adulto, estes incorporados por aceitação e
mantidos com o tempo, integrados à cultura deste novo grupo. Há também as invenções e
elaborações de seu “patrimônio cultural”10
construídas pelas próprias crianças.
Estão contemplados, neste estudo, desenhos infantis não criados pelas crianças, mas por
adultos representando a infância, supostamente ‘falando’ por ela, revelando em seus traços o que
10 Expressão retirada de Florestan Fernandes (1979, p.173).
28
pensam em relação às crianças e a sua infância. Contudo, adianto a minha defesa quanto à
presença dos desenhos das crianças em lugar daqueles realizados pelos adultos e adultas, cujos
traços revelam-se infantilizados e infantilizadores, caricatos, pobres, silenciadores de
pluralidades, individualidades. Chama-me a atenção (ao andar pela cidade) a ausência das
crianças e de suas produções nestes muros de EMEIs, bem como em outros espaços da própria
cidade. Onde estão as meninas e meninos da cidade de Osasco e o que é criado por elas? Em
quais lugares podemos encontrar os ‘vestígios’ ou os indícios da existência das crianças
osasquenses (bem como das culturas infantis) na cidade onde habitam? Ou ainda, onde estariam
os grafiteiros da cidade de Osasco, para além dos grafites escolares? Os grafites que protestam,
que reivindicam e que denunciam, aonde se esconderam?
Levando-se em conta o fato de as crianças serem cidadãs de pouca idade, que dialogam a
partir de múltiplas linguagens, que se comunicam de variadas formas para além de uma única e
exclusivamente verbal (Egle Becchi, 1994; Patrícia Prado, 1999; Deborah Sayão, 2008; Cibele
Souza, 2010)11
, torna-se patente observá-las como seres competentes que são, por sua inteireza e
por suas formas sofisticadas de comunicação (Prado, 1999, p. 111), atribuindo visibilidade às
"vozes" das crianças, inclusive daquelas que ainda não falam, e atentando para a comunicação
para além do verbo (Becchi, 1994; Souza, 2010).
Na tentativa de pensar e elaborar outros modos de comunicação com as crianças
pequeninas para além de uma única e exclusiva forma verbal, vislumbra-se a possibilidade da
visibilidade, tanto das invenções quanto leituras de mundo infantis, trazendo à tona o que de fato
é ser criança, no contexto brasileiro, para as próprias meninas e meninos de pouca idade,
pretendendo a construção de sujeitos atuantes e produtores de história, nos contextos em que
estão inseridos .
11 No presente trabalho, observou-se a necessidade de citar os nomes completos das/dos autoras/es pela questão evidenciar os
gêneros feminino e masculino.
29
1. É nóis!12
E se as crianças pequenas e muito pequenas dominassem o cenário?
Há 25 anos, mais precisamente desde que nasci, ando sempre pelas ruas da cidade de
Osasco. E a melhor maneira para se conhecer um município, um bairro, talvez seja caminhar por
ele. Assim, ora num passo mais lento, ora mais apressado pelo cotidiano de tantos afazeres,
passei a exercitar meu olhar, de modo mais atento e minucioso, passando a observar a cidade
onde nasci do ponto de vista das leituras e experiências outras, para além deste contexto
cotidiano e conhecido. Passei a observar os lugares e espaços com outro olhar – tanto as
instituições pré-escolares da cidade, próximas a região que resido, bem como, mais
especificamente, os grafites infantilizados presentes nos muros destas instituições. Dessa
maneira, pretendia questionar os possíveis diálogos que estes pudessem despertar nos
espectadores de pouca, pouquíssima ou muita idade, que transitam. Não apenas quanto às
características semelhantes entre os mesmos (seja por estarem trincados, cinzas, descascados ou
por serem de tijolinhos), mas também pelos traços, pelas características, evidenciadas, ou
escondidas. Que posicionamentos estes grafites escolarizados revelam ou ocultam acerca da
infância na cidade de Osasco?
Encontrei nestes murais a infância sendo representada pelos adultos. Afinal, são eles que
falarão pela infância que supostamente não sabe falar de si, ‘dizendo’ entre muitas aspas, quem
são estas crianças, o quem fazem, gostam ou pensam. Segundo Becchi (1994, p.63): “A infância
nasce e existe ‘para o outro’.” e, a relação entre adultos e crianças está sempre permeada pela
vigilância, empatia e até mesmo o controle, já que “[...] a infância é dita não por si, mas por
outros [...], sobretudo, porque, por definição, enquanto in-fans, ela não sabe falar.”. Logo, a
infância é a não-palavra, da qual se fala, à qual se fala, porém sem direito a resposta com
palavras, visto que, por definição, a infância não argumenta verborragicamente. Para tanto, pode-
se falar “coisas” a respeito deste não- falante, “dizendo”, “atribuindo” e “subtraindo” múltiplos
significados que possivelmente não serão contra-argumentados pelos próprios sujeitos dos quais
se fala.
12 Trata-se de uma gíria paulistana: 2. Resposta afirmativa enfática a um convite feito por um amigo próximo (no caso, as
crianças) para determinada atividade conjunta.
Disponível em:<http://www.dicionarioinformal.com.br/%C3%A9%20n%C3%B3is/>, acesso em: 01/09/2013.
30
Logo, ao considerar as crianças como personagens dos quais se fala, por uma relação
autoritária (de cima para baixo), perde-se a credibilidade na possibilidade de aprendizado com o
outro. Nesta relação desigual e desproporcional, apenas o mais velho (ou o adulto), cujo poder
está centrado em sua figura, saberá sobre si e sobre os demais, mesmo que de modo
representativo, estereotipado, convencional ou mesmo julgando o que seja próprio desse outro
(de acordo com o seu suposto). Nota-se um desaparecimento da autoria e da possibilidade de
criação que poderia existir nos muros das EMEIs, tanto por parte das crianças integrantes destas
instituições, como por parte do quadro docente; ou mesmo da possibilidade de diálogos entre
docentes e crianças, ao poderem devanear olhares, traços, cores, podendo apropriar- se das
cidades, colorindo-as, revelando, discutindo ou se construindo com a sociedade a partir de ambos
os pontos de vista e da originalidade própria dessa relação conjunta.
Para a artista plástica, ilustradora e educadora Edith Derdyk (1989, p.107), o aprendizado
que depende apenas da capacidade de cópia eficaz do indivíduo (de sua destreza), e não da sua
capacidade de raciocínio, nega à criança a oportunidade de escolhas de seus interesses,
necessidades próprias e de apropriação sobre o que se está se discutindo, como também das
situações cotidianas. O ensino baseado na observação de traços já muito bem definidos e na
cópia dos mesmos desencoraja toda e qualquer manifestação original e expressiva, fazendo
desaparecer a criança ativa, criativa e protagonista. O desenho perde sua essência de
criação/experimentação, de metaforizar, ou mesmo o seu caráter lúdico e simbólico, passando a
ser valorizado somente por sua semelhança em relação ao real (ou ao ideal de igual). Passa-se a
apreciar apenas o resultado final, em detrimento do processo de criação e de pesquisa de traço,
cor, movimento, intenções, gestos e temas.
A partir da observação dos muros destas duas EMEIs na cidade de Osasco, iniciei uma
reflexão sobre a possibilidade destes enquanto espaços que se revelam, feito “telas a céu
aberto”13
, e a função dos mesmos, com exposições por períodos breves, como o tempo de um
mandato de um prefeito, no caso dos muros com cores e símbolos da prefeitura; ou ainda mais
duradouros, como no caso dos artistas mexicanos que prolongavam seu traçado para os muros,
fazendo destes seus cavaletes, por um tempo bem mais longo (tanto fisicamente como no
13Expressão retirada do site: <http://artenomurondi.blogspot.com.br/2011/09/inciando-nosso-dialogo.html>, acesso em
23/05/2012.
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imaginário dos mexicanos que os observavam). De uma forma ou outra, visualizo que, a partir do
momento em que estes muros existem e expõem imagens, grafites e ideias, eles passam a
dialogar e educar quem transita nas calçadas, ruas e avenidas, embora, em muitos dos momentos
em que estes grafites aparecem, em contextos de instituição educativa, nota-se um
desconhecimento por parte das instituições educativas acerca das infâncias da cidade de Osasco,
além de suas diversidades e capacidades.
Ao refletir sobre a manifestação artística exposta, urbana e ao mesmo tempo institucional,
visto que ela pertence aos muros das duas EMEIs e está exposta (como que em telas) ao sol,
chuva e olhares de quem passa nas ruas de Osasco; e pensando em grafites que são feitos em
muros, quais infâncias brasileiras são reveladas, naturalizadas ou omitidas nestes muros? Que
diálogos estes grafites estabelecem com as culturas infantis? Se as crianças tivessem seus
desenhos contemplados nestes muros e demais espaços não apenas ligados às EMEIs,
possivelmente teríamos muito mais aspectos das infâncias brasileiras expostas e/ou esparramadas
pelas cidades? Se houvesse uma comunicação direta com a infância pelos muros e paisagens das
cidades, sem intermediários, as crianças diriam por si mesmas quem são, o que pensam, suas
preferências ou gostos? Por intermédio deste novo olhar, desta nova possibilidade criativa, será
que o ursinho Pooh ou demais personagens da Disney14
ainda seriam recorrentes?
Temos “muros” revelando infâncias pensadas por adultos e espaços a ela destinados. Se
houvesse uma preocupação com a participação ativa das crianças na construção destas “telas a
céu aberto”, como estas seriam? Infelizmente não conseguirei responder a todas as questões
despertadas neste trabalho. É mais provável que, enquanto pesquisadora, a minha função seja
problematizar ainda mais essa questão emblemática e pouco estudada, relativa à infância, suas
manifestações e/ou ausências. Contudo, reitero a necessidade de futuras pesquisas e estudos na
temática apresentada, como continuidade da pesquisa relacionada.
Ao utilizar algumas teorias e estudos sobre fotografia para pensar o conceito de figura
imagética que o grafite e a fotografia possuem, veremos que produzir imagens nunca é algo
gratuito. Fotografia e grafites, por mais que supostamente ingênuos e despretensiosos possam
parecer, sempre carregam ou expressam um ideal, representando também uma não neutralidade.
14 Grifo meu.
32
Para poder analisar este potencial de não neutralidade das figuras imagéticas, podemos buscar
paralelos por meio da contextualização histórica, mesmo com seus múltiplos desdobramentos
(sociais, políticos, econômicos, religiosos, artísticos e culturais), “[...] caso contrário estas
imagens permanecerão estagnadas em seu silêncio: fragmentos desconectados [...], meras
ilustrações ‘artísticas’.” (Boris Kossoy, 1993, p. 15).
“O desejo de conhecer impulsiona a assimilação e a retenção das informações no corpo,
confirmando a existência de uma memória corporal.” (Derdyk, 1989, p.127). Admitindo que uma
criança ao nascer já seja um ser pensante, que ela já é uma pessoa, que é capaz de se comunicar
através de expressões para além das verbais, faz-se mais que necessário darmos maior
visibilidades às crianças, através de uma comunicação para além do verbo (Becchi, 1994; Souza,
2010). Trata-se de licenciar os adultos nas diferentes linguagens, principalmente as/os
professoras/es que trabalham com a primeira e primeiríssima infância, buscando uma
comunicação com as crianças pequenas e muito pequenas para além da forma racional e verbal.
A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos
cem pensamentos cem modos de pensar
de jogar e de falar. Cem sempre cem
modos de escutar as maravilhas de amar.
Cem alegrias para cantar e compreender.
Cem mundos para descobrir.
Cem mundos para inventar.
Cem mundos para sonhar.
A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem)
mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura
lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe:
de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça
33
de escutar e não falar de compreender sem alegrias
de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal.
Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe
e de cem roubaram-lhe noventa e nove.
Dizem-lhe: o jogo e o trabalho
a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação
o céu e a terra a razão e o sonho
são coisas que não estão juntas.
Dizem-lhe: que as cem não existem
A criança diz: ao contrário, as cem existem.
Loris Malaguzzi apud Edwards, Gandini e Forman (1999)15
Nas fotografias dos grafites, percebe-se uma naturalização das crianças apresentadas e de
sua infância, uma padronização das mesmas ao observarmos crianças muito parecidas, sempre
sorrindo, e fazendo as mesmas ações padrões “que toda criança faz”, que são “coisas de criança”.
Há um processo de reduzir e de chapar as crianças e seus jeitos de ser, há uma concepção de
infância muito restrita, universal, do “senso comum” nestes muros. E apesar da extensão das
discussões despertadas por esta temática, ainda assim é de caráter urgente e necessário dedicar
um capítulo para a abordagem da mesma e para a problematização quanto às manifestações
artísticas ‘pobres e simplistas’ do adulto, quando endereçadas às crianças e também à sociedade
(ao dizer sobre a infância brasileira), como se estes traços e cores fossem representantes das
produções infantis; como se as próprias crianças se fizessem, espontaneamente, reduzidas e
universais, sempre alegres e bobas, interessadas sempre em coisas muito simplistas e
reducionistas, como que reforçando um “pensamento enigmático” (Jorge Larrosa, 2003, p. 196),
desconhecido diante da infância, como se muito desse desconhecimento não estivesse, também
atrelado a um modo “adultocêntrico” de enxergar o mundo e as relações. Quando não
15 Título da poesia: Ao contrário, as cem existem.
34
conhecemos o outro, deixando com que este/a outro/a se apresente e diga por si próprio/a quem
ele/a é, passamos a enxergá-lo de acordo com nossas ideias anteriormente formuladas e
[pré]conceitualmente concebidas.
Estes grafites escolarizantes buscam representar cópias de um real falacioso, imaginado e
estereotipado, não de um real realístico, mas de uma representação utópica, não respeitosa, e
alienada, documentada como natural, como fonte única de se ser e se identificar. Postos dessa
maneira, de modo “adultocêntrico”, autoritário e arbitrário, colaboram com a manutenção de
uma visão preconcebida das crianças pequenas e das criações destas, tanto para quem passa
cotidiana ou esporadicamente próximo a esses muros, como para quem trabalha nas próprias
instituições, que por inúmeras vezes ficam à espera (muitas vezes frustrada) de que as próprias
crianças sejam ou se adaptem às formas apresentadas nos muros, legitimando estas telas expostas
a céu aberto.
35
2. O que estes muros têm nos comunicado?
Ao pretender analisar e investigar os grafites “adultocêntricos” expostos nos muros de
duas instituições de EMEIs públicas, em Osasco – São Paulo (Brasil), buscarei possíveis
diálogos trazidos pelos trabalhos exibidos nos muros ou nas “telas a céu aberto”. O que eles têm
nos despertado? Considerando que as imagens nos educam, em quê somos educados quanto à
infância observada nos grafites expostos?
Podemos identificar, historicamente, muros com função política de denúncia, de exibição
e de construção de arte engajada, política (espaço de lutas e de resistências), como no caso dos
muralistas mexicanos que faziam arte questionadora vinculada à ideia da luta em prol da
libertação dos povos coloniais. Ora, por que a mesma manifestação artística realizada em muros,
quando voltada às crianças, por meio de grafites expostos em muros de pré-escolas tornam-se
sem engajamento, infantilizadas, reducionistas e simplistas?
Por intermédio da observação das imagens dos grafites presentes nos muros das duas
instituições escolares, fotografadas por mim, poderíamos pensar como os mesmos seriam feitos e
pensados se produzidos pelas crianças ou por adultos que considerassem as culturas e as
invenções infantis? Numa perspectiva de crianças na cidade, como esta seria se ocupada
visualmente pelas criações e traços infantis?
36
3. CLIQUES: Osasco na fita16
!
A presente pesquisa, do tipo qualitativa (Menga Ludke e Marli André, 1986),
caracterizou-se por ser um estudo de caso, que teve como base teórica as leituras que abrangem a
fotografia, as culturas infantis, o grafite, as pixações e a cidade, além das demais bibliografias e
autores/as articulados/as e à luz da produção recente no campo da Educação Infantil. O estudo
levanta uma discussão quanto à relação dos grafites expostos nos muros de duas instituições de
EMEI na cidade de Osasco, além das discussões quanto às fotografias dos mesmos e da temática
das infâncias brasileiras. O objetivo foi estabelecer uma correlação entre este aporte teórico com
os discutidos no grupo de estudos: “Sociologia e Imagem”, artes e infâncias; na FEUSP,
coordenado pela orientadora e Profa. Dra. Márcia Aparecida Gobbi.
Foram realizadas observações dos grafites dos muros de duas EMEIs em Osasco, cujos
muros (estes enquanto lugares de registro histórico e social) apresentavam desenhos grafitados
por adultos, bem como discussões quanto às pixações17
identificadas de modo sobreposto aos
grafites, dialogando, ou então, gerando conflitos nesta relação de sobreposição. Qual o peso
imagético atribuído à concorrência entre estas duas manifestações? O que significa este conflito,
diálogo, ou ainda esta outra possibilidade de se relacionarem?
Buscando e levantando definições para a palavra grafite18
, encontrei algumas
divergências, principalmente atreladas ao fato de o grafite estar ou não nas galerias (até que
ponto é grafite?). Percebemos certa transformação nos significados atribuídos à palavra grafite
16 Esta gíria paulistana refere-se ao fato de agora ser a vez da cidade de Osasco. O ‘destaque’ será dado à cidade de Osasco.
17 Localizaremos o termo pixação com “x” e não “ch” para ter uma aproximação com o universo das ruas, da marca “pixo”, de
resistência que aparece discutindo ou apagando o grafite. Segundo o Dicionário Aurélio (1993, p.421), a palavra pichar possui as
seguintes definições: “1. Aplicar piche em. 2. Gir. Criticar asperamente. 3. Gir. Escrever em muros e paredes; grafitar.”. 18 Segundo o Dicionário Aurélio (1993, p.277), grafite, é: “Palavra, frase ou desenho feitos em muro ou parede de lugar público,
em geral com tinta quase indelével.”. “Desenho feito em paredes, muros ou monumentos que congrega figuras e letras, feitos em
sua maioria cm tinta spray e utilizando-se de máscaras.”. Disponível em: <www.graffiti.org>, acesso em: 05/08/2013. Ou ainda:
“Grafite é uma forma de comunicação urbana e, como a pintura mural, uma linguagem cuja plasticidade interfere esteticamente
na paisagem urbana, formando um repertório de imagens de rápida gestalt e de identificação imediata.”. Disponível em: Rabello,
Maria. O mundo da arte: Cores urbanas, 2000.
37
no livro Lá do Leste19
(bem característico de uma manifestação que oscila entre as ruas e as
galerias), encontrado eletronicamente. Na obra, as ideias de significados foram pensadas e
mencionadas por grafiteiros da Zona Leste de São Paulo, a exemplo do primeiro grafiteiro
entrevistado: EVE, “Hoje eu acho que não dá pra definir o que é o grafite, ele tá passando por
essas mutações, essas experiências, ele vai sentir várias coisas, vai passar por várias... tá tentando
entrar agora no museu, nas galerias...”. Já para o segundo grafiteiro, CREDO: “O que eu acho
mais interessante dentro do grafite é que ele tá passando por tudo isso de uma forma natural, ele
não força a barra pra estar dentro do Masp, não força a barra pra estar dentro da casa da... da
presidente do Itaú Cultural, tá ligado?”. Enquanto que para o terceiro grafiteiro, SOW: “Ah, pra
mim cara, sinceramente, o grafite é o que tá na rua, cara, o que tá na rua é grafite. Essa é a minha
opinião particular...”. De acordo com estes recortes em relação às entrevistas apresentadas no
livro, passamos a ter uma ideia geral quanto às variadas significações e definições para a palavra
grafite.
No processo de pesquisa, foram tiradas diversas fotografias, em momentos diferentes.
Entretanto, selecionei um grupo de sete fotografias: duas da instituição próxima à região central
de Osasco, no bairro “KM 18”, instituição na qual fiz um único ano do pré-escolar e, cinco
fotografias dos grafites localizados nos muros da segunda instituição, mais periférica, perto da
região onde resido há 19 anos, chamada de “Cidade das Flores”. A quantidade de sete
fotografias, como metodologia de pesquisa, deu-se pela dimensão do tempo restrito de uma
pesquisa de trabalho de conclusão de curso (TCC).
Para Martine Joly (1996, p.19), a imagem enquanto instrumento de comunicação,
divindade, confunde-se ou assemelha-se com o que ela representa: “Visualmente imitadora, pode
enganar ou educar.”. Ao abordar a imagem sob o ângulo significação e não apenas da emoção ou
do prazer estético, enfatizarei uma abordagem analítica, com a intenção de identificar seu
aspecto semiótico e o modo como ela provoca significações e interpretações. A partir das
imagens, vislumbramos signos e, a partir destes, significações que mudarão conforme a cultura a
qual estamos inseridos. A autora20
ainda afirma que, apesar de a diversidade atrelada às
19 CAFFÉ, Carolina; HIKIJI, Rose. Lá do Leste [livro eletrônico]: uma etnografia audiovisual compartilhada. Humanitas. São Paulo, 2013. Disponível em: <http://ladolesteladoleste.hospedagemdesites.ws/livro.html>, acesso em: 11/09/2013.
20 Idem, 1996, p. 13.
38
significações da palavra imagem estar ligada a tantos contextos, ainda assim conseguimos
compreendê-la. Embora a mesma nem sempre esteja ligada a algo visível, necessariamente a
imagem passa por alguém que a produz ou que a reconhece.
Em relação ao estudo/análise das imagens coletadas em pesquisa de campo, partirei da
hipótese de Kossoy (1993) de que as imagens fotográficas não se esgotam em si mesmas. Ao
contrário, elas são apenas o início para desvendar o passado, revelando-nos a aparência das
coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram esteticamente congelados no momento em que
foram recortadas daquela realidade a que pertenciam. No entanto, as fotografias, assim como
qualquer outro documento, podem ser portadoras de ambiguidades, de uma não-neutralidade. Já
que se trata de um recorte da fotógrafa, no caso a pesquisadora deste trabalho, que passou horas
diante destes de muros identificando que recorte diria melhor de si, daí localiza-se a não-
neutralidade da pesquisadora e fotógrafa. Contaminada com o olhar das leituras, da disciplina e
da intencionalidade da pesquisa, ela efetuou o clique de maneira planejada. Aliás, a própria
escolha dos muros não aconteceu ao acaso e revela uma pesquisa anterior e uma seleção entre os
diversos muros observados pela cidade de Osasco.
Ao conceber as imagens fotográficas como fontes metodológicas para este trabalho, uma
vez que o acesso aos grafites foi possível a partir das fotografias tiradas, percebi o grafite
infantilizador, registrado na imagem fotográfica, pela óptica do tripé essencial para sua
existência e compreensão: fotógrafa, assunto e tecnologia. Por meio destes elementos, notei uma
realidade congelada, recortada, um instante flagrado pelas minhas lentes enquanto fotógrafa, que
se eternizou em uma superfície fotossensível, que pode nos esclarecer sobre o assunto tratado ou
ainda despertar para os mais diversos questionamentos. Partindo da realidade de uma pesquisa
que se construiu a partir de visitas esporádicas e externas aos muros das duas instituições,
teremos nestes cliques recortes de um tempo histórico, social e temporal.
“[...] Quaisquer que sejam os conteúdos das imagens devemos considerá-las sempre como
fontes históricas de abrangência multidisciplinar.” (Kossoy, 1993, p. 14), visto que produzir
imagens nunca é algo gratuito. Fotografias, por mais despretensiosas que possam parecer,
sempre carregam ou expressam um ideal manipulado, representando também a não neutralidade,
ou a fantasia dos envolvidos, como observamos nas imagens dos muros das duas instituições
39
fotografadas. A fotografia possui realidade própria21
, é atriz da dramaturgia da sociabilidade, ao
passo que documenta a sociabilidade da vida cotidiana, da dramatização, de revelamentos e
ocultações das representações do cotidiano. Podemos dizer que as imagens fotográficas educam
olhares, trazem-nos concepções sobre determinadas épocas, além de mostrarem ou esconderem
fatos, ações, acontecimentos, interligando de modo não- neutro passado e presente. Nessa
pesquisa, vale sublinhar, tiveram presença fundamental as imagens fotográficas. Ao vê-las e
revê-las, foi possível conhecer e aprofundar pequenos indícios presentes nos grafites, de forma a
problematizá-los e, com isso, adensar o percurso em direção aos desenhos presentes nos muros e
paredes das EMEIs (Escola Municipal de Educação Infantil), a ponto de questionar a
convivência/resistência entre grafites infantilizadores/ infantilizados e a pixação.
21 Expressão retirada de Kossoy, Boris. Estética, Memória e Ideologia Fotográficas: Decifrando a realidade interior das imagens
do passado. Revista do Arquivo Nacional. Rio de Janeiro, 1993, p.15.
40
4. “CÁPSULA DO TEMPO: Vamos fazer nossa parte para Osasco ser mais
saudável”22
Estranhem o que não for estranho.
Tomem por inexplicável o habitual.
Sintam-se perplexos ante o cotidiano.
Tratem de achar um remédio para o abuso.
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
Bertolt Brecht (1977, s/p)
Resolvi caminhar pela cidade de Osasco. Na verdade, como sempre faço, mas o fiz dessa
vez como se estivesse passeando com você que, ao ler o texto resultado da pesquisa, talvez possa
entrar nesse território contestado da cidade e em seus muitos espaços para a infância. Andando
juntos entre subidas, descidas, calçadas mal asfaltadas, cheiros característicos, como a feira de
domingo, ou entre as paisagens bem conhecidas, como a Avenida dos Autonomistas,
encontramos muitos, senão APENAS, espaços privados de consumo (quatro shoppings centers,
três supermercados, lojas de venda de automóveis ou mesmo universidades particulares, entre
outros, como os bares próximos às universidades privadas). Para onde foram os espaços de
convívio e públicos, em Osasco, para além desses privados?
Ao sairmos da região central da cidade e visualizarmos outros espaços e realidades,
notamos o quão díspar e desigual a mesma se revela. Na medida em que adentramos pelos
bairros mais periféricos, a cidade muda. Juntos, a cidade é outra. Assim como você, também sou
22 Título retirado de uma exposição realizada pela Secretaria de Educação em setembro do ano de 2012 na Avenida dos
Autonomistas, principal avenida, localizada no centro da cidade de Osasco, na qual encontramos um: “Projeto ‘Educação para a
Cidadania’ é uma das ações do programa Povo que Educa, desenvolvido pela Prefeitura do Município de Osasco por intermédio
da Secretaria de Educação, em parceria com o Instituto Ciência Hoje (ICH). A iniciativa assume o desafio de trabalhar os
conceitos universais dos valores humanos e dos indicadores de cidadania, com a perspectiva da vivência do aluno, da realidade
local e da história do município de Osasco. Os grandes agentes escolhidos para deflagrar essa mudança de postura são 15 mil
alunos dos 4 e 5 anos do ensino fundamental da rede pública do município. [...] No dia 12 de junho, cada escola lacrou sua
cápsula do tempo (preparada pelos alunos, que, coletivamente, elaboraram um documento com os desejos para construir uma cidade melhor). ”.
41
estrangeira em uma cidade que é por mim tão conhecida. Como se não residisse nesta desde o
meu nascimento, passo a dar algumas pistas dessa história mais “oficial”, devido à ausência de
biografias ou escritos dos que fizeram a história do município.
Por conseguinte, as vozes e as versões dos fatos narrados pelas chamadas “minorias”
sociais dificilmente são encontradas nos livros de História, nos livros didáticos escolares, bem
como nos documentos oficiais da prefeitura ou em outros arquivos. Apesar da essencialidade
dessa perspectiva, ainda invisibilizasse estes participantes principais, que resistem, existem e
sobrevivem ao longo da história, no espaço das cidades, cuja memória vincula-se às disputas,
contradições, LUTAS, bem como às segregações espacial, cultural e social.
Osasco está localizada na região oeste da Grande São Paulo. Com área de 65 km²,
segundo o censo realizado pelo IBGE em 2009, possui uma população estimada de 718.646
habitantes e fica a 18 km da capital paulista. Tem como municípios vizinhos Cotia, São Paulo,
Carapicuíba e Barueri. A cidade tem como origem e influência a participação de Antônio
Giuseppe Agú, nascido em Osasco (na Itália), no ano de 1945. Este teve contribuição
significativa no processo de colonização da região paulista.
Por um longo período, o (antigo) vilarejo de Osasco destacou-se pela produção de olaria
e demais atividades típicas de fazendas. Posteriormente, concentrou fábricas de papel, curtume e
tecidos. Na época foram construídas algumas casas para moradia dos operários que trabalhavam
nas fábricas. Em 1894, aproximadamente, construíram mais estações de trem, em razão do
aumento da produtividade econômica.
De uma vila ocupada por residências de operários, envolta por fábricas e uma pequena
produção agrícola, a região foi sofrendo um processo de industrialização e os principais agentes
desta eram os trabalhadores imigrantes italianos. A década de 1940 representou um grande salto
na produção industrial, exigindo mão de obra especializada, aumentando o número de imigrantes
e mudando o caráter da região. Mas a saúde e a educação não davam conta de atender as
demandas que surgiam.
Entre 1947 e 1958, ocorreram uma série de movimentos sociais ligados à emancipação do
então vilarejo. O município foi criado pela Lei nº 5121 de 30 de dezembro de 1958. Mas apenas
42
em 1962 Osasco elege seu primeiro prefeito. Após conturbações, no mesmo ano tornou-se um
município. Podemos ainda identificar um fator histórico importante, visto que em 196823
foi
deflagrada uma grande greve na Cobrasma24
(indústria de grande porte na época),
desencadeando um protesto contra as mortes de operários e o rebaixamento dos salários. Aliás, o
ano de 196825
foi um ano de grandes lutas mundiais, das barricadas no famoso Quartier Latin de
Paris, da primavera de Praga às manifestações pelo fim da Guerra no Vietnã mundo afora, além
de centenas de passeatas e manifestantes mortos nas passeatas contrárias à ditadura no Brasil26
.
Contudo, fala-se muito das revoltas dos estrangeiros, franceses, italianos, tchecos ou mesmo
23 “A revolução que está começando questionará não só a sociedade capitalista como também a sociedade industrial. A
sociedade de consumo tem de morrer de morte violenta. A sociedade da alienação tem de desaparecer da História.
Estamos inventando um mundo novo e original. A imaginação está tomando o poder.”. Este é um manifesto afixado à
entrada da tradicional Universidade Sorbonne, durante as manifestações estudantis que abalaram não apenas a França, mas o
mundo. Esta ideia estava imersa em um contexto histórico, no qual, muitas certezas estavam abaladas. E a mudança, configurava-
se como algo certo. No cenário mundial, a Guerra Fria acirrava-se através da corrida espacial e armamentista. O Muro de Berlin,
em 1961, que acabara de ser construído dividia de fato e simbolicamente o mundo em duas esferas de poder: “os comunistas”
(vermelhos, liderados pela URSS) e os “capitalistas” (liderados pelos EUA). Nas Américas, ganhava o centro das atenções a
Revolução Socialista em Cuba, trazendo a ameaça vermelha à América. Em consequência, os EUA disseminaram e apoiaram as
inúmeras ditaduras militares no continente. De outro lado a Guerra do Vietnã, em que morriam milhares de jovens americanos e
de crianças, velhos e também jovens, vietnamitas, em nome de uma causa totalmente alheia e absurda. Soma-se o assassinato de
Martin Luther King (líder negro pacifista) e, o ascendente crescimento da sociedade industrial de consumo e do novo fenômeno
da juventude como força, inclusive política. Canalizando anseios dos mais variados grupos, surgiram muitos “powers” na época:
Black Power, Gay Power, Power To The People Right Now, Women’s Lib e o Yippie. Tem-se os anos de 1960, como sobretudo,
os anos de uma nova “juventude transviada”, com novas ideias na cabeça, que buscava a mudança e a revolução, desde que em
benefício do homem e em busca da liberdade. Os símbolos de rebeldia de Che Guevara e Jimi Hendrix substituem os de James
Dean e Elvis Presley. Revolução política e cultural era o panorama deste período. CARVALHO, Paulo César de e MIRANDA, Renan Garcia. Arte e Cultura nos anos 60. Sistema Anglo de Ensino. São Paulo,1996, p.2-21.
24 Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários.
25 Disponível em: <http://www.piratininga.org.br/novapagina/leitura.asp?id_noticia=3611&topico=Hist%F3ria>, acesso em
28/10/2013.
26 No Brasil, a década de 1960 esteve permeada de grande fertilidade na produção cultural, cuja centralidade deu-se na chamada
Tropicália ou Movimento Tropicalista (1967-69), que se espalhou pelas diversas manifestações artísticas, como nas artes
plásticas (com Hélio Oiticica), no cinema com as obras de Glauber Rocha, no teatro com as peças de José Celso Martinez, bem
como na música popular brasileira, com destaque para Caetano Veloso e Gilberto Gil, dentre outros cantores. Os setores
“progressistas” da sociedade brasileira estavam animados com a proximidade e inevitabilidade da “Revolução Brasileira”. O
Golpe Militar em abril de 1964 e o endurecimento do regime em dezembro de 1968 não resultaram em um abandono da ideia,
embora tenham surtido em alguns abalos, principalmente com o AI-5. Havia uma crença, disseminada na esquerda brasileira, de
que o país vivia um período pré-revolucionário, culminando em um intenso processo de politização da produção artística,
encarada como um elemento “chave” de estratégia revolucionária. A arte era engajamento, a obra artística deve ser reflexo da
situação de vida da população brasileira (“do povo brasileiro”). Se for uma obra que desvia do povo, ela também pode ser
encarada como uma obra alienada, por dificultar sua participação na Revolução. “As relações entre cultura e política foram
pensadas pela esquerda brasileira nos anos 60 sob o prisma da instrumentalização política da produção cultural. Um exemplo da
ótica da esquerda do período é o Anteprojeto do Manifesto do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes
(CPC da UNE), de março de 1962.” (Cláudio Coelho, 1989, p.160). Assim, o Tropicalismo compartilha de algumas visões sobre
a cultura e política predominante no período, mas rompe parcialmente, atribuindo um significado diferente, construindo uma
versão alternativa das relações entre cultura e política. COELHO, Cláudio. Tropicália: cultura e política nos anos 60. Tempo
Social; Rev. Sociol. USP, São Paulo, p. 159- 176, 2.sem. 1989.
Disponível em:<http://www.fflch.usp.br/sociologia/temposocial/site/images/stories/edicoes/v012/a_tropicalia.pdf>, acesso em:
28/10/2013.
43
norte-americanos, e pouco se diz a respeito do Movimento Operário27
nas lutas de 1968, que
marcaram nossa história. Localizo historicamente a importância de três fatos que marcaram o
“ano operário” no Brasil. Estes fatos foram: A greve de Belo Horizonte e Contagem, em Minas
Gerais; o 1º de Maio na Praça da Sé, em São Paulo; e a greve de Osasco (a qual descreveremos,
infelizmente não com ricos detalhes, mas de certo modo pincelando, de acordo com as poucas
referências encontradas sobre este período tão importante para a história dos movimentos
operários em Osasco e no Brasil).
Motivados pelo 1º de Maio28
e pela greve em Belo Horizonte e Contagem, os operários
de Osasco mostravam-se eufóricos e motivados a fazer uma greve. No dia 16 de julho, Osasco
amanhece com a metalúrgica Lona - Flexa parada e ocupada pelos trabalhadores, que partiram
em seguida para a Cobrasma. O plano almejava paralisar duas outras grandes fábricas: a
Braseixo e a Brown Bovery. A greve teve início sem piquete. Ainda no dia 17, Osasco
encontrava-se parada e as fábricas ocupadas. Ninguém sairia até a empresa ceder às
reivindicações dos operários. A tensão passou a ser ainda maior quando uma das decisões do
27 Movimento Operário entende-se como as lutas e as organizações sindicais e políticas da classe operária industrial.
28 “Pois estava escrito em cima do jornal: em São Paulo a Polícia proibira comícios na rua e passeatas, embora se falasse
vagamente em motins de-tarde no largo da Sé. Mas a polícia já tomara todas as providências, até metralhadoras, estavam em
cima do jornal, nos arranha-céus, escondidas, o 35 sentiu um frio. O sol brilhante queimava, banco na sombra? [...]Mas a
Polícia permitiria a grande reunião proletária, com discurso do ilustre Secretário do Trabalho, no magnífico pátio interno do
Palácio das Indústrias, lugar fechado! A sensação foi claramente péssima. Não era o medo, mas por que que a gente havia de
ficar encurralado assim! é! É pra eles depois poderem cair em cima da gente, (palavrão)! Não vou! não sou besta! Quer dizer :
vou sim! desaforo! (palavrão), socos, uma visão tumultuária, rolando no chão, se machucava mas não fazia mal, saíam todos
enfurecidos do Palácio das Indústrias, pegavam fogo no Palácio das Indústrias, não! a indústria é a gente, “operários da
nação”, pegavam fogo na igreja de São Bento mais próxima que era tão linda por “drento”, mas pra que pegar fogo em nada!
(O 35 chegara até a primeira comunhão em menino...). é melhor a gente não pegar fogo em nada; vamos no Palácio do
Governo, exigimos tudo do Governo, vamos com o general da Região Militar, deve ser gaúcho, gaúcho só dá é farda, pegamos
fogo no palácio dele. Pronto. Isso o 35 consentiu, não porque o tingisse o menor separatismo (e o aprendido no grupo escolar?)
mas nutria sempre uma espécie de despeito por São Paulo ter perdido na revolução de 32. Sensação aliás quase de esporte,
questão de Palestra-Corínthians, cabeça inchada, porque não vê que ele havia de se matar por causa de uma besta de revolução
diz-que democrática, vão “eles”!.... Se fosse o Primeiro de Maio, pelo menos...” ANDRADE, Mário. Contos novos: Primeiro de
Maio. Vol. 3, 16º edição. Belo Horizonte, Villa Rica, 1996, p.35-42.
44
grupo passou a ser a de soldar o portão. Havia uma forte organização interna e sindical dos
grupos dos metalúrgicos. No entanto, uma forte repressão no portão da fábrica forçou sua
abertura, ocasião em que foram presos aproximadamente 800 operários, levados ao DOPS em
São Paulo e tornando-se presos da ditadura. Há uma diluição da greve, inclusive porque a
repressão ocupou as fábricas e bairros, derrotando o movimento operário local, demonstrando
mais uma vez “[...] como é que pretos, pobres e mulatos, quase brancos, quase pretos de tão
pobres, são tratados[...]”29
.
Por um período bastante longo, Osasco foi denominada de Cidade Trabalho, devido às
indústrias localizadas na cidade, com aproximadamente 500 indústrias no ramo da metalúrgica,
têxtil, derivados de madeiras e de alimentos. Porém, com a mudança dessas indústrias para
outros lugares, o município passou a ter destaque nas áreas comercial e de prestação de serviços,
sendo a Avenida dos Autonomistas é a via principal que liga as cidades de São Paulo, Osasco,
Carapicuíba, Barueri, Jandira e Itapevi, como um corredor de carros e ônibus.
O bairro onde está a primeira EMEI a ser discutida, surgiu em 1984, com o propósito de
abrigar apenas militares. Entretanto, um boom na construção de casas e apartamentos na região
impulsionou a Cooperativa Habitacional Unidos Construímos, vinculada ao INOCOOP30
, a
financiar residências aos então associados ao Clube dos Subtenentes e Sargentos do II Exército e
demais interessados. O nome “Cidade das Flores” surgiu quando a instituição financeira
Bradesco montou um outdoor próximo ao prédio do conjunto habitacional “Morro do Farol”
(antigo nome do bairro referido). As ruas, por sua vez, receberam nomes de árvores frutíferas e
de madeiras nobres. O bairro tem características predominantemente residenciais, com a
presença de comércios populares e pequenas lojas localizadas na Av. Pau Brasil.
A outra instituição está situada no bairro chamado de KM 18, região mais próxima ao
centro da cidade. De acordo com as leituras do livreto e da revista distribuídos pela própria
Prefeitura, posso identificar frases incongruentes quanto à qualidade dessas mesmas EMEIs,
como no trecho em que diz: “Convênios com entidades sem fins lucrativos voltados ao
29 Verso da música Haiti – Caetano Veloso e Gilberto Gil.
30 Informações buscadas no livreto fornecido pela prefeitura de Osasco. Independência Brasil: Osasco Conta sua História Através
dos Bairros, 2007.
45
atendimento infantil também contribuem para esse avanço.” (Revista Balanço, 2005, p.11).
Teremos de fato uma Educação Infantil de qualidade e “contribuindo para um avanço da
Educação Infantil” enquanto houver convênios com entidades sem fins lucrativos? Essas
entidades, de fato, satisfazem às necessidades educativas, de convívio entre as crianças que
deveriam estar em uma instituição de Educação Infantil pública e de qualidade? Pensando em um
livreto que foi construído, escrito e distribuído pela própria Prefeitura, penso também que o
mesmo almeja e pretende ‘revelar’ apenas parte da História da cidade, uma parte que é
conveniente e excludente... Acreditando que uma cidade envolve, revela e apresenta diversas
histórias e modos de vê-la e construí-la, onde estariam sendo narradas as demais histórias,
principalmente, as dos bairros mais afastados do centro, mais pobres, com menos infraestrutura,
com menos voz pública31
, menos acesso à própria cidade e às atividades do centro?
A luta pelo direito da criança à educação fora consubstanciada pelo Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA de 1990), resultando em uma definição da Educação Infantil como dever
do Estado, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96 (Abramowicz,
2003, p.02). Ao passo que este direito ainda não foi plenamente observado, já que ainda existem
muitas crianças brasileiras fora das instituições de Educação Infantil.
Ao pensar em profissionais da educação, refletimos quanto à afirmação de Campos (1999
apud Abramowicz, 2003), na qual a mesma afirma que quanto menor a criança a se educar,
menor também o salário, o prestígio profissional e menos exigência quanto a sua formação.
Como identificamos no trecho retirado do documento de Reorientação curricular da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental de Osasco (2011, p.33): “Por outro lado, por serem
profissionais que trabalham com alunos32
muito pequenos, o prestígio e salário das professoras
de pré-escola costumam ser mais baixos do que o de professores que se ocupam de outras faixas
etárias: quanto menor a criança, menor o "status" de seu educador”. Abaixo podemos encontrar a
quantidade de creches, EMEIs, EMEFs, CEMEIs, CEMEFs e uma tabela com os valores dos
salários desses professores/as, acreditando ser importante apresentar esses dados, pois em grande
medida consubstanciam a forma e o modo de viver a cidade por parte de seus/suas
31 Grifo meu. 32 A palavra “alunos” aparece desta mesma forma (no masculino genérico, plural e identificando “alunos muito pequenos”, ao
invés de crianças) no documento: Reorientação curricular da Educação Infantil e Fundamental de Osasco (2011).
46
trabalhadores/as no campo educacional público, bem como, das crianças envolvidas neste
processo:
A Rede de Ensino do município de Osasco, em 2010, é constituída por:
• 31 creches;
• 36 EMEIs (Escola Municipal de Educação Infantil);
• 45 EMEFs (Escola Municipal de Ensino Fundamental);
• 06 EMEIFs (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental);
• 11 CEMEIs (Creche e Escola Municipal de Educação Infantil);
• 04 CEMEIFs (Creche, Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino
Fundamental);
• 01 CEU (Centro Educacional Unificado);
• 01 EMEE (Escola Municipal de Educação Especial);
• 01 EMEDA (Escola Municipal de Educação para Deficientes Auditivos);
• 26 Escolas conveniadas;
• 40 Unidades Educacionais com EJA (Educação de Jovens e Adultos).
“No total, 134 Unidades Escolares atendem um número de 65.274 alunos. Atuam na rede
4.872 professores/as33
, entre efetivos/as, adjuntos/as e contratados/as. A maioria das Unidades
Educacionais funciona em dois turnos diurnos: manhã e tarde, sendo que em 40 delas há turmas
de Educação de Jovens e Adultos (EJA), no período noturno34
.”
Por meio do diálogo entre educação e artes, podemos pensar em uma “outra” perspectiva
de instituição educativa. Talvez, por meio de buscas por saberes desinteressados35
, cotidianos?
Ou ainda de espaços que pretendam a ressignificação de sujeitos, desde a infância? A arte na
33 O feminino que consta no excerto foi inserido pela autora.
34 Estas informações foram colhidas no documento de: “Reorientação curricular da Educação Infantil e do Ensino Fundamental
de Osasco” (2011, p.25).
35 Grifo meu.
47
infância como forma de estar no mundo, de corpo inteiro. Uma educação que priorize as
experiências estéticas, não como disciplinadoras, mas como um real momento de contato da arte,
consigo e com os outros: “Portanto, não se trata de falar sobre infância, mas com ela firmar a
cumplicidade de mútuos aprendizados que permitam agregar aqueles que encontram na infância
o desafio de interrogar cristalizadas concepções educacionais.” (Sandra Richter, 2006, p. 01).
Incompativelmente, temos Osasco, ao mesmo tempo enquanto importante peso
financeiro, econômico e histórico, por conta principalmente do Movimento Operário no ano de
1968. Assim, questionarei o que aconteceu com a história (memórias) das lutas operárias desta
cidade, visto que resido e estudei em Osasco e lembro-me de ter ouvido o professor de história
comentar algo, mas penso que esta pauta não está nos planejamentos como um ponto elencado
como importante para estas discussões em classe. Ou ainda o fato da própria cidade não trazer à
tona essa discussão (traz anualmente, os desfiles de 7 de setembro, com bandas, apresentações de
muitas escolas, exposições, havendo um envolvimento da cidade muito grande para a realização
desse evento anual, enquanto que rememorar as lutas do movimento operário não gera esse
alvoroço, sendo raramente mencionadas). Não se ousa divulgar/discutir/ relembrar esse período
de LUTAS em seus muros grafitados, ao invés de se exibir grafites infantilizadores,
reducionistas, de menor importância e que não dialogam proficuamente com a essência humana
ou mesmo com a construção da ideia de um povo, de uma cidade, que resistiu às forças
dominantes e repressoras. Nossa história está sendo contada de acordo com os interesses de um
grupo de governantes, ou mesmo da elite dominante, que busca, em diferentes esferas, diminuir a
resistência popular, valendo-se inclusive do próprio apagamento da memória da cidade.
A ausência, tanto física (pelos muros e arredores da cidade) como na memória da
população, quanto à história de lutas e resistências dos muitos operários (em oposição aos muros
elaborados pelos muralistas mexicanos no século XIX), muito provavelmente esteja vinculada à
ideia de esquecimento e manutenção ou de “deixar as coisas como elas estão”. Sendo este um
interesse dos que estão no poder, tanto nas secretarias como na Prefeitura, muito possivelmente
contrárias à formação crítica e questionadora (quase que um TEMOR a um novo levante
popular), mantém-se a ideia comum de uma passividade da população de Osasco, mesmo diante
de insatisfações como os baixíssimos salários das professoras de EMEIs. Mesmo o município
48
sendo um dos maiores da região, com um elevado peso financeiro, pouco é feito para reverter
essa situação.
Em que medida esse dinheiro está sendo ‘retornado’ à população, em relação a uma
Educação Infantil de qualidade para as filhas e filhos de operárias e operários, por meio do
atendimento de suas filhas e filhos em instituições educativas públicas e de qualidade, em vez de
“escolas conveniadas”? E quanto à maior participação financeira das professoras de creche e/ou
demais instituições educativas, que, por uma jornada de 22 horas, recebem um salário de R$ 803,
68, ou R$ 898,06, valores inferiores a dois salários mínimos? Neste momento, gostaria de
questionar como fica o sustento de uma casa, de uma família, a partir do momento em que
uma/um chefe de família recebe menos de dois salários mínimos por uma jornada de 22 horas,
partindo de despesas como: água, luz, IPTU e supermercado?
No quadro abaixo, os novos valores do piso salarial, no município de Osasco36
(valores vigentes entre maio de 2012 a fevereiro de 2013)
Piso salarial na educação básica
(válido a partir de 1º de maio de 2012)
Educação infantil (em escolas que só possuem educação infantil) R$803,68*
Educação infantil até o 5º ano do Ensino Fundamental R$898,06*
6º ao 9º ano do Ensino Fundamental R$10,62**
Ensino Médio R$11,82**(diurno)
R$10,62** (noturno)
Ensino Técnico R$11,24**
Pré-vestibular R$16,50**
* jornada semanal de 22 horas
** valor da hora-aula, com duração máxima de 50’ (aula no período diurno) e 40’ (no período
noturno)
Ao discutir os salários das/os professoras/es, por meio de uma tabela, pretende-se também
a discussão quanto ao “direito à cidade”, não apenas das/es professoras/es, como também das
demais categorias e setores da sociedade que recebem tão pouco quanto a categoria docente.
Partindo do suposto de que vivemos em uma sociedade capitalista, na qual os acessos, a
valoração e as participações são mediadas pela capital monetário, perceberemos certas barreiras
36 Informação retirada do site: <http://sinprosasco.org.br/noticias/professores-da-educacao-basica-e-sesi-aprovam-acordo-salarial-
202> acesso em: 23/04/2013.
49
de acesso a determinadas categorias sociais, indivíduos passam a ser excluídos, dentre estes,
encontram-se os trabalhadores de baixa renda, moradores de periferias e as crianças.
Ao abordar a cidade como um lugar de vivência, percebendo que nesta não existem
paisagens imóveis, fixas, já que a própria sociedade não é imóvel, existe uma organicidade dos
espaços, sofrendo influência tanto da natureza quanto dos edifícios, prédios, ruas, praças e
sociedade. Em que momento os adultos, moradores desta mesma cidade, deixam de impor seus
desejos ‘adulto-centrados’? E quando as crianças osasquenses ‘respiram’ e produzem? Ou em
que momento as crianças estão vivenciando seu “direito à vida urbana” (David Harvey, 2008,
p.11)? Ao pretender dialogar Cidade, Arte e Infância, foi necessário buscar referências teóricas
em outras áreas, o que me fez sair um pouco do aporte teórico da Pedagogia e dialogar com
outras áreas do conhecimento, como a Arquitetura, a Antropologia, as Ciências Sociais e a
Geografia.
Nesta observação do processo de criação da identidade das cidades e de seus habitantes,
impossível não ignorar as influências infantis (dos cidadãos de pouca idade), buscando uma
compreensão do ponto de vista infantil sobre o mundo e o contexto que estão inseridos estes
sujeitos sociais plenos de pouca ou pouquíssima idade. Ao ouvir as crianças, sobre o que pensam
e fazem, sobre os lugares que estão inseridas, também me [des]adultizo37
, ou pelo menos passo a
questionar as formas de conceber e visualizar o elo entre crianças e adultos, nas instituições
educativas e na própria cidade (sociedade) onde vivo.
Para a geógrafa Helena Callai (2003), posso localizar, junto a esses espaços de vivências,
pensamentos relacionados à ideia de pertencimento de seus próprios habitantes, sejam estes de
pouca ou muita idade. A partir do momento em que se valida a cidade como um espaço
composto por singularidades, que fazem parte de um acúmulo de conhecimentos humanos,
culturais, geográficos, sociais e históricos, a reconhecemos enquanto um espaço de
aprendizagem não-formal. Deste modo, personifica-se a cidade como um lugar de vivência
coletiva, interativa e educativa, valorizando-a em todas as potencialidades individuais e
coletivas, concebendo espaços como locais nos quais movimentamos, produzimos e
reproduzimos a nós próprios, como sujeitos presentes em espaços compartilhados. Lugares onde
37 Grifo meu para a expressão, cuja ideia de significado centra-se na possibilidade de que ao ouvir as crianças, ao estar aberta
para esta relação eu saio, mesmo que por um período curto, eu saio desse meu centro de rígida autoridade adulta que detém a
sabedoria verborrágica e passo a tentar compreender o outro, saindo dessa minha centralidade adulta.
50
a vida acontece, perpassando também pela categoria da infância, pois as crianças enquanto
humanas, vivas, relacionam-se entre elas e entre os adultos, contribuindo com a apropriação e
formação deste território vivido e compartilhado das cidades. Neste contexto, almeja-se a busca
do direito de acesso aos lugares comuns, públicos e registro histórico nos mesmos por todos os
habitantes (de todas as idades). De acordo com o geógrafo marxista Harvey (2008, p.11): “a
liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e a nossas cidades dessa maneira é [...] um dos mais
preciosos de todos os direitos humanos.”.
Quais são os lugares onde há possibilidades de manifestação de identidades e de resistência
na cidade (Lana Cavalcanti, 2008)? Que lugares gostaríamos de modificar? Estes são só alguns
dos questionamentos que pretendemos engajar na temática de estudos quanto à compreensão de
cidade, bem como quanto aos direitos de usufruto da mesma, por todos os cidadãos. A busca
pelo direito à cidade pretende ser um contraponto da sociedade atual, que se autodenomina
“globalizada” e “homogeneizante”. Ao defender uma cidade para todos os habitantes, estou
inferindo a construção dos espaços a partir da participação de seus habitantes, ou seja, o direito à
cidade enquanto possibilidade de transformação e apropriação da mesma pelos seus moradores,
sujeitos que habitam e interagem entre si e na relação com os lugares.
Na busca por considerar a apropriação dos espaços pelas crianças, pressupõe-se a
possibilidade destas imprimirem marcas, alterando o espaço de alguma forma, pois elas não são
apenas espectadoras dos espaços ou mesmo da vida. Elas pensam, refletem, produzem e
reproduzem História, cultura e são cidadãs. Entretanto, passam-se os anos e insistimos na ideia
de que a escola, para ser considerada um espaço legítimo, necessita ostentar uma arquitetura,
paredes, portas, muros, sem indícios ou marcas de crianças. Caso apareça algum desenho, o
mesmo será aquele desenho limpo, organizado, extirpando a oportunidade de não-alienação, de
produção e registro das crianças.
Segundo a arquiteta Mayumi Lima (1989), com a ideia de extirpação da existência
completa das crianças em ambientes de instituições educativas, esses espaços consolidam-se
como detentores de instrumentos de dominação, abarcadores de elementos condicionantes das
crianças em futuros adultos completos, racionais, enquadrados nas normas, de acordo com os
padrões permitidos e idealizados pelo sistema. Ainda de acordo com Lima (1989, p. 59): “Como
51
seriam tratadas as paredes e os pisos das escolas, se a preocupação fosse a de estimular a
manifestação das crianças?” Pensemos na oportunidade de os espaços do cotidiano das crianças
serem laboratórios que valorizassem a busca da experimentação, liberdade e apreciação estética
mais apurada do entorno, levando em consideração que o ato de brincar e jogar para a criança é
algo muito sério.
A sala de aula e os espaços das instituições educativas costumam não ser espaços onde as
crianças podem se apropriar das marcas que elas possam eventualmente deixar como um
desenho, uma assinatura, ou um nome. A instituição escolar é como um “abrigo temporário”,
cujas marcas pessoais são deslegitimadas pelos docentes, coordenação e direção, consideradas
sujeira, depredação ou mesmo vandalismo. Becchi (2003, p.130), no texto: Por uma pedagogia
do bom gosto38
, traz afirmações do teórico John Dewey quanto à experiência estética, dizendo
que o estético é o desenvolvimento intensificado de traços que pertencem a toda experiência
completa. As práticas em que os traços de completude e de intensificação da vida cotidiana
predominam, são resultantes de uma inserção dentro da história. Trata-se de “[...] uma
experiência – cuja completude permite usufruí-la.” (p.131).
Por Augustin Escolano e Antônio Frago (1998), a arquitetura escolar desempenha uma
forma silenciosa de ensino, ou função curricular/ empírica, oculta, subliminar, na aprendizagem e
na formação dos sujeitos que ali estão. Para tanto, a arquitetura escolar também é um programa,
uma forma de discurso que institui um sistema de valores, como ordem, disciplina e valores.
Ainda de acordo com os mesmos pesquisadores, todo espaço é um lugar que sempre educa.
Partindo dessa não-neutralidade da educação, refletida nas estruturas (arquitetura e
funcionalismo) das instituições escolares, bem como o próprio espaço territorial ocupado pela
própria instituição educativa na composição do meio urbano, não há neutralidade nesta
composição e na “produção” de sujeitos e nos discursos de quem vive a rotina, estuda e trabalha
nestes espaços.
38 BECCHI, Egle. Por uma pedagogia do bom gosto. In: Avaliando a pré-escola: uma trajetória de formação de professoras. São
Paulo. Editora Autores Associados, 2003.
52
Instituições educativas, enquanto criações culturais, estão sujeitas a mudanças históricas,
sendo que a formação cultural das crianças não é dada única e exclusivamente por intermédio do
discurso. Elas precisam conhecer e vivenciar: “[...] a experiência da arte e da expressão cultural
do seu povo e de outros povos” (Lima, 1989, p.64). E por que não vivenciar essas experiências já
no ambiente das instituições educativas? São experiências significativas, dotadas de valor
estético, dar vida às figuras, desenhos, situações, possibilitar aproximações originais, cativantes,
emocionantes, deliciosas, “[...] ao mesmo tempo, permitindo que o adulto se coloque no nível da
criança, consentindo à mesma o acesso a tais experiências [...].” (Becchi, 2003, p. 138), podendo
revisitar o cotidiano, exercitando o “[...] bom gosto no sentido de gozo e apreciação do que é
completo, perfeito, intenso [...] gratificante.”. (p. 139).
Para o filósofo e sociólogo marxista Henri Lefebvre (2001, p.25), a democracia urbana
privilegia a nova classe emergente dominante e burguesa, esta mesma classe que começou um
processo de expulsão dos proletariados dos centros urbanos e das próprias cidades, impedindo
um real surgimento de uma democracia e uma “urbanidade”. Há um processo de
“suburbanização” ao afastar o proletário da cidade, o tira o sentido de sua obra e revela uma
perda quanto à consciência e a capacidade criadora do proletariado, havendo uma dissipação de
consciência urbana. Ao redor da cidade, tem-se a periferia “[...] desurbanizada e, no entanto,
dependente da cidade.”. Há uma dispersão dos trabalhadores e os mesmos são distanciados dos
centros urbanos, por meio de uma segregação econômica, social e cultural. Há uma contradição,
pois o crescimento quantitativo da economia e da produção não corroborou com um
desenvolvimento social, contrariamente culminando em uma deterioração da vida social.
Disseminou-se uma passividade colonizada e nutrida pelo consumo, contribuindo ainda
mais com a redução das atividades criadoras. De acordo com o pensamento de Lefebvre (2008,
p.12), o direito à cidade supõe uma: “[...] reapropriação dos tempos-espaços da vida tragados
pelo vórtice do mundo das mercadorias em favor da [ir] racionalidade que governa a
industrialização.”. “Como [...] poderia o direito à cidade ser exercitado pela mudança da vida
urbana?” (Harvey, 2008, p.14). Visto que todos nós somos, de um jeito ou de outro, arquitetos de
nossos sítios urbanos, de nossa cidade, o direito à mudança da mesma não se configura um
direito abstrato, “[...] mas sim um direito inerente às nossas práticas diárias, quer estejamos
53
cientes quer não [...] Se nosso mundo urbano foi imaginado e feito, então ele pode ser re-
imaginado e refeito.”. (Idem, 2008, p.14).
Ao excluir pessoas e até mesmo grupos, indivíduos de determinadas classes sociais do
contexto urbano (diremos que as crianças de periferia, por esta lógica, são duplamente
excluídas), este processo resulta na exclusão da civilização (e até da sociedade). O direito à
cidade (Lefebvre, 2008) entraria na legítima recusa a este processo, de afastamento da realidade
urbana, da negação, de uma segregação discriminatória, pois, ao excluir uma determinada
parcela da população para longe dos centros de decisão, riqueza, poder, informação, dentre
outros aspectos, trata-se de excluí-las da própria participação política, das decisões importantes e
centrais para a cidade. Por isso, o direito à cidade vai ao encontro da importância de apropriação
da própria cidade (independente da idade), quanto a uma tomada de consciência dos direitos e
deveres frente a este modo de organização por parte destes indivíduos que de fato residem,
vivenciam e pensam nas questões que perpassam este convívio central. O sujeito, ao apropriar-se
do espaço de modo vivo e próximo, se constrói enquanto indivíduo e coletivo. Ao ocupar a
cidade, os indivíduos constroem-na de modo a pertencer a ela. E ao [re]fazê-la, os sujeitos/
atrizes e atores sociais, [re]fazem a si próprios.
Para a arquiteta Ana Beatriz Faria (2004), pensar em uma cidade que se faz educadora,
por meio de projetos educativos, é pensar para além dos muros de nossas instituições educativas.
Busca-se, inclusive, uma fronteira não tão brusca, não tão explícita, ao almejar um ideal de
Cidade Educadora, uma interligação ainda maior e menos abrupta entre escola e sociedade, como
se fosse uma fronteira entre dois países, na qual não se tem muita certeza aonde termina um e/ ou
aonde começa o outro país. Já que não existe um muro, rio, montanha que separa de ponta a
ponta os dois países, há uma zona de intersecção, na qual as relações são parte das duas nações,
bem características de regiões fronteiriças. Por que não tornar a relação entre instituição
educativa e cidade algo semelhante? Tendo em vista, “[...] o ato educativo fundamentado e
estruturado na lógica do encantamento e da descoberta” (Idem, 2004, p.46). Ao associar os
campos da Pedagogia e da Arquitetura (no caso citando esta pesquisadora que trabalha,
justamente, investigando pontes de diálogos entre estas duas temáticas), a mesma nos diz sobre o
sentido do pertencimento de mundo, de lugar, de espaço, ou mesmo de cidade, relacionado com
54
as experiências vividas e vivenciadas nestes mesmos lugares, independentemente do momento da
vida.
Penso que as crianças, como construtoras de culturas que são, passam a ser influenciadas
e a influenciar o ambiente (pois a mesma não é um ‘objeto’ incompleto, estático, ou mesmo sem
vida, situado em um lugar). A autora faz destaque a duas atividades importantes nesta relação,
quanto ao papel da imaginação e do projeto, uma vez que tudo que pode ser criado mentalmente
também poderá ser criado materialmente e fisicamente. “Será que nossos CEIs e EMEIs estão
dando conta de ser o lugar de tantas inovações pedagógicas que despontam no cenário da
educação e, particularmente, da pedagogia da infância?” (2004, p. 48).
O que estamos fazendo nesses espaços, de muros de EMEIs, ou mesmo em nossas
cidades, para provocar nossos imaginários (imaginários estes de crianças e adultos)? A partir da
ideia de que o conhecimento é gerado a partir da relação dialética entre o que conhece (sujeito) e
o (des) conhecido (objeto), pensa-se na relação do conhecimento como algo pautado na não-
separação entre sujeito e mundo circundante. Nesta relação, presume-se uma tomada de
consciência de cada indivíduo na construção entre a sua própria realidade e nas representações
sociais sobre o mundo.
Por meio de uma posição crítica frente à atuação dos sujeitos no cotidiano, na História e
na realidade histórica dos contextos sociais de mundo, busca-se uma posição que favoreça a
auto-reflexão e a relação de si em relação ao seu contexto histórico. Para Ana Beatriz Faria
(2004, p. 51): “Apropriar-se do mundo é também se apoderar materialmente dele, moldá-lo,
transformá-lo. E a imaginação nos faz voar e também nos FAZ FAZER!”. Ao pensar em um
projeto de arquitetura e urbanismo frente aos muros das duas EMEIs, utilizando-se da estratégia
de: “[...] alimentar o imaginário das pessoas [sejam as mesmas, crianças e/ ou, adultos],
intimamente com a capacidade/possibilidade de transformar o mundo.” (Idem, 2004, p. 51).
Trata-se de dar condições (teóricas e práticas) para a construção de outros e novos olhares,
relações e significados entre os ‘sujeitos’, pensando em alternativas e mudanças quanto a
necessidades da sociedade.
Por intermédio da ação, do registro gráfico e visual, ou ao ‘invadir’ e impregnar muros,
espaços e cidades, personalizando-os e deixando como “herança” a história de cada um que ali
55
esteve, talvez pleiteie-se reconhecimento, existência, construção de memórias individuais e
coletivas. Ao identificar desenhos não apenas nos espaços das instituições educativas, mas em
outros espaços pertencentes à cidade, encontro locais que comunicam com todos (adultos,
meninas e meninos), com os que circulam mais intimamente nestes espaços, ou ainda transeuntes
que passam vagarosos ou apressados e observam rapidamente os desenhos expostos, deixando as
marcas “de um itinerário da memória”39
.
39 Anotações de slides apresentados ao longo da disciplina “Apropriações do urbano: a cidade pelas lentes e traços das crianças”
(2012).
56
5. Infâncias brasileiras pelo ‘sss....pray’?
No presente trabalho, partimos da inferência de que as crianças são agentes, competentes
quanto à interpretação da realidade social na qual estão inseridas, na busca por metodologias que
proponham um trabalho de parceria entre adultos/as e crianças, observando a participação das
crianças como um pilar importante e fundamental nesse processo.
A partir da década de 1980, tem-se, entre os sociólogos da infância, a necessidade de
pesquisa e visualização das crianças enquanto atores sociais, bem como a infância como um
grupo social possuidor de direitos, resgatando as vozes e ações das mesmas, em detrimento do
período em que estiveram em absoluto silêncio e invisibilidade (Lourdes Gaitán, 1996; Natália
Soares, 2006) nas investigações no período do século XX.
De acordo com as pesquisas de Soares (2006), a necessidade de visualização da
participação infantil surgiu com a luta contra os ciclos de exclusão, tendo em vista que o poder
tradicionalmente se mantém centrado aos adultos, que consequentemente têm inviabilizado uma
maior participação social e política das crianças na sociedade e nas instituições educativas, como
as EMEIs, por intermédio de uma tutela enraizada do adulto em relação às crianças. Essa relação
diminui a participação infantil e o respeito por sua produção cultural e inventiva.
No que concerne à ética na investigação com as crianças, segundo Soares (2006), passa-
se a considerar a alteridade e a diversidade, definidoras da infância como um grupo social, com
especificidades, que por sua vez as distinguem dos demais grupos, características estas que as
definem como uma categoria social da infância.
As fotografias de numeração I a V, apresentadas na introdução desta pesquisa junto às
afirmações imperativas, trazem um ideário ao tecido social de conformismo e universalismo. Há
uma negação dos “jeitos individuais” e uma valorização das imagens, enquanto dominantes e
definidoras. Nesses ambientes educativos, de acordo com a autora Susana Cunha (2005, p. 176),
encontramos um predomínio de imagens midiáticas, que por sua vez ocupam os espaços físicos e
o imaginário dos sujeitos presentes. Assim, as marcas das individualidades das crianças ficam
restritas a espaços muito minúsculos como o cantinho da parede ou mesmo da mesa.
Dificilmente encontramos um registro ou marca identitária de seus habitantes, crianças,
57
educadoras, faxineiras, coordenadoras ou comunidade. Como habitar um espaço e não deixar
marcas? É possível habitar um espaço, mesmo que por um tempo curto, pelo período de um ano
letivo, sem deixar vestígios de sua passagem?
Segundo Márcia Gobbi (2008), nota-se os desenhos também como fontes documentais e
históricas, que podem inclusive nos fornecer indícios para a análise e compreensão das infâncias
atuais e passadas. Por meio dos desenhos realizados pelas crianças, pode-se identificar aspectos
diversos da própria cultura infantil, constituindo-se em um registro que pulsa e faz pulsar as
culturas infantis. Ainda para Gobbi (2008, p. 206), ao guardar e expor os desenhos produzidos
pelas crianças, significa que estamos também preservando a memória de nossa infância e os
“registros de sua passagem pela História”40
. E por que não trazer esses registros infantis para os
muros das EMEIs ou mesmo da cidade, comunicando sobre as infâncias das crianças pequenas e
muito pequenas de Osasco.
Dialogando com a autora Derdyk (2011), visualizamos o desenho enquanto um
acontecimento presencial e por meio deste poderemos imaginar o que a criança possa ter ou
esteja imaginando. Podemos ainda observar o desenho além de um formato no papel, desenhado
a lápis ou a caneta. O desenho é também uma forma de pensar o mundo! Por um longo tempo
observou-se e ainda se observa que, entre os adultos, haveria uma compreensão dos desenhos das
crianças por faixas etárias (Gobbi, 2009). Por esta visão, esperamos certa linearidade e
padronização nos desenhos e no próprio desenvolvimento infantil. Contudo, as leituras nos
levam a observar o ato de desenhar (devanear) como um fim em si mesmo (entremeado de
pesquisas), desprovido de um fim com interesse outro que não seja o próprio desenho, ou mesmo
a própria exploração de materiais, descobertas de traços, jeitos, formas. Por meio dessa dança das
ações, o artista descobre-se nos traços, linhas e cores produzidas e exploradas, passando a existir
e a viver a completude de ser criança (ou de se ser humano), ao pleitear o direito à liberdade de
criação, de aprendizagem e de completude representativa do viver.
40 Expressão retirada do texto: GOBBI, Márcia. Desenhos e Fotografias: marcas indiciárias das culturas infantis. Contexto e
Educação. Editora Unijuí, n. 79, 2008, p. 199- 221.
58
Olhando para as/os muitos/as artistas que procuram na infância inspiração para seus
trabalhos, passamos a nos indagar, enquanto educadoras de primeira infância, que mesmo
estando muito mais próximas às crianças, ainda assim vamos pesquisar inspirações em imagens
que não dizem respeito às infâncias brasileiras e que nem ao menos dialogam com elas, muito
menos com as culturas infantis. Por que esse distanciamento? Por que insistimos em não
considerar legítimas e inviabilizar as produções das crianças brasileiras, negras, indígenas,
latino-americanas e deficientes, por que insistimos em invisibilizá-las?
Ao refletir sobre grafites feitos nos muros por adultos endereçados às crianças, pensemos
em adultos que estão deixando seus desenhos como marcas nos muros, cuja qualidade artística é
altamente questionável tanto pela forma (pela estética visual que os mesmos apresentam) quanto
pelos conteúdos imbuídos nos mesmos. Ao dizermos que os desenhos deixam a desejar em
relação à estética, é porque os mesmos são desinteressantes e até feios. Tais características não
existem apenas porque os mesmos foram feitos por adultos, mas porque foram concebidos por
adultos que desenham mal e pensam que esses assuntos/motivos servem para crianças.
Para Gianfranco Staccioli (2011), os desenhos de meninas e meninos possuem riqueza
em metáforas visuais, propondo ao/a observador/a curiosidade, indignação e diferentes meios de
compreensão na relação com os traçados, cores e formas. Na busca por olhares outros para
perceber os desenhos, sem respostas apressadas e/ou muito racionais, basta considerarmos um
tempo mais lento que o das rotinas e refletir acerca dos mesmos junto às crianças. Mesmo que,
segundo o autor, os desenhos feitos pelas crianças não sejam uma produção espontânea e
também não reproduzam um mundo criado pela fantasia destas e, embora as mesmas ajam como
se artistas fossem, elas não são artistas e não enxergam o desenhar como uma profissão. A
diversão e o prazer são as molas propulsoras para os pequenos. Constrói-se descobrindo novos
caminhos ou caminhos próprios, inovando, divergindo, personalizando a desconstrução da
realidade e das experiências, enquanto prolongamentos do corpo ou de “pensamentos visuais”41
.
41 Expressão presente no texto: STACCIOLI, Gianfranco. As di-versões visíveis das imagens infantis. Pro-Posições, Campinas,
v.22, n.2 (65), maio/ago, 2011, p. 1- 18.
59
O saber desenhar cachorros de maneira pública e de certa maneira estereotipada também
é diferente de saber desenhá-los de modo próprio, elaborado e “autobiográfico”42
. Mas, de
acordo com as leituras discutidas, levanto a ideia de olhar com respeito as produções das crianças
pequenas e muito pequenas, deixando de lado as lentes adultas, racionais, experimentando lentes
que se divertindo junto às crianças, devaneando, metaforizando, arriscando traços, cores,
movimentos, falas sem uma ordem ou prescrição. Reitero nesta pesquisa o direito das crianças de
expressarem-se por meio de linguagens outras, para além da forma racional e verbal, localizando
a linguagem do desenho (foco desta pesquisa), enquanto uma manifestação possível de ser
realizada nos espaços públicos da cidade, frequentados pelas/os cidadãs/ãos de muita, pouca ou
pouquíssima idade, reivindicando a descatracalização43
dos acessos à cidade, e possibilitando a
visualização das crianças e das criações infantis para além das instituições educativas e de seus
muros. As catracas apresentadas pela sociedade caracterizam-se também como barreiras físicas
que discriminam, “[...] segundo critério da concentração de renda, aqueles que podem circular
pela cidade daqueles condenados à exclusão urbana.” (Movimento Passe Livre, 2013, p.15),
como crianças e moradores de periferias, ambos sofrendo exclusão econômica e,
consequentemente de acesso.
Almejando uma maior visibilidade dos desenhos, principalmente dos que são idealizados
e feitos pelas crianças, procuro neste trabalho disseminar os desenhos que conversem com as
culturas infantis e pensamentos, inclusive das crianças dos mais diversos estratos econômicos da
cidade de Osasco. Pensando em muros que pudessem ser “ocupados”44
, apropriados e
apresentados por crianças pequenas e muito pequenas: como seriam estes se as próprias meninas
e meninos pudessem deixar marcas de si? O que esses muros revelariam à sociedade?
42 Idem, 2011.
43 Ideia reiterada pelo MPL (Movimento Passe Livre) e por brasileiras/os que aderiram aos recentes protestos do mês de junho de
2013, que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho de 2013, quando milhares foram às ruas junto ao MPL em diversas
cidades brasileiras, não apenas em São Paulo, pela redução da tarifa do transporte público, partindo deste enquanto um direito
fundamental (o direito de ir- e- vir) confluindo para a efetivação dos demais direitos sociais e civis. Embalados pela banda
Fanfarra do M.A.L. e pelas canções: “O povo não é otário/ A tarifa pra casa do caralho” e “Não quero mais pagar busão, não,
não!/ Não quero mais pagar busão, não!/ Transporte é um direito da população!”. A inspiração se dá para aquelas que,
indignadas, criancistas e criançólogas pensam numa cidade livre para todas/os, independentemente da faixa etária ou poderio
econômico.
44 Destaque meu.
60
As imagens Como se encantado fosse!? e Infâncias brasileiras [re]veladas? foram
fotografadas a partir da observação do muro de uma EMEI localizada em um bairro
relativamente central, no Km 18, em Osasco. A partir de análise minuciosa e atenta, identifico
alguns pontos a ser discutidos. A escolha das imagens dessa instituição vai além das observações
do muro, pois há uma ligação afetiva e da minha memória. Na minha fase do pré-escolar, fiz um
ano do chamado “prézinho” nesta instituição e lembro-me de ter passado momentos muito
importantes que ficaram registrados em minha memória afetiva, não exatamente como
ocorreram, mas com guardadas semelhanças. E confesso que fiquei muito surpresa ao retornar e
observar nos muros da mesma instituição educativa grafites reducionistas, simplistas, carregados
de simbologias e significados naturalizados.
“Como se encantado fosse!?”45, Foto: Adriele Nunes, 2013.
Nesta imagem46
1, há o desenho de uma sequência, um caminho de árvores, uma
metáfora do longo caminho civilizatório da educação e ao mesmo tempo uma proximidade com a
45 Frase pensada a partir das leituras e reflexões, principalmente acerca de: CUNHA, Susana. Cenários da Educação Infantil.
Educação e Realidade. Porto Alegre. v. 30, n. 02, jun/dez. 2005, p. 165 – 185.
61
natureza (que também estaria próxima da natureza da infância que será civilizada neste longo
caminho pela frente). É como se esta entrada fosse um aviso para as crianças de que agora elas
deixarão a cidade, os prédios, os carros, toda a agitação e o perigo que uma cidade pode oferecer
para ingressar em outra realidade, diferente à que elas estão acostumadas. Para Roy Wagner
(2012), nós inventamos a natureza e essa natureza inventada encontra-se representada por nós,
pelos grafiteiros, numa intenção de reapresentar algo que não existe entre as crianças: se não
temos árvores, plantas, animais fofinhos e receptivos em nosso bosque encantado, porque não
desenhá-los? Mesmo que nos moldes mais questionáveis e comuns, culminando na ideia de
natureza que é evocada, o que estamos compartilhando e compactuando com as crianças?
Encontramo-nos em uma sociedade ocidental que busca a valorização e a presença de
imagens, seja em nosso cotidiano, jornais, revistas, televisões, propagandas, ou em outros meios.
Despertamos nossos olhares atribuindo significados ao mundo visual, de acordo com o que tem
significado no âmbito de nossas vivências socioculturais. Tendo em vista que as instituições de
educação infantis estão imersas nessa realidade ocidental e contemporânea, passa-se a discutir o
uso das imagens nas instituições pré-escolares, tanto nos espaços externos (no caso deste estudo,
os muros) como nos espaços internos (murais, lousas, cartazes, paredes, dentre outros). Como
estamos lidando com o uso das imagens nos contextos da Educação Infantil? Ainda segundo a
autora Cunha (2005), as grandes corporações de entretenimento e também as EMEIs divulgam
uma educação por intermédio de imagens, estando ou não conscientes dos efeitos do uso destas
nesses espaços.
Os muros, enquanto cenários, materializam-se em espaços de exposição de textos
imagéticos e ultrapassam a função ilustrativa de um “telão”. São reveladores de modos de
entendimentos acerca de um mundo ou de uma infância única e não realística. Visualizamos uma
sociedade ou uma cultura também pelas imagens. É quase como se, ao olharmos para estas
imagens, estivéssemos compreendendo a sociedade representada por elas, historicizada.
Pretendemos, com esta pesquisa, pensar os muros das instituições enquanto divisores de espaços
e de mundos “[...] ritos de passagens para outro universo: entre o conhecido e o desconhecido.”
(Cunha, 2005, p. 176), espaços representativos de temáticas (ou ausência destas) para possíveis
46 Optei por deixar as fotografias inteiras no início do trabalho, e posteriormente fiz recortes das mesmas imagens para melhor
destacar, provocar e aproximar o olhar do/a leitor/a para as ideias propostas nas discussões a cerca das imagens.
62
leitores. Ainda para a autora (2005, p. 177), cria-se em alguns muros cenários que simulam um
mundo diferente do real para crianças e educadoras, nos quais “as crianças não são mais
negras”47
, e são transformadas em princesas louras, rosas, fadas, Pokémons48
, ursinhos (Pooh é
um exemplo conhecido). Passam a não residir mais em um barranco ou em moradias precárias,
mas em florestas encantadas e protegidas pelas paredes escolares, pelos anões e os brincalhões
Dálmatas49
.
A partir de um encantamento gerado pelos grafites e de uma constante repetição dos
mesmos, estes validam determinados estereótipos de classe, etnia e de gênero, praticamente
impossibilitando a diversidade e a singularidade. É como se houvesse uma ditadura velada50
, já
que não se explicita conscientemente a impossibilidade de outros e variados jeitos de se ser, agir
e pensar. É como se as crianças não pudessem se diferenciar dessas caracterizações. Não há
espaço para o afloramento de singularidades. Essas imagens omitem outros modos de ser
criança, trazendo uma ideia de infância inocente, não conflitante e universal. Há uma imposição
dos adultos sobre o que as crianças e adultos (também as professoras) devem ser, ver e aprender.
Há uma naturalização nessas imagens e do modo de como conceber um muro de uma instituição
infantil, ou mesmo uma sociedade, pautado pelo preconceito racial, étnico, etário, econômico.
Embalada por esta questão da imposição das imagens, reveladoras de estereótipos, refletirá
Cunha (2005, p. 182):
47 Esta expressão pode ser encontrada em: CUNHA, Susana. Cenários da Educação Infantil. Educação e Realidade. Porto Alegre.
v. 30, n. 02, jun/dez. 2005, p. 165 – 185.
48 Pokémon ou Pocket Monsters (literalmente, "monstros de bolso") é uma marca japonesa mundialmente conhecida que engloba
uma variada gama de produtos. Dividida em várias mídias, foi iniciada com os jogos eletrônicos de RPG Pokémon Red e Blue,
para o videogame portátil Game Boy, em fevereiro de 1996. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pok%C3%A9mon>
Acesso em 31/07/2013.
49 101 Dalmatians: The Series (no Brasil, 101 Dálmatas) é um desenho animado norte-americano criado pelos estúdios Disney,
sendo as figuras centrais do desenho, os 101 cachorrinhos da raça Dálmata.
50 Grifo meu.
63
Meninas negras, por exemplo, recusam sua etnia, desprezando seus atributos físicos,
talvez por serem diferentes das representações da Cinderela de Disney, loura e de olhos azuis, que
reina insistentemente nos cenários da sala de aula [e quando não, nas preferências das educadoras,
mas este já seria outro tema de pesquisa]. [...] Nessa sucessão de imagens semelhantes, o espaço
para o estranhamento, para as interrogações e problematizações é mínimo. O olhar conformado e
que se constitui nesses locais impede o trânsito para outros modos de ver. Educadoras e crianças
[também a sociedade] se acostumam com a regularidade de tais imagens. [...] São escassas as
singularidades que emergem em meio a estas imagens [...].
“Infâncias brasileiras [re]veladas?”51, Foto: Adriele Nunes, 2013.
Na foto denominada Infâncias brasileiras [ re]veladas?, localizo o que seria uma junção
de alguns dos pontos discutidos na imagem Como se encantado fosse!? quanto ao cenário, ligado
à natureza, com um aspecto forte de tranquilidade. Com alguns adendos quanto à não
representação de corpos de crianças de fato, mas de formas geométricas, mal feitas que
representam duas crianças, revela-se não apenas uma não correspondência com o real, como a
realização de um projeto de simplificação das formas complexas da natureza, mas também uma
confiança na força expressiva da forma geometrizada (Joly, 1994), como se quiséssemos
forçosamente que as crianças aprendam as formas geométricas básicas (triângulo, quadrado e
51 Título pensado por mim, fazendo referência ao título do trabalho.
64
circulo) e as cores primárias (azul, amarelo e vermelho) e secundárias (como o verde). Notou-se
a presença de uma estereotipia de gênero, já que, neste desenho, percebemos duas personagens
que nos remetem, respectivamente, a uma “menina” e um “menino”. As meninas são
identificadas com vestidos, lacinhos no cabelo e pintadas por inteiro de rosa, como se não
pudesse caber outra cor. Já o “menino’ teria um direito a uma maior variação de cores. Ele é
verde, sua camiseta é azul, seu boné vermelho e sua bermuda amarela, além da vestimenta ser
mais adequada ao tipo de esporte que se pratica nesta relação, possivelmente o futebol.
Constatamos que os temas relacionados às questões de geometrização dos corpos e sobre
as temáticas do gênero encontradas nos grafites nos muros, elaboradas por adultos, revelam às
crianças que os observam diariamente, e aos espectadores que transitam pelas calçadas de
Osasco, jeitos e modos de se desenhar a infância e os corpos humanos, ou desumanizados52
destas, cultivando formas de ver e expressar-se, reproduzindo juntamente de outros estereótipos
que valorizam atitudes sexistas e binaristas, inclusive por parte dos/as professores/as (devido a
uma série de questões, sendo uma delas a formação, muitas vezes “sucateada”, ou parcial, que
têm tido os/as professores/as, principalmente, da primeira infância).
Temos relações de gênero desiguais, que são construídas em sociedade e propagadas,
mesmo que implicitamente, para as gerações seguintes. Não é preciso anunciar. Esta relação
transmite-se pelo “silêncio”, pelas imagens, ações e falas que nos passam despercebidas
(naturalizadas) ou que são da ordem do imaginário social e subjetivo. A partir das relações
apontadas como desiguais, essa construção sexista e machista (injusta) passa despercebida pelas
professoras e demais componentes da organização escolar. Que inculcamentos, ou que
construções de feminilidade e de masculinidade estamos passando para nossas crianças nas
EMEIs, por intermédio de imagens como as divulgadas acima? E que marcas de feminino e
masculino construímos também em seus corpos e mentes?
De acordo com Daniela Finco (2003), mesmo que estas questões ligadas à temática do
gênero estejam implícitas no dia a dia das escolas e dissolvidas nas práticas pedagógicas, trata-se
de uma temática que está longe de ser discutida nos cursos de formação das professoras e
professores, e no âmbito das reuniões docentes e pedagógicas. A estudiosa (2003, p. 99) propõe-
52 Por meio da geometrização das formas humanas, desumanizando-as.
65
nos questionamentos como: “[...] o que significa não discutirmos as questões de gênero [...] Por
que a escola parece propor um ‘acordo do silêncio’?”. Podemos ainda dizer que, pelo fato de a
escola não ser neutra em relação às construções de gênero, a imagem 2 mostra-nos jeitos de ser
menina e de ser menino bem claramente, corroborando sutilmente com essa construção desigual
desde o início do processo de escolarização e desde instituições pré-escolares como as EMEIs.
Para além de ser possível, a desnaturalização dos estereótipos de gêneros é também
necessária para a constituição dos sujeitos (plenos, por vivenciarem características que seriam
atribuídas aos dois sexos, separadamente) e a ressignificação desses indivíduos como cidadãos
pensantes, críticos e protagonistas frente a questões não explícitas como a divisão dos gêneros,
que além de binarizar os sujeitos, os organizam de maneira desigual juntamente aos demais
preconceitos (seja de etnia, classe social, idade, por exemplo).
No intuito de modificar o quadro social sobre o gênero apresentado na segunda imagem,
pretende-se com esta pesquisa despertar para a necessidade de uma profunda transformação nas
bases do pensamento social, além de refletir o papel das EMEIs enquanto instituições educativas
atuantes na difusão do próprio modelo social e de preconceitos. Espera-se que a escola possa
oferecer bases para que a educação de meninos e meninas possa levá-los à reflexão crítica sobre
os papéis sociais atribuídos para mulheres e homens, e que esta reflexão incida no repúdio às
práticas de discriminação a qualquer pessoa.
As fotografias apresentadas e analisadas apontam para a ausência de uma participação
das crianças, das que estudam ou não nessas instituições. Há um desaparecimento da autoria das
crianças como desenhistas, produtoras de culturas e presentes nesses espaços estudados. No
entanto, ao refletirmos sobre os papéis das instituições educativas quanto à introdução de outros
pensamentos ou modos diferentes do “senso comum”, notamos uma divergência entre
possibilidades de mudança e repetição de estereótipos. Com traços reducionistas, há um
esvaziamento de sentido desses desenhos, pois os mesmos limitam-se a reproduzir o que está no
imaginário dos sujeitos. Por que continuar a legitimá-los e propagar ideias equivocadas e
arbitrárias sobre a infância?
66
6. GRAFITE X PIXO: O ato criador resiste e insiste, escapa.
A cidade sempre foi um lugar de encontro, de diferença e de
interação criativa, um lugar onde a desordem tem seus usos e onde
visões, formas culturais e desejos individuais concorrentes se
chocam.
David Harvey (2008, p.13)
Foto I – “Vamos Brincar!!!” Imagem: Adriele Nunes, 2013.
Foto II – “A leitura faz bem!!!” Imagem: Adriele Nunes, 2013. Foto III – “Preserve e natureza!!!” Imagem: Adriele
Nunes, 2013.
67
Foto V: “Re(s)peite os idosos!!!” Imagem: Adriele Nunes, 2013.
Foto IV: “Respeite os animais!!!” Imagem: Adriele Nunes, 2013.
“O ato de gravar desenhos em murais é uma atitude muito antiga, vem desde a época das
pinturas rupestres, no caso brasileiro, a mais antiga encontra-se na região de São Raimundo
Nonato, no Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí.”53
Aliás, a mulher e o homem
humanizam-se a partir do momento em que rabiscam as paredes das cavernas e esses riscos
passam a ter significados. Vimos que muro, parede, janela ou qualquer elemento da construção
pode ser transformado em tela ou em um suporte para o diálogo do artista com o público. Ainda
de acordo com o documentário, os artistas Poty, Caribé e Portinari na Sala dos Atos, no
Memorial da América Latina; o mural do Aeroporto de Congonhas/SP por Di Cavalcanti e o
53 Documentário. O mundo da arte: Cores urbanas, Maria Rabello, 2000.
68
painel de Clóvis Graciano na movimentada Avenida Paulista/SP. Acrescenta-se também a essa
lista o afresco54
de Rebolo em um edifício residencial em Higienópolis/SP, a obra de Maria
Bonomi (em uma igreja), a enorme lateral de um prédio por Tomie Ohtake, a obra de Cláudio
Tozzi no Metrô em São Paulo, Rubens Gerchman e demais cariocas, bem como o grande espaço
mitológico e religioso em Francisco Brennand. Esses artistas ao pintarem, entre outros motivos,
os indígenas, africanos e imigrantes, tornaram-se muralistas brasileiros, com obras espalhadas e
expostas por lugares como metrôs, fachadas de prédios e o Memorial da América Latina.
Espalhadas pelas cidades, essas obras corroboram com a formação do imaginário popular.
Porém, não apenas essas obras de artistas brasileiros consagrados formam o imaginário popular,
visto que, percorrendo a cidade, suas ruas, becos e vielas, encontramos imagens outras,
desenhos, grafites, pinturas e pixações que também contribuem com a formação imagética e
social dos/as transeuntes.
Seja de modo transitório ou permanente, a pintura mural como linguagem cria e reinventa
um lugar, “[...] particularizando ou personalizando aquilo que antes era um espaço neutro,
cotidiano, normal e corriqueiro.” (Documentário. O mundo da arte: Cores urbanas, Maria,
Rabello, 2000), atuando sobre o olhar dos transeuntes, estabelecendo outras e novas possíveis
relações do público com o meio, ao surpreender, intrigar, divertir, chocar, maravilhar, questionar.
Isto é possível ao observarmos as fotografias tiradas dos grafites dos muros da EMEI, localizada
em um bairro periférico chamado de Cidade das Flores, em Osasco, bem como as ampliações
realizadas nestas fotografias I, II, III, IV e V. A partir de um olhar panorâmico, notamos um
padrão no traço, na didatização das formas das personagens, uma vez que as quatro crianças e o
idoso representados são muito parecidos. Os olhares, sorrisos, cabelos, mãos, todos apresentam
certa felicidade e meiguice. Também não verificamos riqueza de detalhes nos traços observados.
Tratam-se de humanos fictícios, não-realísticos e vazios de um traço específico do próprio
grafiteiro. São vazios, inclusive, de qualidade artística.
São imagens que omitem, para tanto, outros modos de ser criança, trazendo uma ideia de
infância inocente, amena, não conflitante, nem opressiva, nem violenta, ou maléfica. Remetem a
uma “boa e universal infância”. Nota-se uma imposição dos adultos sobre o que as crianças
54 Afresco é uma técnica de pintura feita em paredes ou tetos rebocados enquanto a argamassa ainda está úmida. As tintas ou
pigmentos utilizados devem ser em pó, para facilitar a penetração na superfície.
Fonte:< www.edukbr.com.br/artemanhas/afresco.arp>, acesso em 03/11/2013.
69
devem ser, ver e aprender (é preciso que elas se identifiquem com este jeito de ser). Apresentam-
se estes enquanto desenhos estáticos, chapados, nada criativos ou elaborados, como se deixassem
de ser mimeografados no papel e passassem a ser mimeografados nos muros. Há um controle
velado, porque se espera que as crianças se identifiquem com essas crianças boazinhas, meigas,
simpáticas e padronizadas. Não há espaço para o diferente, para a heterogeneidade, característica
dos seres reais e humanos. Também se percebe uma imposição de gênero muito sutil, ao
constatar nas imagens que ao único menino da sequência cabe uma brincadeira e mostrar a
língua em um sorriso amplo, enquanto as meninas são representadas por imperativos
relacionados ao respeito, ao lado das flores e do gatinho, permeado por sorriso discreto.
Os modos de estabelecimento do controle exercidos pelas imagens podem apresentar-se
de modos explícitos ou velados. Muitas são utilizadas pelas instituições pré-escolares para
reforçar os ideais de bons comportamentos, servindo também como exemplos de modos
adequados às crianças. Cunha (2005, p. 172) afirma que: “A utilização das imagens funcionaria
como uma espécie de estratégia de convencimento, seja pelo temor ou pela simpatia provocados
nas crianças.”. Registra-se ainda uma naturalização da cenografia da infância escolarizada, como
no caso do conjunto das cinco imagens analisadas. A simplicidade desses desenhos expostos é
tanta que podemos pensar em uma ‘redução’ da capacidade dos próprios adultos que as
idealizaram.
Diante das possibilidades interpretativas das crianças espectadoras, mesmo das que
apenas estão passando pelas ruas com seus responsáveis, ou das que estão chegando na
instituição, há um diálogo entre criador, imagem (objeto) e espectador. Torna-se relevante o
diálogo entre essa tríade, ao pensar para quem ela foi idealizada. Nesse diálogo com a ‘obra’,
será que há um reconhecimento das crianças diante dos desenhos grafitados nesses muros? Que
funções estão cumprindo os grafites infantilizados e infantilizadores presentes nos muros de
instituições de EMEIs e em outros espaços pela cidade? O que têm educado? Que concepções de
infância têm revelado e velado, consequentemente?
Pelo menos, para mim, enquanto transeunte que também passa pela rua da instituição, sou
tocada (de modo questionador) pelo desenho a partir do momento em que fiz a disciplina que
estava diretamente ligada a essas questões apontadas ao longo do trabalho. No entanto, arrisco
70
dizer que, caso eu não fizesse a disciplina optativa, não teria dado tanta atenção aos desenhos
expostos muito menos demonstraria tamanha vontade em dialogar a respeito dos mesmos mais
aprofundadamente. Para além do registro imagético, encontramos nos desenhos cinco frases no
imperativo, seguidas pelas respectivas exclamações: “Respeite os idosos!!!”, “Vamos brincar!!!”,
“Preserve a natureza!!!”, “Respeite os animais!!!”, “A leitura faz bem!!!”. Mas é questionável a
necessidade de aparecimento dessas frases junto aos grafites feitos pelos adultos, já que as
mesmas apenas reafirmam a ideia da ilustração, não trazem outra ideia ou pensamento que
acrescente uma outra ideia às imagens. Por que essas frases? Se desenhos e imagens podem dizer
por si próprios, por que apoiar-se na escrita? Para quem seriam essas frases? Afinal, as crianças
da Educação Infantil ainda não foram alfabetizadas nas linguagens da leitura e da escrita?
Na observação das ruas e dos muros, deparei-me com os grafites e com as pixações
chocando-se em uma disputa entre o grafiteiro e o pixador, revelando a existência de uma luta
pela criação, que não é só da criança, mas que é própria do cidadão expulso do espaço público.
Assim como as crianças burlam as determinações de modelos de exclusão, os pixadores e
grafiteiros (representantes de manifestações visuais urbanas) também procuram locais para as
criações ficarem expostas. Quem pixa e quem grafita? O que é consentido e o que é
reivindicado? Na competição entre grafite x pixo, o ato criador resiste, insiste, escapa e registra.
Nas disputas de territórios entre pixadores e grafiteiros, permite-se o grafite, mesmo que
infantilizado e não dialogando com a infância e com a sociedade (embora o grafite já tenha
adquirido status artístico, o mesmo já entrou em galeria, está legitimado pelas instituições). Por
outro lado, o pixo é proibido e ainda assim resiste e aparece, mesmo sem sabermos o seu
significado, já que em muitos momentos a ideia é mesmo de desconhecimento frente às letras,
importando apenas a marca das mesmas, os registros e os códigos culturais relevantes dos
grandes centros urbanos como São Paulo, reveladores de uma busca por territorialização no país
e fora dele, como na capital grega Atenas.
Já no caso brasileiro, especificamente neste estudo sobre as manifestações na cidade de
Osasco, a pixação, enquanto símbolo de resistência e também de registro, comparece apagando
e/ou discutindo com o grafite e com a sociedade. Temos nos muros desenhos infantilizados,
supostamente para as crianças. Embora os muros das EMEIs sejam espaços legitimados
71
socialmente para esta produção, há uma disputa visível pelo registro na cidade, por autorias, por
marcas próprias de grupos. Portanto, não apenas os grupos infantis foram privados desta
possibilidade de autoria, como outros grupos também foram e, ainda quando o fazem, são
acusados de vandalismo sob pena de condenação judicial.
Ao passo que o grafite manteve vínculos com o mundo da arte, podendo ser mencionado
no universo da arte e da beleza, na contramão visualizamos a pixação. Como não é facilmente
assimilável, decifrável e guarda traços e jeitos de ser bem mais transgressivos, ela passa a ser
vista como uma intervenção anárquica. O objetivo (principal) é fazer as inscrições nos locais
mais inacessíveis, e experimentar o surto de adrenalina provocado pelo risco à segurança
pessoal. Arriscando a própria vida, paradoxalmente, aproxima-se de um extremo da sensação de
estar vivo e denunciando a sua própria existência para a sociedade que o ignora.
“A pixação, além de ser um complexo mecanismo de comunicação, é também uma forma
de expressar a revolta e a indignação com a falta de perspectiva do jovem pobre.”
(Documentário. A letra e o muro, 2002). Ao encontrar as pixações nos muros, identificamos que
as mesmas estão em lugares legítimos, estão se revelando e revelando suas/seus autoras/es (até
então silenciados) na sociedade. É o GRITO verborrágico de intervenção urbana, reivindicado
pelos que são diariamente oprimidos, principalmente oriundos das periferias, ganhando um lugar
de destaque: o muro, na cidade. É uma forma de resistir ao sistema que devora os que não
possuem tanto ou nenhum capital para participar do modo econômico voraz e dominante,
desenvolvendo sua própria voz, com características próprias, com funções específicas, sua
própria saída paralela à opressão e a dominação: “Na verdade, os oprimidos sussurram e desse
modo resistem, preservam e recriam seu mundo.” (Edmir Perrotti, 1982, p. 21).
Há uma disputa nos muros das instituições de EMEIs, inclusive por outros componentes
da sociedade e da cidade. Ao visualizarem-se apartados do uso e da apropriação da mesma,
conseguem ‘brechas’, como no caso os muros da instituição já grafitados. Os mesmos inscrevem
marcas e registros sobre os desenhos já grafitados, expressando-se, ainda que de modo agressivo
e invasivo.
72
“Pixação não é uma comunicação, ela é uma agressão, uma agressão à
sociedade. [...] Arte marginalizada, arte da pobreza, sentimento que ninguém quer ver,
que todo mundo fecha os olhos. [...] A pixação é ilegal mesmo e a essência está nisso, se
fosse autorizado, ninguém estaria fazendo. [...] QUE SOCIEDADE É ESTA, QUE
FORMA UMA GERAÇÃO INTEIRA DE JOVENS, QUE PRECISA SE EXPRESSAR
ATRAVÉS DA DESTRUIÇÃO55
?” (Documentário. Pixo, João Wainer e Roberto Oliveira
2010).
De acordo com a antropóloga Teresa Caldeira (2012, p.02), as pixações são imensas
manifestações públicas de intervenção urbana e produção artística “[...] há um processo artístico
e criativo na produção da marca do pixador, por exemplo, não é apenas um rabisco [...]”, trecho
do documentário Pixo. Trata-se de uma possível visibilidade de quem até então permaneceu e
ainda permanece na invisibilidade, muito semelhante ao processo de invisibilidade das crianças
pequenas e muito pequenas, já que praticamente existe uma quase não participação econômica,
cultural e artística das crianças e dos moradores de periferias. O ato de pixar consagra-se como
uma das possibilidades de firmar o direito à cidade dos que são afastados/oprimidos e/ou
sufocados por ela. Ao passo que as/os pixadoras/es revelam esta exclusão, também recusam uma
integração.
Nas cidades brasileiras, a segregação aumentou proporcionalmente na medida em que os
enclaves fortificados aumentaram. Aos que ficaram enclausurados nas fortificações, foi-lhes
conferido um indicador de status e estilo de vida, enquanto aos que se aproximaram dos espaços
públicos, coube o abandono (do espaço e dos indivíduos), criando-se inclusive espaços de tensão
e perigo nos momentos de encontros. A mudança das classes altas dos centros para as regiões
mais afastadas passou a refletir um maior temor à criminalidade, culminando em uma abertura
do centro aos moradores das periferias. Esses mesmos jovens de periferia passaram a circular e a
ocupar o espaço público de maneira transgressora e agressiva, imprimindo nele marcas,
reivindicando direitos e transformando-o em um lugar de lazer, ao fazerem isso: “trazem à luz as
desigualdades.” (Idem, p.04).
Para a autora, tanto o grafite como a pixação são gestos transgressivos e possuem origens
similares. Apesar de representarem modalidades diferentes de intervenção, no espaço público, a
coexistência de ambas é algo peculiar na cena paulistana. A maioria dos grafiteiros e pixadores é
55 Grifo meu.
73
composta por jovens, predominantemente do sexo masculino, originários de bairros não
elitizados e não centrais. Parte dos grafiteiros é de classe média e chegou a concluir curso
superior, mas raramente em instituições como a Universidade de São Paulo, (uma mostra do
caráter ainda elitizado desta instituição, de pouco alcance aos jovens de baixa ou baixíssima
renda). Já a maioria dos pixadores provém de regiões periféricas que cresceram em condições de
pobreza acentuada: “[...] sem terem tido pleno acesso a recursos institucionais, desde o sistema
escolar até os empregos regulares.” (Idem, p.05).
“Certamente, a pixação [...] tem a ver com deixar uma marca própria por toda a cidade. E
também não resta dúvida de que se trata de uma prática extremamente competitiva.” (Idem,
p.06). “Violência, competição, brigas, agressividade e adrenalina”, são elementos-chave entre as
turmas de pixadores. A pixação está ligada a algo feio esteticamente e a uma vontade de
destruição, gerando repulsa na sociedade. “Para os pixadores, porém, suas intervenções expõem
as características de um espaço público ao qual dispõem de poucas formas de acesso e no qual se
sentem forçados a impor sua presença.” (Idem, p.07). As pixações quase sempre são ilegíveis
para os que não participam do movimento. E não há, na maior parte das vezes, intenção de que
seja decifrável, pois na maior parte não transmitem mensagens, muito menos de natureza
política. No entanto, as pixações observadas nesta pesquisa dizem de si de modo legível, como
na assinatura em que se lê: “GURIAS”, ou como em outras frases: “segura a PIROKA” e “quem
tá que tá”.
É por meio de atitudes transgressivas como a pixação e o grafite que jovens, sobretudo
das periferias, se apropriam, mesmo que inadequadamente, do espaço público ou privado,
estampando na cidade a sua presença, ou a presença dos que deveriam se manter invisíveis.
Também será por meio do grafite, da pixação e de outros modos de produção cultural que jovens
da classe média baixa, principalmente das periferias: “[...] não só afirmam sua presença na
cidade, como passam a dominar uma produção própria de signos – por meio da pintura,
caligrafia, escrita [...]. Além disso, usam tais recursos de maneira agressiva para denunciar a
discriminação de que são alvo.” (Idem, p.07).
Esses jovens passam a se impor diante da cidade, representando a si mesmos, e expondo
muitas vezes as realidades e discriminações a que estão submetidos (as injustiças das quais são
objetos), denotando uma das consequências mais inovadoras da democratização brasileira;
reivindicando o direito à cidade, mesmo que de forma agressiva, transgressiva, arriscada,
74
excitante, e ilícita ao acatar a ilegalidade como algo ao mesmo tempo inevitável e desejável,
como se fosse um único lugar no qual os jovens de periferia pudessem se expressar,
considerando a cidade inteira uma tela.
Para Caldeira (2000, p.211), o processo de segregação espacial e social é uma
característica presente nas cidades. “As regras que organizam o espaço urbano são basicamente
padrões de diferenciação social e de separação.”. A mais recente forma de segregação social vem
sendo apontada nos recentes estudos, abrangendo diferentes grupos sociais próximos. Entretanto,
os mesmos estão separados por muros e tecnologias de segurança, não havendo interação ou
circulação em áreas comuns. Há o surgimento dos enclaves fortificados, a justificativa para a
existência dos espaços privatizados, fechados e monitorados é o medo do crime violento. A partir
desta nova configuração espacial, a livre circulação e a acessibilidade ficam prejudicadas. O
caráter do espaço público e a participação dos cidadãos na vida pública também são alterados.
Por este viés, sob a óptica das próprias pessoas que acordam de madrugada (3h, 4h...) e
constroem São Paulo e demais centros metropolitanos como Osasco, até que ponto elas estão
saindo de suas residências, das periferias onde moram para se aventurar além do ambiente de
trabalho, para outro modo de participação e construção da cidade? Em que medida a própria
cidade tem possibilitado isso (por meio de mais transporte, com mais qualidade e
preferencialmente gratuito, como nas discussões levantadas pelo MPL e pelas manifestações de
junho)?
As instituições educativas podem ser consideradas propriedades públicas para o uso
coletivo, mas que funcionam pela lógica das fortificações, pois estão cercadas por muros que
trazem grafites representando ‘bosques’ e animais encantados. Essas imagens denunciam a
intenção das instituições educativas, mencionada ao longo da pesquisa, de cercar e muralizar
realidades, como se a instituição educativa fosse um mundo a parte em relação ao mundo no qual
se vive. Esses enclaves são isolados e demarcados por muros, grades, dentre outras fontes de
fortificações. Os mesmos são voltados para o interior em contraposição ao externo, rejeitando a
vida pública, ao mesmo tempo em que são controlados por guardas e sistemas de segurança
(legitimando regras de inclusão e de exclusão).
Nesses espaços, teme-se a heterogeneidade e a imprevisibilidade das ruas (Idem, p.259).
A segurança e o controle estão sempre presentes, são condições primeiras para manter o outro,
75
ou os outros de fora, assegurando não apenas a exclusão como também a harmonia, a felicidade e
a liberdade. Podemos ainda refletir quanto ao fato das próprias EMEIs mencionadas funcionarem
como enclaves fortificados para a infância (por sabotarem a própria infância e as produções
infantis, boicotando seus registros, não permitindo as heterogeneidades e a evidência das
diversidades). Por sua vez, os demais sujeitos da cidade insistem em furar essa fortificação56
,
dialogando pelo pixo, fazendo-se presentes, usando o espaço e dizendo à sociedade: Vocês
tentaram me esconder da minha própria cidade, mas eu resisti, insisti, escapei, pixei e ainda
escrevi um eu existo, mesmo que pixado sobre o grafite que eu não reconheço como tal. E a
partir deste ato proibido eu passei a existir, burlando as regras.
Para a autora, São Paulo e regiões como Osasco são cidades de muros. Suas barreiras
físicas cercam espaços privados e públicos, sejam casas, parques, praças e escolas. Conforme a
elite se retirou para os enclaves, abandonando os espaços públicos para as pessoas mais pobres,
reduzindo a possibilidade de encontros de pessoas de diferentes grupos sociais, mudaram-se
também as rotinas, antes possibilitadas por encontros heterogêneos e abertos; enrijeceram-se os
conceitos pré-formados entre os diferentes grupos das diversas classes sociais; aumentou-se o
preconceito. Quando não há o convívio com o outro, passo a não mais saber quem é este outro,
mas sim ter uma ideia, muitas vezes pré-formulada sobre essas pessoas desta outra classe
econômica, diferente da qual eu pertenço. Em consequência, há restrições de movimentação em
uma cidade de muros. Assustadas pela possibilidade do crime, as pessoas saem menos à noite,
andam menos pelas ruas em determinados horários e localidades, evitam zonas proibidas. “Os
encontros no espaço público tornam-se a cada dia mais tensos e até mais violentos, porque esses
encontros têm como referência os preconceitos, os estereótipos e o medo entre as pessoas.
Tensão, separação, discriminação e suspeição são as novas marcas da vida pública.” (Idem, p.
301).
Para a pesquisadora, o ideal de cidade seria a que possuísse ruas abertas, com livre
circulação de pessoas e veículos, constituindo-se numa imagem viva de cidade moderna e da
vida pública urbana - circulação livre, encontros impessoais entre pedestres, o uso público e
espontâneo de ruas, praças e a presença de pessoas de diferentes grupos sociais, todos
partilhando dessa experiência pública de viver em uma cidade comum, encontrando e se
56 Grifo meu indicando a gíria “furar”, no sentido de entrar.
76
desencontrando. No entanto, sabemos que as cidades modernas têm como marca as
desigualdades sociais e espaciais e que seus espaços são apropriados diferentemente, a depender
da posição social e/ou do poder. A qualidade da vida pública é afetada. Por outro lado, segundo a
socióloga Carolina Caffé (2013, p.37), na periferia tem havido uma apropriação do território
público, que se difere das áreas ‘nobres’ da cidade. “A periferia guarda também a possibilidade
do novo!”57
, com a possibilidade de outro tipo de cidade e de modo de vida diferente do que é
reproduzido nos Jardins ou no Morumbi.
Nesta pesquisa buscou-se compreender o que é a rua “[...] quando pensada como um
espaço de risco e perigo por parte da população – e não de encontro e criação” (Carolina Caffé,
Rose Hikiji, 2013, p.21). Para Hamilton, em entrevista no livro Lá do Leste (2013), a rua bem
possivelmente será um lugar onde a arte acontece fora dos tão conceituados templos de cultura,
confluindo em um sintoma saudável de apropriação do espaço público, onde pessoas usufruem,
aproveitam e constroem o espaço da cidade por meio da arte. Cabe à rua o espaço para a
simbologia da resistência, da inovação, da força coletiva em oposição à domesticação. No
entanto, essas ideias divergem quanto aos grafites infantilizados discutidos ao longo da pesquisa,
pois os mesmos não resistem, não inovam, apenas domesticam os espectadores de pouca ou
muita idade.
Quanto à presença dos muros nas cidades, além de identificarmos uma função de
manutenção da segregação, podemos historicamente identificar muros com função de denúncia,
de exibição e de construção de arte engajada, política, espaço de lutas e de resistências (o que,
aliás, não deixará de ser resistente e político, quando tivermos as crianças desenhando nos
muros, provocando reflexões questionando a estética vigente), como no caso dos muralistas
mexicanos58
, que faziam arte questionadora vinculada à ideia da luta de liberação dos povos
coloniais. No período de 1921-1924, foi a primeira vez que o tema se plasmou às lutas
57 A citação pode ser encontrada em: BUENO, Maria. Artes plásticas no século XX: Modernidade e globalização. Campinas:
Editora da Unicamp, 1999.
58 “O movimento nasce logo após a Revolução Mexicana de 1910 e a estética dos artistas muralistas era generosa: trazer a arte
para a praça pública e abandonar o quadro de cavalete pelo mural, a serviço das ideias da revolução política por que passava o
país. Em todo o México foram pintados murais nos lugares mais variados, como palácios, igrejas coloniais, pátios e fachadas de
prédios ministeriais e modernos edifícios, escolas e museus.”. Disponível através do Documentário: O mundo da arte: Cores urbanas, Rabello, 2000.
77
proletárias, passando por uma consequente repressão, por parte do governo mexicano no pós-
revolução. “[...] múltiplas ‘cenas a céu aberto’ de quem os muralistas mexicanos e não só ‘os três
grandes’59
, representavam criações pictóricas, buscando uma estética nacionalista” (Eduardo
Alfaro, 2006), em oposição às influências academicistas e europeizantes, que firmavam suas
bases nas perspectivas lineares renascentistas, repudiando a arte de cavalete Maria Bueno (1999,
p. 87) e toda a arte que viria dos círculos ultra-intelectuais por serem demasiadamente
aristocráticos.
O muralismo mexicano surge a partir de uma multiplicidade de fontes banhadas por uma
série de referências, desde a arquitetura asteca até o grafismo da pintura indígena, ultrapassando
os limites da tela, prolongando-se para os muros. Os muralistas criam uma nova tradição estética,
diferenciam-se das elaborações pobres do realismo socialista60
, cuja única temática fixava-se nas
propostas revolucionárias. Ao romperem com o quadro normativo, os idealistas tiveram em
contrapartida uma retomada da vida e da experiência cotidiana, de onde passaram a extrair
inspiração e força. A arte moderna expressou uma quebra de identidade que repercutiu em
diferentes proporções nas sociedades a partir do século XIX. Mulheres e homens acostumadas/os
com normas e padrões para nortearem-se viram-se despojados de suas referências. “[...] passando
a contar apenas com si próprios e suas experiências particulares, para construir uma nova
conduta e uma nova identidade.” (Idem, p. 92).
Nos anos 1960, a maioria dos grafites impressos sobre os muros, em diferentes partes do
mundo, era feita por jovens de classe média, estudantes que: “[...] usavam o espaço público para
afirmar seu protesto contra a cultura estabelecida.” (Bueno, 1999, p.262). Protesto este registrado
por meio de frases como “Abaixo a ditadura”, no Brasil, ou em maio de 68, na França: “Quando
59 Os três eram: Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e Jose Clemente Orozco e sintetizam o propósito da linguagem na
experiência muralista mexicana permitindo uma visualização da tensão entre política e estética. [...] Rivera maneja uma
linguagem precisa e direta com um estilo realista, pleno de conteúdo social, e também se retrata nos seus afrescos monumentais,
como no painel Dia de finados (1924), no Palácio de Cortés, em Cuernavaca, prédio da Secretariade Educação Pública. Nele o
artista se coloca misturado entre os passantes. Siqueiros, por sua vez, faz pinturas inquietantes, com perspectivas de múltiplos
pontos de vista e ampliação dos primeiros planos, usando tintas industriais e pistola de jato, e se vale também da fotografia ao
usar um projetor para distender as imagens sobre a parede. Orozco dá a ver a dor e a desolação de um povo que busca se redefinir
como nação através de uma linguagem dramática, com uma paleta de terras, amarelos, brancos e profundos azuis que dão vida a
corpos em representações esquemáticas e que têm escondidos os rostos.”. Disponível através do Documentário: O mundo da arte: Cores urbanas, Rabello, 2000.
60 Expressão retirada de: BUENO, Maria. Artes plásticas no século XX: Modernidade e globalização. Campinas: Editora da Unicamp, 1999.
78
penso em revolução quero fazer amor” ou, “É proibido proibir”61
, nos Estados Unidos. A artista
plástica Bueno (1999 apud Eric Hobsbawm) menciona as caracterizações, aproximações e
diferenças nas pixações observadas em Paris e nos Estados Unidos, embora ambas fossem
anúncios públicos de sentimentos e desejos privados (mesmo parecendo que haveria um efeito de
rebelião em conjunto, a essência era a do subjetivismo). Assim, as pixações dos anos 1960
inovam ao destacar a subjetividade e a experiência pessoal como problemas políticos.
Já na década de 1970, os grafites revelam e trazem as questões dos jovens dos bairros
populares das grandes metrópoles. E, ao contrário dos sujeitos da década anterior, estes jovens
não tinham intenção política nem pornográfica, não pretendiam dialogar com a sociedade e
utilizavam-se do mecanismo do grafite apenas para se comunicarem. “Indiferentes ao público,
eram produto de uma cultura de guetos que se desenvolvia nas sociedades globalizadas.” (Bueno,
1999, p.262). Entre os grafiteiros franceses e nova-iorquinos, notamos traços em comum, já as
intenções e a expressões revelam-nos distintas. Em Nova Iorque, os grafites revelavam os sinais
da presença dos autores (que por sua vez deixavam suas assinaturas por todos os cantos). “As
marcas correspondiam a grupos, ou apenas a iniciais de nomes ou ruas onde moravam, mas eram
sempre uma forma de identificação, de assinalar escandalosamente a presença do autor.” (Idem,
p.263). A partir dos anos 1980, essas expressões transformaram-se em pinturas gigantescas que
preenchiam e enchiam os muros, circulando pela cidade.
Contraditoriamente em Paris, os grafites eram anônimos e “[...] ao contrário da violência
gestual e pictórica dos nova-iorquinos, teciam comentários sutis a respeito do espaço urbano.”
(Idem, p.263). Diversa também foi a recepção do público quanto aos grafites, já que enquanto os
franceses se detinham curiosos, observando e examinando as pequenas inscrições, os nova-
iorquinos se sentiam agredidos e temerosos diante daquela intervenção visual. Intervenção que
revelava, dentre outras marcas, a presença dos segmentos excluídos da sociedade, como se os
mesmos estivessem revelando à própria sociedade que “[...] nós existimos e estamos por todos os
cantos.” (Idem).
61 Idem, 1999.
79
Podemos ainda mencionar o caso do Muro de Berlim, que historicamente separou a
cidade entre as partes oriental e ocidental. Embora o muro ainda exista, o mesmo aparece como
um marco histórico e simbólico de algo que não queremos mais62
, estando grafitado e assinado
de ponta a ponta. Ao pretendermos relacionar esses fatos históricos com os nossos muros das
duas EMEIs em Osasco, buscamos ressignificar a ideia banalizada quanto aos muros dessas
instituições, remando63
contra a estética vigente de tijolinhos; ou de pinturas fazendo referência à
prefeitura atual; ou contendo rachaduras; ou mesmo, como no caso deste estudo, discutindo a
recorrência de grafites infantilizadores, simplistas, reducionistas, expostos nestas telas a céu
aberto, que parecem muito mais educar aqueles que são seus espectadores, de pouca ou muita
idade, para uma naturalização e universalização acerca da infância e das produções infantis
dispostos a surpreender, metaforizar, questionar, transgredir e até lançar questões para a própria
sociedade quanto à infância.
Os grafites infantilizados/infantilizadores presentes nos muros e sua recusa pela pixação,
revelam a exclusão a que estão sujeitas as meninas e meninos de pouca e pouquíssima idade,
bem como as/os cidadãs/ãos moradoras/es das periferias de Osasco, já que os mesmos muros que
ocultam as crianças e um possível aprendizado e diálogo com as mesmas são os reveladores da
contestação e revelia destas crianças, moradoras da mesma periferia osasquense que após anos de
exclusão e extirpação de suas potencialidades, revelam-se portadoras de diversidades e
individualidades, registradas nos mesmos muros que as extirparam. Estes referem-se a registros
históricos (já que o sss...pray não permite que se esconda tão facilmente seus vestígios) daqueles
que há muito são silenciados, pela cidade, sociedade, muros, instituições educativas,
impossibilitados desde muito cedo para a criação, a descoberta do traço, do registro, da marca
histórica, o que se revela nos muros das EMEIs em uma das periferias de Osasco.
62 Grifo meu.
63 Grifo meu.
80
7. “Atitude é com nóis! Tá ligado64
?!”65
A presente pesquisa teve como pergunta norteadora Arte no Muro: Infâncias brasileiras
[re]veladas?, tendo em vista que a questão foi parcialmente respondida. Por intermédio até de
outros questionamentos, pretendeu-se analisar desenhos grafitados infantilizadores pensados e
realizados por adultos nos muros de duas EMEIs na cidade de Osasco, São Paulo, despertando
ainda para o emblemático atrito entre grafite x pixação.
Andando ora vagarosa, ora rapidamente pela cidade de Osasco, percebo a ausência das
crianças e das criações destas, tanto nos muros das EMEIs como em outros espaços da própria
cidade. Onde poderíamos encontrar as crianças osasquenses e o que é criado por elas? Apenas
notamos a presença de grafites em alguns muros de instituições de Educação Infantil, que fazem
uma referência falaciosa à infância e às culturas infantis. Os mesmos não apresentam beleza
imagética. É uma visão que não nos agrada, que não é bem feita. São grafites infantilizadores,
caricatos, silenciadores de pluralidades, realizados e pensados ironicamente por adultos que têm
contato diário com as crianças pequenas e as invenções infantis. “Por que temos uma visão tão
restrita a respeito do bebê ou da criança pequena?”66
. Ao buscar respostas para essa pergunta,
percebi certo desconhecimento das próprias professoras, que trabalham diariamente nas
instituições educativas, frente às diversidades das infâncias na cidade pesquisada.
Reconhecemos as crianças como cidadãs de pouca idade, que se comunicam de múltiplas
formas, para além de uma única e exclusivamente verbal. Por que então não dialogar com elas,
diante de seus múltiplos e sofisticados modos de se comunicarem, além da forma exclusivamente
verbal e “adulto-centrada”. Ao desconsiderar essas concepções acerca da infância e ao observá-la
em uma posição de superioridade, de cima para baixo67
, passa-se a desconsiderar as
especificidades da infância olhando de modo “adultocêntrico”. Não há interação com a infância
64 Interjeição paulistana utilizada para fazer uma pergunta de um jeito mais descontraído e enfático, utilizada muitas vezes por
jovens e ‘manos’. Disponível em:< http://www.dicionarioinformal.com.br/t%C3%A1%20ligado/> acesso em: 01/09/2013.
65 Trecho da música: “Modinha”, do grupo de rap RDM.
66 Sandra Vargas, Grupo Sobrevento, caderno de campo, 22/10/2011.
67 Grifo meu.
81
ao, por exemplo, universalizá-la por meio de estereótipos, convencionando-se o que seja a
infância e o que supostamente julga-se ser próprio dela, sem ao menos questioná-la sobre a
veracidade de tal ideia ou pensamento. Essa posição “adulto-centrada” pode ser encontrada entre
os adultos que pensaram e executaram os grafites infantilizadores localizados nos muros das
EMEIs. Nota-se um desaparecimento da autoria68
e da possibilidade de criação que poderia
existir nesses muros, tanto por parte das crianças integrantes dessas instituições como dos adultos
que idealizaram os desenhos. Embora os muros sejam espaços de arte (de função política, de
lutas), de contestação, observados historicamente por provocar, questionar e resistir, no grafite
escolarizado apresentado na presente pesquisa, não identificamos esses pontos muito menos
identificamos a infância das crianças de Osasco.
Se as crianças tivessem seus desenhos contemplados nesses muros e demais espaços não
apenas ligados às instituições de educação, possivelmente teríamos muito mais aspectos das
infâncias brasileiras espalhados pela cidade. Ao comunicarem à cidade quem são por si mesmas,
o que pensam, seus gostos e preferências, elas revelar-se-iam à cidade e às/aos frequentadoras/es
da mesma. Assim, disponibilizar espaços nos muros para a produção infantil, dentre outras
possibilidades, garantiria um direito de resposta àqueles que se comunicam sem o uso da palavra.
Ao defendermos uma cidade para todos os habitantes (mulheres e homens, crianças e
idosos), estamos compreendendo a construção dos espaços a partir da participação destes, ou
seja, o direito à cidade enquanto possibilidade de transformação e apropriação da mesma pelos/as
seus/suas moradores/as. Não fechando, mas abrindo para outras possibilidades de estudo, a
cidade constitui-se em um grande patrimônio construído social e historicamente, tendo como
base uma apropriação de seus espaços de modo desigual e por meio de fortificações, refletindo a
política da renda (especulação) imobiliária ou ainda a localização (reveladora de uma política de
investimentos desigual e desinteressada). A prioridade dos bens e serviços, com obras bem
acabadas e bem servidas de infraestrutura, têm sido atribuída às áreas de maior valor imobiliário
(engenheiros e arquitetos reconhecidos e bem remunerados). Os bairros dos ricos costumam ser
muito bem servidos de amplos tipos de serviços (públicos e privados), enquanto que as periferias
ficam à mercê do velho e inesgotável clientelismo político, das promessas de melhorias, do
descaso, da miserabilidade e das creches conveniadas. “Como integrantes de um país da periferia
68 Grifo meu.
82
do capitalismo [...], as cidades brasileiras carregam uma herança pesada.” (Ermínia Maricato,
2013, p.20).
O direito à cidade entraria na recusa ao processo de afastamento da realidade urbana, da
negação, de uma segregação discriminatória. Trata-se de uma exclusão da participação política,
das decisões importantes e centrais para a cidade, indo além da simples garantia ao direito de ir e
vir. “O direito à mudança da cidade não é um direito abstrato, mas sim um direito inerente as
nossas práticas diárias, quer estejamos cientes disso ou não.” (Harvey, 2013, p.31). Ao
abordarmos a temática “direito à cidade”, falamos também em “direito à vida urbana”69
,
pressupondo o acesso para além do que a mesma oferece como já existente. Trata-se do direito
de mudar a cidade de acordo com as necessidades e vontades daqueles/as que por ela circulam ou
ocupam, [re]construindo-na de modo a pertencer a ela, refazendo-a e refazendo a si próprio.
Sendo a instituição educativa um abrigo temporário na sociedade contemporânea, as
marcas pessoais são deslegitimadas pelas/os docentes, coordenação e direção. São consideradas
sujeira e depredação, podendo resultar em penalizações e/ou suspensões. Assim, as marcas das
individualidades das crianças ficam restritas a espaços muito pequenos, como os cantinhos das
paredes, das mesas ou mesmo da lousa. Essa ausência do existir nas instituições educativas
refletem no modo como as professoras veem a infância, já que mesmo muito próximas às
crianças, as professoras de primeira infância deixam de visualizar as crianças como verdadeiras
delatoras de si, de seus desejos, gostos e vontades. Acabam por não dialogar com esses seres que
pouco se sabe a respeito70
e com as culturas infantis, desconsiderando as infâncias das crianças
brasileiras, negras, indígenas, latino-americanas, deficientes e produções como legítimas.
Também passam a educar os adultos de fora da Educação Infantil ao dizerem sobre a infância e
sobre quem são as crianças, hipoteticamente revelando as mesmas nos muros das instituições.
A partir das disputas de territórios entre pixadores/as e grafiteiros/as, permite-se que o
grafite, mesmo que infantilizado e não dialogando com a infância e com a sociedade, seja
legitimado pela própria instituição, que autorizou a feitura dos traços em seus muros. Na outra
69 Citações encontradas em: HARVEY, David. Urbania 3: A liberdade da cidade. São Paulo: Editora Pressa, 2008.
70 Grifos meus.
83
extremidade, é proibido o pixo, que resiste a tais proibições e aparece revelando a disputa por
territórios no país. Para tanto, constatamos que essas manifestações de traços urbanos estão em
lugares legítimos, revelando-se e revelando suas/seus autoras/es (até então silenciados) na
sociedade. É o GRITO urbano, reivindicado pelos/as que são oprimidos/as, propagado em um
lugar de destaque na cidade: o muro (consideram a cidade inteira uma tela). Pensamos aqui que
esses gritos ainda são oriundos de adultos (jovens) com memória recente, que integram uma
geração possivelmente educada nessas mesmas instituições e/ou delas também excluídas. E, ao
pixarem os muros, puderam ter acesso ao espaço, demonstrando seus desejos e indignações. Essa
pesquisa, contudo, procurou problematizar e fazer coro a outras pesquisas e pesquisadoras,
afirmando a presença das crianças em seus traços, tantas vezes subsumidos ao modo adulto de
pensar e agir, que esconde meninas e meninos e as respectivas marcas históricas, culturais e
sociais.
A reflexão que busquei fazer até o momento me levou à compreensão do que é a rua
quando pensada como um espaço de risco por parte da população, e não de encontro e criação.
Por meio de outras articulações (futuras pesquisas), pretendo também discutir a abrangência de
manifestações que lhes é própria, bem como pensar a rua como um lugar de resistência, inovação
e da força coletiva frente à domesticação. Estas são questões que reforçam o porquê de nosso
questionamento quanto aos grafites infantilizados e universais, caminhando na contramão dessa
força de questionamento que poderiam apresentar os grafites expostos.
Assim, para começar a conversa, já que não se pretende esgotar o assunto, esta pesquisa
teve a finalidade de incentivar a discussão (dentre outros pontos) sobre a segregação e a exclusão
nas cidades de fortalezas, discutindo também a comunicação, o registro e as marcas dos sujeitos
por meio destas expressões gráficas urbanas (como o grafite e o pixo). Trouxemos ainda a
discussão de outro momento histórico, na tentativa de estabelecer uma conversa com os
muralistas mexicanos do século XIX. Estes, banhados por uma diversidade de referências,
ultrapassaram os limites das telas e dos cavaletes, servindo de elemento teórico (na presente
pesquisa) para pensarmos e observarmos nossos muros, e, por que não, inspirando criação e
força junto às meninas e meninos desde que nascem.
84
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