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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH-III
PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E TERRITÓRIOS SEMIÁRIDOS – PPGESA
JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO
ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO
EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA
Juazeiro – BA 2019
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JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO
ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Departamento de Ciências Humanas do Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.
Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido
Orientador: Prof. Dr. Josemar da Silva Martins (Pinzoh)
Juazeiro – BA 2019
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N244e Nascimento, Jieli Brito Neves Escola Recanto do Pequeno Príncipe:estudo de caso em uma escola montessoriana. /. Jieli Brito Neves Nascimento. – 2019. 135 fl.: il. Orientador: Prof. Dr. Josemar da Silva Martins. Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Universidade do Estado da Bahia, Departamento de Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos – PPGESA, Campus III. Juazeiro-BA: 2019. Inclui Referências. 1. Método montessori. 2. Sistema de pensamento. 3. Currículo. 4. Cotidiano escolar. I. Martins, Josemar da Silva. II.Universidade do Estado da Bahia. III. Departamento de Ciências Humanas. IV. Título.
CDD: 372
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JIELI BRITO NEVES NASCIMENTO
ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE – ESTUDO DE CASO EM UMA ESCOLA MONTESSORIANA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos (PPGESA), do Departamento de Ciências Humanas do Campus III da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos.
Linha de Pesquisa: Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido
Aprovado em:____/___/_____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
Prof. Dr. Josemar da Silva Martins
Orientador/UNEB
____________________________________________
Prof. Dr. Josenilton Nunes Vieira
Membro Interno/UNEB
______________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Silva de Souza Ribeiro
Membro Externo/UNIVASF
______________________________________________
Prof. Dr. José Roberto Gomes Rodrigues
Suplente Interno/UNEB
______________________________________________
Profª. Drª. Elzenita Falcão de Abreu
Suplente Externo/UNIVASF
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Dedico à minha mãe. Dedico também a todas as crianças!
Dedico àqueles que me fazem olhar a criança com todos os meus sentidos: Meus filhos, João Miguel e Ana Gabriela.
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Agradecimentos
De início, agradeço Àquele que é a minha Paz...
“Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele
eternamente. Amém” (Romanos, 11:36)
Agradeço à Escola Recanto do Pequeno Príncipe na pessoa da Professora
Oscarlina Tanuri, que em todo o tempo manteve as portas de sua escola abertas a
me receber. Assim, também agradeço a cada professora dessa escola e às suas
coordenadoras Marnúbia e Tereza que sempre me ajudaram no desenrolar dessa
pesquisa. Agradeço à secretária Regina que nos últimos momentos me passou
informações muito importantes! Agradeço a cada pai que dispendeu do seu tempo
para participar e incentivar seus filhos a participar também. Agradeço a cada criança
participante direta ou indiretamente, sem elas não faria sentido o meu pesquisar!
Agradeço a todos os meus companheiros da UNEB, técnicos, professores, alunos...
colegas. Obrigada por cada um que me incentivou e propiciou a minha permanência
no mestrado. Aqui são muitos os nomes... são muitos os rostos que me vem à
mente, pedindo para não esquecer agradeço a Profª Drª Márcia Guena e ao Prof. Dr.
Edmerson Reis que, com muito carinho sempre apoiaram os meus projetos e
intentos. Agradeço aos colegas... Lucélia (In memoriam), Dinalva, Cleide, Rose,
Scarlet, Elenice, Elio, Marlúcia e em nome deles todos os técnicos da UNEB que
sempre me abraçaram como família! Agradeço aos carinhosos e dedicados
professores do DCH III na pessoa da Profª Drª Edonilce Barros que iluminaram
meus conhecimentos, mas também foram presentes em seus abraços!
Aos amigos construídos nessa caminhada do mestrado, o meu carinho e o meu
pedido de desculpas por me ausentar das redes sociais (risos)... mas a mim foi
necessário... grata pela riqueza da amizade de cada um. Obrigada por me ouvirem
compartilhar tantas e tantas vezes sobre Montessori (risos).
A Elenice e Mara...amigas para a eternidade! Vocês são mais que preciosas! A
Isaías por topar as parcerias que eu propunha... e dizer sempre “massa”!
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Ao meu orientador Prof. Dr. Josemar Martins... Pinzoh para todos nós, meu muito
obrigada por ser sempre acessível e gentil. Por confiar na minha escrita, confiança
que eu espero atender.
E enchendo ainda mais o peito para agradecer, agradeço à minha família! À minha
mãe, Edilene, que ao orar por mim todos os dias me fortaleceu o espírito para
chegar até aqui. À minha sogra, Rose, que me ajudou nesse período a não perder a
cabeça me ajudando a cuidar da casa e dos meus filhos. Ao meu esposo, Roger,
que me ouvia e alentava quando apoiados no travesseiro compartilhava minhas
aflições desses dias. Aos meus filhos, João Miguel e Ana Gabriela, que sem saber
me faziam refletir do porquê, para que e como trilhar este caminho...
À minha amiga Rê, Renata Passinho, enfermeira dedicada, que ao me apresentar
leituras sobre maternidade propiciou minha descoberta do Método Montessori, a
origem de todo esse trabalho.
Meu abraço, meus sorrisos, meu respirar profundo e leve de agradecimento a cada
um de vocês!
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Dizeis: É cansativo lidar com crianças.
Tendes razão. Depois acrescentais:
porque é necessário colocar-se no seu nível, abaixar-se, inclinar-se, curvar-se, fazer-se
pequenos. Agora estais enganados.
Não é isso o que mais cansa. É o fato de serdes obrigado a elevar-se à altura dos seus
sentimentos. Esticar-se, alongar-se, subir sobre a ponta dos pés.
Para não feri-las.
Janusz Korczak
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RESUMO
O presente trabalho de pesquisa teve como principal objetivo investigar se o currículo montessoriano produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares da Escola Recanto do Pequeno Príncipe, localizada na cidade de Juazeiro-BA, tendo como base a observação da sua prática cotidiana e as marcas da sua Cultura Escolar. A escola, instituição de ensino particular, utiliza o Método Montessori desde a sua fundação há cinquenta anos e está vinculada à Organização Montessori do Brasil. No referencial teórico, três foram as bases: os escritos de Maria Montessori (1965; 1985; 1990; 2003; 2004; 2006; 2015), focando nas suas obras já traduzidas para a língua portuguesa que tratam a respeito da criança em sua totalidade e não somente a respeito de como se deve desenvolver um método de ensino escolar; a análise de Pierre Bourdieu (1989; 1998; 2007) e Bourdieu e Passeron (1992) a respeito do conceito de habitus e do sistema de pensamento, o qual teria a capacidade de moldar os sujeitos; e a perspectiva acerca do currículo escolar apreendida através do cotidiano, tecida por Nilda Alves (2008) e Inês Barbosa de Oliveira e Nilda Alves (2010). A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, que explica, analisa e interpreta o fenômeno que se investiga, tendo como metodologia o Estudo de Caso de tipo etnográfico em educação, conforme André (2005). Para a coleta de dados foram utilizadas a entrevista semiestruturada, a observação e diários escritos pelos alunos. As entrevistas partiram de roteiros os quais eram distintos para cada grupo de entrevistados (alunos, professores, pais e demais funcionários escolares). Os diários foram entregues aos alunos para que os mesmos fizessem registros acerca do seu cotidiano escolar. A observação aconteceu de maneira direta, porém sem alterar a programação escolar. Fez-se registro de fotografias e anotações no diário de bordo. Utilizou-se da triangulação para a análise dos dados. O resultado alcançado por meio dessa pesquisa foi descobrir a riqueza do cotidiano escolar em uma escola montessoriana, quando analisada a sua dinâmica, o currículo e os sujeitos. No transcorrer metodológico, o campo de pesquisa foi redirecionando o foco, não mais apenas focado no sistema de pensamento de forma estrita, mas, descortinando novas indagações a respeito do ambiente e dos modos de fazer do Método Montessori no local pesquisado. Nos resultados foram apresentados trechos dos diários dos alunos, trechos do diário de bordo com relatos da observação, bem como trechos das entrevistas. Também foram levantados questionamentos a respeito do que vem a ser uma escola, discussões acerca da Forma Escolar, do papel e do futuro da escola. Traz discussões acerca do modo como se via e de como se vê a infância em nossos dias. Palavras-chave: Método Montessori; Sistema de Pensamento; Currículo; Cotidiano
Escolar
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RESUMEN El presente trabajo de investigación tuvo como principal objetivo investigar si el currículo montessoriano produce un sistema de pensamiento propio en los sujetos escolares de la Escuela Recanto del Pequeño Príncipe, ubicada en la ciudad de Juazeiro-BA, teniendo como base la observación de su práctica cotidiana y las marcas de su Cultura Escolar. La escuela, institución de enseñanza particular, utiliza el Método Montessori desde su fundación hace cincuenta años y está vinculada a la Organización Montessori de Brasil. El marco teórico, había tres bases: los escritos de María Montessori (1965; 1985; 1990; 2003; 2004; 2006; 2015), centrándose en sus obras ya han sido traducidos al portugués de negociación sobre el niño en su totalidad y no sólo acerca de cómo se debe desarrollar un método de enseñanza escolar; el análisis de Pierre Bourdieu (1989, 1998, 2007) y Bourdieu y Passeron (1992) acerca del concepto de habitus y del sistema de pensamiento, el cual tendría la capacidad de moldear a los sujetos; y la perspectiva sobre el currículo escolar incautada a través de la vida cotidiana, tejida por Nilda Alves (2008) e Inés Barbosa de Oliveira y Nilda Alves (2010). La investigación se caracteriza como cualitativa, que explica, analiza e interpreta el fenómeno que se investiga, teniendo como metodología el Estudio de Caso de tipo etnográfico en educación, según André (2005). Para la recolección de datos se utilizó la entrevista semiestructurada, la observación y diarios escritos por los alumnos. Las entrevistas partieron de guiones que eran distintos para cada grupo de entrevistados (alumnos, profesores, padres y demás funcionarios escolares). Los diarios fueron entregados a los alumnos para que los mismos hicieran registros acerca de su cotidiano escolar. La observación ocurrió de manera directa, pero sin alterar la programación escolar. Se hizo registro de fotografías y anotaciones en el diario de a bordo. Se utilizó la triangulación para el análisis de los datos. El resultado obtenido a través de esta investigación fue descubrir la riqueza del cotidiano escolar en una escuela montessoriana, cuando analizada su dinámica, el currículo y los sujetos. En el transcurso metodológico, el campo de investigación fue redirigiendo el foco, no sólo enfocado en el sistema de pensamiento de forma estricta, pero, desentrañando nuevas indagaciones acerca del ambiente y de los modos de hacer del Método Montessori en el local investigado. En los resultados se presentaron extractos de los diarios de los alumnos, extractos del diario de a bordo con relatos de la observación, así como extractos de las entrevistas. También se plantearon interrogantes acerca de lo que viene a ser una escuela, discusiones acerca de la Forma Escolar, del papel y del futuro de la escuela. Trae discusiones acerca de cómo se veía y de cómo se ve la infancia en nuestros días. Palabras clave: Método Montessori; Sistema de Pensamiento; Currículo; Cotidiano
Escolar
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Lista de ilustrações
Figura 01 – Maria Montessori com criança utilizando os Encaixes Metálicos...pág.
26
Figura 02 – Mapa da Bahia com destaque para o Território de Identidade Sertão do
São Francisco.....................................................................................................pág. 54
Figura 03 – Estantes com materiais montessorianos em uma sala de aula......pág.
70
Figura 04 – Pauta de aula em um agrupamento de crianças de cinco anos.....pág.
71
Figura 05 – Miniatura de uma sala montessoriana exposta no corredor da
escola............................................................................................................ .....pág. 72
Figura 06 – Lado externo da sala de aula da turma de 5º ano.........................pág. 76
Figura 07 – Lado interno da sala de aula da turma de 5º ano..........................pág. 77
Figura 08 – Crianças em escada na turma do NIDO (01 ano de idade)...........pág. 80
Figura 09 – Mesa com fruteira na turma do NIDO (01 ano de idade)...............pág. 80
Figura 10 – Criança utiliza material de encaixe com peças pequenas..............pág.81
Figura 11 – Crianças utilizando copo de vidro no momento do lanche.............pág. 84
Figura 12 – Estante de Vida Prática com jarras e potes de vidro......................pág. 84
Figura 13 – Criança utiliza material escolhido por ela........................................pág.
87
Figura 14 - Criança busca na estante material a ser utilizado por
ela......................................................................................................................pág. 87
Figura 15 – Diário da Aluna M. V. (10 anos).....................................................pág. 89
Figura 16 – Diário da Aluna M. V. (10 anos).....................................................pág. 89
Figura 17 – Diário do Aluno C. H. (11 anos)......................................................pág. 90
Figura 18 - Criança no pátio da escola..............................................................pág. 99
Figura 19 – Diagrama da reflexividade............................................................pág. 109
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Lista de quadros
Quadro 1 – Características Essenciais de uma Escola Montessori.................pág. 71
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Lista de abreviaturas e siglas
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
ECUSS Grupo de Estudo dos modos contemporâneos de existência em Educação, Cultura, Subjetividade e Sustentabilidade
ERPP Escola Recanto do Pequeno Príncipe
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
OMB Organização Montessori do Brasil
PPGESA Programa de Pós-graduação em Educação, Cultura e Territórios Semiáridos
PROEX Pró-Reitoria de Extensão
SEDUR Secretaria de Desenvolvimento Urbano
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNEB Universidade do Estado da Bahia
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 15 2 OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS 23 2.1 CONHECENDO O MÉTODO MONTESSORI, O CONDUTOR DE
NOSSOS PASSOS NESSA PESQUISA 23
2.1.1 O pensamento de Montessori no contexto das ideias pedagógicas da Escola Nova
23
2.1.2 A obra de Maria Montessori 26 2.2 APROPRIAÇÕES NA OBRA DE BOURDIEU PARA DISCUTIR O
MÉTODO MONTESSORI À LUZ DOS CONCEITOS DE HABITUS E SISTEMA DE PENSAMENTO
33
2.3 CURRÍCULO E CULTURA ESCOLAR SENTIDOS ATRAVÉS DO COTIDIANO
40
3 METODOLOGIA 46 3.1 ESTUDO DE CASO DE TIPO ETNOGRÁFICO EM EDUCAÇÃO 49 3.2 A OBSERVAÇÃO E AS ENTREVISTAS: INSTRUMENTOS PARA
A OBTENÇÃO DOS DADOS 51
3.3 O LÓCUS DO ESTUDO E OS SEUS SUJEITOS (ou O ESPAÇOTEMPO E OS PRATICANTES DESSE COTIDIANO
54
3.4 UMA METODOLOGIA EM BUSCA DA ESSÊNCIA 57 3.5 A PRÁTICA DA PESQUISA 58 4 RESULTADOS 60
4.1 O COTIDIANO E O CURRÍCULO DA ESCOLA RECANTO DO PEQUENO PRÍNCIPE
60
4.1.1 O cotidiano 60
4.1.2 O currículo e as práticas pedagógicas na ERPP 68
4.2 AS OBSERVAÇÕES, OS DIÁRIOS E AS ENTREVISTAS: OUTRAS LENTES PARA VER O MESMO OBJETO
75
4.2.1 As observações 75 4.2.2 Os diários 88 4.2.3 As entrevistas 91 4.3 A APREEENSÃO DO COTIDIANO ESCOLAR ATRAVÉS DE
CATEGORIAS DE ANÁLISE 93
4.4 O QUE VEM A SER UMA ESCOLA? O QUE ESTAMOS BUSCANDO AFINAL? DA TEORIA À REALIDADE
97
4.5 O QUE VEM A SER A INFÂNCIA? E SE AINDA É PRECISO PENSAR SOBRE ELA
103
4.6 A CEREJA DO BOLO! A RESPOSTA A NOSSA QUESTÃO DE PESQUISA
106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115 6 REFERÊNCIAS 124 7 APÊNDICE 129 8 ANEXOS 135
15
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65
16
“A criança é um descobridor: um homem que nasce de uma nebulosa, como um ser indefinido e maravilhoso, que busca sua
própria forma.”
A Criança – Maria Montessori
15
15
11
65
16
1 INTRODUÇÃO
Devido ao estilo de vida que se instaurou após as Revoluções Industriais com a
inserção da mulher no mercado de trabalho, antes pré-determinada pela sociedade
a cuidar da casa e dos filhos, a educação das crianças foi legada a terceiros, como
os avós, cuidadores domésticos ou grupais nas chamadas creches. De lá para cá,
em nossa sociedade cada vez mais presa ao ter, faltam horas no dia para dar conta
do trabalho, que traz não somente o sustento primário, mas também mantém todos
os mimos que o capital pode oferecer. Assim, faltam horas também para o cuidado
com as crianças e estas tem encontrado seu reduto nas escolas de Educação
Infantil.
O conceito de Educação Infantil – em paralelo ao das creches, das quais só se
requer cuidados elementares de alimentação e higiene – tem sido trabalhado por
teóricos ao longo dos anos e em várias partes do mundo, de Froebel a Rubem
Alves, os quais trazem abordagens psicológicas, sociológicas e mesmo filosóficas
para esta etapa, que não é apenas e tão somente de ensino, mas de educação, que
vai muito além de transmissão de conhecimentos, mas, abrange todas as áreas da
vida.
Considerando, portanto, esse quadro social da primeira infância, de crianças que
precisam de cuidadores, e, indo além da discussão se o correto seriam crianças da
mais tenra idade ficarem com seus pais em casa ou não, utilizemos um aspecto da
realidade contemporânea para análise: bebês que, a partir do fim da licença
maternidade de suas mães, necessitam de um lugar para ficarem e, quer esses
espaços sejam chamados de creche, escola ou hotelzinho, eles trabalham com
ferramentas educacionais de forma intencional (alfabetizando, por exemplo) ou não
intencional (ao cantarem cantigas ou promoverem jogos, por exemplo).
E, chegando tão cedo ao ambiente escolar, podemos considerar como instigadora
de discussão a declaração de Montessori (1990) de que a criança estaria condenada
a uma prisão [escola] da qual só se libertaria quando sua infância terminasse. Como
amenizar o impacto psicológico destas crianças ou como reverter esta situação em
um momento de grande aprendizagem, não de números e letras vazias de
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significado, mas, de uma aprendizagem da vida, da vida prática, como a própria
Montessori preconizou? A esta pergunta o currículo montessoriano nos parece
responder.
Educando para a vida, educar-se-ia para a natureza, para o conviver com o outro e
com o seu lugar. Educando para a vida prática desprender-se-ia das hegemonias
educacionais engessadas e padronizadas e abrir-se-ia espaço para a
contextualização com o meio em que se vive e se faz história. Estes são os
parâmetros do currículo montessoriano, que está distribuído em seis categorias do
conhecimento: Ciências, Geografia e História, Linguagem, Sensorial e Vida prática.
Deste modo, uma escola que se proponha educar para a vida teria o poder de
formar no indivíduo traços de personalidade e de conhecimento que lhe seriam
companheiros por toda a sua vida. A esse conjunto de normas e práticas denomina-
se Cultura Escolar que, segundo Dominique Julia (2001), permitirá a transmissão de
conhecimentos e a incorporação de comportamentos. A Cultura Escolar teria então
esse poder de moldar os indivíduos e ser moldada por eles.
O currículo de uma escola que busque romper com a ideia de que a Educação
Infantil é apenas mais uma e a menos importante da trajetória escolar é desafiador.
Considerando que a elaboração de um currículo nunca será desapaixonada de
sentido (GOODSON, 1995), a construção de um currículo adequado às reais
necessidades dessa faixa etária deve ser feita à luz de um profundo conhecimento
acerca da criança, trazendo para o mesmo o respeito que se deve ter por ela.
Todo currículo traz em si marcas e circunstâncias locais, temporais, culturais, sociais
e psicológicas, e estas marcas serão as responsáveis pela formação do sistema de
pensamento dos indivíduos do contexto escolar, os alunos, as crianças. Bourdieu
(2007) traz a afirmação de que os homens formados em uma mesma escola, em um
mesmo contexto, partilharão do mesmo “espírito”, do mesmo sistema de
pensamento e, com base nessa afirmação, parti para analisar as implicações da
educação montessoriana na formação de um sistema de pensamento.
Minha proposta inicial era analisar o sistema de pensamento em crianças que
haviam estudado todos os anos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I na
17
Escola Recanto do Pequeno Príncipe (ERPP) – que é uma escola montessoriana –
comparando-o com o sistema de pensamento de crianças que ingressaram na
escola há no máximo dois anos. Mas, durante o transcorrer da pesquisa deparei-me
com alguns desafios, mas também com alguns redirecionamentos que me fizeram
ampliar o objeto de análise. A comparação não foi feita, tanto pelo universo de
participantes ser composto por uma maioria de alunos veteranos, quanto pelo fato
de compreendermos que a riqueza da pesquisa estava não em comparar, mas, em
descrever como se dá o Método Montessori na ERPP, utilizando-se para isso dos
conceitos de Cultura Escolar, Cotidiano Escolar, Forma Escolar, Noção de Membro e
do Sistema de Pensamento.
Estruturei a escrita deste trabalho da seguinte maneira: este primeiro capítulo
introdutório; um segundo capítulo no qual são apresentados os fundamentos
teóricos da pesquisa, desdobrando-os em três principais objetos, o Método
Montessori cuja principal teórica é a idealizadora do método, Maria Montessori
(1990; 2003; 2004; 2006; 2015), os conceitos de Sistema de Pensamento e habitus
cujo principal teórico é Pierre Bourdieu (1989; 1998; 2007) e um terceiro enfoque
mais difuso sobre currículo, Cultura Escolar e Cotidiano Escolar, trazendo autores
como Dominique Julia (2001) para discutir Cultura Escolar, e Inês Barbosa de
Oliveira e Nilda Alves (2010) com os temas relacionados ao cotidiano escolar e
currículo.
Um terceiro capítulo no qual apresenta-se a metodologia detalhando-a em seus
métodos de abordagem e de procedimento. O quarto capítulo no qual apresento os
resultados da pesquisa, traz os elementos utilizados para a análise, fotografias da
escola, trechos dos diários dos alunos e trechos das entrevistas. Assim, realizando
uma triangulação dos dados foram tecidas as considerações a respeito de como se
dá o Método Montessori na ERPP, sob a luz da etnometodologia. O quinto capítulo é
dedicado às considerações finais, nas quais foram propostas também reflexões
acerca do modelo de escola que temos e o modelo de escola que gostaríamos de
ter.
O objetivo primário nessa pesquisa foi investigar se o currículo montessoriano
produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares. Os objetivos
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secundários foram estudar o currículo montessoriano e o conceito de sistema de
pensamento; Analisar como se dá a aplicação do currículo montessoriano na Escola
Recanto do Pequeno Príncipe (ERPP), localizada na cidade de Juazeiro-BA;
Perceber se a aplicação do currículo montessoriano implica na apropriação de
sistema de pensamento por parte dos sujeitos escolares (alunos, professores e
demais funcionários).
A motivação para essa pesquisa nasceu inicialmente no âmbito familiar, quando, ao
realizar leituras relacionadas à maternidade, descobri o Método Montessori. A
princípio interessei-me pelos aspectos mais populares do método, como o quarto
montessoriano, mas, posteriormente, encantei-me com a filosofia que constitui o
método, de propor outra forma de olhar a criança. A partir disso, direcionei o que era
restrito ao lar para o âmbito profissional.
Vi no edital de apoio a realização de eventos, promovido pela Pró-Reitoria de
Extensão (PROEX) da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), a possibilidade de,
ainda como técnica universitária, trazer o Curso de Introdução ao Método Montessori
para o Departamento de Ciências Humanas do Campus III da UNEB, pois, assim
não somente eu poderia conhecer mais sobre o método, mas, oportunizaria a outras
pessoas conhecê-lo também, o que sempre considerei fundamental.
Assim, estruturei um projeto de extensão intitulado Conhecer para Propagar –
Método Montessori, que propiciou a oferta do referido curso e, no ano seguinte, em
parceria com o Grupo de Pesquisa Estudo dos Modos Contemporâneos de
Existência em Educação, Cultura, Sustentabilidade e Subjetividade (ECUSS), já
como discente do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação, Cultura e
Territórios Semiáridos (PPGESA), realizamos o I Seminário de Escolas
Diferenciadas e Educação Inclusiva. O seminário também contou com
participação de público interno e externo à universidade e, dentre outros enfoques,
trouxe o Método Montessori como um de seus eixos.
Desse modo, estudar, pesquisar, compreender e difundir o Método Montessori
passou a ser o mote do meu percurso acadêmico e profissional e, por que não dizer,
pessoal.
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Considerando o Método Montessori uma abordagem que pode potencializar a
educação praticada nas escolas públicas ou particulares, e considerando o aparente
desconhecimento ou a superficialidade desse conhecimento acerca do método por
parte de muitos educadores, desenvolver pesquisa acerca do mesmo é, no mínimo,
instigador de novas possibilidades na educação e no olhar acerca da criança.
No que se refere ao que vem sendo escrito acerca do método realizei levantamento
no banco de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (CAPES), sendo encontrados 64 resultados para a chave de busca
Montessori. Neste número encontram-se 10 teses de doutorado, 48 dissertações de
mestrado, 04 trabalhos em mestrado profissional e 02 em cursos profissionalizantes.
Esse levantamento refere-se ao período de 1990 a 2016, sendo que 33 destes
trabalhos concentraram-se nos anos de 2009, 2011, 2013, 2014 e 2016.
As instituições com quantidade mais expressiva de trabalhos são a Universidade de
São Paulo, com seis; a Universidade Federal de Santa Catarina, com cinco; a
Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, ambas com quatro trabalhos. A Universidade do Estado da Bahia não
apresentou até o momento nenhum trabalho na pós-graduação que fizesse
referência à Montessori, sendo esta, portanto, uma pesquisa pioneira na instituição.
No portal de periódicos da CAPES foram encontrados 25 artigos para a chave de
busca Montessori, no entanto, a maior parte dos trabalhos aborda questões de
saúde, ou muito especificamente a aprendizagem matemática, ou casos de escolas
com o nome Montessori ou outras temáticas não necessariamente dentro da
proposta deste projeto. Ressalte-se que, em ambas as pesquisas, se utilizou chave
de busca para trabalhos em português considerando, no entanto, que a quantidade
de trabalhos que fazem referência a Montessori em outras línguas é bem mais
expressiva, com destaque para o inglês.
Dentre os trabalhos encontrados através da chave de busca destacam-se alguns por
trazerem abordagens mais próximas à proposta desse trabalho, de aprofundar-se no
método. Foi dado destaque para as palavras chave em cada trabalho. Nas
dissertações, por exemplo, fazendo companhia às palavras Maria Montessori,
Montessori ou Método Montessoriano foram encontradas palavras como Espaço
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Educador Sustentável (SILVA, 2014), Currículo (MORAES, 2009), Ambientes
Educativos (MORAES, 2009), Prática Pedagógica (NUNES, 2011), Ensino de
Conceitos (ALBUQUERQUE, 2016) e Desenvolvimento dos Escolares (BATISTA,
2011).
Nas discussões são feitas relações entre o Método Montessori e as proposições
feitas por outros teóricos como Freinet (NUNES, 2011), Dewey e Anísio Teixeira
(SILVA, 2014). Em sua maioria trazem uma descrição do movimento Escola Nova do
qual Montessori faz parte. Encontram-se comparativos entre o método e o ensino
em escolas tradicionais. Há também o destaque para o conceito de Educação
Cósmica (SILVA, 2014) abordado por Montessori.
Entre as teses que abordam o tema há as que trazem relação com a Pedagogia
Waldorf (SANTOS, 2015) e especificidades sobre a arquitetura escolar (ALVARES,
2016). Tanto entre as dissertações quanto entre as teses há trabalhos que trazem
apenas uma menção superficial ao Método Montessori ou ainda somente à Maria
Montessori sem aprofundamento (CLARO, 2015; NAWROSKI, 2010; COUTINHO,
2008; GOMES, 2011), refletindo assim um número muito reduzido de trabalhos
acadêmicos especificamente acerca do Método Montessori no Brasil.
Em buscas realizadas no banco de periódicos da CAPES também foram
encontrados artigos que versavam acerca do método com enfoques como, por
exemplo, o papel da professora1, da figura feminina no método (AVANZINI, 2010;
ARCE, 2001), o conceito de Criança Nova2 (ARAÚJO, Alberto; AVANZINI,
Alessandra; ARAÚJO, Joaquim, 2005), e reflexões acerca do que seria essa “utopia
científica”. Há também discussões sobre a diferença entre a subserviência e a
audiência da criança no método (SANTOS, 1991) ou ainda sobre a atividade da
criança versus a passividade do adulto (ARAÚJO, Alberto; AVANZINI, Alessandra;
ARAÚJO, Joaquim, 2005).
1 Aqui o termo é exclusivamente feminino, propositalmente, visto que Montessori dá à figura
da mulher-professora-mãe, a mestra, um status especial e um papel muito preciso no cuidado com as crianças. Sabendo-se, porém, que não há restrições para que homens exerçam a docência no método. 2 “A ideia de Criança Nova em Maria Montessori (1870-1952) resulta da confluência de duas perspectivas, a da pedagogia que se pretende afirmar como ciência e a do humanismo cristão.” (p. 1).
21
Fora do âmbito acadêmico, o Método Montessori tem ganhado repercussão na mídia
por alguns aspectos específicos, como o que se convencionou chamar de quarto
montessoriano. O quarto montessoriano é uma adaptação dos conceitos do método
à questões de decoração e arquitetura como deixar tudo acessível à criança sem
uso de berço e armários no alto, por exemplo. Além desse aspecto há comunidades
em redes sociais, sites e blogs que tratam do tema com enfoque na família, o que
também foi abordado por Montessori visto que o método dela propõe um
acompanhamento integral da criança no qual a família está totalmente envolvida,
pois o adulto preparado não se encerra no professor preparado, mas nos pais
preparados e todo e qualquer adulto que conviva com crianças.
O site larmontessori.com, de autoria de Gabriel Merched Salomão, por exemplo, traz
textos reflexivos sobre Montessori na família, bem como propõe curso introdutório ao
método. Há também a Escola Maria, site associado a este que apresenta formação
em Montessori para interessados da área de educação.
Já no âmbito da educação básica o Método Montessori é difundido no Brasil
principalmente na rede particular de ensino. A Associação Montessori do Brasil
(OMB) realiza congresso anual, além de apoio permanente às escolas vinculadas.
Possui 53 escolas associadas em todo o Brasil, destas, 14 estão no Nordeste, sendo
que somente a Bahia possui 08 escolas, estando entre estas a escola pesquisada.
A inserção do Método Montessori nas universidades brasileiras, como pode ser
observado pela quantidade de trabalhos versando acerca do tema, ainda é muito
tímida, o que pode refletir, por exemplo, a não difusão do método nos cursos de
Pedagogia ou Licenciaturas. Essa situação inclusive é passível de novas pesquisas.
Considerando a trajetória do Método Montessori no Brasil, temos notórios avanços
através das décadas. Já em 1909, apenas três anos após o início da primeira Casa
dei Bambini, o Brasil recebia através de Joana Falce Scarco, recém chegada da
Itália, o conhecimento acerca do Método Montessori em sua escola sediada no
Paraná. Anos depois, em 1924, o médico Miguel Calmon conseguiu a autorização
para traduzir a “Pedagogia Científica” na Bahia, uma iniciativa que ajudaria a difundir
o método no Brasil.
22
A partir de então buscou-se a difusão do método tanto em escolas públicas quanto
particulares e em 1950 teve início a Associação Montessori do Brasil - AMB. Em
1956 foi criado em São Paulo o primeiro programa de formação de professores do
Sistema Montessori. No ano de 1965, Talita de Almeida, que após realizar o curso
de formação na Itália passou a ministrar cursos no Brasil, impulsionada pelo próprio
Mario M. Montessori, funda a Associação Brasileira de Educação Montessori –
ABEM.
Somente em 1996 a Organização Montessori do Brasil, criada em 1992 durante um
congresso de educadores montessorianos na Bahia, foi reconhecida como
representante do movimento Montessori no país, unificando as escolas que seguem
o método. Fizeram parte das escolas sócio-fundadoras da organização seis escolas
baianas, dentre elas a Escola Recanto do Pequeno Príncipe, objeto deste estudo.
A partir de então a promoção de cursos de formação e eventos foi intensificada
propiciando a difusão do sistema por todo o país. Hoje há três centros de estudos
qualificados para ministrar a formação: um no Rio de Janeiro (Centro de Estudos
Montessori do Rio de janeiro), um em São Paulo (Centro de Estudos de São Paulo)
e outro em Santa Catarina (Centro de Estudos Menino Jesus).
Nos últimos anos, as mídias digitais intensificaram a difusão do Método Montessori
através de blogs, sites e redes sociais. No que tange à vinculação com o que outros
países vêm realizando, o Brasil também tem promovido eventos internacionais,
como encontros latino-americanos, por exemplo, fortalecendo as redes de
relacionamento e de conhecimento dentro do Método Montessori.
Este trabalho, portanto, marca um princípio nos estudos acerca do Método
Montessori na UNEB, bem como traz um esboço acerca da discussão dos modelos
e formas escolares diferenciadas.
23
2. OS FUNDAMENTOS TEÓRICOS
Jamais me pediu que acompanhasse o caminho que o coelhinho fazia para comer a cenourinha nem me deu flor para colorir.
Bartolomeu Campos de Queirós
2.1 CONHECENDO O MÉTODO MONTESSORI, O CONDUTOR DE NOSSOS
PASSOS NESSA PESQUISA
No intuito de apresentar o Método Montessori, opto por um percurso que se inicia
histórico e posteriormente teórico. De início, demarco o Método Montessori no
contexto do movimento da Escola Nova, em seguida esboço acerca de algumas das
suas principais obras.
2.1.1 O pensamento de Montessori no contexto das ideias pedagógicas da Escola
Nova
No final do século XIX temos o surgimento da Escola Nova, movimento que
deflagrou um novo modo de conceber a educação escolar. Como descreve Nawroski
(2010, p. 57) “A propagação da Escola Nova trouxe grandes reflexos para a
educação do mundo inteiro, pois ela conseguiu demonstrar a insatisfação e
ineficiência da Escola Tradicional, proporcionando um olhar ampliado sobre os
horizontes da educação”.
O aluno como centro foi a principal característica do movimento. E cada um dos
educadores que dele fizeram parte acrescentaram suas especificidades que deram
forma à Escola Nova (Nawroski, 2010). A educação por projetos, a elaboração de
materiais, a importância dada à observação, ao centro de interesse do aluno e a
valorização do trabalho em equipe constituíram, entre outros aspectos, a educação
que viria a desestabilizar o modelo tradicional.
Almejando romper com o modelo de educação tradicional cujo foco está na
obediência plena e indiscutível à figura do professor, o movimento da Escola Nova
pregava a autonomia e o respeito à individualidade do aluno, desconsiderando o
mestre como único detentor do conhecimento.
Entretanto, essas novas concepções não foram bem assimiladas por todos. A
Escola Nova recebeu muitas críticas:
24
Resta lembrar outros riscos dessa proposta: se a escola tradicional era magistrocêntrica, por valorizar demais o papel do professor, o escolanovismo minimizava esse papel – quase nulo nas formas mais radicais do não-diretivismo -, para tender ao puerilismo (ou pedocentrismo), que supervalorizava a criança; a preocupação excessiva com o psicológico intensificava o individualismo; a oposição ao autoritarismo da escola tradicional resultava em ausência de disciplina; a ênfase no processo descuidava da transmissão do conteúdo (ARANHA, 2006, p. 265 - grifos nossos).
A despeito da definição dada por Aranha, ainda que em seu texto se reconheça
também o valor da herança da Escola Nova, destaque-se a alegação de que nessa
linha pedagógica - e nela estão inclusos os pensamentos de Montessori – há
ausência de disciplina e descuido da transmissão de conteúdo.
Essas duas afirmações renderiam muitas explanações pois no que diz respeito a
Montessori a disciplina é uma constante, e associada à autonomia engrenam a
essência do método. Já com relação à transmissão de conteúdo, se considerarmos
a transmissão ao pé da letra realmente não há no método, no entanto, isso não
impossibilita a construção do conhecimento que vai além da recepção de
informações encerradas em um conteúdo pré-determinado.
Mas, infelizmente, a corrente escolanovista prevaleceu para muitos da sua época e
também posteriormente, como uma ilusão, um excesso de otimismo na escola, na
criança, e em um futuro melhor, o que seria criticado pelos teóricos que viam a
escola como mera reprodutora da sociedade cruel e antidemocrática, a exemplo do
próprio Pierre Bourdieu escrevendo acerca da reprodução e do habitus.
A educação pela ação e não pela instrução preconizada pelos escolanovistas
mantém o paradoxo do não ensinar, mas, fazer aprender. O que não seria suficiente
para a visão crítica da escola, que entende o professor como agente principal para a
libertação e não manutenção do status quo. “O papel do educador é intervir,
posicionar-se, mostrar um caminho, e não se omitir. A omissão é também uma forma
de intervenção” (GADOTTI, 2001, p.148).
Daí pode-se compreender o porquê do descrédito que a linha de pensamento
escolanovista e mais especificamente o pensamento de Montessori, mantêm na
academia, esta influenciada pelas teorias críticas da educação e mais diretamente
nos cursos de Pedagogia pela figura de Paulo Freire.
25
Não que venhamos aqui negar ou contrapor a reconhecida e renomada obra de
Paulo Freire, mas, considero que um não exclui o outro. Considero possível e
mesmo desejável a associação entre a importância e o respeito que se dá à criança
no Método Montessori e a autonomia freiriana. Como diz Rousseau em O Emílio
(1968, p.80) “observai cuidadosamente vosso aluno antes de lhe dizerdes a primeira
palavra”, assim o educador freiriano ou montessoriano partirão e partilharão do
mesmo princípio, ambos, consideram a criança e de onde ela parte como base para
prosseguir com qualquer outra instrução.
Reduzir a ação do professor sobre o aprendizado do aluno não é necessariamente
uma proposta de omissão, mas uma outra ótica de como pode se dar a relação
aluno – conhecimento – professor. Em uma escola tradicional na qual a sala de aula
possua apenas carteiras, quadro branco e livro didático, propor que um professor
apenas observe o desenvolvimento do aluno é sim um abandono da sua capacidade
intelectual e um lavar de mãos com relação à sua formação política e cultural, visto
que os livros didáticos estão carregados de preconceitos e direcionamentos
classistas, regionais etc.
Porém, em uma proposta de escola que se utilize do Método Montessori, em que o
ambiente é outro, onde há materiais que propiciem seu auto aprendizado e o
estímulo à busca de diversas fontes para a assimilação de conteúdos - com o não
uso do livro didático ou utilizando-o apenas como consulta e não como documento
diretivo da aula - está longe de ser conservadora ou acrítica, apenas dá à criança a
oportunidade de ser vista, ouvida e compreendida. Como vemos abaixo, deve-se
seguir uma sequência de preparação do ambiente, observação e cuidado
Portanto, esqueçamos o papel de carcereiros e tratemos, ao invés disto, de preparar-lhes um ambiente onde possamos, o máximo possível, não cansá-las com nossa vigilância e nossos ensinamentos. É preciso que nos convençamos que quanto mais o ambiente corresponde às necessidades da criança, tanto mais poderá ser limitada a atividade do professor. Contudo, não podemos esquecer de um princípio importante. Dar liberdade à criança não quer dizer que se deva abandoná-la à própria sorte, muito menos, negligenciá-la. (MONTESSORI, s.d. p. 43)
26
2.1.2 A obra de Maria Montessori
FIGURA 1 – Maria Montessori com criança utilizando os Encaixes Metálicos Fonte: http://correorecibido.blogspot.com.es/2012/08/maria-montessori-la-
pedagoga.html
Para Maria Montessori a educação deveria ser construída com base na evolução da
criança e não o contrário. A médica e educadora italiana tomou a criança como
cerne da educação e também da humanidade. Para ela a criança traz em si o
segredo da humanidade pura e voltada para a paz e que se perde pelas
interferências do adulto que tenta educá-lo sem compreender o seu momento, o seu
estágio de aprendizagem, o seu período sensível.
Analisou que a forma como vinham sendo educadas as crianças nas escolas era
uma forma arbitrária e quase punitiva “posteriormente, demonstrou que a criança era
vítima da fadiga estudantil, mártir desconhecida, condenada à pena perpetua, pois,
sua infância terminava no momento da conclusão da escola elementar”
(MONTESSORI, 1990, p.7).
A partir dessa mentalidade de que a criança deveria ser tratada de uma forma mais
respeitosa e seguindo critérios científicos para a observação, ensino e avaliação da
aprendizagem é que o Método Montessori foi desenvolvido. Ultrapassa—se assim a
ideia de que se deve ocupar apenas com as mentes já formadas, com a estruturação
27
de espaço para os adultos e passa-se a pensar em escolas e ambientes em que a
criança seja o centro.
Assim deve proceder o adulto, procurando esse algo desconhecido que se esconde na alma da criança. É uma tarefa na qual todos devem colaborar, sem diferenças de casta, raça ou nacionalidade, pois trata-se de extrair o elemento indispensável ao progresso moral da humanidade (MONTESSORI, 1990, p.25).
É na infância que se determina a personalidade futura do indivíduo e se as crianças
vão cada vez mais cedo para a escola, esta por sua vez passa a ter um papel ainda
mais importante na formação dos sujeitos. E seguindo a lógica a respeito da escola
elaborada por Maria Montessori, a escola passa a ter um papel ainda maior na
condução da humanidade.
Montessori não intentou criar um método, mas ao tempo que se dedicava a estudar
a criança, o seu método surgiu. Para fins biográficos podemos assim descrever sua
trajetória: mulher à frente do seu tempo que cursou medicina quando essa ainda era
uma função dominada pelo universo masculino; uma vez na medicina enveredou-se
pelos estudos e cuidados com as crianças deficientes, à época chamados de
anormais; com ótimos resultados entre os deficientes Montessori então, busca
demonstrar que seu método poderia trazer bons resultados a qualquer criança
“anormal ou normal”.
Assim, em 1907 Montessori abre a primeira Casa dei Bambini em um bairro popular
de Roma na Itália. A Casa dei Bambini seria posteriormente replicada em diversos
lugares do mundo. A lógica dessa casa das crianças nada mais era do que um lugar
no qual as crianças pudessem ter o que Montessori posteriormente chamaria de
bases para a “normalização” ou equilíbrio da criança entre os quais três elementos
podem ser destacados: o ambiente preparado, o adulto preparado e a
autoeducação.
A preparação do ambiente vinha através da mobília adaptada às dimensões da
criança, não simplesmente transformada em miniatura, mas pensada de maneira a
ser funcional, de maneira a convidar a criança a ser ativa e produtiva. Pequenas
mesas, poltronas, vasos com plantas, cortinas rendadas em pequenas janelas, tudo
o que tornasse aquele ambiente acolhedor e trouxesse dignidade àquelas crianças
que na primeira Casa dei Bambini careciam de tudo em seus lares.
28
O ideal de adulto preparado, nesse caso, não é aquele indivíduo que mais cursos
fez ou que viesse a ter mais leituras acerca da criança, educação etc., mas ao
contrário, esse adulto deve despir-se de toda autossuficiência e vestir-se de
humildade para reconhecer na criança o guia. Na primeira experiência da Casa dei
Bambini, a mestra, como assim Montessori a denominava, não tinha instrução
acadêmica alguma, o que foi propício para que não se tentasse aplicar teoria prévia,
mas somente deixar-se conduzir pelas crianças, que, uma vez em um ambiente
preparado, deixariam aflorar suas verdadeiras essências.
Já o princípio da autoeducação também pode ser evidenciado na experiência da
casa. Um exemplo disso é contado por Montessori, quando a casa recebeu a visita
de alguém ilustre da política, mas neste dia a casa estava fechada e a mestra não
se encontrava lá. No entanto, sem demonstrar dificuldade, as crianças que estavam
por perto abriram a casa e prontamente puseram-se a pegar seus materiais e a
trabalhar3 em perfeita ordem para admiração do visitante. E esse é apenas um
exemplo da dinâmica desenvolvida na casa na qual as crianças possuíam
autonomia e ordem ao mesmo tempo.
Montessori, após a experiência da primeira Casa dei Bambini, dedicou-se a
escrever, participar de conferências pelo mundo e treinar interessados para o que
ela entendia ser uma forma de salvar a humanidade4, guiando-se pelo espírito da
criança.
Três dos seus livros são considerados os mais importantes para se compreender o
método: A Criança (MONTESSORI, 1990), Mente Absorvente (MONTESSORI,
1985) e Pedagogia Científica (MONTESSORI, 1965). O livro A Criança traz escritos
3 A expressão “trabalhar” para o Método Montessori traduz a ação da criança ao interagir
com os materiais montessorianos, ou com os materiais da Vida Prática (copos, talheres etc.) ou mesmo ao realizar a escrita. Toda ação deliberada e concentrada da criança é um trabalho e assim deve ser tratado como tal. O trabalho nesse quesito opõe-se ao brincar, que por sua vez não tem uma finalidade pré-estabelecida. A criança, sob sua ótica, sentia mais prazer ao lavar pratos de verdade (trabalhar) do que ao fingir lavar pratos de brinquedo (brincar), isso considerando que a primeira ação fosse voluntária e não obrigatória, fazendo destaque ao sentimento de utilidade despertado na criança com essa ação. 4 A tão obstinada missão montessoriana de “salvar a humanidade” reflete o período histórico no qual Maria Montessori viveu (1870-1952). Tendo atravessado duas guerras mundiais, a busca pela paz lhe era muito cara. Por isso, em todo o tempo depositou sua esperança na renovação dessa humanidade, ora vista como corrompida, na criança.
29
acerca da criança de 0 a 6 anos apresentando as potencialidades que esta criança
tem e apontando a responsabilidade que o adulto possui ao não impedir o
desenvolvimento natural da criança, criança esta que segundo Montessori é o “Pai
do Homem”, a semente de toda a humanidade.
O livro Mente Absorvente (MONTESSORI, 1985) é considerado sua obra prima
mesmo sendo uma de suas últimas obras. Nele ela expressa as bases de seu
método e o apresenta como sendo a revolução sem armas que geraria um novo
mundo.
Em Pedagogia Científica (MONTESSORI, 1965) ou a Descoberta da Criança, título
original5, Montessori faz um detalhamento sobre como aplicar o seu método,
explicitando o que viria a compor o seu currículo: A linguagem gráfica; Numeração e
Aritmética; Desenho e Arte representativa; Música e Educação Religiosa. Cada um
desses eixos traz particularidades relativas ao método diferenciando-os da educação
convencional.
Mas além dessas três obras, dentre as suas obras traduzidas para o português,
encontramos o pensamento de Montessori descrito em outros dos seus livros como:
Para Educar o Potencial Humano (MONTESSORI, 2003); Da Infância à
Adolescência (MONTESSORI, 2006); Educação para um novo mundo
(MONTESSORI, 2015) e A Educação e a Paz (MONTESSORI, 2004).
Em Para Educar o Potencial Humano, Montessori esboça o que ela denomina de as
cinco grandes lições consideradas importantes para serem apresentadas às
crianças a partir dos seis anos utilizando-se da imaginação, a qual é diferente da
fantasia no método. A citação a seguir nos revela a lógica que há por traz dessa
diferenciação entre fantasia e imaginação:
5 Em 1909 Maria Montessori publicou o livro Pedagogia Científica como sendo o primeiro manual de sua obra, porém ao longo dos anos foi editando essa obra e quarenta anos depois o publica já bastante modificado alterando-lhe inclusive o título para A Descoberta da Criança, por considerar-lhe mais apropriado. Essa alteração do título na tradução brasileira, no entanto não ocorreu. Somente recentemente no ano de 2017 lançou-se no Brasil edição com o último nome legado à obra.
30
Assim como adultos encontram prazer em teatro dramático e literatura, esses contos de duendes e monstros dão prazer e movimentam a imaginação da criança, mas eles não têm qualquer conexão com a vida real.
Por outro lado, oferecendo à criança a história do universo, nós lhe damos algo cerca de mil vezes mais infinito e misterioso, para que seja reconstruído com sua imaginação – um drama que nenhuma fábula pode revelar (MONTESSORI, 2003, p. 21)6.
Em sequência a essa lógica o livro Da Infância à Adolescência apresenta mais
algumas lições que Montessori considera importante para a faixa etária dos 7 aos 12
anos. Dentre essas lições que vão da moral à química orgânica demonstra-se que
se deve apresentar à criança a relação entre as coisas e não meros eventos
isolados, numa perfeita contextualização. “Eis, então, um princípio essencial da
educação: ensinar os detalhes é oferecer confusão; estabelecer a relação entre as
coisas é oferecer o conhecimento” (MONTESSORI, 2006, p. 108).
Nessa obra Montessori dá ênfase à importância do convívio social que a criança
nessa faixa etária deve ter, valorizando a vivência mais que o estudo dizendo que
“estudar, não é viver, e viver, é precisamente o que é indispensável para poder
estudar”. (MONTESSORI, 2006, p. 162). Essa definição não nos é estranha pois a
contextualização e o tornar a educação mais próxima da realidade do aluno tem sido
um tema muito trabalhado nos últimos anos, no entanto, a prática desse discurso
ainda precisa ser intensificada. Assim se poderá vencer a realidade a tanto descrita
por Montessori e que ainda nos é corriqueira pois, “A escola deve significar algo
mais do que um lugar de instrução, onde um ensina para muitos, com sofrimento
para ambos os lados – a condução de um esforço com um mínimo de sucesso.”
(MONTESSORI, 2003, p. 115).
Em toda a obra de Montessori alguns temas são recorrentes e extensamente
trabalhados como a disciplina e a autonomia que embora pareçam antagônicos são
apresentados por ela como complementares. Assim, “para obter disciplina, ofereça
liberdade” (MONTESSORI, 2015, p. 100) nos soa como tarefa difícil, mas é uma das
bases do método. Devemos considerar de antemão, portanto que o conceito de
6 Nesta citação Montessori não desqualifica as artes ou a literatura ficcional, por exemplo,
mas oferece um campo mais rico que o da fantasia para o desenvolvimento da imaginação durante a primeira infância. Em outras palavras significaria oferecer o real para fazer surgir o inimaginável.
31
disciplina em Montessori passa longe do de autoritarismo, equívoco aliás cometido
pelos que conhecem o método apenas superficialmente e o julgam limitador.
Certamente que somos contra os programas de doutrinação que fazem do homem um escravo. Mas isso não significa, necessariamente, que sejamos contra a ordem e a disciplina que são as verdadeiras leis do gênero humano. Falo em nome de meu mestre, a criança (MONTESSORI, 2004, p.132).
Assim, Montessori defende que os sentidos de ordem e de disciplina já nascem com
a criança, e o adulto deve prover em seu ambiente essa ordem para que ela
transpareça no exterior e também no interior.
Buscando então sintetizar a essência do Método Montessori pode-se dizer que é um
equilíbrio entre a liberdade da criança e ação consciente do adulto. O método
apresenta uma forma diferente de ver a criança, uma forma não permissiva, mas
que também não é autoritária. Nada mais importante para esta fórmula então que o
espírito de observador que esse adulto deve ter. Pois para prover as condições
necessárias para que essa criança desenvolva seu potencial, o adulto deve observá-
lo.
Desse modo, tão importante quanto a criança montessoriana é o adulto
montessoriano. O adulto deve ficar atento a quais são os interesses da criança
Nas escolas tradicionais, damos-lhes tarefas que não lhes interessam, porque são muito fáceis. Devemos estudar e descobrir os limites de dificuldade da criança e descobrir o nível de dificuldade que melhor mantém seu interesse (MONTESSORI, 2004, p.105).
Isso justifica o modo como se dá uma aula montessoriana, na qual o aluno segue
realizando as atividades de seu interesse naquele momento e não uma atividade
solicitada pelo professor a todo um grupo.
A possibilidade de escolher suas próprias atividades a ajuda também a reforçar comportamentos que habitualmente pensamos não serem característicos da criança, o sentido de autonomia e de iniciativa, por exemplo (MONTESSORI, 2004, p.107).
Outro tema que permeia toda a obra de Montessori é o trabalho. O trabalho é tido
como essencial à vida, mesmo a vida infantil. É muitas vezes mal compreendido a
aplicação desse termo às crianças, mas no método ele ganha uma dimensão muito
profunda e edificadora. Dar à criança oportunidade de agir sempre no plano real,
32
varrendo uma sala, por exemplo, ao invés de fingir que varre com vassoura de
brinquedo, lhe proporcionará um maior prazer, uma maior autonomia e um melhor
envolvimento com o seu meio social, por exemplo.
Assim, aos que desconhecem ou principiam em conhecer o Método Montessori se
poderia apresentá-lo sinteticamente da seguinte maneira
Uma vez que algum interesse era despertado, elas repetiam o exercício em torno desse interesse, e passavam de uma concentração à outra. Quando a criança atingiu o estágio de ser capaz de se concentrar e trabalhar em torno de um interesse, os defeitos desaparecem; o desorganizado se torna organizado, o passivo, ativo; e o bagunceiro, um ajudante; então os defeitos são revelados como não reais, mas como características adquiridas. Então, nosso conselho às mães é oferecer às crianças trabalho em ocupações interessantes, e jamais interrompê-las em quaisquer ações que tenham iniciado. Doçura, severidade, medicação não ajudam efetivamente. Nós não somos paternalistas com a criança que incomoda, nem a chamamos de estúpida; isso não fará nenhum bem quando o que ela precisa é de alimento mental. O ser humano é naturalmente um ser inteligente, e precisa até mais de alimento mental do que físico. Diferente dos animais, ele precisa construir seu próprio comportamento a partir da vida e de suas experiências; e se firme nesse caminho de vida, tudo ficará bem (MONTESSORI, 2015, p. 98).
Conduzindo-se pelo Método Montessori a trilhar os passos dessa pesquisa, intentou-
se um aprofundamento acerca do método em sua teoria e descortiná-lo na sua
prática cotidiana, na escola escolhida como lócus. Observando como um método
que propõe um olhar diferenciado para a criança se dá no dia a dia da escola e
como isso influencia os sujeitos escolares. Essas foram, portanto, as duas outras
lentes pelas quais a realidade foi observada, a do cotidiano escolar com seu
currículo e sua cultura e a do sistema de pensamento, teoria de influência dos
sujeitos por parte do meio.
Acerca de influências sofridas pelos sujeitos, Montessori diz que:
A observação científica, então, estabeleceu que a educação não é o que o professor dá; educação é um processo natural espontaneamente desenvolvido pelo indivíduo humano, e é adquirida não por ouvir palavras, mas através das experiências que o ambiente proporciona (MONTESSORI, 2015, p. 19).
Desse modo, essa pesquisa se dá exatamente do modo como o Método Montessori
preconiza, privilegiando-se a observação, que Maria Montessori já denominava de
33
científica. Na busca por compreender as relações entre o ambiente escolar, a
criança e como se dá essa Cultura Escolar é que se desenvolveu este trabalho.
2.2 APROPRIAÇÕES NA OBRA DE BOURDIEU PARA DISCUTIR O MÉTODO MONTESSORI À LUZ DOS CONCEITOS DE HABITUS E SISTEMA DE PENSAMENTO
Almejando uma análise teórica acerca do que ocorre nas escolas que utilizam o
Método Montessori e especificamente na escola escolhida para realização desse
estudo de caso de tipo etnográfico em educação, a Escola Recanto do Pequeno
Príncipe, debrucei-me sobre alguns dos conceitos utilizados por Pierre Bourdieu
para definir a reprodução7 que se dá no sistema de ensino.
Essa reprodução se dá através de mecanismos internos e externos à escola o que
Bourdieu vai denominar de duplicidade funcional (BOURDIEU; PASSERON, 1992)
que vem a ser a conservação do sistema e da cultura (interna) sob uma exigência
externa de conservação. No caso estudado essa exigência externa de conservação
também pode ser compreendida como o próprio Método Montessori além da
estrutura social hegemônica que incide sobre a escola através de toda uma estrutura
idealizada pela mesma, mas que se transforma ou se produz e reproduz nesse
contexto escolar específico.
Essa relação é denominada por Bourdieu e Passeron (1992) como mediação do
habitus no qual as instituições escolares são produtos das estruturas, produtoras de
práticas que por sua vez são reprodutoras das estruturas. Desse modo o habitus
teria um duplo processo: o de interiorização da exterioridade e o da exteriorização
da interioridade. O habitus agiria como produto reprodutor daquilo que o produz.
7 Quando Pierre Bourdieu refere-se à reprodução o mesmo está abordando especificamente
o que viria a ser a escola como legitimadora da ordem social, ressaltando uma função política da escola. Assim o termo reprodução em Bourdieu tem uma abrangência muito maior do que a expressa e defendida nesse trabalho. A reprodução refere-se a uma ordem social macro, à economia, à política, aos campos definidos em Bourdieu como campos de atuação social com economias próprias. Assim, o campo educacional é um dos campos definidos por Bourdieu e dentro desse campo estamos definindo o que seria um subcampo, o do sistema de ensino baseado no Método Montessori e é a partir dessa perspectiva que essa pesquisa será conduzida.
34
O habitus preenche uma função que, em uma outra filosofia, confiamos à consciência transcendental: é um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepção desse mundo como a ação nesse mundo (BOURDIEU, 1998, p.144).
O equivalente grego para habitus seria a hexis aristotélica, termo que define o
estado da alma que nos faz seguir deste ou daquele modo, pois “a partir do
momento em que o agente adquire uma determinada disposição de caráter, esta
disposição se converte em uma segunda natureza da qual dificilmente conseguirá se
despir” (HOBUSS, 2010, p.227). Assim, buscou-se encontrar na instituição de ensino
escolhida esse habitus, essa hexis, e assim a pesquisa foi conduzida. Em busca do
que viria a ser um sistema de pensamento forjado nos sujeitos escolares, e mais
especificamente nas crianças que vivenciam esse contexto escolar, trilhou-se os
caminhos da pesquisa.
O conceito de Sistema de Pensamento, associado ao de habitus, cunhado por Pierre
Bourdieu, traz à compreensão uma análise da realidade cotidiana, dos sujeitos
escolares, professores, alunos e demais atores deste espaço, todos dotados do que
ele chama de um programa homogêneo de percepção, pensamento e ação. A
hipótese deste trabalho era a de que a escola montessoriana reproduziria esse
programa homogêneo através do método, no entanto mais à frente neste trabalho
explanaremos acerca de como se dá essa reprodução ou reposicionamento do que
vem a ser o produto do método influenciado por agentes externos ao mesmo, a
respeito do conceito que se tem do que seja uma escola, por exemplo.
Segundo ele os indivíduos formados em uma mesma escola (escola de
pensamento) trarão um mesmo sistema de pensamento a respeito do mundo. A
escola molda, programa os sujeitos8.
O que os indivíduos devem à escola é sobretudo um repertório de lugares-comuns, não apenas um discurso e uma linguagem comuns, mas também terrenos de encontro e acordo, problemas comuns e
8 No entanto, reconhecemos que há muitos buracos nessa imagem da mente, por onde
passam outros fluxos e influências que a constituem, numa dinâmica entre a interiorização da exterioridade e a exteriorização da interioridade.
35
maneiras comuns de abordar tais problemas comuns (BOURDIEU, 2007, p.207).
A escola teria então o papel de transmissora da cultura, quase sempre da cultura
hegemônica, que trará conceituações e vivências acerca das condutas e dos
pensamentos a serem seguidos. Bourdieu diz que essa tarefa de transmitir estes
conhecimentos e vivências nem sempre será consciente, mas por muitas vezes
também inconsciente.
Em oposição ao ensino tradicional, que toma a seu cargo a tarefa de transmitir a cultura integrada de uma sociedade integrada – ensino “total” capaz de preparar para estatus “totais” – o ensino especializado, capaz de transmitir conhecimentos e um saber fazer específicos, corre o risco de produzir tantas famílias “espirituais” quantas forem as escolas especializadas (BOURDIEU, 2007, p.217).
Uma vez que a escola tem o poder de transmitir um espírito comum aos seus atores,
a escola com ensino especializado teria ainda uma maior capacidade de unificar
esses pensamentos. A escola e seu respectivo sistema de ensino não transmitem
apenas letras e números, mas transmitem cultura e forjam para si uma cultura
superior, uma cultura cuja qual não tem concorrentes. Consciente ou
inconscientemente a escola protege-se das outras culturas que a cercam e
transforma a sua em superior.
A escola também forja uma hierarquia entre aqueles que detêm o saber e os que
apenas tiveram conhecimento acerca dele de uma forma simplificada ou por motivo
da aprendizagem de um ofício. Aqueles que frequentaram a escola, e a depender da
escola terão um grau de percepção mais apurado a respeito dos acontecimentos do
mundo desde os cotidianos até os referentes à macroestrutura.
Quando Bourdieu (2007, p. 229) diz que “Ter acesso à cultura é o mesmo que ter
acesso a uma cultura, a cultura de uma classe, de uma nação”. Ele demonstra o
quanto a escola tem influência na sociedade, demonstra o quanto ela é e pode ser
usada para os mais diversos fins que não apenas o de ensinar, mas, o de imprimir
os ideais que se deseja.
Assim, poderia o sujeito escolar inserido em uma instituição que utiliza o Método
Montessori, por exemplo, ter um ato desinteressado? Agir por si mesmo,
independente da estrutura na qual está inserido? Defendendo a ideia de que isso
36
não seria possível, à luz da sociologia, Bourdieu traz associado ao conceito de
Habitus o conceito de ilusio, compreendido como estar preso ao jogo, dar
importância, interesse, estar em (BOURDIEU, 1998).
E em tempo, antecipamo-nos aqui para indicar que os dados dessa pesquisa nos
mostram a evidência de que o conjunto permanece preso ao jogo – não somente o
jogo interno (Método Montessori), mas também o externo, cultura Escolar
Hegemônica. Ilusio seria então a “relação de cumplicidade ontológica entre
estruturas mentais e estruturas objetivas do espaço social” (BOURDIEU, 1998,
p.140).
O sujeito escolar estaria então envolvido na ilusio, através de suas estruturas
mentais e inserido nesse espaço social estruturado e estruturante.
Assim, a sociologia postula que há uma razão para os agentes fazerem o que fazem (no sentido em que falamos de razão de uma série), razão que se deve descobrir para transformar uma série de condutas aparentemente incoerentes, arbitrárias, em uma série coerente, em algo que se possa compreender a partir de um princípio único ou de um conjunto coerente de princípios. Nesse sentido, a sociologia postula que os agentes sociais não realizam atos gratuitos (BOURDIEU, 1998, p.138).
Para aquele que está fora do jogo, do contexto analisado, esse interesse daria lugar
então ao que Bourdieu define como indiferença. Para aquele que não recebeu as
regras do jogo e dele não se apropriou em suas estruturas mentais tudo é
indiferente, ele até pode participar do jogo, mas considerando tudo muito “normal” ou
tudo “dando na mesma”. Ao que se apropriou, que possui a ilusio, em quem há o
interesse, esse jogo ou essa realidade de um contexto específico lhe é motivadora
ainda que não perceptível intrinsicamente, daí o poder do habitus reprodutor e
produtor de estruturas.
Mais à frente neste trabalho podemos perceber a ilusio nas falas da diretora e da
coordenadora pedagógica, demonstrando que no jogo há os que possuem a ilusio,
mas também há aqueles para os quais as regras do jogo são indiferentes, a
exemplo, da funcionária de serviços gerais entrevistada ou mesmo de alguns alunos.
Apropriando-se então dos conceitos de habitus, sistema de pensamento e mesmo o
de ilusio, se buscou apreender no cotidiano escolar, nas percepções dos alunos, nas
37
definições dos professores e de outros sujeitos escolares até que medida “o habitus,
como indica a palavra, é um conhecimento adquirido e também um haver [...]”
(BOURDIEU, 1989, p. 61). O Método Montessori teria o poder de produzir uma
“família espiritual” ou apenas exteriormente, se aplicaria a uma idealização de um
sistema de pensamento pretensamente forjado?
Na realidade identificou-se que a experiência montessoriana, ao menos no contexto
estudado, mesmo se mostrando diferente em certos atributos, está presa ao jogo,
reproduzindo o mesmo habitus, a mesma ilusio, a mesma sociedade e sua estrutura,
o mesmo sistema de pensamento que a sustenta, o mesmo status quo. O sistema
de pensamento que se produz e se reproduz, pode não ser um sistema particular,
mas o mesmo espectro de uma sociedade e seu habitus/ilusio. Ainda que, como já
relatamos, haja as marcas de um jogo interno que se sustenta pela formação da
“família espiritual” montessoriana no interior da escola, o exterior é tão forte quanto e
se mantêm.
Há ainda outra reflexão a ser feita, considerando a afirmação de Bourdieu em seu
texto sobre a gênese dos conceitos de habitus e de campo “[...] a noção de habitus
exprime sobretudo a recusa a toda uma série de alternativas nas quais a ciência
social se encerrou, a da consciência (ou do sujeito) e do inconsciente, a do finalismo
e do mecanicismo, etc.” (BOURDIEU, 1989, p. 60).
A identidade do sujeito, ou o sujeito em si, seria então anulado? A consciência seria
então somente coletiva? Haveria então somente um “sistema de pensamento” e não
o pensamento único do indivíduo? Onde estaria a singularidade? São questões que
se encerrariam ao se adotar a concepção de Bourdieu. E, esse é um desafio à
compreensão no senso comum onde as individualidades são institutos já
sedimentados, principalmente numa visão psicologizante.
Nessa ótica em que o sujeito é praticamente uma ficção, em que o mesmo é
composto pelo que está à sua volta, pode-se também apropriar-se do que Deleuze e
Guatarri (2012) definem como rostidade:
Uma criança, uma mulher, uma mãe de família, um homem, um pai, um chefe, um professor primário, um policial, não falam uma língua em geral, mas uma língua cujos traços significantes são indexados nos traços de rostidade específicos. Os rostos não são
38
primeiramente individuais, eles definem zonas de frequência ou de probabilidade, delimitam um campo que neutraliza antecipadamente as expressões e conexões rebeldes às significações conformes (DELEUZE; GUATARRI, 2012, p.36).
Ou ainda podemos evocar o que Morin (2011) define como imprinting
Interdições, tabus, normas, prescrições incorporam em cada pessoa um imprinting cultural, frequentemente sem retorno. Por fim, a educação, através da linguagem, fornecerá a cada um dos princípios, regras e instrumentos do conhecimento. Assim, de todas as partes, a cultura age e retroage sobre o espírito/cérebro para nele modelar as estruturas cognitivas, sendo, portanto, sempre ativa como coprodutora de conhecimento (MORIN, 2011, p. 25).
Ambas as definições apontam para uma construção do ser, um devir que advém do
que é externo para a interioridade do sujeito.
Ainda que em cada um desses conceitos – habitus, Sistema de Pensamento,
rostidade, imprinting – haja certa “negatividade” no que concerne à sua essência
como que tornando-se responsáveis por uma “reprodução”, um emparedamento da
essência do indivíduo, forjando sempre no outro o ser do que domina, decidi por
mover esta pesquisa por outra via. A via da possibilidade desse outro, desse ente
que reproduz, que imprime e rostifica trazer influências que auxiliem positivamente
esse indivíduo na construção do seu ser.
O Método Montessori traz um conjunto de regras e padrões que pregam o respeito
ao outro e à vida como um todo, tendo portanto sua filosofia própria, o que podemos
ver na escola estudada por exemplo, com seu esforço em ser inclusiva e propagar o
respeito e a promoção da paz através de seus eventos, e atividades desenvolvidas
também em sala. Nesse sentido a escola auxilia positivamente aos sujeitos
construírem sua própria rede de valores.
Isso não significa, porém que todos os alunos que por ela passarem terão a mesma
ação e reação perante o mundo, mas todos foram influenciados igualmente para tal.
Ao mesmo tempo em que há essa inexorável influência, o sujeito ainda pode
transformar-se e transformar. Uma escola pode conscientemente agir contrariamente
ao sistema cultural, se entende que é importante mudar a cultura predominante.
Pode, portanto, oferecer aos sujeitos um outro conjunto de valores, além dos
predominantes. Esse pode ser um sistema de pensamento diferente. Mas os sujeitos
39
são formados por uma multiplicidade de valores e fazem suas próprias associações
e escolhas. Diríamos então que as escolhas são influenciáveis, mas não totalmente
induzidas, pelo menos não em um sistema de educação democrático, como o é o
Método Montessori.
O Método Montessori imprimiria sua marca de forma tão significativa? Para um
método que se estrutura desde o nascimento e prossegue pelos primeiros anos da
vida escolar indo até o “adulto preparado”, essa impressão poderia caracterizar-se
como o imprinting cultural de Morin? Ainda que o imprinting cultural não decorra da
ação de uma instituição isolada, uma escola. Ele é difuso no interior da cultura, cujas
diversas instituições o retroalimentam – vide exemplo do machismo.
O imprinting cultural inscreve-se cerebralmente desde a mais tenra infância pela estabilização seletiva das sinapses, inscrições iniciais que marcarão irreversivelmente o espírito individual no seu modo de conhecer e de agir. À marca indestrutível das primeiras experiências acrescenta-se e combina-se a aprendizagem indelével, que elimina ipso facto outros modos possíveis de conhecer. (MEHLER, 1974
apud MORIN, 2011, p. 30).
Para Bourdieu (1992), o sistema de ensino dissimula a verdade objetiva de seu
funcionamento produzido pela sua reprodução. Mas se a verdade objetiva do
funcionamento de um sistema de ensino centrado na criança e em uma educação
cósmica9, além de outros tantos pilares fundamentais e profícuos, utiliza-se dessa
“dissimulação da verdade objetiva de seu funcionamento”, esse ato não seria então
um orquestramento do bem em busca da reprodução de outros “bens”? Ou seja,
pode haver então um sistema de ensino que reproduza uma educação centrada na
paz, no bem comum, no respeito, a exemplo do que Maria Montessori sempre
propagou.
Se há algo de bom na escola, na educação, no ensino, nesse ou naquele método,
que se reproduza, que se rostifique com rostos lindos e radiantes da alegria de se
ter uma oportunidade de se vivenciar algo de positivo. Se quando os autores aqui
mencionados, Bourdieu, Deleuze e Guatarri e Morin escreveram e inscreveram seus
conceitos em suas obras não se pensou nessa argumentação, ainda assim acredito
não ser menos merecida a discussão. Que se conceitue, que se debata
9 A Educação Cósmica diz respeito a um dos pilares do Método Montessori que valoriza a interdependência dos conhecimentos.
40
teoricamente para se entender o empírico e se possa transformar realidades
reproduzindo-as sim, com consciência do que se está a fazer.
Antecipo aqui, que todo esse quadro de questões que envolvem as práticas
montessorianas na produção de outra “rostidade”, outra “noosfera” (MORIN, 2011),
outro quadro de valores, na intenção de compreender se os mesmos são
desindexados de um programa dominante ou não, são delineados no capítulo de
resultados.
2.3 CURRÍCULO E CULTURA ESCOLAR SENTIDOS ATRAVÉS DO COTIDIANO
Numa tentativa de localizar os estudos sobre currículo apresenta-se aqui um breve
histórico de sua trajetória iniciada nos Estados Unidos da América, mas
posteriormente muito bem desenvolvidos por teóricos e professores brasileiros.
As teorias tradicionais do currículo de cunho tecnicista e progressista tiveram como
marco inicial deste campo de estudo os escritos de Bobbit em 1918 que trazia uma
visão economicista. A racionalização dos resultados educacionais que deveriam ser
especificados e medidos produziriam o bom operário. Segundo Silva (1999, p.12)
“No discurso curricular de Bobbitt, pois o currículo é supostamente isso: a
especificação precisa de objetivos, procedimentos e métodos para a obtenção de
resultados que possam ser precisamente mensurados.
Taylor também trazia a escola tal qual indústria com forte ligação com a
administração. Em 1902, Dewey escreveu The child and the curriculum antevendo a
teoria de Bobbitt, porém já se preocupava mais com a construção da democracia do
que com a economia. Tyler expandindo o modelo de currículo proposto por Bobbitt
fez a relação de currículo com ensino, instrução e avaliação. Deste modo o currículo
tradicional apresentou-se como um primeiro rompimento com o currículo clássico. A
justificativa dava-se por conta da necessidade de treinamento de mão de obra para
a nova sociedade capitalista que aguardava mão de obra dócil e disciplinada sem a
necessidade dos conceitos filosóficos e da “cultura clássica”.
Tomás Tadeu da Silva (1999) também traz um panorama das teorias críticas em seu
livro Documentos de Identidade. A princípio apresenta os anos 60 como começo
dessa crítica, passando pelos reconceptualistas que apresentavam a primeira
41
insatisfação com os currículos tecnocráticos. Em um segundo momento, a crítica
neomarxista que traz ao currículo as discussões sobre relação de poder,
apresentando Henry Giroux que analisa o currículo pelo viés cultural, Paulo Freire
com a proposta de um currículo libertador, Michael Young com uma análise pela
ótica social e Basil Bernstein com uma análise do currículo baseada em códigos e
reprodução, finalizando com as análises acerca do que seria o currículo oculto.
Diante da apresentação dessas duas teorias (tradicional e crítica), observa-se uma
ruptura do pensamento conservador que refletia no currículo para um pensamento
crítico. A escola, local de ação do currículo por excelência, outrora condicionante,
onde alunos seres ausentes de luz, deveriam ser iluminados por seus ilustres
professores e que com total disciplina e afeição à ordem imposta e sem uma outra
finalidade daria lugar a uma escola reflexiva, na qual todos os seus atores têm voz.
Um currículo que se diz crítico não desconsidera o local da escola como reprodução,
mas problematiza-o, questiona-o e propõe novas perspectivas.
A escola tradicional ainda existe na prática em certa medida, quer sejam nos bancos
escolares públicos ou particulares, da cidade ou do campo, mas já não são todos os
que abaixam suas cabeças e a aceitam como verdade formadora e absoluta.
As teorias críticas trazem um outro prisma para a educação. Já não se propõe mais
a formação de mão de obra inconsciente do seu papel político, social e cultural.
Ampliam-se as visões de mundo, não se satisfaz com o determinismo econômico,
critica-se a visão progressista, politizam-se as discussões.
O currículo toma uma nova configuração e os sujeitos em sua formação saem da
passividade e passam a ter vez nos espaços que estão inseridos. Assim, a
desvalorização centrada nas condições impostas e na sua neutralidade são
reconduzidas através de uma prática transformadora na qual o social é considerado
e se produzem novas perspectivas para o ensino, para a aprendizagem e para a
educação.
Como categoria complementar à categoria do currículo em nossa pesquisa trazemos
a da Cultura Escolar. A abordagem trazida por Dominique Julia acerca da Cultura
Escolar é muito rica e instigadora. A escola deixa de ser vista como uma instituição
42
sem vida, com prédios que abrigam trabalhadores e receptores deste trabalho e
passa a ser vista como um ambiente vivo, influenciador e influenciável.
Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e
condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). (JULIA, 2001, p.10)
A lógica de se tentar apreender a Cultura Escolar considera os “sucessos” e
“fracassos” escolares como compreensíveis dentro do seu próprio espaço e não
somente como fruto da externalidade, do governo, da sociedade etc.
A Cultura Escolar juntamente com o currículo são campos de pesquisa cheios de
possibilidades na área educacional. O currículo é social e culturalmente construído.
O currículo é politicamente estruturado e sua contribuição para a cultura escolar é
indiscutível.
O currículo de uma escola constrói-se com o tempo e sofre alterações desse e
nesse tempo em que está inserido. O currículo será sempre construído e
reconstruído. O currículo será sempre passível de reformas. “O currículo tal como o
conhecemos atualmente não foi estabelecido, de uma vez por todas, em algum
ponto privilegiado do passado. Ele está em constante fluxo e transformação”
(GOODSON, 1995, p.7).
Desse modo não se pode dissociar Cultura Escolar de currículo e conforme afirma
Goodson (1995, p.8) “O currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas
de conhecimentos socialmente válidos”. Sendo assim a escola tem muito a contribuir
com a sociedade e essa relação é muito mais dialética do que de dominação e
hierarquia.
Neste estudo buscou-se apropriar (e mesmo sentir) essas duas categorias, Currículo
e Cultura Escolar10 por meio das redes tecidas pelo cotidiano. Considerando-se,
portanto a seguinte definição:
10 É certo que a conceituação de Cultura Escolar pode ser melhor explorada, principalmente porque Cultura Escolar é algo muito abrangente, que não se restringe a uma escola ou a
43
De nossa parte, e juntando-nos ao trabalho de Candeias (2001), o que pretendemos é evidenciar a necessidade de se compreender como os professores e professoras agem cotidianamente na busca de levar os seus alunos à aprendizagem, que elementos criam a partir de suas redes de saberes, de práticas e de subjetividades, como criam os seus fazeres e desenvolvem suas práticas em função do que são. Essa é, talvez, a questão central hoje nos estudos curriculares voltados para o cotidiano (ALVES; OLIVEIRA, 2010. p.94)
Em busca dos sons, dos cheiros, dos gostos, do que possa trazer como se dá a
prática cotidiana de alunos, professores e demais funcionários na escola
montessoriana escolhida é que se mergulhou e não somente se “viu” ou se
“percebeu” como essas práticas se dão. Referenciando-se em Alves e Oliveira que
dizem que “É esse envolvimento dialógico que nos leva a falar em mergulho e não
em observação porque sabemos que a vida cotidiana desses e dessas praticantes
não se reduz àquilo que é observável e organizável formalmente (OLIVEIRA;
ALVES, 2008, p.10)”.
Assim, nesse ponto os referenciais teóricos se encontram com a metodologia, pois
Propõe-se, dessa forma, a inversão da polarização moderna entre teoria e prática, passando-se a compreender o espaço prático como aquele em que a teoria é tecida. Tal proposição, ao reconceituar a prática como o espaço cotidiano no qual o saber é criado, elimina as fronteiras entre ciência e senso comum, entre conhecimento válido e conhecimento cotidiano (LOPES; MACEDO, 2010 p. 37)
Entendeu-se que a observação do cotidiano e a pesquisa de tipo etnográfico em
educação trazem semelhanças nas quais os espaços e os tempos, ou ainda
espaçostempos11, segundo Nilda Alves, trazem em si as marcas de toda a vida
escolar. E esse mergulho no que é tão multicolorido (OLIVEIRA; ALVES, 2008), no
que é tão diverso, e que por vezes nos parece banal, mas que na verdade guarda
tesouros, pode levar o pesquisador a um “afogamento” como diz Taveira (2008) o
que exigirá maior organização na transcrição desse universo tão expandido. Pois,
uma rede de ensino, mas cobre todo o imaginário social onde se ancoram as instituições escolares e suas práticas. E há um vínculo fundamental entre o conceito de Cultura Escolar e Forma Escolar, como algo bem mais embrenhado na cultura geral de uma sociedade. 11 Utilizou-se o termo conforme definição de Nilda Alves em todo este trabalho, por entender que o mesmo reflete as ideias aqui expostas.
44
Fazendo a observação nos mais variados espaços e tempos do cotidiano da escola, na entrada e na saída do turno, na hora do lanche, no pátio, nos corredores, em sala de aula, vai-se obtendo uma tal quantidade de informações que de início, tem-se a idéia de que, ao “mergulhar” vamos nos “afogar” (TAVEIRA, 2008, p.121).
Nesta pesquisa se mergulhou no cotidiano de duas maneiras, houve o mergulho da
parte de quem pesquisa e também o mergulho nas impressões dos praticantes
desse cotidiano, alunos, professores e outros funcionários da escola o que
possibilitou um número e uma qualidade melhor de olhos, ouvidos, pés e mãos a
sentir e expressar o que se passa nesses espaçostempos.
Por meio da observação se conseguiu experienciar esses espaçostempos nos
corredores, no portão, no pátio. Por meio dos diários mergulhou-se mais fundo na
sala de aula e também em cada um desses espaçostempos vivenciados por seus
praticantes.
Na escola, a chamada ‘sala dos professores’ e a conhecida ‘hora do cafezinho’ exercem uma importância capital na troca de experiências vividas, na sala de aula ou em outros espaçostempos, para os
professores/professoras. Já o ‘portão da entrada’ da escola ou o ‘pátio de recreio’ representam esse mesmo papel para os alunos/alunas (ALVES, 2008, p.35).
Uma escola é um universo complexo tanto pela sua estrutura quanto pela sua
essência. Sua estrutura formada pelo físico reflete também sua estrutura ideológica
projetada pelo seu currículo. E sua função ou o que se idealiza dela constituem sua
essência, que diluída em cada um dos seus envolvidos se dissipa na sociedade
quase que numa metáfora em que a escola seria um frasco de perfume e sua
essência todo esse conteúdo. Seu aroma assim como o do perfume agradará a uns
e a outros não, no entanto, todos sentirão o seu cheiro, pois ele simplesmente se
esvai no ar que respiramos. Para além da discussão do papel e da importância da
instituição escolar, é certo que sua influência se dá nos mais diversos meios sociais
nos quais a sociedade letrada12 está envolvida.
Assim, nessa complexidade que é o universo escolar, se chamou o foco nessa
pesquisa para um universo escolar específico: o da escola montessoriana.
12 Quando me refiro a sociedade letrada nesse ponto não faço juízo de valor se esta é melhor ou pior que outras sociedades de cultura oral, por exemplo. É somente uma explanação acerca da influência que a escola possui.
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Como se percebe em toda a teoria acerca do Método Montessori apresentada, Maria
Montessori não idealizou exatamente uma escola. Antes de pensar em uma escola,
ela pensou na criança. Pensou em qual seria o ambiente mais adequado para uma
criança desenvolver-se livremente, fosse esse ambiente a sua casa, ou a escola o
que resultou na Casa das Crianças, uma escola/casa onde a criança seria o centro
de cada atividade.
Ela pensou em como os adultos que convivem com essa criança deveriam olhar
para ela, em como deviam respeitá-la e como deviam perceber que cada um dos
seus atos e mesmo a ausência destes, traz influências para a formação desse
homem a se formar em cada criança.
Pensar em sistema de pensamento formado nos indivíduos escolares em uma
escola montessoriana é ir além da mera observação do que se passa no hoje de
cada uma dessas escolas ou mais especificamente da escola estudada. Utilizando-
se da definição de espaçostempos pode-se dizer que esses espaçostempos da
escola montessoriana perpassam toda a obra de Montessori desde sua idealização
até agora, mas como também pode ser observado, esses espaçostempos trazem
em si um pouco das reminiscências do que cada indivíduo trouxe das suas
experiências com a escola convencional em outros tempos e em outros espaços.
46
3 - METODOLOGIA
“A inteligência da criança observa amando e não com indiferença – isso é o que faz ver o invisível.”
Maria Montessori
A proposta metodológica desse trabalho partiu de uma análise qualitativa, apoiado
na etnometodologia, utilizando-a como metodologia, mas também como parte da
fundamentação teórica na sustentação dos resultados, com características de
estudo de caso de tipo etnográfico em educação, conforme exposto em André
(2005). Segundo Alain Coulon (1995), “a etnometodologia vai tentar compreender
como é que os indivíduos veem, descrevem e propõem em conjunto uma definição
da situação”. A etnometodologia busca conhecer os etnométodos dos sujeitos.
Sendo assim, essa pesquisa moveu-se nesse sentido, buscando ver, descrever e
intentando definir a situação estudada.
O presente trabalho também buscou desenvolver a pesquisa tomando como base o
cotidiano de toda a escola e não somente o que se passa na sala de aula.
Considere-se que essa é uma tendência, conforme explicitado por Dal-Farra e Lopes
(2013) que apresentam o deslocamento das pesquisas da sala de aula como
laboratório nas décadas de 1960-70, para as pesquisas realizadas com foco no
cotidiano escolar, a partir das décadas de 1980-90.
Essa perspectiva de análise do cotidiano escolar e mais especificamente da Cultura
Escolar também pode ser encontrada em Julia (2001) e foi um dos pilares
metodológicos adotados. Pois “(...) poder-se-ia descrever a cultura escolar como um
conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar
(...)”. (p.10).
Considerando-se o lócus e os sujeitos escolhidos, o conceito de Cultura Escolar
permeou os percursos dessa pesquisa na qual se buscou reconhecer nos discursos
verbais e não verbais, as marcas e a materialização do que viria a ser o currículo
montessoriano para cada um desses sujeitos envolvidos. Assim “A cultura escolar
desemboca aqui no remodelamento dos comportamentos, na profunda formação do
47
caráter e das almas que passa por uma disciplina do corpo e por uma direção das
consciências” (ibid, p.14).
A escolha do método qualitativo se baseia em Dal-Farra e Lopes (2013) que expõem
que “As potencialidades qualitativas incluem a capacidade de gerar informações
mais detalhadas das experiências humanas, incluindo suas crenças, emoções e
comportamentos (...)” (p.72). Considera-se então a escolha nessa pesquisa de
trabalhar com essa metodologia, associando os estudos qualitativos ao do cotidiano
escolar, para buscar características que pudessem identificar um sistema de
pensamento, formado e presente na escola analisada com base no Método
Montessori.
Dentro da proposta da pesquisa de tipo etnográfico em educação, fez-se uso da
observação participante e a entrevista intensiva (André, 2005). As observações
foram associadas ao diário de bordo, à realização de fotografias e à análise dos
diários escritos pelos alunos do quarto e quinto ano, complementando estes
instrumentos de pesquisa, as entrevistas tiveram papel muito importante, pois, ainda
em André (2005), “As entrevistas têm a finalidade de aprofundar as questões e
esclarecer os problemas observados” (p. 24). A observação do cotidiano, das
pessoas e dos fatos se deu em circunstâncias naturais daquela realidade, sem
indução de programações ou delimitações.
Dando-se ênfase no processo e não no resultado final da pesquisa, a observação
detalhada e apoiada nos diários dos alunos foi associada às entrevistas que foram
realizadas, buscando-se valorizar a voz dos sujeitos, e não apenas suas vozes, mas
seus gestos, suas posturas, suas entonações e mesmo seus silêncios. Visto que o
silêncio é tão importante no Método Montessori, não como fim a ser alcançado em
uma turma de crianças, mas como categoria de análise e princípio para todas as
atividades e desenvolvimento do autocontrole e autoconhecimento da criança.
O diário de bordo foi utilizado com o objetivo de anotar pontos relevantes da
observação. Outra forma de obtenção de dados foi a utilização dos diários dos
alunos. Foram distribuídos cadernos às crianças participantes com vistas a servir de
diário no qual os mesmos podiam anotar, desenhar e expressar das mais diversas
formas suas percepções com relação à escola e ao seu cotidiano. E essa
48
experiência obteve os mais diversos resultados, desde crianças que se recusaram a
escrever até àqueles que se dedicaram com desenhos e colagens.
Sendo assim, conforme especificado, se buscou fazer o uso dos diários, de
observações e entrevistas semiestruturadas, objetivando uma descrição densa,
numa abordagem qualitativa. Esses instrumentos foram aplicados na Escola
Recanto do Pequeno Príncipe, instituição particular, localizada na cidade de
Juazeiro-BA que oferece turmas para crianças a partir de um ano de idade na
Educação Infantil, até o quinto ano do Ensino Fundamental I.
Em um primeiro momento, foi realizada observação do ambiente escolar como um
todo e também do cotidiano das salas de aula da escola. Em um segundo momento,
foram distribuídos os diários aos alunos e realizadas as entrevistas
semiestruturadas, utilizando-se da definição de Manzini (1990/1991), apud Manzini
(2004):
a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas (MANZINI, 2004, p.2).
Durante a realização da pesquisa a proposta foi entrevistar: a fundadora e diretora
da escola; uma professora com mais tempo de serviço na escola e outra com menos
tempo (pelo menos um ano); cerca de dez alunos (cinco que estudam na escola
desde um ano de idade e até cinco que estudam na escola há somente um ano ou
no máximo há dois); pais dos alunos entrevistados; coordenadora pedagógica; um
funcionário da escola com funções não pedagógicas (porteiro, servente de limpeza
etc.).
Essas entrevistas tinham como finalidade alcançar os objetivos e responder à
questão da pesquisa se o currículo montessoriano produz um sistema de
pensamento nesses sujeitos escolares com base no conceito de sistema de
pensamento de Pierre Bourdieu. Demais documentos da escola também foram
utilizados para compreender o currículo a exemplo do Componentes Curriculares
para as turmas, dos Objetivos por Capacidade e dos Cadernos de Atividades,
49
ambos construídos pela escola. O Projeto Político Pedagógico não foi
disponibilizado pela escola com a justificativa de que o mesmo seria reformulado.
Em um terceiro momento se procedeu com a análise dos dados coletados,
utilizando-se da triangulação dos dados conforme definido em Karsenti e Savoie-
Zajc (2000) para construção e conclusão do trabalho.
3.1 ESTUDO DE CASO DE TIPO ETNOGRÁFICO EM EDUCAÇÃO
No que se refere aos métodos de procedimento da pesquisa o estudo de caso foi
escolhido por compreender que a realidade a ser estudada seria melhor observada
sob esta ótica. Estudar minuciosamente a instituição escolar ERPP tem uma
relevância e justifica-se, pois, a escola que completou 50 anos no ano de 2018
utiliza o Método Montessori desde a sua fundação e destaca-se como escola de
referência, no âmbito das escolas particulares, na cidade de Juazeiro-Ba. Também é
importante dizer que a escola é referência regional no Método Montessori para as
escolas filiadas à Organização Montessori do Brasil.
Com base nas análises de Charlotte Chadderton e Harry Torrance (2015)
consideramos o Estudo de Caso como um procedimento para além das análises já
convencionadas nos campos da medicina, do direito e da administração, por
exemplo, em que o enfoque é mais técnico e mesmo mais preciso. Opta-se então,
por partir para o campo social, no qual, o estudo de caso só faz sentido se analisada
a combinação do âmbito político (a exemplo do currículo de uma escola) da
realidade estudada com relação ao local em que se faz a análise.
Nesse sentido, o estudo de caso acontece do ponto de vista das pessoas, dos
sujeitos e não meramente do pesquisador. O pesquisador deveria, então, em um
primeiro momento, reconhecer esse ambiente e descrever as sensações, reações e
indagações desses sujeitos e só então considerar-se imbuído de certa legalidade
para analisar e teorizar acerca do caso. Perguntar-se sobre o que está acontecendo,
antes de presumir que está preparado para explicar. Chadderton e Torrance (2015)
também defendem que seja feita uma investigação profunda ao invés de mera
cobertura do estudado.
50
Para o desenvolvimento desse procedimento, considerando a abordagem
sociológica, é necessário haver equilíbrio entre a observação e a entrevista. Pois, se
privilegiada a observação, o ponto de vista do pesquisador será mais evidente. A
entrevista, portanto, propiciará melhor contato com as impressões dos sujeitos
envolvidos. Mas, em contrapartida, essas impressões podem representar apenas um
“vislumbre das lembranças” (CHADDERTON; TORRANCE, 2015, p. 92).
Desse modo, há uma espécie de conselho segundo o qual as entrevistas devam ser
conduzidas em meio a uma observação de longo prazo, para tentar apreender a
realidade estudada a partir da vivência dos sujeitos em suas atividades cotidianas.
Nesse ponto vale retomar a postura desta pesquisa que fez uso da definição de
estudo de caso de tipo etnográfico em educação (ANDRÉ, 2005), que não traz a
exigência da temporalidade estendida, mas que pode abrigar a concepção da
qualidade dessa observação. Chadderton e Torrance (2015) também fazem um
alerta para não se incidir em uma abordagem demasiada empirista por
supervalorizar o campo.
A palavra-chave desse modo de conceber o estudo de caso seria, portanto, a
interpretação. Assim “Pode-se considerar que um estudo de caso fornece uma
interpretação de uma situação em lugar de uma única verdade representativa”
(CHADDERTON; TORRANCE, 2015, p. 97). O estudo de caso não serviria de base
para comparação com outros casos semelhantes, mas de ponto de partida para
melhor compreender e interpretar essas situações semelhantes.
Em se tratando de interpretação utilizamos os conceitos cunhados por Geertz (1989)
para definir cultura, antropologia e etnografia, que bem nos cabem na proposta
desse estudo de caso. Geertz (1989) afirma que “é justamente uma explicação que
eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície” (p.15).
Desse modo se buscou realizar uma descrição densa a fim de identificar o que ele
chama de uma partícula de comportamento e tentou-se interpretá-la dentro da
realidade escolhida para esse estudo.
Com relação ao tempo de imersão no campo para realização deste estudo convém
dizer que o contato com a escola se dá desde o ano de 2016 quando a ERPP foi
procurada para participar do evento promovido pelo meu projeto de pesquisa na
51
condição de técnica universitária. Após isso, no ano de 2017, para realização de um
artigo em uma disciplina do PPGESA estive na escola durante uma semana a
observar duas turmas de crianças de cinco anos.
De lá para cá aguardei a autorização do CEP – Comitê de Ética em Pesquisa da
UNEB, para proceder com a pesquisa específica a esse trabalho iniciando com
observações, entrevistas e entrega dos diários no mês de abril de 2018 e
estendendo-se até o mês de novembro de 2018. Houve um mês de observações
intensivas na escola (junho/ 2018), os diários permaneceram com as crianças entre
os meses de abril e agosto e as entrevistas foram acontecendo durante todo esse
período. E como as idas à escola para recolher diários e os próprios termos de
autorização se estenderam por um longo período, a cada ida na escola observava
outros ângulos ainda não notados o que trouxe contribuições à minha escrita em
curso.
O objetivo das visitas à escola para observá-la e, também a realização de
entrevistas foi, primeiramente, apreender, e depois apresentar esta realidade. Ainda
que para essa pesquisa previu-se a utilização da pesquisa de tipo etnográfico
definida por André (2005) que diz que na educação o que existe é uma adaptação à
etnografia e não a etnografia em si, cabe a definição de Geertz (1989) “Fazer a
etnografia é como tentar ler (...) um manuscrito estranho, desbotado (...) escrito com
os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento
modelado” (p.20). Sendo assim, ainda que tentando situar-se no ambiente escolar,
somente obteremos “simulações inteligentes”, mas nunca o que realmente pensam
ou vivem os sujeitos. Uma interpretação será sempre uma interpretação, nunca o
real.
3.2 A OBSERVAÇÃO E AS ENTREVISTAS: INSTRUMENTOS PARA A OBTENÇÃO
DOS DADOS
Perguntas básicas foram formuladas com vistas a iniciar a entrevista. As respostas
dos entrevistados serviram de base para a formulação de novas hipóteses
realizando um movimento circular estabelecido entre o informante e o pesquisador
(Triviños, 1987 apud Manzini, 2004).
52
Para Manzini (1990/1991, p.154), a entrevista semi-estruturada está focalizada em um assunto sobre o qual confeccionamos um roteiro com perguntas principais, complementadas por outras questões inerentes às circunstâncias momentâneas à entrevista. Para o autor, esse tipo de entrevista pode fazer emergir informações de forma mais livre e as respostas não estão condicionadas a uma padronização de alternativas (MANZINI, 2004 p. 2).
Com vistas a alcançar os objetivos traçados nessa pesquisa, foram utilizados estes
dois procedimentos em maior ou menor grau, buscando sempre um equilíbrio entre
os mesmos, conforme orienta Geertz (1989) acerca da pesquisa etnográfica, ainda
que – ressaltamos mais uma vez –, essa venha a ser de tipo etnográfico e não
propriamente etnográfica.
Considerando que o objetivo primário era investigar se o currículo montessoriano
produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares, foram percorridos
os seguintes objetivos secundários: 1. Estudar o currículo montessoriano e o
conceito de sistema de pensamento e habitus, para isso debruçando-se sobre as
produções de Maria Montessori e nos escritos de Bourdieu, que apontam para a
definição do conceito de sistema de pensamento. 2. Analisar como se dá a aplicação
do currículo montessoriano na Escola Recanto do Pequeno Príncipe, localizada na
cidade de Juazeiro-Ba, para isso fez-se uso das observações para tentar captar o
cotidiano escolar, observando como se dão as relações, a utilização dos materiais
montessorianos e o currículo definido pela escola na sua forma oficial e oculta
(SILVA, 1999), buscando “revelá-lo”. 3. Revelar se a aplicação do currículo
montessoriano implica na apropriação de sistema de pensamento por parte dos
sujeitos escolares (alunos, professores e demais funcionários), para isso, além da
observação, fez-se uso das entrevistas semi-estruturadas e análise de diários
escritos pelos alunos definidos segundo o critério já apresentado (novatos e
veteranos).
Os pais também foram entrevistados, pois, os mesmos têm o potencial de revelar
elementos não explícitos no ambiente escolar, mas que estabeleçam forte relação
com o mesmo, caracterizando uma cultura escolar “extramuros”. Nesse sentido, é
que se construiu essa pesquisa e talvez esse seja o principal objetivo, visto que uma
vez evidenciadas as características peculiares do Método Montessori, o mesmo
53
pode passar a ser objeto de interesse de outros sujeitos antes não envolvidos com
esta abordagem.
Foram considerados os riscos e também os benefícios dessa pesquisa. Os riscos
implicados nessa pesquisa eram relativos aos sujeitos, à exposição desses, ao que
diz respeito ao seu direito de voz e imagem, à sua integridade como pessoa. Para
controlar e minimizar esses riscos, a pesquisa previu o momento de contratualização
com os sujeitos, em que eles autorizaram, através da assinatura de Termos de
Consentimento Livre e Esclarecidos (TCLE), se queriam ou não ser expostos pelos
registros da pesquisa e de que forma. Houve ainda o caso específico da participação
das crianças, cuja inclusão como sujeitos de pesquisa dependia da autorização dos
seus pais e responsáveis – sempre dentro de uma ética que levou em conta a
disposição para continuar ou não, podendo interromper a participação assim que
elas ou seus responsáveis achassem por bem fazê-lo. Essa condição também valia
para os demais participantes.
Entre os benefícios estão o de poder contribuir com os estudos acerca do Método
Montessori na cidade de Juazeiro-Ba, e mesmo nacionalmente, pela relativa
escassez de trabalhos acadêmicos acerca do tema e a possibilidade de utilização de
partes do método em outras escolas que não sejam montessorianas, quer sejam
públicas ou particulares.
Na perspectiva da análise dos dados, foram percorridos os passos definidos por
Minayo apresentados em Gomes (1994) em que a ordenação dos dados deve ser
feita com releitura de material, transcrições, organização dos dados das
observações e dos relatos. Após esse momento procedeu-se com a classificação
desses dados em categorias e em seguida a realização de uma análise final, ainda
que considerando-se como norteadora dessa pesquisa, sua possibilidade de não
definir uma finalização induzida ou imediata. Para realizar a triangulação utilizamos
de dados advindos das entrevistas, das observações e fotografias e também dos
diários.
54
3.3 O LÓCUS DO ESTUDO E OS SEUS SUJEITOS (ou O ESPAÇOTEMPO E OS
PRATICANTES DESSE COTIDIANO)
FIGURA 2 - Mapa da Bahia com destaque para o Território de Identidade Sertão do São Francisco. FONTE: SEDUR
Conforme mapa acima, a cidade de Juazeiro está localizada no extremo norte da
Bahia e faz parte do território de identidade do Sertão do São Francisco que é
composto por dez municípios (Campo Alegre de Lourdes, Canudos, Casa Nova,
Curaçá, Juazeiro, Pilão Arcado, Remanso, Sento Sé, Sobradinho e Uauá) que,
devido às suas características climáticas, estão no espaço da semiaridez e, por isso,
estão inseridos no chamado ‘Miolão do Semiárido’ (CARVALHO, 2010). A população
estimada em 2017 era de 221.773 habitantes, com uma taxa de escolarização dos 7
aos 14 anos de idade em 96,7% (IBGE, 2017). Possui 88 escolas privadas de
educação infantil e ensino fundamental autorizadas junto à DIREC. Neste universo
de escolas dedicadas aos primeiros anos da Educação Básica na cidade de
Juazeiro há pelo menos três escolas que trabalham com o Método Montessori
declaradamente, no entanto somente a Escola Recanto do Pequeno Príncipe é
associada à OMB.
55
A ERPP foi fundada em maio de 1968 pela professora Oscarlina Rodrigues Cardoso
Tanuri natural de Uauá-BA, nascida no ano de 1939. O nome da escola foi escolhido
devido ao gosto pela leitura e a escolha do Método Montessori se deu através de
uma amiga da professora Oscarlina, que se interessou pelo mesmo, por ser voltado
para uma educação de paz e respeito.
No ano de 2019 a escola encontra-se com 580 alunos matriculados, sendo 240 na
Educação Infantil. A escola conta com 34 professores, 04 coordenadoras, além de
estagiárias atuando como auxiliares de sala. Possui oito turmas na Educação Infantil
e oito no Ensino Fundamental I, recebendo assim crianças na faixa etária de 01 ano
de idade até por volta dos 11 anos de idade, excetuando-se os alunos com
necessidades especiais que independente da faixa etária cursam seus estudos
juntamente com as turmas.
A escola que teve início com apenas uma sala multisseriada e três funcionários
(duas professoras e uma zeladora) já trazia em sua gênese a assistência às
crianças com necessidades especiais. Outra marca da escola é o vínculo
estabelecido com os ex-alunos que voltam para matricular os seus filhos e mantém
relação próxima à escola mesmo depois de décadas.
Localizada em um bairro central da cidade de Juazeiro, Bairro Coreia, a escola
recebe mães e pais de várias camadas sociais, no entanto, a maioria deles vem das
classes mais altas. Em um levantamento feito com os pais e mães da Educação
Infantil destacamos as dez profissões mais encontradas: Comerciante,
Empresário(a), Servidor(a) Público(a), Advogado(a), Professor(a), Autônomo(a),
Agrônomo(a), Militar, Enfermeiro(a), Médico(a).
Assim, devemos considerar essa variável ao olharmos para esse aluno, tomando
como ponto de partida o contexto de onde ele vem. Porque para onde ele vai, a
escola tem demonstrado ao longo dos seus cinquenta anos que muitos foram os
alunos de destaque na sociedade, incluindo entre eles inúmeros médicos,
advogados, promotores, com exemplos de delegados e vereadores, todos oriundos
dessa instituição de ensino. E nesse sentido não podemos dar o mérito somente ao
Método Montessori, ou mesmo à escola, mas a um conjunto de fatores, sem tirar o
mérito pessoal de cada um desses ex-alunos, é claro!
56
E esse ex-aluno retorna à escola trazendo seus filhos e até netos! Em um
levantamento feito com os alunos do Ensino Fundamental do turno vespertino,
identificamos 47 alunos cujos pais já estudaram na escola, demonstrando esse ciclo
geracional que a escola proporciona.
Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos considerando a representação dos
mesmos para melhor compreensão e alcance dos objetivos da pesquisa. Optou-se
por entrevistar crianças que ingressaram na escola no último ano do Ensino
Fundamental I, que é o último ano oferecido pela escola e em contraponto
entrevistar crianças que cursando o mesmo ano estejam na escola desde um ano de
idade, ou seja, na primeira faixa etária recebida pela escola.
A delimitação do número de entrevistados se deu no próprio campo de pesquisa,
pois a escola apresentou somente quatro alunos que ingressaram no ano de 2017
no quinto ano, sendo assim foi delimitado o mesmo número para a amostragem dos
veteranos. Os pais dos alunos entrevistados também participaram de entrevista visto
o objetivo ser vislumbrar as significações do que seria o sistema de pensamento
ativo na vida dessas crianças assimilado através do Método Montessori, ouvir os
pais foi essencial, pois os mesmos podiam refletir o quanto o método influencia na
vida das crianças numa análise holística, saindo do ambiente escolar.
Optou-se por entrevistar também a diretora e fundadora da escola e a coordenadora
pedagógica, por entender que as mesmas poderiam apresentar uma outra face da
escola e do seu método utilizado, diferente da dos alunos, mas complementar. Por
critério semelhante foram entrevistadas duas professoras, a amostragem considerou
uma professora com mais tempo na escola e outra com menos tempo para ampliar
os espectros de análise. Posteriormente acrescentou-se a entrevista às professoras
do quinto ano também. E sem se esquecer da importância da análise do ambiente
escolar como um todo e considerando que o mesmo vai além do ambiente da sala
de aula foi entrevistada uma funcionária da escola de funções não acadêmicas
considerando este um olhar tão importante quanto dos outros sujeitos para tecer
essa rede de significações em torno e através do Método Montessori.
Ambiente preparado e adulto preparado, dois pilares do Método Montessori e que
puderam ser apreendidos nos processos escolhidos para coleta dos dados dessa
57
pesquisa. A observação do ambiente, o ouvido atento a este adulto circundante e a
estas crianças com o objetivo de apreender ou mais simplificadamente e
modestamente anotar, conforme nos indica Geertz (1989), o que pensam (ou nossa
interpretação do que pensam) e o que vivem (ou nossa interpretação do que vivem)
estas crianças. E aqui, em um ponto, se poderia discordar do autor citado
anteriormente, em sua declaração de que “o lócus do estudo não é o objeto de
estudo” (p.32), nesse caso, e através do que intentamos buscar, nosso lócus
perpassa nosso objeto, nosso objeto não subsiste sem um lócus adequado,
preparado, do contrário se desfiguraria.
3.4 UMA METODOLOGIA EM BUSCA DA ESSÊNCIA...
Para além dos objetivos delineados nessa pesquisa como exigência formal e
científica, buscar a essência daqueles que estiveram imbrincados nessa jornada foi
o vento que impulsionou os barcos em cada técnica de coleta ou de análise, de
escuta do outro ou daquele que pesquisa se escutar. Pois na busca dessa
completude considerou-se, à luz de Galeffi (2009), que “é preciso pensar o humano
em sua condição existencial individual, social e ecológica simultaneamente” (p.21).
Para Garfinkel (apud COULON, Alain, 1995) a essência não é um conceito científico,
mas o mesmo constrói-se no cotidiano. Por isso, ao intentar perceber a essência do
Método Montessori na ERPP, o cotidiano tem a voz mais forte. Buscando vencer o
discurso da ciência moderna, essa como construção cultural (GALEFFI, 2009), que
traz a separação entre mente e corpo, objetivo e subjetivo, e tomando por base uma
ciência “maleável” disposta a ouvir, sentir, com simplicidade e intuição, na qual a
desordem dos pensamentos, dos atos, da vida são complementares à ordem.
Assim, esse princípio conduziu a pesquisa. Buscando encontrar na ordem do
ambiente ou na desordem do ser uma ordem-desordem ordenadora do que viria a
ser ou constituir o pensamento e o conhecimento dos sujeitos da pesquisa.
Conduzindo-se pelo que aponta Morin (2011):
Penso que, em todas as culturas, o conhecimento cotidiano é uma mistura singular de percepções sensoriais e de construções ideo-culturais, de racionalidades e de racionalizações, de intuições verdadeiras e falsas, de induções justificadas e errôneas, de silogismos e paralogismos, de ideias inventadas, de saberes profundos, de sabedorias ancestrais de fontes misteriosas e de
58
superstições infundadas, de crenças inculcadas e de opiniões pessoais (p.12).
Assim “finalizo” esse roteiro metodológico pelo que seria o princípio, com o olhar
amplo, ao considerar que o universo escolar, o universo da infância, o universo do
ser é imenso, imanente e transcendente e não pode e não poderia ser delineado ou
delimitado em traçados metodológicos, o que se intentou, ao utilizar-se desses
instrumentos, foi aproximar-se do que viria a ser um sistema de pensamento
formado nos sujeitos envolvidos na pesquisa com base nas suas vivências –
consideradas nesse estudo como diferenciadas – por conta da aplicação do Método
Montessori no lócus da pesquisa.
Assim numa epígrafe inversa apresenta-se o que Montessori (1990) relatou em A
Criança: “O homem (...) é como objeto trabalhado à mão: cada um diferente do
outro, cada um possui um espírito criador próprio, que o transforma numa obra de
arte da natureza (p. 44).
3.5 A PRÁTICA DA PESQUISA
Aquele conhecido e simplório jargão de que na prática a teoria é outra faz todo o
sentido a um pesquisador, se não aos mais experientes, pelo menos àqueles que
são iniciantes à pesquisa mais criteriosa. Pode-se perguntar se há alguma pesquisa
científica que não seja criteriosa, é certo que todas deveriam ser, mas na juventude
de uma graduação (e aqui juventude não traz o sentido apenas da idade
cronológica) pouco tempo temos dedicado à pesquisa, para arriscarmo-nos a pensar
um pouco mais alto e logo decidimos por pesquisar aquilo que nos parece mais fácil
e que nos tomara menos tempo.
A escolha, por exemplo, de partir para uma pesquisa quantitativa ou qualitativa
parece definir o tempo que se gastará com a mesma. E ainda assim, podemos cair
no engano de que os números nos serão mais aprazíveis.
Utilizando-me do meu exemplo pessoal, na graduação por exemplo, fiz uma
pesquisa de cunho quantitativo, na qual observei o nível de compreensão acerca da
democracia em jovens do ensino médio. Assim, uma pesquisa que poderia ter tido
um grau de profundidade de análise um pouco maior, foi analisada somente através
de gráficos resultantes de questionários respondidos pelos alunos.
59
Já na presente pesquisa, deparei-me com a dificuldade de uma pesquisa qualitativa
e que se pretenda etnográfica ainda que de etnografia escolar. No momento de
construção da teoria idealizei toda uma trilha metodológica e todo um embasamento
teórico que seriam o meu guia. Projetei um determinado lócus e os sujeitos
envolvidos, o tempo de pesquisa e a forma de coleta.
Imaginei que teria tais e tais resultados com determinada abordagem, imaginei até
mesmo quais respostas eu daria a determinados problemas que surgissem durante
a pesquisa. Mas há um momento em que o pesquisador se sente sem chão. Como
se circundado numa espécie de órbita na qual ao seu redor girassem todos os seus
pensamentos, todos os seus sujeitos, todos os teóricos. Assim como tudo o que já
escreveu e o que tem que escrever, um calendário lhe mostrando o prazo de
entrega e um relógio girando mais rápido que os segundos em sua normalidade, lhe
mostrando o quão urgente deve ser sua obra, sem nos mostrar o quão complexa a
mesma é.
Assim, algumas coisas mudaram desde a idealização dessa pesquisa. No início,
tínhamos um problema central que era saber se o Método Montessori forma um
sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares, mas no decorrer da pesquisa
observamos que outros fatores do campo traziam elementos mais fortes e tão
interessantes quanto. A análise do cotidiano escolar, seu currículo materializado em
seu espaçotempo e a visão desses alunos (e também dos demais sujeitos) acerca
do que venha a ser uma escola, como elemento de análise e discussão acerca da
escola que temos e da que mais se aproximaria do ideal, foram surgindo.
Desse modo, não se abandonou o objetivo principal, mas aderiu-se a ele outros
tantos elementos. E, mesmo para respondê-lo, afastou-se um pouco da
tendenciosidade da análise aproximando-se mais de uma reflexão acerca do
sistema de pensamento gerado fora da escola montessoriana e que a influencia.
60
4. RESULTADOS
4.1 O COTIDIANO E O CURRÍCULO DA ESCOLA RECANTO DO PEQUENO
PRÍNCIPE
Separar as categorias cotidiano e currículo é algo muito desafiador! O que a escola
é parece depender tanto de um quanto do outro. O currículo real só se dá no
cotidiano e em contrapartida o cotidiano é modelado pelo idealizado no currículo.
Mas para fins de análise se tentará aqui fazer uma mínima diferenciação para
apresentar o material colhido, retornando a uma análise única posteriormente.
4.1.1 O cotidiano
O cotidiano nunca tem fim I Às oito entro na sala da turma das crianças de quatro anos de idade, alunos da professora Márcia. Nesse horário as crianças fazem atividades diversificadas, sem tumultos, em grupos ou individual. As atividades têm objetivos a serem alcançados, como montagem de blocos de acordo com a prancheta. Uma das professoras acompanha a aluna fazer seu nome. A Professora Márcia diz que não estão focando muito nos conteúdos essa semana devido às festas juninas. Há crianças que utilizam o material montessoriano da forma correta, outros o utilizam de outros modos, fazendo dos blocos um sanduiche, por exemplo. Às 08h10 observo que há uma menina que permanece sentada na linha apenas observando, com olhar calmo, talvez cansado. Às 08h17 a professora chama todos para a linha. Um aluno que estava concentrado diz “mas já?!”. Na linha conversam, todos concentrados. Fazem oração, cantam músicas. Uma criança conta como foi sua ida à roça. A professora aproveita para contextualizar sobre como é na roça fazendo oposição à cidade falando da violência da cidade. Nesse momento ao olhar para as paredes percebo a presença de um datashow, a sala não tem TV bem como as demais salas da escola. Na roda há concentração, não ficam todos falando ao mesmo tempo, nem alteram a voz. Nesse tempo a auxiliar prepara a mesa do lanche, colocando os copos de vidro. Uma criança perguntou quem eu era. Até esse momento não havia me apresentado visando observá-los ao máximo sem chamar a atenção. Nas turmas da Educação Infantil o lanche é coletivo, oferecido pela escola e acontece na sala, as turmas do Fundamental lancham na cantina. Não há momento de recreio. Os que vão terminando o lanche voltam para a roda. A professora transporta as barras vermelhas e azuis, o conteúdo a ser trabalhado é matemática focando na relação número x quantidade. A professora ensina como transportar o material, segurando pelas pontas. Nesse momento a professora chama a atenção pela primeira vez do dia a alunos que conversam “fora de hora”, mas a correção é breve e branda (Anotações do Diário de Campo – dia 19.06.2018).
61
Para qualquer pessoa que já tenha frequentado uma escola, e que essa seja uma
escola convencional, esta é uma descrição no mínimo curiosa para a rotina de uma
turma de crianças de quatro anos de idade. Uma sala de aula em que não há uma
TV, não por falta de recursos financeiros e na qual serve-se as crianças em copos
de vidro nunca deixa de me levar a uma reflexão. Há nesse ambiente uma ordem
estabelecida sem dramas, sem castigos. Há um fluxo de práticas que se repetem
sim, pois é nessa ambiguidade que o cotidiano se funda, entre a singularidade e a
repetição, no entanto, esse fluxo permite criações, indagações ou mesmo
contemplações que na realidade de uma sala de aula tumultuosa é improvável de
acontecer.
A seguir outros trechos foram extraídos do diário de bordo que utilizei durante os
dias de observação. Não fui à campo buscando encontrar respostas a este ou
àquele tema, simplesmente observava o cotidiano. Os temas surgiram pós
observação, ao perceber que em cada um deles um enfoque específico poderia ser
dado.
O cotidiano nunca tem fim – a liberdade
II Às 10h entro na sala da turma de cinco anos, nesse momento eles já lancharam e a professora chama a atenção com palmas. Os alunos vão montar quebra-cabeças do livro da Escola da Inteligência, no qual desenvolvem também a habilidade para recortar. Enquanto recortam alguns conversam sobre os jogos da Copa. Enquanto isso, do lado de fora, no galpão, crianças correm e gritam ao sair de uma sala para outra como em outra escola qualquer. Na sala alguns ainda lancham, outros fazem atividade, uns deitados, outros em pé, não são obrigados a sentar. Às 10h30 alguns alunos saem para tomar banho, pergunto à professora o por quê. Ela diz que são os alunos do integral, os mesmos saem da sala às 11h e ficam na casa do integral até as 17h30. Lá realizam atividades de “casa”, natação, jiujitsu, xadrez e balé. Pergunto se há momento de descanso a professora diz que sim. Os alunos que vão terminando seus quebra-cabeças começam espontaneamente a organizar os materiais de vida prática. Uma aluna finge fazer suco e servir às colegas. Às 10h45 todos sentam-se na linha13 e a professora explica a atividade de casa sobre alimentação. A atividade é semelhante à de outras escolas. A essa hora as crianças já parecem menos interessadas na voz de comando, estão mais dispersas. Em pequenos grupos ou duplas desenvolvem diálogo e brincadeiras. A professora começa a cantar, com a melodia de “Se essa rua fosse minha” e as crianças andam
13 No Método Montessori faz-se uso de uma linha circular ou oval pintada no chão, ponto de referência para atividades em grupo nas quais as crianças andarão sobre a linha ou se sentarão sobre a mesma.
62
na linha “Eu já sei, eu já sei andar na linha; eu já sei, eu já sei o meu lugar; Vou andando atrás do coleguinha; Não precisa, não precisa empurrar”. Às 11h todos se sentam na linha. É o momento do silêncio. Todos esticam as pernas para relaxar. A professora relembra a atividade e mais uma vez se dispersam. Às 11h10 as crianças pegam os materiais na estante mais uma vez, pegam os tapetes e se sentam escolhendo o material conforme a sua vontade. No início do ano a professora apresenta e orienta como usar o material, depois eles já utilizam sozinhos, mas a professora reorienta quando necessário. (Anotações do Diário de Campo – dia 19.06.2018).
Mais uma vez liberdade e ordem, autonomia e disciplina se mostram presentes no
cenário da sala montessoriana. Em outras escolas nos preocupamos tanto em
mantê-los todos fazendo a mesma coisa ao mesmo tempo, todos sentados da
mesma forma e na transição de uma atividade para outra de maneira uniforme, que
o insucesso é praticamente certo. Há que se ter atividades em conjunto sim, e no
que relatei também podemos ver esse momento, mas ele é sútil, ele é quase que
tomado por encantamento, à voz cantada da professora as crianças seguem e
claramente isso não se dá por muito tempo.
Qual de nós consegue manter-se em silêncio ou concentrado em uma atividade por
muito tempo sem dispersar quiçá os pensamentos? Pois então, criança é
pensamento em ação. A diferença que parece haver entre nós e elas é que
enquanto divagamos em nossos pensamentos durante uma palestra ou reunião, a
criança simplesmente sai a passear com suas próprias perninhas no lugar em que
estiver. Mais uma vez estamos nos adultos a julgar o comportamento infantil sem
nos colocarmos em seu lugar!
Como bem pontuado por Gabriel Salomão em seu site falando acerca da liberdade
no método, essa é uma questão controversa. Enquanto uns acham que o método é
cerceante e diretivista demais, outros o consideram um completo anarquismo
dominado pela falta de ordem infantil. Nem para um lado, nem para o outro! A
liberdade montessoriana é o limiar da ordem. É a liberdade que produz a ordem
interior, mas antes que esta liberdade fosse ofertada o ambiente já estava em ordem
e o adulto preparado já estava pronto para permitir essa liberdade. Eis o segredo do
método!
Salomão destaca a diferenciação entre os tipos de atividades que as crianças
realizam em atividades edificantes e atividades não-edificantes. Essa diferenciação
63
é o que vai estabelecer se a liberdade deve ocorrer ou não. Sempre que uma
criança estiver a realizar atividades edificantes (qualquer atividade que gere o bem a
ela ou a outros) a mesma não deve ser interrompida, mas observada pelo professor
para que o mesmo possa direcionar-lhe quando oportuno a um outro nível de
atividade ou aprimorar a que estiver sendo feita. Por outro lado, sempre que a
criança estiver a realizar atividade não-edificante (que cause dano a ela, a outro ou
ao ambiente) a mesma deverá ser interrompida, porém não com repreensão, mas
com ensinamento.
E esse ensinamento não é exatamente com palavras, mas sim direcionando a
criança a realizar outra atividade de que goste.
O cotidiano nunca tem fim – entre leitores e escritores III Às 07h50 inicio minha observação na turma do 1º ano. A professora está a falar sobre atitudes honestas, lembrando aos alunos acerca da história da “Onça Sasá” que fala sobre ninguém ser melhor que ninguém e também sobre não contar mentiras. Nesse momento estão todos sentados na linha e em silêncio. Oram e depois vão às estantes pegar os materiais montessorianos. Nas estantes encontra-se somente o que está sendo trabalhado. Em comparação com as salas da Educação Infantil há menos materiais sensoriais. A professora diz que na turma de 25 alunos, 14 já começaram o ano lendo. Diz que a transição da letra bastão para a letra cursiva acontece na turma de quatro anos. Pergunto sobre a disposição das mesas e cadeiras pois há cadeiras agrupadas em quatro, outras em três, duplas e outras sozinhas bem afastadas. A professora diz que no início do ano ela faz a divisão de quem senta com quem, mas que depois vai modificando de acordo com o desenvolvimento e comportamento de cada um. Crianças que estão se desenvolvendo melhor na leitura ficam juntas, outras com mais dificuldade ficam próximas da professora e há ainda os que sentam-se sozinhos para conseguirem se concentrar melhor ou visualizarem melhor o quadro. Quando as atividades são desenvolvidas no tapete14 não há separações. Nesse momento uma aluna mostra à professora o livro que fez. Duas folhas de papel pautado com alguns desenhos e uma pequena história escrita por ela. Produção apresentada pela autora com a alegria de quem acabara de escrever uma grande obra! E o encanto fica à cargo da espontaneidade do trabalho e do interesse dos colegas em conhecer o trabalho também. (Anotações do Diário de Campo, dia 20.06.2018) No Método Montessori a escrita precede a leitura, mas o que parece ser um atraso
ou um desmotivador na verdade é um trabalho realizado lentamente, mas com fruto
14 No Método Montessori faz-se uso de pequenos tapetes quando da utilização dos materiais. As crianças pegam o tapete que fica enrolado em um cesto, forra-o no chão e coloca sobre ele o material. Após utilizar o material o aluno o enrola e guarda.
64
na hora certa. Quase que a metade da turma já iniciar o ano lendo e escrevendo
pode ser considerado um sucesso, principalmente porque vemos o interesse pela
leitura e também pela produção literária. O Método não traz fatores positivos apenas
no campo mais abstrato, mas exatamente por ser um método produz resultados
através dos modos de fazer que o diferenciam, por exemplo, do construtivismo
encontrado na maioria das escolas, ainda que de maneira esparsa. Em trabalho
realizado anteriormente dediquei-me a discorrer acerca da leitura e escrita no
método (NASCIMENTO; ANJOS, 2017). Nessa oportunidade pudemos caracterizar
como evento de letramento uma situação de leitura e escrita em uma turma de
crianças de cinco anos.
O destaque dado ao momento de apropriação da leitura e da escrita, a tão
conhecida alfabetização, se deu por alguns motivos específicos. Além de na
oportunidade ser um direcionamento da disciplina cursada – Políticas de Letramento
– também consideramos a discussão acerca de como se dá a leitura e a escrita no
Método ser profícua. Nos últimos anos a alfabetização tem sido motivo de
discussões acirradas e há quem diga que ela saiu de cena para dar lugar ao
“letramento”.
Esse é na verdade um equívoco! A alfabetização por certo enquadra-se em uma
situação de letramento, mas este é muito mais amplo. Isso não significa que “letrar”
tenha mais sucesso e o alfabetizar seja ultrapassado. Esse equívoco tem dificultado
o desenvolvimento cognitivo das crianças nas escolas. Não é à toa que programas
como o PRONAIC – Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa sejam
criados.
A memorização, a caligrafia, o ditado e a cópia, que segundo Oliveira (2004, p. 22)
tornaram-se proscritos, condenados como instrumentos arcaicos, na verdade devem
apenas ser corretamente utilizados. Para o autor
Ignorar a especificidade da decodificação, confundindo o processo com o objetivo (que é a compreensão, o letramento) resultou em descaminhos que até hoje impedem o avanço das políticas e práticas de alfabetização no Brasil. (...) Se é correto dizer que alfabetizar (ensinar a ler) é ensinar a decodificar, isso não significa que ler se resuma a decodificar. (...) aprender a decodificar é importante. (...) Só através do domínio da decodificação é possível formar um leitor
65
autônomo. No processo de alfabetização a decodificação ocupa lugar central.
Assim, o defendido por Oliveira vai de encontro ao proposto no método. Antes de
adquirir outros conhecimentos ou outras habilidades a preparação da escrita deve
ocorrer desde cedo. Mas essa preparação não se dá colocando um lápis na mão e
fazendo cobrir uma vogal, essa preparação inicia-se da seguinte forma:
Até mesmo o ato de carregar baldes com água, lavar pratos ou posicionar-se corretamente na cadeira para a prática de trabalhos manuais (situações que fazem parte das Atividades de Vida Prática nas escolas montessorianas) predispõe o fortalecimento da musculatura e posição correta para a escrita. Diversos materiais proporcionarão a partir daí o desenvolvimento da pega no lápis, ao pegar em materiais com pinos que mobilizarão a criança a pegá-los como se fosse um lápis (NASCIMENTO; ANJOS, 2017, p. 5).
Desse modo, no que diz respeito à alfabetização o Método Montessori tem uma
gama de instrumentos que habilitam as crianças a esse aprendizado. Há todo um
cuidado na forma como se apresentam as letras para as crianças tanto em sua
grafia como no seu som, utilizando-se do método fônico. Dizer a uma criança que a
letra L é um “lê” ao invés de dizer que é um “éle”, é sem dúvida proporcionar-lhe
mais independência para construir palavras e também compreendê-las.
Aí, portanto, se aprende primeiro a escrever, depois a ler, e lendo, compreender.
Pois “Se os alunos não sabem o que é letra, o que é palavra, ou que se lê da
esquerda para a direita, a escola tem que partir daí, e não se preocupar apenas ou
prioritariamente com os usos sociais da língua” (OLIVEIRA, 2004, p. 58). A leitura de
mundo para quem não aprendeu a escrever e ler de maneira plena nunca será
libertadora. Será apenas um engano!
Como percebemos, a ERPP demonstra forte empenho na alfabetização das crianças
e também na formação de leitores a respeito do que acontece na Roda de Leitura. A
Roda de Leitura é um horário semanal separado para que as crianças compartilhem
as leituras de livros que escolheram na biblioteca na qual um aluno faz “propaganda”
do livro que leu para os outros. Há também um dia marcado para o aluno fazer a
apresentação do seu livro escolhido envolvendo a família, construção de cenários,
figurinos, lembrancinhas entre outros, ação que envolve e estimula as crianças a
quererem ler cada vez mais.
66
O cotidiano nunca tem fim – brincadeira tem hora? IV Ao chegar na sala do 2º ano a professora diz que estão se preparando para ir à cantina lanchar, digo que tudo bem e vou à cantina junto com eles. O momento do lanche dura apenas quinze minutos, como em qualquer outra escola fazem a fila, nessa fila conversam, riem - verdade que não notei empurrões e nem gritos, talvez seja um pouco diferente de outras escolas mesmo! Mas tudo é muito rápido, logo eles têm que voltar para a sala. Alguns voltam ainda lanchando, pois, o tempo foi curto para comer. Ao retornarem peço à professora para me permitir fazer duas perguntas a eles. Pergunto quem gostaria de ter recreio. Dezenove alunos não levantaram a mão demonstrando estarem satisfeitos, mas três alunos levantaram suas mãos dizendo que gostariam de recreio. Destes três, dois quiseram falar. Aí fiz minha segunda pergunta: Por que gostariam que tivesse recreio? M. V. disse que “é porque diverte” e J. disse que seria “um momento para brincar e para relaxar”. Pergunto à professora se eles têm algum momento que seja semelhante ao recreio. Ela diz que nas sextas-feiras é o dia do brinquedo no qual ficam de 20 a 30 minutos brincando no final da aula e que isso acontece em todas as salas. Fora isso eles têm 50 minutos de aula de Educação Física uma vez por semana também (...) Um aluno termina a pontuada e pede para brincar com o material, a professora pergunta se é brincar e ele diz usar, trabalhar. Mas logo a professora diz que farão outra coisa. (Anotações do Diário de Campo – dia 20.06.2018)
A princípio, quando soube que não havia momento de recreio na escola pensei que
pelo fato da dinâmica da sala e da aula ser tão variada não haveria essa
necessidade e em parte foi o que realmente observei. Observei uma rotina fixa,
porém moldável a cada dia. É bem verdade que a Coordenadora Pedagógica disse
que as crianças de hoje em dia sentem mais necessidade de correr que as de
antigamente, e esse antigamente ela se refere a mais de 30 anos atrás.
Se a escola tem ou não um momento de recreio é algo muito mais complexo de
definir do que simplesmente encaixando entre um horário de aula e outro um tempo
para este fim.
Em escolas convencionais onde há o recreio, o mesmo tem o seu tempo dividido
entre o brincar livre e o lanche. E esse brincar livre no mais das vezes é carregado
de brincadeiras a qual julgamos violentas e mesmo perigosas. Mas por que será que
as crianças correm? Será que correm porque passam o restante do seu tempo
quando não estão na escola em frente à TV ou mesmo do tablet? Ou será que
crianças sempre correram, mas antes corriam para os campos, para a rua e longe
dos adultos não os incomodavam?
67
Há ainda um outro cenário, o de escolas que retiraram o momento de recreio por
alegarem esses motivos: as crianças só correm, só brigam, etc. E esse exemplo é
mais dramático ainda, pois tratam-se de escolas convencionais, cujas crianças têm
apenas paredes e quadro branco para olhar! O Método Montessori indica que se
uma criança tem a oportunidade de “trabalhar” logo não terá o interesse no brincar.
E trabalhar no Método Montessori é toda ação voluntária da criança no intuito de
realizar atividade que para ela faça sentido, seja útil e também lhe dê prazer.
Apesar de concordar com a afirmação de que uma criança se interessa mais por
uma situação da vida real do que por uma situação fantasiada, observei que as
etiquetas, as gavetas e os ponteiros são criados por nós adultos. Nós é que dizemos
se esta ou aquela é a hora disto ou daquilo e teimamos em não dar o braço a torcer
para a atividade espontânea seja está o brincar ou o trabalhar. A espontaneidade do
brincar de “polícia e ladrão” também é positiva! E burlando a falta de recreio
brincadeiras como essas também acontecem na ERPP segundo uma das alunas
entrevistadas.
Seria um tanto complexo e desafiador falar do brincar partindo de onde falo,
imergida no Método Montessori, no entanto, quando tiramos o peso da diferença
imposta entre o brincar e o trabalhar, ou o jogo (HUIZINGA, 2000) e a seriedade
conseguimos pensar e produzir sentido de uma melhor forma. Para Huizinga “O jogo
não é em si mesmo nem bom nem mal” (p.125), em outras palavras, não podemos
tachar o brincar como negativo ou positivo, o brincar simplesmente acontece à
revelia de quem quer que seja.
Se compreendermos o brincar como sendo esse simulacro da realidade ele é
complementar ao “trabalhar” montessoriano. O que confunde nossa mente é
somente o fato de que nas últimas décadas o brincar virou sinônimo de brinquedo e
nos últimos anos mais precisamente, brincar virou sinônimo de nada, é isso
mesmo...de nada pois o que menos permitimos às crianças fazerem é brincar e elas
desde a mais tenra idade se acostumam com isso e se satisfazem e se entorpecem
com nossas telas reluzentes e mágicas!
Ainda com base em Huizinga (2000, p.10) “o jogo não é vida ‘corrente’ nem vida
‘real’. Pelo contrário, trata-se de uma evasão da vida ‘real’ para uma esfera
68
temporária de atividade com orientação própria. Toda criança sabe perfeitamente
quando está ‘só fazendo de conta’ ou quando está ‘só brincando’”. Podemos
perceber com isso que essa divisão entre o momento de brincar, o momento de
trabalhar, o momento de estudar , o momento de lanchar etc. é uma divisão tola,
pois nós adultos bem sabemos que a rigor cada um desses momentos distintos da
nossa vida e dia a dia são entremeados por quebras de “seriedade” tanto no
universo adulto, quanto no infantil e nós adultos não deveríamos interferir nisso.
Talvez o cotidiano escolar fluísse melhor se essas barreiras não existissem. E foi
exatamente isso que Montessori demonstrou, que era necessário deixar a cargo da
criança a utilização do seu tempo. Huizinga (2000, p. 14) diz que,
A criança representa alguma coisa diferente, ou mais bela, ou mais nobre, ou mais perigosa do que habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai, uma bruxa malvada ou um tigre. A criança fica literalmente "transportada" de prazer, superando-se a si mesma a tal ponto que quase chega a acreditar que realmente é esta ou aquela coisa, sem contudo perder inteiramente o sentido da "realidade habitual". Mais do que uma realidade falsa, sua representação é a realização de uma aparência: é "imaginação", no sentido original do termo.
Em nosso capítulo teórico já apresentamos a distinção feita por Montessori entre
fantasia e imaginação. Essa diferenciação não explorada em Huizinga dá lugar a
uma interpretação positiva desse jogo de fantasia/imaginação realizado
cotidianamente pelas crianças. E a exemplo do que ele expõe a criança não perde o
sentido da sua realidade, mas o faz com consciência de que é apenas um momento
em que se “transporta” e depois retorna. Não interpretamos o brincar como uma
fuga, talvez porque não disponha aqui do conhecimento psicológico suficiente para
fazer abordagens como essa. Mas defendo que o brincar/jogar/trabalhar deve ser
sempre livre e desimpedido.
É certo que a defesa aqui não é pela desordem, anulando toda e qualquer regra de
utilização dos espaçostempos, mas sim uma reflexão acerca da sensibilidade que
devemos ter à necessidade das crianças ( e também de adultos) em brincarem e/ou
desenvolverem atividades com outras finalidades para além do brincar como fim,
porque essa já é uma boa finalidade!
69
4.1.2 O currículo e as práticas pedagógicas na ERPP
Desde a sua gênese a Escola Recanto do Pequeno Príncipe se utiliza do Método
Montessori como orientador da sua prática pedagógica. A escola que há 50 anos
iniciou os seus trabalhos com uma classe multisseriada mantém em sua essência os
preceitos do método e o respeito às crianças. E a palavra RESPEITO pode ser
identificada como um mote nessa escola, pois nas falas dos entrevistados ela
aparece com frequência e com grifos.
Acredito assim que o método Montessori é um método que aproxima sem forçar a criança do aprendizado, aproxima a criança do conteúdo em geral, a ela ter curiosidade em buscar, eu acho que o Montessori é isso, além do mais respeita muito os limites, eu acho que respeita também os limites das crianças, eu acho que é isso. (fala da mãe de M. G. - 10 anos)
No que diz respeito ao funcionamento cotidiano da escola, há diferenciações claras
com relação às escolas convencionais. Desde a sua estrutura física ao modo como
se estabelece a relação com a família, se percebe os fortes elementos do Método
Montessori materializando um currículo.
Para discorrer acerca de como o Método Montessori se dá na escola pautei-me nas
definições das características essenciais de uma escola Montessori definidas pela
Montessori Public Policy Initiative (MPPI) expostas no Quadro 1.
Com relação ao que um currículo montessoriano preconiza a escola cumpre
integralmente os itens a e b (quadro 1). As salas de aula explicitam um ambiente
preparado com as estantes e seus materiais expostos e disponíveis para as
crianças, bem como toda a mobília adaptada ao tamanho dos mesmos em um
ambiente convidativo com plantas, cortinas de tecido e toalhas de mesa fazendo
alusão a um ambiente familiar, acolhedor e acessível às crianças.
A escola também possui os materiais montessorianos (torre rosa, escada marrom,
encaixes metálicos etc.) para cada sala de aula. As estantes encontram-se bem
organizadas para cada uma das áreas de conhecimento do currículo montessoriano:
Sensorial, Linguagem, Matemática, Natureza, Sociedade e Vida Prática.
70
FIGURA 3 – Estantes com materiais montessorianos em uma sala de aula.
FONTE: Arquivo da pesquisa
Quanto aos períodos de trabalho (item c), a escola adota para cada turma uma
pauta diária. Nesse ponto opondo-se ao indicado no método a escola divide os
tempos se aproximando dos “horários” das escolas convencionais. No entanto, em
uma das observações ainda que a pauta estivesse presente no espaçotempo da
sala de aula algumas atividades aconteciam de forma concomitante como, por
exemplo, um momento de explicação de conteúdo matemático por parte da
professora, que apresentava os materiais a alguns alunos enquanto outros
lanchavam e ainda outros realizavam atividades nos livros didáticos, elemento este
aliás que não está presente no Método Montessori, mas que é utilizado pela escola.
Nesse sentido o “alto grau de liberdade” presente no item d ainda não ocorre na
escola, a despeito da pauta seguida, mas conforme o exemplo dado anteriormente o
que ocorre no espaçotempo da sala de aula da escola em questão é uma situação
de liberdade muito maior do que o que podemos encontrar em uma escola
convencional que não utilize o método.
71
FIGURA 4: Pauta de aula em um agrupamento de crianças de cinco anos
FONTE: Arquivo da pesquisa
O ensino individualizado na educação infantil ou em pequenos grupos no ensino
fundamental (item e) ocorre de forma diversa. Na educação infantil pôde-se observar
ensino individualizado, mas também em grupos pequenos, como mencionado
anteriormente, ou ainda, o ensino para toda a turma. No ensino fundamental notou-
se o ensino em pequenos grupos, considerando-se ainda que as turmas possuem
poucos alunos. Em uma mesma sala por exemplo, de quinto ano, há duas turmas
cada uma com sua professora estudando temas diferentes e desenvolvendo
atividades diferentes. Desse modo, temos uma sala com pouco mais de 20 alunos,
no entanto, não estão todos a estudar o mesmo assunto.
As salas de aula da escola atendem bem ao item b do terceiro elemento do quadro.
São amplas, iluminadas, com portas e janelas largas e transparentes. Os armários
estão dispostos de forma a assemelhar-se a uma casa.
Quanto à formação dos profissionais a escola possui 13 professores com formação
no Método Montessori. Além disso a escola promove constante formação continuada
que acontece com a vinda de renomados professores de todo o Brasil para ministrar
72
cursos e reuniões semanais de estudo. Além disso, em seus 50 anos a escola
recebeu o 6º Encontro de Educadores Montessorianos da Bahia, o que representa o
tamanho de seu empenho em promover conhecimento acerca do método para seu
corpo docente.
FIGURA 5 – Miniatura de uma sala montessoriana exposta no corredor da escola FONTE: Arquivo da pesquisa
Características Essenciais de uma Escola Montessori
1. Implementar um currículo
Montessori que deve incluir:
a) Um projeto de sala de aula que seja compatível com os princípios do “ambiente preparado” montessoriano;
b) Um conjunto completo de materiais montessorianos para cada sala e grupo etário;
c) Períodos diários de trabalho ininterrupto, idealmente com períodos de trabalho de três horas;
d) Ensino caracterizado por um alto grau de liberdade concedida aos alunos, para que escolham em que trabalhar, onde trabalhar, por quanto tempo trabalhar;
e) Ensino que aconteça principalmente em pequenos grupos (Ensino Fundamental) ou individualmente (Educação Infantil).
2. Ter profissionais de
educação adequadament
a) Ter um professor principal em cada sala com uma credencial de formação de professores no nível com que trabalha, emitido por: AMI, AMS, NCME e/ou MACTE;
73
e formados, o que se define
por:
b) Ter membros da equipe envolvidos em constante desenvolvimento profissional em Montessori.
3. Possuir salas com:
a) Os agrupamentos etários adequados: 2,5/3-6, 6-9, 9-12, ou 6-12 anos de idade. Crianças de recém-nascidas até os três anos de idade e de 12 a 18 anos podem ser agrupadas por diversas configurações etárias;
b) Tamanhos de sala e relações criança/adulto que se alinhem com os princípios montessorianos. Os padrões montessorianos de sala de aula requerem ambientes de tamanhos maiores e relações de alunos por professor maiores do que o que geralmente se vê em salas tradicionais. Adicionar professores a uma sala de três a seis anos pode interferir com, mais do que encorajar, o aprendizado dirigido pelas crianças. Não seria incomum ver trinta ou mais crianças em uma sala de Educação Infantil ou Ensino Fundamental.
4. Avaliar o progresso dos estudantes por
meio de:
a) Observações dos professores; b) Registros detalhados.
Quadro 1 – Adaptação da Tradução de “Montessori Essentials”, de Montessori Public
Policy Initiative (MPPI) – A Joint Collaboration – 2015. Traduzido por Gabriel M. Salomão
(www.larmontessori.com)
O currículo elaborado para o Ensino Fundamental15 na ERPP está estruturado da
maneira convencional, dividido por turmas (anos) e também por unidades. Os
conteúdos a serem trabalhados são apresentados de forma gradativa a cada uma
dessas etapas sem diferenciação do que vemos em conteúdos curriculares de
outras instituições.
A apresentação do currículo se dá pelas disciplinas também convencionais:
Português, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Informática, Inglês. É
importante destacar, não referindo-se apenas à ERPP mas com base em
experiências com outras instituições, a forma como se apresentam as disciplinas no
currículo.
15 No Método Montessori o currículo da Educação Infantil tem uma construção diferenciada com relação às escolas convencionais. Vide anexo I.
74
Quem um dia disse que primeiro vem o português e a matemática e em seguida as
ciências nos legou um sistema de pensamento no qual há uma espécie de
hierarquia entre as disciplinas e isso influencia fortemente na construção de um
currículo. Essa hierarquia se materializa na quantidade de horas delegada a cada
disciplina em sala de aula.
A justificativa de que sem o domínio da língua e da matemática não se consegue
estudar os demais conteúdos é válida, no entanto, por que não o inverso? Por que
não, após o domínio da leitura e da escrita (que não desconsideramos aqui ser
necessário adquirir) não se faz uma imersão cultural? Uma imersão na História e na
Geografia ou melhor no tempo e no espaço no qual esse aluno está inserido e a
partir daí se estudar todo o restante? Talvez a Educação Cósmica quisesse nos
trazer isso. Como bem apresenta STEPHENSON (2016, p.2)
O termo Educação Cósmica em jargão Montessori se refere à gradual descoberta da ordem para uma criança, uma global, unificada e universal visão do passado, presente e futuro. Tudo vindo junto de muitos conhecimentos em uma larga visão ou percepção, como um mosaico, da interdependência dos elementos do sistema solar, a Terra, planetas e animais, e a espécie humana. O caráter de nosso tempo é algumas vezes referido como a idade da informação; hoje as crianças são bombardeadas com fatos e informações de forma a não fazerem sentido ou essa informação chega em uma espécie de ordem. Educação Cósmica ajuda a que criança veja sentido em toda informação
Assim teríamos um currículo menos engessado, menos milimetrado. Pois mesmo
em uma escola montessoriana, e com mais propriedade falamos da escola
estudada, a régua divide o que é Ciências e o que é História, o que à minha
simplória sugestão deveria ser denominado de Ciências Naturais de forma clara e
explícita pois desse modo se cresce tendo a indução de que História e Geografia
não são ciência, por exemplo.
É importante dizer, porém, que esse enquadramento do currículo na ERPP não se
dá ao bom grado da direção. A Profª Oscarlina em suas próprias palavras e também
na dos professores de sua escola é avessa a essas delimitações, avaliações e
cobrança por resultados, fazendo a linha montessoriana mais literal, no entanto
relata que devido à necessidade de seguir o que o MEC preconiza e gerar
75
“resultados” para os alunos que sairão de sua escola ao completarem o Ensino
Fundamental I, essa formatação é necessária.
No entanto, a ERPP traz outros modos de praticar esse currículo que o tornam mais
livre, menos diretivo. A escola produz o Caderno de Atividade que é uma espécie de
apostila na qual os conteúdos a serem trabalhados são apresentados. O Caderno de
Atividade traz textos elaborados pela coordenadora pedagógica e são sempre
seguidos de atividades no próprio caderno ou direcionamentos para atividades a
serem realizadas na sala de aula de forma individual ou em grupo.
Os textos diferentemente da linguagem dos livros didáticos, são mais espontâneos e
fazem ponte com os temas transversais a serem trabalhados durante o ano. Os
cadernos são utilizados a partir da turma de dois anos de idade. Os livros didáticos
são utilizados somente no Ensino Fundamental e faz-se uso apenas do de
Português e Matemática e como mencionado pela diretora os mesmos são utilizados
como mais uma ferramenta e não como instrumento principal.
Assim, na dinâmica de ensino da escola além do uso dos Cadernos de Atividades,
do livro didático e dos materiais montessorianos disponíveis na sala de aula os
alunos também fazem as frisas (folhas de ofício coladas umas às outras), que são
estudos individuais acerca de um tema proposto no qual escrevem com suas
palavras o que pesquisaram acerca do tema, colando ou desenhando também.
Os alunos também participam das tribunas, que são apresentações mensais abertas
à toda a escola e também aos pais nas quais encenam, verbalizam e apresentam
suas produções acerca de um tema específico. Outro material utilizado pelos alunos
são os livros da Escola da Inteligência de Augusto Cury no qual realizam atividades
na escola e também em casa acerca de temas de ordem moral e ética.
76
4.2 AS OBSERVAÇÕES, OS DIÁRIOS E AS ENTREVISTAS: OUTRAS LENTES
PARA VER O MESMO OBJETO
4.2.1 As observações
FIGURA 6 – Lado externo da sala de aula da turma de 5º ano.
FONTE: Arquivo da pesquisa
77
FIGURA 7 – Lado interno da sala de aula da turma de 5º ano.
FONTE: Arquivo da pesquisa
Sobre a turma do quinto ano – Imagens 06 e 07:
Os alunos do quinto ano foram escolhidos para serem entrevistados e receberem o
diário conforme já explicitado na metodologia. Assim, destinei um espaço para
detalhar melhor como se dão as aulas nessa turma. A turma de quinto ano da ERPP
reúne-se em uma sala de aula e também em uma parte do auditório da escola que
por sua vez fica em frente à sala de aula. Nesse espaço reúnem-se a turma A e B
com três professoras. A ideia inicial conforme relato das professoras da turma era de
que utilizassem somente o espaço interno da sala de aula, mas conforme a própria
necessidade dos alunos e das professoras passou-se a utilizar também a área do
auditório que fica em frente a sala.
Descrevendo as imagens que por sua vez apresentam o espaço utilizado pelas
turmas do quinto ano, temos o seguinte: a) uma sala de aula ampla, com paredes
brancas, janela fechada por cortina, ar-condicionado ligado e boa iluminação
artificial. b) há uma divisão na sala feita através do próprio mobiliário. De um lado da
sala há mesas e cadeiras amarelas e do outro mesas e cadeiras laranjas. c)
78
somente de um lado da sala há um quadro branco e no restante do espaço há as
estantes com materiais montessorianos e outros materiais produzidos para
realização das aulas. Cada estante é destinada a uma área do conhecimento. d) do
lado de fora há mesas com cadeiras retiradas do espaço do auditório.
Com relação à dinâmica de aula dessa turma temos o seguinte: a) ao chegarem na
sala os alunos fazem a opção a respeito de qual aula desejam ter primeiro.
Dependendo da sua escolha vão para um dos três ambientes da sala. Após essa
primeira escolha fazem o rodizio de forma que passem pelas aulas das três
professoras no mesmo dia. b) a professora que fica do lado de fora da sala realiza
trabalhos que exigem discussão, trabalhos em grupo que no interior da sala seriam
mais difíceis de realizar devido ao barulho. c) nesse ambiente externo os alunos
sentam-se em grupo, duplas ou mesmo sozinhos afastados, como é possível ver no
canto esquerdo da imagem 06.
Esta dinâmica do espaçotempo dessa turma segundo as professoras propicia a
verdadeira interdisciplinaridade pois as três professoras conhecem tudo o que está
sendo trabalhado com a turma e podem intervir na área que considerarem estar
mais carente de reforço. Semelhantemente às turmas da Educação Infantil, nas
estantes há a presença dos materiais montessorianos, adaptados à idade deles e
que ficam lá expostos do início do ano ao período de férias escolares em julho e são
trocados no retorno das férias para adequar-se aos temas trabalhados na segunda
metade do ano.
Nas estantes vemos formas geométricas, fichas de análise morfológica das palavras
e trabalhos de artes. Segundo as professoras da turma sempre que se está
trabalhando um determinado tema os alunos dizem já ter visto acerca do mesmo nas
estantes, demonstrando que a materialização do que se trabalha em sala de aula de
forma permanente em seu espaço facilita ao aluno a compreensão e a familiaridade
com o tema.
As paredes são brancas, pois as cores já estão presentes em cada um dos
materiais. Não há cartazes fixados nas paredes, pois na sala nada é meramente
decorativo ou simplesmente expositivo. Os materiais e trabalhos expostos na sala
tem beleza, tem função e tem objetividade. Há uma carência sim, de relação com a
79
natureza, o que é percebido em toda a escola, apesar do esforço em manter jarros
de plantas nas salas e belas samambaias nos corredores. Mas esta tem sido uma
carência em muitas escolas e é algo que deveria ser urgentemente revisto. Mais
terra, mais planta, mais horta, por favor!
Conforme relato das professoras, a ideia de agrupar as turmas de quinto ano
ocorreu a primeira vez no presente ano de 2018 e que a princípio não contou com o
apoio da maioria dos pais que temiam que esse novo formato prejudicasse o
desenvolvimento dos seus filhos. Mas desafios a parte, as professoras dizem ser
positiva a experiência e até mesmo estranham a turma do turno vespertino por não
ser nesse formato, demonstrando o quanto já se adaptaram a este trabalho
conjunto.
A ideia original no Método Montessori é a das salas multisseriadas ou melhor
definindo multi-faixa-etária, pois os planos de desenvolvimento no método não se
dão contando séries ou anos, mas, sim, a partir de que faixa etária a criança está.
Propor esse formato multi-faixa-etária aos pais é mais difícil, pois a ideia que se tem
de crianças de idades diferentes em uma mesma turma é a da carência, da falta de
acompanhamento, quando na verdade uns ajudariam os outros em seu
desenvolvimento segundo Montessori. A turma agrupada do quinto ano da ERPP já
nos pode mostrar que a qualidade do aprendizado pode ser melhorada quando há
relação verdadeira entre tudo o que se estuda e também entre os professores da
turma.
80
FIGURA 08 – Crianças em escada na turma do NIDO (01 ano de idade) FONTE: Arquivo da pesquisa
FIGURA 09 – Mesa com fruteira na turma do NIDO (01 ano de
idade) FONTE: Arquivo da pesquisa
81
FIGURA 10 – Criança utiliza material de encaixe com peças pequenas
FONTE: Arquivo da pesquisa
Sobre a turma do NIDO – Imagens 08, 09 e 10:
Nido é como são denominadas as turmas para crianças de 01 (um) ano de idade no
Método Montessori. Essas turmas são assim chamadas fazendo alusão ao seu
significado em italiano que quer dizer ninho. O Nido da ERPP está instalado em uma
sala média, não muito grande ou muito pequena. O piso é todo revestido em um
material plástico resistente a alto impacto e não escorregadio. Há na sala três camas
baixas, duas mesinhas para trabalho individual, uma pequena mesa redonda e uma
escada. Há estantes com materiais sensoriais do Método Montessori e outros
confeccionados pelas próprias professoras através de sucatas.
Há alguns anos atrás, no meu primeiro contato com a escola, notei que nessa sala
havia uma TV a qual já foi retirada objetivando tornar a sala mais próxima da
proposta montessoriana. Esse inclusive é um sinal claro da seriedade com que se
trata a educação das crianças no método. Hoje em dia as escolas orgulham-se em
mostrar suas tvs de tela plana nas paredes de cada uma das salas da educação
infantil e aquelas escolas que por ventura não as tenham são consideradas mais
pobres. Ledo engano daqueles que buscam apoiar-se nesse recurso com infindas
cantigas repetitivas enchendo as mentes das crianças, que se soubessem
prefeririam muito mais o silêncio de uma atividade realizada por elas ao barulho das
telas estéreis!
Outro fato que me chamou muito a atenção em minhas observações é como
podemos ver de forma materializada a autonomia e a disciplina nessa turma. Ao
observarmos a imagem 08 e a imagem 10 vemos crianças em situações que para
muitos seriam de risco, para crianças de tão pouca idade. Mas as mesmas realizam
suas atividades de forma concentrada e mesmo consciente.
É admirável! Posso parecer boba ao admirar-me e surpreender-me com coisas tão
simplórias, mas é que ao ver tantas crianças tolhidas de autonomia ou o seu inverso,
tantas crianças em desequilíbrio de suas habilidades pelo excesso de liberdade,
encanto-me com a possibilidade de ver a capacidade que a criança tem de em
82
exercendo autonomia também ser disciplinada, sem prêmio ou punição, ambos
ausentes do método.
Essa autonomia também pode ser observada através da imagem 09 onde há uma
cesta com frutas que podem ser pegas pelas crianças a qualquer momento que
sentirem vontade de comer. O fato do alimento disponível ser uma fruta também
ajuda na criação de um bom hábito alimentar e é exatamente nessa idade que ele
deve ser estimulado.
À semelhança das outras turmas os materiais da sala do NIDO também são
trocados após o período de férias escolares em julho e as crianças mesmo tão
pequenas já participam das apresentações da escola vivenciando outras
experiências fora da sala de aula.
Diante de todo esse relato, no entanto, uma análise deve ser feita, almejando trazer
reflexão ao modo como se dão as experiencias na Educação Infantil. Eu, uma
simples licenciada em História, não pedagoga, porém desde minha primeira
experiência com a Educação Infantil ensinando a crianças de dois anos, fui
sensibilizando o meu olhar para esta causa e percebendo o quanto podemos
melhorar as experiências de vida dessas crianças.
Pois, afinal, quando falamos de Educação Infantil não estamos falando de Ensino,
mas de vida, da vida dessas crianças que tem seu momento crucial de
desenvolvimento nessa fase, já muito bem analisado por Maria Montessori. Do
contrário falaríamos de Ensino Infantil como o é nas outras fases educacionais
conforme denominamos aqui no Brasil: Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino
Superior.
As crianças precisam de mais espaços de vida! Precisam de mais terra, de mais
grama, de mais plantas, de mais formiguinhas. Precisam de mais árvores, de mais
joaninhas pra perguntar o que é. As crianças precisam de menos brinquedos pré-
fabricados e mais brincantes ao seu redor. Crianças precisam de quem as ouça e
não de quem lhes ponha um vídeo aos seus olhos e ouvidos. Crianças clamam por
dentro e choram ou se irrequietam por fora pedindo cada uma dessas coisas a seu
modo.
83
Se ao menos nos atentarmos para essas necessidades que as crianças têm,
deixaremos de medicar-lhes ou sedar-lhes com alopáticos, homeopáticos ou
tabletes mágicos. Essa é a filosofia montessoriana “a busca de respostas para a
educação e a vida da criança” (OMB) e isso partindo das suas próprias experiências
e não das experiências de nós adultos.
FIGURA 11 - Crianças utilizando copo de vidro no momento do lanche FONTE: Arquivo da pesquisa
84
FIGURA 12 – Estante de Vida Prática com jarras e potes de vidro FONTE: Arquivo da pesquisa
Sobre as demais turmas – imagens 11 a 14
Como já fora dito a estrutura das salas proporciona a autonomia e a disciplina da
criança em todo o tempo. Há jarras e copos de vidro, tanto para servirem-se no
momento da alimentação quanto para realizarem os trabalhos de vida prática
desenvolvendo habilidades motoras e sensoriais como versar um líquido de uma
jarra para outra ou levar sementes de um pote a outro. Essas habilidades que nos
parecem tão simples quando realizadas por crianças de três anos tem um
significado muito mais profundo. Quando ela consegue fazer e o consegue de modo
a não derramar é uma grande conquista, motivo de grande alegria e entusiasmo
para realizar outros trabalhos.
Em cada detalhe há o estímulo à ordem, não sendo a ordem externa um fim em si
mesma, mas um meio para se encontrar uma ordem interior, o equilíbrio. As crianças
são ensinadas que se deve pegar o tapete sempre que forem utilizar um material,
são ensinadas como se pega o material e como o devolver ao mesmo local e esse
ensino não se dá pelas palavras, mas demonstrando-o a elas. E assim elas o fazem,
pegam os materiais, o utilizam de acordo com o seu interesse e o devolvem ao
mesmo lugar tendo consciência do porquê estão fazendo cada um desses passos e
85
estimuladas a pensar no bem comum, pois aquele material precisa encontrar-se de
forma organizada para que outra criança o possa pegar.
Um outro detalhe importante com relação aos materiais expostos na sala é que há
apenas um exemplar de cada. Aquele grande conflito enfrentado por professores
quando uma criança deseja o que está na mão do outro aqui não é apaziguado
entregando-se outro item igual, mas, o próprio cotidiano da sala mostrará à criança
que ela não pode ter aquele material agora, mas em um outro momento ela o poderá
ter.
E em minhas observações nenhuma briga eu vi sobre quem pegaria tal material,
mas vi sim crianças compartilhando o mesmo material sentando juntas para com ele
trabalhar. Assim duplas e pequenos grupos iam se formando de forma espontânea
de acordo com o material escolhido, paralelo àqueles que por terem se interessado
por um material que ninguém mais se interessou, sozinhos permaneciam e
concentrados no que faziam não se abalavam pelo que lhes cercava. Naquele
momento era somente ela, a criança, e o material.
Aqui nos cabe uma discussão acerca da acessibilidade dos materiais. Os materiais
montessorianos são muito caros pois seguem um padrão preciso de medidas e
qualidade. No entanto, há materiais que podem ser confeccionados e levados para
qualquer escola. As letras de lixa e os encaixes metálicos por exemplo que feitos em
cartonados resistentes podem muito bem servir às crianças em fase de
alfabetização. E quanto aos materiais de vida prática, por exemplo, todos eles
podem ser encontrados em nossas casas e introduzidos em salas de aula de modo
a auxiliar essa criança a desenvolver suas habilidades que a ajudarão no dia a dia
da escola e fora dela.
Durante a realização da pesquisa tive o conhecimento por exemplo de uma escola
pública na cidade de Uauá-Ba, Escola Recanto da Criança, que há alguns anos
utiliza o Método Montessori e confecciona materiais para seu uso demonstrando que
é possível sim levar aspectos do método para qualquer outro modelo de escola. E
mais uma vez aqui não reivindico um mundo montessoriano ou todo um sistema
escolar montessoriano, mas sou a favor da criança de todas as classes e modos de
86
vida ter uma possibilidade de ser vista com outros olhos e de ter o reconhecimento
de suas habilidades, através do respeito às suas ações em sala de aula.
FIGURA 13 – Criança utiliza material escolhido por ela FONTE: Arquivo de pesquisa
87
FIGURA 14 – Criança busca na estante material a ser utilizado por ela FONTE: Arquivo de pesquisa
4.2.2 Os diários
A ideia de utilizar diários nessa pesquisa não surgiu desde o início. A princípio como
instrumento de coleta previ a utilização apenas das entrevistas semiestruturadas e
da observação. No entanto, após ter ouvido em uma sessão científica acerca de
uma experiência com diários reflexivos surgiu a ideia de fazer uso desse instrumento
considerando-se que poderia ser muito rico para colher dados vindos dos alunos.
Cogitei entregar os diários também para os demais sujeitos, mas essa intenção foi
descartada considerando-se que os mesmos poderiam ver a proposta como mais
uma demanda de “trabalho”, como algo a mais para tomar o seu tempo. Então,
procedeu-se com a entrega dos diários aos alunos, que conforme o apêndice II
indica, deveria ser escrito registrando a visão do aluno a respeito do que se passava
no cotidiano escolar e também sobre os seus pensamentos acerca dos mais
diversos assuntos.
O registro poderia ser feito das mais diversas maneiras, em prosa, poesia, colagem
ou desenho e a periodicidade da escrita ficaria a critério do aluno. Os diários foram
entregues no mês de abril de 2018 e recolhidos em agosto após as férias escolares.
88
O previsto era que cinco alunos novatos e cinco alunos veteranos recebessem os
diários, no entanto, havia na escola somente quatro alunos novatos entre o quarto e
o quinto ano. Entre os veteranos além dos cinco alunos já previstos houve mais um
interessado em participar.
Assim, entreguei um total de dez diários, mas tivemos a devolutiva de apenas sete
diários. O processo de recolhida dos diários levou mais tempo que o esperado. No
período de seis meses em que a escola foi visitada com periodicidade semanal para
a realização das observações, os alunos eram sempre lembrados acerca dos diários
com o intuito de que os mesmos não parassem a escrita. Esses momentos
aconteciam durante as aulas dos mesmos, pois em todo o transcorrer da pesquisa
buscou-se o mínimo de interferências nas aulas evitando prejuízo a alunos e
professores.
É sabido, portanto, que caso houvesse sido despendido tempo específico para um
grupo focal com os alunos provavelmente os resultados teriam sido mais
satisfatórios. Dois alunos que não devolveram disseram não ter encontrado os
diários. O outro aluno que não devolveu alegou falta de tempo relatando suas
inúmeras tarefas diárias como jiu-jitsu, natação etc. E mesmo entre os que
entregaram houve os que escreveram muito pouco alegando a mesma falta de
tempo. E aqui destaco essa “falta de tempo” para proceder com análise a esse
respeito mais adiante no texto. Dois alunos devolveram os diários em cadernos
diferentes (ainda que similares com relação à capa e formato) dos que receberam,
demonstrando que em algum momento os cadernos originais foram extraviados e a
anotação interrompida.
89
Apesar da recomendação de que utilizassem de diversas formas de expressão
gráfica, somente uma aluna apresentou desenhos junto ao seu texto e ainda assim
reproduzindo a repetição da sua rotina diária, a mesma repetia desenhos padrões a
cada dia e que com o passar dos dias foi se esvaindo no traço e ficando menos
caprichado o que aparentou ser uma certa fadiga ao transcrever sua realidade que
se repetia.
FIGURAS 15 e 16 – Diário da Aluna M. V. (10 anos) – A imagem 15 traz as anotações iniciais da aluna a qual caprichosamente representava por meio de desenhos as etapas do seu cotidiano escolar. Na imagem 16 a aluna, um mês depois, já começa a demonstrar um certo enfado na escrita do diário, diminuindo a quantidade e o detalhamento da sua arte.
FONTE: Arquivo da pesquisa
Entre os seis diários um se destacou pela organização das ideias, pela narrativa,
ortografia e também pela caligrafia. Aparentando até mesmo ter sido feito por um
adulto, no entanto, após confirmar a veracidade da escrita com aluno e professora
constatamos ser realmente uma amostra interessante, mas que comparando-a aos
outros diários demonstrou ser apenas uma notória exceção.
Os demais diários, apresentaram textos curtos com cerca de seis linhas ou ainda
textos de uma página (de um caderno pequeno) mas por apenas alguns dias. Houve
relatos que se apresentaram em mais de um diário como o relato de uma festa
90
preparada para um colega que perdeu a avó. A maior parte dos relatos traziam o
que eles faziam e não sobre o que sentiam, ou pensavam.
O que levaria crianças de dez ou onze anos a relatar falta de tempo? O que as
fariam iniciar a escrita com uma letra bem “desenhada” e alguns dias depois
escrever com uma letra bem diferente, mais “desleixada”?
FIGURA 17 – Diário do aluno C. H. (11 anos) – Destoando dos demais esse diário apresentou excelente escrita, tanto gramaticalmente quanto na coerência e coesão. O diário
inteiro segue sem rasuras e com caligrafia admirável para uma criança de 11 anos. FONTE: Arquivo da pesquisa
Assim, o que busquei encontrar nos diários não encontrei. Não pude detectar
nenhuma diferenciação nos diários, mesmo entre aqueles alunos que estão na
escola a menos tempo que os outros. Talvez por ter uma amostra pequena, ou por
mesmo dentro da amostragem selecionada não haver obtido retorno de todos. De
todo modo os diários nos mostram uma realidade escolar, quer seja montessoriana
91
ou não. Eles revelam o dia a dia na escola sob a ótica dos alunos e essa é uma boa
observação a ser feita.
4.2.3 As entrevistas
Nas entrevistas foram eleitas cinco categorias de perguntas: 1. Estrutura da escola
(ambiente preparado); 2. Papel do professor (adulto preparado); 3. Aprendizagem
(autoeducação); 4. Percepção de si e do outro; 5. Afinidade / Identificação com o
método.
Acerca da estrutura da escola as respostas foram bem positivas com relação ao que
ela disponibiliza de material e formato arquitetônico. A mãe Adriana sintetizou acerca
da estrutura da escola dizendo que “a sala contém todo o conteúdo” e essa apesar
de ser uma resposta breve é bem completa, pois dizer que a sala contém todo o
conteúdo é reconhecer na mesma o ambiente preparado requerido no método.
Com relação ao papel do professor as falas das crianças e pais entrevistados
giraram em torno de qualidades mais genéricas como a professora ser boa, ser
competente, dedicada etc. Já na fala da diretora da escola e da coordenadora o
destaque foi dado para o que indica o método a respeito desse papel. Para a
coordenadora Teresa “Professor não é aquele que ensina, professor é aquele que
orienta [...] mediadores que vão mediar o conhecimento, instigar a aprender para o
conhecimento chegar até ele [o aluno], incentivar a todo momento”. E na fala da
diretora Profª Oscarlina
Hoje [o papel do professor] é despertar esse interesse na criança, para que ele possa cada dia crescer e mostrar a ele que ele precisa estudar todos os dias, ele precisa estar preparado todos os dias, não estudar para a prova, daí a gente eliminar a prova.
Ainda acerca do papel da professora montessoriana Moraes (2009, p.68) destaca a
relação ambiente-aluno-professor estabelecida no método:
O controle passa da professora para o ambiente. O equipamento, os materiais, o mobiliário, o desafio dos objetos, a valorização da arte e da estética estimulam a criança a agir
92
independente do adulto, consequentemente, a interferência da professora deve ser mínima, na medida do possível.
Acerca da aprendizagem temos a valorização da utilização de materiais concretos, o
que, como reconheceu uma mãe, não acontecia na sua época “Então, na minha
época não existia, essa questão...muita coisa do concreto. A gente aprendia muito
por hipóteses. Era assim e acabou-se” (Entrevista com a mãe Adriana).
Nunes (2011, p.167) destaca a diferença que há entre ensinar e achar que se ensina
ao falar ou fazer pela criança, a despeito da educação convencional, estabelecendo-
se com verdadeiro ensino mediador
Ensinar na concepção da autora [Maria Montessori] não é falar diretamente à criança ou fazer por ela. Ensinar é oportunizar a aprendizagem, organizando o ambiente, colocando ao alcance das crianças os meios e os objetos para que ela própria na sua experiência elabore e conquiste o próprio conhecimento. O professor é, portanto, um observador que não deve ajudar a criança na atividade sem que haja sua solicitação.
Para a coordenadora Teresa “O método nos dá a oportunidade de colocar o aluno
como centro do universo, então eu na minha casa, no meu bairro, na minha cidade,
no meu Estado, e no mundo, ele tem que se sentir pertencente deste mundo e
explorar e aprender”. Dessa forma, a aprendizagem passa pela contextualização o
que no método traduz-se na Educação Cósmica.
Quando perguntados acerca do que viam de mais interessante no método a
resposta vinha sempre marcada pelo respeito.
O mais importante é o respeito à criança e a observação, porque muitas vezes o professor não se preocupa em observar as crianças, ai dá uma nota por prova, eu não, eu acho que a gente tem que observar a criança por isso, é esse respeito que eu acho mais importante. (Entrevista com Oscarlina)
Outro aspecto que se destaca no método é o amor pela ordem
O principal objetivo do método Montessori com os materiais, é a ordem, a ordem de como as coisas acontecem, como está distribuído na natureza (...) se você tem essa ordem na sua cabeça, você vai tirar de letra qualquer coisa, agora se as coisas ficarem desorganizadas em sua mente, você em qualquer ambiente que vá, qualquer coisa que você for fazer, vai sair de ordem, não vai ter aquela linha de pensamento, o método influencia sim. (Entrevista com Tereza)
93
4.3 A APREEENSÃO DO COTIDIANO ESCOLAR ATRAVÉS DE CATEGORIAS DE ANÁLISE
CATEGORIA DE ANÁLISE: TEMPO E ESPAÇO
NA TEORIA
“A criança diz: ‘Não me ajude! Não me atrapalhe! Deixe-me tranquila!’” (MONTESSORI, 2004, p. 78)
----- “A criança não pode se desenvolver se não tem a seu redor objetos que lhe permitam agir. Até o momento, acreditava-se que a forma de ensino mais eficaz era aquela em que os conhecimentos fossem ensinados diretamente pelos professores. Mas, na verdade, é o ambiente o melhor mestre. A criança precisa de objetos para agir; eles funcionam como um alimento para seu espírito.”
NA
ES
CO
LA
ENTREVISTA
“A criança realiza as propostas do dia no seu tempo, sabendo que naquele dia ela deve dar conta de uma quantidade de propostas. As propostas são previamente informadas para que, dentro do espaço organizado e familiar da sala de aula, encontre todos os meios necessários para realizar as propostas que foram apontadas para aquele dia”. ENTREVISTA À COORDENADORA
PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)
OBSERVAÇÃO
“Na turma das crianças de dois anos toca música ambiente, vão para o pátio fazer oração e molhar as plantas. Depois vão para a sala “fazer a linha”, fazem atividade no Caderno de Atividade. Tem aulas de música e inglês na própria sala de aula. Tem aula de Educação Física no outro prédio”. Anotações do Diário de Campo dia 28.06.18
O tempo e o espaço na ERPP ou os espaçostempos refletem a essência do método
desenvolvido na escola. O tempo é o tempo da criança e o espaço trata-se do
Ambiente Preparado. Isso não quer dizer que as atividades desenvolvidas na escola
aconteçam de modo desordenado ou aleatório. Há um planejamento, há uma
proposição de atividades, apresenta-se um caminho à criança e ela o segue, ao
menos em sua maioria. É verdade que da teoria ao observável percebe-se que
ainda há muitas delimitações, principalmente relacionadas ao tempo. Mas, com
relação a esse ponto pelo que apreendemos das falas dos gestores escolares,
certas delimitações existem para atender necessidades do MEC ou “exigências” dos
pais.
CATEGORIA DE ANÁLISE: ENSINO E APRENDIZAGEM
NA TEORIA
“o professor sem cátedra, sem autoridade e quase sem ensinar, e a criança transformada em centro da atividade, aprendendo sozinha, livre na escolha de suas ocupações e dos seus movimentos.” (MONTESSORI, 1990, p.125)
94
NA
ES
CO
LA
ENTREVISTA
“O ensino acontece de forma livre onde cada criança pode escolher dentro de uma relação de atividades descritas para aquele dia. Os alunos têm acesso ao conteúdo através de aulas dadas normalmente a pequenos grupos que depois trabalham com algum material referente ao que foi estudado para que haja a fixação do conteúdo estudado. Como as crianças trabalham com materiais a aprendizagem se torna mais significativa. Os alunos têm uma boa aprendizagem, visto que a matriz curricular de uma escola montessoriana é mais ampla do que uma matriz de outras escolas”. ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)
OBSERVAÇÃO
“Andando pelo corredor de acesso às salas, pelas largas portas de vidro que dão acesso a cada uma delas, me encanto com a forma como ficam dispostos os materiais, as mesas e cada item que compõe a sala. E essa estrutura dialoga com seus atores, professores e alunos parecem não ter um lugar exato para estar, em cada sala estão em lugares diferentes, fazendo coisas distintas mesmo numa mesma sala. A professora a ensinar a utilização de um material a um grupo de alunos atentos a sua explicação, divide espaço com outros alunos que estão respondendo atividades em mesas e outros ainda observando outros materiais. A professora ensina, os alunos aprendem, mas a ordem não é necessariamente essa, não o tempo todo. Anotações do Diário de Campo dia 25. 05.18
Se a aprendizagem se dá de forma diferente das escolas convencionais, não foi
possível averiguar nessa pesquisa, mas com relação ao ensino claramente podemos
afirmar que se dá sim de modo diferente. O Ensino não parte da figura do professor,
não somente. O ensino une vários aspectos. Para que o ensino aconteça é
necessário o Ambiente Preparado e o Adulto Preparado, assim a Educação como
Ciência pode acontecer.
CATEGORIA DE ANÁLISE: LIBERDADE E DISCIPLINA
NA TEORIA “a ordem e a disciplina estreitamente ligadas à espontaneidade [...] conduziam à liberdade” (MONTESSORI, 1990, p.146)
NA
ES
CO
LA
ENTREVISTA
“A liberdade falada no método não pode ser confundida. A criança tem liberdade para escolher o que faz primeiro, como resolve um problema, sem seguir aquilo que o professor apresentou. A criança é livre para lanchar dentro de uma faixa estendida de hora do lanche e de fazer escolhas sobre que atividades fazer primeiro, dentro do que está programado para o dia ou semana, depende da escola. A disciplina das crianças é algo nem peculiar, pois quando o trabalho é feito dentro daquilo que Montessori propôs o que se vê são crianças mais concentradas, autônomas e responsáveis pelas suas obrigações escolares. Uma criança que estuda dentro do Método Montessori tende a ser mais criativa, pois ela é incentivada a procurar formas diferentes de resolver as coisas no cotidiano. Em Montessori a disciplina deve ser uma coisa trabalhada desde cedo, mas essa disciplina não está voltada para a obediência a alguém, mas sim ao respeito a todos”. ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)
95
OBSERVAÇÃO
“Na turma do terceiro ano (...) caso queiram, os alunos ao terminarem a atividade podem estudar ciências ou matemática. Os comandos os alunos escolhem nas estantes”. Anotações do Diário de Campo dia 25.06.18
Esses dois pontos para mim são o que há de mais surpreendente no Método
Montessori. Talvez porque seja o que mais falta na escola convencional. Dar
liberdade para obter disciplina é o princípio para se chegar à criança normalizada, a
criança que não precisa de prêmios ou castigos, que age com respeito e não por
obediência imposta.
CATEGORIA DE ANÁLISE: PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO
NA TEORIA
“O Educador Montessori deve ser capaz de: [...] planejar currículos que satisfaçam as necessidades individuais e os interesses das crianças apropriados ao seu desenvolvimento, ao seu nível sócio-cultural e seu nível de experiencias: Demonstrar habilidade de diagnosticar as necessidades de aprendizagem das crianças através de diversos veículos. (como: observação, estudo de casos, testes, escalas de desenvolvimento, produções de atividades em classe.) [...]” -Competências necessárias para o educador de crianças pequenas exigidas pela AMS (American Montessori Society) (Apostila Curso de Atualização no Método Montessori por Jurema Yara Rosas p. 19)
NA
ES
CO
LA
ENTREVISTA
“O planejamento acontece como todo planejamento. A diferença é que você planeja o uso dos materiais que vai apresentar naquela semana. A avaliação acontece diariamente, através da observação que o professor faz em aula. Essas observações são escritas em caderno específico e no final de cada unidade (na nossa escola ainda são quatro) as professoras atribuem uma nota juntando as observações com as atividades que a criança produziu.” ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)
OBSERVAÇÃO
“Na turma do quarto ano [...] a professora devolve atividades (pontuada) para que os alunos refaçam. [...] No planejamento é feita a seleção dos textos. O material da sala é preparado para duas unidades”. (Anotações do Diário de Campo dia 25.06.18
A observação no método faz parte tanto do planejamento quanto da avaliação. Ao
observar o aluno a professora pode auxiliá-lo a encontrar o melhor caminho para a
sua aprendizagem e ainda com base nessa observação ter subsídios para avaliá-lo.
É interessante notar que o método não faz uso de provas, mas a atribuição de notas
se dá com base em instrumentos avaliativos diversificados.
CATEGORIA DE ANÁLISE: LÚDICO, ARTE E CULTURA
NA TEORIA [...] brincar com brinquedos e exercitar a imaginação por meio das fábulas representa duas necessidades deste período da vida
96
[infância]: a primeira atividade é entendida para instaurar uma relação direta com o ambiente, de modo que a criança, por assim dizer se assenhoreie dele e, fazendo-o, realiza um grande desenvolvimento mental. A segunda atividade revela a força da imaginação, que o menino põe nos seus jogos. Se lhe pomos nas mãos objetos ligados as coisas “reais” com os quais a exercite, é lógico que isto é de grande ajuda para ela, visto que é posto assim em condições de melhorar as suas relações com o ambiente (MONTESSORI, 1985, p. 149).
------------- “Mas transmitir a totalidade da cultura moderna tem-se tornado uma impossibilidade e, assim, surge a necessidade de um método especial, por meio do qual todos os fatores da cultura sejam introduzidos para a criança de seis anos; não se trata de um plano de estudo a ser imposto a ela, com exatidão de detalhes, mas da transmissão do maior número possível de sementes de interesse. (MONTESSORI, 2003, p. 12)
NA
ES
CO
LA
ENTREVISTA
“As crianças não têm ‘lúdico’ dentro da proposta montessoriana, pois ela trabalha com materiais que em si oferecem ludicidade, mas que não estão ali para brincar. Na verdade, eu entendo que, apesar de não apresentar a ludicidade como um ponto, o método em si é totalmente lúdico para a criança. Como eles possuem muito material em sala de aula, as aulas são apresentadas com materiais concretos e o trabalho é feito com autonomia, a criança se sente mais livre e faz o seu trabalho com satisfação. As escolas normalmente possuem parquinho e espaços verdes onde a criança pode ir quando tem vontade, mas isso não é algo voltado para a ludicidade e sim para a necessidade de regulação própria criança entre um trabalho e outro. A arte e a Cultura são assuntos sérios tratados na escola montessoriana que vê nessas suas propostas grandes possibilidades de aprendizagem. A arte é explorada segundo a ótica de artistas renomados em determinada arte e o trabalho tem profundidade que vai além da apresentação do nome do artista e de algumas de suas obras. A arte é tratada como algo muito importante para o crescimento da humanidade e o seu desenvolvimento ao longo da história. Nesse sentido também acontece o trabalho com a Cultura que é valorizada através de apresentações sejam elas da Cultura Local, regional, nacional e internacional, sempre com foco em um estatuto interdisciplinar, pois a Cultura abre possibilidades de trabalho nas diferentes áreas do conhecimento.” ENTREVISTA À COORDENADORA PEDAGÓGICA DO ENSINO FUNDAMENTAL DA ERPP (Profª Marnúbia)
OBSERVAÇÃO
“As tribunas representam um misto de ludicidade, arte e cultura. No aniversário da escola aconteceram apresentações para o público escolar e também externo que abordavam temas que iam da literatura à história da escola. Mas outras tribunas estão previstas para esse ano tratando acerca dos temas trabalhados em sala de aula como o corpo humano, festas regionais etc. Assim a tribuna se transforma no momento de profusão desses três elementos na escola”. Anotações do Diário de Campo dia 30.04.18
Apesar da ausência de recreio e da ausência de um espaço destinado ao brincar
(parquinho, por exemplo) a ERPP realiza em cada uma das suas ações em sala de
97
aula e fora dela a ludicidade e uma abordagem relacionada à arte à cultura. Há
somente um rigor com relação ao brincar ou não brincar no campo do discurso, mas
que na prática perde o sentido. As crianças em suas atividades cotidianas vivem a
ludicidade quer no trabalhar montessoriano, quer no faz-de-conta que também
desenvolvem entre um direcionamento e outro.
4.4 O QUE VEM A SER UMA ESCOLA? O QUE ESTAMOS BUSCANDO? DA
TEORIA À REALIDADE
A proposta deste trabalho foi tomar a Escola Recanto do Pequeno Príncipe como
estudo de caso para conhecer mais acerca do Método Montessori utilizado por ela.
No entanto, a proposta seguiu um pouco mais além na intenção de compreender o
cotidiano escolar, a cultura escolar e mesmo a forma escolar. Pois a indagação a
respeito do modelo de escola vigente nos faz ter essas categorias como pedra-de-
toque, como referência, para discutir acerca do que é a escola, da escola que existe
e da que gostaríamos de ter. Nos faz pensar nas escolas convencionais e o que viria
a ser o seu oposto, as escolas diferenciadas.
Para essa análise recorremos a VICENT; LAHIRE; THIN (2001) que ao escreverem
acerca da história e da teoria da Forma Escolar nos trazem luz a respeito de alguns
aspectos. Uma das primeiras colocações apresentadas por eles se dá com base
numa análise histórica e social feita por Durkheim para compreender o sistema
escolar. Ele afirma que a escola não seria o resultado do alcance da civilização, mas
sim o resultado de “causas definidas e estados sociais muito particulares”. Essa
afirmação transforma toda uma ótica de olhar para a escola como sendo a “salvação
do mundo” ou imaginando que a escola é o ápice do que chamam de mundo
civilizado ou mais utilizado nos últimos anos, de mundo desenvolvido.
Não, a escola não foi idealizada para ser como é simplesmente com o fim de ensinar
ou educar. Ela é como a conhecemos como resultado de muitas causas vindas de
outros campos, como o da política e da economia, por exemplo.
Mas o que seria a Forma Escolar então? “A forma é, antes de tudo, aquilo que não é
coisa, nem ideia: uma unidade que não é da intenção consciente” (VICENT;
98
LAHIRE; THIN, 2001, p.9 – grifos nossos). Pensar que não é coisa, nem ideia é bem
complexo, assim com base na teoria elaborada temos o seguinte:
Fonte: primária
Logo, dizer que o ensino está em “crise” na verdade tornou-se clichê, mas, essa
crise faz parte da constituição da Forma Escolar. A escola nunca estará acabada ou
em estado de perfeição. O modo como nos apresentam a escola nos faz acreditar
que ela é “eterna e universal” (p.11), mas na verdade essa ideia de crescimento
natural da escola vindo da antiguidade até os nossos dias é errônea.
A “invenção” da Forma Escolar que conhecemos se deu entre os séculos XVI e XVII,
foi a partir daí que começou a se trocar o “aprender fazendo” pelo aprender a ver
fazer ou a ouvir dizer. Antes da escola, aprender e fazer eram a mesma coisa, a
exemplo dos aprendizes de artesãos. E aí começa todo o nosso problema, ou seja,
junto com a escola, nasceu a descontextualização.
Por isso dizer que a escola “está” em crise é um erro, pois a escola é a própria crise,
ao menos a escola que ainda se apegue ao seu objetivo primeiro, que é o de fazer
aprender o aluno por meio do ensino, distante da prática, da prática real, e não
daquela simulada pelas tarefas e pelo cúmulo da simulação. Um exemplo disso são
os próprios simulados (provas que simulam vestibulares) que simulam o que vem
sendo simulado desde os primeiros anos da Educação Básica, a simulação da
realidade distribuída em conteúdos sem conexão!
Assim, acostumamo-nos todos ao que aprendemos na escola, com a escola e sobre
a escola, que nos parece que ela sempre foi e será assim. O tempo escolar marca
as nossas vidas. Dizemos que quando estudávamos tal série fazíamos isso ou
99
aquilo, planejamos a nossa vida para o depois do Ensino Médio, levantamos por
anos na correria de nossas vidas para ir a uma escola para sentados em uma
cadeira ouvir e ouvir.
E essa Forma e Tempo escolar prevalecem para além dela, quando a trabalhar
também temos tempos e tarefas a serem cumpridas ou mesmo a mãe com seus
filhos em casa, ao impor regras e disciplinas, numa relação de controle que
trazemos do que a escola nos legou. Aqui não venho trazer negatividade a essa
relação, mas chamar a atenção para o modo como a escola nos cerca por toda a
vida e que deveríamos pensar mais nela e em como ir contribuindo com esse devir.
FIGURA 18 – Criança no pátio da escola FONTE: Arquivo da pesquisa
Pensando nisso, no transcorrer da pesquisa e após o momento da qualificação,
atentei-me para uma grande questão que perpassa e ao mesmo tempo sintetiza
esse trajeto. O que é uma escola? Como ela vem sendo idealizada e percebida por
alunos, professores, pais, enfim, por uma infinidade de sujeitos que um dia já
passaram por ela? E mesmo os que nunca passaram certamente acerca dela tem
uma imagem formada, ou como disse, idealizada.
100
Assim, mesmo já havendo realizado as entrevistas com alguns dos sujeitos,
acrescentei mais esta pergunta e mesmo aos que já haviam sido entrevistados
demos a oportunidade de responder, via aplicativo de mensagens, à seguinte
pergunta: “Se alguém que mora em um lugar muito distante onde não há escola lhe
perguntasse o que é uma escola, o que você diria?”
A pergunta foi formulada desta maneira para tentar obter respostas mais fiéis ao que
realmente os entrevistados sentem com relação à escola. E para analisá-la realizou-
se a triangulação dos dados cruzando as respostas à pergunta, as observações do
ambiente e do cotidiano (espaçostempos) escolar e os registros nos diários.
Nas respostas foram encontradas algumas reincidências. A escola como lugar de
aprendizagem perpassa a maioria das falas, mas essa aprendizagem aparece
associada a outros elementos.
Temos a associação de aprendizagem e convívio: “Escola para mim era, é... Um
local de aprendizagem e de convívio com as pessoas, com os coleguinhas com os
professores, com pessoas diferentes da nossa família” (Adriana - mãe) e “Eu ia dizer
que é um lugar muito bom para aprender, pra fazer amigos, é, conhecer pessoas,
assim, é que te ajudam, é pra aprender coisas novas e muitas coisas.” (A. L. 11
anos - aluna). Em seu diário A. L. confirma a sua resposta à pergunta. Relata
sempre o seu cotidiano na escola com presença marcante das relações sociais que
desenvolve. Como no dia em que fizeram um lanche especial para um amigo que
perdeu a avó. A presença da palavra “amigo” é marcante em sua escrita,
demonstrando o lugar de onde fala.
Há também a associação de aprendizagem e diversão, apesar da mesma ser uma
“diversão programada”, como podemos ver na fala abaixo na qual o aluno diz “Eu
falaria que a escola é um lugar onde você aprende. Tem horários que você pode
aprender se divertindo, como tem atividades, que os professores fazem tipo
brincadeiras.” (H. 11 anos - aluno). Já H. foi um dos alunos que não entregou o
diário, disse não ter tempo devido às suas muitas atividades (jiujitsu, natação etc.). E
esse fato também chamou atenção, pois uma criança de 10 anos alegar falta de
tempo pode ser considerado normal, ou desejável? O excesso de atividades seria
uma solução ou uma falha na educação?
101
Também foi encontrado o destaque para a novidade do que se aprende na escola,
nesse sentindo opondo-se à ideia de repetição a ideia que aparece é a da escola
que ensina o que não se sabe ainda “Uma escola é pra você ir e aprender, coisas
que você não sabe.” (J. F. N. 10 anos - aluno) e também “Escola... eu ia falar que
escola é o lugar que a gente aprende mais coisas e aprende também a ser uma
pessoa educada.” (M. V. 10 anos - aluna). E na fala da aluna M. V. ainda podemos
perceber que ela traz uma diferenciação entre aprendizagem e educação, revelando
talvez uma percepção da aluna de que aprender conteúdos é uma coisa e ser
educado é outra muito mais completa.
Em seu diário o aluno J. F. N. corrobora com sua resposta à pergunta. A escola que
ele apresenta como sendo o lugar de aprender, em seu diário se expressa bem
diferente do cotidiano expresso pela aluna A. L., se para A. L. a palavra repetida é
“amigo”, para J. F. N. a palavra é “atividade/tarefa”. E assim ele segue citando cada
uma das suas atividades de português, matemática entre outras disciplinas que
parecem traduzir o que é escola para ele. Uma soma de conhecimentos que se deve
aprender.
Mas duas respostas chamaram mais atenção, e não por acaso foram as respostas
mais extensas. Uma delas demonstra uma associação da escola ao que poderíamos
chamar de Educação Político-cidadã, ainda que acreditando esse tema estar em
destaque devido ser ano eleitoral, de todo modo é interessante essa ter sido a opção
do aluno ao responder o que é uma escola.
Escola pra mim é um jeito da gente aprender sobre coisas que a gente vai enfrentar na vida lá fora e também, os dos principais [um dos papeis principais] da escola é ensinar sobre esse negócio de corrupção de presidentes e tudo mais. Porque a escola...porque esses negócios de corrupção têm que ser neutralizado primeiro na escola. (P. F. 10 anos - aluno)
E parecendo sintetizar o que podemos compreender por Educação Cósmica e o que
vem a ser uma escola essencialmente montessoriana, obtive a seguinte resposta
Falaria que escola é uma casa de estudos e que você vai aprender tudo sobre a vida, o que vai estudar, o que você vai saber, saber o que é certo e o que é errado, já saber o que é fração, multiplicação, vai saber todos os presidentes da era antiga, vai saber os verbos, os
102
adjetivos, vai saber o país todo... É um tipo, é uma forma de casa, só que, em forma de estudo. (L. 11 anos - aluno)
A descrição de L. nos remete à reflexão de Silva (2014):
Não só os armários, as mesas e as cadeiras, mas também as cores, os sons e a arquitetura se voltam para esses pressupostos. Espera-se numa casa-escola que o educando e todos os que convivem na comunidade (educadores, funcionários e gestores) experimentem, vivam e se sintam nesse ambiente como seres responsáveis, que participam dele e são pertencentes a esse local de convivência,
partilha e democracia, como numa família. (p.58)
Mas, para nos mostrar que a realidade se apresenta de múltiplas formas, estes
mesmos alunos que demonstraram tanta completude em suas respostas não
escreveram diários. P. F. sempre que questionado acerca do seu diário dizia não o
encontrar e L. chegou a dizer que não era muito de estudar e que não estava
escrevendo no diário. Uma opção? Escrever um diário para eles não soou
interessante ou mesmo era somente mais uma obrigação? Talvez!
Cada um desses depoimentos acerca do que vem a ser uma escola coadunam com
o texto de Vicent, Lahire e Thin. Elenco aqui cinco traços da forma escolar
apresentados por eles (p. 37-38) os quais podemos ver presentes nas falas acima
também:
1. Universo separado para a infância;
2. Importância das regras na aprendizagem;
3. Organização racional do tempo (e do espaço);
4. Multiplicação e a repetição de exercícios – cujo fim é o próprio fim;
5. Novo modo de socialização.
Assim, quando um aluno diz que a escola é um lugar de aprender, de fazer amigos,
de fazer atividades e no qual tem hora para brincar e hora para estudar constatamos
que a forma escolar se transpõe através do tempo, do espaço e de qualquer que
seja a classe social. Essa ideia do respeito ao emprego do tempo e de transformar
cada instante em instante de educação, são legados da forma escolar. E os autores
afirmam que a instituição escolar só tem sido tão criticada nos últimos anos devido
ao seu próprio “sucesso” pois os que mais a criticam são os mais escolarizados.
Alguma coisa deve ter dado certo então, criticar a escola deve ser objetivo constante
para reconstruí-la a cada dia, pois seu devir é perene.
103
E até aqui observamos que a escola montessoriana se inscreve no interior mesmo
da Forma Escolar. A sua diferenciação não altera seu vínculo com a Forma Escolar.
Até aqui as respostas não dizem o que é uma escola montessoriana, mas, a rigor,
dizem sobre o que é uma escola. Ou seja, as respostas não falam de um sistema de
pensamento montessoriano, mas sobre um sistema de pensamento sobre o que é
uma escola. Uma representação hegemônica, incrustada na vida social, sobre o que
é uma escola.
Essas afirmações definem um sistema de pensamento acerca do que é a escola
para os entrevistados. Considerando que os alunos entrevistados falam sobre um
que é uma escola, fazendo referência à escola que estudam, quando definem uma
escola estão definindo sem saber, o que é a escola montessoriana na qual estudam.
E isso demonstra o quanto é inseparável, ao menos para esses sujeitos, uma
desvinculação entre escola comum e escola montessoriana.
4.5 O QUE VEM A SER A INFÂNCIA? E SE AINDA É PRECISO PENSAR SOBRE
ELA
Não há quem possa dizer que a infância é algo indiferente para si, todos nós além
de obviamente já termos sido criança, temos ao nosso redor crianças próximas ou
distantes. Filhos, sobrinhos, alunos ou vizinhos que nos fazem ter sempre à nossa
vista a lembrança e o devir. Mas é provável que poucos sejam os que realmente
enxerguem essas crianças com um olhar mais atento e que fuja do superficial, do
atendimento às suas “necessidades”.
Historicamente a infância foi ascendendo, saindo das sombras “Até por volta do
século XII, a arte medieval desconhecia a infância ou não tentava representá-la. (...)
É mais provável que não houvesse lugar para a infância nesse mundo”
(ARIES,1973, p.50). De um lugar de exclusão, do lugar do não falante, a criança
passou a ser observada, analisada e isto com os mais diversos interesses.
Já por volta do século XVII o sentimento de infância oscilava entre o da paparicação
(o tratar a criança como a um animalzinho que faz coisas engraçadas), o da repulsa
à sua presença e o da severidade pela preocupação com a moral a ser construída
104
por esse homem principiante. Esse último sentimento originado entre os clérigos
daria impulso para o estabelecimento da instituição escolar.
A criança, enquanto durava sua escolaridade, era submetida a uma disciplina cada vez mais rigorosa e efetiva, e essa disciplina separava a criança que a suportava da liberdade do adulto. Assim, a infância era prolongada até quase toda a duração do ciclo escolar. (ARIES, 1973, p.191)
Posterior à Idade Média, na Modernidade a busca pela razão traz a escola como o
lugar por excelência para se colocar as crianças para que enfim as mesmas
encontrassem abrigo que contivesse seus impulsos e as direcionassem à “sã
consciência”. Daí que desde então a convenção é de que lugar de criança é na
escola, e aqui não queremos dizer que não seja, mas refletir sobre o porquê desta
“obrigatoriedade”.
Mas se Philippe Ariès trouxe até nós o conhecimento acerca do surgimento do
sentimento de infância lá na Idade Média, cabe-nos contextualizar neste momento e
considerar que uma infância não pode ser tomada pela outra. Ou seja, há uma
diversidade de infâncias, para além da individualidade do ser criança.
A infância são várias, varia de criança para criança. A infância no campo não é como na cidade; ela é mais curta. A da cidade pode ser desfrutada por mais tempo, já que não é preciso sair cedo para ajudar o pai no trabalho. Assim como a criança da favela não é igual à da criança do condomínio fechado. Elas não deixam de ser crianças, mas viverão a infância de forma diferente desde cedo; a outra não precisará trabalhar tão cedo e poderá ter uma infância mais longa, mas será privada da liberdade que a criança da favela desfruta. (LAURO, 2009, p. 48)
E ainda: Porém, mesmo no interior do mesmo espaço cultural, a variação das concepções da infância é fundada em variáveis como a classe social, o grupo de pertença étnica ou nacional, a religião predominante, o nível de instrução da população etc. (SARMENTO, 2007, P. 29)
Essa multiplicidade de infâncias é simultânea e quase infinita, basta pensarmos que
enquanto se fala de infância na Idade Média esta é apenas uma versão europeia e
que em outros lugares do mundo infância não era o que se presumia a esta época,
neste lugar específico. Visto que esta divisão da História é apenas uma ótica
europeia de definir a “evolução” e “desenvolvimento” do homem no mundo.
105
Além da necessidade de se educar o olhar para a particularidade de cada infância é
preciso não incorrer no erro de lançar um olhar adultocêntrico sobre ela. O olhar
adultocêntrico é o que corriqueiramente utilizamos ao falar sobre as crianças. Com a
desculpa de que é difícil atribuir sentido, ou veracidade, ao que as crianças falam e
fazem, abrimos mão de ouvir e registrar suas impressões e tantas vezes ouvimos
apenas o que dizem os seus pais, seus professores.
É preciso considerar a natureza ativa (SARMENTO, 2007) das crianças, estas como
sujeitos sociais. As crianças pensam, agem, produzem, reinventam basta que lhes
demos espaço.
As crianças devem ser ouvidas, devem ser respeitadas e é respeitando-as que elas
aprenderão o que é respeito e se esse respeito não vem de casa, professores não
farão mágica! Assim, a escola sobrecarregada por ter que educar até mesmo o
caráter das crianças vai deixando de lado o que poderia fazer muito bem: permitir à
criança ser criança em um espaço e um tempo só dela. Mas,
As escolas continuam insossas, insipidas. Desconectadas do lugar do lúdico na educação da criança. [...] O recreio em muitas delas foi suprimido, porque as escolas entendem que ele se tornou apenas lugar de bagunça. Ou então não querem perder tempo porque precisam preencher os formulários e atingir os indicadores. Essa parece ser a paranoia do presente! (PINZOH, 2016, p. 53)
E como já falamos aqui a ERPP não tem recreio, mas a questão central não está no
ter ou ter recreio, mas se esses espaçostempos da escola estão sendo aproveitados
para o benefício da criança.
Em nossos dias a infância tem sido bombardeada pela mídia, pelo consumo, pela
violência e por tudo de ruim que já povoava o mundo adulto e que agora as assedia
muito mais cedo. As crianças são estimuladas à competição e à busca pelo sucesso,
muitas vezes a qualquer custo, desde cedo. Aí nesse cenário, a escola pode ser o
reduto de valorização da verdadeira infância.
Montessori viu na criança o que de mais puro poderia haver no mundo, não uma
pureza ingênua, mas uma pureza por ainda não haver se contaminado pelo que o
adulto é e faz. Está cada vez mais difícil encontrar essa pureza e isso é nossa culpa.
106
Se há um desejo a ser declarado é o de que as escolas tenham ambientes e
pessoas preparadas para educar as crianças independente de onde venham e para
onde elas possam ir. Não devemos parar de pensar na infância, ela traz o segredo
do que buscamos para o bem viver.
4.6 A CEREJA DO BOLO! A RESPOSTA A NOSSA QUESTÃO DE PESQUISA
Certa vez, ao tentar compreender melhor o que viria a ser a triangulação dos dados,
deparei-me com um vídeo no youtube intitulado “Modos de Fazer – triangulação em
pesquisa qualitativa”, do Vozes da Igualdade – o canal da Anis, de um instituto de
bioética16
. Ao assistir o vídeo pensei “Uau! Consegui entender esse negócio!” Mas, o
mais interessante foi entender que o segredo do sucesso de uma pesquisa é fazer
aparecerem os seus insucessos. Isso mesmo! Demonstrar todos os passos do
caminho sem omitir nenhum, pois além de não ser ética a omissão, demonstrar as
falhas também é didático.
Pois bem, após compreender que minha pesquisa não precisava se parecer com um
bolo de noiva muito bem coberto com linda camada de massa branca, no qual só
apareceria o que tinha dado certo, optei por ir demonstrando o que foi dando errado,
ou sob uma outra ótica o que foi dando certo, porém não como o planejado. Assim,
se parecendo muito mais com um desses bolos pelados que se fazem hoje em dia,
os Naked Cake, que fazem aparecer sua massa, recheio e cobertura venho
demonstrar como cheguei até aqui, até a cereja do bolo!
A princípio, havia elencado a fenomenologia como método de pesquisa, mas após a
qualificação foi considerado pela banca que a etnometodologia se aplicaria melhor.
Pois bem, ainda não conhecia a etnometodologia e ao estudar a mesma com base
no texto de Alain Coulon, verifiquei que realmente a minha pesquisa se enquadrava
mais nesse método.
Cabe aqui uma discussão acerca do que vem antes, o método ou a pesquisa. É
certo que os professores de metodologia dirão que primeiro tem que se saber qual
será o método seguido, porém esse é um caminho que se faz caminhando e senti-
me muito mais segura ao dizer qual foi o meu método após já ter segurança acerca
16 https://www.youtube.com/watch?v=TyZ-8V3eX7Q
107
do meu campo e da minha pesquisa. Em outras palavras, percebi que minha
pesquisa se tornou etnometodológica realizando-a e não idealizando-a.
Alain Coulon elege cinco conceitos da etnometodologia os quais apresento aqui em
formato de diagrama:
Esses cinco conceitos fizeram-me compreender melhor o que eu estava fazendo, o
que e como eu estava pesquisando. Optei por destacar o conceito de número cinco
pois este é o principal para minhas análises, como veremos.
Primeiro conceito – Coulon diz que “As atividades práticas dos membros, em suas
atividades concretas, revelam as regras e os modos de proceder” (p.31-32) e assim
se deu nessa pesquisa. Somente observando a realidade como processo é que a
mesma pode ser compreendida. Somente observando a escola e dando a mesma
atenção aos fatos extraordinários quanto aos corriqueiros é que pudemos ver
reveladas suas regras e os seus modos de proceder. É o que Coulon também vai
chamar de “prática social reflexiva” (p.30). Lendo os documentos e materiais
didáticos disponibilizados pela escola ou mesmo entrevistando seus membros não
temos como obter esse resultado pois a realidade está em processo. Posso aqui
trazer um exemplo das minhas observações. Em uma das minhas anotações acerca
das pontuadas17, relato que os alunos não têm conhecimento prévio das mesmas,
17 As pontuadas são avaliações realizadas pela escola em substituição às provas convencionais. Em geral, não se avisa ao aluno com antecedência a respeito da aplicação
1. PRÁTICA
Realidade como processo
4. ACCONTABILITY
O mundo é descritível
2. INDICIALIDADE
A realidade deixa apenas indícios
3. REFLEXIVIDADE
Descrever uma situação é constituí-la
5. NOÇÃO DE MEMBRO
os membros conhecem as regras implícitas
108
pois, a ideia é de que não se estude como se estuda para uma prova, mas, que sua
aplicação se dê em um processo natural na sala de aula.
No entanto, em uma das minhas últimas visitas à escola, somente para buscar um
termo que deveria ser assinado por uma professora, olhei para o quadro branco e vi
escrito “pontuada de matemática amanhã”. Perguntei à professora se esse aviso
sempre era dado, ela disse que em outras turmas não se avisa, mas, que ela gosta
de avisar para os alunos se prepararem. Bem, este é mais um exemplo do momento
onde percebi e percebo que a realidade não é estática, não é engessada, não posso
dizer que na escola se faz desse e daquele jeito, como se isso fosse uma regra
absoluta, pois, a escola é formada por inúmeros atores e cada um a seu jeito
constrói essa realidade e vai dando forma a essas regras e modos de proceder.
Segundo conceito – Coulon vai dizer que a análise das situações indiciais é
contínua, pois se os indícios são apresentados na realidade e a realidade é um
processo essa premissa é verdadeira. O pesquisador deve considerar o que ele
chama de incompletude natural das palavras. Em uma entrevista ou em uma
conversa as palavras trarão sempre sentidos diferentes, mas deixam indícios do que
seriam na realidade. O autor dá o exemplo de et caetera (etc.) que quando utilizado
prevê-se que há um “saber comum distribuído” pois, o interlocutor deverá saber do
que se compõe o et caetera, pois, as evidências já foram dadas em palavras
anteriores. A repetição de palavras em um trecho curto de fala por exemplo, traz
essa indicialidade como a palavra respeito, que figurou repetidas vezes nas falas.
Terceiro conceito – Ao me deparar com esse conceito tive uma melhor
compreensão do que eu estava fazendo. “A reflexividade designa a equivalência
entre descrever e produzir uma interação entre a compreensão e a expressão dessa
compreensão.” (p.42).
da pontuada, visando tirar o peso de se estudar somente para ela. Outra característica é que a pontuada após corrigida pela professora retorna para o aluno que com a supervisão da professora buscará as respostas corretas às perguntas.
109
Figura 19 – Diagrama da reflexividade
FONTE: Primária
Percebi que ao descrever o que se passa na ERPP, eu estava produzindo não
apenas a minha compreensão a respeito do se passa lá, mas a minha própria
descrição produz uma compreensão. O Método Montessori e o que ele produz na
escola (sistema de pensamento) não tem um “lugar” ou um “momento” específico a
partir do qual se possa abstrair acerca do mesmo. Os espaçostempos na escola são
múltiplos e perenes. Como diz Coulon “o código é vivido...não é objeto de
conversações” (p.40). O código é vivido e ao mesmo tempo “traído”, modificado.
Por isso, foi tão difícil retirar dos discursos, das entrevistas, dos diários declarações
acerca do método e do que ele produz ou influencia. A escola em seu cotidiano vive
seus códigos e eles estão lá, todos dados, mas não se apropria dos mesmos de um
instante para outro, a prova disso é que na escola há uma valorização com relação
às professoras com mais tempo na escola pois elas guardam o tesouro. A Profª
Oscarlina guarda o tesouro e assim “as velhinhas do Montessori”, como declarou
uma das coordenadoras, vão vivendo e repassando esse código de uma geração a
outra, mas cada um desses códigos não está em um manual único, há de se trilhar
um longo caminho para apropriar-se deles. E compreender como pensam e agem
esses professores e alunos é coisa de pesquisador, porque quem vivencia seu dia a
Descrever
Expressão da compreensão
Compreesão
110
dia na escola não teoriza sobre ele, tão somente o vive e é disso que o conceito da
reflexividade fala.
Quarto conceito – O mundo é descritível! A expressão “accontability” tem sido
usada e conhecida no campo da administração como sendo sinônimo de prestação
de contas, mas na etnometodologia ela é sinônimo de descrição. O mundo social é
analisável. O cotidiano escolar é analisável. Uma definição é importante trazer aqui
nesse momento
É o sentido que se deve dar, em todos os estudos etnometodológicos, à expressão, tão repetitiva e tão misteriosa, de account: se eu descrevo uma cena da minha vida cotidiana, não o faço enquanto ela me “diria” o mundo que minha descrição pode interessar a um etnometodólogo, mas enquanto essa descrição, em se realizando, “fabrica” o mundo, o constrói. Tornar o mundo visível significa tornar a minha ação compreensível, descrevendo-a, pois eu mostro o seu sentido pela revelação a outro dos processos pelos quais eu a relato. (p.46 – grifos nossos)
Estar em uma escola montessoriana – e especificamente na ERPP – e analisá-la e
descrevê-la é, segundo a etnometodologia, criar essa realidade, fabricar esse
mundo. Quem ler este trabalho nunca poderá dizer que conhece a ERPP, mas sim,
que conhece a análise que fiz dela. Assim a minha compreensão produz uma outra
compreensão, o que também está ligado ao terceiro conceito. Toda a realidade
social é descritível, ao passo que é descritível também é fabricada. O meu relato é
um constructo.
Assim, quando digo que as crianças são equilibradas e trabalham com seus
materiais de forma concentrada e interessada, manipulando objetos de vidro ou bem
pequenos para a sua idade, esse é o “mundo que eu fabriquei” daquela situação
observável. Esse “mundo” por sua vez será analisado por outros que terão suas
próprias compreensões a respeito do que se passa nesse universo.
Quinto conceito – O conceito de “Noção de membro” traz a ideia de que,
Um membro não é portanto apenas uma pessoa que respira e pensa. É uma pessoa dotada de um conjunto de modos de agir, de métodos, de atividades, de savoir-faire, que a fazem capaz de inventar dispositivos de adaptação para dar sentido ao mundo que a cerca. É alguém que, tendo incorporado os etnometodos de um grupo social considerado, exibe “naturalmente” a competência social que o agrega a esse grupo e lhe permite fazer-se reconhecer e aceitar (p.48 - grifos nossos)
111
Compreendendo o que é a Noção de Membro pude especificar melhor o que era o
Sistema de Pensamento na escola estudada. Percebi que a busca por saber se o
Método Montessori produz um sistema de pensamento, à luz do que Pierre Bourdieu
define, pode ser melhor explicitado se analisado sob a ótica da Noção de Membro.
Na tentativa de expor melhor minha compreensão acerca desses conceitos
apresento o quadro a seguir.
Assim, o que a princípio demonstrava ser um tanto complexo, que era a tarefa de
observar se o Método Montessori produz um sistema de pensamento próprio nos
sujeitos escolares, após a análise com base na ideia da Noção de Membro percebi
que o Sistema de Pensamento é inerente a um grupo social estável e com regras
próprias, sendo assim, todo grupo social produz um sistema de pensamento próprio
à luz da noção de membro. E se pareci descobrir a roda dantes já descoberta, na
verdade teorizei em torno da práxis da realidade escolar, realidade essa que se
Sistema de Pensamento
Definição:
Programa homogeneo de percepção, pensamento e
ação
Ocorrência:
Ocorre a indivíduos formados em uma mesma escola de
pensamento
Características:
Resultado do molde e da programação que a escola faz dos sujeitos
Noção de Membro
Definição:
Conjunto de modos de agir, de métodos, de atividades, de savoir-
faire (tino)
Ocorrência:
A Noção de Membro acontece aos membros de um grupo social
Características:
Torna o sujeito capaz de inventar dispositivos de
adaptação para dar sentido ao mundo que o
cerca
112
demonstrou rica em detalhes dos quais podemos refletir e mesmo nos apropriar para
outras realidades e espaçostempos de educação.
113
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tarefa de finalizar uma pesquisa é talvez tão difícil quanto a de iniciar! O mesmo
turbilhão de dúvidas principiantes parece parir tantas outras indagações. Talvez não
fosse para ser assim. Talvez ao final de uma pesquisa devêssemos ter tudo claro
em nossa mente, cada objetivo respondido com nossos arquivos guardados em
caixinhas, mas a complexidade da pesquisa até aqui nos acompanha. E traz para o
fim dessa linha toda uma bagagem que nos estimula a continuar a viagem em outro
momento.
Busquei encontrar a resposta à minha pergunta que era saber se o currículo
montessoriano produz um sistema de pensamento próprio nos sujeitos escolares e
felizmente ou infelizmente, a resposta não cabe em um sim ou em um não.
Um dos meus objetivos secundários foi estudar o Método Montessori e o Sistema de
Pensamento segundo a definição de Bourdieu. Quanto à primeira parte deste
objetivo pude perceber que o estudo do Método Montessori não se resume à leitura
das suas obras nem mesmo à observação da sua prática em uma escola. Aqueles
que se dedicam ao método o fazem por anos e a cada dia descobrem e
redescobrem esse ou aquele modo de praticá-lo melhor. Ou ainda, descobrem a
essência do que Montessori disse em algum de seus textos já lidos e relidos,
fazendo olhar a criança de uma forma mais cuidadosa e respeitosa ainda.
Estudar o Método Montessori é estudar minuciosamente suas obras, a respeito do
que a ERPP pratica ao reunir suas professoras semanalmente para esse fim. É
manter uma formação continuada participando de treinamentos e eventos na área,
prática também realizada pela escola. Mas há uma forma ainda mais completa e
necessária de manter-se aprofundado e atualizado no método que é observando (e
amando) a criança. Somente estando com crianças em uma sala montessoriana se
poderá praticar, compreender e produzir sentido com relação ao método.
Com esta afirmação não excluo a possibilidade de se praticar os preceitos do
método sem que seja em uma escola montessoriana de fato, mas apenas reafirmo
que a escola e especificamente a sala montessoriana fala por si, os materiais falam
114
por si e por sua vez conversam com as crianças e nesse diálogo é que vamos
apreendendo a essência do método.
Em vários momentos falo acerca da essência do método e essa palavra essência
não é somente uma força de expressão para mim. Visto que o nosso tão afamado,
mas por hora esquecido, Dicionário Aurélio traz em uma de suas definições para
essência “o que constitui o ser e a natureza das coisas; caráter distintivo; ideia
principal” percebo que o utilizo aqui de forma adequada. Em todo esse tempo
busquei capturar, sentir a essência desse método, como ele se constitui, o que o
distingue de outros modos de ensino e de educação e por isso o interesse de saber
se essa essência se traduz e reverbera aos que nele tem acesso.
Em minhas palavras, defino o Método Montessori como sendo uma forma dedicada
de interagir com as crianças. Há pleno interesse em tudo o que ela pensa, diz e faz
e pleno respeito ao seu tempo de fazer as coisas e como faz uso do espaço. A sala
de aula é assim um espaço seu, diferentemente, da visão convencional de escola.
Na escola convencional, ainda que a voz do professor não atue em solo, ouvindo
também o que vem dos alunos, ele ainda é o regente no sentido duplo da palavra, o
que não é indicado no método.
Na prática, observamos que na ERPP há a presença dessas duas formas de
encarar a sala de aula. No primeiro momento da aula denominado de Atividade
Diversificada e mais ao final da aula na qual há o espaço para o momento de se
vivenciar a Vida Prática, o aluno é o dono de seus atos podendo utilizar o material
desejado e movimentar-se pela sala sem diretividade do adulto aos seus
movimentos. Mas há outros momentos nos quais o professor permanece como o
regente, como na linha por exemplo, onde todos aguardam o direcionamento da
professora ou na realização de atividades dirigidas em seus cadernos de atividades
ou nas pontuadas18.
Retornando às minhas impressões do método, eximindo-me de referenciá-lo nesse
momento ao que se passa na ERPP, ousaria apresentar cinco pontos aos quais
considero relevantes no mesmo. 1. O respeito à criança; 2. A dedicação à
18 Pontuadas são como a escola denomina avaliações que gerarão notas para os alunos. No geral, os alunos não são avisados desta avaliação com antecedência pois o objetivo não é que estudem para a mesma como se estudaria para uma prova, tirando assim o seu peso negativo.
115
preparação do ambiente; 3. A autonomia permitida à criança; 4. A conexão com a
vida real (ou contextualização) 5. Alternativa ao modelo de escola decadente.
Explanarei acerca de cada um desses pontos na intenção de clarificar cada um dos
pensamentos que orbitaram minha mente nesses dias de imersão no Montessori.
1. O respeito à criança – Essa é a marca da obra de Montessori, um profundo
respeito pela criança, o que na sua época era novidade. De lá para cá muitos
foram os direitos alcançados pelas crianças, inclusive a própria Declaração
Universal dos Direitos da Criança e no Brasil o Estatuto da Criança e do
Adolescente refletem essa luta em considerar a criança um detentor de
direitos e não somente um ser que aguarda sua maioridade para existir na
vida pública e mesmo privada.
A criança é ouvida, sua dignidade é preservada. Espera-se dela surgir uma
humanidade mais pura, menos egoísta. A criança desde o seu nascimento é
atendida conforme as suas demandas e não segundo o que o adulto acredita
que lhe seja necessário. Se um bebê em sua fase de engatinhar ao acordar
tem por instinto erguer-se e sair, não se deve cercá-lo em um berço
impedindo-lhe os movimentos, mas sim, ser posto um colchão ao chão. Esse
é um exemplo do respeito à criança no método.
Ações que se apresentam como simplórias, mas que, para a criança que as
vivenciar serão demasiadamente significativas. E antes que me digam que
escolas não possuem berços e que trago um elemento estrito da casa para
uma análise que é da escola, lembremo-nos que as instituições de Educação
Infantil fazem parte dessa análise e que em qualquer que seja a classe social
as crianças vão para a escola / creche / hotelzinho cada vez mais cedo.
2. A dedicação à preparação do ambiente – A escolha desse ponto a ser
evidenciado não é por acaso, o ambiente preparado é um dos pilares mais
importantes do método. Sem a preparação do ambiente ouso dizer que o
método não acontece. E essa preparação é realmente feita com dedicação,
pois são muitos os detalhes, são muitas as recomendações de como tornar a
casa ou a escola, ambientes democraticamente utilizáveis por adultos e
crianças. Não é simplesmente reduzir o tamanho das mesas e cadeiras (o
que teve início com Montessori, mas que hoje se vê em toda escola de
Educação Infantil), vai além disso.
116
Preparar o ambiente é estabelecer que a criança terá acesso ao que lhe
interessar e ao que lhe for útil sem a desnecessária intervenção de um adulto,
propiciando para a criança o seu pleno desenvolvimento e autoconfiança
gerados por realizar uma atividade sozinha. O ambiente convida a sorrir,
convida a deitar no chão e escrever, convida a sentar-se e trabalhar com os
materiais, convida a sentir-se um ser poderoso, um ser que sente sede e
pega seu copo em uma bela mesinha, um ser que para onde quer que olhe
encontra o que lhe possa manter ativo. A sala montessoriana é viva! Ela
produz vida em uma simbiose na qual ambiente e criança se complementam.
3. A autonomia permitida à criança – Os pontos aqui elencados se interligam. O
respeito está relacionado à preparação do ambiente que por sua vez é um
dos fatores que permitem a autonomia. A autonomia relaciona-se também
com a autoeducação outro pilar do método. À criança montessoriana poucas
coisas são negadas, na verdade o que não lhe é permitido não está à sua
vista. Após um primeiro momento de instrução sobre como utilizar cada
material a criança tem liberdade para explorá-lo a seu tempo. Diferentemente
da criança que na Educação Infantil só dispõe de massinha em seu “momento
livre” na sala de aula, a criança montessoriana dispõe de dezenas de
materiais que despertam o seu interesse para as áreas do conhecimento
trabalhadas no método.
4. A conexão com a vida real (ou contextualização) – O método propõe total
conexão com a vida das crianças. A sala de aula reproduz uma casa, com
suas estantes dividindo ambientes ou cômodos, com suas jarras, sementes,
frutas, porta-retratos, espelho, pentes e perfumes, temperos, plantas e
cortinas. Assim, a criança não aprenderá sobre uma cor olhando a mesma
impressa em uma folha de papel, mas vendo-a não só nos materiais
montessorianos, mas em cada um dos diversos elementos dispostos na sala.
Não aprenderá sobre leve e pesado olhando para imagens de uma pena e de
um sofá impressas em um papel (o que incrivelmente acontece em outras
escolas!) mas apreenderá ao tocar, ao transportar os mais diversos materiais.
Às crianças maiores, através da Educação Cósmica se faz a conexão de um
conhecimento com outro. Através de uma bolacha, por exemplo, se aborda
117
temas como escravidão que a partir da descrição dos elementos que
compõem a bolacha, como o açúcar, faz chegar a uma discussão como essa.
Assim, contextualização é algo que faz parte do método como um todo. O
contexto é micro e macro! O contexto montessoriano é cósmico, tudo está
interligado anteriormente à utilização de um conceito para tal. O seu livro Da
Infância à Adolescência, por exemplo, apresenta de forma brilhante essa
conexão entre os saberes.
5. Alternativa ao modelo de escola decadente - Esse para mim é o ponto chave
dessa pesquisa, o que há de interessante no enfoque que demos. Nesse
período de estudo do método, desde meu primeiro interesse antes de
ingressar no programa de mestrado até agora ao finalizar essa pesquisa. Me
esperanço ao imaginar que as escolas podem ser mais parecidas com uma
escola montessoriana e não que este seja o único e melhor dos métodos de
ensino, mas, se colhermos ao menos um pouco do que ele traz de positivo e
levarmos para as escolas daremos às crianças mais direito de serem felizes e
aprenderem, sem que isso seja um fardo para elas. A escola convencional
não atrai. A escola convencional castra sonhos, afasta da natureza, delimita
inteligências, transforma em tortura o que deveria ser uma forma de fixar
conhecimentos e ir em busca de novos.
Além de estudar o Método Montessori também me propus a estudar a categoria
Sistema de Pensamento com base em Pierre Bourdieu. Mas como já exposto
anteriormente, durante a condução deste trabalho fomos bebendo também de
outras fontes como Deleuze e Gatarri e Morin que apresentam outros conceitos
para essa apropriação do indivíduo daquilo que o circunda e assim o absorve,
transformando-o em um outro ser ou apenas se adaptando.
Este foi o ponto mais controverso, complexo e desafiador dessa pesquisa.
Busquei saber se um método, que à minha primeira vista trazia tanto diferencial,
poderia moldar esses sujeitos de uma forma também com bastante diferencial. E
essa minha primeira impressão baseou-se em percepções que tinha ao
conversar com professores do método.
O Método Montessori traz sim um sistema de pensamento próprio, ele está
reproduzido nos manuais elaborados por professores montessorianos, nos
118
artigos publicados em sites, nas falas e postura dos professores e no cotidiano
da sala montessoriana. Quanto aos alunos, são crianças como quaisquer outras.
A diferença está na oportunidade que as mesmas têm de realização que a outras
crianças são tolhidas. A criança montessoriana também corre, também tem
vontade de brincar na hora do recreio e também conversa quando o momento
era de silenciar.
Mas, as chamadas de atenção por parte da professora são bem menos
incidentes, gritaria quase não se ouve, o que é bem comum em outras escolas.
São mais habituados à concentração voluntária e mais pacificadores.
O habitus de uma escola montessoriana inclui sim o conceito de uma “família
espiritual”, como define Bourdieu, pois há uma identificação com o método por
parte das professoras e dos alunos e mesmo dos pais, que havendo estudado na
escola anteriormente levam seus filhos a esse mesmo lugar, buscando dar a eles
algo do que tenham já vivenciado lá. Há fotos de Maria Montessori por toda a
escola. No mês de aniversário dela há programações em sua homenagem. Em
suas falas as crianças fazem referência a Maria Montessori como sendo “a
primeira pessoa que se importou com as crianças”. Todos sabem que ela
buscava respeito às crianças e proclamava a paz.
Porém, há um habitus, um Sistema de Pensamento ainda mais forte, que é o
Sistema de Pensamento da escola convencional e hegemônica, este atravessa e
perpassa até mesmo uma instituição escolar montessoriana. A necessidade de
seguir os parâmetros curriculares nacionais e as orientações do MEC colaboram
fortemente para essa permanência no formato de escola regular, isso pudemos
perceber por exemplo, na fala da Profª Oscarlina proprietária da escola.
Assim, a exigência de se gerar notas e indicadores traz para a escola
montessoriana as marcas da “escola que não queremos”. Mas é essa escola que
gera notas, indicadores e tem sucesso que os pais procuram! Em suas falas foi
repetitivo o verdadeiro objetivo da escola que é ensinar os “conteúdos” mesmo
cercando essa afirmação de desejos de que os seus filhos aprendessem valores
etc.
119
Desse modo, a idealização de uma escola mais livre e desprendida de roteiros,
horários e avaliações o que geraria um habitus específico dá lugar a um
hibridismo institucional. Um currículo e uma estrutura física idealizados para um
propósito e utilizados sob uma outra necessidade. Assim esse imprinting é
alterado pois o que se transmite aos alunos não é o método puro em sua
essência, mas a adaptação do mesmo às lacunas permitidas por um sistema
educacional que por sua vez faz parte de um campo educacional muito maior e
mais complexo e que tem suas exigências próprias.
Mas em síntese, esclarecendo e definindo melhor como se dá o Método
Montessori na ERPP podemos dizer o seguinte com base nos seis pilares do
método:
1. O ambiente é preparado: É perceptível a preparação do ambiente em toda a
escola. Todas as salas contam com materiais bem dispostos, atraentes e
organizados. A escola como um todo atraí pela beleza de cada sala;
2. Os adultos são preparados: através da formação continuada mediada por
professores de fora ou nas reuniões quinzenais a escola formaliza esse
preparo. Nota-se no empenho de cada professora o resultado desse
investimento.
3. Há mediação e direcionamento na maior parte das atividades: Nesse quesito
a Autoeducação, um dos pilares do método, não pode ser observada na
íntegra. Devido à motivos já elencados nesse trabalho, a diretividade das
atividades de forma mais incisiva que a proposta pelo método descaracteriza
um pouco esse pilar.
4. As crianças são preparadas para a vida: No que se refere à Educação
Cósmica, observa-se a interação das crianças com as questões da vida real,
para além do que um livro didático possa mostrar. As mesmas interagem
tanto com elementos concretos (utensílios domésticos) quanto com
discussões no campo ético e filosófico (como discussões acerca do dizer a
verdade, atos de corrupção etc.).
5. As crianças demonstram equilíbrio: A criança equilibrada é outro pilar do
método. Ao observar como agem as crianças da ERPP percebemos sim que
o equilíbrio existe. A criança equilibrada não é aquela amorfa, silenciosa e
120
obediente. A criança equilibrada é aquela que sobretudo age. Ela age em
favor próprio e dos outros. Ela sabe silenciar, mas também sabe questionar e
colocar-se em uma discussão. Ela também brinca, ela também corre ela
também prefere a hora do lanche a realizar atividades. A criança equilibrada é
aquela que distante das inquietações internas e externas é feliz e transmite
essa felicidade e entusiasmo no que faz;
6. A educação é levada a sério: O pilar da Educação como Ciência mostra que
em uma escola Montessori nada é por acaso ou por modismo, as coisas
estão lá e acontecem lá por motivos previamente estabelecidos e
consolidados. Não se brinca de fazer educação. As crianças, seus
professores e seus pais (através da Escola de Pais e também das tribunas)
estão ali para aprender em todo o tempo. Não somente aprender conteúdos
disciplinares, mas aprender a viver em sociedade e a intervir nessa
sociedade. Apreender acerca do respeito e da importância da paz. Educação
como ciência soa como puro cientificismo, mas não é isso que ela traz.
Educação como ciência significa não desprezar o poder transformador que a
educação tem.
Mas também há pontos que considero dignos de melhoria diante do que foi
observado. A relação com a natureza ainda é muito tímida ao menos no principal
prédio da escola (a escola possui mais duas extensões). Tivemos conhecimento
de que as crianças fazem visitas ao sítio da escola e nas áreas de sol de cada
sala há plantinhas, é verdade, mas uma boa área de chão poderia melhorar
ainda mais a relação com a natureza.
Nesse quesito a escola está bem à frente de tantas outras que não dispõem de
sequer uma plantinha, mas considerando a estreita relação entre Montessori e a
natureza, se poderia dar mais espaço a ela, com menos paredes, menos
produtos feitos pelo homem e mais natureza viva.
Toda essa apreensão acerca de como a escola é pude obter através da
observação do seu cotidiano. Aí também incluo as entrevistas e os diários, mas
sem dúvida a observação mostrou-se reveladora. É ouvindo os sons, sentindo os
cheiros e vendo as cores da escola que absorvemos sua cultura. Cada um
121
desses traços da ERPP revela como se dá a Cultura Escolar em seu
espaçotempo.
E não foi fácil caminhar nesse espaçotempo da escola. Por mais que idealizemos
como a pesquisa acontecerá, principalmente para quem esteja disposto a
estudar o cotidiano, é certo que grande parte do planejamento foge ao controle.
Não se consegue prever quanto tempo se gastará observando uma escola, na
verdade pode-se até prever, mas acertar essa previsão é improvável! Hoje você
se prepara para entrevistar um professor, mas o professor não vai. Amanhã você
se prepara para conversar com a coordenadora, mas a mesma está auxiliando
em uma apresentação. Aí surgem as táticas do pesquisador. Ele observa a
apresentação, ele ouve as conversas da sala dos professores acerca deste ou
daquele aluno, ele observa a sala vazia após a saída dos alunos para o momento
do lanche, ele observa as crianças lanchando enquanto aguarda um pai ser
entrevistado. Todos esses são elementos de análise!
O cotidiano salta aos olhos, te exige filtros, mas você não consegue dizer se este
ou aquele burburinho merecem mais destaque que o outro. O cotidiano parece
nada e ao mesmo tempo tudo. O cotidiano é ordinário, nos acostumamos a ele, o
professor se acostuma, o aluno se acostuma, mas ao pesquisador o cotidiano é
pedra preciosa. Parecemos bobos é certo! Muitas vezes parecemos bobos, ou
sem o que fazer, principalmente para os que estão de fora. Somente quem um
dia necessitou pesquisar algo para compreender a atividade de um pesquisador.
Para os demais, somos seres incompreensíveis, folgados, curiosos ou na melhor
das hipóteses esforçados! Ninguém saberá o que passa na mente de um
pesquisador, exceto que também o seja.
Pesquisar o ambiente escolar é necessário, ainda que recorrente. Se intentarmos
ver surgir a “escola que queremos” temos que continuar a pesquisá-la para tentar
compreendê-la e então modificá-la. E a necessidade de compreensão não é
apenas a nível institucional, mas principalmente a compreensão daqueles que a
fazem acontecer: alunos, professores e demais funcionários.
A escola não é uma instituição falida, ela precisa de cuidados. A escola precisa
tornar-se atraente, motivadora e realmente formadora. Formadora não por
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induzir, mas por tornar propícia a aquisição e geração de conhecimento. E aqui
foco muito mais na geração do que na aquisição.
A escola que conhecemos, até aqui buscou dar conta e o deu escassamente
somente da aquisição. Transmitiu e transmite através do tão inquestionável livro
didático o conhecimento a ser adquirido e dificilmente questionado, acumulado
pela ciência até os nossos dias! Ó que fim terá a escola agora que cada aluno
dispõe em suas mãos do grande oráculo que transmite todo esse conhecimento
em segundos? O Google sepultará a escola então? A resposta é não. Não, se a
escola acordar para a necessidade de gerar conhecimento, de despertar nos
alunos crianças, adolescentes ou adultos o interesse e o poder de gerar
conhecimento do mais simples ao mais complexo. Do conhecimento que só
servirá ao colega do lado, até ao que pode um dia vir a ser patenteado.
A escola precisa deixar de ser reprodutivista, precisa ser criadora. A criança cria
a todo momento, mas nós professores lhe ensinamos a parar de criar. Desde
pequenos lhes mostramos como é que se desenha uma casa e dizemos se a
dele está certa ou não. Lhes dizemos que isso é desse ou daquele jeito e não
damos o braço a torcer para ouvi-los dizer suas opiniões que podem sim ser mais
sensatas que as nossas.
O tempo todo a escola disse não para essa criança. Disse tantos nãos que
ultimamente tomou trauma de não e passou a dizer tanto sim que perdeu o
controle da situação. Hoje, os alunos têm vez e voz sim na sala de aula, mas o
tem de maneira desequilibrada. É preciso buscar o equilíbrio. Há de se ter um
equilíbrio entre o enrijecimento da dinâmica escolar e a desordem de uma escola
em que o professor não é respeitado.
A indefinição do lugar da criança nesse tempo em que vivemos gera toda uma
problemática que reflete na escola. Na obstinação por transformar as crianças
em super-adultos (aptos às melhores profissões e à capacidade de ótimas
relações sociais) retiramos deles a própria infância. Os cercamos com cursos e
atividades que os irão capacitar para o que consideramos importante (inglês,
natação, reforço escolar), tudo para que quando crescerem sejam pessoas
melhores e capazes, o objetivo não está errado, mas a forma talvez esteja.
123
E se dissermos que esse quadro é um quadro de classe média e que a maioria
das crianças não vive nesse universo, estamos certos também, porém, as
crianças das classes populares, também não estão livres da adultização, estas
estão mais próximas da violência que as oprime e da falta de cuidados básicos
que as retiram direitos. E sem permitir polarizações nessa explanação,
reconheçamos que tanto há crianças de classes mais populares que se
enquadram no perfil anterior como também há crianças de classe média e alta
convivendo com a violência em seus lares.
O fato é que a criança sofre! Na época em que Montessori disse que a criança
sofria era devido a sua invisibilidade, hoje ela sofre pela falta de equilíbrio entre a
liberdade (autonomia) e a direção (disciplina). É urgente resgatar a essência da
criança e dispor a ela ambiente e adultos que proporcionem o seu equilíbrio.
Somente com crianças equilibradas se terá uma escola realmente diferenciada.
Uma coisa está relacionada à outra, um não subsiste sem o outro.
O Método Montessori é apenas uma das possibilidades de se enxergar uma
escola diferente e proporcionar à criança uma oportunidade de aprendizagem
significativa para ela, não para indicadores ou outdoors de sucesso! A utopia de
uma escola que respeite a criança e a sua infância acima de tudo deve continuar!
Necessitamos de mais espaços verdes, de mais plantas e animais, de mais ar
puro e também de mais lugares onde se produza conhecimento e onde se
reconheça os conhecimentos tradicionais também. Precisamos menos de lugares
que reproduzam o velho e famigerado livro didático produzido com finalidades
avessas às realidades locais. Precisamos continuar a estudar a escola e produzir
para ela e com ela um novo mundo.
E aqui é importante esclarecer mais uma vez: 1. Não somos contra a escola; 2.
Consideramos importante a formação técnico científica que proporcione às
crianças uma profissão futura; 3. Não achamos satisfatória a forma desrespeitosa
como os profissionais de educação vem sendo tratados por seus alunos; 4. Não
defendemos um modelo único de escola; 5. Consideramos que, ao menos em
nossa sociedade letrada, lugar de criança é na escola sim, mas não em
“qualquer” escola.
124
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129
APÊNDICE I
ROTEIROS ENTREVISTAS SEMI-ESTRUTURADAS
PARA OS ALUNOS (dez, até cinco mais novos e cinco mais antigos na escola)
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da sua escola?
2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)
O que você poderia me dizer sobre o papel das (os) professoras (es) no dia a dia da sua escola?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Quais situações (atividades, metodologias) em sua escola proporcionam melhor e maior aprendizagem para você?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
O que você mais gosta de fazer na escola? O que você mais gosta de fazer e sobre o que você mais gosta de falar com os seus colegas?
5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO
Na sua opinião, estudar em uma escola que utiliza o Método Montessori é bom? Por quê? Você consegue compará-la com outras escolas? Na sua opinião, quais as principais diferenças?
PARA OS PAIS
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da escola Recanto do Pequeno Príncipe?
2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)
Como você vê o papel das (os) professoras (es) na escola Recanto do Pequeno Príncipe? Considera diferente do de outras escolas?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Na sua opinião, o que é mais importante seu filho aprender na escola? E você está satisfeito com o seu aprendizado?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
Como você vê o convívio do seu filho com os colegas? Com relação aos assuntos escolares, como o seu filho interage com você? Você percebeu alguma mudança no seu filho após seu ingresso nessa escola?
5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O
Por que você escolheu a escola Recanto do Pequeno Príncipe para o seu filho
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MÉTODO estudar? Você já conhecia o Método Montessori? O que poderia me dizer acerca desse método?
PARA AS PROFESSORAS (duas, a mais antiga e a mais nova na escola)
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
Qual a interferência da estrutura física da escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana?
2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)
Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola?
5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO
Você já conhecia o Método Montessori antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?
PARA A FUNCIONÁRIA SETOR NÃO PEDAGÓGICO (PORTARIA, ZELADORIA...)
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
O que você considera mais interessante na estrutura física (arquitetura, materiais) da escola Recanto do Pequeno Príncipe?
2. PAPEL DO FUNCIONÁRIO (ADULTO PREPARADO)
Como você vê o seu papel na escola Recanto do Pequeno Príncipe? Saberia dizer se em outra escola seria diferente?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Você consegue perceber algo de diferente na aprendizagem dos alunos dessa escola? E você, na sua função, consegue aprender coisas novas?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola?
5. AFINIDADE / Você já conhecia o Método Montessori
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IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO
antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?
PARA A COORDENADORA PEDAGÓGICA
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
Qual a interferência da estrutura física da escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana? Em que medida e como você interfere / colabora com essa estrutura?
2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)
Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana? E qual seria o papel de um coordenador pedagógico em uma escola montessoriana?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos? Nessa escola, há elementos que não fazem parte do Método Montessori mas são utilizados na prática pedagógica? Quais? E por que?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola? Quais as ações da escola para promover a interação entre as pessoas no cotidiano escolar?
5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO
Você já conhecia o Método Montessori antes de trabalhar nessa escola? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método?/ Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal?
PARA A DIRETORA DA ESCOLA
CATEGORIA PERGUNTAS
1. ESTRUTURA DA Qual a interferência da estrutura física da
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ESCOLA (AMBIENTE PREPARADO)
escola (arquitetura, materiais) na sua prática cotidiana? Em que medida e como você interfere / colabora com essa estrutura?
2. PAPEL DO PROFESSOR (ADULTO PREPARADO)
Como você definiria o papel do professor em uma escola montessoriana? E qual seria o papel da diretora em uma escola montessoriana?
3. APRENDIZAGEM (AUTOEDUCAÇÃO)
Quais elementos (atividades, metodologias) no Método Montessori você julga mais significativos para o desenvolvimento da aprendizagem por parte dos alunos? Nessa escola, há elementos que não fazem parte do Método Montessori mas são utilizados na prática pedagógica? Quais? E por que?
4. PERCEPÇÃO DE SI E DO OUTRO
Como você percebe a relação entre alunos, professores e demais funcionários no dia a dia da escola? Quais as ações da escola para promover a interação entre as pessoas no cotidiano escolar?
5. AFINIDADE / IDENTIFICAÇÃO COM O MÉTODO
Como surgiu o seu interesse pelo Método Montessori? Como você vê o seu conhecimento acerca do Método Montessori hoje? O que considera mais importante neste método? Você considera que o conhecimento do método mudou algo em sua prática profissional? E na sua vida pessoal? Quais os maiores desafios para manter uma escola montessoriana hoje? Na sua opinião, quais elementos do método seriam aplicáveis a escola não montessorianas?
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APÊNDICE II
Texto para a contracapa dos diários
Olá!
Este será o seu diário por três meses! Nele você poderá registrar
tudo o que você vê, ouve e sente em sua escola!
Sinta-se à vontade para expressar tudo isso da maneira que preferir:
escrevendo em forma de poesia, conto, ou mesmo um
bilhete...desenhando ou fazendo colagens.
Queremos saber o que se passa no cotidiano da sua escola. E
queremos saber isso através de você!
Gostaríamos que observasse coisas como: o acontece durante as
aulas; o que acontece fora da sala de aula; sobre o que conversam
os seus colegas e sobre o que você pensa quando está em sua
escola....ou mesmo fora dela.
Sobre o que você gosta de falar? O que você gosta de fazer? Como
você vê as pessoas? Como você vê o mundo?
Expresse-se sobre as plantas, os animais, músicas ou sobre um
sorvete que gostou. Expresse-se sobre a guerra, sobre a paz...sobre
os seus sentimentos!
Esperamos que essa seja uma experiência muito boa para você!
Um abraço!
Profª Jieli e Prof. Pinzoh
Da Universidade do Estado da Bahia
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APÊNDICE III
Roteiro de observação
1 – Anunciar chegada à professora de forma discreta;
2 – Posicionar-se em um canto da sala que possibilite
visão ampla;
3 – Registrar o que se passa; (relação criança – professor
– ambiente);
4 – Registrar o que se vê (ambiente);
5 – Perguntar ao professor (ou ao coordenador, no caso
de outros ambientes da escola) acerca do que se vê e do
que se passa (apropriação do espaçotempo);
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ANEXOS