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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
TÂNIA CABRAL DE OLIVEIRA
GESTÃO ESCOLAR NO ESTADO DE SÃO PAULO: PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA OU MODELO GERENCIAL? UMA ANÁLISE A PARTIR DO
RELATÓRIO DOS ESTUDOS DO SARESP (2010 a 2012)
MARÍLIA
2014
1
Oliveira, Tânia Cabral de.
O48g Gestão escolar no estado de São Paulo: perspectiva
democrática ou modelo gerencial? uma análise a partir
do relatório dos estudos do SARESP (2010 a 2012) /
Tânia Cabral de Oliveira. – Marília, 2014.
148 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade
Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências,
2014.
Bibliografia: f. 141-148
Orientador: Carlos da Fonseca Brandão.
1. Escolas – Organização e Administração. 2. Educação
– São Paulo (Estado). 3. Comunidade e escola. 4. Gestão
democrática. 5. Educação – Finalidades e Objetivos. I.
Título.
CDD 371.1
2
TÂNIA CABRAL DE OLIVEIRA
GESTÃO ESCOLAR NO ESTADO DE SÃO PAULO: PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA OU MODELO GERENCIAL? UMA ANÁLISE A PARTIR DO
RELATÓRIO DOS ESTUDOS DO SARESP (2010 a 2012)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade
Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, para a
obtenção do título de Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Políticas Educacionais, Gestão de
Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos
Sociais.
Orientador (a): Prof. Dr. Carlos da Fonseca Brandão.
MARÍLIA
2014
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TÂNIA CABRAL DE OLIVEIRA
GESTÃO ESCOLAR NO ESTADO DE SÃO PAULO: PERSPECTIVA
DEMOCRÁTICA OU MODELO GERENCIAL? UMA ANÁLISE A PARTIR DO
RELATÓRIO DOS ESTUDOS DO SARESP (2010 a 2012)
Dissertação para obtenção do título de Mestre em Educação, da Faculdade de Filosofia e
Ciências, da Universidade Estadual Paulista – UNESP – Campus de Marília, na linha de
pesquisa Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos
Sociais.
BANCA EXAMINADORA
Orientador: ______________________________________________________
Prof. Dr. Carlos da Fonseca Brandão – UNESP/Assis
2º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Dr. Júlio Cesar Torres – UNESP/ São José do Rio Preto
3º Examinador: ___________________________________________________
Prof. Dra. Carolina Kraus Luvizotto – UNESP/Bauru
Marília, 21 de Janeiro de 2014
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DEDICATÓRIA
À meu amado esposo, Edenis,
com quem a vida sempre é
mais fácil e gostosa.
Seu olhar me ajuda acreditar
que sou capaz de ir além.
Obrigada por me fazer
tanto bem.
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AGRADECIMENTOS
Inicialmente, agradeço a Deus, o autor maior de todas as obras maravilhosas que existem no
mundo. Minha existência é possível pelo Seu querer e a Ele reverto todos os louros desta
conquista. Obrigada, Senhor, por me dotar de inteligência e senso crítico o suficiente para
olhar para a realidade e dela extrair aprendizado para a vida.
Obrigada, Professor Brandão, pela calma, paciência e solidariedade nos momentos de dúvidas
e incertezas. Por acreditar em mim e contribuir com este percurso, ainda inicial, na carreira
acadêmica. A realização deste sonho não seria possível sem sua generosa participação.
Agradeço à minha família de forma geral, pois são aqueles que participam de minha história
torcendo por meus sucessos, chorando minhas lágrimas, carregando comigo meus fardos e,
como não, curtindo minhas alegrias e conquistas.
À meu esposo, Edenis, fonte de força, inspiração e coragem. Seu companheirismo na vida
sempre me dá condições de superar tantos obstáculos que se levantam tentando me impedir de
caminhar. Seu amor me completa.
A meus filhos, Ana Julia e Rafael, pessoas que me motivam a continuar. Quero ser sempre
melhor para vocês e espero que todo o esforço que viram ser empreendido na produção deste
texto sirva de inspiração na busca pelo sonho de vocês...seja ele qual for!
À minha querida Mãe, Alice, que sempre foi guerreira, batalhadora e vencedora, mas que
nunca perdeu o carinho e a meiguice, embora a vida tivesse dado bons motivos para tal. Você
é uma inspiração para mim.
Às minhas irmãs, aos sogros, aos sobrinhos, cunhados, aos colegas e amigos, enfim, a todos
que de alguma forma participaram de minha vida, suportaram minha presença e ausência e
participaram de algum momento de minha história. Muito obrigada.
À UNESP, que desde a graduação contribui com minha formação acadêmica, por mais essa
oportunidade de superação. Acredito nesta instituição e tenho prazer de ter feito parte dela.
Aos colegas do Mestrado, tantas pessoas boas e capazes que nem posso citar todas, pelo
incentivo e por terem sido companheiros nos momentos em que achei que não teria condições
de prosseguir.
Às “meninas” e “meninos” do grupo de pesquisa, COPPE, pela alegria, vigor, ajuda e por
participarem deste momento ímpar em minha vida.
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EPÍGRAFE
Determinando tu algum negócio,
ser-te-á firme, e a luz brilhará
em teus caminhos.
Jó 22:28
Você tem que assumir o comando.
Não se envergonhe de perguntar, camarada!
Não se deixe convencer!
Veja com seus próprios olhos!
O que não sabe por conta própria, não sabe.
[...] Você tem que assumir o comando.
Bertold Brecht, “Elogio do Aprendizado”.
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RESUMO
A gestão escolar tem sido alvo de discussões em meios políticos e acadêmicos pela
centralidade que possui a educação na contemporaneidade. Após o regime militar, como parte
do processo de democratização da sociedade, a gestão democrática da educação foi
estabelecida como princípio norteador dos sistemas de ensino e das escolas pela Constituição
Federal de 1988 e regulamentada por meio da Lei de Diretrizes e Bases da Educação n°
9.394/96, deixando sob a responsabilidade dos Sistemas de Ensino o estabelecimento dos
elementos de consecução de acordo com suas peculiaridades, desde que a comunidade
participasse da elaboração da Proposta Pedagógica e os Conselhos fossem estabelecidos para
fomentar a participação. Em virtude das mudanças no cenário político e econômico, a gestão
democrática da educação foi implementada levando-se em consideração as determinações de
organismos internacionais, perdendo seu potencial transformador das relações na sociedade,
sendo que a participação e a autonomia, seus principais elementos de consecução, passaram a
ser técnicas de gestão no modelo gerencial ou de gestão compartilhada. No estado de São
Paulo, as Normas Regimentais Básicas estabeleceram o princípio da gestão democrática e
prepararam o caminho para que esta descaracterização ocorresse. Em virtude das gramáticas
que estão impregnadas nas práticas sociais brasileiras, o clientelismo e o patrimonialismo, da
burocracia que leva ao autoritarismo e da natureza do estado liberal democrático, o princípio
da gestão democrática encontra muitos obstáculos para se consolidar, perdendo assim seu
potencial transformador. O presente trabalho teve por objetivo verificar se, na opinião da
comunidade escolar, a gestão democrática tem se consolidado pela sua participação na escola
e na tomada de decisão no âmbito escolar. Para isso, foram utilizados os dados do Relatório
dos Estudos do SARESP dos anos 2010 a 2012, que reúnem as respostas de alunos, pais,
professores, diretores e coordenadores aos questionários de contexto aplicados antes de cada
edição da referida avaliação. Tais dados são significativos, pois trazem informações sobre a
opinião da comunidade escolar a respeito de importantes aspectos da gestão no estado de São
Paulo e ensejam outras análises à luz de um referencial teórico previamente estabelecido. Por
meio deste estudo foi possível concluir que a gestão que tem se consolidado nas escolas
públicas estaduais em São Paulo é aquela baseada no modelo gerencial ou de gestão
compartilhada em detrimento da gestão democrática. A participação e a autonomia têm sido
utilizadas como técnica de gestão para minorar conflitos, favorecer o voluntariado e
operacionalizar a desresponsabilização do Estado frente a suas responsabilidades de prover a
escola de recursos e oferecer educação de qualidade para a população. Por meio das respostas
de alunos e pais aos questionários de contexto expressas nos Relatórios é possível verificar
que estes são vistos como clientes/consumidores de uma educação que é oferecida pelo
Estado e sua participação é requerida e estimulada somente para resolver problemas e angariar
recursos, sempre na perspectiva do voluntariado e da resiliência. As respostas de professores,
diretores e coordenadores permitiram verificar que o poder de decisão, agora compartilhado
por eles no âmbito escolar, foi distribuído, aumentando as possibilidades de participação,
porém presta-se a objetivos de desresponsabilização do estado e responsabilização da escola
por sucessos e fracassos.
Palavras-chave: gestão escolar, gestão democrática, modelo gerencial, desresponsabilização.
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ABSTRACT
The school management has been the subject of discussion in political and academic by the
centrality that has education in contemporary media. After the military regime as part of the
process of democratization of society, democratic management education was established as
guiding principle of education systems and schools by the Federal Constitution of 1988 and
regulated by the Law of Guidelines and Bases of Education n ° 9.394/96, leaving the
responsibility of Education Systems to establish the elements of achievement according to
their peculiarities, since the community participated in drafting the proposal and the
Pedagogical Councils were established to encourage participation. Because of changes in the
political and economic environment, the democratic management of education was
implemented taking into account the decisions of international bodies, losing their
transformative potential of relations in society, and participation and autonomy, the main
elements of achievement, became management techniques in management or co-management
model. In São Paulo, the Basic Regimental Standards established the principle of democratic
management and prepared the way for this mischaracterization occurred. Because of
grammars that are steeped in Brazilian social practices, clientelism and patronage,
bureaucracy that leads to authoritarianism and the nature of the liberal democratic state, the
principle of democratic management encounters many obstacles to consolidate and lost their
transformative potential. The present study aimed to determine whether, in the opinion of the
school community, democratic management has consolidated your participation in school and
in decision making in schools. We used data from the Study reports of SARESP the years
2010 to 2012, bringing together the answers of students, parents, teachers, principals and
coordinators to questionnaires applied context before each issue of assessment for this,. These
data are significant because they bring information about the views of the school community
about important aspects of management in the state of São Paulo and allow other analyzes in
light of a previously established theoretical framework. Through this study it was concluded
that the management has been consolidated in the public schools in São Paulo is one based on
shared management model and management at the expense of democratic management.
Through this study it was concluded that the management has been consolidated in the public
schools in São Paulo is one based on shared management model and management at the
expense of democratic management. The participation and autonomy have been used as a
management technique to mitigate conflicts, promote volunteering and operationalize the
disengagement of the State against its responsibility to provide school resources and provide
quality education to the population. Through the responses of students and parents to
questionnaires expressed in the context of Reports you can check that they are seen as
customers / consumers of education that is offered by the State and their participation is
encouraged and required only to solve problems and raise funds, always the perspective of
volunteering and resilience. The responses of teachers, principals and coordinators helped
confirm that the power of decision, now shared by them in the school, was distributed,
increasing the opportunities for participation, but lends itself to the objectives of the
unaccountability and state school accountability for successes and failures.
Keywords: school management, democratic management, management model,
unaccountability.
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Total de alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e Ensino Médio (3ª
série) que responderam ao questionário de contexto nas três últimas edições
do SARESP (2010, 2011 e 2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP
e sua porcentagem em relação ao número de matrículas nos respectivos
cursos................................................................................................................98
Tabela 2. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos têm poucas chances de
que alguém escute suas ideias” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme
Relatório dos Estudos do SARESP(em %).......................................................99
Tabela 3. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos ajudam a decidir o que
acontece na escola” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme Relatório dos
estudos do SARESP. (em %)...........................................................................100
Tabela 4. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos participam de conselhos
que decidem sobre coisas importantes” nos anos de 2010, 2011 e 2012
conforme Relatório dos Estudos do SARESP. (em %)............................101
Tabela 5. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos têm chance de (para)
organizar o grêmio estudantil” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme
Relatório dos Estudos do SARESP. (em %)...................................................103
Tabela 6. Comparação das respostas dos alunos do 7º em 2010 e 9º ano em 2012 do
Ensino Fundamental II para as afirmativas constantes no questionário de
contexto. Em (%).............................................................................................106
Tabela 7. Total de pais do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e Ensino Médio (3ª
série) que responderam o questionário de contexto nas três últimas edições
(2010, 2011 e 2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP...............107
Tabela 8. Grau de concordância dos pais dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º
anos) e Ensino Médio (3ª série) em relação à afirmativa “A escola dá
importância para a opinião dos pais” no período de 2010 a 2012. Em (%)....110
Tabela 9. Total de professores entrevistados nas três últimas edições do SARESP (2010,
2011 e 2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP........................115
Tabela 10. Participação dos professores do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e Ensino
Médio (3ª série) na elaboração da Proposta Pedagógica (PPP) da escola, por
disciplinas, de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de
2010-2011. (em %)..........................................................................................116
10
Tabela 11. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos
professores do 7º e 9º anos do EF e 3ª série Ensino Médio de acordo com
Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012. (em %).........117
Tabela 12. Concordância dos professores do 7º e 9º anos do Ensino Fundamental II e da
3ª série do Ensino Médio com a frase “Participo das decisões educacionais
desta escola”, de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de
2010- 2012. (em %).......................................................................................119
Tabela 13. Referencial utilizado pelos diretores para elaboração da Proposta Pedagógica
da escola de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de
2010- 2012. (em %).......................................................................................121
Tabela 14. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos diretores
de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012.
(em %).............................................................................................................123
Tabela 15. Principais responsáveis pela tomada de decisão em relação a diferentes
aspectos da gestão financeira, pedagógica e administrativa de acordo com
Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012. (em %).........124
Tabela 16. Interesse dos pais em participar das reuniões da APM, segundo opinião dos
diretores, de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de
2010-2012. (em %)..........................................................................................125
Tabela 17. Participação da APM em atividades da escola segundo a opinião dos
diretores expressa no Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-
2012. (em %)...................................................................................................126
Tabela 18. Referencial utilizado pelos coordenadores para elaboração da Proposta
Pedagógica da escola de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no
período de 2010-2012. (em %)........................................................................130
Tabela 19. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos
coordenadores de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período
de 2010-2012. (em %).....................................................................................131
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Comparação entre Gestão gerencial, gestão compartilhada e gestão
democrática........................................................................................................65
Quadro 2. Total de escolas avaliadas em cada edição do SARESP no período de 2010 a
2012...................................................................................................................94
Quadro 3. Séries avaliadas em cada edição do SARESP no período de 2010 a 2012 e sua
correspondência em relação ao ano base de 2010.............................................96
Quadro 4. Afirmativas relacionadas ao processo decisório na escola sobre as quais os
alunos manifestaram grau de concordância.......................................................99
Quadro 5. Afirmativas para as quais os pais manifestaram concordância ou grau de
concordância de acordo com o Relatório dos Estudos do SARESP dos anos
2010, 2011 e 2012...........................................................................................108
Quadro 6. Grau de concordância dos pais dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º
anos) e Ensino Médio (3ª série) em relação à afirmativa “Eu sou informado
sobre o planejamento da escola”, no período de 2010 a 2011. Em (%)..........109
Quadro 7. Questões sobre as quais os professores manifestaram opinião.......................116
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANDE Associação Nacional de Educação
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação
ANDES Associação Nacional de Docentes do Ensino Superior
ANPAE Associação Nacional dos Profissionais de Administração da Educação
ANPED Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação
APM Associação de Pais e Mestres
CBE Conselho Brasileiro de Educação
CEDES Centro de Estudos Educação e Sociedade
CEE Conselho Estadual de Educação
CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
CGEB Coordenadoria de Gestão da Educação Básica
CGT Central Geral dos Trabalhadores
CONSED Conselho Nacional de Secretários da Educação
CPB Confederação de Professores do Brasil
EFII Ensino Fundamental II
EM Ensino Médio
FASUBRA Federação das Associações de Servidores das Universidades Brasileiras
FENOE Federação Nacional de Orientadores Educacionais
FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação
FNDEP Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública
FUNDEB Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
MARE Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
NRB Normas Regimentais Básicas
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
PPP Projeto Político Pedagógico
SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
SE Secretaria da Educação
SEAF Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas
SEE/SP Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
UBES União Brasileira dos Estudantes Secundaristas
UNE União Nacional dos Estudantes
VUNESP Fundação para o Vestibular da Universidade Estadual Paulista
13
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................15
CAPÍTULO 1
1. A gestão democrática enquanto princípio de gestão escolar ..........................................22
1.1 – O estabelecimento da gestão democrática em nível Federal ...........................................26
1.2 – O estabelecimento da gestão democrática em nível estadual: o caso de São Paulo .......34
1.2.1 – Elaboração do Projeto Político Pedagógico e do Regimento Escolar ..........................39
1.2.2 – Capacitação dos gestores escolares ..............................................................................41
1.3 – Dos documentos oficiais à realidade prática ...................................................................45
1.3 .1 – Participação: exercício democrático ou técnica de gestão? ........................................46
1.3.2 – Autonomia: emancipadora ou paliativa? ......................................................................52
1.3.3 – Transparência ...............................................................................................................55
1.3.4 - Valorização da escola ...................................................................................................59
1.4 – Da gestão democrática à gestão no modelo gerencial ou gestão compartilhada..............61
CAPÍTULO 2
2 - Os Principais entraves à consecução da Gestão Democrática ......................................67
3.1 - Natureza do Estado Liberal democrático e suas relações com o capitalismo ..................69
3.2 - O Clientelismo e a gestão democrática ............................................................................76
3.3 - O Patrimonialismo e a gestão democrática ......................................................................79
3.4 - A burocracia como elemento de dominação e as disputas de poder ................................83
3.5 - O autoritarismo instituído ................................................................................................87
3.7 - A democratização da sociedade como fruto da democratização de suas instituições .....89
CAPÍTULO 3
3 - Opinião da comunidade escolar: análise do Relatório dos Estudos do SARESP
...................................................................................................................................................91
3.1 – A opinião dos alunos e pais sobre a gestão escolar .........................................................97
3.1.1 – A opinião dos alunos sobre a gestão escolar ................................................................97
14
3.1.2 – A opinião dos pais sobre a gestão escolar ..................................................................107
3.2 – A opinião dos professores, diretores e coordenadores sobre a gestão escolar ..............112
3.2.1 – A opinião dos professores sobre a gestão escolar ......................................................114
3.2.1 – A opinião dos diretores sobre a gestão escolar ..........................................................119
3.2.3 – A opinião dos coordenadores sobre a gestão escolar .................................................128
4 – CONCLUSÕES ..............................................................................................................134
5 – REFERÊNCIAS .............................................................................................................141
15
INTRODUÇÃO
Quando uma instituição afirma exercitar a gestão democrática em suas práticas
cotidianas, isso gera pelo menos três tipos de sentimentos em seus interlocutores: o primeiro é
o de admiração, pois, muito embora o conceito de gestão democrática seja bastante vago para
a maioria das pessoas, ela representa a possibilidade de vivenciar relações mais igualitárias e
equilibradas no que diz respeito ao exercício do poder de decisão, enquanto o oposto dela, a
gestão autocrática, desperta resistência e desconforto na maioria das pessoas; o segundo é o de
curiosidade, afinal, práticas democráticas são desafiadoras e envolvem a abertura de espaços
para a participação de todos os envolvidos, o que leva os indivíduos a se perguntarem sobre
que modelos, caminhos e práticas foram utilizados para sua concretização; e em terceiro, o de
hesitação, pois, a vivência democrática pressupõe o questionamento do status quo e a
transformação de sujeitos, espaços e ações, situação difícil de ser observada dado o contexto
histórico, político, econômico e social no qual estamos inseridos.
A gestão democrática como princípio organizador da educação, tem sido alvo de
disputas no Brasil desde meados do século XX. Os governos autoritários, centralizadores,
patrimonialistas, clientelistas e burocratizados deixaram uma marca forte no modelo
institucional aplicado à escola, fazendo com que a sociedade brasileira almejasse relações
mais democráticas na condução das políticas educacionais.
O contexto histórico da nação tornou a gestão democrática algo desejável,
mobilizando educadores e sociedade em defesa de um projeto de educação que contemplasse
as necessidades da população em termos de acesso, permanência, gratuidade e laicidade,
garantisse a qualidade do ensino oferecido pelo Estado e assegurasse a participação da
coletividade nos processos de gestão do sistema de ensino e da escola. No contexto da
educação pública, o estabelecimento da gestão democrática como princípio representou uma
grande conquista após amplos debates e embates entre setores distintos da sociedade.
Embora os progressistas tivessem bem claros os termos pelos quais a gestão
democrática se estabeleceria, na arena de disputas políticas – o Congresso Nacional e a
Assembleia Nacional Constituinte –, o modelo que foi idealizado pelos educadores sofreu
diversas alterações. Como consequência, a gestão democrática foi estabelecida como
princípio organizativo da educação pública pela Constituição Federal (CF), porém não houve
definição clara sobre como ela se consubstanciaria (CUNHA, 2009). O processo de
democratização da educação foi protelado, cabendo à Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDB) estabelecer os meios para a concretização da gestão democrática da educação.
16
Após oito anos de tramitação a LDB não obteve êxito em suscitar um processo amplo
de democratização, reservando-se apenas a legitimar algumas experiências de gestão
democrática já existentes no país (DRABACH, 2009; MENDONÇA, 2000), deixando a cargo
dos estados regulamentar o princípio estabelecido pela Constituição de acordo com suas
peculiaridades.
Nesse ínterim, as mudanças no cenário político e econômico foram significativas e
marcadas pela adoção dos fundamentos do neoliberalismo1, alterando significativamente os
rumos da gestão democrática na escola pública (SAVIANI, 1995, BASTOS, 1999;
DRABACH, 2009, VIÇOTI, 2010). No movimento do processo histórico, houve uma
acomodação dos anseios dos educadores e setores progressistas da sociedade aos fundamentos
do neoliberalismo, permitindo que este princípio capaz de alterar as relações de poder dentro
da escola e de gerar espaços de participação efetiva da comunidade na determinação dos
rumos da educação sofresse adaptação para acomodar o modelo gerencial2 (BRUNO, 2008;
KLÉBIS, 2009, VIÇOTI, 2010).
Desta forma, “os conceitos de participação, descentralização, autonomia foram
ressignificados”, passando a “se constituir em objeto de uma política de modernização e
racionalização” (VIÇOTI, 2010) a ponto de se afastarem significativamente daquilo que foi
defendido durante o período de democratização do país. Höfling já alertava que “as ações
empreendidas pelo Estado não se implementam automaticamente, têm movimento, têm
contradições e podem gerar resultados diferentes dos esperados” (HÖFLING, 2001, p.35).
No período entre a promulgação da CF/88 e a da LDB/96 muitas mudanças ocorreram
alterando o significado original da gestão democrática, sem abrir mão dos elementos
constitutivos desta. Com o pretexto de aplicar a gestão democrática, montou-se um esquema
em que a modernização do sistema de ensino é que de fato se processou, objetivo que se
relaciona mais com a resolução de problemas de governança do que com a democratização
das relações na educação (KRAWCZYK, 1999).
1 Por neoliberalismo entende-se um conjunto de mudanças na ordem político-econômica-cultural, cujas
premissas tendem para a constituição de um modelo de sociedade em que são retomadas e reafirmadas as teses
liberais de proeminência do mercado sobre todas as demais dimensões da vida humana (LIMA, 2008). “As teses
neoliberais defendem enfaticamente as liberdades individuais, criticam a intervenção estatal e elogiam as
virtudes reguladoras do mercado” (HÖFLING, 2001). 2 Modelo gerencial é aquele adotado pelo Estado após a reforma implementada nos anos 1990, que se pauta nos
princípios utilizados pelas empresas privadas para modernizar a administração pública. Neste modelo, a
eficiência, a eficácia e a economia são elementos-chave, garantidos mediante o controle dos gastos, a
produtividade, o foco nos resultados, o estabelecimento de padrões de desempenho e a avaliação dos resultados
(ARAÚJO E PINHEIRO, 2010).
17
Não obstante, os espaços, mesmo que apertados, foram abertos e as possibilidades,
mesmo que diminutas, foram criadas como resultado de disputas. Hoje, sem dúvida, há
maiores possibilidades de participar da gestão escolar, influenciando a escola para que esta
atenda aos anseios e necessidades da população. Cabe a todos conhecer a realidade com seus
condicionantes e suas contradições para, a partir daí, ocupar os espaços e aproveitar as
oportunidades visando ampliá-los em busca da utopia3 democrática (PARO, 2002).
Este percurso pode ser trilhado se mantivermos um olhar atento às questões de fundo,
ou seja, se refletirmos sobre as decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos de
implementação da gestão democrática enquanto diretriz de política pública e sua consecução
nas escolas públicas estaduais paulistas.
Que a gestão democrática tenha sido incorporada na legislação federal e estadual e no
discurso dos envolvidos com a educação não há dúvidas, porém, não é possível afirmar com
certeza que tenha sido também incorporada nas práticas de gestão exercidas no cotidiano da
escola e materializadas por meio da abertura desta à participação na escola e na tomada de
decisão.
Torna-se relevante buscar respostas para este questionamento junto àqueles que
constituem a escola. Mediante a análise da opinião dos membros da comunidade escolar é
possível obter informações que nos deem indicação se tal princípio vem se tornando
realidade.
A realização deste percurso de pesquisa pode contribuir para a compreensão da gestão
democrática no Estado de São Paulo a partir do olhar da comunidade escolar, pela apreensão
de suas opiniões como principais agentes e beneficiários dos efeitos democratizantes de uma
gestão pautada na participação de todos os envolvidos na tomada de decisões a partir de
indicadores. Saber se a gestão democrática tem se consolidado ou não nas escolas paulistas
pode contribuir para ajustes, além de servir de matéria-prima para a movimentação da
sociedade na busca da efetivação deste princípio, conforme almejado inicialmente.
Desta forma, a questão que direciona a execução desta pesquisa pode ser assim
expressa: como os alunos, pais, professores, coordenadores e diretores de escolas públicas de
Ensino Fundamental II e Médio do Estado de São Paulo percebem sua participação na escola
e na tomada de decisões no âmbito escolar? Na perspectiva destes sujeitos, a gestão
democrática tem se consolidado como um mecanismo de partilha de poder de decisão?
3 O termo utopia é utilizado aqui com o mesmo sentido atribuído por Paro (2002, p. 9): lugar que não existe, mas
que pode vir a existir. A gestão democrática e a própria democracia são vistas como algo de valor, desejável e
passível de ser buscado.
18
O primeiro obstáculo vencido foi o de encontrar o instrumento que permita aferir a
opinião de tantos e diversos atores no contexto de um estado que possui o maior sistema de
ensino da federação. Tal problema pode ser em parte solucionado utilizando os Relatórios dos
Estudos do SARESP4, uma publicação da Secretaria Estadual de Educação de São Paulo
(SEE/SP) que expõem os resultados das respostas de alunos, pais, professores, coordenadores
e diretores aos questionários de contexto aplicados antes da referida avaliação externa.
O fato de tais questionários conterem questões que visam conferir a opinião da
comunidade escolar sobre aspectos da gestão escolar, permite-nos levantar informações
pertinentes à reflexão sobre a gestão democrática nas escolas estaduais paulistas. Embora não
seja possível empreender outras estratégias de captação da opinião destes atores, tais como
entrevista direta, observação, aplicação de questionários etc., em virtude do gigantismo
peculiar à rede pública estadual de ensino paulista, os Relatórios dos estudos do SARESP
podem fornecer dados valiosos, funcionando como um indicador da opinião da rede pública
estadual paulista sobre questões ligadas à gestão escolar.
Nosso objetivo, então, consistiu em analisar a gestão escolar no Estado de São Paulo a
partir da opinião de alunos, pais, professores, coordenadores e diretores de escolas públicas de
Ensino Fundamental II e Médio sobre sua participação na escola e na tomada de decisões no
âmbito escolar, expressa no Relatório dos Estudos do SARESP dos anos de 2010 a 2012 e
verificar se a gestão democrática tem se consolidado.
A delimitação do período acima estabelecido justifica-se pelo fato de os relatórios
referentes a ele serem elaborados a partir de questionários cuja formulação das questões é a
mesma e por apresentarem os resultados de forma que permita a comparação ao longo do
tempo. Desta forma, pudemos captar as mudanças na opinião dos sujeitos sobre a gestão neste
intervalo de tempo.
Este estudo está orientado por uma abordagem qualitativa de pesquisa, pois tem como
base a análise, a avaliação, a percepção que os sujeitos têm de sua realidade. Martins e
Theóphilo (2009) postulam que o importante em uma pesquisa qualitativa é tentar capturar a
perspectiva dos participantes ou envolvidos com o estudo. Desta forma, a natureza qualitativa
desta pesquisa se afirma ao privilegiar o “significado” que as pessoas dão (LÜDKE e
ANDRÉ, 1986) à gestão da escola e aos elementos e instrumentos que permitem a
participação e tomada de decisões no âmbito escolar.
4 SARESP: Sistema de avaliação do rendimento escolar do estado de São Paulo, avaliação externa aplicada pela
SEE/SP para avaliar o sistema de ensino paulista a partir do rendimento dos alunos.
19
Quanto à natureza, a pesquisa assume um caráter descritivo (GRESSLER, 2004,
p.124), pois visa descrever a atual conjuntura da gestão democrática no Estado de São Paulo a
partir da análise da opinião dos membros da comunidade escolar sobre a gestão das unidades
de ensino.
A preocupação principal é mostrar, esclarecer a realidade produzida por meio do corpo
normativo que estabelece a gestão democrática no Brasil e, mais especificamente, no Estado
de São Paulo, visando compreendê-la. O paradigma que sustenta esta pesquisa é o
fenomenológico, pois seu objeto de conhecimento “não é o sujeito nem o mundo, mas o
mundo enquanto vivido pelo sujeito” (GIL, 2009, p. 14).
Como estratégia de pesquisa, adotou-se a pesquisa bibliográfica e documental.
Inicialmente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica visando “conhecer, analisar e explicar
contribuições já estabelecidas” (MARTINS e THEÓPHILO, 2009, p.54) sobre o tema da
gestão democrática com o objetivo de embasar a reflexão sobre o status do referido princípio
no Estado de São Paulo. Procedeu-se, também, à análise da legislação referente a sua
implementação no mesmo estado.
Assim, o Primeiro Capítulo busca resgatar o processo histórico que permitiu a inclusão
do princípio da gestão democrática no texto constitucional, ressaltando os embates entre as
lideranças políticas e a sociedade no período de redemocratização do país. Além disso, discute
a inclusão do referido princípio na legislação estadual paulista, ressaltando a
descaracterização operada pelo governo em prol da gestão no modelo gerencial. Para
compreendermos melhor o status da gestão democrática no Estado de São Paulo é preciso
refletir sobre sua implementação e seus desdobramentos nas escolas públicas paulistas. Por
meio da análise dos documentos oficiais de implementação da gestão democrática no Estado
de São Paulo5, levando em consideração o pressuposto de que estes revelam as escolhas de
um governo no processo de implementação de políticas públicas, foi levantado um referencial
teórico que discorre sobre o assunto para cotejar com a realidade que hoje se coloca no âmbito
escolar.
Ainda visando atingir completamente o objetivo anteriormente estabelecido, o
Segundo Capítulo levanta uma discussão sobre os entraves à consecução da gestão
democrática. A partir do referencial teórico estabelecido por Bastos (1999), Spósito (1999),
Mendonça (2001), Paro (2002), Martins (2002), Drabach (2009) e Klébis (2009) foi levantada
5 Para o escopo deste trabalho, utilizamos como referencial a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB nº 9394/96) e os documentos oficiais que tratam da gestão democrática no
Estado de São Paulo, a saber, a Indicação do Conselho Estadual de Educação (CEE) nº 9, de 30 de julho de 1997
e o Parecer CEE nº67, de 18 de março de 1998.
20
uma série de entraves que dificultam a alteração nas relações de poder no âmbito dos sistemas
de ensino e, consequentemente, nas escolas. Fatores como a natureza do Estado liberal-
democrático-capitalista, o clientelismo, o patrimonialismo, a burocracia e o autoritarismo são
alguns dos que impedem a efetivação de relações mais democráticas no âmbito escolar e
sobre os quais discutimos como forma de fundamentar a análise dos resultados da pesquisa.
Os dados empíricos foram levantados por meio da pesquisa documental, na qual “a
fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não” (MARCONI e
LAKATOS, 2005, p.176). Nestes documentos, “o conteúdo dos textos ainda não tiveram
nenhum [ou pouco] tratamento analítico, são ainda matéria-prima, a partir da qual o
pesquisador vai desenvolver sua investigação e análise” (SEVERINO, 2007, p.123). Na
pesquisa documental os materiais compilados pelo autor “podem ser reelaborados de acordo
com os propósitos da pesquisa” (MARTINS e THEÓPHILO, 2009, p. 55).
Para tanto, serão utilizados os dados contidos no Relatório dos Estudos do SARESP
dos anos 2010 a 2012, documento produzido pela SEE/SP após cada edição da referida prova,
tratando-se, portanto, de dados secundários. Além dos exames que avaliam o desempenho dos
alunos em disciplinas específicas, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado
de São Paulo (SARESP) também aplica questionários de contexto para caracterizar o perfil de
alunos, pais, gestores e docentes das escolas. “Os dados e informações obtidos a partir destes
questionários são organizados e disponibilizados de forma a permitir o acesso a aspectos
descritivos e analíticos dos perfis desse conjunto pesquisado” (SÃO PAULO, 2011). Como os
questionários são aplicados a pais, alunos, professores6, coordenadores e diretores de forma
censitária para as séries avaliadas (7º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino
Médio) e para a escola, tem-se um conjunto de dados significativos sobre questões de
natureza pedagógica e administrativa da escola e que levantam informações sobre o contexto
socioeconômico de cada um destes segmentos.
Configura-se, portanto, em uma rica fonte de dados sobre as escolas integrantes do
sistema de ensino estadual paulista que pode ser melhor analisada para oferecer um panorama
sobre a gestão democrática no Estado a partir da perspectiva dos membros da comunidade
escolar. Há questões relativas à participação em órgãos colegiados e instituições, bem como
questões relativas à participação em processos decisórios, elaboração da proposta pedagógica,
6 Os professores avaliados são aqueles que ministram aulas de Língua Portuguesa e Matemática – participantes
de todas as edições do SARESP – e, os professores das áreas de Ciências da Natureza (Ciências Físicas e
Biológicas, Biologia, Física e Química) e Ciências Humanas (História, Geografia, Sociologia e Filosofia) em
anos alternados.
21
definição de estratégias, avaliação de resultados da unidade escolar etc. Estes dados são
apresentados, porém pouco explorados, já que a proposta do documento não é esta.
De acordo com Martins e Theóphilo (2009, p. 88), um estudo pode ser desenvolvido
com o emprego exclusivo de pesquisa documental. “A análise documental permite passar de
um documento primário (bruto) para um documento secundário (representação do primeiro)”
de tal forma que se obtenha “o máximo de informação (aspecto quantitativo) com o máximo
de pertinência (aspecto qualitativo)” (BARDIN, 2011, p. 51).
Com a análise documental do Relatório dos Estudos do SARESP objetivou-se
verificar a opinião de alunos, pais, professores, coordenadores e diretores das escolas de
Ensino Fundamental II e do Ensino Médio sobre sua participação na escola e na tomada de
decisões no âmbito escolar para, a partir deste indicador, perceber se a gestão democrática
tem se consolidado no estado de São Paulo.
Assim, o Terceiro Capítulo traz a análise das respostas de alunos, pais, professores,
coordenadores e diretores às questões sobre sua participação na escola e nas decisões no
âmbito escolar. Tal análise expõe em relação aos pais e alunos um Quadro de participação
formal e instrumental, bem distante dos propósitos almejados pelos educadores nos anos
1980. Há indícios de que a participação dos alunos esteja mais ligada ao protagonismo juvenil
do que à efetiva participação na tomada de decisões. No que diz respeito aos professores,
diretores e coordenadores é possível verificar que há nas escolas um maior compartilhamento
de responsabilidades que aumentam as possibilidades de participação, porém longe de
significar uma efetiva alteração no exercício de poder. Fica evidente, também, a centralidade
que a SEE/SP tem assumido na determinação das práticas pedagógicas e avaliativas,
limitando a autonomia escolar.
Por fim, nas conclusões é possível encontrar uma síntese das informações obtidas por
meio da análise dos dados, visando inferir sobre a consolidação da gestão democrática como
princípio de gestão nas escolas públicas estaduais do Estado de São Paulo como resultado da
abertura de canais de participação na tomada de decisão, por meio da opinião da comunidade
escolar expressa no Relatório dos Estudos do SARESP.
22
1 - A GESTÃO DEMOCRÁTICA ENQUANTO PRINCÍPIO DE GESTÃO ESCOLAR
Desde que foi estabelecida como princípio que rege a educação brasileira pela
Constituição Federal de 1988, a gestão democrática tem sido alvo de discussões, pesquisas e
trabalhos produzidos por acadêmicos, gestores e políticos.
Após um longo processo de negociação entre atores políticos que defendiam interesses
contrários, a gestão democrática foi incorporada como princípio orientador da educação na
esteira do processo histórico de redemocratização do país. Seu papel é instruir e direcionar a
operacionalização do poder (FRAUCHES e FAGUNDES, 2007), favorecendo a participação
dos envolvidos na tomada de decisão. No âmbito educacional visa, portanto, à partilha do
poder com aqueles cujo interesse na qualidade da educação7 é direto (PARO, 2002), ou seja, a
comunidade atendida pela escola.
A proposta de democratização das relações no âmbito escolar visa romper com séculos
de autoritarismo e centralização que, em primeiro lugar, mantiveram a esmagadora maioria da
população distante dos bancos escolares, contribuindo com a manutenção de níveis altos de
analfabetismo e exclusão até o final do século XX e, em segundo, permitiram que a orientação
e o planejamento dos trabalhos escolares se concentrassem nas mãos de políticos, burocratas e
técnicos que pouco ou nenhum contato mantinham – e mantêm – com o cotidiano escolar e
menos ainda com as comunidades atendidas por cada escola.
Tem como premissa a convicção de que a qualidade da educação, enquanto atividade
racionalmente orientada para o desenvolvimento da autonomia do indivíduo mediante o
domínio crítico dos conhecimentos acumulados pela humanidade, pode ser alcançada
mediante a participação da sociedade na definição da estrutura e do currículo dos sistemas de
ensino.
Num contexto de gestão democrática transformadora da realidade, a comunidade
participa das decisões (BASTOS, 1999; PARO, 2002; CURY, 2007), que são tomadas a partir
do diálogo entre os atores (SOUZA, 2009; GUTIERREZ e CATANI, 2011). Esta participação
tem caráter político, de controle da ação do Estado (SPÓSITO, 1999; PARO, 2002) e não se
resume em mera realização de eventos (CURY, 2007; PARO, 2002). Dada a importância da
participação da comunidade, deve haver a preocupação de colocar os indivíduos em condições
de participar (SOUZA, 2009), disponibilizando as informações necessárias a uma atuação
consciente e esclarecida. A participação, neste contexto, é vista como um direito e não como
7 A expressão qualidade da educação pode ter inúmeras interpretações dependendo do emissor, do contexto e de
tantas outras variáveis. Por qualidade da educação entende-se a capacidade de a escola transmitir o saber
historicamente acumulado, desenvolvendo a consciência crítica da realidade, conforme Paro (2010, p. 235).
23
uma concessão (PARO, 2002). Há clareza de que o fomento à participação é fundamental
para consolidar o aprendizado da democracia (BASTOS, 1999; PARO, 2002; CURY, 2007).
A gestão democrática consolida-se pela efetiva atuação da comunidade em instituições
e colegiados, a APM e o Conselho de Escola (PARO, 2002; GUTIERREZ e CATANI, 2011),
respectivamente, estabelecidos como fruto de disputas dos educadores (GUTIERREZ e
CATANI, 2011), conduzidos por personalidades verdadeiramente democráticas (PARO,
2002). A participação, afinal, terá como objetivo principal consolidar a autonomia da escola
(PARO, 2002), transformar as práticas administrativas e pedagógicas (BASTOS, 1999;
SPÓSITO, 1999; PARO, 2002), principalmente na sala de aula, pressionar altos escalões do
governo para dotar a escola de recursos materiais e humanos (PARO, 2002), visando melhorar
a qualidade da educação oferecida à população.
Envolve, portanto, a participação nas decisões pedagógicas e administrativas
relevantes para a consecução dos objetivos estabelecidos pelo projeto pedagógico e não
somente a execução daquilo que foi determinado por indivíduos ou grupos. A participação da
comunidade escolar nos processos decisórios permite que os interesses das camadas populares
sejam atendidos no sentido de oferecer uma educação de qualidade (PARO, 2002).
Entretanto, esta participação, “como todo processo democrático, é um caminho que se
faz ao caminhar” (PARO, 2002, p. 18). Assim, requer a conquista de espaços, a correção de
processos e mecanismos de tomada de decisão no âmbito escolar, a transparência de
informações e a necessária abertura à participação da comunidade. Envolve, também, um
processo de diálogo e conscientização que revitalizem o exercício político8 e favoreçam a
superação de toda e qualquer prática autoritária e dominadora.
Ao buscar formas mais democráticas de organização e gestão escolar, a escola
contribui com o aprendizado da democracia9, necessário à transformação da sociedade
(CURY, 2007; SOUZA, 2009). Neste sentido, Souza (2009) defende que a gestão
democrática é um fenômeno político que está articulado diretamente com ações que se
sustentam em métodos democráticos e avança propondo um conceito ampliado de gestão
democrática que representa um tipo ideal, longe de estar concretizado na realidade, mas que
8 Quando se fala em exercício político leva-se em consideração que a política consiste numa prática humana
diretamente ligada ao exercício de poder do homem em relação ao homem na busca de determinado objetivo
(BOBBIO, 1998, p. 954). Sendo a gestão democrática uma forma de operacionalização do poder, diz respeito
diretamente ao exercício político no âmbito escolar (SOUZA, 2009). 9 A democracia reivindicada no campo educacional na década de 1980 apontava para uma concepção mais
ampla, envolvendo valores, práticas e direitos sociais (DRABACH, 2009); uma forma de governo para o povo,
que defende a igualdade e a participação na busca de consensos (BOBBIO, 1998).
24
serve para cotejamento de práticas realizadas na escola visando orientar trajetórias e ampliar
as conquistas neste campo.
Segundo o autor, gestão democrática pode ser entendida como um
processo político que é mais amplo do que apenas as tomadas de decisão e
que é sustentado no diálogo e na alteridade, na participação ativa dos sujeitos
do universo escolar, na construção de canais de comunicação, de sorte a
ampliar o domínio das informações a todas as pessoas que atuam na/sobre a
escola (SOUZA, 2009, p. 136).
Ao analisar a qualidade e a amplitude da participação no contexto da gestão
democrática, Souza (2009) propõe defini-la como
processo político no qual as pessoas que atuam na/sobre a escola identificam
problemas, discutem, deliberam e planejam, encaminham, acompanham,
controlam e avaliam o conjunto das ações voltadas ao desenvolvimento da
própria escola na busca da solução daqueles problemas. Esse processo,
sustentado no diálogo, na alteridade e no reconhecimento às especificidades
técnicas das diversas funções presentes na escola, tem como base a
participação efetiva de todos os segmentos da comunidade escolar, o respeito
às normas coletivamente construídas para os processos de tomada de decisão
e a garantia de amplo acesso às informações aos sujeitos da escola (SOUZA,
2009, p. 126).
Para o autor, as pessoas que atuam na/sobre a escola precisam estar envolvidas não
apenas na tomada de decisões, mas numa etapa anterior de análise das necessidades e
levantamento dos problemas. Além disso, num tipo ideal de gestão democrática, as pessoas
deveriam participar de todo o processo organizativo e de gestão desde a identificação dos
problemas, como já foi mencionado, passando pela discussão, deliberação, planejamento e
encaminhamento de ações e, finalmente, pelo acompanhamento e controle dos resultados
mediante avaliação constante.
Fica evidente que participar de forma democrática, no entender de Souza (2009),
pressupõe não somente a tomada de decisões, mas também uma ação reguladora, fiscalizadora
e avaliadora. Pressupõem, também, uma estrutura que favoreça relações horizontalizadas e
fundamentadas em uma base dialógica e consensual.
É essa a gestão democrática capaz de transformar a realidade, por que envolve a todos
sem discriminação, reconhece a importância, o valor e o pertencimento de cada um e permite
o exercício e o amadurecimento de todos no viver democrático. Estimula a autonomia pessoal,
o desenvolvimento do senso crítico e a busca do bem comum a partir da interação equilibrada
com os diferentes. Está diretamente associada com práticas colaborativas, cooperativas, mais
próximas do ideal igualitário presente na democracia que a sociedade deseja.
25
Como tipo ideal, esta definição de gestão democrática pode auxiliar no
estabelecimento de objetivos pessoais e coletivos a serem buscados pelo gestor e pela
comunidade escolar. Quando sabemos onde é preciso chegar, torna-se possível fazer ajustes
que manterão o grupo na rota e permite o exercício de superação de práticas pouco
condizentes com o fazer democrático.
O entendimento de que a gestão democrática é um processo que se consolida
paulatinamente pela adoção de princípios e posturas condizentes com a superação do
autoritarismo histórico enraizado nos procedimentos administrativos e pedagógicos da escola
é fundamental para que a sociedade prossiga vislumbrando um horizonte mais próximo do
ideal democrático. Por meio da participação na vida política da escola, será possível
consolidar o aprendizado da democracia, condição sine qua non para a efetivação de relações
mais democráticas na sociedade (SOUZA, 2009).
A gestão democrática exige empenho, desprendimento e capacidade de construção de
consensos pelo diálogo (CURY, 2007; MELO, 2009) na elaboração do projeto pedagógico.
Exige transparência, alteridade, foco, compreensão da realidade, valores éticos consolidados.
Coloca-nos cara a cara com nossas fragilidades e exige a capacidade de abrir mão daquilo que
satisfaz apenas a si próprio ou à maioria, para considerar e valorizar o pensar de cada um.
Exige tempo, disposição, abertura e tudo isso é muito contraditório e complexo.
Nas palavras de Cury (2007, p. 494), gestão democrática é ao mesmo tempo
transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e
trabalho coletivo, representatividade e competência. Voltada para um
processo de decisão baseado na participação e na deliberação pública, a
gestão democrática expressa um anseio de crescimento dos indivíduos como
cidadãos e do crescimento da sociedade enquanto sociedade democrática.
É evidente que, ao estarmos imersos na realidade, o processo de consolidação da
gestão democrática se torna muito mais árduo em virtude das contradições inerentes à escola
(SOUZA, 2009). Do ponto de vista institucional, os maiores empecilhos à participação na
gestão democrática são inerentes à própria escola (PARO, 2002).
As dificuldades e resistências para que a gestão democrática se efetive se originam
também a partir da origem e da forma de sua implementação. Tal princípio se constitui numa
diretriz de política pública disseminada e coordenada pelos sistemas de ensino
(MENDONÇA, 2000), ou seja, por organismos estatais que estão diretamente ligados à defesa
da “lógica das relações de produção material de uma sociedade dividida em classes, onde uma
classe social detém o poder econômico, e, por extensão, o poder político, sobre as demais”
(SANTOS, 2007, p. 830).
26
Sendo assim, as políticas concebidas e delineadas pelo Estado, apesar de serem
chamadas “públicas”, distanciam-se dos interesses de toda a sociedade ao se manifestarem na
prática como a “expressão dos interesses particulares de indivíduos ou grupos sociais”
(SANTOS, 2007, p. 829). A natureza patrimonialista10
do Estado brasileiro é um dos fatores
que emperra as mudanças necessárias à administração da educação (BASTOS, 1999;
SPÓSITO, 1999; MENDONÇA, 2000), notadamente a consecução da gestão democrática, já
que esta se constitui numa via de transformação da sociedade e não de legitimação.
Desta forma, a trajetória de conquista do estabelecimento de mecanismos que
instituem relações mais democráticas na escola não foi simples e muito menos livre de
embates. Foi resultado de vários anos de mobilização da sociedade e de negociação em defesa
dos interesses das camadas populares atendidas pela escola pública. Na atualidade, ocupar os
espaços abertos para a participação da comunidade visando à transformação das relações
pedagógicas e administrativas na escola significa travar embates sutis e localizados mediante
a compreensão de que qualquer possibilidade de uma presença popular mais efetiva demanda
organização e clareza de que somente o aparato legal não é suficiente.
Analisar o processo de estabelecimento da gestão democrática como princípio
fundamental que rege a educação pública no país torna-se necessário para o escopo deste
trabalho. Por se tratar de uma diretriz de política pública que tem o potencial de alterar
profundamente as relações sociais no ambiente escolar e, com isso, suscitar um processo de
democratização da sociedade como um todo, a gestão democrática mobilizou e ainda mobiliza
a atenção de diversos setores da sociedade em momentos históricos diferentes. Desta forma,
relembrar o processo de instalação deste princípio nos textos legais, do momento em que foi
solicitada pela sociedade até sua implementação, torna-se um caminho interessante para a
compreensão de seu status atual.
1.1 - O Estabelecimento da gestão democrática em nível Federal
A gestão democrática transformou-se em um tema relevante não só para a escola, mas
para toda a sociedade, tendo em vista o contexto histórico e político do país, principalmente
durante o processo de redemocratização. De acordo com Mendonça, “a luta pela
democratização dos processos de gestão da educação, no Brasil, está relacionada aos
movimentos mais amplos de redemocratização do país e aos movimentos reivindicatórios de
participação” (MENDONÇA, 1998, p. 11).
10
Mendonça (2001, p.96), chama de Estado patrimonialista “aquele onde predominam as vontades particulares
mais que as ordenações impessoais que caracterizam o Estado burocrático”. A relação entre patrimonialismo e
gestão democrática será abordada de forma mais aprofundada posteriormente.
27
Segundo Cunha (2009), a primeira experiência democrática no Brasil se deu após a
deposição de Getúlio Vargas (1930/45). Embora tenha sido limitada pelas generalizadas
práticas populistas, pela forte influência do poder econômico nas eleições e pela negação do
direito de voto aos analfabetos, teve como fator positivo o fato de os partidos políticos terem
experimentado grandes possibilidades de atuação, propaganda e coalizão. Esse rudimento de
democratização não significou, entretanto, a ampliação do acesso à educação ou a diminuição
do centralismo e do autoritarismo na sociedade e no âmbito escolar.
Após esse período estabeleceu-se o regime ditatorial (1964) como resultado da
intervenção dos militares que apoiavam as reformas favoráveis à acumulação de capital em
detrimento das reformas reclamadas pelas classes trabalhadoras. Neste cenário, os espaços de
participação e de atuação política por meio de sindicatos e partidos, por exemplo, ficaram
bastante reduzidos e o país mergulhou em um período de severa crise política.
No que diz respeito à educação, o Quadro geral da população brasileira continuava
precário e era de subescolarização e analfabetismo, pois o investimento do governo federal
em educação era insuficiente. Apesar de haver uma legislação11
que afirmava como direito o
acesso à educação primária e gratuita para todos, a maioria da população permanecia excluída
do processo educacional no país. A escolaridade média da população urbana era de 5,1 anos e
a da população rural era inferior a 2,5 anos, muito aquém do mínimo de 8 anos estabelecido
pela Constituição Federal de 1967. Somente 37,5% das crianças de 7 a 10 anos concluíam as
4 primeiras séries da escolaridade obrigatória e 20% estava fora da escola; 20% da população
urbana de 15 anos ou mais era de analfabetos e na zona rural e, também, na Região Nordeste,
esse número subia para 37%. Havia 5 milhões de crianças entre 7 e 14 anos fora da escola
devido à falta de escolas com as 8 séries obrigatórias e às altas taxas de evasão e repetência.
Apenas 5% da população de 18 a 24 anos frequentava o Ensino Superior e no Nordeste essa
taxa caía para 2,7 % (IPEA, 2007).
O Quadro de subescolarização e analfabetismo resultava da política educacional
estabelecida à época e que privilegiava a educação das elites para os postos de governo e a
educação dos pobres para atender às exigências do mercado, organizando-se em função dos
determinantes estabelecidos pelos modelos econômicos. Este Quadro era agravado pela
estrutura organizacional da educação pública, que apresentava
excessivo grau de centralismo administrativo, rigidez hierárquica de papéis
nos sistemas de ensino, superdimensionamento de estruturas centrais e
11
A Constituição de 1946, Art. 168, incisos I e II, fixava a obrigatoriedade do ensino primário de quatro anos e
sua gratuidade nos estabelecimentos oficiais e a Constituição de 1969, Art. 176, § 3°, inciso II estabeleceu o
ensino primário obrigatório para todos dos 7 aos 14 anos (MENDONÇA, 2000).
28
intermediárias com consequente enfraquecimento da autonomia da escola,
separação entre planejamento e execução das atividades educacionais e
exclusão dos agentes educacionais dos processos decisórios (MENDONÇA,
1998, p. 11).
Os profissionais da escola eram meros executores dos programas, do currículo e dos
projetos estabelecidos pelos órgãos centrais e a comunidade não tinha espaço algum para
colocar sua opinião, reivindicar seus direitos e acompanhar as ações realizadas no âmbito
escolar. Além disso, a enorme massa de brasileiros alijados do sistema educacional
correspondia a uma parcela significativa da população, o que reduzia as possibilidades de
superação das condições limitadas de sobrevivência.
Acompanhando o processo de redemocratização, a gestão democrática se estabelece
como objeto de reivindicação de setores organizados da sociedade como sindicatos de
trabalhadores em educação, movimentos estudantis, entidades de pesquisa no campo
educacional, e passou a ser considerado tema fundamental no debate sobre democratização da
educação. O status quo naquele momento histórico estava sendo questionado por forças
progressistas que almejavam uma realidade mais democrática e participativa para o país.
A década dos anos 1980 revelou-se bastante promissora para as reivindicações de
democratização de acesso à escola pública e gratuita e de gestão democrática do ensino. Na
medida em que as condições históricas e políticas propiciaram a superação do Regime Militar,
estabeleceu-se um debate entre associações que defendiam a temática da gestão democrática e
os setores mais conservadores da sociedade.
Este momento foi especialmente propício, pois, após um longo período de suspensão
dos mecanismos de representação e das prerrogativas do poder judiciário, o anseio por maior
participação na definição dos rumos da nação se tornou cada vez mais intenso. A
movimentação da sociedade civil resultou no empenho de esforços pela liberdade de exercício
dos direitos civis, políticos e sociais, e resultou no fim da ditadura militar.
A instalação da Assembleia Nacional Constituinte em 1987 foi um marco decisivo
para a construção da democracia no Brasil (CUNHA, 2009). Porém, antes de sua instalação,
várias entidades ligadas à educação já se movimentavam discutindo pontos fundamentais para
a superação das desigualdades e atrasos da educação ofertada no país. Causava incômodo o
atraso de nossa nação em relação a outros países que já haviam equacionado o problema da
escolarização básica da população e a situação de analfabetismo e subescolarização.
29
A partir de 1980, três entidades de caráter acadêmico – ANPEd, CEDES e ANDE12
-
promoveram as Conferências Brasileiras de Educação, onde o debate sobre a política
educacional e o papel da educação na democratização da sociedade ganharam espaço e
culminaram com a produção de um documento de grande efeito sociopolítico - A carta de
Goiânia - produzido pela comissão organizadora da IV Conferência Brasileira de Educação
(1986) e aprovada em sessão plenária (MENDONÇA, 2000; CUNHA, 2009).
O documento propunha um elenco de 21 dispositivos que deveriam integrar a
Constituição ora gestada em relação à educação brasileira, resguardando os direitos da
população a uma educação pública gratuita, para todos, laica e de qualidade. Entre os
referidos dispositivos, dois se referem à democratização da educação: a garantia de controle
da sociedade civil na execução da política educacional em todos os níveis (federal, estadual e
municipal) por meio de organismos colegiados, democraticamente constituídos, bem como o
estabelecimento de formas democráticas de participação e mecanismos de controle social que
assegurassem o cumprimento efetivo das obrigações do Estado na promoção da educação
pública, gratuita e de boa qualidade em todos os níveis (CEDES, 2012).
A preocupação em possibilitar a participação popular por meio de órgãos colegiados
fica aqui destacada e se constitui num elemento a compor a agenda política. O problema da
burocratização e da hierarquização da escola pública, que fecha as portas para a participação
popular na condução e acompanhamento das políticas educacionais e da gestão escolar,
ganhou espaço pela relevância que a educação tem no projeto liberal-democrático que
substituía o regime militar naquele momento histórico (CUNHA, 2009). Porém, os
movimentos em prol da educação aglutinados em torno das CBEs propugnavam a
democratização da educação dentro de um projeto mais amplo de democracia econômica,
social e política como forma de superar as desigualdades existentes no país (CEDES, 2012). É
possível afirmar que
A democracia reivindicada no campo educacional apontava para uma
concepção mais ampla, envolvendo valores, prática e direitos sociais,
contrariamente aos limites da democracia liberal vivenciadas até então
(DRABACH, 2009, p. 5155).
A universalização da educação e sua qualidade, a gratuidade escolar, as condições de
trabalho do magistério e a escassez e má distribuição das verbas públicas (CEDES, 2012)
eram as principais preocupações dos conferencistas e participantes, que aproveitaram o
momento de elaboração da carta constitucional para expressar seu desejo e reivindicar
12
ANPEd – Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação; CEDES – Centro de Estudos Educação e
Sociedade; ANDE – Associação Nacional de Educação.
30
responsabilidade e coerência no tratamento dos problemas educacionais, tendo em vista as
“reais necessidades e interesses da população”.
O controle da execução da política educacional por organismos colegiados, a
participação democrática e a adoção de mecanismos que assegurem o cumprimento das
obrigações do Estado em oferecer educação de qualidade e gratuita para todos, em todos os
níveis de ensino, foram as reivindicações da Carta de Goiânia relativas à democratização da
educação.
As CBE’s deram origem ao Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP)13
,
que durante e após o estabelecimento da Assembleia Nacional Constituinte defendeu a
democratização da educação e a gestão democrática do ensino como princípios norteadores da
educação em âmbito nacional. O mérito do referido Fórum foi o de ser capaz de aglutinar
educadores de todo o país num processo político de busca de consensos entre as entidades
representativas de educadores, estudantes, profissionais da educação e sociedade, visando
estabelecer um projeto representativo dos interesses da população no que diz respeito à
educação (BATISTA, 2002).
Desta maneira, diferentes atores passaram a defender a escola pública e reivindicar a
gestão democrática como um princípio norteador das ações nela desenvolvidas. A inclusão na
pauta de discussões da necessidade de alteração da estrutura de poder no interior dos sistemas
de ensino e das escolas pela incorporação de mecanismos de democratização da gestão
emergiu a partir do clamor da sociedade, o que levou o sistema político a absorvê-lo e iniciar
as discussões necessárias ao equacionamento do problema (MENDONÇA, 2000).
O caminho histórico de inclusão da gestão democrática na pauta de discussões do
Congresso Nacional corrobora a máxima de que “as classes populares são as forças sociais
que podem democratizar o Estado” (BORON, 1994, p. 116).
O conflito se estabelece de antemão em virtude de o Estado liberal democrático
favorecer políticas de acúmulo de capital e, portanto, estar diretamente aliançado com as
classes dominantes, o que torna os interesses populares secundários. A democratização da
educação significa abrir a possibilidade de participação da sociedade na definição de políticas
13
O Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública era composto pelas seguintes entidades: ANDES (Associação
Nacional de Docentes do Ensino Superior), ANDE (Associação Nacional de Educação), ANPAE (Associação
Nacional dos Profissionais de Administração da Educação), ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-
graduação em Educação), CPB (Confederação de Professores do Brasil), CEDES (Centro de Estudos Educação e
Sociedade), CGT (Central Geral do Trabalhadores), FASUBRA (Federação das Associações de Servidores das
Universidades Brasileiras), OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), SBPC (Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência), SEAF (Sociedade de Estudos e Atividades Filosóficas), UBES (União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas), UNE (União Nacional dos Estudantes), FENOE (Federação Nacional de Orientadores
Educacionais).
31
educacionais e do projeto político pedagógico nas escolas, franqueando poder às camadas
populares. Esta divergência nos projetos de sociedade coloca a educação no epicentro de
disputas entre elitistas e público identificado com as causas populares, tornando o projeto de
democratização da educação alvo de intensos embates na arena constituinte.
Cabe frisar que as pressões populares podem alterar os textos legais, porém as
disputam não podem se restringir a esse momento, pois no movimento dialético dos processos
históricos, nem sempre aquilo que foi almejado se estabelece conforme o esperado.
Ao compor a agenda política no contexto de elaboração da Constituição Federal do
Brasil, a gestão democrática, muito discutida e defendida durante as CBE’s, passou a ser alvo
de atenção durante a elaboração do texto constitucional.
O processo de elaboração da Constituição evidenciou amplas disputas entre os
defensores da escola pública e os que advogavam em favor da escola privada e elitista,
colocando a questão do financiamento no centro das discussões. O foco principal do debate
era a destinação dos recursos públicos que, na perspectiva do setor crítico progressista,
representado pelo Fórum Nacional pelo Desenvolvimento da Educação Pública (FNDEP),
deveriam ser alocados apenas para as escolas públicas.
Entretanto, como as propostas iniciais do FNDEP basearam-se na Carta de Goiânia, a
gestão democrática tornou-se também objeto de disputa durante o processo de elaboração da
Constituição Federal, pois, na perspectiva conservadora privatista dos representantes dos
segmentos leigo ou confessional, empresarial e comunitário14
, tal princípio não deveria se
estender às escolas particulares.
O que se buscava à época era uma alteração profunda na forma como os governos
encaravam a educação pública que, seja pela ação limitadora de recursos para seu
financiamento e centralizadora de decisões burocratizadas ou pela omissão, acabaram
mantendo o país no atraso no que diz respeito ao acesso à educação.
O resultado do embate político repercutiu diretamente no texto constitucional que
estabeleceu a gestão democrática como princípio de gestão apenas para as escolas públicas,
deixando as escolas particulares isentas de articular seus trabalhos com base neste fundamento
(BRANDÃO, 2010). Isto confirma a ideia de que “as disputas políticas e as relações de forças
14
Os representantes do setor privado não constituíram um Fórum, mas aglutinaram várias entidades para
defender interesses do setor privatista, principalmente em relação á defesa da liberdade de ensino e do apoio
financeiro do setor público. As entidades representativas das escolas privadas na Assembleia constituinte foram:
Confenem (Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino), representando instituições leigas e
empresariais principalmente; AEC (Associação de Educação Católica do Brasil) e ABESC (Associação
Brasileira de Escolas Superiores Católicas), que defendiam os interesses do setor privado confessional; CNEC
(Campanha Nacional das Escolas da Comunidade), que representavam as não empresariais.
32
de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos desenvolvidos e
implementados” (FREY, 2.000, p. 219).
Desta forma, “diante de todas as disputas que se desenrolaram ao longo de vários
meses, o texto aprovado para a Constituição acabou refletindo o resultado da negociação
possível entre atores de interesses tão divergentes” (IPEA, 2007, p 24, grifo nosso). O fato de
a gestão democrática ser instaurada como princípio organizador da educação nacional já
representa um avanço considerável tendo em vista sua omissão nas constituições anteriores e
na legislação infraconstitucional. O país passou a ter anexado à sua Constituição Federal o
princípio que refletia o estágio mais avançado da luta pela democratização
da educação pública, abrindo caminho para a regulamentação de
mecanismos de sua implementação na legislação educacional
(MENDONÇA, 2000, p. 64).
Como a Constituição Federal apresentou-se bastante generalista ao estabelecer a
gestão democrática, coube à LDB nº 9.394/96 ampliar o entendimento. Desta forma,
estabeleceu em seu artigo nº14 que, mediante a participação dos profissionais da educação na
elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação da comunidade escolar e local em
conselhos escolares ou equivalentes, as escolas contariam com mecanismos mais
democráticos de condução de seus trabalhos (FRAUCHES e FAGUNDES 2007, p. 59).
Cabe ressaltar que durante o processo de elaboração da LDB o país experimentava um
movimento histórico totalmente diferente daquele em que foi gestada a Constituição Federal e
que deixou marcas indeléveis sobre a referida legislação.
O processo de reforma do Estado a partir da lógica gerencial teve como objetivo
adequar o país diante do projeto neoliberal que se estabelecia. Com vistas a resolver
problemas de governança, o Plano Diretor da Reforma do Estado defendia a transição de uma
forma de administração pública burocrática para a administração gerencial (MARE, 1995). O
predomínio do fator econômico sobre o político e o social resultou na retração do Estado nas
políticas de cunho social e na regulamentação econômica. O foco era a regulação fiscal
mediante o aumento da eficiência e da eficácia, porém com respectiva redução de custos.
Neste cenário, após oito anos de tramitação, a LDB consolidou a perspectiva do
governo, que por sua vez estava diretamente alinhada com a perspectiva neoliberal15
(DRABACH, 2009), materializada nas diretrizes emanadas do Banco Mundial para a área da
educação (BRANDÃO, 2010). O texto legal aprovado valendo-se de manobras políticas
15
Por neoliberal entende-se um conjunto de mudanças na ordem político-econômica-cultural, cujas premissas
tendem para a constituição de um modelo de sociedade em que são retomadas e reafirmadas as teses liberais de
proeminência do mercado sobre todas as demais dimensões da vida humana (LIMA, 2008).
33
ignorou a proposta anterior, discutida e elaborada com a participação de setores organizados
da sociedade civil ligados à educação (instituições científicas, acadêmicas e estudantis,
movimentos sociais, sindicatos de professores, donos de escola, entidades de classe), para
atender aos ditames de organismos externos (BRANDÃO, 2010).
Ao regulamentar o princípio da gestão democrática, o fez de forma superficial,
furtando-se de corresponder ao que a sociedade desejava. Em relação à maneira como o
referido princípio foi contemplado na LDB, é possível destacar que esta não cumpriu o papel
de adequar “importantes aspectos da gestão escolar, como a própria reestruturação do poder e
da autoridade no interior da escola” (PARO, 2007, p.75), privando-se também de “suscitar um
processo de democratização dos sistemas” de ensino no país (DRABACH, 2009, p. 5161).
Algumas marcas do passado autoritário ainda permaneceram na legislação que rege a
educação nacional pelo fato de a mesma ainda se omitir em regulamentar a implementação da
gestão democrática. A normatização do referido princípio foi postergada, cabendo à legislação
dos sistemas de ensino fazê-lo (BRANDÃO, 2010). Também ficou evidente que, no presente,
a preocupação com questões econômicas predominam no cenário político seguindo os
ordenamentos neoliberais e “colocando em xeque o avanço democrático” (DRABACH, 2009,
p. 5158).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tem como prerrogativa nortear
a estrutura organizativa da educação no país, ao se pronunciar em relação à gestão
democrática estabelece a participação como elemento fundamental. Ao direcionar os esforços
participativos dos profissionais da educação à elaboração do Projeto Pedagógico e à
composição de conselhos ou equivalentes juntamente com a comunidade escolar
(FRAUCHES e FAGUNDES, 2007), a LDB circunscreve a gestão democrática à escola,
determinando o local onde os sistemas de ensino empreenderão esforços para estimular
práticas de gestão que envolvam a participação popular.
Embora a participação da comunidade16
na gestão da escola represente um grande
avanço, de certa maneira as expectativas dos educadores de participar da definição das
políticas educacionais nas esferas federal, estadual e municipal foram frustradas. Sendo o
governo do Estado o responsável por estabelecer a política educacional para as escolas
públicas sob sua responsabilidade, as políticas implementadas por este terão afinidade com a
orientação política da coalisão partidária que assume o governo na pessoa do governador
eleito. Tais governos podem ou não estar articulados com interesses democráticos (PARO,
16
Quando nos referimos à comunidade, estamos levando em consideração todos os segmentos que constituem a
escola, professores, pais, alunos, funcionários e direção, conforme os NRB’s supra citada.
34
2007), o que dificulta os avanços no processo gradual de democratização da sociedade e da
escola. As resistências no nível estadual
encontram-se no campo da organização e do funcionamento geral do Estado
e na relação nem sempre tranquila de uma elite político-administrativa com
os demais atores sociais (MENDONÇA, 2000, p. 94).
A LDB/1996 reforçou e deu legitimidade às experiências de democratização da
educação que já vinham se efetivando no país, mas deixou de colaborar para que este
processo se estabelecesse em todos os sistemas de ensino, privando a sociedade brasileira de
orientações e determinações que promovessem a abertura dos sistemas de ensino e da escola à
participação na definição dos rumos da educação no país (DRABACH, 2009).
1.2 - O estabelecimento da gestão democrática em nível estadual: o caso do estado de São
Paulo
A cada ente federado, pela ação dos respectivos sistemas de ensino, coube a
responsabilidade de regulamentar a gestão democrática de acordo com suas peculiaridades,
garantindo a “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto político
pedagógico e a participação da comunidade escolar e local em conselhos ou equivalentes”
(FRAUCHES e FAGUNDES, 2007, p. 59). Abriu-se, assim, a possibilidade de existência de
diversas experiências e práticas de implementação no país, posto que o referido conceito em
discussão pode ser interpretado também de diversas formas.
No Estado de São Paulo, o princípio ora pesquisado foi implementado por meio da
Deliberação do Conselho Estadual de Educação (CEE) nº 10/9717
, de 03/09/1997, da
Indicação CEE nº 9/9718
, de 30/07/1997, e do Parecer CEE nº 67/98, de 18/03/199819
. Este
estabelece a participação dos profissionais da escola na elaboração da proposta pedagógica, a
participação da comunidade escolar20
nos processos consultivos e decisórios21
, a autonomia
na gestão pedagógica, administrativa e financeira, a valorização da escola, a transparência e a
17
A Deliberação do Conselho Estadual de Educação (CEE) nº 10/97 de 03/09/1997 estabelece que os regimentos
escolares devem ser elaborados a partir de 1998, com base no que é estabelecido pela Indicação CEE nº 9/97. 18
A Indicação CEE nº 9/97 dá as diretrizes para a elaboração do Regimento nas escolas estaduais paulistas a
partir da análise da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) nº 9394/96 e aprova as Normas Regimentais
Básicas para as escolas estaduais. 19
O Parecer CEE nº 67/98 de 18/03/1998 estabelece as Normas Regimentais Básicas para as Escolas Estaduais a
partir da apreciação e aprovação do documento de mesmo nome apresentado pela Secretaria Estadual de
Educação, onde o princípio da gestão democrática é tratado em no Título II, com 5 capítulos e 2 sessões. Seus
detalhes serão tratados em momento oportuno. 20
Por comunidade escolar, nos referimos ao conjunto formado por direção, professores, pais, alunos e
funcionários. 21
Por meio dos órgãos colegiados Conselho de Escola e Conselho de Classe/série e das instituições Associação
de Pais e Mestres (APM) e Grêmio Estudantil, a comunidade escolar encontra espaços de participação em
processos consultivos e decisórios.
35
responsabilidade como instrumentos necessários à consecução das finalidades da gestão
democrática (SÃO PAULO, 2008).
No estado de São Paulo, sucessivos governos implementaram as teses neoliberais no
contexto da educação, incorporando técnicas de gestão empresarial que se utilizam da
descentralização, autonomia e controle de resultados para buscar eficiência mercadológica22
.
Em nome da modernização do aparelho educacional, a reforma da educação, acompanhando a
reforma do Estado, teve como objetivo flexibilizar a gestão a fim de torná-la ágil o suficiente
para atender as demandas educacionais - estabelecidas por organismos internacionais e não
pelo público atendido pela escola - com racionalização de recursos (KLÉBIS, 2009).
Pela necessidade de atender ao texto constitucional, a legislação educacional paulista
absorveu elementos da gestão democrática, mas somente aqueles congruentes com o modelo
gerencial. Em nome da democratização da educação, orienta os gestores escolares a colocar
em prática mecanismos de gestão no modelo gerencial cujos resultados atendem aos
ordenamentos neoliberais, porém sem democratizar efetivamente a escola. Com o pretexto de
aplicar a gestão democrática, montou-se um esquema em que a modernização do sistema de
ensino é que de fato se processou, objetivo que se relaciona mais com a resolução de
problemas de governança do que com a democratização das relações na educação
(KRAWCZYK, 1999).
Após a promulgação da LDB, o Conselho Estadual de Educação de São Paulo (CEE)
iniciou uma etapa de estudos visando apresentar o significado e o alcance de algumas
expressões inseridas na nova lei e a ampliar a compreensão das diretrizes e normas ali
presentes, bem como auxiliar na reestruturação dos sistemas de ensino e das escolas no estado
de São Paulo (SÃO PAULO, 2008).
Desta forma, por meio da Indicação CEE nº 9/97, aprovada em 30/07/1997, são
tratados diferentes temas que dizem respeito a diversos aspectos a serem observados pelas
escolas durante a elaboração do Regimento Escolar e do Projeto Pedagógico. Temas como
duração das aulas e do ano letivo, critérios de organização, classificação e reclassificação dos
alunos, criação de classes e turmas especiais, verificação do rendimento escolar, frequência,
progressão parcial, currículo e matérias obrigatórias são tratados no referido documento,
alguns deles levando em consideração as peculiaridades do Ensino Fundamental e Médio.
22
A eficiência mercadológica aplicada à educação tem efeitos nefastos, pois implica a aplicação de técnicas de
racionalização e reestruturação para redução de custos e a potencialização de recursos respectivamente (LIMA,
2011, p. 140-141), sem levar em consideração a estrutura já fragilizada da escola pública e a necessidade de
investimentos.
36
Ao tratar dos tópicos mínimos a constarem no regimento escolar, a Indicação CEE nº
9/97 chama a atenção para o princípio de gestão democrática como forma de organização
administrativa e técnica da escola, conforme estabelecido pelo artigo 3º, inciso VIII e artigo
14, ambos da LDB nº 9394/96.
Esta indicação, após o período de debates, análise e discussão sobre o assunto, foi
confirmada como documento básico a ser considerado durante a elaboração dos regimentos
escolares a partir de 1998 por meio da Deliberação CEE, nº 10/97, homologada e publicada
em 03/09/1997.
A partir desta deliberação, a Secretaria Estadual de Educação de São Paulo (SEE/SP)
estabeleceu um grupo de trabalho que elaborou o documento intitulado “Normas Regimentais
Básicas para as Escolas Estaduais” (NRB’s), apresentado ao CEE em 25/02/1998 para
apreciação. Nele, estavam presentes as normas que toda escola estadual deveria observar
durante a elaboração de seu regimento escolar ao longo do ano de 1998.
No relatório enviado ao CEE, fica ressaltado que
a versão final das Normas Regimentais Básicas para as Escolas Estaduais é
produto de um trabalho coletivo e participativo, envolvendo representantes
dos órgãos centrais e regionais da SE. Representa o esforço de
consubstanciar em texto normativo os princípios e diretrizes da política
educacional da Secretaria da Educação, bem como dos novos mecanismos
instituídos pela LDB, que confirmam a importância de uma gestão escolar
democrática, fortalecida em sua autonomia e compromissada com a elevação
do padrão de qualidade de ensino oferecido à população escolar (SÃO
PAULO, 2008, p.320).
É importante frisar que o caráter coletivo e participativo atribuído à elaboração do
referido documento se deu mediante a participação apenas de representantes de órgãos
centrais e regionais, excluindo outras instituições e grupos de defesa dos interesses da
comunidade escolar. Neste caso, cabe ressaltar que somente o governo estadual se fez
representar na elaboração deste documento, confirmando a tradição de centralização das
decisões sobre a política educacional paulista aos burocratas centrais e técnicos do governo.
Ao elaborar o documento que regulamenta a gestão democrática nas escolas, a SEE/SP
o fez de forma centralizadora, eliminando a participação de outros atores nas discussões que
serviriam de suporte para a construção de um texto que absorvesse os anseios populares,
contrariando o fundamento da gestão democrática.
A análise da política educacional do Estado de São Paulo no período de 1967 a 1990
evidencia que
a formulação de programas e reformas educacionais no âmbito da Secretaria
da Educação ocorreu de forma autoritária e centralizada, não contemplando a
participação dos atores (burocratas e professores) envolvidos no processo
37
[...] o que varia é a maior ou menor participação de burocratas dos órgãos
centrais da Secretaria (RUZ PERES, 1994, p. 182).
A postura pseudodemocrática do governo do estado de São Paulo fica evidenciada no
documento “Plano Estadual de Educação – Proposta da Sociedade Paulista” (SÃO PAULO,
2003), em que os autores discutem o processo de elaboração do Plano Estadual de Educação
de São Paulo. Salientam a visão restrita de democracia
através da qual o governo, porque eleito, se arvora em representante
exclusivo da sociedade, desqualificando interlocutores legítimos, e
ignorando seu papel de coordenador (SÃO PAULO, 2003, p. 15).
Além disso, o princípio da gestão democrática foi diretamente ligado à melhoria do
padrão de qualidade da educação oferecida no estado de São Paulo e nos faz refletir sobre até
que ponto a participação popular é desejada e incentivada como mecanismo de alargamento
dos espaços de atuação da comunidade para ampliação da democracia, ou é apenas tida como
uma técnica de gestão que facilita a desresponsabilização do Estado no oferecimento de
educação de qualidade para todos. A qualidade da educação depende não apenas do que
acontece no interior da escola, em sua organização pedagógica e administrativa, mas também
dos investimentos em infraestrutura, equipamentos, material didático, capacitação do corpo
docente e tantos outros fatores inerentes ao papel do governo estadual.
No documento de apresentação das NRB’s ao CEE/SP, a então Secretária Estadual de
Educação chama os educadores a contribuírem com a “construção de uma escola pública mais
condizente com uma sociedade que se pretende democrática e moderna” (SÃO PAULO,
2008, p. 321, grifo nosso), e ressalta que a legislação não é um instrumento capaz de, por si
só, mudar os rumos da educação. É importante lembrar que “nem sempre as propostas de
modernização da educação levam em conta sua democratização” (KRAWCZIK, 1999, p.
144), o que torna contraditória a presença dos dois termos na fala da então secretária.
As NRB’s trazem no Título II o Capítulo I, que versa sobre os princípios da Gestão
democrática. No artigo 7º, atrela o referido princípio ao aumento da autonomia da escola e à
elevação do padrão de qualidade do ensino; no artigo 8º, determina que o processo de
construção da gestão democrática deve ser fortalecido por ações e medidas de órgãos locais e
centrais; no artigo 9º, estabelece os instrumentos que devem ser utilizados para consecução
dos objetivos da gestão democrática, que são: a participação dos profissionais da escola na
elaboração da proposta pedagógica, a participação da comunidade nos processos consultivos e
decisórios por meio de órgãos colegiados como Conselho de Escola e APM, o exercício da
autonomia na gestão pedagógica, administrativa e financeira, a transparência e a
38
responsabilidade na gestão e a valorização da escola. No artigo 10º, versa sobre a autonomia
da escola como mecanismo de fortalecimento da gestão democrática.
Nos demais capítulos, as NRB’s versam sobre as instituições escolares (capítulo II,
artigos 11º ao 14º), os Colegiados (artigos 15º, com duas sessões, a I, referente ao Conselho
de Escola, artigos 16º ao 19º e a II, referente aos Conselhos de Classe e Série, artigos 20º a
23º). O capítulo IV versa sobre as normas de gestão e convivência (artigos 24º a 28), enquanto
o capítulo V versa sobre o plano de gestão da escola (artigos 29º a 31º).
As referidas NRB’s foram apreciadas pelo CEE e aprovadas em 18/03/1998, passando
a ser o documento orientador das escolas públicas estaduais na elaboração do regimento
escolar e da proposta pedagógica. Martins (2003a) destaca que o processo de negociação das
NRB’S com a categoria dos profissionais da educação e seu sindicato foi longo, conturbado e
cheio de intervenções. O documento pronto foi alvo de resistência por parte dos profissionais
da educação, problema que poderia ter sido minimizado se estes e outros atores interessados
em seu conteúdo pudessem participar devidamente das discussões. Após este período, as NBR
tramitaram pelo Conselho Estadual de Educação e foram aprovadas.
Em momento algum as NRB’s, documento estruturador da política educacional do
Estado de São Paulo, foram submetidas à discussão com os demais setores da sociedade
capazes de representar a população atendida pela escola. Apesar de o discurso apregoar a
implementação da gestão democrática nas escolas públicas paulistas por meio da
descentralização, da autonomia e da participação, na prática “a cultura político-administrativa
consagrada por práticas tradicionais” não se rompe definitivamente, servindo de substrato
para a existência de práticas patrimonialistas (MARTINS, 2003a, p. 541-542).
As mudanças no cenário político e econômico influenciaram diretamente a
implementação da gestão democrática, pois, apesar de terem permitido a incorporação dos
anseios da sociedade por maiores espaços de participação, promoveram uma ressignificação
em seu conteúdo para justificar a retração do Estado na oferta de educação de qualidade para
as classes trabalhadoras e a transferência de responsabilidades à sociedade. A gestão
democrática perdeu seu caráter transformador e progressista nos moldes em que foi formulada
no texto legal e passou a se configurar em uma técnica de gestão visando ao aumento da
eficiência e da eficácia dentro do modelo gerencial adotado pelo Estado em virtude da
reforma pela qual passou (BRUNO, 2008; KLÉBIS, 2009).
No estado de São Paulo, a implementação da gestão democrática se deu pela abertura
à possibilidade de elaboração do regimento escolar e da proposta pedagógica de cada unidade
39
e pelo incentivo à ativação dos órgãos colegiados e instituições23
de participação da
comunidade. Enquanto a legislação é estabelecida por políticos, técnicos e burocratas, a
implementação se dá pela ação dos profissionais da educação no âmbito das escolas. Desta
forma, o passo seguinte é a capacitação deste público para a efetivação das mudanças.
A adequação da rede pública de ensino aos direcionamentos estabelecidos por meio da
legislação foi estimulada, orientada e conduzida por cursos de capacitação aos gestores
(supervisores de ensino, diretores, vice-diretores e coordenadores de escolas), onde estes
foram instrumentalizados com conhecimento teórico e prático que favorecesse a adequação da
escola a este novo contexto. Mais uma vez o caráter centralizador da política educacional no
Estado de São Paulo se faz perceber, pois os atores diretamente relacionados com a efetivação
da política pública24
são treinados para sua consecução numa clara imposição da visão de
setores dominantes da sociedade às camadas populares, algo bem distante do que foi almejado
pelos educadores na década de 1980.
Passamos agora a focar a atenção sobre os programas utilizados pela SEE/SP para
implementar a gestão democrática no que diz respeito à elaboração do projeto político
pedagógico e do regimento escolar, e aos cursos de capacitação dos gestores.
1.2.1 - Elaboração do Projeto Político Pedagógico e do Regimento Escolar
A elaboração do Projeto Político Pedagógico e do Regimento Escolar foi subsidiada
por documentos modelos, enviados pela SEE/SP às escolas no sentido de orientar a
elaboração dos mesmos.
No documento “A Construção da Proposta pedagógica25
da escola” (SÃO PAULO,
2000) os gestores escolares recebem orientação da SEE/SP sobre como elaborar o Projeto
Político Pedagógico, mediante resposta a questionamentos que delineiam o começo, o meio e
o fim deste. A proposta do referido documento é “subsidiar reflexões, bem como as decisões e
ações a serem tomadas” (SÃO PAULO, 2000, p.4).
23
O estado de São Paulo já possuía em sua legislação mecanismos que permitiam a participação desde 1931,
com a instituição da APM (Associação de Pais e Mestres). Em 1984, foi instituído o Conselho Deliberativo.
Entretanto, esta participação focava a orientação da família para questões sanitárias e de disciplinação
(SPÓSITO, 1999; KLÉBIS, 2009). 24
O conceito de política pública aqui utilizado é o explicitado por Teixeira (2002, p. 2), que a coloca como
“diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder
público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado. São, nesse caso, políticas explicitadas,
sistematizadas ou formuladas em documentos (leis, programas, linhas de financiamento) que orientam ações”.
Nos referimos à política pública de implementação das NBR’s, com a elaboração do Regimento Escolar. 25
O Projeto Político Pedagógico é chamado de Proposta Pedagógica nos documentos oficiais. A opção por
utilizar o nome Projeto Político Pedagógico para referenciar o documento que norteia os trabalhos na escola nas
dimensões pedagógica e administrativa está ligada à noção de que tal documento estabelece o tipo de formação
política para dada sociedade a ser realizada na escola mediante determinadas ações educativas, de acordo com
Veiga (2008).
40
Tais modelos continham a estrutura básica necessária à elaboração do projeto político
pedagógico como documento necessário à organização do ensino e da aprendizagem na escola
como um todo e particularmente na sala de aula. O Projeto Político Pedagógico é um dos
instrumentos que possibilitam o exercício da autonomia da escola por permitir que cada
unidade de ensino estabeleça os princípios, valores e códigos fundamentais na condução das
relações e dos trabalhos de formação do alunado. Por ser uma construção baseada na realidade
de cada escola visando atender às necessidades e particularidades de um determinado público
e superar as dificuldades e problemas enfrentados em determinado contexto, o Projeto Político
Pedagógico organiza a escola, o trabalho pedagógico e administrativo, além de resgatar a
escola como espaço público de debate, diálogo e reflexão (VEIGA, 2008).
Também o regimento escolar, documento mediante o qual a comunidade escolar
estabelece as regras de funcionamento da unidade no que diz respeito aos direitos e deveres
dos envolvidos no processo educativo, também foi construído usando um modelo.
Seguindo as orientações dos modelos, as escolas elaboraram seu Regimento e Projeto
Político Pedagógico, que foram analisados e homologados pelas respectivas Diretorias de
Ensino. Ao estabelecer um modelo de documento e exigir que este seja submetido à
apreciação e homologação de um órgão central, a SEE/SP limita os espaços de autonomia da
escola e dificulta o estabelecimento de uma cultura de participação, já que a preocupação em
fazer um documento “aceitável” pelos órgãos centrais pode levar os gestores a construir os
documentos de forma solitária e autoritária também.
Desta forma, a autonomia propalada nos documentos oficiais encontra obstáculos para
se efetivar em virtude dos rigorosos procedimentos de organização e controle estabelecidos
pela SEE/SP (MARTINS, 2003a; VIÇOTI, 2010). Além disso, a diminuição de recursos
financeiros, físicos e humanos também impede o pleno exercício da autonomia na escola.
Durante a deliberação plenária que levou a aprovação do Parecer CEE n° 67/98, o
então conselheiro Francisco Antônio Poli votou contrariamente ao posicionamento do
conselho pleno alegando considerar as NRB’S centralizadoras e, portanto, cerceadoras da
autonomia escolar. O referido conselheiro alega que “respeitando-se essas normas regimentais
básicas, quase nada sobra para decisão da escola” (SÃO PAULO, 2008, 325).
Segue polemizando o discurso democratizante dos documentos oficiais, fazendo
observações sobre o possível resultado prático de tal posicionamento da SEE/SP, e finaliza
questionando a intencionalidade das NBR. Segundo o conselheiro,
É o velho discurso da autonomia, flexibilidade, descentralização,
desmascarado, na prática, por determinações que não admitem sequer
41
questionamentos. O resultado certamente não deverá ser outro: as unidades
escolares limitar-se-ão a transcrever, nos seus regimentos, as normas
regimentais básicas. Ainda mais quando se determina que “o regimento de
cada escola deverá ser submetido à aprovação da Delegacia de Ensino”. Ou
seja, além de tudo, qualquer acréscimo, alteração, diminuição na elaboração
do regimento terá de ser apreciado pela Delegacia de Ensino. Que autonomia é
essa? (SÃO PAULO, 2008, 325).
O centralismo característico da gestão dos sistemas de ensino no estado de São Paulo
fica evidenciado na maneira como elementos fundamentais da gestão democrática são
implementados, evidenciando que o compromisso dos sucessivos governos que se alternaram
desde o estabelecimento das NRB’s é utilizar-se daqueles de forma técnica, como mecanismo
de gestão para efetivar estratégias de modernização. Desta forma, minam o conteúdo político
e emancipador dos documentos que orientam o funcionamento da escola e continuam
mantendo os profissionais da educação numa estrutura que não permite o exercício efetivo da
autonomia.
1.2.2 - Capacitação dos Gestores Escolares
É impossível implementar qualquer mudança na gestão de uma instituição sem
capacitar, treinar, orientar seus gestores. Neste sentido, a SEE/SP promoveu diversos cursos
para a equipe gestora das unidades de ensino, visando capacitá-los ao exercício da gestão
democrática. A tarefa de treinar uma liderança que permaneceu longo tempo agindo segundo
ordenamentos burocráticos e centralizados não é tarefa fácil. Mais difícil ainda é possibilitar a
desconstrução das práticas e conteúdos autocráticos vivenciados por tantos anos.
Para tal tarefa, fundamental à adequação do estado aos ordenamentos de
modernização, a SEE/SP valeu-se de orientações defendidas por organizações internacionais,
nos moldes hegemônicos absorvidos e adotados pelos governos no Brasil.
Um dos primeiros programas de capacitação de gestores escolares implantado no
estado de São Paulo foi o Circuito Gestão, que começou a vigorar no ano de 2000. Nele, o
perfil de gestor defendido era o de líder flexível, com visão pluralista, disciplinado, capaz de
exercer autoridade com equilíbrio, de negociar, de estimular a criatividade, de desenvolver
seu potencial com entusiasmo, de motivar e envolver a equipe. Contou com cinco encontros
modulares e capacitou 20.000 gestores26
(KLÉBIS, 2009).
Ao analisar o conteúdo do material utilizado durante o curso, Klébis (2009) identifica
uma visão produtivista, utilitarista e pragmática de gestão escolar, preocupada com a relação
custo/benefício e com o marketing, relegando a dimensão política da educação. Destaca,
também, a migração do modelo burocrático para o gerencial, baseado na flexibilidade,
26
Supervisores de ensino, diretores, vice-diretores, coordenadores e ATPs (Assistentes Técnicos Pedagógicos)
42
descentralização, competitividade, desempenho contínuo e crescente, direcionamento
estratégico, transparência e cobrança de resultados (KLÉBIS, 2009, p. 163).
Mesmo utilizando o mote da gestão democrática, o conteúdo do referido curso de
capacitação promove outro tipo de gestão cujos recursos, estratégias e procedimentos, apesar
de portarem alguma similaridade, têm objetivos diametralmente opostos aos da gestão
democrática, conforme destacaremos a seguir.
Outro curso de formação continuada e em serviço de gestores escolares e supervisores
de ensino foi o “Progestão”, que visava “formar lideranças comprometidas com a construção
de um projeto de gestão democrática, focada no sucesso escolar dos alunos das escolas
públicas de ensino fundamental e médio” (CGEB, 2012).
Iniciado no ano de 2004 como resultado da parceria entre a SEE/SP, por meio da
Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP), e o Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED), o Progestão contou com três edições. Na 1ª e 2ª, foram
abrangidas 63 Diretorias de Ensino e capacitados os gestores das escolas que oferecem o ciclo
II do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, bem como os supervisores em exercício nas
respectivas Diretorias. As referidas escolas tinham a peculiaridade de serem classificadas
como “mais complexas e com maiores dificuldades de gestão”(SEE/SP, 2012).
A 3ª edição, realizada em 2006, abrangeu 26 Diretorias de Ensino com escolas que
oferecem o ciclo II do Ensino Fundamental e o Ensino Médio e todas as escolas exclusivas de
ciclo I do Ensino Fundamental. Nesta etapa, foram atendidas gradativamente todas as equipes
gestoras das escolas e das Diretorias de Ensino da Capital, Grande São Paulo e Interior
(SEE/SP, 2012).
O Progestão incluía atividades à distância (75%) e presenciais (25%) no intuito de
formar lideranças que pudessem, junto com sua equipe, desenvolver a gestão democrática no
âmbito da escola. Tinha como objetivos específicos contribuir para desenvolver um perfil de
liderança democrática, desenvolver competências em gestão escolar, valorizar a prática
profissional dos gestores escolares, desenvolver a autonomia de estudo dos gestores na
perspectiva de sua formação continuada, estimular a formação de redes de intercâmbio de
experiências e informações em gestão escolar e fortalecer o processo de democratização e
autonomia das escolas públicas (CGEB, 2012).
Em relação ao curso, Klébis (2009) destaca que teve boa aceitação entre os gestores e
abrangeu a totalidade dos diretores do estado de São Paulo. Entretanto, coloca que o curso
teve a característica de “focar os problemas numa perspectiva de solução intraescolar, como
43
se tudo dependesse da “eficácia” da gestão escolar” (KLÉBIS, 2009, p. 170), como se todos
os problemas enfrentados pela escola fossem resultado de uma gestão ruim.
Ao analisar os princípios e objetivos do “Progestão”, Scotuzzi (2008) observou que o
curso identificou o gestor escolar, diretor, como figura de autoridade máxima na escola e que
tem como dever exercer a liderança e tomar a iniciativa para propor ações, acompanhá-las,
organizar espaços e corrigir rumos. O mesmo autor afirma que o programa estimula o trabalho
em equipe e a participação da comunidade escolar nas decisões sobre ações a serem utilizadas
na solução de problemas.
Porém, ao confrontar aquilo que é disseminado pelo curso com a prática cotidiana das
escolas pesquisadas, Scotuzzi (2008) destacou alguns pontos importantes que revelam
contradições inerentes ao curso e ao sistema de ensino estadual paulista. A autora coloca que
alguns módulos do curso são bastante prescritivos e chegam a propor um passo-a-passo para
alcançar alguns objetivos27
; a participação trabalhada pelo Progestão tem o sentido de partilha
de decisões, mas também de suprir as deficiências do Estado, assumindo a tendência de
propagar a política de Estado mínimo e responsabilização da escola e das equipes. Na
concepção da autora, o ponto crítico do programa está em
Incentivar uma política de gestão escolar alicerçada mais na “boa vontade” e
no “sacrifício” das pessoas do que em condições propícias de trabalho, em
exigências profissionais, em descompromisso político (SCOTUZZI, 2008,
p. 223).
Scotuzzi (2008) segue destacando que a estrutura do sistema de ensino não favorece a
formação de equipes duradouras, colocando o trabalho em equipe em segundo plano e que a
participação fica prejudicada em função da instabilidade de alguns professores no cargo.
Finaliza que a estrutura do sistema de ensino paulista é um “elemento dificultador na
implementação de processos democráticos na escola” (SCOTUZZI, 2008, p. 220).
Mais uma vez a gestão democrática serve de estratégia para a adoção de mecanismos
de gestão gerencial no âmbito escolar pela congruência existente entre práticas adotadas por
ambas. Porém nunca é demais ressaltar que os objetivos, e, portanto, os resultados finais, são
bastante divergentes.
Além do Circuito Gestão e do Progestão, os gestores escolares contaram ainda com
um curso de especialização em Gestão Educacional entre os anos 2005 e 2006, oferecido pela
27
A autora coloca como exemplo o Módulo V do curso que abordou o tema da convivência democrática na
escola com ênfase no combate à violência no ambiente escolar. Soluções do tipo passo-a-passo tornam-se
complexas tendo em vista o fato de as escolas enfrentarem realidades diversas. Além disso, as escolas correm o
risco de aplicar soluções exógenas em detrimento da construção de planos de ação que sejam gestados no
contexto da própria escola.
44
UNICAMP em parceria com a SEE, que disponibilizou 6.000 vagas. O curso era
semipresencial, com 180 horas ministradas à distância através de videoaulas,
videoconferências, 180 horas ministradas presencialmente e outras 30 horas dedicadas à
produção de um Trabalho de Conclusão de Curso.
Fica claro o esforço da SEE/SP para capacitar os gestores escolares no sentido de fazer
as mudanças necessárias à adequação das escolas para o cumprimento das NRB’s, além de
desenvolver habilidades de liderança necessárias a uma nova forma de condução da rotina
pedagógica e administrativa da escola. Entretanto, Klébis (2009, p. 197) alerta que “o que está
implícito nas políticas de governo é o conceito de gestão compartilhada”, no qual o Estado
transfere para a escola e para a sociedade algumas responsabilidades que são suas. Ilustra tal
perspectiva o incentivo dado pela SEE/SP aos gestores para procurar outras fontes de receita
no provimento das necessidades da escola.
Mediante esta forma de implementação, a gestão democrática sofre descaracterização
e passa a ser utilizada como estratégia de gestão que transfere responsabilidades à escola e aos
gestores, enquanto o governo do estado oferece apenas o mínimo necessário e realiza apenas
seu papel de regulador e avaliador da educação.
O modelo de implementação da gestão democrática absorveu os elementos
democratizadores reivindicados pelos educadores na década de 1980, porém os modificou
para se adequarem aos fundamentos do neoliberalismo que determinam a diminuição de
recursos para políticas sociais, a focalização dos mais pobres, a busca da eficiência e da
eficácia na gestão das instituições públicas, a prevalência do mercado sobre qualquer outro
setor da sociedade, entre outras premissas. Assim, o conteúdo democratizante dos elementos
de gestão democrática perderam seu poder transformador da sociedade pela forma como
foram implementados.
A gestão da escola no modelo gerencial, amplamente identificadas com as políticas
neoliberais, permite o retorno da concepção tecnicista de educação (KLÉBIS, 2009), que
a partir do pressuposto da neutralidade científica e inspirada nos princípios
de racionalidade, eficiência e produtividade, [...] advoga a reordenação do
processo educativo de maneira a torná-lo objetivo e operacional (SAVIANI,
1995, p. 23).
A pedagogia tecnicista retira das mãos do professor e da escola a possibilidade de
organização do trabalho pedagógico, afinal
o elemento principal passa a ser a organização racional dos meios, ocupando
professor e aluno posição secundária, relegados que são à condição de
executores de um processo cuja concepção, planejamento, coordenação e
45
controle ficam a cargo de especialistas supostamente habilitados, neutros,
objetivos, imparciais (SAVIANI, 1995, p. 24).
Desta forma não sobra espaço para o exercício da autonomia. Ocorre investimento de
tempo e esforço na construção de uma Proposta Pedagógica, porém a centralização do
planejamento e organização das atividades pedagógicas dificultam sua aplicação na escola.
Neste contexto, a participação é estimulada no sentido de favorecer a legitimação da
retração do Estado por meio da redução de gastos e recursos (FREITAS, 2000) e a
responsabilização da escola e dos profissionais da educação pelos fracassos e má qualidade da
educação (VIÇOTI, 2010).
1.3 - Dos documentos oficiais à realidade prática
Conforme exposto anteriormente, o texto legal acolhe o princípio da gestão
democrática na condução dos trabalhos das escolas no que diz respeito às questões de cunho
pedagógico, administrativo e financeiro. Entretanto, mesmo no âmbito escolar, a gestão
democrática sofre descaracterização, atendendo às orientações que aplicam a gestão no
modelo gerencial naquilo em que esta tem de congruente com ela, sem alterar as relações de
poder.
É relevante, portanto, discutir cada um dos elementos de consecução da gestão
democrática à luz de um referencial teórico, visando compreender o uso que se tem feito de
cada um deles para cumprir objetivos relacionados à modernização do Estado. O fundamento
de democratização se perde quando o uso que se faz de cada um dos elementos da gestão
democrática é utilizado para atender objetivos de desconcentração, legitimação e
modernização.
Por meio das NRB’s que integram o Parecer CEE 67/98, a SEE/SP estabelece no
artigo 9º que a gestão democrática far-se-á mediante a:
I – participação dos profissionais da escola na elaboração da proposta
pedagógica;
II – participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar – direção,
professores, pais, alunos e funcionários – nos processos consultivos e
decisórios, através do conselho de escola e associação de pais e mestres;
III – autonomia na gestão pedagógica, administrativa e financeira,
respeitadas as diretrizes e normas vigentes;
IV – transparência nos procedimentos pedagógicos, administrativos e
financeiros, garantindo-se a responsabilidade e o zelo comum na
manutenção e otimização do uso, aplicação e distribuição adequada dos
recursos públicos;
V – valorização da escola enquanto espaço privilegiado de execução do
processo educacional (SÃO PAULO, 2011, p. 380, grifo nosso).
46
A participação figura como elemento-chave e central para a realização da gestão
democrática, acompanhada da autonomia, da transparência e da valorização da escola.
Vejamos como cada um destes elementos foi descaracterizado para gerar a noção de
que a gestão democrática está se consolidando, quando, na verdade, é o modelo gerencial que
se materializa.
1.3.1 – Participação: exercício democrático ou técnica de gestão?
Pensar em gestão democrática remete imediatamente à questão da participação dos
envolvidos – gestores, trabalhadores e beneficiários - nos processos de condução da
instituição visando à melhoria dos serviços por ela prestados, mediante a melhor utilização
dos recursos e do tempo (PARO, 2002).
Quando se fala em gestão democrática, a participação é colocada inequivocamente
como principal mecanismo para sua consecução (PARO, 2002), pois representa “uma forma
de limitar certos tipos de poder e de superar certas formas de governo” (LIMA, 2011, p. 80).
A participação é uma necessidade fundamental do ser humano, um caminho natural para a
expressão de sua “tendência inata de realizar, fazer coisas, afirmar-se a si mesmo e dominar a
natureza e o mundo” (BORDENAVE, 1989, p. 16). É, também, uma forma de promover a
interação entre os indivíduos, de permitir sua autoexpressão e de desenvolver o pensamento
reflexivo.
A participação, portanto, tem uma base instrumental, pois, realizar coisas com os
outros é mais profícuo e útil do que fazê-lo sozinho, e também uma base afetiva, isto é,
participamos porque nos sentimos bem em fazê-lo. Além disso, “participar é um direito
reclamado e conquistado através da afirmação de certos valores (democráticos) e da negação
de outros que estiveram na base de uma situação de não participação forçada, ou imposta”
(LIMA, 2011, p. 77).
Há na escola uma participação que é decorrente das atividades de ensino-
aprendizagem e do papel e/ou atribuições que cada ator desempenha (participação imposta),
tais como ensinar e aprender, lecionar aulas e frequentar as aulas, avaliar e ser avaliado, no
caso de professores e alunos. Esta participação “deve ser claramente distinguida da
participação na decisão, no governo, organização e administração da escola” (LIMA, 2011, p.
78).
A instituição escolar sofreu uma série de mudanças que culminaram na criação de
estruturas e órgãos capazes de propiciar esta segunda forma de participação, configurando
uma situação democrática. A participação na educação e na escola é vista hoje como um
47
elemento de consecução da gestão democrática e como tal “deve constituir uma prática
normal, esperada e institucionalmente justificada" (LIMA, 2011, p. 77).
A participação pode apresentar diferenças em sua qualidade, podendo ser caracterizada
pelo ato de estar presente sem manifestar opiniões, inclinações e vontades, ou evidenciar o
engajamento, ao permitir que os envolvidos tomem parte nas decisões importantes (BOBBIO,
1998, p.888).
No primeiro caso, fala-se em participação passiva, sendo que o indivíduo apresenta
atitudes e comportamentos de desinteresse e de alheamento, falta de
informação imputável aos próprios atores, de alienação de certas
responsabilidades ou de desempenho de certos papéis, de não
aproveitamento de possibilidades, mesmo formais, de participação (LIMA,
2011, p.86).
Os indivíduos ficam, portanto, como receptores daquilo que foi decidido ou realizado
para eles, esboçando certa apatia ou envolvimento mínimo.
No segundo caso, fala-se de participação ativa, quando os indivíduos tomam parte de
um processo decisório em todas as suas etapas e dimensões (BORDENAVE, 1989). Eles
apresentam
atitudes e comportamentos de elevado envolvimento na organização,
individual ou coletivo [...] capacidade de mobilização para a ação,
conhecimento aprofundado de direitos, deveres e possibilidades de
participação, atenção e vigilância em relação a todos os aspectos
considerados pertinentes, afirmação, defesa e alargamento das margens de
autonomia [...] e da capacidade de influenciar nas decisões (LIMA, 2011, p.
84).
Paro (2002, p. 49) defende este tipo de participação, em que os membros da
comunidade escolar (interna e externa) tomam de decisões conjuntas e não somente realizam
eventos ou executam tarefas predeterminadas. Spósito (1999, p. 49) reforça esta concepção ao
afirmar que a “participação dos pais não deve se limitar apenas à “integração com a
comunidade” ou à “colaboração”, mas como um mecanismo de representação e participação
política”.
Participar das decisões no âmbito escolar torna-se difícil por vários aspectos e, em
função disso, os órgãos colegiados e as instituições promovem a participação indireta que se
materializa da designação de representantes que assumem diferentes tipos de representação:
como fiduciário – representante dos interesses gerais ou como delegado – representante de
interesses particulares (BOBBIO, 2006, p. 58; LIMA, 2011, p. 81).
A abertura para a participação na tomada de decisões, indireta para aqueles que são
representados e direta para os representantes, leva-nos a refletir sobre os graus de controle que
48
os membros de uma instituição têm sobre as decisões a serem tomadas e, também, sobre a
importância atribuída às decisões que estes sujeitos são chamados a tomar.
Há diferentes graus de participação a considerar quando levamos em conta o controle
que os membros têm sobre a tomada de decisões. Na cogestão, “a administração da
organização é compartilhada mediante mecanismos de co-decisão e colegialidade”, onde os
participantes podem influenciar diretamente na construção de planos de ação e na tomada de
decisões (BORDENAVE, 1989, p. 32). Na delegação, os membros podem exercer autonomia
em certos campos, tomando decisões sem consultar seus superiores e, no grau mais alto de
participação, temos a autogestão, na qual “o grupo determina seus objetivos, escolhe seus
meios e estabelece os controles pertinentes, sem referência a uma autoridade externa”
(BORDENAVE, 1989, p. 32).
Os documentos oficiais determinam que a participação da comunidade escolar deve
ser ativa e propiciada por colegiados, numa forma de cogestão. Ao estabelecer que a
comunidade deva participar dos processos consultivos e decisórios por meio do Conselho de
Escola e da Associação de Pais e Mestres, a qualidade e o grau desta participação ficam bem
delineados, evidenciando que à comunidade cabe a possibilidade de tomar decisões
juntamente com o gestor escolar, visando ao benefício da escola.
Sobre a importância das decisões que os membros têm a oportunidade de tomar,
Bordenave (1989, p. 33) coloca que há vários níveis a considerar, afinal, “em qualquer grupo
ou organização existem decisões de muita importância e outras não tão importantes”. Segundo
sua importância, as decisões podem ser organizadas em níveis, do mais alto ao mais baixo,
conforme explicitado pelo autor:
Nível 1 – Formulação da doutrina e da política da instituição;
Nível 2 – Determinação de objetivos e estabelecimento de estratégias;
Nível 3 – Elaboração de planos, programas e projetos;
Nível 4 – Alocação de recursos e administração de operações;
Nível 5 – Execução de ações;
Nível 6 – Avaliação de resultados (BORDENAVE, 1989, p. 34).
Tradicionalmente, há uma disposição razoável em permitir a participação nos níveis 5
e 6, enquanto os níveis mais elevados e estratégicos são exercitados por alguns poucos
burocratas (BORDENAVE, 1989, p. 35). Porém, ao longo do tempo, houve um processo de
descentralização em que a escola passou a ser um núcleo de gestão onde decisões políticas
podem ser tomadas mediante a construção da proposta pedagógica.
Historicamente, a partir dos anos finais de 1920 e na década de 1930, as teses
reformistas defenderam a abertura da escola aos usuários, mas somente como forma de
49
oferecer instrução elementar às massas (SPÓSITO, 1999, p. 47). A partir da década dos anos
1970, durante o regime militar, a participação passou a ser compulsória e tutelada por regras
burocráticas, com a regulamentação da Associação de Pais e Mestres (APM), estabelecendo
uma “condição de cidadania sob controle” (SPÓSITO, 1999, p. 48). Entretanto, a partir da
década de 1980, em que a Constituição estabeleceu a gestão democrática como princípio e a
LDB estabeleceu a descentralização como forma de organização da educação, deu-se a
abertura para que houvesse um alargamento dos espaços de participação em níveis de
importância mais elevados dentro da escola, configurando-se em uma grande conquista para a
sociedade.
Contudo, no processo de normalização da participação surgem as restrições,
imposições, direcionamentos que, sob o pretexto de estabelecerem regras que ordenem o
exercício participativo, acabam por estabelecer privilégios ou permitir a prevalência de alguns
atores sobre outros. Segundo Martins (2002b) é possível afirmar que:
A participação de atores em processos de decisão institucional, seja no
ambiente político e/ou no organizacional, tem sido condicionada pelo
contexto histórico que molda os mecanismos de funcionamento desses
processos (MARTINS, 2002, p. 15).
Os professores, por exemplo, juntamente com os diretores, foram chamados a
participar da elaboração do Projeto Político Pedagógico da escola, documento que evidencia o
compromisso com a formação dos indivíduos para um tipo de sociedade e explicita os
princípios estabelecidos para a condução da unidade escolar e sua intencionalidade (VEIGA,
2008). Desta forma, os professores são alçados a uma participação de Nível 1 de importância
nas decisões, de acordo com Bordenave (1989), posição antes ocupada apenas por burocratas
de instâncias superiores.
Contudo, pais e alunos, atores diretamente interessados nos princípios e
intencionalidades que conduzem a escola, foram alijados do processo de elaboração da
proposta pedagógica. Em relação a isso, Arelaro (2007, p. 901) chamou a atenção para o fato
de que:
de certa maneira, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº
8.069/90) definiu como direito dos pais a participação na definição das
propostas pedagógicas das escolas de seus filhos, bem como de ter
conhecimento do processo pedagógico (art. 53, parágrafo único)
acompanhando seu desenvolvimento e avaliação.
Porém, essa participação política importante foi vedada aos pais, e também aos alunos,
quando o texto da LDB n° 9394/96 e, também, as NRB’s, destacam que a elaboração da
proposta pedagógica deve ficar a cargo dos “profissionais da educação” (SÃO PAULO, 2011,
50
p. 380). À comunidade como um todo é aberta a possibilidade de participar nas decisões de
nível 3, 4, 5 e 6, o que também significa um grande avanço tendo em vista o caráter instrutivo
e tutelado da participação exercida por ela em um passado recente.
Há o que comemorar quando comparamos as possibilidades de participação atuais
com aquelas oportunizadas em tempos passados, com certeza há mais espaços e incentivos à
participação agora do que antes. Entretanto, é possível constatar que, apesar destes espaços
estarem abertos – em São Paulo, por exemplo, a legislação que estabelece a Associação de
Pais e Mestres (APM) é de 1931 e o Conselho de Escola (CE), de 1984 (TRINDADE, 2009) –
no cotidiano escolar ela não se concretiza ou acontece de forma superficial.
Ao refletir sobre as instâncias de participação da comunidade na escola, Paro (2002, p.
46) destaca que estas evidenciam “caráter formalista e burocratizado” e que os empecilhos à
participação na gestão escolar são inerentes à própria escola como instituição que pouco
oportuniza e incentiva sua consecução.
Mendonça (2001, p.87), por sua vez, destaca que os mecanismos adotados pelos
sistemas para regular a participação dos setores da escola nos órgãos colegiados estabelecem
uma disputa entre eles, com prevalência dos professores sobre os demais membros da
comunidade em virtude da imposição de critérios de proporcionalidade. Tal situação é pouco
produtiva, pois, ao mesmo tempo em que estabelece mecanismos de disputa em detrimento de
formas dialógicas e cooperativas de interação, pode levar ao distanciamento e à desistência os
segmentos que percebem o desequilíbrio na balança do poder de decisão.
Gutierrez e Catani (2011) alertam que a fragilidade das escolas em termos de recursos
materiais e financeiros, e a disparidade entre os membros que compõem o universo da escola,
são realidades que proporcionam dificuldades ao estabelecimento da participação da
comunidade nos processos de gestão. Paro (2002, p. 44) concorda que “condições materiais
precárias [da escola] levam as questões relativas à cooperação e participação a segundo
plano”.
Articular esforços de distintos atores visando atingir objetivos comuns demanda
abertura para o desenvolvimento de relações mais igualitárias, tratamento dos conflitos com
base no diálogo e na busca de consensos, clareza da finalidade social da escola e esforço para
persistir diante das contradições que surgem naturalmente nas relações entre indivíduos
diferentes. Tal exercício não se faz sem pessoas com forma de pensar e atitudes democráticas
(PARO, 2002, p. 25), que percebam a participação como um direito e não como uma benesse
concedida pelo diretor à comunidade.
51
Além disso, as mudanças no cenário político e econômico macro repercutem no
ambiente escolar alterando a concepção de gestão escolar, do papel do diretor e, também, o
sentido da participação (KLÉBIS, 2009, p.193). Quando almejada e defendida pela sociedade
e seus representantes nos anos 1980, a participação teve caráter democratizante e de
superação das desigualdades pela oferta de educação que contribuísse com a formação e a
autonomia dos educandos. A participação hoje estimulada nas escolas se presta à pacificação
das relações de trabalho, a dissimulação de conflitos e contradições, a busca da eficiência e da
eficácia, ao reforço do controle interno e ao consenso (obrigado ou imposto) (KLÉBIS, 2009;
LIMA, 2011).
Mediante orientação de organismos internacionais, impõem-se sobre a escola a prática
da gestão participada e da coparticipação, importada do setor empresarial para o público e
deste para a escola, em que não se participa dos processos de tomada de decisões, mas da
resolução de problemas e conflitos. Os interessados têm uma sensação de alargamento da
participação, porém esta é apenas funcional e fictícia, despolitizada e longe de alterar a
estrutura de poder no âmbito escolar. Desta forma
A direção democrática das escolas cederá lugar à “gestão escolar
participada”, a participação no governo da escola será substituída por outras
acepções de participação – participação como técnica de gestão (LIMA,
2011, p. 148).
É esta a perspectiva difundida pelos documentos oficiais e pelos programas de
formação continuada de diretores de escola no estado de São Paulo em que a gestão
participativa é considerada sinal de competência e eficiência, sendo importante “técnica de
gestão” (KLÉBIS, 2009, p. 194) utilizada para mediar e minimizar conflitos, anulando o
conteúdo político das interações no âmbito escolar e entre esta e as instâncias mais elevadas
na hierarquia administrativa da SEE/SP.
Sendo assim, verifica-se que há um longo caminho a ser percorrido para que a
participação capaz de alterar as práticas escolares se concretize.
Cabe lembrar o que Bordenave (1989) destaca, ao afirmar que a participação oferece
vantagens para progressistas, ao propiciar o desenvolvimento de relações mais igualitárias e
democráticas, mas também é vantajosa para os conservadores, ao permitir a manutenção de
uma situação de controle de muitos por alguns. Uma participação permitida e ao mesmo
tempo dificultada só pode ter o propósito de manter inalterado e sem questionamentos o status
quo, legitimando práticas pseudodemocráticas e sem compromisso com a qualidade da
educação.
52
1.3.2 – Autonomia: emancipadora ou paliativa?
Juntamente com a participação e a descentralização, a autonomia faz parte de uma
tendência hegemônica mundial de mudança na gestão das instituições públicas de ensino pela
reestruturação dos respectivos sistemas (KRAWCZIK, 1999). É uma condição fundamental
para o desenvolvimento da identidade de uma instituição e uma qualidade inerente à
democracia, mas também é estratégia de políticas.
Inspirada nos movimentos de trabalhadores em que a autonomia era o paradigma
orientador, a partir da década dos anos 1960 os educadores passaram a reivindicar a
autonomia como meio de criar condições para que práticas inovadoras pudessem ser
implementadas sem ser condenadas ao fracasso por rotinas burocráticas e centralizadoras
(MARTINS, 2002). Desta forma, este valor fundamental à construção de uma escola capaz de
exercitar a criatividade na solução de problemas, resultando na melhoria do atendimento de
qualidade à comunidade, foi incorporado como objeto de luta pelos setores progressistas da
sociedade (MARTINS, 2003a).
O contexto histórico de incorporação do conceito de autonomia no âmbito da educação
revela ligação direta com a ideia de autogoverno – governar-se a si próprio, exercer liberdade
nas decisões, autogestão (BARROSO, 2011; MARTINS, 2002). A autogestão de escolas
“aparece como a possibilidade efetiva de se romper com a tradição centralizada, burocratizada
e antidemocrática de administração, planejamento e avaliação” nas escolas (MARTINS,
2002, p. 47).
Porém, é preciso destacar que a autonomia possui um componente relacional (somos
autônomos de alguém ou alguma coisa) e outro de relatividade (somos mais ou menos
autônomos). Apesar de pressupor a liberdade, não deve ser confundida com independência.
Desta forma, autonomia é uma forma de “gerir, orientar, as diversas dependências em que os
indivíduos e os grupos se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo com as suas
próprias leis” (BARROSO, 2011, p. 23).
Desta forma, a autonomia como sinônimo de autogestão no âmbito escolar encontra
limites que se colocam em virtude da “normalização externa da própria área e pelas relações
sociais gerais que impregnam a dinâmica de funcionamento das sociedades” (MARTINS,
2002, p. 47).
Há, no entanto, uma tendência internacional de consagrar formas mais livres de
organização dos sistemas e da escola que revalorizou o poder local e permitiu a afirmação de
singularidades. Por meio dela, a escola pode definir sua identidade ao buscar caminhos para
melhor atender a comunidade na qual está inserida, sem perder de vista os determinantes que
53
estruturam a instituição escolar no contexto maior do sistema de ensino. Neste sentido, é
possível pensar na possibilidade de atendimento específico de algumas necessidades da
comunidade por meio de caminhos próprios e apropriados ao contexto no qual a unidade de
ensino se insere. Essa perspectiva, porém, vem construindo “uma noção de autonomia
esvaziada de seu significado original” (MARTINS, 2002, p. 48)
A LDB anterior (Lei n° 4.024/61) já propugnava a autonomia e a descentralização
administrativa como mecanismos fundamentais na educação, porém, na prática, o que ocorreu
foi o contrário, um processo de centralização administrativa (KRAWCZIK, 1999).
A partir da década de 1980, a discussão sobre autonomia foi retomada e reafirmada
como instrumento de democratização, juntamente com as lutas pelo estabelecimento da gestão
democrática e pela garantia do acesso à educação escolar básica a todos os brasileiros em
idade escolar e àqueles que não tiveram acesso a ela em tempo oportuno. Porém, na década de
1990, assume um contorno diferenciado do ideal proposto pelos educadores nos anos 1950.
Passa a ter um caráter técnico, desvinculado do componente político e fortemente ligado a
regulamentações de instâncias superiores (KRAWCZIK, 1999).
O modelo de gestão das instituições escolares implementado a partir dos anos 1990
propõe:
instituições autônomas com capacidade de tomar decisões, elaborar projetos
institucionais vinculados às necessidades e aos interesses de sua
comunidade, administrar de forma adequada os recursos materiais e escolher
as estratégias que lhe permitam chegar aos resultados desejados e que, em
seguida, serão avaliados pelas autoridades centrais (KRAWCZIK, 1999, p.
118-119).
Este é o modelo instituído pelas NRB’s ao colocar a autonomia como um elemento
fundamental para o estabelecimento da gestão democrática. Fala-se em “autonomia
pedagógica, administrativa e financeira, respeitadas as diretrizes e normas vigentes” (SÃO
PAULO, 2011, p. 380).
Esta autonomia que deve respeitar diretrizes e normas, ou seja, a autonomia reduzida à
dimensão jurídico-administrativa, limita as possibilidades de decisão a ações e circunstâncias
que não alteram as práticas escolares e que pouco contribuem para a construção da identidade
própria da unidade escolar (BARROSO, 2011). Abre-se a possibilidade de escolha entre
caminhos preestabelecidos que, na maioria das vezes, não condizem com as necessidades
prementes da escola e da comunidade (ROSAR, 2008). Desta maneira, o caráter político da
autonomia, inserido na possibilidade de exercício do poder por meio do diálogo e da reflexão
na busca de soluções adequadas e compatíveis com a realidade, fica embotado e perde a
54
capacidade transformadora. O que ocorre é uma ampliação de responsabilidades, com
sobrecarga de trabalho administrativo e sem a infraestrutura necessária (OLIVEIRA, 2008).
Botler (2003, p. 128-129) fala de “autonomia relativa (ou falsa autonomia)” ao se
referir a instituições altamente regulamentadas e que devem seguir as normas e diretrizes sem
questionar, apenas aderindo a elas. Alerta que este direcionamento pode servir como
referência para hierarquizar, burocratizar e gerenciar, ou pode servir para estimular a
democracia, a ética nas relações e a organicidade da instituição, dependendo da forma como é
implementado e do espaço que oferece para o exercício da autonomia.
A autora destaca, ainda, que a autonomia outorgada:
vem no discurso instituído pelo Estado, que regula e define padrões de
conduta que são veiculados e aceitos socialmente no sistema educacional,
através de argumentos que nem sempre correspondem às reais possibilidades
e necessidade de cada comunidade ou unidade escolar (BOTLER, 2003,
p.131).
Trindade (2009, p. 31-32) fala de autonomia decretada para descrever o que ocorre no
estado de São Paulo e, ao analisar a trajetória dos mecanismos de gestão democrática no
referido estado, destaca que a autonomia pedagógica tornou-se inexpressiva a partir de 2008,
com o estabelecimento da Proposta Curricular28
. A autonomia financeira é restrita e acaba se
resumindo apenas ao gerencialismo daquilo que já é pré-determinado e a gestão
administrativa é limitada, pois a escola não determina seu funcionamento ou organização.
Já para Klébis (2009, p. 196), embora o discurso da SEE/SP destaque a necessidade de
maior autonomia para as escolas, concomitantemente vem ocorrendo um processo de
centralização de processos decisórios e de controle dos resultados de ensino e aprendizagem.
A autora fala também de uma autonomia aparente devido à falta de recursos que a escola
sofre na atualidade.
Esta autonomia decretada, outorgada, relativa e aparente, engessa a escola ao limitar as
possibilidades de decisão a um espaço restrito àquilo que as instâncias superiores estabelecem
como permitido, dificultando o surgimento de propostas criativas, autênticas e singulares que
propiciem a superação das dificuldades do cotidiano escolar.
Viçoti (2010) argumenta que os benefícios da autonomia no âmbito escolar só se
tornariam reais se a escola gozasse de maior liberdade para se autorganizar, e segue afirmando
28
A Proposta Curricular do Estado de São Paulo é um conjunto de documentos que estabelecem o conteúdo
pedagógico das escolas a partir de 2008. Em 2010, deixou de ser proposta e passou a constituir o currículo oficial
do Estado de São Paulo, que todo professor deve seguir de acordo com a disciplina que ministra em sala de aula.
Para maiores informações acessar: http://www.rededosaber.sp.gov.br/portais/spfe2009/HOME .
55
que, do modo como foi implementada, esta autonomia não foi significativa no exercício da
democratização e da participação como se acreditava.
Barroso (2011, p. 25) reforça que a autonomia é um “conceito construído social e
politicamente” por todos os diretamente envolvidos no cotidiano da escola e afirma que
o desenvolvimento de uma política de reforço da autonomia das escolas,
mais do que “regulamentar” o seu exercício, deve criar condições para que
ela seja “construída” em cada escola, de acordo com as suas especificidades
locais e no respeito pelos princípios e objetivos que enformam o sistema
público nacional de ensino (BARROSO, 2011, p. 23).
Mais uma vez, um elemento fundamental da gestão democrática perde sua capacidade
de alterar as relações de poder no âmbito escolar pela forma como foi implementado. O
discurso da autonomia encobre o que o tempo e a realidade insistem em revelar, ou seja, que o
estado continua centralizando a gestão pedagógica, administrativa e financeira ao estabelecer
rigorosos procedimentos de organização e funcionamento das escolas, cabendo a ela decidir
somente sobre questões de menor importância e que não permitem que soluções apropriadas
ao contexto possam aflorar (MARTINS, 2003a).
O Parecer CEE 67/98 traz em seu bojo a declaração de voto do Conselheiro Francisco
Antonio Poli, em que o mesmo questiona a autonomia concedida à escola, já que esta deve
elaborar seu regimento de acordo com as NRB’s, restando muito pouco para decidir.
Denuncia ainda o caráter altamente centralizador das NRB’s, o que dificulta o exercício da
autonomia escolar (SÃO PAULO, 2009).
Torna-se necessário, então, alterar o foco da concessão da autonomia regulamentada
para o do reconhecimento da autonomia intrínseca a cada instituição de ensino, de tal forma
que seu pleno exercício seja revertido em benefício das aprendizagens dos alunos e, portanto,
da melhoria da qualidade do ensino (BARROSO, 2011).
1.3.3 - Transparência
É importante que as pessoas sejam colocadas em condições adequadas para participar,
pois, sem informações adequadas não seriam capazes de avaliar o trabalho desenvolvido na
escola (SOUZA, 2009).
O compromisso com a gestão da escola se firmará à medida que as informações
estejam fluindo de forma límpida e transparente. A desinformação gera resistência ou
indiferença à participação, falta de compromisso, e é fruto de temor frente à possível
contestação ou descoberta de equívocos na gestão (BORDIGNON e GRACINDO, 2009).
Porém, a disponibilização de informações a posteriori, desvinculada do processo de
produção e veiculação das mesmas, apresentando apenas os resultados do que foi decidido,
56
também não contribui para o estabelecimento de relações mais democráticas no âmbito
escolar. A forma como a informação é produzida e veiculada também deve ser alvo de
reflexão, debate e busca de consenso.
Um dos valores que norteiam a gestão pública contemporânea é a transparência,
preceito que leva o gestor a ampliar as informações oferecidas à sociedade acerca das ações,
processos e resultados de uma política pública (FILGUEIRAS, 2011, p. 66).
Para que a democracia se consolide como regime político é fundamental dar ao
cidadão comum acesso a informações sobre as instituições que prestam serviços públicos à
sociedade, afinal, “o segredo é típico de formas autocráticas de governo”, o que torna a
transparência um valor fundamental para a democracia (FILGUEIRAS, 2011, p. 76).
Segundo Filgueiras (2011, p. 72), “transparência significa redução das assimetrias
informacionais entre cidadãos e agentes estatais”, com o objetivo de reduzir as falhas de
gestão e permitir maior controle sobre os atos cometidos no setor público. Ainda segundo o
autor, a suposição é de que os processos políticos são mais eficientes à medida que as
informações estejam abertas e disponíveis ao público.
A noção de transparência indica que o gestor público deve desenvolver regras de
conduta que tornem possível o acesso da comunidade a informações pertinentes aos processos
e ações desenvolvidas na condução da instituição. Clama, portanto, ao desenvolvimento de
procedimentos para tornar acessíveis tais informações.
As NRB’s estabelecem a transparência como elemento fundamental da gestão
democrática ao determinar que os procedimentos pedagógicos, administrativos e financeiros
sejam conhecidos da comunidade escolar, visando garantir a “responsabilidade e o zelo
comum na manutenção e otimização do uso, aplicação e distribuição adequada dos recursos
públicos” (SÃO PAULO, 2011, p. 380). A transparência é colocada aqui como um
componente da accountability, já que visa à prestação de contas sobre como os recursos são
usados, aplicados e distribuídos.
Na construção de uma definição de accountability, Afonso (2010) destaca que esta
possui três dimensões estruturantes: uma de informação, ligada diretamente à transparência,
outra de justificação, onde os gestores explicitam de forma argumentativa o porquê das
decisões tomadas e das ações realizadas, e uma terceira de imposição ou sanção, onde os
gestores podem ser responsabilizados.
A informação e a justificação constituem a prestação de contas, que pode ser
concebida como uma atividade comunicativa ou discursiva baseada no diálogo crítico e na
possibilidade de desenvolver um debate público aprofundado (AFONSO, 2010, p. 150). “A
57
prestação de contas pode ser definida, em sentido restrito, como a obrigação ou dever de
responder a indagações ou solicitações” (AFONSO, 2009, p. 59).
Ainda de acordo com o referido autor, para que a prestação de contas torne-se
completa, no contexto da accountability é fundamental o elemento da responsabilização, que
tem várias dimensões além da imputação de responsabilidade e da imposição de sanções
negativas. Responsabilização também diz respeito à assunção autônoma de responsabilidades
pelos atos praticados, à persuasão, ao reconhecimento informal do mérito, à avocação de
normas de códigos deontológicos, à atribuição de recompensas materiais ou simbólicas e a
outras formas legítimas de indução de responsabilização.
A responsabilização não pode ser efetivada sem a avaliação, pautada em mecanismos
adequados de levantamento e tratamento de informações e dados diversos, teórica e
metodologicamente orientados, para a produção de juízo de valor sobre determinada realidade
ou situação. Desta forma, a avaliação é fundamental no processo de accountability, podendo
ser realizada antes ou depois da prestação de contas (AFONSO, 2009, p. 59).
É interessante notar que, ao exercer a transparência, o gestor apenas informa a
comunidade de algo que ele já decidiu, eliminando a possibilidade de qualquer participação
na definição do “o que”, do “como” e do “por que” algo será feito. Neste sentido, ao definir
que o gestor escolar deve tornar transparente os procedimentos pedagógicos, administrativos e
financeiros, as NRB’s estabelecem que o mesmo deve tornar pública suas decisões ou aquelas
apoiadas por ele, fazendo da comunidade escolar a receptora de um produto escolar que veio
pronto e acabado.
Se a participação da comunidade escolar em processos consultivos e decisórios,
através do Conselho de Escola e da Associação de Pais e Mestres for efetiva, tal problema se
resolve, pois todos terão a oportunidade de definir, decidir sobre as questões estratégicas de
cunho pedagógico, administrativo e financeiro. Entretanto, os resultados de trabalhos sobre a
efetividade dos conselhos escolares e das políticas e reformas legislativas que propiciam e
fomentam a participação democrática nos levam a supor que, neste contexto, a transparência
[se praticada] tornará público os atos do gestor escolar, suas escolhas e decisões na condução
da escola e não o produto do debate, da reflexão e da decisão coletiva (MENDONÇA, 2008;
FREITAS, 2000).
Cabe ainda destacar que o gestor disponibiliza as informações sobre os procedimentos
pedagógicos, administrativos e financeiros à comunidade, porém quem avalia e responsabiliza
segundo seus critérios é o Estado, já que não existe nenhuma normalização que permita à
comunidade propor alguma sanção se for verificada alguma conduta imprópria do gestor.
58
Esta questão torna-se ainda mais complexa ao constatarmos que o estado de São Paulo
é o único da Federação que provê o cargo de Diretor, o principal gestor e responsável pela
unidade escolar, por meio de concurso público, negando à comunidade uma das formas mais
básicas de exercício da democracia, as eleições (MENDONÇA, 2008; DOURADO, 2011).
A discussão pode ainda ser aprofundada na busca de melhor compreensão da
realidade. Filgueiras (2011) destaca que os conceitos de transparência e accountability foram
introduzidos na gestão pública a partir da reforma do Estado e vêm se consolidando como
técnica de gestão em instituições públicas, inclusive na educação.
O autor faz suas análises a partir da perspectiva da Teoria da Agência29
, e segue
refletindo que, deste ponto de vista, a transparência fornece ao conceito de accountability um
sentido “normativo ajustado à economia da informação, que vê o cidadão como um
consumidor de bens públicos no mesmo patamar de outros bens de mercado” (FILGUEIRAS,
2011, p. 73). Neste contexto, o conceito de transparência é uma derivação da ideia de
mercado, onde o consumidor de determinado produto precisa ter informações que
proporcionem o exercício de sua liberdade de escolha. Tal concepção é oposta aos ideais de
democratização da educação, que pressupõem a participação popular na condução das
instituições públicas de ensino e não apenas o “consumo” dos produtos educacionais sem
levar em consideração seu potencial (de)formador e ideologizante.
Ao colocar os membros da comunidade como consumidores de informações que
permitam a responsabilização daqueles que foram incumbidos pela gestão da escola, a
transparência assume uma concepção minimalista e instrumental, que restringe a cidadania. É
como se todos os problemas da escola estivessem circunscritos ao universo da gestão e não se
relacionassem também com questões de regulamentação, financiamento e organização do
sistema educacional como um todo. Os direitos do cidadão que compõe a comunidade escolar
são restringidos pelo fato de o poder de ação da escola ser bastante reduzido em virtude do
orçamento precário e direcionado e do excesso de normas, protocolos e determinações a
serem seguidas.
Essa concepção de accountability e, portanto, de transparência, traz consigo algumas
objeções apontadas por Filgueiras (2011), conforme segue:
29
Teoria da Agência é um sistema de análise de conflitos e custos resultantes da separação entre a propriedade e
o controle de capital, o que origina as assimetrias informacionais e outros problemas pertinentes à relação
principal (aquele que delega autoridade) e agente (aquele que é instituído de autoridade). Oriunda do universo
empresarial orientado para as relações de mercado, tal perspectiva se tornou hegemônica no universo de análise
da teoria política, no contexto da Reforma do Estado (FILGUEIRAS, 2011). Para maiores informações,
consultar ARRUDA, MADRUGA E JUNIOR, (2008).
59
Fomenta o uso instrumental da informação e, por conseguinte, uma cultura do
moralismo que não se preocupa com o entendimento, mas com uma política do
escândalo permanente;
Afeta a privacidade dos agentes públicos;
Pode representar uma nova forma de vigilância e de opressão, bem como uma
tecnologia disciplinar sobre indivíduos, fomentando um processo muito mais próximo
de formas autocráticas do que propriamente democrática;
Por se concentrar na conduta de pessoas, a política de transparência produz um tipo
de responsabilização pela reputação, onde o sistema de sanções atua sobre o indivíduo
e não sobre sua atuação no contexto das instituições;
Maior número de informação não significa informação mais qualificada, pois elas são
produzidas por agentes que podem fazer uso ideológico da transparência;
Mais informação não significa necessariamente a produção de cidadãos melhores.
Desta forma, a transparência como técnica de gestão no modelo gerencial que emergiu
a partir da reforma do Estado pode não só restringir a amplitude de práticas democráticas,
como também se contrapor radicalmente a elas, favorecendo o estabelecimento de relações de
coerção e controle próprias do autocratismo.
Para que a accountability se estabeleça de forma salutar no contexto da escola é
preciso que a comunidade esteja envolvida integralmente na discussão e determinação dos
processos pedagógicos (por meio da proposta pedagógica), administrativos e financeiros (por
meio da APM e do Conselho de Escola), produzindo e consumindo as informações a serem
tornadas públicas para cada integrante da escola. Afinal, a participação e a intervenção da
comunidade na direção estratégica de estabelecimentos escolares podem se constituir num
primeiro estágio, mais direto e imediato, de prestação de contas e são fundamentais ao
exercício da autonomia (AFONSO, 2009).
1.3.4 - Valorização da escola
É inegável o valor da educação na atualidade, fato comprovado pela constatação de
que a maioria dos países do mundo conta com um aparato legal que garante o acesso, a
permanência e o sucesso dos seus cidadãos à educação escolar básica (CURY, 2007). Como
dimensão fundamental da cidadania, a educação escolar possibilita a participação dos que dela
se apropriam nos espaços sociais e políticos e promove a (re)inserção no mundo do trabalho
(CURY, 2007; VIEIRA, 2009). Em função disso, a escola surge da “necessidade que se tem
60
de transmitir o saber acumulado pela humanidade. Na sociedade do conhecimento este papel
tende a assumir uma importância sem precedentes” (VIEIRA, 2009).
As NRB’s destacam a importância de valorizar a escola como “ambiente privilegiado
de execução do processo educacional” (SÃO PAULO, 2011, p. 330), onde o conhecimento
adquirido pela humanidade é acessado de forma sistemática e intencional.
O processo educacional no âmbito escolar abrange todo o percurso realizado pelos
estudantes em seus aspectos teóricos e práticos e diz respeito a questões de cunho pedagógico,
como as metodologias de ensino e os processos cognitivos de aprendizagem, bem como a
avaliação dos resultados alcançados; e administrativo, como a estruturação e a gestão do
sistema de ensino e da escola.
Ao reconhecer a escola como ambiente privilegiado de execução do processo
educacional e estabelecer que esta deva ser valorizada como tal, as NRB’s evidenciam a
mudança do papel que a escola passa a desempenhar a partir da Reforma Educacional
implementada na década de 1990 como consequência da Reforma do Estado (OLIVEIRA,
2008).
Uma das mudanças engendradas pela reforma foi a descentralização da educação,
prerrogativa estabelecida já a partir da Constituição Federal de 1988 e que possibilitou novas
formas de organização e administração da escola e do sistema de ensino na década dos anos
1980. Porém, a partir dos anos 1990, a ideia de descentralização ganhou força, mas passou a
ser orientada pela lógica de mercado, que prima pela redução de custos visando ao aumento
da governabilidade do sistema pela incorporação dos princípios de flexibilidade, liberdade,
diversidade, competitividade e participação (KRAWCZIK, 2008; ROSAR, 2008; BRUNO,
2009; OLIVEIRA, 2009).
Por meio da descentralização administrativa, financeira e pedagógica, houve uma
transferência de responsabilidade dos órgãos centrais para os locais e do sistema de ensino
para a escola, que passou a ocupar um lugar privilegiado de gestão. Desta forma, a escola
passa a ser um local de planejamento, execução, acompanhamento e avaliação do processo de
ensino e aprendizagem, mas apenas no exíguo espaço que sobra após atendimento aos
ordenamentos oriundos das instâncias superiores, permitindo a retração do Estado frente a
suas responsabilidades e a manutenção do controle sobre as escolas, bem como a
responsabilização da escola pelos fracassos (MARTINS, 2003a; KRAWCZYK, 2008;
OLIVEIRA, 2008).
Em virtude disso, a descentralização trouxe sobrecarga administrativa às escolas sem o
necessário aporte de recursos materiais, financeiros e humanos suficientes, o que significou a
61
exacerbação do trabalho do gestor. Na ânsia de atender às demandas de diferentes instâncias
educacionais e, além disso, corresponder às responsabilidades que lhe são inerentes, o gestor
acaba preterindo o trabalho coletivo, tão incentivado nos documentos oficiais (OLIVEIRA,
2008).
Assim sendo, no que diz respeito à educação, todo o movimento de descentralização
defendido na década de 1980 pelos progressistas, e que continha em sua essência o potencial
democratizador, perdeu força e foi transmutado em mecanismo de modernização que nem
sempre leva em conta a democratização da sociedade (KRAWCZIK, 1999).
Bobbio (1998) já alertara para o fato de que a descentralização identifica-se com várias
ideologias, sendo necessário verificar quais são as que estão operando num determinado
momento histórico, numa sociedade com determinado desenvolvimento social, sendo este o
único modo de estabelecer “se a descentralização se efetua ou se em seu lugar atua uma
descentralização fictícia e aparente cujas motivações profundas devem ser pesquisadas”
(BOBBIO, 1998, p.333). Ao agir desta forma, podemos apurar se a persistente ideia de
descentralização traduz a permanência de valores e de ideologias do precedente período ainda
válidos no período atual ou “se estamos nos defrontando com algo novo que poderá trazer
possibilidades de um conflito de valores” (BOBBIO, 1998, p.333). É possível que o segundo
caso esteja prevalecendo no estado de São Paulo.
Partindo do conceito de que “descentralizar significa transferir competências de
decisão, cujo processo transformaria as estruturas e a dinâmica de exercício do poder”,
Martins (2003, p. 543), afirma que a forma como a descentralização foi implementada na
educação paulista não significou o compartilhamento do poder, mas sim, a transferência de
responsabilidades administrativas.
1.4 - Da gestão democrática à gestão no modelo gerencial ou gestão compartilhada
A gestão democrática defendida na década de 1980 e que foi alvo de amplas disputas
no cenário político, estava fundamentada em elementos como a descentralização, a autonomia
e a participação. Por meio deles, visava garantir: a) o controle do Estado, por meio de
Conselhos Populares ou de referendos; b) poder de escolha e decisão, por meio de eleições
diretas e outras formas de participação; c) o poder político, operacionalizado pela crescente
descentralização e autonomia. Na escola, tais objetivos poderiam ser atingidos por meio dos
Conselhos Escolares Deliberativos, eleições para diretor e outras formas de participação direta
e pelo Projeto Político Pedagógico (LIMA, PRADO e SHIMAMOTO, 2011, p. 2).
62
Este modelo de gestão está radicalmente longe daquele que tem sido desenvolvido nas
escolas hoje e, desta forma, distancia-se também dos ideais de transformação da sociedade e
da escola perseguidos durante o referido período de democratização do país.
Muito já foi produzido em termos de conhecimento sobre a gestão democrática e há
consenso entre os autores sobre os elementos éticos, políticos e práticos que a
consubstanciam. A análise dos documentos oficiais empreendida até o momento revela que os
elementos fundamentais para implementação da gestão democrática no estado de São Paulo
foram aos poucos sendo descaracterizados e assumiram novas configurações em favor de
outros tipos de gestão: no modelo gerencial ou compartilhada.
Apesar de os documentos oficiais estabelecerem os elementos fundamentais para a
consolidação da gestão democrática, o que temos percebido é a transmutação destes em
técnicas de gestão no modelo gerencial (KLÉBIS, 2009).
Krawczik (1999) já havia alertado que a gestão democrática vinha perdendo força
como recurso transformador da sociedade pelo fato de seus elementos terem sido utilizados
para outras finalidades. Com o argumento de consecução deste princípio básico da educação,
a autora evidencia que na prática dos gestores do sistema de ensino há uma
tendência a remeter a democratização da gestão escolar ao discurso político,
ao passo que o alvo da proposta é a modernização como estratégia para
aumentar a eficiência institucional e, portanto, a orientação das
regulamentações e da ação política (KRAWCZIK, 1999, p. 144).
Destaca ainda que, além de a democratização da gestão estar prevista apenas no plano
do discurso, sua consecução poderia ser bloqueada ou dificultada em virtude de mudanças
cujo objetivo visa à governança do sistema de ensino, pois “nem sempre as propostas de
modernização da educação levam em conta sua democratização” (KRAWCZIK, 1999, p.
144).
Em trabalho mais recente, Viçoti (2010) destaca o direcionamento da política
educacional do estado de São Paulo ao analisar os documentos produzidos pela SEE/SP no
período de 1999 a 2002, e afirma que:
A educação passou [...] a adotar a administração gerencial que definiu os
padrões de empresa privada como os mais adequados para a gestão de
instituições públicas: qualidade total, eficiência, gerência participativa,
redução de custos e controle de resultados (VIÇOTI, 2010, p.266).
Em virtude da adoção desse modelo de gestão, orientado por organismos
internacionais (CASTRO, 2008; LIMA, 2008; MELO, 2009), e de acordo com a agenda
neoliberal (BASTOS, 1999; KLÉBIS, 2009; LIMA, PRADO e SHIMAMOTO, 2011), perdeu
força o movimento de democratização da educação por meio da gestão democrática, já que:
63
os conceitos de participação, descentralização, autonomia foram
ressignificados: utilizados, anteriormente, como instrumentos de gestão
democrática, passaram, [...] a se constituir em objeto de uma política de
modernização e racionalização (VIÇOTI, 2010, p.266).
A preocupação central passa a ser a governança do sistema de ensino, valendo-se de
estratégias que utilizam os elementos da gestão democrática estabelecidos pela legislação,
porém, regulamentando sua utilização de tal forma que possam auxiliar o Estado a cumprir
seus objetivos de reduzir custos, aumentar a eficiência e a eficácia, transferir incumbências e
responsabilizar a escola e a sociedade pelos fracassos e dificuldades enfrentados por ela
(FREITAS, 2000; VIÇOTI, 2010; LIMA, PRADO e SHIMAMOTO, 2011).
A participação da comunidade escolar na gestão da escola passa a ser utilizada como
um mecanismo importante para dissimular conflitos e contradições (KLÉBIS, 2009). No
contexto neoliberal, é utilizada como forma de possibilitar a desresponsabilização do Estado
para com as políticas sociais (MARQUES, 2008; LIMA, 2008; GUTIERREZ e CATANI,
2011), dentre as quais se coloca a educação. É, portanto, uma forma de o Estado transferir
suas responsabilidades de financiamento e provisão de recursos materiais e humanos para a
sociedade civil (MARTINS, 2002; LIMA, PRADO e SHIMAMOTO, 2011). A participação
torna-se pontual e filantrópica, é utilizada como uma ferramenta de gestão (MELO, 2009).
A descentralização, outrora defendida como forma de democratizar processos, torna-se
um meio de dividir as responsabilidades por fracassos e sucessos, desresponsabilizando o
Estado pela manutenção da escola (MARTINS, 2003a; CASTRO, 2008; LIMA, PRADO e
SHIMAMOTO, 2011), embora os processos decisórios de grande relevância na determinação
da estrutura do sistema de ensino e do funcionamento da escola continuem sendo prerrogativa
do Estado. Comumente a descentralização é utilizada como sinônimo de descentralização nos
documentos de orientação governamental, porém, enquanto a descentralização visa “afiançar
a eficácia do poder local”, compartilhando o poder, a desconcentração tem por objetivo
“assegurar a eficácia do poder central”, centralizando o poder nas mãos do estado (LIMA,
PRADO e SHIMAMOTO, 2011, p. 6).
(Re)Centraliza-se também o controle dos resultados educacionais e acadêmicos das
escolas (KLÉBIS, 2009; VIÇOTI, 2010), que passam a ser mais importantes que os processos
pedagógicos desenvolvidos (AFONSO, 1999). A accountability, realizada por meio das
avaliações externas (SARESP, no caso do Estado de São Paulo), acaba estabelecendo a
competição entre as escolas e criando rankings entre elas (SOUZA, 2003), porém auxiliam
muito pouco o aprimoramento de práticas pedagógicas.
64
A autonomia pedagógica, administrativa e financeira não se consolida em virtude do
excessivo controle e do determinismo que a SEE/SP exerce sobre as escolas, limitando seu
potencial gerador de soluções criativas e inovadoras para os problemas enfrentados pela
escola (TRINDADE, 2009).
A qualidade da educação, que deveria ser buscada e conquistada valendo-se dos
elementos de gestão democrática, é agora aferida por meio de avaliações externas que
relacionam aquela à competência administrativa e a técnicas de gestão escolar. Desta forma,
deslocam a atenção dos aspectos econômicos e sociais que afligem a escola, fazendo crer que
todos os problemas podem ser resolvidos com técnicas de gestão apropriadas (KLÉBIS,
2009).
Melo (2009) destaca que é a gestão compartilhada que está sendo executada pelos
governos em suas políticas educacionais ao “conceder” maior poder às pessoas visando
envolvê-las na solução de problemas da escola. Desta forma, não se faz necessário explicar “a
situação precária em que se encontra a escola pública, nem tampouco identificar os
responsáveis e os determinantes desse Quadro” (MELO, 2009, p. 246). A gestão
compartilhada figura, então, como uma forma de desresponsabilização do Estado para com a
escola, e a educação distancia-se diametralmente dos ideais defendidos sob a bandeira da
gestão democrática.
Ao discutir e cotejar gestão gerencial, gestão democrática e gestão compartilhada,
Lima, Prado e Shimamoto (2011) destacam as características distintas que estes diferentes
modelos possuem e que estão destacadas no Quadro 1 a seguir.
Embora exista um esforço para conciliar gestão democrática com gestão gerencial ou
compartilhada, que visam atender objetivos mercadológicos de competitividade, diminuição
de custos, eficiência e eficácia, Lima, Prado e Shimamoto (2011, p.5) alertam que tal
empreitada não se efetiva, pois os três modelos citados pertencem a matrizes diferentes e
acabam por conflitar e gerar resultados opostos, conforme exposto no Quadro 1.
Höfling (2001, p. 38) já alertava que “o processo de definição de políticas públicas
para uma sociedade reflete os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder
que perpassam as instituições do Estado e da sociedade como um todo”. A forma como a
“gestão democrática” tem sido implementada no estado de São Paulo evidencia o
compromisso com as teses neoliberais de menor intervenção do Estado e maior participação
do mercado na definição das políticas, de incentivo e valorização do individualismo e da
competição, enfim, compromisso com a manutenção do status quo (HÖFLING, 2001).
65
Quadro 1. Comparação entre gestão gerencial, gestão compartilhada e gestão
democrática Características Gestão gerencial Gestão compartilhada Gestão democrática
Participação Funcional Ativa, direta, porém sem
poder de deliberação ou
decisão; para auto
sustentação da escola
Ativa, direta, efetiva e
transformadora
Objetivo Gerenciar contendas e
diferenças sociais;
sujeição, consenso,
reprodução
Compartilhar
responsabilidades e
responsabilizar comunidade
Promover a participação
e o debate político nas
instituições públicas
para sua transformação e
da sociedade
Elementos Desconcentração,
controle e
participacionismo30
Desconcentração, controle
e participação
Descentralização,
autonomia e
participação
Opinião da
comunidade
Parcialmente acatada Parcialmente acatada Fundamental na tomada
de decisão
Preocupação Resultados; eficiência e
produtividade
Produtividade, eficácia e
eficiência
Transformação da
sociedade e da escola
Resultado Diluição e fragilização
das possibilidades de
emancipação e
superação da estrutura
posta; aumento do
controle centralizado;
esvaziamento político;
individualismo
Responsabilização da
comunidade pelo fracasso e
abandono da escola;
compartilhamento de
responsabilidades e poder
de manutenção da escola;
esvaziamento político;
competitividade entre
escolas
Mobilização da
comunidade;
responsabilização do
setor público pela oferta
e manutenção dos bens
sociais; emancipação;
compartilhamento de
poder; solidariedade
Estado Forte, centralizador e
controlador
Forte, centralizador,
controlador
À serviço da
comunidade e
responsável por ofertar e
manter bens sociais
Cidadão Cliente e prestador de
serviços; fiscalizador e
controlador da escola;
conformado;
despolitizado
Parceiro do Estado;
corresponsável pela
manutenção financeira da
escola; conformado;
despolitizado
Crítico, reflexivo,
politizado, consciente de
seus direitos e deveres,
participativo
*Quadro elaborado pela autora a partir de Castro (2008) e Lima, Prado e Shimamoto (2011).
É outra a gestão que se consolida no estado de São Paulo. Seja ela chamada de gestão
gerencial ou compartilhada, o fato é que perdeu força a gestão democrática e seus elementos
foram transmutados em benefício da adequação da escola aos novos tempos. Eficiência e
eficácia, flexibilidade e responsabilização podem ser ferramentas importantes na gestão das
empresas, porém, num contexto de escola sucateada, desprovida de recursos e desprestigiada
acaba gerando um efeito nefasto, que pode até produzir resultados satisfatórios aferidos pelas
30
Participacionismo é o nome dado à participação que ocorre nas instituições públicas no contexto do Estado
capitalista em que a sociedade civil contribui de forma significativa com a reprodução do capital e, portanto, sem
se contrapor às práticas, valores e hábitos da política tradicional que mantém as relações capitalistas, colocando
em risco a capacidade de promover mudanças neste campo (LIMA, PRADO e SHIMAMOTO, 2011, p. 5).
66
avaliações externas, mas não permite que a escola cumpra o papel de agente democratizador
da sociedade.
Se a gestão democrática tem o potencial de fomentar relações mais igualitárias,
fundamentadas na busca de consensos por meio do diálogo, qualidades tão valorizadas na
atualidade, por que este modelo de gestão tal qual foi idealizada na década dos anos 1980 não
se consolida na prática? Quais são os entraves para que ela se estabeleça apesar do discurso
apregoá-la como condição fundamental?
67
2 - OS PRINCIPAIS ENTRAVES À CONSECUÇÃO DA GESTÃO DEMOCRÁTICA
O que se esperava da gestão democrática enquanto princípio organizador da educação
– e ainda se espera – é que ela contribua com a superação das desigualdades sociais pelo
estímulo à participação e ao trabalho coletivo, à superação da exclusão pelo exercício da
solidariedade humana. Trata-se, portanto, de um projeto para a sociedade como um todo, que
visa à sua transformação e que não pode ser efetivado sem questionar a inclinação do Estado
em transferir para o mercado a tarefa de distribuição de benefícios sociais, eximindo-se de
suas responsabilidades em equilibrar a balança no que se refere às necessidades urgentes da
população.
Entretanto, se a gestão democrática é um princípio e deve ser efetivado nos respectivos
sistemas de ensino pelos estados que já possuem legislação apropriada para tal, por que ela
não se consolida efetivamente nos sistemas de ensino e nas escolas?
A correlação de forças entre os distintos setores da sociedade não se esgota no
momento em que um determinado objeto de disputa se estabelece na legislação vigente.
Bastos (1999) salienta que, a partir do conflito entre os dois projetos de sociedade – a
proposta liberal/corporativa e a proposta democrática/de massas, emergiu a partir dos
organismos públicos um projeto de gestão que não nega teoricamente a democracia da e na
escola, mas que a estabelece de acordo com interesses políticos e econômicos amplamente
identificados com concepções neoliberais e divergentes daqueles idealizados pela sociedade.
Ao analisar os processos de intensificação democrática em diferentes sociedades,
Avritzer e Santos (2003) destacam que as elites excludentes resistem frontalmente às
conquistas no campo da democracia por estas combaterem interesses e concepções
hegemônicas. Utilizam para tanto a descaracterização daquilo que é objeto de conquista pela
cooptação ou integração aos moldes hegemônicos, dando uma falsa ideia de atendimento das
demandas.
Em relação à gestão democrática houve uma acomodação dos anseios da sociedade na
legislação vigente, porém na prática seus elementos de consecução foram transmutados e
trabalham em favor dos interesses de manutenção das relações capitalistas, de tal forma que
os benefícios esperados acabaram sendo protelados e, ainda, não lograram êxito em se efetivar
completamente.
Mendonça (2001, p. 86) complementa afirmando que os instrumentos legais
representam “o entendimento das autoridades sobre a maneira pela qual a norma
constitucional se aplica ao sistema público de sua alçada”, o que revela o quanto a efetivação
68
de conquistas estabelecidas no campo normativo resvalam em intervenções políticas ao serem
implementadas, distanciando-se muitas vezes daquilo que foi inicialmente idealizado.
Há na história do país uma herança de praxe centralizadora e autoritária, consolidada
desde o período colonial. Esta forma de estabelecer e implementar políticas públicas sem
valorizar a participação da sociedade, portanto, de forma autoritária e centralizada (RUZ
PEREZ, 1994), dificulta a associação de seu conteúdo às necessidades da sociedade,
favorecendo sua identificação com projetos particularistas e vinculados à manutenção de
relações de dominação.
No que diz respeito à implementação da gestão democrática no estado de São Paulo,
valendo-se de sua liberdade para estabelecer os elementos de sua consecução, o referido
estado é o único da federação que não estabelece seus diretores escolares por meio da eleição,
recurso diretamente identificado com práticas democráticas de gestão (MENDONÇA, 2000;
DOURADO, 2011). Para Mendonça (2001, p. 88), “os mecanismos de provimento do cargo
de diretor escolar são reveladores das concepções de gestão democrática” adotadas pelos
sistemas de ensino. Embora o provimento do cargo de diretor mediante concurso público seja
um avanço na superação de práticas antidemocráticas, a não adoção do mecanismo de eleição
mostra que o processo de implementação do referido princípio tem limitações que restringem
o estabelecimento de relações mais democráticas no âmbito escolar (BRANDÃO, 2010) e
segue uma orientação que ignora um processo mais amplo de democratização que ocorre na
federação.
Há, ainda, outros fatores que limitam o estabelecimento da gestão democrática não só
no estado de São Paulo como em todo o país. Podemos destacar fatores que decorrem da
própria gramática política, econômica, social e cultural da nação brasileira e outros que são
inerentes à estrutura das instituições de ensino. No primeiro caso, podemos destacar como
entrave para a consecução da gestão democrática o patrimonialismo, o clientelismo e a
própria natureza do Estado liberal, que concorrem para a manutenção das relações de
dominação. No segundo caso, a burocracia que torna as relações centralizadas e
hierarquizadas e o autoritarismo prevalente nos sistemas de ensino e na escola, constituem
entraves internos à consecução da gestão democrática. Vários autores apresentam como
empecilhos à sua consecução os fatores acima mencionados (BASTOS, 1999; SPÓSITO,
1999; MENDONÇA, 2000; PARO, 2002; MARTINS, 2002; DRABACH, 2009; KLÉBIS,
2009).
A natureza do Estado liberal democrático, o clientelismo, o patrimonialismo, a
burocracia e o autoritarismo são alguns dos elementos que impedem a efetivação de relações
69
mais democráticas no âmbito escolar e sobre os quais discutiremos brevemente a partir deste
momento.
2.1 - Natureza do Estado liberal democrático e suas relações com o capitalismo
O presente trabalho estabelece alguns pontos fundamentais das teorias democrática e
liberal e suas convergências e incongruências básicas. Também reflete sobre o capitalismo e
suas relações com o liberalismo, com o intuito de compreender as limitações da gestão
democrática neste contexto. Não se faz necessário aqui aprofundar a discussão sobre em que
medida o capitalismo contribui, ou não, com a democratização da sociedade, mas levantar
alguns pontos que facilitem o entendimento sobre como esta forma de organização da
produção material da vida, da forma como esta posta, influencia, dificultando o
desenvolvimento de relações sociais mais igualitárias.
O modelo liberal concebe o Estado com funções e poderes limitados e preza pelo
respeito às liberdades individuais por meio de instituições que operam sob o comando de leis
e normas. Defende a doutrina dos direitos naturais que devem ser respeitados e protegidos
pelo Estado. A noção de direitos e deveres está implícita na doutrina liberal, sempre
resguardando a liberdade individual e o direito à propriedade. Bobbio (2000) vê o liberalismo
como a doutrina da limitação jurídica dos direitos do Estado em favor da liberdade individual.
Para os liberais a desigualdade é natural, posto que, no exercício da liberdade
individual, cada um desenvolve suas próprias capacidades, podendo obter resultados
diferentes. Desta forma, no contexto do liberalismo, a igualdade se materializa apenas no
acesso a oportunidades e perante a lei. O papel do Estado defendido no liberalismo é o de
resguardar os direitos civis e a propriedade privada dos indivíduos, deixando para o mercado a
tarefa de promover o acesso aos bens sociais por meio do trabalho (BOBBIO, 2000;
MARTINS, 2003b).
Valendo-se de instituições apropriadas e utilizando o artifício da representação por
meio do voto, os eleitos defendem os interesses mais amplos da sociedade valendo-se das leis
para manter a coesão social. Cabe lembrar que os mecanismos representativos na atualidade
mantêm no poder uma elite que nem sempre defende os interesses gerais da população.
A democracia, por sua vez, consiste numa forma de governo em que o poder não está
nas mãos de um só ou de poucos, mas de todos ou da maioria. Ela pressupõe a liberdade como
a possibilidade de todos exercerem poder. Pela democracia se busca a justiça social e a
igualdade substancial, ligada ao exercício dos direitos políticos, sociais e econômicos. Visa ao
coletivismo e ao socialismo como forma de organização da sociedade e prevê o Estado com
função redistributiva para equilibrar as desigualdades sociais (MARTINS, 2003b).
70
Sobre a possibilidade de conciliar o Estado liberal com o Estado democrático, Bobbio
(2000, p. 7-8). afirma que:
Um Estado liberal não é necessariamente democrático: ao contrário, realiza-
se historicamente em sociedades nas quais a participação no governo é
bastante restrita, limitada às classes possuidoras. Um governo democrático
não dá vida necessariamente a um Estado Liberal: ao contrário, o Estado
Liberal clássico foi posto em crise pelo progressivo processo de
democratização produzido pela gradual ampliação do sufrágio até o sufrágio
universal.
O autor não só defende a independência das duas formas de organização do Estado
moderno, como coloca a democratização da sociedade no foco da crise do modelo liberal,
ressaltando a incompatibilidade entre ambos. Tal incompatibilidade foi também assinalada de
forma categórica por Martins (2003b, p. 646) ao afirmar que “assim como liberal não
combina com social, também não combina com democracia”.
Entretanto, a tese de que é impossível compatibilizar liberalismo com democracia
pode ser superada ressaltando os pontos em que as doutrinas são congruentes, porém não sem
sacrificar em uma delas alguns aspectos primordiais (BOBBIO, 2000). Com efeito, é o que
tem sido viabilizado pelos Estados ao reunir sob a bandeira do liberalismo democrático ou da
democracia liberal estas duas formas de organização do Estado moderno. E, neste caso, é a
democracia que tem perdido alguns de seus atributos em nome desta hibridização. Para
Martins (2003b, p. 646):
a chamada liberal-democracia não é uma síntese bem sucedida da genética
institucional. É apenas uma maneira de promover as vendas do liberalismo
no mercado ideológico, ao mesmo tempo em que se impede a democracia de
prosperar.
O autor chama a atenção para o fato de que há pontos comuns entre liberalismo e
democracia, como a existência de instituições representativas, de um sistema eleitoral, de
movimentos sociais ou campanhas reivindicativas acompanhadas de manifestações de
protesto, tomada de decisões com base no princípio majoritário, direito de oposição e uso da
razão, entre outros. Porém é taxativo ao afirmar que “embora compartilhem o mesmo
subconjunto de características são e permanecem antagônicos entre si” (MARTINS, 2003b,
647).
A preocupação do liberalismo em absorver características democráticas veio com a
intensificação das lutas pela ampliação de direitos civis, políticos e sociais no período pós-
guerra. Os liberais precisaram encontrar formas de manter sua hegemonia, objetivo alcançado
pela acomodação de alguns dos ideais democráticos, desde que não ferissem os princípios
71
básicos do liberalismo (BOBBIO, 2000). Tal fórmula é possível graças às características
compartilhadas por ambos e que foram citadas anteriormente.
Como fazer tal associação sendo que o liberalismo preza pela liberdade e pelo
individualismo e a democracia pela igualdade e o coletivismo? A forma encontrada pelos
liberais foi estabelecer a liberal democracia, que opera com a tese de democracia
formal/procedimental e não substancial. Criticando a democracia como conjunto de valores e
forma de organização política, empreendeu-se o esforço de ceifar o conteúdo substancial da
democracia e reduzi-lo ao mero conjunto de procedimentos para constituição de governos
representativos (AVRITZER e SANTOS, 2003).
Ao analisar o processo de construção do modelo hegemônico de democracia liberal,
Avritzer e Santos (2003, p. 5) destacam que sua afirmação segue uma via que:
leva do pluralismo valorativo à redução da soberania e, em seguida, à
passagem de uma discussão ampla sobre as regras do jogo democrático à
identificação da democracia com as regras do processo eleitoral.
Neste modelo ocorre a restrição das formas de participação e soberania ao momento
da eleição de representantes para a formação do governo, por meio da democracia
representativa. Assim, a “soberania popular” fica estabelecida, porém restrita ao momento do
voto, em que “o povo não toma ele mesmo as decisões que lhe dizem respeito, mas elege seus
próprios representantes, que devem por ele decidir” (BOBBIO, 2000, p. 34).
Para Bobbio (2000), na democracia formal a única maneira de haver igualdade é na
liberdade de desenvolver o próprio potencial. Neste contexto, as únicas formas possíveis de
igualdade são: a que permite que toda pessoa seja submetida igualmente à lei, o que instala a
necessidade de julgamento imparcial, elemento compatível com o estado de direito inerente
ao liberalismo, e a igualdade de oportunidades, que prevê a equalização dos pontos de partida,
mas não necessariamente de chegada.
Segundo Avritzer e Santos (2003), tal igualdade nada tem a ver com o igualitarismo
democrático, que persegue o ideal da equalização social, política e econômica, visando à
construção de uma sociedade estruturada em novas bases, onde a solidariedade, o respeito
mútuo, a cooperação e a colaboração sejam possíveis e onde os aspectos econômicos não
tenham primazia sobre os sociais, fazendo coexistir num mesmo território uma minoria com
excesso de recursos e uma maioria em extrema necessidade.
O liberalismo opera compreendendo que a desigualdade é natural e que a sociedade
dividida em classes sociais é normal, enquanto a democracia visa à superação da divisão da
sociedade em classes pela socialização dos direitos civis, políticos e sociais. A democracia
72
liberal acolhe algumas das reivindicações da sociedade por maior participação na definição do
poder político condutor da sociedade, porém de maneira a não alterar a estrutura de classes
que favorece os interesses dos proprietários, únicos a usufruir da cidadania plena (BOBBIO,
2000; AVRITZER e SANTOS, 2003).
Para Avritzer e Santos (2003), a consolidação da liberal-democracia estabeleceu como
indispensável o estabelecimento de formas burocráticas de organização do processo de
decisão política e econômica em virtude do crescimento das funções do Estado. A
burocratização do Estado contribuiu ainda mais com a diminuição substantiva da soberania
popular ao colocar o poder de decisão sobre questões fundamentais da política e da economia
nas mãos de estamentos e elites. A participação popular na gestão ficou restrita apenas
àquelas questões em que a burocracia não é suficiente para solucionar os problemas, enquanto
o poder de decisão sobre questões fundamentais da vida econômica e política do país
permanece sob o poder das elites.
Ainda segundo os autores, por meio da representatividade cada indivíduo se faz ouvir
na tomada de decisões no campo da política; é uma forma cabível de tomada de decisões pelo
consenso entre os representantes devidamente estabelecidos por meio do voto e que são
capazes de expressar as tendências do eleitorado. Entretanto, tal forma de exercício da
democracia favorece o estabelecimento de representantes oriundos das elites em função das
próprias regras do jogo eleitoral e, ainda, dificulta o processo de prestação de contas e de
representação de múltiplas identidades.
Ocorre que este modelo hegemônico liberal de democracia não é suficiente para
resolver a questão da qualidade da democracia. Ou seja, neste modelo de democracia o
cidadão não se sente representado, não entende que suas questões prementes estão sendo
valorizadas e, ainda, os espaços de participação são estreitos em virtude da representatividade
elitista que o modelo liberal democrático estabelece. Não há transformação das condições de
vida da população (AVRITZER e SANTOS, 2003).
Neste sentido, outro fator importante a considerar é que o Estado Liberal, como
modelo de Estado Moderno que tem suas origens na revolução burguesa, tem como objetivo
favorecer o acúmulo de capital por meio do apoio, incentivo e proteção das relações
capitalistas de mercado.
De acordo com Boron (1994, p. 68-69), o mercado não só foi criado como é
sustentado pelo Estado, que sempre ofereceu apoio às classes dominantes. Para o autor, as
elites “jogam com cartas marcadas no jogo, supostamente “neutro”, do mercado”, onde “o
73
papel do Estado no estabelecimento, consolidação e reprodução do capitalismo foi de
fundamental importância”.
A premissa orientadora do liberalismo que advoga a neutralidade e a redução do papel
do Estado na vida econômica da sociedade permite a livre operação do mercado e favorece a
exploração capitalista. Para Boron (1994, p. 71):
A exploração capitalista se reproduz sem turbulências, por que se ampara na
falsa neutralidade de um Estado que, “deixando fazer” e abstendo-se de
“intervir” – mas efetivamente operando mediante múltiplos circuitos de
intervenção prática -, consegue viabilizar o programa político que interessa
aos capitalistas.
O monopólio que a burguesia e suas classes aliadas têm sobre o aparato estatal e a
limitação da ação do Estado na vida econômica favorecem as relações capitalistas, mantendo
e contribuindo com a acumulação de capital a custa da pauperização de setores cada vez mais
amplos da sociedade, gerando desigualdade social como nunca antes fora vista. O Estado
capitalista visa proteger e ampliar o capital e suas ações, por meio de políticas públicas,
tornam-se cada vez mais particulares ao defender os interesses de uma classe em detrimento
da maioria da população (BORON, 1994; SANTOS, 2007; PARO, 2010).
Em virtude disso, as políticas públicas viabilizadas pelo Estado capitalista, apesar de
serem financiadas por recursos públicos, padecem de mercantilização e são a expressão de
interesses particulares de indivíduos ou grupos sociais. Como afirma Santos (2007, p. 830-
831):
O sistema capitalista tem seus valores voltados para a manutenção da
supremacia econômica e política de uma determinada classe ou fração de
classe sobre as demais, estando a maioria da população em posição de
dominada. [...] Então, se o Estado capitalista representa e assegura essa
lógica de produção social, não expressa a maioria da população e sim o
poder dos interesses da classe dominante [...] não pode, na prática, ser
considerado um ente público, defensor dos interesses coletivos e segurador
da igualdade social.,
Sendo o capitalismo uma forma de organização social e econômica baseada em uma
relação de exploração, jamais poderá garantir a igualdade nos termos defendidos pela
democracia. Portanto, o Estado liberal democrático capitalista jamais será capaz de articular
relações substancialmente democráticas em virtude de sua natureza individualista e classista.
Suas ações, quando muito, visam diminuir a insatisfação da sociedade com ações
assistencialistas e compensatórias para manutenção da harmonia social, operando também a
legitimação e justificação de suas práticas que favorecem financeiramente as classes
dominantes (SANTOS, 2007).
74
Em relação à democracia, o Estado liberal democrático capitalista se limita a
incorporar algumas de suas pautas, ressignificando-as ou transformando-as em mera
formalidade, pois, na verdade, a democracia não é compatível com o capitalismo (BORON,
1994; BOBBIO, 2000; SANTOS, 2007).
Em virtude disso, é possível afirmar que:
As políticas públicas que emanam do Estado [...] nunca implicaram gestão
democrática das mesmas. Ao contrário, sua gestão sempre foi um atributo
dos gestores desse aparelho de poder e sempre serviram aos interesses do
Estado e da classe que o controla, ainda que em determinados momentos
esse aparelho de poder tenha sido obrigado a incorporar exigências da classe
trabalhadora, para evitar rupturas revolucionárias (BRUNO, 2008, p. 32).
Sendo assim, esperar do Estado a democratização da sociedade é investir todas as
cartas num jogo que só tem um resultado: o que continua privilegiando aqueles que já são
privilegiados.
É verdade que os países de capitalismo avançado experimentaram um processo de
democratização que implicou em várias conquistas políticas e sociais pela implantação do
Estado de bem-estar social. Houve naquelas localidades a regulação e estabilização do ciclo
acumulativo de capital e a mediação das lutas de classe. Entretanto, “os intelectuais e a classe
política da burguesia não tardaram em dar-se conta dos prejuízos que a democracia de massas
ocasionava ao capitalismo”. Os resultados foram recortes no exercício da democracia política
e “o sacrifício de algumas conquistas em favor da continuidade do processo de acumulação”
do capital (BORON, 1994, p. 22, grifo nosso).
Para Boron (1994), se o problema da democratização da sociedade é complexo nos
países de capitalismo avançado, quanto maior será nos países periféricos, em que a
democratização nem sequer se consolidou totalmente. Na América Latina, o Estado
oligárquico que predominava no final do século XIX, liberal31
no plano ideológico e jurídico,
mas elitista, desprezava qualquer participação das classes subalternas.
Ainda segundo Boron (1994), os países de capitalismo avançado encontraram
problemas no processo de democratização em virtude de certos condicionantes fundamentais
como a instabilidade e a debilidade das forças que sustentavam o regime democrático, a crise
das democracias vigentes com consequente fortalecimento das doutrinas conservadoras e os
problemas de governabilidade gerados pela democratização. Nos países da América Latina,
31
“O Estado oligárquico era liberal na medida em que sancionava a igualdade entre os cidadãos; garantia as
liberdades básicas (pensamento, palavra, reunião, associação etc.); criava – ou melhor, transcrevia – códigos e
uma jurisprudência liberal e iluminada, garantia a propriedade individual, lutava contra os anacrônicos
privilégios da igreja e confiscava seus bens terrenos; declarava a divisão de poderes públicos e adotava os
princípios da república democrática; abolia a escravidão e a servidão [...]” (BORON, 1994, p. 104).
75
além destes problemas todos, o contexto econômico de crise e a dominação exercida pela
política externa norte-americana acrescentaram dificuldades ao processo de democratização.
As condições históricas de organização das sociedades latinas, carregadas de ordenamentos
patrimonialistas e clientelistas, foram eficazes em adiar o projeto de democratização da
sociedade, com uma ajuda nada trivial da política externa imperialista.
Boron (1994) sustenta que, quando os países latino-americanos começaram a desfrutar
do processo de redemocratização à guisa de conquistar cidadania digna e eficaz, suas
iniciativas foram solapadas pela onda conservadora de ataques à democracia, identificando-a
como a fonte de ingovernabilidade e crise fiscal do Estado. As estruturas do estado liberal-
democrático de bem-estar social nem foram totalmente erigidas e já padecem de um
articulado programa de desconstrução neoliberal.
No Brasil, o processo de democratização também teve seu início fragilizado em
virtude da origem das iniciativas democratizadoras. “A democracia instalada em 1945 foi
controlada pelo mesmo aparelho político e pelos mesmos atores que estiveram no poder
durante a ditadura” (NUNES, 2003, p. 69). Disso depreende-se que, pela manutenção do
poder sobre a política e a economia e pela preservação dos interesses da classe dominante, é
possível transitar por formas tão antagônicas de organização da sociedade sem o menor
constrangimento, valendo-se desta ou daquela da forma como melhor convier.
Como conceder credibilidade a um sistema político que faz a regra do jogo mudar
conforme o resultado desejado pelos jogadores? Como superar a prática histórica de
favorecimento das classes dominantes em favor da superação das desigualdades sociais em
um modelo de Estado que trabalha em favor da acumulação privada de capital pela
incorporação e cooptação de algumas das premissas da democracia? É possível obter
conquistas satisfatórias em benefício das massas num jogo de cartas marcadas?
Mediante o exposto até o momento fica evidente que o Estado liberal democrático
capitalista opõe-se diretamente a qualquer possibilidade de distribuição de poder que ameace
a hegemonia das classes dominantes na condução da vida econômica e política do país. Isso
explica a incorporação da gestão democrática em instituições cujas decisões não afetam a
estrutura da sociedade, como no exemplo da educação, em que houve democratização da
gestão da escola, mas não do sistema de ensino. Na visão liberal democrática capitalista, nada
deve alterar o curso da história que sempre favoreceu os mais fortes (BORON, 1994;
BOBBIO, 2000).
76
É somente no âmbito dos movimentos populares que este estado de coisas pode ser
alterado, não sem luta, como no caso da gestão democrática que, mesmo restrita ao âmbito
escolar, ainda guarda o potencial de alterar estruturas de poder.
2.2 - O clientelismo e a gestão democrática
O clientelismo perpassa a história política, econômica, social e cultural do país como
uma gramática que resiste ao tempo e aos movimentos de modernização e busca de superação
de seus efeitos. Ao analisar o pensamento social e político brasileiro num esforço de
compreensão de nossa experiência civilizatória, Nunes (2003, p.33) reforça sua persistência
ao constatar que
o clientelismo se manteve forte no decorrer de períodos democráticos, não
definhou durante o período do autoritarismo, não foi extinto pela
industrialização e não mostrou sinais de fraqueza no decorrer da abertura
política.
Essa constatação evidencia o quanto essa gramática está arraigada na sociedade
brasileira, perpassando as relações entre os indivíduos e reforçando práticas avessas ao ideário
democrático.
Originalmente, o clientelismo esteve associado aos estudos de sociedades rurais e
representava a relação entre patrons e clientes (camponeses). Consiste numa relação
assimétrica, marcada por contato pessoal entre um ente que detém recursos materiais e poder
(patrons) e outro que se encontra em situação de falta de recursos e/ou de poder (cliente) e
que, portanto, depende da assistência do primeiro. Neste contexto, os clientes estão em estado
de subordinação, sempre a um passo da penúria, sendo que a desigualdade que se instala entre
ambos tem um papel central no estabelecimento de laços pessoais entre eles (NUNES, 2003).
No contexto da ciência política designa uma relação assimétrica de troca de benefícios
pessoais em que as questões econômicas e políticas confundem-se com as sociais e o “sistema
de valores sustenta-se em critérios pessoais e não-universalistas” (NUNES, 2003, p. 27).
Desta forma, estabelece-se um conjunto de relações que têm como fundamento a troca de
favores pessoais desvinculada de qualquer identidade ou interesse coletivo e, neste ponto,
seus efeitos sobre os movimentos de luta por direitos e pelo estabelecimento de uma
sociedade mais igualitária são deletérios.
Como o clientelismo atravessa as fronteiras de classes, grupos e categorias
profissionais, acabou se alastrando e impregnando todas as relações estabelecidas na
sociedade, gerando uma situação em que a busca por agradar a muitos e diversos interesses,
muitas vezes antagônicos, estabelece um sistema contraditório. Em virtude disso, as
conquistas no campo democrático não se efetivam completamente, pois não encontram
77
respaldo em instituições, não têm continuidade na esfera política ou são objeto de
ressignificação, perdendo seu potencial inicial (NUNES, 2003).
Levando-se em consideração que a gestão democrática prima pela impessoalidade
(CURY, 2007), e pela busca de crescimento dos indivíduos como cidadãos e da sociedade
enquanto sociedade democrática por meio da participação na tomada de decisões e na
regulação, fiscalização e avaliação dos processos que ocorrem no âmbito escolar (SOUZA,
2009), o clientelismo se impõe como um obstáculo direto à consecução desses objetivos.
Estando enraizado no sistema político e econômico brasileiro, o clientelismo emperra
as transformações necessárias à administração da educação que se traduzam em melhoria da
qualidade do ensino e da aprendizagem na escola (BASTOS, 1999). Temas como
simplificação de estruturas burocráticas, descentralização de processos de decisão e execução,
gestão democrática dos sistemas e das escolas, fortalecimento da autonomia das unidades
escolares, articulação das diferentes modalidades de ensino, integração entre educação formal
e informal, valorização e aprimoramento de processos de avaliação institucional,
financiamento, entre outras ações necessárias à melhoria da qualidade da educação, são
tratados pelos governos de forma enviesada em função da valorização de critérios
mercadológicos de condução da educação e de manutenção do status quo.
As orientações de organismos internacionais que preconizam redução de custos,
reestruturação de práticas de gestão, flexibilização de procedimentos, descentralização de
responsabilidades, focalização da oferta de benefícios sociais às camadas mais pobres da
população são seguidas fielmente pelos governos, independente do efeito que exerçam sobre a
população. Além disso, a regulação política dos serviços básicos favorece o clientelismo à
medida em que altera a relação entre política, economia e sociedade, fazendo com que a luta
democrática pela cidadania esmoreça diante da mercantilização da política (MARTINS,
2002).
A educação vista como um bem público em função de seu financiamento ser oriundo
das contribuições da população acha-se sendo conduzida em virtude de interesses
particularistas nacionais e internacionais que em nada alteram as condições de vida da
população. Ao defender a democratização da gestão do Estado e da educação enquanto
serviço de caráter público mantida pelo Estado, Spósito (1999, p. 49) esclarece que:
Os serviços públicos carregam consigo, sobretudo na educação, os traços
arraigados de clientelismo, a subordinação [aos] interesses privatistas –
entendidos em sentido mais amplo do que a iniciativa particular, pois
compreendem a concepção e realização de políticas sob a égide de interesses
privados ou particularistas, os favores pessoais, o interesse de pequenos
78
grupos, as vantagens ou ganhos imediatos em detrimento de propostas mais
amplas.
Esta forma de gerir a educação, alicerçada em trocas de favores pessoais e particulares,
na realização de políticas que beneficiam poucos, estende-se para a escola e se materializa nas
práticas autoritárias, descontínuas e interesseiras de gestão.
Tanto em nível de sistema de ensino, como no âmbito escolar, as práticas clientelistas
voltadas para a satisfação de interesses pessoais em detrimento de lutas e conquistas coletivas
vêm sendo alvo de resistência de educadores e de setores da sociedade que defendem a
educação de qualidade como direito.
A defesa de interesses particularistas de setores dominantes coloca em discussão a
prática do clientelismo na gestão da educação e suas consequências solapadoras da qualidade
do ensino oferecido pelo Estado. O bem social educação não é sonegado à população, mas é
oferecido em função de interesses antagônicos aos defendidos pela sociedade, contribuindo
para o aumento das desigualdades. A sociedade é excluída das instâncias decisórias que
estabelecem a estrutura de funcionamento do sistema de ensino, a cargo de técnicos ou
burocratas ligados ao governo. Desta forma, perde-se a possibilidade de controle social sobre
as decisões que afetam diretamente o cotidiano das escolas e ficam estabelecidas as condições
ideais para a prática de relações clientelísticas.
Também no âmbito escolar as práticas clientelistas encontram condições para se
estabelecerem. Ao dificultar a participação da comunidade escolar, sonegar informações
necessárias ao esclarecimento dos envolvidos direta e indiretamente com a escola, maquiar a
participação valendo-se dos membros da comunidade para legitimar decisões preestabelecidas
e limitar a participação a eventos e comemorações, a gestão escolar fecha-se ao controle
social e a troca de favores pode ocorrer com trânsito livre e desimpedido.
O clientelismo arraigado na prática cultural brasileira como expressão do egoísmo e do
individualismo pela possibilidade de obter vantagens pessoais dificulta o estabelecimento de
práticas solidárias em prol do bem comum. A participação fica vinculada à possibilidade de se
obter algum benefício pessoal imediato, sem o qual todo o estímulo desvanece. Perde-se a
perspectiva de construção de melhores condições de vida para todos pela superação de
práticas de exploração e hierarquização que resultam nas desigualdades sociais pela
possibilidade limitada de obtenção de favores pessoais imediatos.
Mudar essa prática social incrustada no subconsciente da população brasileira é tarefa
de fôlego, somente possível pela educação democrática vivenciada no cotidiano, que pode ser
realizada na escola, o que justifica a importância da gestão democrática como eixo norteador
79
das práticas pedagógicas e administrativas que ali se efetivam. No nível de sistema de ensino,
a mobilização dos setores organizados da sociedade em busca de maior representatividade nas
instâncias decisórias e pela formação de colegiados que sejam realmente representativos são
condições necessárias à superação das práticas clientelistas na educação.
2.3 - O patrimonialismo e a gestão democrática
As características históricas do processo de colonização brasileira revelam as raízes do
patrimonialismo no país. A forma de administração privada do reino exercida pelo rei de
Portugal foi implantada também no Brasil com o advento da colonização. O patrimonialismo
consiste numa “forma tradicional de organização da sociedade, inspirada na economia e no
poder domésticos e baseada na autoridade santificada pela tradição” (MENDONÇA, 2000, p.
37). Em seu contexto, estabelece-se uma forma de dominação que é considerada legítima em
virtude da obediência a todas as ordens emanadas do soberano. Conforme Mendonça (2000),
a legitimidade desta dominação pode ser de caráter racional, tradicional ou carismático,
porém nem sempre estas três formas podem ser encontradas nas sociedades de forma pura.
A dominação racional ou legal encontra-se tipificada na administração burocrática em
que a dominação é exercida por meio do estabelecimento das regras e procedimentos e da
hierarquização. São utilizados meios coercitivos admissíveis para impor o mando aos
funcionários.
Na dominação tradicional, a crença na santidade das tradições e na legitimidade
daqueles que em virtude delas representam a autoridade, possibilita o exercício de poder sobre
os demais. O senhor é determinado por regras tradicionais em função de sua dignidade
pessoal e os servidores pessoais – não funcionários – obedecem à sua autoridade de forma
fiel, pessoal e decisiva. Não há limitações para o exercício do arbítrio do senhor, que
estabelece as regras conforme sua conveniência.
Na dominação carismática, o indivíduo que exerce poder é considerado um líder pelo
seu carisma ou por suas qualidades extraordinárias. Ele é seguido por pessoas de confiança e a
legitimidade de sua autoridade é concedida pelos dominados.
Durante o processo de formação do Estado brasileiro sempre houve forte presença de
grupos privados que exerciam o poder político. Não se estabeleceram formas nítidas de
divisão entre as esferas de atividade pública e privada e a burocratização da administração
pública foi protelada. Com a transferência da Família Real para o Brasil iniciou-se o processo
de construção do Estado nacional que já apresentava características patrimonialistas ao reunir
“no mesmo edifício o domicílio e o local de trabalho” (COSTA, 2008, p. 836).
80
No Estado patrimonial os recursos materiais, financeiros e humanos que constituem o
acervo estatal são administrados como se fosse propriedade privada. O Estado apresenta-se
fortalecido perante uma sociedade que se revela fraca, passiva e insolidária.
Ao investigar a relação entre a cultura cívica32
e o desempenho das instituições,
Putnam (1996, p.191) afirma que “diante de uma sociedade civil vigorosa, o governo
democrático se fortalece”. Segundo o autor, o capital social33
de uma sociedade influencia
diretamente na constituição de governos e instituições democráticas. As comunidades com
capital social possuem as seguintes características básicas: fortes laços de confiança,
transparência administrativa, sensibilidade e profissionalismo burocrático, interesse político e
participação efetiva. Os sentimentos que predominam são de confiança, consenso e tolerância.
Ao contrário, nas sociedades em que predomina a desconfiança, o autoritarismo, o
clientelismo, o desinteresse político, a falta de solidariedade e a baixa vocação para
engajamento e participação, a possibilidade de estabelecimento de governos democráticos se
torna menor, pois falta o capital social necessário para transformar as relações e as
instituições.
Para Putnam (1996), a história e o contexto social impõem fortes restrições ao êxito
institucional, pois é entre os membros da sociedade que surgem as reflexões e reivindicações
capazes de promover mudanças em governos democráticos. Além disso, as tradições cívicas
se mantêm estáveis por muito tempo e mudam mais lentamente do que as regras formais,
fazendo com que os ordenamentos legais não sejam suficientes para garantir a participação e
conduzir os cidadãos de uma condição de indivíduo apto a usufruir de direitos para a condição
de indivíduo apto ao autogoverno.
No caso brasileiro, “a tradição centenária de exploração, trituração das relações
humanas, falta de autonomia, ausência de participação, submissão e perversão de valores”
(BOMENY, 2011, p. 182), contexto ideal para estabelecimento e manutenção das relações
patrimonialistas, influencia diretamente o desenvolvimento de relações democráticas ao
enfraquecer a sociedade e fragmentá-la em virtude das desigualdades e discriminações.
32
Paiva (2011, p. 195), a partir da definição cunhada por Almond e Verba (1989), define cultura cívica como
“consenso substantivo de legitimidade das instituições políticas [...], uma generalizada tolerância de uma
pluralidade de interesses e crenças na sua possibilidade, e um amplo sentido disseminado de competência
política e confiança mútua na cidadania”. 33
Capital social refere-se “a elementos de organização social como as redes, normas e confiança social que
facilitam a coordenação e a cooperação em benefício recíproco” (PUTNAM, 1996, p. 67). Para Frey (2003, p.
176) capital social é resultado de um longo processo histórico e “é sinônimo de confiança social, normas de
reciprocidade, redes de engajamento cívico e, finalmente, de uma democracia saudável e vital”.
81
Ao refletir sobre o estabelecimento de práticas democráticas num contexto de Estado
patrimonial, Mendonça (2000, p. 38) acrescenta que:
O afastamento e o enfraquecimento da sociedade, em detrimento do
fortalecimento dos estamentos que dominam o Estado [...] configuram um
campo pouco fértil para a adoção de políticas participativas como a da
gestão democrática do ensino público.
Apesar dos esforços para estabelecer uma burocracia que modernizasse a
administração pública brasileira a partir de 1930, pela separação entre Estado e mercado e sua
autonomia em relação à ordem dominadora patriarcal (COSTA, 2008), instaurou-se o que
Mendonça (2000, p. 38) chama de patrimonialismo burocrático, que é “um construto híbrido
baseado em dois princípios reguladores: a autoridade racional e a tradicional”.
Sendo a burocracia uma forma de organização que se baseia na estruturação racional-
legal da administração, na impessoalidade, na qualificação para o cargo a ser exercido pelo
funcionário, na separação absoluta entre o Quadro administrativo e os meios de administrar e
na não apropriação do cargo, ao buscar estabelecê-la no Estado brasileiro foi inevitável o
conflito direto com a forma patrimonial de gerir a máquina pública. Em alguns setores da
sociedade a burocracia se estabeleceu de forma genuína, porém em outros, hibridou-se com o
patrimonialismo, perdendo seu potencial modernizador.
No patrimonialismo burocrático forma-se um estamento34
atrelado ao Estado que dele
se apodera para exercer domínio sobre a sociedade. Nestes estamentos burocráticos:
O conteúdo patrimonialista [...] subverte [...] o sentido da burocracia,
freando sua tendência modernizadora e, ao contrário, hipertrofiando o Estado
tutelador e alheio ao povo. O estamento burocrático, acima das classes, se
expande e se enclausura em seus privilégios. Comanda e governa por meio
da apropriação do Estado e de seus mecanismos burocráticos e permanece
dependente do poder central (MENDONÇA, 2000, p. 43-44).
Esta forma de conceber e realizar a administração pública afeta o sistema de ensino e
também a escola, restringindo os direitos da população a uma educação de qualidade em
virtude da defesa dos interesses privados, cujo objetivo é manter os privilégios de uma
minoria em detrimento dos direitos da maioria.
Em relação a isso, o Plano Estadual de Educação – Proposta da Sociedade Paulista, de
14 de Outubro de 2003, elaborado pelo Fórum Estadual em Defesa da Escola Pública, destaca
o caráter patrimonialista das ações dos Conselhos de Educação no Estado de São Paulo ao
afirmar que a gestão exercida:
34
Segundo Mendonça (2000, p. 42) é o “Quadro administrativo de um governo de minoria, onde poucos dirigem
e incutem seus padrões a muitos”. Nos estamentos, os membros agem conscientes de pertencer a um mesmo
grupo, a um circulo elevado, qualificado para exercer o poder.
82
pelos Conselhos hoje existentes e legalmente constituídos [...], tanto por sua
composição como por suas atribuições, na maioria das vezes, têm estado a
serviço de interesses e objetivos particulares e específicos dos setores
dominantes, subservientes aos organismos internacionais (SÃO PAULO,
2003, p. 18).
Sendo estes os responsáveis pela determinação das políticas que estruturam e
conduzem a educação no Estado de São Paulo, suas ações vinculadas a interesses particulares
conduzem a educação estadual paulista em uma direção diametralmente oposta àquilo que a
sociedade almeja e precisa como forma de diminuir a exclusão e as desigualdades sociais.
Esse modelo doméstico que se instalou entre nós na vida social permite que se
estabeleçam formas autocráticas e autoritárias de funcionamento do Estado e faz com que as
políticas públicas sejam constantemente alteradas ao sabor das conveniências políticas. “O
governo dita à sociedade a sua vontade pessoal como se estatal fosse” (MENDONÇA, 2000,
p. 97).
Também na escola as consequências do patrimonialismo arraigado na vida política e
social do país acabam gerando impedimentos à participação efetiva da comunidade, uma vez
que a “escola pública é vista pelos usuários como propriedade do governo ou do pessoal que
nela trabalha” (MENDONÇA, 2000, p. 286).
Desta forma, as iniciativas que promovem a participação na gestão das unidades
escolares, resvalam na apatia e subserviência ou na desconfiança e resistência de uma
comunidade que desacredita o potencial de mudança pertinente às formas participativas de
gestão. A sociedade fraca, forjada ao longo de anos de dominação ora tradicional-carismática
ora legal-burocrática, encontra dificuldades em exercer seus direitos políticos e sociais no
âmbito escolar pelo fato de reconhecer como natural o poder de mando exercido pelo diretor
de escola, como preposto do Estado (PARO, 2002). A comunidade escolar é convocada a
legitimar as determinações do diretor, um arremedo de participação que em nada altera o
funcionamento da escola. Conforme Mendonça (2001, p. 100):
A escola reflete [...] o ambiente mais amplo da sociedade, onde os usuários,
cidadãos comuns, têm sua participação limitada a eventos como uma
assembleia, uma eleição, uma e outra reunião onde opinam sobre assuntos
em geral pouco relevantes, como caudatários de uma cidadania fluida e sem
maiores consequências.
Também em meio aos profissionais da educação, a saber, direção, professores e
funcionários, ocorrem crises políticas e institucionais que são fruto da relação entre diretores e
grupos informais dentro de cada segmento que evidenciam práticas notadamente
patrimonialistas (SOUZA, 2012). A própria dinâmica das relações internas à escola é marcada
83
por conflitos de poder em virtude dos ordenamentos patrimonialistas imbricados nas relações
entre os atores.
Tais ordenamentos constituem-se num entrave à participação veemente da sociedade
e, portanto, também se apresenta como empecilho ao estabelecimento da gestão democrática
como:
conjunto de procedimentos que inclui todas as fases do processo de
administração, desde a concepção de diretrizes de política educacional,
passando pelo planejamento e definição de programas, projetos e metas
educacionais, até suas respectivas implementações e procedimentos
avaliativos (MENDONÇA, 2000, p. 69).
A gestão democrática só poderá se constituir num caminho de transformação das
políticas públicas educacionais e, também, das práticas pedagógicas no âmbito escolar, se for
concebida em profundidade. Porém tal intento não se concretizará a partir das iniciativas do
Estado em virtude dos ordenamentos patrimonialistas arraigados em suas práticas.
2.4 - A burocracia como elemento de dominação e as disputas de poder
O aumento crescente da complexidade da vida social e os processos de produção
material da vida requerem uma “expansiva presença estatal que, inexoravelmente, gera
estruturas burocráticas cada vez mais invasoras e opressivas” (BORON, 1994, p. 25). É
impossível negar que a burocracia esteja presente em todos os âmbitos sociais (FARIA e
MENEGHETTI, 2011).
Quando se fala nela, muitos significados emergem no ideário das pessoas. De fato, a
palavra burocracia possui um caráter polissêmico e pode adquirir conotações diferentes nos
diversos trabalhos produzidos sobre o tema. Pode significar organização racional, ineficiência
organizacional, governo de funcionários, administração pública, administração por
funcionários, organização, sociedade moderna, racionalização de atividades coletivas, rotinas
complicadas de procedimentos, disfunções, para citar alguns (LIMA, 2011; FARIA e
MENEGHETTI, 2011).
Essa polissemia deriva do fato de o conceito de burocracia estar bastante difundido ao
longo da extensa obra de Weber, seu principal pensador. Deve-se também às múltiplas
interpretações dos pesquisadores que se colocaram à disposição de compreendê-la. Além
disso, a burocracia na obra de Weber é vista por alguns pesquisadores não como um modelo
ou uma teoria, mas como um tipo ideal, abstrato e geral (LIMA, 2011; FARIA e
MENEGHETTI, 2011). Devido a isso, os modelos hoje existentes de burocracia são
numerosos, produzidos a partir da obra weberiana e apresentam diferentes características,
84
podendo oscilar entre a afirmação de sua eficiência e inevitabilidade e as disfunções que
fazem com que seja necessário ultrapassá-la como modelo de organização das instituições.
Entretanto, há neste Quadro multifacetado do modelo burocrático linhas que marcam
seus elementos fundamentais, sendo eles: a racionalidade, a centralidade dos objetivos
organizacionais e os processos de tomada de decisão (LIMA, 2011). Baseada numa
racionalidade instrumental-legal que substitui a tradição e o carisma como formas de
mediação das relações sociais, a burocracia privilegia a superioridade técnica sobre toda e
qualquer outra forma de organização. Desta maneira, o conhecimento técnico se coloca como
um instrumento de dominação por meio de leis, normas e regulamentos que possibilitam a
coerção dentro da instituição na busca por atingir objetivos estabelecidos (FARIA e
MENEGHETTI, 2011; SOUZA, 2012).
A partir da análise da obra de Weber, Faria e Meneghetti (2011, p. 427) destacam
alguns aspectos importantes sobre a centralidade ocupada pelas normas e regulamentos na
burocracia. Segundo os autores, a burocracia
está sob a regência de áreas de jurisdição fixas e oficiais, ordenadas por leis
e normas administrativas. Ela estabelece relações de autoridade, delimitada
por normas relativas aos meios de coerção e de consenso. Uma relação
hierárquica se estabelece, definindo postos e níveis de autoridades, além de
um sistema de mando e subordinação com gerência das atividades e tarefas
delegadas por autoridade.
Portanto, numa organização burocrática sempre haverá alguns exercendo dominação
sobre outros, que devem seguir as regras e são responsabilizados quando ocorrem falhas. Este
modelo é bem diferente do que se propõem numa gestão democrática, onde todos têm
condições de participar das decisões e são igualmente responsáveis pelos resultados.
Quanto aos objetivos organizacionais, estes adquirem um papel central na burocracia e
são alcançados pela realização de tarefas definidas que devem ser bem planejadas e realizadas
de forma eficaz e independente das características das pessoas, portanto, de forma impessoal.
A impessoalidade, o formalismo e o profissionalismo na realização dos objetivos
organizacionais são as principais características dos agentes da burocracia.
Alcançar objetivos traçados fora do contexto em que a instituição opera pode ser a
origem de conflitos ou de apatia no âmbito das instituições. No contexto escolar
burocratizado, alcançar objetivos traçados pelos técnicos das secretarias de ensino, sem levar
em consideração as características particulares de cada localidade, tem sido uma das causas
do fracasso da escola pública e da apatia identificada em seu âmbito. Também não é
suficiente conceder nacos de autonomia à escola, enquanto a estrutura do sistema de ensino
continua sendo controlada por governos que mantêm relações patrimonialistas.
85
Enfim, no processo de tomada de decisão, dentro da burocracia há separação entre os
que planejam e os que executam o que foi planejado, “consequência elementar da divisão
técnica e social do trabalho” (FARIA e MENEGHETTI, 2011, p. 436). Quanto maior o nível
de dificuldade ou de especialização exigido no cumprimento da tarefa, maior é o poder
exercido pelo funcionário na hierarquia da organização e maior a remuneração a que este tem
direito, o que estabelece a criação de cargos mais ou menos estáveis que geram prestígio
pessoal. Esta fragmentação impede o trabalho coletivo e a identificação dos trabalhadores
com os objetivos da instituição e com os resultados.
Documentos específicos regulam as condutas e atividades dos funcionários que
precisam ser fortemente treinados para executá-las com precisão. Na burocracia há poucos
espaços para o exercício da criatividade e corre-se o risco de, em virtude das regras e normas,
perder de vista o objetivo maior das atividades realizadas: o serviço à comunidade.
A verticalização das relações permeada pela distribuição desigual de poder na
organização potencializa a necessidade de manter em segredo conhecimentos e intenções,
pois estes se traduzem em formas de manter o poder e valorizam o funcionário ou a seção que
os detém. “A burocracia busca aumentar a superioridade dos que são profissionalmente
informados, mantendo secretos seus conhecimentos e intenções, [...] o segredo oficial é
invenção específica da burocracia” (SANCHEZ, 2003, p.96). Em organizações burocratizadas
o exercício da accountability fica prejudicado.
Em muitas situações a burocracia pode fazer com que “ações ideológicas pareçam
impessoais e anônimas” (SOUZA, 2012, p. 165). Em sua estrutura, concentra os meios
materiais de administração nas mãos das elites detentoras de capital, conhecimento e
influência, constituindo-se em um instrumento de poder e dominação que institui a
impessoalidade a favor destas elites para operarem a conservação de seus respectivos postos
sociais ou organizacionais (FARIA e MENEGHETTI, 2011).
Assim, a burocracia se impõe como estrutura de controle em nome da “organização”
do trabalho, sendo uma forma institucionalizada de dominação. Usa e abusa de privilégios e
imunidades para exercer o poder coercitivo na busca de um falso consenso
(TRAGTENBERG, 1982).
Em virtude das características que assume, a burocracia choca-se frontalmente com a
gestão democrática como forma de condução das relações sociais. Enquanto esta pressupõe a
participação efetiva da sociedade na tomada de decisões a partir do diálogo e da busca de
consensos mediante clareza sobre as informações relevantes, visando à construção de uma
sociedade mais justa e menos desigual, aquela opera impondo formas de ser e fazer sob a
86
égide da rigidez e da impessoalidade, baseada no domínio de um conhecimento técnico que
visa manter o funcionamento das instituições e da sociedade de forma hierarquizada.
Se no ambiente mais amplo das instituições em geral a burocracia impõe
características que atacam diretamente os princípios de gestão democrática, na escola não
poderia ser diferente. A estrutura de funcionamento escolar, os cargos, a excessiva carga de
leis e normas que a regem, herança de um tempo em que o centralismo era a marca principal
da gestão educacional, tornam o ambiente escolar burocratizado e infligem a ele as disfunções
de tal modelo.
Também a separação entre o planejamento e a execução das ações educativas afeta
diretamente o desenvolvimento da autonomia escolar, devido ao fato de que a tendência à
burocratização afeta diretamente a produção de conhecimento (FARIA e MENEGHETTI,
2011), o que na escola implicará em dificuldades de perceber as necessidades específicas do
contexto interno e externo em que opera. Além disso, a hierarquização dos cargos escolares
dificulta o estabelecimento de relações mais democráticas e o funcionamento das instâncias
de participação da comunidade escolar, além de favorecer o autoritarismo. O excesso de
controle, regras e ordenamentos cria um ambiente de conflito entre a organização
formalmente estabelecida e a informalmente gerada.
Quando o modelo burocrático é aplicado ao estudo das escolas, o que se tenta
compreender é o seu retrato oficial, institucional, conforme os determinantes estabelecidos
pelas normas que se aplicam à organização escolar. São acentuadas suas “normas abstratas e
estruturas formais, os processos de planejamento e de tomada de decisões, a consistência dos
objetivos e das tecnologias, a estabilidade, o consenso e o caráter preditivo das ações
organizacionais” (LIMA, 2011, p. 28).
Porém, Lima ressalta que, ao analisar a escola como organização de ensino e
aprendizagem, é preciso valorizar não apenas os aspectos formais evidenciados nos
documentos que estruturam seu funcionamento, mas considerar também os aspectos informais
nem sempre plenamente evidentes. A escola é uma instituição burocratizada, mas em seu
contexto nem tudo funciona de forma rígida, planejada, organizada e objetiva como se espera
das grandes organizações burocráticas.
Em seu interior ocorrem contradições, conflitos, dificuldades que favorecem o
estabelecimento de estruturas informais não descritas nos estatutos, mas que operam
efetivamente alterando, retardando ou paralisando projetos, planos ou estratégias educativas.
Lima (2011, p. 33) fala em “anarquia organizada” para, juntamente como outros autores,
87
destacar um modelo de organização escolar “em que os objetivos são considerados pouco
claros e em conflito, e as tecnologias são consideradas ambíguas e incertas”.
Ocorre que num ambiente dividido entre a burocracia formal e as estruturas informais
a abertura para o diálogo, próprio das relações democráticas, fica prejudicada. A disputa de
poder entre segmentos que advogam diferentes formas de conduzir os trabalhos na escola ou
que buscam interesses divergentes afeta diretamente o trabalho pedagógico e administrativo.
A divisão em lugar da cooperação opera a estagnação e a perda de energias que poderiam ser
direcionadas para a construção e consolidação de um projeto comum que fortalecesse a
autonomia da escola.
Não se trata de idealizar uma escola sem conflitos ou contradições, mas uma em que
estes não se traduzam em paralisia do projeto pedagógico. As diferenças, ao serem trazidas
para o debate, podem resultar na criação de caminhos alternativos que mantenham a escola
como lugar dinâmico e propício ao desenvolvimento das personalidades, da visão crítica do
mundo, visando à emancipação.
Porém, num ambiente onde a hierarquia faz alguns pensarem que sua vontade pode
prevalecer acima da dos demais e onde o indivíduo se confunde com o cargo que ocupa
tomando para si todo poder de decisão, fica difícil abrir espaço de participação fecunda e
eficaz. Como afirma Paro (2010, p. 104-105), o modelo burocrático de organização, por suas
próprias características “propicia a cristalização de princípios e procedimentos que acabam
por dificultar a busca de soluções novas para os problemas que vão surgindo,
comprometendo, assim, o alcance de maior eficiência e produtividade”.
Desta forma, a burocracia se coloca como um empecilho à consecução da gestão
democrática ao fomentar a disputa de poder em detrimento da cooperação, a obediência
inócua em oposição à participação dinâmica e efetiva, a punição e a apatia em lugar da
valorização e da assunção de responsabilidade sobre os resultados.
2.5 - O autoritarismo instituído
Mediante tudo o que foi exposto até o momento podemos refletir que, desde a
colonização do país até os dias atuais, as práticas autoritárias se fazem presentes como marca
registrada de diferentes e sucessivas formas de dominação operadas por monarcas, religiosos,
presidentes, militares e burocratas. Como em qualquer parte do mundo, a busca pela
erradicação do autoritarismo - partindo do pressuposto utópico de que ela seja possível – é
histórica e demanda lutas e disputas no campo político, social e econômico.
Superados os períodos da colonização e do Império no país, durante a República as
marcas do patrimonialismo e do clientelismo na cultura brasileira favoreciam as práticas
88
autoritárias que sempre culminavam na exploração dos mais frágeis pelos mais abastados ou
dotados de poder para exercer a dominação.
Porém, o período onde o autoritarismo se fez mais pungente foi durante o regime
militar. O domínio político, econômico e social dos militares impôs marca autoritária e
centralizadora nas decisões do Estado (DRABACH, 2009) e cumpriu o papel de manter seu
domínio sobre a população, mesmo em tempo de crise econômica.
Bomeny (2011), em seus estudos sobre o impacto das aulas de Educação Moral e
Cívica35
, verificou a reprodução simbólica do governo como agente/sujeito de ações em
benefício do povo, na figura de paciente/predicado. Além disso, destaca a autora, o conteúdo
veiculado por meio das aulas, utilizado para moldar o comportamento e a moral das pessoas e
gerar ambiente pacífico, mantendo a ordem, marcou de forma contundente a memória dos
brasileiros pelo autoritarismo e pela repressão.
O processo paulatino de redemocratização do país não logrou êxito em superar
totalmente as marcas do autoritarismo, pois a transição se fez de forma lenta, gradual e segura
pela estratégia da “conciliação das elites”, visando garantir a ordem socioeconômica vigente
(SAVIANI, 1995). Como afirma Arelaro (2007, p. 908), “superados a ditadura militar e o
sistema autoritário de governo, os que o sucederam vêm mostrando o quanto suas marcas são
persistentes e, algumas, indeléveis”.
Na educação pública, os traços marcantes dos ordenamentos patrimonialistas e
clientelistas submeteram as massas a mercê dos interesses particulares das elites dominadoras,
conforme foi discutido (MENDONÇA, 2000). Ao mesmo tempo, a estrutura burocratizada da
educação, com suas práticas centralizadoras, verticalizadas e inflexíveis, encarregou-se de
conferir o suporte para que o autoritarismo continuasse.
As decisões sobre os rumos da educação sempre estiveram a cargo de políticos,
burocratas e técnicos que impunham às massas o modelo de educação que melhor atendia aos
interesses do capital nas relações de produção material da vida. Sobre isso, Duarte (2009, p.
255) coloca que
A polarização hierárquica da carreira do magistério, sob o mando de cargos
que demandam conhecimento técnico especializado versus cargos de baixa
qualificação, legitimam procedimentos autoritários e excludentes de
formulação da política educacional, presentificando uma sociabilidade
política gestada nas primeiras décadas republicanas.
35
A Educação Moral e Cívica foi uma disciplina estabelecida no currículo das escolas durante os períodos de
Estado Novo (1937 – 1945) e de Regime Militar (1964 – 1985), sob influência dos militares e setores
conservadores da sociedade. Era responsável por disseminar conteúdos que estimulavam a obediência, o
civismo, valores morais, fidelidade à pátria, integração na comunidade (BOMENY, 2011).
89
Também dentro da escola a verticalização das relações permite que a participação da
comunidade na gestão escolar, instituída por leis, decretos, normas, estatutos, portanto
igualmente burocratizada, seja consentida e não exercida como um direito ao qual cada um
dos atores escolares tem a prerrogativa de ter acesso.
2.6 - A democratização da sociedade como fruto da democratização de suas instituições
São tamanhos os entraves que se erigem frente ao processo de democratização da
sociedade e da escola. A própria natureza do Estado liberal-democrático capitalista com suas
instituições fortemente burocratizadas já é por si só um grande obstáculo em virtude de
propiciar e manter o aparato que permite a consolidação e expansão de relações estritamente
exploratórias e desiguais de produção material da vida.
Se isso não bastasse, a herança histórica e cultural de patrimonialismo e clientelismo
tornam mais difícil ainda a superação da dominação em virtude da fragilização dos laços de
cooperação na sociedade, que cresce fraca e fragmentada, dificultando as possibilidades de
organização e mobilização para a ampliação da cidadania.
Porém, mesmo em meio a tantos obstáculos, é inegável a conquista da gestão
democrática como princípio norteador da educação pela possibilidade de romper com a
dominação ao privilegiar a participação efetiva na gestão pedagógica, administrativa e
financeira no âmbito escolar.
A convicção de que a escola, como espaço contraditório que é, pode conter elementos
de dominação, mas também de superação desta em nome de uma sociedade mais justa e
igualitária persiste e sempre encontrará eco entre os educadores e a comunidade escolar.
Afinal, como afirma Tragtenberg (2008, p.18) “Sem a escola democrática, não há regime
democrático; portanto, a democratização da escola é fundamental e urgente, pois ela forma o
homem, o futuro cidadão”.
A garantia de educação de qualidade para todos, com padrões de excelência e
adequada aos interesses da maioria da população, exigirá um grande esforço da sociedade e de
cada um para se tornar realidade, considerando as dificuldades impostas pela atual conjuntura
(SÃO PAULO, 2003).
Não é possível esperar que o Estado defenda os interesses da população estando
diretamente vinculado à manutenção das condições propícias à acumulação do capital. Em
virtude disso, é necessário procurar outras formas de estabelecer espaços verdadeiramente
públicos de mobilização e construção de projetos diretamente vinculados aos anseios da
população. Neste caso, sendo a escola pública o local diretamente responsável pela educação
dos filhos dos trabalhadores, pode constituir-se em espaço de busca de alternativas, a partir do
90
momento em que os espaços de participação já conquistados sejam legitimamente ocupados.
Afinal,
É na auto-organização dos envolvidos no processo de educação das novas
gerações da classe trabalhadora, pais, alunos e professores, que, criando seus
próprios espaços públicos onde os interesses são debatidos naquilo que têm
de comum e na diversidade em que se apresentam, que se poderá chegar à
formulação de alternativas reais às hierarquias de comando do poder que nos
é imposto (BRUNO, 2008, p. 40).
Está posto o desafio e a sociedade mais uma vez mostra que está disposta a enfrentá-
lo. A gestão democrática é uma de suas armas. Porém, a mobilização em prol da
democratização das escolas, do sistema de ensino e da sociedade como um todo, deve partir
da comunidade. A percepção das contradições e da desigualdade no oferecimento de educação
à população deve ser o fio condutor das mobilizações. A ocupação dos espaços que permitem
uma pseudoparticipação para transformação em espaços realmente representativos é um passo
fundamental.
91
3 - OPINIÃO DA COMUNIDADE SOBRE A GESTÃO DA ESCOLA: ANÁLISE DO
RELATÓRIO DOS ESTUDOS DO SARESP
A análise da trajetória da gestão democrática ao longo do tempo, com os embates e as
alterações de significado operadas pelos atores da arena política, evidencia a
descaracterização do conceito conforme reivindicado pelos educadores na década de 1980 e
sua ressignificação para ser utilizado como técnica de gestão, o que permite ao governo
figurar como regulador e avaliador da educação enquanto transfere responsabilidades para a
escola. Gutierrez e Catani (2011, p. 77) argumentam que:
transferir a autoridade e a responsabilidade pela gestão de um bem público
para o grupo diretamente envolvido no trabalho é uma prática democrática e
socialmente justa, desde que não se escondam por traz o incentivo a ações de
natureza corporativa, e tampouco a intenção por parte do Estado de se
desfazer de suas obrigações para com a população .
Os trabalhos de vários autores (MENDONÇA, 2000; DRABACH, 2009; KLÉBIS,
2009; TRINDADE, 2009) evidenciam que a preocupação dos governos que se sucederam no
estado de São Paulo desde o estabelecimento da gestão democrática como princípio foi muito
menos empreender a democratização das relações no âmbito escolar visando à melhoria da
qualidade da educação do que favorecer estratégias de modernização do sistema de ensino e
sua adequação aos ordenamentos do neoliberalismo. Assim, a “implementação das [...]
diretrizes oficiais da educação paulista, ao que tudo indica, não compartilhou o poder, mas,
sim, transferiu responsabilidades administrativas” (MARTINS, 2003a, p. 543).
O resultado desta manobra coloca a escola como unidade de gestão, o diretor como
responsável último e principal pelos resultados e, sobre ambos, uma carga excessiva de
normas e regras que cerceiam a autonomia e sobrecarregam a todos com rotinas
administrativas. Ao conceder certa autonomia às unidades escolares e abrir a possibilidade de
busca de recursos em parceria com a sociedade civil, o Estado se retrai e coloca a escola em
situação de fragilidade, pois os recursos de que dispõem para gerir suas despesas são
precários. A precarização dos recursos e a luta pela subsistência colocam as questões relativas
à democratização da gestão em segundo plano (PARO, 2002; GUTIERREZ e CATANI,
2011) e tornam menos urgentes questões como cooperação e participação na tomada de
decisões.
Sendo assim, a implementação da gestão democrática por meio de leis não se mostra
suficiente para alterar as relações de poder no âmbito escolar, pois “a participação na tomada
de decisões administrativas, financeiras e pedagógicas não alcançou a maior parte daqueles
92
que vivem e fazem a escola acontecer” (FREITAS, 2000, p. 50). Isso se deve também ao fato
de que:
as leis sobre gestão democrática restringem-se a mecanismos a serem
aplicados na unidade escolar, descurando de medidas que alcancem uma
reorganização na estrutura do sistema de ensino capaz de sustentar esses
mecanismos (MENDONÇA, 2000, p. 286).
Portanto, a forma como o princípio é implementado oferece possibilidades ou não de
efetivação na realidade. No caso da gestão democrática, são tantos os entraves e empecilhos à
sua concretização que somente como fruto de resistência e organização da sociedade,
independentemente do Estado e de suas instituições, ela poderá se efetivar.
Neste sentido, torna-se oportuno verificar a opinião da comunidade escolar nos
processos de participação na escola e na tomada de decisão no âmbito escolar. Saber como
alunos, pais, professores, coordenadores e diretores percebem sua participação na gestão da
escola é fundamental, pois pode favorecer a busca de caminhos que permitam a consolidação
da gestão democrática na escola. É fundamental principalmente para aqueles cujos objetivos
em relação à escola se coadunam com os defendidos nos anos 1980, de transformação da
sociedade mediante democratização das relações. Para os que acreditam que a gestão
democrática da educação é um passo importante para a democratização da sociedade como
um todo, buscar formas de levantar junto à comunidade sua opinião sobre a participação e a
tomada de decisão no âmbito escolar é um passo importante para intensificar o processo de
democratização e/ou reivindicar mudanças necessárias.
Dada a importância fundamental da gestão democrática no cenário nacional, estadual e
municipal, cabe perguntar como verificar a opinião de tantos atores sociais num estado como
São Paulo, que abriga o maior sistema de ensino da federação? Que instrumentos utilizar para
que tal empreitada seja significativa para o estado como um todo?
Para responder estes questionamentos, propomos a utilização dos Relatórios dos
Estudos do SARESP, documentos produzidos a partir da tabulação e análise das informações
coletadas de forma censitária pelos questionários de contexto aplicados antes das avaliações
SARESP.
Os dados apresentados nos Relatórios fornecem um Quadro bastante rico e detalhado
das características dos alunos, pais, professores, coordenadores e diretores. Além de realizar
um amplo registro descritivo,
este relatório também consegue informar a pesquisadores, autoridades
educacionais e profissionais do ensino a existência e o comportamento de
um grande leque de variáveis que, seguramente, podem ser de grande
interesse para a realização de investigações científicas sobre o ensino e a
93
aprendizagem, bem como para o embasamento de políticas e práticas
educacionais. (SÃO PAULO, 2011b, p. 102; SÃO PAULO, 2012b, p. 96,
SÃO PAULO, 2013, p. 114).
Dada a abrangência dos resultados obtidos por meio dos questionários de contexto e
sua disponibilização para análise mais acurada por meio dos Relatórios dos Estudos do
SARESP, sua utilização torna-se relevante por expor a opinião da comunidade sobre a gestão
escolar, funcionando como instrumento de verificação do parecer da comunidade várias
questões ligadas à condução dos trabalhos no âmbito escolar.
O Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP) é
uma avaliação de larga escala que está em sua 15ª edição e foi implementada pela SEE/SP
para avaliar a qualidade da educação do sistema de ensino público estadual. Segundo o
Relatório dos Estudos do SARESP 2012, trata-se de:
uma avaliação externa, com a finalidade de fornecer informações
consistentes, periódicas e comparáveis sobre a situação da escolaridade
básica na rede pública de ensino paulista, [visando] orientar os gestores do
ensino no monitoramento das políticas voltadas para a melhoria da qualidade
educacional (SARESP, 2013, p.V, grifo nosso).
Os dados obtidos pelos instrumentos do SARESP possibilita ao governo do estado
monitorar as políticas implementadas durante sua gestão, mas também permite à comunidade
científica fazer sua leitura, já que os mesmos estão disponíveis a todos. Este outro olhar sobre
a mesma base de dados enriquece a discussão sobre as políticas públicas para a educação no
estado de São Paulo e torna o debate mais profícuo.
Além da prova que afere conhecimentos dos alunos, o SARESP conta com
instrumentos de levantamento de dados, os questionários de contexto, que são respondidos
pela comunidade escolar por meio de questionários com questões fechadas enviados às
Diretorias de Ensino e às escolas ou on-line. Segundo a SEE/SP e a FDE (Fundação para o
Desenvolvimento da Educação), os questionários são aplicados “aos pais e alunos, assim
como a outros agentes educacionais em todas as escolas estaduais (diretores, professores das
disciplinas avaliadas e professores coordenadores)” (SARESP, 2012, grifo nosso).
O SARESP é censitário ao avaliar os alunos dos 3º, 5º, 7º e 9º anos do Ensino
Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio (SÃO PAULO, 2012a, p. III; SÃO PAULO,
2013, p. V) e, ano após ano, são avaliadas a quase totalidade das 5.30036
escolas estaduais.
36
A rede pública estadual paulista conta com 5,3 mil escolas de acordo com o site da SEE/SP
www.educacao.sp.gov.br. Acesso em 01/02/2014.
94
Quadro 2. Total de escolas avaliadas em cada edição do SARESP e porcentagem em
relação ao total de escolas da rede pública estadual paulista no período de 2010 a 2012.
2010 2011 2012
escolas
avaliadas
% em
relação ao
total
escolas
avaliadas
% em relação
ao total
escolas
avaliadas
% em
relação ao
total
5.045 95,2 5.032 95,0 5.015 94,6
*Quadro elaborado pela autora a partir dos Relatórios dos Estudos do SARESP dos anos 2010 a 2012.
Este dado é relevante, pois mostra que as informações obtidas a partir dos
questionários de contexto e disponibilizadas por meio dos Relatórios dos Estudos do SARESP
refletem a situação da rede pública estadual paulista como um todo, possibilitando o
levantamento de informações que somente no contexto de uma avaliação de larga escala
poderiam ser reunidas.
A cada edição do SARESP, além das provas que avaliam os conhecimentos dos alunos
em relação aos conteúdos das disciplinas são
aplicados questionários aos pais e alunos de todos os anos/séries avaliados,
encaminhados às Diretorias de Ensino [...], antes da aplicação das provas,
bem como aos Professores de Português, Matemática [...], aos Professores
Coordenadores e aos Diretores das escolas da rede estadual, por sistema on-
line (SÃO PAULO, 2013, p. V, grifo nosso).
Os objetivos da aplicação dos questionários de contexto são evidenciados em diversos
documentos e visam a
assegurar uma caracterização mais detalhada dos fatores associados ao
desempenho escolar (SÃO PAULO, 2011, p. III).
coletar informações sobre o contexto socioeconômico e cultural dos
estudantes, sua trajetória escolar e suas percepções acerca dos professores e
da gestão escolar. Os diretores, Professores Coordenadores e Professores [...]
responderam questionário específico com o objetivo de coletar informações
sobre o perfil, aspectos da gestão escolar e da prática pedagógica (SÃO
PAULO, 2012a, p. 1, grifo nosso).
Fica claro, então, que o objetivo é levantar informações sobre o sistema de ensino
público estadual paulista nos aspectos social, pedagógico e administrativo a partir da opinião
(percepção) de cada setor da comunidade escolar. É evidente que um único instrumento
(questionário) não é suficiente para captar de forma absoluta a opinião dos sujeitos. Outros
instrumentos como a entrevista e a observação, por exemplo, seriam necessários para atingir
esse objetivo. Entretanto, podemos considerar que tais dados são relevantes pela abrangência
e por permitir verificar a opinião da comunidade escolar, propósito respeitável levando-se em
consideração o papel central que estes atores têm no cenário educacional, principalmente
95
quando falamos de gestão democrática. As informações colhidas servem como um indicador
desta opinião e atendem aos objetivos deste trabalho.
Desde 2008 ocorre a aplicação censitária de questionários de contexto, sendo que os
dados coletados por meio deles fornecem à SEE/SP informações que possibilitam
compreender quais fatores interferem no aprendizado dos alunos, repercutindo no
desempenho escolar (promoção ou retenção, evasão, distorção idade/série etc.).
O Relatório dos Estudos do SARESP é um documento descritivo que “fornece um
panorama da realidade [dos] diversos agentes em sua interação com o ambiente educacional”
(SÃO PAULO, 2011b, p. IV; SÃO PAULO, 2012a, p. VI; SÃO PAULO, 2013, p. VI).
Condensa as informações levantadas por meio dos questionários de contexto em um
documento dividido em quatro capítulos:
Capítulo 1: Caracterização Geral dos Alunos da Rede Estadual de Ensino de São Paulo;
Capítulo 2: Caracterização Geral dos Pais de Alunos da Rede Estadual de Ensino de São
Paulo;
Capítulo 3: Perfil da Gestão Escolar: Professores, Diretores e Professores Coordenadores
da Rede Estadual de Ensino de São Paulo;
Capítulo 4: Análise Hierárquica dos Fatores Associados ao Desempenho dos Alunos.
Uma das preocupações do documento é “fornecer informações consistentes, periódicas
e comparáveis sobre a situação da escolaridade básica na rede pública de ensino paulista”
(SÃO PAULO, 2011b, p. IV; SÃO PAULO, 2012a, p. VI; SÃO PAULO, 2013, p. VI), nos
aspectos pedagógicos e administrativos.
Porém, estas informações são apresentadas de forma sintética e abrangente,
configurando um perfil básico do sistema de ensino público estadual paulista. Desta forma,
podem ensejar outras análises, principalmente a partir do cotejamento entre os resultados
apresentados pelos Relatórios dos Estudos do SARESP em suas diferentes edições, mas,
principalmente, a partir de 2010 quando a estrutura dos questionários e dos relatórios mantêm
a mesma configuração básica.
No que diz respeito ao objeto de estudo do presente trabalho, a gestão democrática, o
documento “Relatório dos Estudos do SARESP” oferece informações que podem nos ajudar a
verificar a opinião dos alunos, pais, professores, coordenadores e diretores com vistas a
constatar se o referido princípio tem se consolidado na rede pública estadual paulista.
Mesmo levando-se em consideração as limitações que surgem em virtude da forma
como os questionários são aplicados, da formulação das questões – elaboradas pela própria
96
SEE/SP, por meio da FDE -, das dificuldades de compreensão mais ampla de determinados
aspectos da gestão por alguns setores da comunidade escolar, da não inclusão de funcionários
na investigação, entre outros, é inquestionável, conforme ressaltado anteriormente, o valor de
tal documento como indicador da opinião dos beneficiários do ensino ministrado na rede
pública estadual paulista sobre questões relativas à gestão da escola. Desta forma, os
Relatórios dos Estudos do SARESP podem contribuir significativamente para a compreensão
de questões ligadas à gestão escolar, notadamente da gestão democrática, favorecendo a
ampliação dos saberes e o embasamento para a correção de problemas.
No presente trabalho, vamos nos concentrar nos resultados apresentados pelo Ensino
Fundamental II e Ensino Médio, devido ao fato de se constituírem nos níveis de ensino sob a
responsabilidade dos estados, conforme determinado pela LDB e por conter questões que
permitem verificar a opinião da comunidade escolar em relação à participação na escola e na
tomada de decisão, elementos importantes de consecução das finalidades da gestão
democrática. Analisaremos as respostas fornecidas pelos alunos, pais, professores,
coordenadores e diretores do Ensino Fundamental II e Médio, conforme citado anteriormente.
O recorte temporal proposto inclui os anos 2010, 2011 e 2012, pois, a partir de 2010,
os questionários de contexto apresentam questões com a mesma formulação básica e os
documentos “Relatório dos Estudos do SARESP” destes anos exibem a mesma forma de
tabulação dos dados, o que permite o cotejamento ao longo do tempo. As informações dos
três anos citados possibilitarão captar a opinião de quase 100% dos alunos do EFII e EM37
que participaram da avaliação conforme Quadro 3 a seguir, e também apreender as mudanças
na opinião dos alunos da escola pública em relação à gestão escolar, afinal, o 7º em 2010 é o
9º de 2012, o que permite acompanhar a variação [ou não] de opinião destes alunos ao longo
tempo.
Quadro 3. Séries avaliadas em cada edição do SARESP no período de 2010 a 2012 e sua
correspondência em relação ao ano base de 2010
Séries avaliadas 2010 2011 2012
7º EFII 7º em 2010 7º (6º em 2010) 7º (5º em 2010)
9º EFII 9º em 2010 9º (8º em 2010) 9º (7º em 2010)
3ª EM 3ª em 2010 3ª (2ª em 2010) 3ª (1ª em 2010)
*Tabela elaborada pela autora a partir dos Relatórios dos Estudos do SARESP dos anos 2010 a 2012.
37
Os alunos respondem ao questionário de contexto antes de realizarem a prova de conhecimentos e o fazem em
tempo bastante amplo. Desta forma, podemos afirmar que o total dos que respondem é bem próximo de 100%.
As escolas são responsáveis pela distribuição dos cadernos de questões e pelo recolhimento das folhas de
respostas. Estas são encaminhadas às Diretorias de Ensino e, posteriormente, à Vunesp, empresa responsável
pela formatação, reprodução, distribuição, tabulação dos questionários e correção das provas (SARESP, 2013, p.
I).
97
Para este trabalho, levaremos em consideração as respostas da comunidade escolar a
questões que avaliam a participação na escola e na tomada de decisão, exploradas em
questões sobre a gestão escolar, já que são categorias diretamente relacionadas com a gestão
democrática.
3.1 – A opinião dos alunos e pais sobre a gestão escolar
Para efeito de organização do trabalho, analisaremos as respostas dos alunos e pais aos
respectivos questionários de contexto e apresentados nos Relatórios de estudos do SARESP
em momentos diferentes.
3.1.1 - A opinião dos alunos sobre a gestão escolar
Como dito anteriormente, a avaliação dos alunos é censitária para os 7º e 9º anos do
Ensino Fundamental II e para as 3ª séries do Ensino Médio, o que permite que se tenha uma
visão abrangente em relação à opinião dos mesmos. Ao avaliar estas três séries ao longo dos
três anos propostos (2010, 2011 e 2012) temos uma avaliação de 100% dos alunos do Ensino
Fundamental II e 100% dos alunos do Ensino Médio conforme destacado pela Tabela 1.
O questionário de contexto para os alunos é aplicado pela escola, por meio de
instrumento próprio, antes da prova de conhecimentos e redação. O Relatório dos Estudos do
SARESP condensa as respostas dadas pelos alunos aos questionários e, no capítulo que
apresenta a caracterização geral dos alunos do EFII e EM, traz nove sessões que apresentam
os seguintes títulos: Universo avaliado, Perfil sociodemográfico, Trajetória escolar,
Percepções sobre a qualidade do ensino, Estratégias de ensino e aprendizagem, Clima escolar,
Lazer e trabalho e Percepções sobre o futuro.
O item 6 do Relatório, que traz os resultados do questionário de contexto sobre o clima
escolar, abrange as informações sobre a relação aluno-escola e aluno-professor, bullying,
relações interpessoais do corpo discente e participação no processo decisório.
O último tópico deste item desperta nossa atenção, pois traz as respostas dos alunos
sobre sua opinião em relação a sua participação na escola e nos processos decisórios no
âmbito escolar. Portanto, tais questões dizem respeito aos instrumentos de consecução da
gestão democrática, principalmente a participação. A partir de agora analisaremos as respostas
dos alunos do Ensino Fundamental e médio às questões formuladas.
A Tabela1 a seguir mostra o montante de alunos avaliados por ano de realização do
SARESP e evidencia quão significativos para a rede são os resultados obtidos.
Os dados da Tabela 1 mostram que responderam ao questionário de contexto a cada
edição do SARESP cerca de 1/3 dos alunos do Ensino Fundamental. No Ensino Médio,
98
devido à evasão38
característica desta etapa dos estudos, o número de alunos respondentes
corresponde a 1/4 em 2010, mas cai para pouco mais de 1/6 em 2011 e 2012.
Tabela 1. Total de alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e Ensino Médio (3ª
série) que responderam ao questionário de contexto nas três últimas edições do SARESP
(2010, 2011 e 2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP e sua porcentagem em
relação ao número de matrículas nos respectivos cursos
Nível de Ensino 2010 % 2011 % 2012 %
7º ano EFII 325.355 17,3 373.031 19,8 292.746 15,8
9º ano EFII 330.457 17,6 337.321 17,9 284.355 15,4
Total EFII 655.812 35,0 710.352 37,8 577.101 31,2
3ª série EM 393.904 26,4 265.647 17,0 270.376 17,0
TOTAL 1.049.716 31,3 975.999 28,3 847.477 24,6 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012 e do
cálculo em relação ao número de matrículas da educação básica, considerada pelo Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), fornecidos pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE) de 2010, 2011 e 2012.
O questionário de contexto respondido pelos alunos nos anos 2010, 2011 e 2012
apresentou a mesma formulação básica para as questões e foi estruturado na escala social de
Likert, que é muito utilizada em investigações sociais. Segundo Martins e Theóphilo (2009, p.
96), as escalas sociais têm como objetivo “possibilitar o estudo de opiniões e atitudes de
forma precisa, [transformando] dados qualitativos em quantitativos”.
Ainda segundo os autores, neste tipo de questionário, um conjunto de itens é
apresentado em “forma de afirmações ante os quais se pede ao sujeito que externe sua reação
escolhendo um dos [...] pontos de uma escala”. A cada ponto associa-se um valor numérico de
forma que o sujeito obtém uma pontuação para cada item, e o “somatório desses valores
(pontos) indicará sua atitude favorável, ou desfavorável, em relação ao objeto, ou
representação simbólica que está sendo medida” (MARTINS E THEÓPHILO, 2009, p. 96).
No Relatório dos Estudos do SARESP edições de 2010, 2011 e 2012 são apresentadas
Tabelas cujo título é “Afirmativas sobre o processo decisório escolar: concordância dos
alunos dos 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio. (em %)”.
Nestas Tabelas, aparecem afirmativas para as quais os alunos manifestaram sua opinião nos
questionários de contexto, concordando ou discordando. Foram selecionadas algumas
afirmativas diretamente relacionadas com a participação na escola e no processo decisório
para o escopo deste trabalho, conforme o Quadro 4 a seguir.
O levantamento das respostas ao longo do período analisado mostra-nos a opinião dos alunos
do EFII e do EM sobre aspectos importantes da gestão democrática: participação e tomada de
38
Para mais informações sobre a evasão no ensino médio, ver publicação do IPEA (2006).
99
decisão. As Tabelas a seguir trazem o levantamento das respostas dos alunos às questões
destacadas no período estudado.
Quadro 4. Afirmativas relacionadas ao processo decisório na escola sobre as quais os
alunos manifestaram grau de concordância
Afirmativas
Os alunos têm poucas chances de que alguém escute suas ideias.
Os alunos ajudam a decidir o que acontece na escola.
Os alunos participam de Conselhos que decidem sobre as coisas importantes.
Os alunos têm chance de organizar o Grêmio Estudantil. *Quadro elaborado pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Quando solicitados a manifestar o grau de concordância com a afirmativa “Os alunos
têm poucas chances de que alguém escute suas ideias” as respostas colhidas pelos
questionários de contexto foram explicitadas conforme a Tabela 2.
Tabela 2. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos têm poucas chances de que alguém
escute suas ideias” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme Relatório dos Estudos do
SARESP (em %)
ANOS
Nível de
Ensino
Grau de concordância
Concordo
plenamente
Concordo em parte Discordo
2010
7º 19,1 40,4 32,9
9º 14,1 46,2 32,0
3ª 13,6 55,7 30,0
2011
7º 19,4 42,9 32,8
9º 13,9 48,7 32,7
3ª 11,9 53,0 29,1
2012
7º 19,3 43,9 33,5
9º 14,3 50,4 33,0
3ª 12,4 55,7 30,3 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Expor as ideias pressupõe abertura de espaços para que estas sejam colocadas e
participação daqueles cujas mesmas são consideradas passíveis de ser ouvidas. Cerca de um
terço dos alunos discorda diretamente da frase enquanto quase metade deles concorda em
parte. Isso mostra que na escola há ocasiões e circunstâncias favoráveis à colocação da
opinião, ou seja, os alunos têm oportunidade de expressar sua forma de enxergar a escola e
propor ideias.
Quando solicitados a manifestar o grau de concordância com a afirmativa “os alunos
ajudam a decidir o que acontece na escola”, as respostas colhidas pelos questionários de
contexto foram explicitadas conforme a Tabela 3.
100
Os resultados apresentados na Tabela 3 revelam que o grau de concordância com a
afirmativa “Os alunos ajudam a decidir o que acontece na escola”, vai diminuindo conforme
aumenta a idade dos alunos, de tal maneira que alunos mais jovens (7º ano EFII) percebem
que decidem mais sobre os acontecimentos na escola do que os mais maduros (3ª série EM).
Outra forma de analisar os resultados é supondo que, à medida que amadurecem, sua opinião
sobre a tomada de decisões no âmbito escolar muda, fazendo com que os alunos do EM
avaliem que participam menos dos processos decisórios.
Tabela 3. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos ajudam a decidir o que acontece na
escola” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme Relatório dos Estudos do SARESP. (em
%)
ANOS
Nível de
Ensino
Grau de concordância
Concordo
plenamente
Concordo em parte Discordo
2010
7º 16,7 32,5 41,8
9º 11,5 36,1 43,2
3ª 8,8 38,9 51,5
2011
7º 17,1 34,6 43,3
9º 11,6 38,6 44,9
3ª 8,5 39,0 46,2
2012
7º 15,8 33,6 47,5
9º 11,2 38,0 48,8
3ª 8,7 40,3 49,7 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Chama atenção o fato de que quase a metade dos alunos discorda da referida frase
evidenciando que, na opinião da maioria dos alunos, pouco participam dos processos de
tomada de decisão. A relativização desta da opinião expressa pela adesão à alternativa
“concordo em parte” também chama atenção, reforçando a opinião de participação pequena
na tomada de decisão.
O percentual de alunos que não participam da tomada de decisões na escola ou não se
sentem representados durante estes momentos ainda é alto nos três anos analisados, o que
revela lacunas no processo de democratização na escola. É possível inferir algumas possíveis
causas para esta situação: as instâncias de participação ainda não se consolidaram
efetivamente, ou ainda, não se abriram totalmente para os alunos; os processos representativos
ainda apresentam falhas; os alunos não se interessam por questões desse tipo.
Consideramos que qualquer uma destas possíveis explicações revela o esvaziamento
político experimentado pela escola, uma das instâncias mais favoráveis ao aprendizado do
exercício democrático.
101
Sobre esta questão, o Relatório dos Estudos do SARESP 2009 traz a afirmativa de que,
“na percepção dos alunos, eles não têm uma participação muito efetiva nos processos
decisórios escolares” (SÃO PAULO, 2011a, p.47). Os relatórios de 2010 e 2011 só
mencionam que no mínimo um terço dos alunos respondeu que concordam parcialmente com
a afirmativa. O Relatório de 2012 não apresenta afirmações significativas.
Se compararmos as respostas à primeira afirmativa com aquelas dadas à segunda
afirmativa podemos inferir que os alunos até são ouvidos na escola, suas ideias são
consideradas, mas sua opinião não é relevante no momento da tomada de decisão.
Quando solicitados a manifestar o grau de concordância com a afirmativa “Os alunos
participam de conselhos que decidem sobre coisas importantes” as respostas colhidas
pelos questionários de contexto foram explicitadas conforme a Tabela 4.
Tabela 4. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos participam de conselhos que
decidem sobre coisas importantes” nos anos de 2010, 2011 e 2012 conforme Relatório
dos Estudos do SARESP (em %)
ANOS
Nível de
Ensino
Grau de concordância
Concordo
plenamente
Concordo em parte Discordo
2010
7º 25,6 28,7 37,2
9º 18,6 30,4 42,2
3ª 14,6 34,6 49,9
2011
7º 26,8 30,8 38,3
9º 20,1 32,8 43,2
3ª 15,3 34,6 44,7
2012
7º 26,8 30,2 40,0
9º 20,1 32,2 45,8
3ª 15,3 36,1 47,0 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Os números mostram que mais de um terço dos alunos discordam diretamente da
frase, indicando que não participam ou não se sentem representados em conselhos que
decidem coisas importantes, chegando a quase metade dos alunos no 9º EFII e na 3ª EM. A
porcentagem daqueles que concordam em parte também é significativa, chegando na maioria
dos casos a um terço dos alunos. A porcentagem de discordância aumenta significativamente
no 9º ano do EFII e na 3ª série do EM e, também, de 2010 para 2012. A Tabela 5 pode
evidenciar mais uma vez a mudança de opinião dos alunos que pode ser decorrente de seu
amadurecimento.
Esses números são bastante elevados e significativos, mostrando que, apesar de os
documentos oficiais destacarem a importância da participação dos alunos no Conselho de
Escola, Conselho de Classe e Série, Grêmio estudantil e APM, que são as instâncias de
102
participação em que a tomada de decisões importantes se dá, aqueles ainda não participam ou
não se sentem representados dentro da escola e, portanto, a participação deles não tem sido
efetivada na rede pública estadual paulista.
Há algumas hipóteses para tal realidade: as instâncias de participação ainda não se
consolidaram efetivamente ou, ainda, não se abriram totalmente para os alunos, os processos
representativos ainda apresentam falhas, os alunos não se interessam por questões desse tipo,
os alunos representantes não têm sido treinados para dar devolutivas sobre as questões cuja
participação deles é solicitada, os alunos não compreenderam a questão ou não associaram a
questão com as reuniões de Conselho de Escola, Conselho de Classe e Série, Grêmio
estudantil ou APM.
Os resultados apresentados e as hipóteses levantadas revelam a falta de habilidade na
participação, a ausência de treino em questões de representatividade, que reforçam a ideia de
que o período que se sucedeu à redemocratização do país ainda não foi suficiente para
consolidar a cultura cívica no país. O engajamento na participação política, a confiança nas
instituições, a busca de consensos ainda não se consolidou nas práticas sociais. Os jovens
desejam participar, são reflexivos, têm consciência dos problemas, como apontam as
pesquisas realizadas por Paiva (2011), porém não sabem como, não confiam nas instituições
mais próximas de si (como a escola, por exemplo), embora confiem na democracia como
melhor regime.
Os resultados apresentados são bastante graves se levarmos em consideração o fato de
que a legislação sobre gestão democrática na escola pública paulista está estabelecida há 15
anos. A participação direta ou a representação dos alunos na gestão da escola, na decisão
sobre assuntos importantes por meio de conselhos, ainda é pequena na opinião dos mesmos.
Ainda há, nas palavras de Paiva (2011), um “déficit de cultura cívica”, resultado do processo
histórico de formação do país, que torna lento o processo de estabelecimento de relações
democráticas.
Em relação ao Grêmio Estudantil, instituição de participação discente, os alunos
puderam manifestar concordância ou não com a afirmativa “Os alunos têm a chance de
organizar o grêmio estudantil”. A Tabela 5 traz os resultados obtidos para os anos de 2010,
2011 e 2012.
Quase metade dos alunos do EFII e mais de um terço dos alunos EM concordam com
a afirmação. Quase um terço dos alunos do EFII e do EM concordam em parte, o que mostra
que os alunos têm tido oportunidade de se organizar em uma instituição constituída por eles e
que defende seus interesses.
103
Ao cruzar as respostas dos alunos para a afirmativa “organização do grêmio
estudantil” com a afirmativa “decisão sobre coisas importantes”, é possível inferir que a
participação discente, apesar de importante no contexto da gestão democrática, pouco
influencia nas questões relevantes dentro da escola no entender dos alunos, e que o Grêmio
Estudantil pode estar relacionado apenas à oportunidade de por em prática o protagonismo
juvenil.
Tabela 5. Grau de concordância dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) com a afirmativa “Os alunos têm chance de (para) organizar o
grêmio estudantil” nos anos de 2010, 2011 e 2012, conforme Relatório dos Estudos do
SARESP (em %)
ANOS
Nível de
Ensino
Grau de concordância
Concordo
plenamente
Concordo em parte Discordo
2010
7º 41,5 24,2 24,7
9º 43,1 25,8 21,6
3ª 39,3 34,1 25,7
2011
7º 40,7 27,3 27,4
9º 41,9 29,3 24,6
3ª 36,3 33,3 24,3
2012
7º 38,9 28,0 29,7
9º 39,9 29,9 28,0
3ª 37,2 33,5 27,8 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Segundo Gonzalez e Moura (2007, p. 7) o “protagonismo juvenil tem como cerne o
envolvimento dos educandos no exercício do voluntariado social, com uma prática que seria
servidora, crítica, construtiva, criativa e solidária, voltada para a operacionalização de
soluções imediatas”. Trata-se de um método de trabalho cooperativo fundamentado na
pedagogia ativa em que o professor exerce papel de orientador e o aluno é o centro do
processo educativo (FERRETTI, ZIBAS e TARTUCE, 2004).
Quando associado ao conceito de resiliência, entretanto, o protagonismo juvenil perde
seu caráter crítico, pois visa à busca de soluções imediatas para os problemas apresentados
pela escola e pela comunidade e à adaptação aos efeitos do capitalismo. (GONZALEZ e
MOURA, 2009).
Para Ferretti, Zibas e Tartuce (2004, p. 417), resiliência é a “capacidade de as pessoas
resistirem à adversidade, valendo-se da experiência assim adquirida para construir novas
habilidades e comportamentos que lhes permitam sobrepor-se às condições adversas e
alcançar melhor qualidade de vida”. Trata-se de um conceito extraído da física e aplicado à
vida humana que representa a “capacidade de resistência a condições duríssimas e
104
persistentes” (ANTUNES, 2003, p. 13 apud GONZALEZ e MOURA, 2009, p. 385). Desta
forma, pessoas em condições de extrema pobreza (moradores de favela, cortiços e
comunidades pobres) e, também, alunos e professores da rede pública são considerados
resilientes. Deles se espera agilidade para acolher com facilidade as diversidades e
adversidades e criar a solidariedade, ajustando-se com rapidez aos problemas ocorridos,
“incentivando a autodescoberta, o autoconhecimento e sua automotivação” (GONZALEZ e
MOURA, 2009, p. 385).
O governo do estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Estado da Educação,
seguindo as orientações estabelecidas pela LDB e pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para
o Ensino Médio – DCNEM, estabeleceu o Grêmio Estudantil como canal direto entre escola e
comunidade. Como política pública definida pela SEE/SP, a instituição do Grêmio Estudantil
está diretamente embasada nos conceitos de protagonismo juvenil e resiliência, sendo vista
como uma forma de estabelecer a gestão democrática na escola pública (GONZALEZ e
MOURA, 2007).
O protagonismo tratado na literatura especializada sobre o assunto está fortemente
associado a ações de caráter social e “parece ser esse conceito o compreendido pelas
propostas de protagonismo que têm por alvo a instituição e as práticas escolares”. Há “forte
aproximação das ideias por eles defendida com os elementos centrais das Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio” no que diz respeito a evitar o esgarçamento
social, utilizar o conceito de resiliência, alinhar-se com a perspectiva do desenvolvimento
humano, associar protagonismo e pedagogia ativa (FERRETTI, ZIBAS e TARTUCE, 2004,
p. 419-420).
A literatura especializada na temática do protagonismo foca dois grupos:
o dos jovens que, não incluídos entre os pobres, poderiam ser conquistados
para realizar ações, principalmente voluntárias, que tenham por alvo os
setores empobrecidos da população (inclusive os adolescentes e jovens),
tornando-se protagonistas; o dos jovens que, pertencentes aos setores
empobrecidos, desenvolvem ações na perspectiva da resiliência (FERRETTI,
ZIBAS e TARTUCE, 2004, p. 417).
O propósito de focar estes segmentos da sociedade parece ser o de “evitar os riscos do
esgarçamento social” e “promover a educação cidadã”, objetivos que se alinham “às
proposições da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – Cepal” (FERRETTI,
ZIBAS e TARTUCE, 2004, p. 417).
Em relação a isso, é possível afirmar que:
Essa forma de encarar e promover a participação de jovens e adolescentes
abre, potencialmente, perspectivas para ações solidárias e meritórias diante
105
das necessidades imediatas da população e dos próprios jovens. Entretanto,
carrega consigo a possibilidade de despolitizar o olhar sobre determinações
da pobreza e sua manutenção, desviando o foco das preocupações do debate
político e social sobre tais determinações para o da ação individual ou
coletiva, com vistas a minorar, de modo funcionalista, “os aspectos
negativos do pós-industrialismo”, designação eufêmica para os
desdobramentos sociais e econômicos da atual fase do capitalismo mundial
(FERRETTI, ZIBAS e TARTUCE, 2004, p. 418, grifo nosso).
Para diversos analistas prevalece nas diretrizes curriculares a face conservadora e
economicista do discurso sobre protagonismo, que afirma a:
irreversibilidade dos “efeitos negativos da era pós-industrial”, orientam a
despolitização da participação juvenil e fazem um apelo à adaptação à nova
ordem mundial e à superação individual da segmentação social (FERRETTI,
ZIBAS e TARTUCE, 2004, p. 422, grifo nosso).
Tal discurso está bem alinhado aos fundamentos neoliberais de retração do Estado em
relação às políticas sociais, transferindo responsabilidades à sociedade. Ao afirmar a
irreversibilidade do capitalismo e seus efeitos, denuncia sua ligação direta com mecanismos
de manutenção da exploração, colocando sobre o indivíduo dever de superar suas próprias
dificuldades como se elas fossem naturais e não tivessem correspondência com a estrutura
maior da sociedade (GONZALEZ e MOURA, 2007).
Além disso, Gonzales e Moura (2009, p. 386) alertam ainda para o fato de que o fato
de os Grêmios não terem surgido da necessidade intrínseca dos estudantes, mas da iniciativa
da SEE/SP por meio de uma política pública para promoverem ações de cunho solidário e
voluntário que substituem ou compensam a responsabilidade do Estado na promoção de
políticas sociais tende a esvaziar a formação do indivíduo no que se refere à humanização e à
capacidade de transformar as relações capitalistas.
Sendo assim, um elemento importante da gestão democrática, a participação, serve
como instrumento que favorece a desresponsabilização do Estado em relação a suas
obrigações no financiamento e manutenção do ensino público pela transferência para o jovem
da responsabilidade de resolver problemas reais da escola. A participação do adolescente e do
jovem na escola é estimulada, desde que ela permaneça exatamente da forma como está:
alinhada com os interesses do mercado e das elites burocráticas que controlam o sistema
estadual de ensino.
Antes de concluir a análise das respostas dos alunos, cabe cumprir mais uma
proposição inicial deste trabalho que é cotejar as respostas dos alunos ao longo do tempo para
verificar se há mudanças de opinião, conforme os mesmos avançam nas séries/anos.
Conforme explicitado pela Tabela 1, as alunos do 7º ano em 2010 são os mesmos avaliados
106
no 9º ano em 2012. A Tabela 6 a seguir mostra os resultados das respostas dos alunos a cada
questionamento proposto pelo questionário de contexto e cujos resultados são expostos no
Relatório dos Estudos do SARESP.
Tabela 6. Comparação das respostas dos alunos do 7º em 2010 e 9º ano em 2012 do
Ensino Fundamental II para as afirmativas constantes no questionário de contexto, em
(%)
Afirmativas Possibilidades de
resposta 7º ano em 2010 9º ano em 2012
Os alunos têm poucas
chances de que alguém
escute suas ideias.
Concordo plenamente 19,1 14,3
Concordo em parte 40,4 50,4
Discordo 32,9 33,0
Os alunos ajudam a decidir
o que acontece na escola.
Concordo plenamente 16,7 11,2
Concordo em parte 32,5 38,0
Discordo 41,8 48,8
Os alunos participam de
Conselhos que decidem
sobre as coisas importantes.
Concordo plenamente 25,6 20,1
Concordo em parte 28,7 32,2
Discordo 37,2 45,8
Os alunos têm chance de
organizar o Grêmio
Estudantil.
Concordo plenamente 41,5 39,9
Concordo em parte 24,2 29,9
Discordo 24,7 28,0 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Os dados evidenciam que, em dois anos, a opinião dos alunos muda fazendo com que
a porcentagem de respostas concordando com as afirmativas diminua ao mesmo tempo em
que a porcentagem de respostas “concordo em parte” e “discordo” aumenta.
Os mesmos alunos avaliados em edições diferentes do SARESP demonstram uma
perda de credibilidade na escola e nos processos “democráticos” que ali se desenvolvem, pois
demonstram acreditar menos que suas ideias possam ser ouvidas, que ajudam a decidir o que
acontece na escola, que podem participar de Conselhos que decidem sobre coisas importantes
e que têm chances de organizar o Grêmio Estudantil. Por ser a escola uma das primeiras
instituições públicas da qual os alunos podem efetivamente participar, este resultado torna-se
indesejável, pois pode contribuir com o esvaziamento da participação, efeito deletério ao
exercício de relações mais democráticas tanto na escola como na própria sociedade.
Ao invés de contribuir com a construção de uma sociedade onde relações democráticas
sejam o substrato de qualquer relação social, a escola, por meio de ações chamadas de
democráticas, mas que guardam no seu cerne componentes estratégicos de gestão, acaba
desiludindo os adolescentes, fazendo sua capacidade de acreditar na democracia como modelo
de organização da sociedade diminuir paulatinamente.
107
Ao concluir a análise das respostas dos alunos aos questionários de contexto expostas
no Relatório dos Estudos do SARESP, verificamos que a participação discente nos processos
de decisão não tem se consolidado. A participação permitida e até estimulada é aquela
relacionada ao protagonismo juvenil, ligada à resolução de problemas na perspectiva do
voluntariado e da resiliência, ambas desvinculadas de questionamentos sobre os determinantes
da precariedade da escola e da vida dos estudantes, ou seja, empobrecidas em seu conteúdo
político. A participação discente é instrumental e bem adequada ao modelo gerencial.
3.1.2 – A opinião dos pais sobre a gestão escolar
O questionário de contexto respondido pelos pais também contempla questões
relativas à gestão escolar, pois apresenta afirmativas que remetem à opinião dos mesmos
sobre sua participação na escola. A Tabela 7 mostra o total de pais que responderam ao
questionário de contexto no período analisado, evidenciando o quão significativos são os
resultados obtidos a partir desta coleta de dados.
Os questionários efetivamente respondidos em 2010 resultaram em uma participação
de 80,5% da população considerada, enquanto esse percentual ficou em 85% no ano de 2011 e
em 77,1% no ano de 2012. A participação dos pais foi considerável e bastante representativa,
embora haja uma diminuição progressiva da adesão na forma de devolutivas por meio dos
questionários respondidos.
Tabela 7. Total de pais do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e Ensino Médio (3ª série)
que responderam o questionário de contexto nas três últimas edições (2010, 2011 e
2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP
Nível de
Ensino
2010 2011 2012
7º ano EF 329.383 373.031 292.746
9º ano EF 326.425 337.321 284.355
3ª série EM 273.475 265.647 270.376
TOTAL 929.283 975.999 846.477 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
No capítulo 2 do Relatório dos Estudos do SARESP intitulado “Caracterização Geral
dos pais de alunos da rede estadual de ensino de São Paulo”, são fornecidas informações
sobre este segmento da comunidade escolar. Tais informações estão divididas nos seguintes
títulos: Universo e caracterização dos respondentes, Perfil sociodemográfico, Estratégias de
ensino e aprendizagem, Relações com a escola e Síntese do perfil dos pais de alunos da rede
estadual de ensino de São Paulo.
O item 4 do relatório, que traz as respostas dos pais a afirmativas sobre relações com a
escola, é dividido nas seguintes sessões: Clima escolar, Segurança na escola, Comunicação
108
entre a escola e os pais, Importância dada à opinião dos pais, Valorização da escola pela
comunidade e Confiança na escola.
Mais uma vez o questionário utilizou-se do modelo de Likert em que para cada
afirmativa os pais manifestam a concordância ou o grau de concordância (discordo, concordo
em parte, concordo, não respondeu ou não sabe). O Quadro 5 a seguir destaca as afirmativas
para as quais os pais emitiram concordância ou o grau de concordância.
Não deixa de ser revelador o fato de que o questionário de contexto e, portanto, o
Relatório dos Estudos do SARESP, apresentem as afirmativas e os resultados das respostas
dos pais como se estes fossem clientes/consumidores que recebem um serviço oferecido pela
escola sobre o qual não têm participação no processo nem controle algum (PARO, 2002,
p.58). As afirmativas sobre as quais os pais devem concordar ou não destacam a escola como
proponente e os pais como receptores.
Quadro 5. Afirmativas para as quais os pais manifestaram concordância ou grau de
concordância de acordo com o Relatório dos Estudos do SARESP dos anos 2010, 2011 e
2012
CLIMA ESCOLAR Os professores da escola têm respeito pelos alunos.
A escola é um ótimo ambiente de estudos para os alunos.
O meu filho comporta-se bem na escola.
Meu filho gosta da escola.
Meu filho gosta dos professores.
O meu filho está bem na escola.
Esta escola tem muitos problemas de comportamento dos alunos.
SEGURANÇA NA ESCOLA O meu filho está seguro na escola.
Meu filho se sente seguro na escola.
COMUNICAÇÃO ENTRE OS PAIS E A ESCOLA A escola sempre faz reuniões com os pais para informar sobre os filhos.
Quando há algum problema, sou rapidamente chamado à escola.
Eu recebo informações da escola sobre o progresso do meu filho.
Eu sei o que os professores querem do meu filho.
A escola me dá informações claras sobre o que ensina ao meu filho.
Eu sou informado sobre o planejamento escolar.
IMPORTÂNCIA DADA À OPINIÃO DOS PAIS A escola dá importância para a opinião dos pais.
A escola não se importa quando meu filho falta.
VALORIZAÇÃO DA ESCOLA PELA COMUNIDADE A escola é valorizada pela comunidade.
CONFIANÇA NA ESCOLA Eu considero que os professores são muito capazes.
A escola do meu filho sabe preparar as crianças para o futuro.
Se eu pudesse pagar, meu filho iria para uma escola particular.
Eu gostaria que meu filho estudasse em outra escola. *Quadro elaborado pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
109
Fica claro que em momento algum o questionário de contexto abre a possibilidade de
os pais emitirem sua opinião sobre a sua atuação direta ou de seus representantes no Conselho
de Escola, APM ou Reunião de pais. Não existe qualquer questão que busque aferir o grau de
participação dos pais na gestão da escola, conforme foi possível verificar no questionário
respondido pelos alunos.
Se os pais são entendidos como atores importantes no processo de gestão democrática
das escolas, como explicar o fato de que não há questões referentes a essa temática no
questionário a eles direcionado?
Até mesmo a formulação das afirmativas pode levar os pais a se perceberem fora do
contexto escolar, sendo sua presença requerida apenas quando há problemas comportamentais
ou relacionais para resolver. Talvez esteja aí a razão para a diminuição da adesão ao
questionário de contexto. O aluno pertence à escola, participa dela; os pais são informados
sobre essa participação, apoiam o trabalho escolar e resolvem os problemas que a escola não
se propõe a resolver.
Dito isto, resta-nos analisar as respostas a afirmativas que podem estar diretamente
relacionada a alguma forma de participação na escola. Quando levamos em consideração o
controle que os membros têm sobre a tomada de decisão, a participação pode ter vários graus.
Receber informações configura uma forma de participar de grau menor, enquanto emitir a
opinião é uma forma de participação de grau um pouco mais elevado (BORDENAVE, 1989,
p. 32).
Iniciaremos nossa análise pelo grau de concordância que os pais manifestam à
afirmativa “Eu sou informado sobre o planejamento escolar”.
Quando os pais são questionados sobre o fato de receberem informações em relação ao
planejamento da escola, o que está diretamente relacionado com a gestão escolar, os pais
responderam conforme resultados evidenciados na Quadro 6.
Quadro 6. Grau de concordância dos pais dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º
anos) e Ensino Médio (3ª série) em relação à afirmativa “Eu sou informado sobre o
planejamento da escola”, no período de 2010 a 2011, em (%)
Nível de
Ensino
2010 2011 2012
7º ano EF 25,5 37,1 37,9
9º ano EF 25,5 31,4 31,9
3ª série EM 22,9 22,6 23,6 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Os resultados apresentados a partir das respostas dos pais evidenciam que informações
sobre o planejamento escolar, portanto, sobre a gestão da escola, são pouco divulgadas. Na
110
opinião dos pais de alunos do EF, o acesso a informações sobre o planejamento escolar vem
aumentando nos três anos e na opinião dos pais do EM, este acesso oscilou durante o período
considerado, mas acabou aumentando. Em ambos os casos, os números evidenciam que não é
prática comum das escolas públicas estaduais de São Paulo tornarem públicas informações
sobre o planejamento escolar, condição importante para consecução da gestão democrática.
Ou seja, mesmo esta forma menos efetiva de participação tem sido negligenciada, relegando
aos pais o papel de coadjuvantes na gestão da unidade escolar.
A síntese do perfil dos pais dos alunos, que expressa a opinião da SEE/SP em relação
aos resultados, apresenta a mesma redação básica para os anos de 2010 e 2011 em que afirma
que:
houve um menor grau de concordância com o fato de que a escola dá
informações claras sobre o que ensina aos alunos e com o fato de que o
planejamento da escola é informado aos pais (SÃO PAULO, 2011b, p. 86;
SÃO PAULO, 2012b, p. 87).
O relatório de 2012 só destaca que os percentuais de concordância são menores.
Conforme discutido anteriormente, é fundamental que a escola coloque os pais em condições
de participar ativamente do processo de gestão fornecendo informações objetivas, claras e
acessíveis a estes atores importantes no contexto da gestão democrática.
Quando solicitados a manifestar o grau de concordância com a afirmativa “A escola
dá importância para a opinião dos pais”, os pais manifestaram-se de acordo com os
resultados apresentados na Tabela 8.
Tabela 8. Grau de concordância dos pais dos alunos do Ensino Fundamental II (7º e 9º
anos) e Ensino Médio (3ª série) em relação à afirmativa “A escola dá importância para a
opinião dos pais” no período de 2010 a 2012, em (%)
ANOS
Nível de
Ensino
Grau de concordância
Concordo
plenamente
Concordo em
parte
Discordo Não
responderam
ou não
sabem
2010
7º 30,5 23,3 9,9 36,3
9º 30,5 23,3 9,9 36,3
3ª 31,9 40,1 19,3 8,8
2011
7º 44,0 30,7 12,4 12,9
9º 39,3 34,6 14,1 12,0
3ª 32,1 39,9 17,4 10,6
2012
7º 44,2 31,7 12,5 11,6
9º 39,8 36,0 14,3 9,9
3ª 32,6 40,8 17,5 9,1 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
111
A referida Tabela mostra que em 2010 a percentagem de pais que concordavam com a
frase “A escola dá importância para a opinião dos pais” era de 30,5% para o EF e 31,9% para
o EM (quase 1/3 dos entrevistados). Esses números aumentaram significativamente para o EF
(quase 14 pontos percentuais) e levemente para o EM, em 2011. Em 2012, o percentual de
pais de alunos do EFII e EM que concordaram com a afirmação aumentou um pouco mais.
Chama atenção, também, o percentual de pais que concordam em parte, chegando, em alguns
casos, até quase metade dos respondentes.
Paralelamente, a percentagem de pais que discordam categoricamente com esta
afirmativa aumentou no período considerado. Chama atenção a porcentagem de pais que “não
responderam ou não sabem”, um terço para o EF em 2010 e, em média, 11% para o EF e EM
nos demais anos.
Cabe perguntar sobre quais aspectos os pais opinam? Poder opinar é um avanço, mas
não atende àquilo que foi reivindicado pelos educadores nos anos 1980. A participação dos
pais na gestão escolar não deve ser apenas instrumental, no sentido de legitimar o que já foi
de alguma forma decidido. Para que a gestão democrática efetivamente se consolide, é preciso
que os espaços de participação dos pais sejam funcionais e contemplem ocasiões em que não
somente sua opinião seja ouvida, mas que estes sejam parte da formulação das propostas, da
decisão, do acompanhamento e da avaliação de todo o processo de gestão (PARO, 2002;
SOUZA, 2009). Só participa efetivamente aquele cuja participação é valorizada, incentivada e
respeitada.
Nenhuma afirmativa sobre a participação dos pais em Conselhos que decidem sobre
coisas importantes, conforme colocada para os alunos, foi disponibilizada aos pais.
Concluímos que a participação dos mesmos pode estar restrita à emissão de opinião sobre
assuntos cuja decisão já esteja tomada antecipadamente.
Segundo Paro (2002, p. 58):
Nessa sociedade, o ensino passa a ser percebido como mais uma
“mercadoria” a ser adquirida de uma “unidade de produção” que é a escola.
Como outra mercadoria qualquer, a educação escolar passa a ser vista
também como se sua produção se desse independentemente da participação
do consumidor em tal processo.
É o que se pode verificar na postura da SEE/SP a partir da opinião de pais e alunos:
estes são clientes/consumidores de um produto cujo processo de produção prescinde da
participação dos interessados. Estes somente consomem o produto final e ajudam na resolução
dos problemas. Nada mais é do que expressão do patrimonialismo, que coloca a escola como
112
propriedade do governo, ofertando à comunidade o tipo de educação que corresponde a seus
interesses e que forma para o mercado de trabalho e para o consumo.
Se cruzarmos os dados relativos às informações dadas aos pais sobre o planejamento
da escola com os relativos à importância dada à sua opinião, podemos inferir que a
participação dos pais nos processos de gestão escolar é pouco incentivada, já que estes atores
não contam com as informações necessárias à participação efetiva e consistente e que, desta
forma, os canais abertos por meio da legislação não são suficientes para que sua opinião seja
colocada e valorizada.
Finalizando, é possível concluir que, levando em consideração a opinião dos alunos e
pais sobre a gestão escolar a partir dos dados disponibilizados no Relatório dos Estudos do
SARESP de 2010, 2011 e 2012, a gestão democrática não tem se consolidado nas escolas
públicas paulistas em virtude de os pais e alunos estarem alijados dos processos de tomada de
decisão e sua participação ser apenas instrumental.
Antes, o que tem se consubstanciado é a gestão no modelo gerencial ou a gestão
compartilhada, que se vale de alguns elementos da gestão democrática, porém com objetivos
de modernizar a gestão baseada em fundamentos mercadológicos e empresariais
(KRAWCZICK, 1999; VIÇOTI, 2010). Conforme discutido no Capítulo I, os objetivos da
gestão gerencial e da gestão compartilhada produzem como resultado uma escola
despolitizada, em que se dá a responsabilização da comunidade pelos resultados e pela
provisão financeira, enquanto o Estado se exime de assumir seu papel de provedor da escola
pública. Seguindo estes modelos, o Estado consolida seu poder, enquanto a sociedade
enfraquecida se acomoda aos hábitos, costumes e práticas políticas tradicionais que
consolidam o capitalismo.
Neste cenário, o patrimonialismo, o clientelismo, a burocracia e o autoritarismo se
mantêm no contexto de um Estado liberal democrático que preserva e incentiva as relações de
exploração próprias do capitalismo. O potencial transformador da gestão democrática se perde
ao ser regulamentada e implementada pelo Estado, utilizando seus elementos para por em
prática a gestão gerencial ou compartilhada.
3.2 – A opinião dos professores, diretores e coordenadores sobre a gestão escolar
Dando continuidade às análises dos dados disponibilizados pelo Relatório dos Estudos
do SARESP, procederemos ao estudo das informações obtidas a partir das respostas aos
questionários de contexto fornecidas por professores, diretores e coordenadores. Para manter
o padrão estabelecido inicialmente, tais resultados serão apresentados em momentos
diferentes.
113
As informações que serão apresentadas foram obtidas por meio dos questionários
destinados a esses grupos integrantes da equipe escolar “aplicados online, via plataforma web
desenvolvida pela Prodesp/SEE” (SÃO PAULO, 2012b, p. 95). A organização, a lógica e o
conteúdo das questões estão de acordo com a política educacional desenvolvida pela SEE/SP,
e revelam as escolhas que permeiam a gestão do sistema de ensino estadual.
O capítulo III do Relatório dos Estudos do SARESP está dividido em quatro partes,
sendo:
a Parte I, relacionada ao questionário preenchido pelos professores do 3° ao
5° anos do Ensino Fundamental, a Parte II, em que são apresentados e
analisados os resultados apurados no instrumento respondido pelos docentes
do 7° e 9° ano do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, a Parte
III, relativa ao questionário preenchido pelos diretores e a Parte IV, em que
são apresentados e analisados os resultados apurados no instrumento
respondido pelos professores coordenadores (SÃO PAULO, 2012b, p.
95).
Interessa-nos diretamente as partes II, III e IV deste relatório, que contêm as
informações pertinentes ao escopo deste trabalho, as quais serão selecionadas e analisadas a
partir de agora. Ressaltamos, mais uma vez, que o critério de seleção das questões está ligado
ao conteúdo levantado pelas mesmas, relacionado à gestão escolar. Estes dados nos fornecem
informações sobre a opinião dos sujeitos em relação à sua participação na escola e nas
decisões no âmbito escolar, elementos fundamentais na gestão democrática.
O Relatório dos Estudos do SARESP traz como título do capítulo 3 o seguinte: “Perfil
da Gestão Escolar: Professores, Diretores e Professores Coordenadores da Rede Estadual de
Ensino de São Paulo”. Tal título é bastante interessante, pois coloca como agentes de gestão
os profissionais que trabalham na escola: professores, coordenadores e diretores. Estes são,
segundo a SEE/SP, os agentes da gestão escolar. Não o diretor como gestor último, mas estes
três segmentos da escola.
Se o objetivo é destacar que o diretor não está só na tarefa de realizar a gestão da
unidade escolar e levando em consideração que as NRB’s colocam a gestão democrática
como princípio organizador da gestão, fica a dúvida porque pais, alunos e funcionários não
são incluídos neste rol. Se as questões importantes da escola devem ser decididas no Conselho
de escola como órgão deliberativo e se este deve ser composto por 50% de membros oriundos
da escola e 50% de membros da comunidade externa (pais e alunos), gera estranheza
considerar como agentes de gestão escolar somente os segmentos representativos do efetivo
da escola.
114
Pode ter sido apenas uma forma de apresentar resultados, fruto de opções feitas pela
SEE/SP e a empresa responsável pela elaboração dos questionários de contexto e do Relatório
dos Estudos do SAREP, a Vunesp, mas pode também revelar a visão da SEE/SP a respeito do
papel desempenhado pelos pais e alunos, que são vistos como receptores, consumidores de
uma educação que lhes é oferecida e sobre a qual não têm poder de decisão. O que vem à
mente mais uma vez é a imagem do pai e do aluno como clientes da empresa/escola, que
recebem o produto educação, bastante compatível com as orientações dos organismos
internacionais para a educação atualmente (BRUNO, 2009) e revelador das opções da SEE/SP
em termos de gestão.
No cenário mais amplo da educação determinados métodos de gestão, considerados
mais democráticos por que são mais participativos, têm sido incorporados por meio de
reformas administrativas “sem, no entanto, incorporar efetivamente os segmentos sociais e
suas representações” (OLIVEIRA, 2009, p. 95). Ao que parece, é o que tem ocorrido também
no estado de São Paulo ao adotar o modelo de gestão gerencial ou compartilhada como
sinônimo de gestão democrática.
Dito isto, passemos à análise da opinião dos professores, diretores e coordenadores.
3.2.1 – A opinião dos professores sobre a gestão escolar
Os questionários de contexto do SARESP direcionados aos professores contemplam
questões que podem ser utilizadas para refletir sobre como estes atores vivenciam a gestão
democrática na escola. Perguntas relacionadas à elaboração da Proposta Pedagógica, à
proposição de metas, a ações prioritárias e estratégias para a escola e à participação nas
decisões educacionais podem explicitar a opinião dos professores sobre o tema em discussão.
Em todas as edições da avaliação SARESP os professores de Língua Portuguesa e
Matemática participam do levantamento realizado por meio do questionário de contexto,
respondido on-line em plataforma disponibilizada pela SEE/SP. Além destes docentes, em
2010 participaram os professores da área de Ciências da Natureza (Ciências no EF e Física,
Química e Biologia no EM), em 2011 os docentes da área de Ciências Humanas (História e
Geografia) e, em 2012, novamente os professores da área de Ciências da Natureza.
Embora haja uma significativa rotatividade do corpo docente entre as escolas (SÃO
PAULO, 2011, p. 162; SÃO PAULO, 2012, p. 156), os resultados dos questionários de
contexto do SARESP revelam que mais de um terço deles possui de 11 a 20 anos de
experiência no magistério público paulista, o que evidencia conhecimento sobre a prática da
docência e sobre a escola e seus desafios. Quase metade dos docentes afirma estar na mesma
115
escola há até dois anos e não lecionam em outras unidades escolares além daquela em que
estão atuando. A maioria é do sexo feminino e não possui nenhum tipo de pós-graduação.
O público avaliado nos anos de 2010, 2011 e 2012 está representado na Tabela 9 a
seguir.
Tabela 9. Total de professores entrevistados nas três últimas edições do SARESP (2010,
2011 e 2012), conforme Relatório dos Estudos do SARESP
Disciplinas 2010 2011 2012
Português 19.055 15.372 18.696
Matemática 18.363 14.502 18.306
Física 4.195 ------ 4.286
Ciências 9.639 ------ 10.436
Química 3.836 ------ 3.771
Biologia 4.117 ------ 4.084
Geografia ------ 10.219 ------
História ------ 10.796 ------
TOTAL 59.205 50.889 59.579 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Tomaremos como referencial os resultados obtidos nos anos de 2010, 2011e 2012 num
esforço de verificar as mudanças na opinião destes atores ao longo do tempo, já que o
universo avaliado é praticamente o mesmo ao longo deste período.
Os professores indicaram participação em ações e manifestaram grau de concordância
com frases relativas ao planejamento de atividades, às percepções do clima escolar, à
participação na elaboração da Proposta Pedagógica, à proposição de metas, ações prioritárias
e estratégias e à participação nas decisões educacionais, todas diretamente ligadas à gestão
democrática.
Destacamos os títulos das sessões que compõem o Relatório dos Estudos do SARESP
parte II39
, destinadas a expor os resultados das respostas destes atores ao questionário de
contexto: Universo avaliado, Perfil sociodemográfico, Trajetória profissional e acadêmica,
Descrição e engajamento no planejamento de atividades, Práticas de ensino, Percepções do
clima escolar e dos fatores associados à aprendizagem, Caracterização específica do perfil dos
professores do 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio da Rede
Estadual de São Paulo.
São especialmente importantes para este trabalho as informações que constam na
seção Descrição e engajamento no planejamento de atividades e Percepções do clima escolar
39
Conforme explicitado anteriormente, a parte I do capítulo III do Relatório dos Estudos do SARESP é
destinada a expor informações relativas ao ciclo I do EF e não faz parte do escopo deste trabalho. Para maiores
informações vide SÃO PAULO, 2011b, p. 103-135 e SÃO PAULO, 2012b, p. 97-127.
116
e dos fatores associados à aprendizagem, que apresentam questões relacionadas à gestão da
escola, cujas afirmativas serão destacadas no Quadro 7 a seguir.
Quadro 7. Questões sobre as quais os professores manifestaram opinião
Questões sobre as quais os professores manifestaram
opinião.
Elaboração da Proposta Pedagógica.
Ações contempladas no planejamento escolar.
Pertencimento à escola *Quadro elaborado pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Sobre a participação na elaboração da Proposta Pedagógica da escola os professores se
manifestaram conforme os resultados da Tabela 10.
No ano de 2010, dos professores que responderam ao questionário de contexto, 84,9%
manifestaram ter participado da elaboração da proposta pedagógica, mesmo que parcialmente;
em 2011, a porcentagem é de 85,6% e em 2012, 89,3%. Os dados evidenciam ampla
participação dos professores na elaboração da Proposta pedagógica das escolas públicas
estaduais paulistas, com ênfase na participação dos docentes de Língua Portuguesa.
Atendendo às determinações da LDB 9.394/96, os professores têm participado da elaboração
deste documento importante na condução dos trabalhos no âmbito escolar.
Tabela 10. Participação dos professores do Ensino Fundamental II (7º e 9º anos) e
Ensino Médio (3ª série) na elaboração da Proposta Pedagógica (PPP) da escola, por
disciplinas, de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2011
(em %) Disciplinas 2010 2011 2012
Sim,
ativamente
Sim,
parcialmente
Sim,
ativamente
Sim,
parcialmente
Sim,
ativamente
Sim,
parcialmente
Português 64,7 24,5 61,9 25,8 59,2 27,5
Matemática 56,9 29,4 57,4 30,2 54,4 31,0
Física 50,0 30,7 --- --- 52,2 30,8
Ciências 59,0 27,2 --- --- 55,8 28,1
Química 50,0 32,6 --- --- 47,5 32,4
Biologia 54,1 29,9 --- --- 49,9 30,8
Geografia --- --- 56,6 27,4 --- ---
História --- --- 55,9 26,9 --- ---
Média 55,8 29.1 58,0 27,6 53,2 30,1
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
O valor dado à elaboração conjunta do PPP (Proposta Pedagógica) indica a
importância dada à reflexão sobre o tipo de indivíduo que se quer formar e o compromisso em
estabelecer os princípios, valores e códigos fundamentais necessários à vida em sociedade. É
neste contexto de debate, reflexão e elaboração que a escola pode compreender a realidade
que a cerca e contribuir com a formação dos indivíduos. Afinal, o “objetivo da escola não é
neutro, mas historicamente determinado, atendendo a interesses de grupos sociais” (PARO,
2010, p. 231).
117
Se o compromisso da escola está articulado aos interesses do público ao qual ela
atende, certamente os objetivos escolares definidos no PPP convergirão para uma formação
que contemple o “desenvolvimento da consciência crítica da realidade e a distribuição do
saber historicamente acumulado”, visando à transformação da sociedade (PARO, 2010, p.
234).
A partir daí, “é preciso que as técnicas e os métodos utilizados” pela escola em sua
administração estejam “adequados a esse tipo de objetivo”. Ou seja, “são os fins que se
buscam que acabam por determinar a forma de se utilizarem os recursos disponíveis para tal”
(PARO, 2010, p. 230).
O planejamento escolar é fundamental neste contexto, pois possibilita a elaboração das
estratégias necessárias para alcançar os fins propostos no PPP. Durante o planejamento
escolar, momento privilegiado da gestão em que se discutem questões relativas a aspectos
pedagógicos e administrativos, os professores podem alinhar as ações pretendidas aos
objetivos escolares e debater sobre formas de superar as dificuldades encontradas.
O Relatório dos Estudos do SARESP traz a manifestação da opinião dos professores
sobre as ações mais contempladas durante o planejamento escolar, conforme Tabela 11.
Tabela 11. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos professores do 7º
e 9º anos do EF e 3ª série Ensino Médio de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no
período de 2010-2012 (em %)
Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos
professores do 7º e 9º anos do EF e 3ª série Ensino Médio.
2010 2011 2012
Elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis, etapas,
anos e áreas do conhecimento, considerando as respectivas competências
e habilidades a serem promovidas.
59,7 56,8 58,4
Análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão sobre fatores
intervenientes, intra e extraescolares.
59,2 55,3 59,6
Proposição de metas, ações prioritárias e estratégias, em consenso com a
equipe escolar.
39,2 36,0 37,9
Análise de ações de maior impacto no melhor aprendizado dos alunos e
das práticas docentes bem sucedidas, para disseminação.
34,4 34,6 35,1
Discussão de planos de ação para a melhoria de convivência entre
professores e alunos.
23,2 24,9 23,2
Discussão sobre a concepção de avaliação dos professores e alunos, o
sistema de avaliação da unidade escolar e propostas para seu
aprimoramento.
22,6 23,6 21,2
Análise das relações escola/comunidade e das propostas para a melhoria
da participação e integração entre ambas.
19,2 18,4 16,6
Levantamento das demandas dos professores, frente às metas e
prioridades da escola para organização do trabalho da HTPCs40
.
7,0 7,1 6,2
Não participei. 4,3 5,2 6,0
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
40
HTPCs é a sigla pra Hora do Trabalho Pedagógico Coletivo, reunião semanal em que a equipe escolar se reúne
para discutir, planejar, resolver problemas, veicular informações e realizar a formação em serviço. Atualmente, a
sigla foi alterada e passou a ser ATPC, Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo.
118
As ações mais desenvolvidas durante o planejamento escolar são aquelas que visam à
“elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis, etapas, anos e áreas do
conhecimento, considerando as respectivas competências e habilidades a serem promovidas”
e, em segundo lugar, a “análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão sobre
fatores intervenientes, intra e extraescolares”.
A terminologia utilizada nas afirmativas que expressam as ações realizadas –
competências, habilidades, indicadores, desempenho, metas, demandas, consenso - revela a
opção do governo do estado de São Paulo de conduzir a educação paulista segundo modelos
referenciados no mercado, conforme discutido anteriormente. Mostra também uma
burocratização do trabalho, pois as atividades de elaboração de planos e análise de
indicadores têm tomado a maior parte do tempo dos docentes durante o planejamento.
Tal direcionamento pode dificultar a identificação da escola com as necessidades das
classes populares e trabalhadoras às quais atende, vinculando a educação a interesses de
grupos hegemônicos. Além disso, concentrar a maior parte do tempo em trabalhos
operacionais de elaboração de planos e análise de indicadores, discussão de planos de ação
etc. pode minar o tempo de reflexão crítica no ambiente escolar, despolitizando a ação
docente.
A ação “Proposição de metas, ações prioritárias e estratégias, em consenso com a
equipe escolar” aparece em terceiro lugar e chama a atenção, pois tal tarefa, no contexto da
gestão democrática, deveria incluir também a participação de pais, alunos e funcionários no
contexto do Conselho de Escola, e não no de uma reunião que envolve apenas direção,
coordenação e professores. A participação da comunidade na gestão escolar, de acordo com a
concepção de gestão democrática discutida anteriormente, fica mutilada, pois não inclui na
discussão atores fundamentais para os quais a ação educativa se destina.
Percebe-se, também, que a “Análise sobre as relações escola/comunidade e das
propostas para a melhoria da participação e integração entre ambas” ocupa lugar periférico
nas discussões, o que nos leva a pensar em duas possíveis hipóteses para tal: a escola ainda
tem resistência à participação dos pais e alunos na gestão, ou está tão sobrecarregada de
assuntos burocráticos que mal tem tempo para pensar em estreitar relações com a comunidade
externa.
Prosseguindo a análise da opinião dos professores, a participação nas decisões
explicitada por meio dos questionários de contexto está demonstrada na Tabela 12 a seguir:
119
Tabela 12. Concordância dos professores do 7º e 9º anos do Ensino Fundamental II e da
3ª série do Ensino Médio com a frase “Participo das decisões educacionais desta escola”,
de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012 (em %)
Disciplinas 2010 2011 2012 Média
Concordo 94,8 93,4 93,8 94,0
Discordo 4,2 5,2 5,6 5 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Os dados revelam que a esmagadora maioria dos professores sente-se participante dos
processos decisórios no âmbito escolar. A participação dos professores na tomada de decisões
representa um avanço democrático se pensarmos que até a década de 1980 a gestão escolar
era centralizada e cabia aos docentes apenas executar as determinações recebidas.
Entretanto, num contexto de gestão gerencial, o elemento democratizador participação
na tomada de decisões, tem sido utilizado como meio para responsabilizar o professor e a
escola pelos resultados obtidos em termos de retenção, evasão e desempenho em avaliações
externas. Além disso, cabe questionar se esta participação está embasada numa percepção
crítica da realidade da escola, seus determinantes, suas potencialidades e limites, ou se se
resume apenas em responder a reclames e exigências de instâncias superiores que
sobrecarregam a unidade escola e os docentes de relatórios, documentos, projetos e outras
tarefas.
3.2.2 – A opinião dos diretores sobre a gestão escolar
Na unidade escolar, o diretor é o principal responsável pela gestão, tendo como função
primordial orientá-la e conduzi-la em seus aspectos administrativo, pedagógico e financeiro.
Na visão da SEE/SP, além de desempenhar:
um papel fundamental no processo de elaboração, implementação e
aperfeiçoamento do Projeto Pedagógico da escola [...], compete a ele
coordenar a articulação das ações pedagógicas, auxiliar na coordenação dos
diferentes projetos e criar canais de interação da escola com a comunidade
escolar a qual a escola está inserida (SÃO PAULO, 2012b, p. 95).
As escolhas realizadas pelo diretor e sua equipe repercutem no tipo de educação que se
pratica na instituição escolar: aquela voltada para a conformação, adequação e reprodução da
sociedade existente ou outra, compromissada com o desenvolvimento do senso crítico que
leva à emancipação e à transformação social. Dentro dos limites impostos pela autonomia
relativa, torna-se fundamental que o diretor tenha clareza sobre as contradições inerentes à
escola, tendo em vista o fato de que “a racionalidade externa da escola está na dependência
direta de sua racionalidade interna” (PARO, 2010, p. 237).
Articular os objetivos da escola aos interesses da comunidade por ela atendida,
visando compreender, integrar, contribuir, apoiar, acolher e atender seus anseios e
120
necessidades é um passo importante para a democratização da educação. A escola pode se
posicionar numa localidade como ponto de articulação entre o local e o global, contribuindo
para a superação de barreiras impostas por séculos de exclusão social e desigualdades. E neste
aspecto, o trabalho de articulação entre escola e comunidade é premente e deve ser priorizado
se a escola realmente valoriza e adota a gestão democrática como princípio.
Vejamos o que o Relatório dos Estudos do SARESP pode nos indicar em relação às
escolhas feitas pelos diretores das escolas públicas estaduais paulistas.
Como todas as escolas participam do SARESP, os questionários de contexto avaliaram
quase a totalidade de diretores que atendem EF I e II e EM, portanto, para este segmento da
comunidade escolar os dados não estão separados por etapa EFII e EM. O número de
diretores avaliados foi, em 2010, 4.960 diretores (98,3%), em 2011, 5.020 diretores (99,5%) e
em 2012, 4.968 (99,1%). A maioria deles tem especialização latu sensu, é diretor há mais de
seis anos e está na mesma unidade escolar de 6 a 8 anos.
Destacamos os títulos das sessões que compõe o Relatório dos Estudos do SARESP
parte II, destinadas a expor os resultados das respostas destes atores ao questionário de
contexto: Universo avaliado, Perfil sociodemográfico, Trajetória profissional e acadêmica,
Descrição e engajamento no planejamento de atividades, Práticas de ensino, Percepções do
clima escolar e dos fatores associados à aprendizagem, Caracterização específica do perfil dos
professores do 7º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio da Rede
Estadual de São Paulo.
Para o escopo deste trabalho chama-nos a atenção as sessões “Descrição e
engajamento no planejamento de atividades” e “Relações com pais de alunos e a APM”, por
trazerem informações importantes sobre a opinião dos diretores em relação a aspectos
importantes da gestão.
Na sessão “Descrição e engajamento no planejamento de atividades”, os diretores são
solicitados a indicar sua participação na elaboração do PPP (Proposta Pedagógica). Em 2010,
83,9% dos respondentes participaram ativamente; em 2011, 82,4% e, em 2012, 89,1%.
A ampla participação dos diretores na elaboração do PPP (Proposta Pedagógica) pode
indicar a valorização da reflexão sobre os aspectos filosóficos, sociológicos e políticos da
ação educativa. Pode, também, mostrar o entendimento do valor deste documento na
condução das práticas pedagógicas.
Associando as respostas dos diretores àquelas emitidas pelos professores, é possível
perceber que a Proposta Pedagógica conta com a ação coletiva destes segmentos em sua
121
elaboração, o que pode significar um comprometimento maior com os valores estabelecidos
pelo documento.
Os diretores puderam, também, indicar o referencial utilizado para elaboração da
referida Proposta Pedagógica. Os resultados das respostas estão evidenciados na Tabela 13 a
seguir.
Os números mostram que os diretores têm buscado aprimorar o modelo já existente de
Proposta Pedagógica (PPP), realizando adequações e atualizações. Segundo a síntese que
consta no Relatório dos Estudos do SARESP de 2011, tal resultado “indica relativa
continuidade na gestão e no planejamento das atividades escolares” (SÃO PAULO, 2012b,
p.239). Cabe questionar como estes foram elaborados anteriormente: se obedecendo a
modelos ou construídos pelo coletivo escolar.
Tabela 13. Referencial utilizado pelos diretores para elaboração da Proposta Pedagógica
da escola de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2010
(em %)
Referencial utilizado pelos diretores para elaboração da
Proposta Pedagógica
2010 2011 2012
Foi elaborada a partir de Proposta Pedagógica já existente,
com adequações e atualizações. 57,0 53,1 61,0
Foi elaborada pela equipe de professores e técnicos, com
participação ativa de pais e alunos. 16,9 20,1 18,8
Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Secretaria
Estadual de Educação. 9,0 7,5 8,0
Foi elaborada pela equipe de professore e técnicos da escola. 7,7 7,5 5,3 Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Diretoria
de Ensino. 2,5 4,9 2,5
Não foi elaborada este ano. 4,7 2,5 2,2 Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Supervisão
de Ensino. 1,0 2,0 1,0
Foi elaborada a partir de modelo bem sucedido em outra
escola, com adequações para esta escola. 0,4 0,6 0,3
Foi elaborado pelo diretor, com base em sua experiência. 0,2 0,1 0,1 Não sei. 0,7 1,7 0,5 Total 100,0 100,0 100,0
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
O Relatório dos Estudos do SARESP de 200841
, apesar de não fazer parte do escopo
deste trabalho, traz uma informação pertinente. Segundo ele, cerca de 60% dos professores
participaram ativamente da elaboração da Proposta Pedagógica, para a qual foi utilizado
modelo encaminhado pela SEE/SP na opinião de 31% dos professores. Apenas 12,5% dos
diretores afirma o mesmo (SÃO PAULO, 2008, p.117 e 161). O uso de modelos evidencia a
41
O Relatório dos Estudos do SARESP de 2008 não faz parte do material consultado neste trabalho por não estar
organizado de tal forma que o cotejamento com os demais seja possível. Porém, para efeito de levantamento de
informações anteriores ao recorte da pesquisa, sua utilização se faz necessária.
122
prática direcionadora da SEE/SP, resquício do período centralizador, em prejuízo da
coordenação de momentos de reflexão junto à comunidade escolar que culminassem em
capacitação para a elaboração de documento próprio de cada unidade de ensino.
Chama atenção na Tabela o segundo lugar (16,9% em 2010; 20,1% em 2011 e 18,8%
em 2012) ocupado pela opção “Foi elaborada pela equipe de professores e técnicos, com
participação ativa de pais e alunos” e cuja porcentagem aumentou no ano seguinte. Isto pode
indicar um processo embrionário de democratização da gestão escolar, pois a presença da
comunidade externa na elaboração deste importante documento aumenta as possibilidades de
associação dos objetivos escolares às necessidades e anseios da comunidade atendida.
Se somarmos as respostas dadas à utilização de modelos (da Supervisão, Diretoria de
Ensino ou SEE/SP), temos a porcentagem de 12,9% em 2010, 15% em 2011 e 11,5% em
2012. Há diretores e escolas que ainda dependem do direcionamento de instâncias superiores,
abrindo mão de sua autonomia na construção do principal documento norteador da ação
escolar. Este é o resultado de anos de centralização de decisões, mas também é fruto da
postura atual da SEE/SP que não abre mão de controlar o que acontece na escola mediante
normas, regras e esquemas de gestão baseados na meritocracia.
Sobre o planejamento escolar os diretores destacaram que participam diretamente
(98,7% dos respondentes em 2010, 77,9% em 2011 e 79,5% em 2012). Porém, é possível
verificar que a porcentagem de diretores que participam do planejamento escolar caiu
consideravelmente de 2010 para 2011, aumentando alguns pontos percentuais em 2012.
Podemos nos perguntar o que tem levado os diretores a participarem menos deste importante
momento da gestão escolar?
Sobre as ações de planejamento, as respostas dos diretores ficaram distribuídas
conforme explicitado na Tabela 14 a seguir.
Da mesma forma que os professores, os diretores também priorizam no planejamento
a “Elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis, etapas, anos e áreas do
conhecimento, considerando as respectivas competências e habilidades a serem promovidas”
e a “Análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão sobre fatores intervenientes,
intra e extraescolares”, porém os diretores privilegiam a análise dos indicadores.
A “Análise das relações escola/comunidade e das propostas para a melhoria da
participação e integração entre ambas” ocupa a penúltima posição nas ações desenvolvidas
pela escola durante o planejamento na opinião dos diretores, assim como dos professores.
Pode-se depreender disso que a participação da comunidade e sua integração com a escola
ocupam posição secundária diante das urgências que surgem pela valorização do desempenho
123
dos alunos como forma de alcançar metas propostas pela SEE/SP. Ressalta-se aí o efeito que a
presença do Estado regulador e avaliador tem sobre a gestão democrática, colocando a
participação da comunidade como assunto menos urgente e periférico.
Tabela 14. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos diretores
de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012 (em %)
Ações contempladas no planejamento escolar na opinião dos
diretores.
2010 2011 2012
Elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis,
etapas, anos e áreas do conhecimento, considerando as
respectivas competências e habilidades a serem promovidas.
59,7 56,2 61,8
Análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão
sobre fatores intervenientes, intra e extraescolares. 82,6 77,9 79,5
Proposição de metas, ações prioritárias e estratégias, em
consenso com a equipe escolar. 51,4 49,9 52,1
Análise de ações de maior impacto no melhor aprendizado dos
alunos e das práticas docentes bem sucedidas, para
disseminação.
30,1 30,1 31,3
Discussão de planos de ação para a melhoria de convivência
entre professores e alunos. 12,8 12,2 12,2
Discussão sobre a concepção de avaliação dos professores e
alunos, o sistema de avaliação da unidade escolar e propostas
para seu aprimoramento.
28,2 29,3 26,8
Análise das relações escola/comunidade e das propostas para a
melhoria da participação e integração entre ambas. 16,6 16,6 17,1
Levantamento das demandas dos professores, frente às metas e
prioridades da escola para organização do trabalho da HTPCs. 8,9 8,1 8,0
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Se o planejamento da articulação entre escola e comunidade fica em segundo plano,
corre-se o risco de se avolumarem as improvisações e as ações reativas e formais que surtem
poucos efeitos no que diz respeito à democratização da escola. É no diálogo consciente,
embasado em pautas bem articuladas, com momentos de fala e de escuta respeitosa e aberta
que são construídas relações democráticas. Na correria e no improviso é mais provável que se
diga o que não quer e se ouça o que não precisa.
Os diretores também foram solicitados a responder questões que indicavam os
responsáveis e tomadores de decisão sobre diferentes aspectos da gestão escolar (financeira,
administrativa e pedagógica). Os resultados para o período analisado estão explicitados na
Tabela 15 a seguir.
Inicialmente é preciso constatar que a responsabilidade pela tomada de decisão sobre
aspectos financeiros, administrativos e pedagógicos, antes centralizada em órgãos superiores e
na figura do diretor, hoje está distribuída por vários atores do âmbito escolar, o que permite
inferir que a possibilidade de participação foi ampliada. Dentro dos limites impostos pelas
124
regulamentações específicas, a escola tem maior abertura para exercer sua autonomia, um dos
aspectos importantes da democratização da gestão.
De maneira geral, e de acordo com a opinião dos diretores expressa no Relatório dos
Estudos do SARESP, há algumas responsabilidades e decisões que cabem a atores ou
colegiados específicos primordialmente, como no caso da alocação de recursos financeiros,
que fica a cargo da APM, o estabelecimento de normas disciplinares, realizado pelo Conselho
de Escola, a definição de sistema de avaliação, livro didático, teorias de aprendizagem e
conteúdo programático a cargo dos professores e a organização do HTPC, efetivada pelos
coordenadores.
Tabela 15. Principais responsáveis pela tomada de decisão em relação a diferentes
aspectos da gestão financeira, pedagógica e administrativa de acordo com Relatório dos
Estudos do SARESP, no período de 2010-2012 (em %)
Responsabilidade na
decisão sobre: ANO
Conselho
de escola Diretor APM Prof. Coord. Outros
Alocação de recursos
financeiros 2010 80,3 76,0 95,5 57,9 45,4 12,9
2011 82,4 76,1 95,3 59,6 44,7 13,2
2012 82,3 75,9 95,5 60,4 46,1 14,6
Estabelecimento de
normas disciplinares da
escola
2010 91,7 82,7 8,8 75,5 67,0 21,8
2011 91,2 82,3 9,0 74,5 65,1 20,8
2012 91,1 83,3 10,2 75,8 67,0 21,9
Estabelecimento do
sistema de avaliação dos
alunos
2010 41,7 78,7 2,6 90,4 86,0 18,5
2011 0,0 79,2 2,9 91,2 87,3 18,0
2012 40,5 78,7 3,3 91,2 87,7 18,1
Escolha do livro didático. 2010 5,4 41,1 0,5 99,3 84,5 4,5
2011 4,6 39,6 0,8 99,2 83,5 4,3
2012 5,5 38,5 0,7 99,4 83,7 4,6
Estabelecimento do
conteúdo programático
das disciplinas
2010 5,0 33,1 0,5 79,2 67,0 39,1
2011 4,4 31,9 0,6 79,4 66,0 35,5
2012 4,9 32,9 0,7 79,8 67,8 35,8
Escolha de teorias de
aprendizagem para
orientar a Proposta
Pedagógica da escola.
2010 24,2 77,4 3,7 84,5 88,2 28,4
2011 23,5 77,9 3,4 85,4 88,5 27,1
2012 29,7 80,3 4,7 85,8 89,3 26,7
Organização e garantia do
ATPC. 2010 1,4 85,2 0,2 21,2 97,3 5,4
2011 1,2 85,5 0,3 20,5 97,2 4,4
2012 1,4 83,3 0,4 20,8 96,9 4,8
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
De forma geral, as responsabilidades são bem compartilhadas por cada um destes
segmentos da comunidade escolar, conforme destacado pelo Relatório, ao ressaltar que “as
responsabilidades são compartilhadas por mais de um membro ou instância” (SÃO PAULO,
2012b, 182).
Entretanto, chama atenção o fato de que, na opinião dos diretores, alguns aspectos da
gestão pedagógica têm sido assumidos por instâncias distintas da escola, externas a ela, como
125
é o caso do estabelecimento do sistema de avaliação, do conteúdo programático e da escolha
de teorias de aprendizagem que orientam a Proposta Pedagógica.
Em virtude do estabelecimento do Currículo Oficial do Estado de São Paulo, os
conteúdos e a teoria de aprendizagem vêm predeterminados, embora a equipe escolar ainda
possa optar por caminhos alternativos. Em relação às avaliações, existem estudos que
comprovam a influência do SARESP na determinação das formas de avaliar os alunos. Ocorre
o fortalecimento de “concepções mais tradicionais e menos formativas, manifestadas por meio
da aplicação de simulados e provas unificadas que seguem o modelo SARESP”. Além disso, a
preocupação com os índices repercute na utilização das matrizes de referência do SARESP
“como norteadora do currículo e do planejamento escolar” (SOUZA e ARCAS, 2010, p. 196).
Ao mesmo tempo em que a autonomia da escola é apregoada, mecanismos externos a
ela cerceiam o exíguo espaço para que esta seja exercida, o que a coloca no campo das
intenções e limita as possibilidades de democratização da gestão.
A última seção do Relatório traz resultados da opinião dos diretores sobre a relação
com os pais e a APM. Por que esta relação expressa centralidade ao ponto de merecer que se
coloque um tópico especial com questões específicas tratando deste tema? Por que não
colocar questões sobre o Conselho de Escola em que os pais correspondem a 25% dos
membros ativos? Por qual tipo de participação dos pais a SEE/SP se interessa mais?
Levando em consideração o fato de que as responsabilidades sobre as finanças são
divididas com a APM, é possível supor que a participação dos pais seja requerida quando o
que está em pauta são questões pertinentes à gestão financeira.
O interesse dos pais em participar das reuniões da APM, segundo a opinião dos
diretores, está expresso na Tabela 16 a seguir:
Tabela 16. Interesse dos pais em participar das reuniões da APM, segundo opinião dos
diretores, de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012
(em %)
Categorias de resposta 2010 2011 2012
Os pais não têm interesse em participar da APM. 22,3 19,0 18,5
Os pais têm pouco interesse em participar da APM. 77,5 72,4 73,8
Os pais têm muito interesse em participar da APM. 0,2 8,3 7,6 *Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Na opinião dos diretores a maioria dos pais tem pouco interesse em participar da
APM, se bem que os dados mostram que este desinteresse vem diminuindo. Pode causar
estranheza aos pais o fato de pouco saberem sobre a gestão da escola e terem que encarar
responsabilidades como levantamento de preços, compras e pagamentos, prestação de contas
etc. A escola, que em sua concepção pertence ao diretor e aos que nela trabalham, solicita sua
126
participação quando se trata de resolver problemas e buscar recursos. Nenhuma relação que
divide apenas os ônus é passível de se encaminhar bem.
Outra explicação para a baixa adesão dos pais à APM pode ser a natureza das ações
desempenhadas por eles na escola. A Tabela 17, que mostra a opinião dos diretores sobre a
participação da APM em atividades da escola, dá um indicativo do tipo de participação
requerida da comunidade escolar por meio da APM.
Tabela 17. Participação da APM em atividades da escola segundo a opinião dos
diretores expressa no Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-2012 (em
%)
Contribuição ou participação da APM em atividades da
escola
2010 2011 2012
Conservação e manutenção do prédio escolar. 84,9 86,4 86,0
Promoção de atividades culturais. 63,8 62,6 62,3
Arrecadação de recursos. 49,7 47,9 46,5
Incentivo à participação dos pais e famílias. 45,0 45,5 45,3
Promoção do uso do prédio pela comunidade nos períodos
ociosos. 26,3 26,4 24,5
Estabelecimento de parcerias locais (ONGs, empresas,
etc.) para promover projetos na escola. 26,0 26,1 27,3
Resolução dos problemas de violência, depredações e
segurança da escola. 20,8 20,7 20,8
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Para além das outras atribuições da APM, ao que parece, aquelas relacionadas a
questões financeiras e de prestação de serviços são as que predominam. As ações prioritárias
mais desenvolvidas pela APM mostram sua articulação com questões instrumentais, que
giram em torno de responsabilidades transferidas para a escola e para a comunidade pelo
estado. A complementação dos recursos destinados à manutenção e funcionamento da
unidade escolar é prevista, incentivada e priorizada pelo que indica a opinião dos diretores.
Porém, é obrigação do estado promover as condições básicas necessárias para o bom
funcionamento das unidades escolares e não da comunidade escolar.
A participação dos pais na execução de tarefas na escola, sejam estas de cunho cultural
ou de prestação de serviço, não é o fim último da relação escola/comunidade. A somatória das
possíveis ações elencadas e sobre as quais os diretores deveriam manifestar sua opinião
mostra a prioridade que a APM tem aos olhos da SEE/SP: a de suprir as necessidades da
escola tendo em vista a precariedade dos recursos de que dispõem.
É compreensível que os pais não se disponham a participar levando em consideração
que sua participação sempre está atrelada à resolução de problemas ou a prestação de serviços
a uma escola que eles pouco ou nada conhecem e cujas determinações ainda são estabelecidas
127
pela equipe escolar sem levar em consideração sua realidade, sua visão e suas opiniões. Como
desenvolver identificação em tal contexto?
No que diz respeito à APM, o que se observa é que
o discurso da participação, quer entre políticos e administradores da cúpula
do sistema de ensino, quer entre o pessoal escolar e a direção, está marcado
por uma concepção de participação fortemente atrelada ao momento da
execução (PARO, 2002, p. 50).
Pode-se depreender que se espera dos pais sempre uma contrapartida, como se a
educação de seus filhos fosse um favor a eles prestado e para o qual sempre se cobra o
retorno. Educação é direito da sociedade e dever do Estado, sendo este o responsável maior
por oferecê-la com responsabilidade, suficiência de recursos e qualidade.
No contexto do neoliberalismo, que fundamenta as políticas sociais na atualidade, a
retração do estado e a transferência de responsabilidades à comunidade e à sociedade são
códigos de conduta mais que corriqueiros. Tal posicionamento nada tem a ver com a gestão
democrática almejada e conquistada na Constituição Federal como princípio da educação.
A análise da opinião dos diretores sobre a gestão escolar explicitadas no Relatório dos
Estudos do SARESP leva-nos a refletir que houve na escola não um processo de
democratização das relações, mas de compartilhamento das responsabilidades. Diretor e
professores dividem incumbências e o poder de decisão, enquanto alunos e pais figuram como
coadjuvantes no processo.
O uso da participação como uma estratégia de gerenciamento por meio do
empoderamento42
e da responsabilização fica aqui evidente. Por meio do empoderamento,
recurso bastante utilizado nas empresas na gestão de pessoas, o estado se retira do exercício
de algumas atribuições, tais como resolver problemas de infraestrutura, violência, depredação,
falta de recursos, falta de pessoal de apoio, conflitos gerados pelo excesso de controle e pela
própria estrutura do sistema de ensino, enquanto centraliza aquilo que lhe convém, por
exemplo, a determinação do currículo, das normas de funcionamento das unidades escolares,
contratação de pessoal e avaliação.
No contexto da escola pública fragilizada pela falta de recursos e pelo sucateamento de
sua infraestrutura, o empoderamento pode ser um fator de exacerbação de relações
clientelistas, de troca de favores entre aqueles a quem cabe decidir. Além disso, o aumento de
poder de decisão nas unidades escolares pode suscitar ou exacerbar relações patrimonialistas,
42
Empoderamento ou empowerment é uma ferramenta de gestão praticada pelas empresas para “proporcionar
melhor controle”. Seu objetivo é “transmitir responsabilidades e recursos para todas as pessoas, a fim de obter a
sua energia criativa e intelectual de forma que possam mostrar a verdadeira liderança [...] bem como ajudar a
enfrentar os desafios globais” (CHIAVENATO, 2004, p. 182-183)
128
uma vez que o diretor, no uso de seu poder máximo de decisão, pode conduzir a escola como
se fosse sua propriedade particular, valendo-se da comunidade apenas para legitimar suas
decisões.
Tal como têm sido implementados, os elementos de consecução da gestão democrática
não só não eliminam estas gramáticas tão arraigadas na cultura brasileira como impedem sua
superação, mantendo a sociedade na dependência de poucos que se valem de seu poder para
manter privilégios. O potencial transformador da sociedade contido no princípio da gestão
democrática é aos poucos neutralizado, enquanto, no discurso, a sociedade ganha voz e vez
por meio da participação e a escola usufrui de autonomia.
3.2.3 – A opinião dos coordenadores sobre a gestão escolar
Os coordenadores43
fazem parte da equipe gestora da escola, auxiliando o diretor na
organização e acompanhamento das ações relacionadas à educação e ao ensino. Seu papel é
fundamental
no processo de gestão, uma vez que a ele compete assessorar a direção.
Também faz parte de sua função subsidiar os professores no
desenvolvimento das atividades, ajuda-los a superar os problemas didáticos e
sociais presentes no cotidiano escolar, potencializar o trabalho coletivo,
assim como acompanhar e avaliar as ações previstas no Projeto Pedagógico
da escola (SÃO PAULO, 2012b, p. 96).
A gestão pedagógica é a que diferencia a gestão escolar daquela realizada em qualquer
outra instituição dado o caráter social, político e ideológico das práticas de ensino e
aprendizagem e sua repercussão na vida daqueles que estão envolvidos com elas direta e
indiretamente.
A democratização da gestão escolar passa pela ampliação da participação da
comunidade interna e externa na determinação dos conteúdos e das práticas pedagógicas
realizadas, bem como sua adequação aos interesses e necessidades da população por ela
atendida.
Antes que se façam objeções à participação da comunidade externa na gestão
pedagógica pela ausência de qualificações técnicas, é importante ressaltar que o “saber
técnico não é estritamente necessário”, mas a eficácia com que esta “defende seus direitos de
cidadão, fiscalizando a escola e colaborando com ela na pressão junto aos órgãos superiores”
para atendimento de suas necessidades como destinatários da educação oferecida pela escola
(PARO, 2002, p. 52-53).
43
No estado de São Paulo, a coordenação pedagógica nas escolas é uma função exercida por qualquer docente
que tenha no mínimo três anos de experiência no magistério e que tenha se submetido a processo seletivo. Desta
forma, nenhuma habilitação pedagógica específica, conforme a Resolução SE – 88, de 19/12/2007. Disponível
em: www.siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/88_0.7.HTM acesso em 01/02/2014.
129
Sendo os coordenadores assessores do diretor de escola no que diz respeito à gestão
pedagógica, podem e devem contribuir diretamente para a democratização da gestão escolar,
articulando situações em que a comunidade possa participar, incentivando e promovendo a
participação mediante disponibilização de informações claras e pertinentes e estimulando
práticas de ensino e aprendizagem que combatam a exclusão e sejam condizentes com a
realidade em que a escola está inserida.
Desta forma, a opinião dos coordenadores sobre a gestão escolar é fundamental para
verificarmos se a ge,stão democrática tem se consolidado na escola. Vejamos como os
coordenadores percebem a gestão escolar a partir do Relatório dos Estudos do SARESP.
Primeiramente é importante destacar que há coordenadores específicos para cada etapa
da educação básica e, se numa escola são atendidos alunos do EFII e do EM, serão dois
coordenadores na mesma unidade escolar respondendo os questionários de contexto
disponibilizados via plataforma web.
A maioria dos professores coordenadores exerce a função de 3 a 5 anos (33,3%, em
2010, 40,5%, em 2011 e 36,2%) e na mesma unidade escolar (34,2% em 2010, 42,8%, em
2011 e 39,2%), não exerce outra atividade e possui especialização latu sensu (45,1%). No
total, participaram da pesquisa em 2010, 8.309 professores coordenadores (38,2% ciclo II,
36,6% EM, 5,5% EFII e EM), em 2011, 8.369 (38,2% ciclo II, 37,1% EM, 5,6% EFII e EM) e
em 2012 8.471 (39,1% ciclo II, 37,1% EM, 5,5% EFII e EM).
Na quarta e última parte do capítulo III do Relatório dos Estudos do SARESP são
disponibilizadas as informações resultantes das respostas dos coordenadores ao questionário
de contexto, dispostas nas seguintes sessões: Universo avaliado, Perfil sociodemográfico,
Trajetória profissional e acadêmica, Descrição e engajamento no planejamento de atividades,
Percepção da influência de fatores associados ao ensino e à aprendizagem e Usos dos
resultados de avaliação.
Chama-nos atenção, em virtude do conteúdo explicitado, a sessão “Descrição e
engajamento no planejamento de atividades”, que traz repostas sobre a elaboração do Projeto
Pedagógico, bem como as ações destinadas ao planejamento escolar e a sessão “Percepção da
influência de fatores associados ao ensino e à aprendizagem”, que traz informações sobre a
atuação do conselho de classe.
Sobre sua participação na elaboração do PPP (Proposta Pedagógica) 79, 4 %
afirmaram ter participado ativamente em 2010, 81,3% afirmaram o mesmo em 2011 e em
2012, 80,8%. Esta ampla participação direta na elaboração de tal documento pode indicar
130
valorização de seu conteúdo e significado na condução das práticas educativas desenvolvidas
na escola e sua repercussão na vida da comunidade a qual atende.
A ampla participação de professores, diretores e coordenadores na elaboração da
Proposta Pedagógica, conforme explicitado anteriormente, evidencia maior abertura para que
a escola exerça sua autonomia e se conduza levando em consideração as necessidades e
anseios da comunidade à qual atende.
Sobre os referenciais utilizados para a elaboração do referido documento, os
coordenadores manifestaram sua opinião conforme Tabela 18 a seguir.
Tabela 18. Referencial utilizado pelos coordenadores para elaboração da Proposta
Pedagógica da escola de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de
2010-2012 (em %)
Referencial utilizado pelos coordenadores para
elaboração da Proposta Pedagógica
2010 2011 2012
Foi elaborada a partir de Proposta Pedagógica já existente,
com adequações e atualizações. 58,2 56,9 62,4
Foi elaborada pela equipe de professores e técnicos, com
participação ativa de pais e alunos. 14,1 14,6 13,4
Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Secretaria
Estadual de Educação. 11,5 10,9 11,6
Foi elaborada pela equipe de professore e técnicos da escola. 6,2 6,1 4,4
Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Diretoria
de Ensino. 2,4 5,0 2,8
Não foi elaborada este ano. 4,4 2,3 2,0
Foi elaborada a partir de modelo encaminhado pela Supervisão
de Ensino. 1,0 1,6 1,0
Foi elaborada a partir de modelo bem sucedido em outra
escola, com adequações para esta escola. 0,5 0,6 0,5
Foi elaborado pelo diretor, com base em sua experiência. 0,2 0,3 0,2
Não sei. 1,4 1,6 1,7
Total 100,0 100,0 100,0
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Os números pouco variam de um ano para outro e são compatíveis com as respostas já
levantadas junto aos professores e diretores. A Proposta Pedagógica foi elaborada a partir de
outra existente, com adequações e atualizações. A continuidade do que foi estabelecido em
outros momentos.
Chama atenção o aumento da influência das Diretorias de Ensino na elaboração da
Proposta Pedagógica, dobrando em porcentagem. A adoção de modelos também chama
atenção e chega a cerca de 17%, evidenciando que os órgãos centrais ainda influenciam
diretamente na elaboração do referido documento, o que coincide com as respostas dos
diretores.
131
Sobre as ações contempladas no planejamento escolar os coordenadores manifestaram
sua opinião conforme Tabela 19 a seguir.
Da mesma forma que professores e diretores, os coordenadores priorizam durante o
planejamento as ações de “Elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis,
etapas, anos e áreas do conhecimento, considerando as respectivas competências e habilidades
a serem promovidas” e “Análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão sobre
fatores intervenientes, intra e extraescolares”. Embora sejam responsáveis pela gestão
pedagógica, os coordenadores, juntamente com diretores, têm se dedicado mais à análise de
indicadores. Aliada ao aumento das discussões sobre concepção de avaliação é possível
perceber a centralidade que a avaliação externa tem adquirido na gestão escolar.
Tabela 19. Ações contempladas no planejamento escolar conforme opinião dos
coordenadores de acordo com Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010-
2012 (em %)
Ações contempladas no planejamento escolar conforme
opinião dos coordenadores.
2010 2011 2012
Elaboração de planos de ensino articulando os diferentes níveis,
etapas, anos e áreas do conhecimento, considerando as
respectivas competências e habilidades a serem promovidas.
59,7 64,2 66,9
Análise de indicadores de desempenho da escola e reflexão
sobre fatores intervenientes, intra e extraescolares. 59,2 71,4 72,0
Proposição de metas, ações prioritárias e estratégias, em
consenso com a equipe escolar. 39,2 49,2 50,7
Análise de ações de maior impacto no melhor aprendizado dos
alunos e das práticas docentes bem sucedidas, para
disseminação.
34,4 33,4 34,1
Discussão de planos de ação para a melhoria de convivência
entre professores e alunos. 23,2 13,3 12,3
Discussão sobre a concepção de avaliação dos professores e
alunos, o sistema de avaliação da unidade escolar e propostas
para seu aprimoramento.
22,6 31,0 26,8
Análise das relações escola/comunidade e das propostas para a
melhoria da participação e integração entre ambas. 19,2 12,7 12,8
Levantamento das demandas dos professores, frente às metas e
prioridades da escola para organização do trabalho da HTPCs. 7,0 11,6 11,5
*Tabela elaborada pela autora a partir dos dados do Relatório dos Estudos do SARESP de 2010 a 2012.
Novamente, questões relacionadas ao incremento da participação da comunidade e sua
integração com a escola têm perdido espaço. Também os coordenadores percebem que este
tema tem sido menos recorrente no planejamento da gestão escolar.
A análise das respostas dos professores, diretores e coordenadores a questões sobre
gestão escolar nos leva a perceber que de fato a gestão no modelo gerencial ou compartilhada
tem se consolidado no âmbito escolar, submergindo as possibilidades de aprofundamento da
gestão democrática.
132
Houve conquistas e perdas neste campo. A possibilidade de elaboração da proposta
pedagógica, os momentos de planejamento, os mecanismos e instâncias de participação são
conquistas inegáveis que ampliam as condições de interferência nas decisões tomadas no
âmbito escolar, visando atender as necessidades da comunidade atendida.
Porém, as intervenções, os direcionamentos e as demandas que se colocam sobre a
escola, o diretor e a equipe escolar tomam o tempo necessário para empreender reflexões e
fomentar a participação efetiva, enquanto a autonomia é cerceada pela imposição do currículo
escolar, pelas avaliações externas e pelas metas a serem alcançadas. Como estabelecer a
gestão democrática em tal contexto?
O que se percebe mais uma vez é que o modelo gerencial se impõe fortemente,
aumentando as responsabilidades da escola perante um estado avaliador e regulador, enquanto
este se retrai e se exime de suas atribuições.
Aquilo que é estabelecido nos documentos oficiais sobre a gestão democrática, a
saber, nas NRB’s, não encontra condições de se efetivar em virtude da estrutura de gestão
montada pela SEE/SP, que se utiliza de seus elementos para consolidar a modernização do
Estado nem sempre compatível com sua democratização.
Resumimos aqui o que foi levantado até o momento sobre a opinião da comunidade
escolar sobre a gestão, com o auxílio do Relatório dos Estudos do SARESP:
Os alunos podem expor sua opinião, porém não decidem sobre assuntos importantes
na escola. Sua participação se dá no nível da resolução de problemas, de forma
voluntária e resiliente, amplamente identificada com a ideia do protagonismo juvenil;
Os pais são chamados a participar da execução de tarefas, da manutenção da escola e
da resolução de problemas, sendo que suas opiniões são ouvidas, porém não
necessariamente consideradas na tomada de decisões. São vistos como clientes e sua
contrapartida é requerida como se a educação oferecida aos seus filhos fosse um favor
do Estado;
Os professores, diretores e coordenadores participam da elaboração da proposta
pedagógica, porém seus momentos de planejamento, em que as ações para efetivação
da mesma poderiam ser tratadas, são tomados por ações de análise de indicadores e
proposição de ações para atingir metas estabelecidas pela SEE/SP;
A comunidade escolar divide responsabilidades sobre questões pedagógicas,
financeiras e administrativas sobre as quais sua autonomia está cada vez mais
133
reduzida, tendo em vista a ampliação da intervenção da SEE/SP na determinação do
currículo, das formas de realizar as avaliações e conduzir as finanças da escola;
O empoderamento de determinados atores da gestão escolar, professores, diretores e
coordenadores, favorece a retração do Estado no desempenho de seu papel como
provedor da educação pública e a responsabilização dos mesmos pelos fracassos da
escola;
As instâncias de participação existem, podem ser utilizadas, mas têm papel secundário
na gestão escolar, o que é evidenciado pela forma como são contempladas na
avaliação da SEE/SP. A participação tem valor instrumental, como técnica de gestão
no sentido de possibilitar a resolução de problemas e conflitos;
A autonomia é cerceada pelo excesso de determinações e pelo controle do estado
sobre a determinação do currículo, da teoria pedagógica e das formas de avaliação.
Em virtude do exposto até o momento, somos levados a concluir que a gestão
democrática não tem se efetivado no estado de São Paulo, antes, seus elementos de
consecução tem sido utilizados como técnica de gestão no modelo gerencial ou de gestão
compartilhada. Em virtude disso, o potencial democratizador do princípio de gestão defendido
pelos educadores nos anos 1980 corre o risco de ser soterrado por um tipo de gestão que
elimina do âmbito escolar o debate político e cria o ambiente perfeito para o estabelecimento
do Estado mínimo defendido no contexto do neoliberalismo.
Este posicionamento do Estado frente ao oferecimento do bem social educação fere
diretamente os direitos da população ao privá-la de educação de qualidade, fundamental à
superação das desigualdades sociais.
Neste contexto, fica claro que esperar democratização apenas a partir de iniciativas do
estado, seja por meio de regulamentação das leis ou do fomento à autonomia e participação,
pode protelar a consolidação deste princípio, para não dizer impossibilitar sua consecução.
Os traços de patrimonialismo, do clientelismo, da burocracia e do autoritarismo estão
bem marcados na gestão do sistema de ensino público estadual paulista, bem como nas
unidades de ensino, dificultando a articulação de ações que consolidem a gestão democrática
tão necessária à democratização da sociedade.
134
4 – CONCLUSÕES
A discussão sobre a gestão democrática tem permanecido no espaço político e
acadêmico pela importância que tal princípio possui em seu potencial de alterar as relações de
poder no âmbito escolar, mas também pela dificuldade que há em torná-lo factível nas escolas
públicas.
Muitos autores têm destacado o valor da gestão democrática como princípio norteador
dos processos administrativos, pedagógicos e financeiros na escola em virtude de promover os
interesses da comunidade e defendê-los em busca de educação relevante e de qualidade para
todos. Além disso, contribui para o aprendizado da democracia, consolida a autonomia da
escola, possibilita a transformação das práticas administrativas e pedagógicas principalmente
na sala de aula, permite o controle da ação do Estado e torna factível pressionar os altos
escalões do governo para dotar a escola de recursos materiais e humanos.
Contudo, outros autores também discutem as limitações que o princípio da gestão
democrática tem enfrentado em sua efetivação no âmbito escolar. O patrimonialismo e o
clientelismo arraigados na cultura brasileira, a burocracia e as relações autoritárias que ela
desencadeia e a natureza do Estado liberal democrático, que implica uma democracia
representativa e defende os interesses do capital, são alguns dos fatores que dificultam o
estabelecimento de relações mais democráticas na sociedade como um todo e na escola de
forma especial.
Ao ser reivindicada na década dos anos 1980, após o período de redemocratização, a
gestão democrática estava diretamente associada a ideais igualitários, como mecanismo de
superação das desigualdades instaladas no país ao longo de sua história. Desta forma, pelo
caráter de ruptura com as estruturas de dominação da sociedade, foi objeto de longos debates
e disputas entre setores que tinham planos divergentes, até ser estabelecida como princípio
organizador da educação no texto constitucional.
Entretanto, na década dos anos 1990, a gestão democrática foi alvo de ressignificação
em função de ordenamentos oriundos de organismos internacionais e, com a Reforma do
Estado, seus elementos de consecução – participação e autonomia, por exemplo – foram
adquirindo características de ferramenta de gestão no modelo gerencial.
Ao ser implementada no estado de São Paulo por meio das NRB’s 1998, a gestão
democrática já havia perdido muito de seu caráter transformador da gestão escolar em virtude
da aplicação do modelo gerencial na escola, e este fato tem sido discutido por vários autores.
135
Nossa contribuição foi verificar a opinião da comunidade sobre a gestão escolar e, a
partir daí, cotejá-la com o referencial teórico visando concluir se a gestão democrática tem se
consolidado pela participação destes atores na escola e na tomada de decisões. Para tanto,
analisamos as respostas dos alunos, pais, professores, diretores e coordenadores aos
questionários de contexto aplicados em cada edição do SARESP e disponibilizadas para
análise no Relatório dos Estudos do SARESP, no período de 2010 a 2012.
Ao analisar as respostas dos alunos, verificamos que estes têm a possibilidade de
emitir suas opiniões. Na visão dos alunos, a escola está mais aberta a ouvir suas ideias na
atualidade. Porém, sua opinião não é relevante no momento da tomada de decisão.
Verificamos, também, que a participação direta ou a representação dos alunos na gestão da
escola, na decisão sobre assuntos importantes por meio de conselhos, ainda é pequena na
opinião dos mesmos. Desta forma, verificamos que há um déficit de cultura cívica,
evidenciada pela inabilidade participativa. A participação discente, apesar de importante no
contexto da gestão democrática, pouco influencia nas questões relevantes dentro da escola no
entender dos alunos.
Foi possível perceber, ainda, que os alunos têm a possibilidade de organizar o Grêmio
Estudantil, colegiado de representação discente. Entretanto, sua atuação está relacionada
apenas à oportunidade de por em prática o protagonismo juvenil, já que os alunos pouco
participam de conselhos que decidem sobre coisas importantes. Aos alunos é transferida a
responsabilidade de resolver problemas reais da escola sem que uma discussão sobre os
condicionantes da precariedade que esta enfrenta sejam discutidos. O conteúdo político da
participação é esvaziado e o Estado desresponsabiliza-se de suas obrigações, transferindo-as
para os sujeitos da escola.
A participação discente permitida e estimulada é aquela que se materializa na
resolução dos problemas da escola e da juventude por meio do voluntariado ou na perspectiva
da resiliência que gera conformismo, esvaziada de conteúdo político e compatível com o
modelo gerencial. As opiniões dos alunos são ouvidas e sua ajuda é bem-vinda, porém as
decisões na escola ficam a cargo de outros atores.
As respostas dos pais ao questionário de contexto explicitadas no Relatório dos
Estudos do SARESP mostra-nos que, na opinião dos mesmos, sua presença é requerida
apenas quando há problemas comportamentais ou relacionais para resolver. São chamados a
participar somente para receber informações sobre o comportamento e o rendimento de seus
filhos, no intuito de resolver os problemas para os quais a escola não encontra solução, bem
136
como a participar da execução de tarefas e realização de eventos, algo bem distante da
participação política que se almejava nos anos 1980.
A análise das questões leva-nos a concluir que os pais são vistos como
clientes/consumidores que recebem um serviço oferecido pela escola e sobre o qual não têm
participação no processo decisório, nem controle algum.
Na opinião dos pais não é prática comum das escolas públicas estaduais de São Paulo
tornarem públicas informações sobre o planejamento escolar, condição importante para
consecução da gestão democrática. Mesmo esta forma menos efetiva de participação, a de
receber informações, tem sido negligenciada relegando aos pais o papel de coadjuvantes na
gestão da unidade escolar. A participação dos mesmos fica restrita à emissão de opinião sobre
coisas que podem já estar decididas antecipadamente, o que nos leva a inferir que pouco ou
nada mudou em termos de participação dos pais na gestão escolar. A accountability,
fundamental ao controle das ações dos gestores e elemento importante na gestão democrática,
não tem sido praticada efetivamente, já que os pais têm pouco acesso às informações.
Desta forma, é possível concluir que, levando em consideração a opinião dos alunos e
pais sobre a gestão escolar a partir dos dados disponibilizados no Relatório dos Estudos do
SARESP de 2010 a 2012, a gestão democrática não tem se consolidado nas escolas públicas
paulistas em virtude de os pais e alunos estarem alijados dos processos de tomada de decisão
e sua participação ser apenas instrumental. Conforme afirmado anteriormente, o que tem se
consubstanciado é a gestão no modelo gerencial ou gestão compartilhada, que se vale de
alguns elementos da gestão democrática, porém com objetivos de modernizar a gestão
baseada em fundamentos mercadológicos e empresariais, esvaziando a escola de seu conteúdo
político e de seu potencial de transformação da sociedade. Tal modelo de gestão presta-se
também ao objetivo de desresponsabilização do Estado frente ao compromisso de manter a
escola pública, provendo recursos materiais, de infraestrutura e humanos para garantir
educação de qualidade.
Ao analisar o conteúdo das respostas dos professores, coordenadores e diretores de
escola é possível confirmar a gestão democrática apenas como modelo teórico estabelecido
nos documentos oficiais no estado de São Paulo, enquanto o que se processa é a efetivação da
gestão no modelo gerencial ou compartilhada.
Na opinião dos professores alguns progressos têm sido verificados, como a
participação na elaboração do Projeto Político Pedagógico e a participação na tomada de
decisões. Estas conquistas representam um avanço democrático se pensarmos que até a
137
década de 1980 a gestão escolar era centralizada e cabia aos docentes apenas executar as
determinações recebidas de órgãos superiores.
Entretanto, num contexto de gestão gerencial, o elemento democratizador participação
na tomada de decisões, tem sido utilizado como meio para responsabilizar o professor e a
escola pelos resultados obtidos em termos de retenção, evasão e desempenho em avaliações
externas.
O planejamento tem sido conduzido de forma a minar o tempo de reflexão crítica no
ambiente escolar, despolitizando a ação docente. As terminologias utilizadas para avaliar este
momento de ação docente – competências, habilidades, indicadores, desempenho, metas,
demandas, consenso - revelam a opção dos governos no estado de São Paulo de conduzir a
educação paulista segundo modelos referenciados no mercado.
Mediante as respostas dos professores às ações priorizadas durante o planejamento
escolar podemos inferir que, ou a escola ainda tem resistência à participação dos pais e alunos
na gestão, ou está tão sobrecarregada de assuntos burocráticos, mal tendo tempo para pensar
em estreitar relações com a comunidade externa.
Assim, a participação dos professores na gestão escolar evidencia características de
conformação ao modelo gerencial ou de gestão compartilhada e, embora a construção coletiva
do Projeto Político Pedagógico seja estimulada e esteja ocorrendo, na perspectiva destes
sujeitos, o montante de tarefas de análise de indicadores, construção de planos de ação,
acompanhamento de metas propostas pela SEE/SP têm dificultado que momentos de reflexão
sejam propiciados.
Quanto aos diretores, suas respostas ao questionário de contexto expostas nos
Relatórios levam-nos a inferir sobre o uso de modelos na construção do PPP. Os modelos
prontos oriundos da SEE/SP, Diretorias de Ensino e Supervisão podem restringir, prejudicar
ou desvalorizar os momentos de reflexão junto à comunidade escolar que contribuíssem com
a capacitação para a elaboração de documento próprio de cada unidade de ensino. Evidencia a
prática direcionadora da SEE/SP, resquício do período centralizador, mas é também revelador
da postura atual da SEE/SP, que não abre mão de controlar o que acontece na escola mediante
normas, regras e esquemas de gestão baseados na meritocracia. Neste novo papel, avaliador e
regulador da escola, a autonomia defendida como elemento de gestão democrática é cerceada,
mas não sem produzir um efeito desejável à SEE/SP: o de transferir para a escola a
responsabilidade pelos resultados.
É possível inferir, ainda, a partir da opinião dos diretores, que a participação da
comunidade e sua integração com a escola ocupam posição secundária diante das urgências
138
que surgem pela valorização do desempenho dos alunos como forma de alcançar metas
propostas pela SEE/SP. Ressalta-se, mais uma vez, o efeito que a presença do Estado
regulador e avaliador tem sobre a gestão democrática, colocando a participação da
comunidade como assunto menos urgente e periférico.
Constatamos, também, que a responsabilidade pela tomada de decisão sobre aspectos
financeiros, administrativos e pedagógicos, antes centralizada em órgãos superiores e na
figura do diretor, hoje está distribuída entre os vários atores do âmbito escolar, o que permite
inferir que a possibilidade de participação foi ampliada. Entretanto, houve na escola não um
processo de democratização das relações, mas de compartilhamento das responsabilidades.
Diretor e professores dividem incumbências e o poder de decisão, enquanto alunos e pais
figuram como coadjuvantes no processo, pois sua participação é solicitada apenas para a
resolução de problemas.
A distribuição do poder de decisão entre os diferentes atores na escola pode favorecer
práticas clientelistas – por meio da troca de favores entre os que podem influenciar na decisão
e aquele que tem o poder final de decidir – e patrimonialistas – pois, a escola pode ser vista
como o território sob domínio de um determinado grupo ou do próprio diretor. Enfim, o poder
é distribuído, mas ainda se concentra nas mãos de poucos, nada mais contrário ao princípio da
gestão democrática. Estas gramáticas contribuem para manter a sociedade enfraquecida
perante um Estado forte e controlador, dificultando o estabelecimento de relações mais
igualitárias. Além disso, o autoritarismo e a burocracia encontram terreno fértil para manter o
fosso entre os que decidem e os que consomem a educação que é oferecida nas escolas e de
qualidade duvidável. Da forma como foi implementada pelo Estado, a gestão democrática não
só perde seu poder transformador, como contribui para manter a sociedade exatamente como
está.
Chama atenção o fato de que, na opinião dos diretores, alguns aspectos da gestão
pedagógica têm sido assumidos por instâncias distintas da escola, externas a ela, como é o
caso do estabelecimento do sistema de avaliação, do conteúdo programático e da escolha de
teorias de aprendizagem que orientam a Proposta Pedagógica. Ao mesmo tempo em que a
autonomia da escola é apregoada, mecanismos externos a ela cerceiam o exíguo espaço para
que esta seja exercida, o que a coloca no campo das intenções e limita as possibilidades de
democratização da gestão.
Ainda na opinião dos diretores, a maioria dos pais tem pouco interesse em participar
da APM, cujas atribuições parecem estar relacionadas apenas a questões financeiras e de
prestação de serviços. As ações prioritárias mais desenvolvidas pela APM mostram sua
139
articulação com questões instrumentais que giram em torno de responsabilidades transferidas
para a escola e para a comunidade pelo Estado. A complementação dos recursos destinados à
manutenção e funcionamento da unidade escolar é prevista, incentivada e priorizada pelo que
indica as afirmativas do questionário de contexto em relação ao qual os diretores
manifestaram opinião. Ao elaborar o questionário, a SEE/SP revela sua visão do tipo de
participação que requer dos pais, o que justifica a retração dos mesmos na participação.
A opinião dos coordenadores sobre a gestão escolar expressa no Relatório dos Estudos
do SARESP evidencia que, embora sejam responsáveis pela gestão pedagógica, eles,
juntamente com diretores, têm se dedicado mais à análise de indicadores. Aliada ao aumento
das discussões sobre concepção de avaliação é possível perceber a centralidade que avaliação
externa tem adquirido na gestão escolar.
Os momentos de reflexão e aprendizado para a comunidade interna, como o
planejamento, por exemplo, têm sido substituídos por períodos em que se analisam
indicadores, elaboram planos, propõem metas, ações prioritárias e estratégias vinculadas ao
aprendizado dos alunos, ao desenvolvimento de competências e habilidades. Os ordenamentos
relacionados ao currículo, às avaliações e às concepções de ensino e aprendizagem são
absorvidos e incorporados sem tempo hábil para refletir sobre as ideologias que os
fundamentam, em virtude das demandas incorporadas ao trabalho dos docentes e dos gestores
pelo modelo gerencial ou de gestão compartilhada
A prevalência destes modelos sobre a gestão democrática é evidenciada nas respostas
de professores, diretores e coordenadores e, muito embora elementos como participação e
autonomia sejam permitidos e defendidos no contexto da gestão no modelo gerencial, os
mesmos são vivenciados com o objetivo de resolver problemas, minorar conflitos e acomodar
os anseios sem alterar as relações no âmbito escolar ou gerar grandes alterações nas relações
de poder ali desenvolvidas.
Desta forma, podemos concluir, com base na opinião dos membros da comunidade
escolar, que o modelo gerencial ou de gestão compartilhada tem se estabelecido no âmbito da
escola em detrimento da gestão democrática, e que um longo caminho de reflexão, tomada de
consciência e ação é necessário se desejamos experimentar os benefícios da democratização
na escola e na sociedade.
Uma coisa é certa: não podemos esperar que a democracia consolide-se e leve à
diminuição das desigualdades e da exclusão somente à partir das ações do Estado, pois este
esta vinculado à defesa de interesses capitalistas. Cabe à sociedade como um todo
compreender o momento histórico, as conquistas já alcançadas, as estratégias de minoração
140
dos efeitos dos elementos democratizantes e as mudanças de sentido produzidas pelas
políticas dos governos que estão no poder e buscar meios de mobilização para novamente
empreender conquistas no campo da democratização.
É ingenuidade crer que a gestão democrática seja a panaceia da escola – pública ou
privada. Porém, nossa experiência pessoal como integrante da rede pública estadual paulista
mostra que o autoritarismo, o clientelismo e a burocracia engessam e desmobilizam a escola.
São instrumentos que fazem minguar a criatividade e o desejo de participação. A
possibilidade de colocar suas aptidões, disposição e talentos na busca para a resolução de
problemas, podendo alterar rumos e tomar decisões, torna a comunidade escolar mais coesa,
unida e ativa e, com certeza, é o ponto de partida para a superação das dificuldades
encontradas. A comunidade pode lutar por uma escola com ensino de maior qualidade, resistir
às imposições autoritárias e exigir que o Estado cumpra o seu papel.
141
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