Post on 11-Nov-2018
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
JONATHAN STROHER
O TRABALHO COM O CORPO/ALUNO NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR SOB A ÓPTICA DOS DISCENTES DO CURSO DE
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA
UNEMAT/CÁCERES: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
CUIABÁ-MT
2014
JONATHAN STROHER
O TRABALHO COM O CORPO/ALUNO NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR SOB A ÓPTICA DOS DISCENTES DO CURSO DE
LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA DA
UNEMAT/CÁCERES: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
Dissertação apresentada ao programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de
Mato Grosso, como requisito para obtenção do título
de Mestre em Educação, na área de concentração
Educação, linha de pesquisa Cultura, Memória e
Teorias em Educação.
ORIENTADOR: PROF. DOUTOR CARLO RALPH DE MUSIS
CUIABÁ-MT
2014
Dados Internacionais de Catalogação na Fonte.
Stroher, Jonathan.
O TRABALHO COM O CORPO/ALUNO NA EDUCAÇÃO
FÍSICA ESCOLAR SOB A ÓPTICA DOS DISCENTES DO
CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO FÍSICA
DA UNEMAT/CÁCERES: UM ESTUDO DE
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS./ Jonathan Stroher. – 2014
ix, 101 f.; 30 cm.
Orientador: CARLO RALPH DE MUSIS
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Mato
Grosso, Instituto de Educação, programa de Pós-
Graduação em Educação, Cuiabá, 2014.
Inclui bibliografia.
1. Educação. 2. Educação Física. 3. Corpo. 4. Prática
escolar. I. Título
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo (a)
autor(a)
5
DEDICATÓRIA
Aos corpos/alunos que jogam, brincam, dançam, lutam, estudam
e sofrem para ter acesso ao conhecimento escolar. Estes me
provocam a repensar minha prática, como professor, em busca
de uma Educação Física escolar digna, comprometida com a
Cultura Corporal e as possibilidades transformadoras da
realidade.
AGRADECIMENTOS
À minha família, pelo apoio, carinho e esforços para construir-me pessoal e
profissionalmente a cada dia.
Ao professor Carlo Ralph De Musis, meu orientador/amigo. MUITO
OBRIGADO pela oportunidade concedida, pelo conhecimento oferecido na construção
desse estudo, pela paciência, sabedoria, serenidade.
À minha segunda mãe, professor Beleni Salete Grando. Muito obrigado pela
parceria, pelos conselhos, conhecimentos, oportunidades que, desde a iniciação
científica na UNEMAT, auxiliaram a minha formação pessoal e profissional. És um
exemplo para mim e, com certeza, sem teu apoio não teria condições de ter amadurecido
tanto nesses anos.
À professora Sumaya Persona de Carvalho, companheira do grupo de
estudos, de estágio e examinadora suplente deste trabalho. Muito obrigado.
À professora Larissa Michelle Lara. Muito obrigado pelas contribuições
como examinadora externa. Foram de fundamental importância para pensar e repensar
alguns elementos que constituem o trabalho.
À minha amiga de orientação, Jussane Sartor. Firmes na caminhada, nas
dúvidas, nas discussões. Uma pessoa fantástica que admiro pelo conhecimento, atitude e
ética.
Aos professores do curso de Mestrado do PPGE/UFMT, pelos
conhecimentos oferecidos nas disciplinas, seminários e discussões.
À Luiza e Marisa pelo apoio técnico na secretaria do PPGE.
A CAPES, pelo auxílio financeiro durante o curso de Mestrado.
Aos acadêmicos do curso de Educação Física da UNEMAT, pelo apoio na
construção dessa pesquisa.
Aos meus amigos que estiveram comigo compartilhando os momentos de
alegrias, angústias e nervosismos. Destaco, em especial, os amigos “das antigas” e os
“novatos”, pois todos me possibilitaram algum tipo de crescimento. À Kamilla e Ísis,
Kelly e Pedrinho, Horana, Laynara, Rafaella, Giovana Guedes, Priscila, Bruna,
João Carlos, Junior Frumi, Thiago Piedade, Thiago Ormond, Flávio, Edeval,
Pedro, Wlad, Aaron, Alessandra, Bibi, Dryka... MUITO OBRIGADO.
Aos que me ajudaram a construir esse trabalho, sintam-se abraçados.
RESUMO
A formação em licenciatura em Educação Física, como prática educativa inserida no
espaço escolar, visa a realização dos saberes oriundos do processo de formação
acadêmica nos corpos/alunos. Neste sentido, a presente pesquisa objetiva encontrar e
analisar as representações sociais que os discentes do curso de Licenciatura em
Educação Física da Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT campus Jane
Vanini – Cáceres/MT possuem acerca do trabalho com o corpo na escola. Nossa
fundamentação se dá a partir dos autores que teorizam acerca das representações
sociais, como Moscovici (2003), Jodelet (2001), Nóbrega (2001); e, também, com os
autores da Educação Física que discutem as práticas que se efetivam no corpo no espaço
escolar Daolio (1995), Coletivo de Autores (1992), Soares (2001). Para tal intento,
realizamos uma pesquisa quali-quantitativa baseada em questionários de evocações
livres a partir do estímulo indutor: “para você como o corpo é trabalhado na escola?”.
Os sujeitos da pesquisa compreendem os acadêmicos do sexto, sétimo e oitavo
semestres do referido curso, totalizando 44 sujeitos. A escolha desse grupo se deu por
compreender que estes alunos, já em fase de conclusão da graduação, permeiam os
espaços escolares por meio de suas práticas no período em que realizam o estágio
supervisionado, trazendo consigo os saberes inerentes ao processo de formação
acadêmica. Posterior à aplicação dos questionários, sistematizamos as palavras
evocadas e, fazendo aproximações semânticas e de sentido, chegamos a seis categorias
para a discussão e análise dos dados: Conteúdos da Educação Física; Expressão
Corporal; Aprendizagem e Desenvolvimento; Dicotomia Corpo/Mente; Cultura e
Atividade Física e Saúde. Nestas evidenciamos os sentidos dados a partir das palavras
evocadas, analisando o discurso sobre como o corpo/aluno é trabalhado na escola, bem
como a ordem média de evocação e ordem média de importância atribuída às palavras.
Com isso, a categoria “Conteúdos da Educação Física”, expressa por 30,5% das
evocações realizadas, representa os saberes a serem seguidas pelos professores de
Educação Física na escola. Porém, partindo da ordem média de evocação, temos a
categoria “Expressão Corporal” – 18,2% – como sendo aquela em que as palavras, ao
serem hierarquizadas, são as primeiras a serem pensadas. Esta informação contrasta
com a categoria “Atividade Física e Saúde” – 7,3% –, pois está é, na visão dos
acadêmicos, aquela que possui importância maior no trabalho com o corpo/aluno na
escola. Com a pesquisa evidenciamos que os Conteúdos da Educação Física são aqueles
que direcionam os trabalhos com os corpos/alunos na escola, pensado num sentido de
valorização da Expressão Corporal que o corpo/aluno produz durante a efetivação dos
elementos que tratam os Conteúdos da Educação Física, mas sem esquecer que a
Atividade Física e a Saúde ainda são os principais objetivos do trabalho com o
corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola, sob a óptica dos discentes.
Palavras-chave: Corpo; Educação Física; Prática escolar; Representações sociais.
ABSTRACT
The training in physical education licensure as educational practice within the school
space, search find the realization of knowledge from academic formation process on the
bodies/students. In this sense, the present research aims to find and analyze the social
representations that the students of the course of degree in physical education from the
State University of Mato Grosso/UNEMAT campus Jane Vanini-Cáceres/MT have
about working with the body at school. Our rationale is based on the authors to theorize
about the social representations Moscovici (2003), Jodelet (2001), Nóbrega (2001); and,
also, with the authors of physical education who argue the practices that cause effect on
the body in the school space Daolio (1995), collective of authors (1992), Soares (2001).
For such purpose, we performed a quantitative-quality research based on questionnaires
of evocations free from the inductor stimulus "for you as the body is worked in
school?". The subjects of research comprise academics from the sixth, seventh and
eighth semester of that course, totaling 44 subject. The choice of this group occurred, by
we understanding these, already nearing completion of graduation, permeate the school
spaces through its practices in the period in which they perform the supervised
internship, bringing with it the inherent knowledge of the process of academic training.
After the application of questionnaires, we articulate the words evoked and
approximation semantic, we arrived at six categories for discussion and analysis of the
data: contents of physical education; Body language, learning and development,
Body/mind Dichotomy, culture and physical activity and health. These showed the
directions given from the words evoked by analyzing the speech about how the
body/student is worked in school, as well as the average order of evocation and order of
importance attached to the words. With that, the category "Contents of physical
education", expressed by 30.5% of evocations, represents knowledge being followed by
teachers of physical education in school. However, with the average order of evocation,
we have the category "body language" – 18.2% – as being one in which the words are
prioritised, are the first to be thought. This information contrasts with the category
"physical activity and health" – 7.3% – because this is, in the view of the academics,
one that has a greater importance in working with the body/student at school. The
research showed that the contents of physical education are those who direct work with
the bodies/students at school, thought a sense of appreciation of Corporal expression
body/students produces during the execution of the elements dealing with the contents
of physical education, but without forgetting that physical activity and health are still
the main objectives of working with the body/student in physical education classes in
school under the optics of the students.
Key words: Body; Physical Education; School Practice; Social Representations.
LISTA DE GRÁFICOS E TABELAS
1. GRÁFICO 1: Gráfico da saturação para a Questão..................................................61.
2. QUADRO 1: Quadro estatístico descritivo das categorias de análise.......................61.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 12
CAPÍTULO I .......................................................................................................................... 23
O CORPO COMO FOCO DO TRABALHO DA ESCOLA: APROPRIAÇÃO DO CORPO
PELA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA ........................................................................... 23
1.1 – AS FACES DA EXISTÊNCIA CORPORAL: DAS NECESSIDADES PRIMÁRIAS
AO USO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO......................................................... 23
1.2 – EDUCAÇÃO FÍSICA: EDUCAÇÃO DO CORPO NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO
........................................................................................................................................... 33
1.2.1 – O espaço da Educação Física na Educação ........................................................... 36
1.2.2 – Os métodos ginásticos e sua relação com a Educação Física no Brasil .................. 37
1.3 – CULTURA CORPORAL: A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DO
CORPO/ALUNO NA ESCOLA .......................................................................................... 43
CAPÍTULO II ......................................................................................................................... 49
TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ...................................................................... 49
2.1 - HISTÓRIA, DEFINIÇÕES E FUNÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ........ 49
2.2 – O CORPO COMO OBJETO DE ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS ..... 56
CAPÍTULO III ....................................................................................................................... 60
AS REPRESENTAÇÕES DOS DISCENTES SOBRE O TRABALHO COM O
CORPO/ALUNO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR ........................................................ 60
3.1 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS .................................................... 60
3.2 – GRÁFICO DE SATURAÇÃO E EXPLICAÇÃO DAS CATEGORIAS ..................... 61
3.3.1 – Os conteúdos da Educação Física e o trabalho com o corpo na Educação Física
escolar............................................................................................................................. 63
3.3.2 – As expressões do corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola .................. 70
3.3.3 – Aprendizagem e desenvolvimento na escola: os saberes do corpo/aluno nas aulas de
Educação Física .............................................................................................................. 75
3.3.4 – O dualismo corpo e mente nas evocações dos sujeitos .......................................... 79
3.3.5 – A cultura e sua influência no trabalho com o corpo/aluno nas aulas de Educação
Física na escola ............................................................................................................... 82
3.3.6 – Corpo saudável como foco do trabalho dos professores de Educação Física na
escola .............................................................................................................................. 85
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 90
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 94
APÊNDICES .......................................................................................................................... 98
APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO ......................................................................................... 98
11
ANEXOS.............................................................................................................................. 101
ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......................... 101
12
APRESENTAÇÃO
As provocações que motivaram a construção desta pesquisa surgiram do
processo de formação acadêmica no curso de Licenciatura em Educação Física na
Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT campus Jane Vanini em Cáceres-
MT. Foi a partir daí que iniciei minha jornada como “professor/pesquisador”, pois além
de estudar as temáticas de pesquisa do grupo de pesquisa1, buscava trazer aquilo que me
inquietava enquanto futuro professor. Compreendíamos, como grupo, que o corpo é a
centralidade das ações humanas e, dessa forma, entendê-lo torna-se fundamental para
estudar suas produções no tempo e espaço. É por meio das manifestações corporais que
o sujeito se expressa, compreende e interpreta a realidade que o circunda e nas aulas de
Educação Física essas potencialidades do corpo se afloram.
Dessa perspectiva, algumas inquietações se aguçaram ao ingressar na linha de
pesquisa “Cultura, Memória e Teorias em Educação” do curso de Mestrado em
Educação na Universidade Federal de Mato Grosso/UFMT. Foi neste novo espaço de
discussões que revisitamos alguns olhares para o corpo na escola, em especial, nas aulas
de Educação Física. Esse fato decorre das possibilidades que a graduação em Educação
Física oferta em suas disciplinas e que, em minha avaliação, direciona a perspectiva de
atuação dos discentes no espaço escolar.
É na reflexão/ação daquilo que trazemos como problematização que buscamos
entender quais são os saberes que percorrem o espaço de formação dos acadêmicos de
Educação Física sobre quais práticas se efetivam nos corpos/alunos na escola. Partindo
do discurso partilhado no curso de Licenciatura em Educação Física da UNEMAT
campus Jane Vanini – Cáceres/MT, nossa investigação problematiza qual é a visão que
os discentes do referido curso possuem acerca do trabalho com o corpo/aluno na
Educação Física escolar.
Ao compreendermos a Educação Física como área do saber escolar nos cabe a
tarefa de entender quem é o corpo/aluno neste espaço e quais são as práticas que nele se
apreendem durante as aulas. Optamos pela utilização do termo corpo/aluno ao percebê-
lo como totalidade e centralidade das ações escolares, ou seja, não separamos o papel de
aluno da sua corporeidade.
1 Núcleo de Estudos sobre Corpo, Educação e Cultura/COEDUC.
13
A partir do momento que a rotina escolar passa a fazer parte do cotidiano do
aluno, em seu corpo já estão marcados elementos que constituem seu modo de ser, de
pensar e de agir. É no confronto desses saberes, aqueles que se instituem no corpo com
os saberes escolares, fundamentalmente, os que a Educação Física transmite aos alunos
em suas aulas, que se produzem novas potencialidades corporais. Ou seja, o que se dá
no corpo interfere diretamente nas ações do aluno na escola; por isso são relações que se
conectam nesse processo de formação. Quando compreendemos os significados que se
inscrevem no corpo, aumentamos nossa capacidade de atuação com os alunos
possibilitando reflexões sobre suas próprias valências corporais sem destituir aquilo que
já está marcado em sua corporeidade.
Para que esse processo se efetive nos espaços escolares, buscamos saber como
os direcionamentos da formação em Educação Física contribuem para a compreensão
do corpo aluno, pois os pensamentos sobre o trabalho com o corpo/aluno emergem da
graduação específica em Educação Física. Esta pesquisa se orienta a partir da
licenciatura por compreender que nesta modalidade de formação de professores de
Educação Física, os olhares referentes ao ensino do corpo/aluno se voltam para a
atuação no meio escolar.
Silva et al. (2009, p.110) compreendem que na possibilidade de se verificar
certos discursos sobre o corpo, partindo de autores ditos clássicos, “[...] não ocorreu
(nem ocorre), de forma linear, um discurso substituindo o outro, mas sim, uma
coexistência dinâmica de concepções de corpo”. Assim, surgem dos estudos sobre o
corpo, diversas concepções que se agrupam, na tentativa de caracterizá-lo.
Vigarello (2003) nos diz que as maneiras de se referir ao corpo são inúmeras,
bem como as formas de habitá-lo e representá-lo, o que torna as motivações de
compreendê-lo ainda mais interessantes.
Um olhar mais profundo revela como a diversidade dos territórios do
corpo é abundante no seio de cada cultura e de cada época: a
competência do ortopedista não é comparável à do artista, do mesmo modo que a prática do esportista não é a do mímico ou do ator.
Mecânica, energia, expressão e sensibilidade se repartem numa
multiplicidade de corpos, cada qual em sua singularidade, com seus saberes, seus imaginários, seus domínios, até mesmo seus objetos. É
necessário medir essa abundância de referências corporais, essa
variedade que proíbe agrupá-las em uma mesma disciplina científica
ou, mesmo, dar-lhes uma coerência e uma unidade apriori (VIGARELLO, 2003, p. 22).
14
É dessa diversidade de compreensões sobre o corpo que as ciências aproximam
seus olhares, seus entendimentos e suas atuações. Essas tentativas de caracterização do
corpo promovem, também, rupturas entre as diversas formas de compreendê-lo, pois
cada área do saber se apropria daquilo que permeia suas discussões. Dos conhecimentos
sociológicos, psicológicos, biológicos, entre outros, produzem-se ações pautadas nessas
áreas do saber, o que pressupõe várias concepções de corpo: corpo biológico, corpo
psicológico, corpo social entre outros.
Desse panorama, a Educação Física, por ter no corpo e no movimento suas
discussões, também foi influenciada pelas outras ciências para entender e direcionar
suas práticas. Essa relação do corpo com as ciências humanas, sociais e biológicas é
fruto do contexto histórico que a Educação Física passou para se consolidar como área
do conhecimento. Diga-se de passagem, que estes novos conhecimentos emergem da
oposição àqueles que historicamente vinham dando identidade à área,
fundamentalmente os saberes das ciências da saúde (VENTURA 2011).
Vale ressaltar que o recorte temporal escolhido para dar o “pontapé” inicial de
nossa discussão se caracteriza a partir das décadas de 1960 e 1970, pois é neste
momento histórico que a Educação Física se aproxima de outras ciências para
fundamentar seu objeto de estudo. Neste escopo, a Educação Física estava muito
atrelada aos saberes das ciências da saúde tendo como objeto de estudo o corpo a partir
da aptidão física e, como referência, os conhecimentos da área da saúde. Isto ocorreu
devido ao momento histórico da política nacional, mais especificamente, ao final da
ditadura militar.
O governo brasileiro, a partir de interesses tecnológicos no campo militar,
consolidou alguns acordos com os Estados Unidos, trazendo, assim, fortes influências
do modelo tecnicista americano em áreas como a educação e a saúde o que delimitou
outra forma de conceber a Educação Física nos espaços escolares, pautada
fundamentalmente no esporte de alto rendimento.
Com isso:
[...] a Educação Física promoveu um enlace propício entre a vertente
tecnicista e o processo de esportivização, que ganhou muito apoio por parte dos militares brasileiros, consolidando uma abordagem que se
institucionalizou tanto na escola como nos demais espaços de
intervenção profissional da área, promovendo uma sedimentação
técnica, biológica e esportivizada no campo, tendência que se tornou predominante (VENTURA, 2011, p. 81).
15
Esta vertente se concretizou e, ainda se concretiza em algumas práticas de
professores de Educação Física na escola. Porém, é a partir da década de 1980 que ela
passa a receber influências das Ciências Humanas, especialmente da Educação, em seu
processo de ressignificação do trabalho com o corpo/aluno no âmbito escolar.
É por meio dessa crise de paradigmas sofrida pela Educação Física nos anos
1980, entre as Ciências da Saúde e Ciências Humanas, que se efetivaram abordagens de
estudo com um novo olhar para o corpo, principalmente no campo escolar. Como
exemplos dessas abordagens, temos a abordagem Desenvolvimentista (GO TANI et al.,
1988), Construtivista (FREIRE, 1989), Crítico Superadora (1992), Crítico
Emancipatória (KUNZ, 2000), entre outras, que buscaram estabelecer novos
direcionamentos para o trabalho do professor de Educação Física na escola com o
corpo/aluno. O fato de terem suas raízes nas Ciências Humanas não descaracteriza os
aspectos da saúde em suas discussões e, sendo assim, cada abordagem compreende o
corpo a partir de um olhar. Neste trabalho privilegiamos os saberes da abordagem
Crítico Superadora (COLETIVO DE AUTORES, 1992), que se fundamenta no
materialismo histórico-dialético, entendendo a área de interesse da Educação Física
como sendo a Cultura Corporal.
Para Taffarel (2003, p.2) a Cultura Corporal é compreendida e configurada
como “[...] acervo de conhecimentos socialmente constituídos e historicamente
determinados a partir de práticas corporais que mantenham as relações múltiplas entre
as experiências”, que se caracterizam pelas ideologias, políticas e filosofias, bem como
por meio dos sentidos e das necessidades e motivações humanas.
Assumimos a Cultura Corporal neste trabalho por se aproximar da
compreensão de corpo/aluno que acreditamos e atuamos nos espaços escolares, sendo
ela parte dos conhecimentos que fundamentam a formação dos professores de Educação
Física na UNEMAT. A Cultura Corporal, na relação com a formação dos professores
de Educação Física na UNEMAT, pode ser compreendida a partir do Projeto Político
Pedagógico, que embasou a criação do curso pela Resolução Nº. 236/2003 – CONEPE2.
Inicialmente, este documento tem como proposta a formação de um
profissional qualificado por meio de um repertório de conhecimentos que orientarão sua
prática. Busca, ainda, capacitar e habilitar o estudante, acadêmica e profissionalmente,
2 CONEPE. Conselho de Ensino e Pesquisa.
16
para a prática que se atente à complexidade da realidade social, histórica e cultural que
constitui o corpo/aluno nos espaços por ele habitado.
A formação em Licenciatura em Educação Física na UNEMAT contempla
tanto a área da saúde como a educação, em que seu trabalho de intervenção ressalta o
ensino da Educação Física como uma disciplina de atuação sobre alguma esfera social
por meio de práxis educativas que não se distanciem da realidade social em que se
intervém (PPP, 2003).
Destacamos que, do projeto proposto em 2003, algumas adequações foram
feitas para atender às demandas que o curso passava, inicialmente, entre os anos
2006/20073
, em que houve a implantação do curso no campus de Cáceres e,
posteriormente, entre 2008/20094. Atualmente o curso passa por outra estruturação do
Projeto Político Pedagógico, em que foi organizada uma nova matriz curricular para
atender a formação de caráter ampliado em Educação Física.
Ao escolhermos a Cultura Corporal para fundamentação e discussão de nosso
trabalho não descaracterizamos as produções das outras abordagens que tratam a
Cultura Corporal a partir de outros olhares e assumindo terminologias diferenciadas
pautadas em correntes teóricas adotadas como, por exemplo, Cultura Física, Cultura
Corporal de Movimento, Cultura do Movimento.
Direcionamos nosso olhar ao processo de formação dos professores no curso
de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Estado de Mato
Grosso/UNEMAT campus Jane Vanini – Cáceres/MT, pois, nas disciplinas, durante a
graduação, caminha-se pela área da saúde5 na qual se busca um entendimento da
engenharia do corpo e seu funcionamento durante as práticas corporais, relacionando
seus benefícios para a promoção da saúde. Por outro lado, ofertam-se, também, os
3 A primeira adequação que o curso sofreu, a partir de seu projeto inicial, ocorreu em
decorrência das Diretrizes Curriculares Nacionais que aprovava os cursos de Educação Física no Brasil, instituídos pelo Conselho Nacional de Educação, pelo Parecer nº: CNE/MEC
0058/2004/CES, aprovado em 18/02/2004 e a Resolução nº CNE/CES 7/2004, de 31 de março
de 2004. 4 A segunda adequação se refere às mudanças na Matriz Curricular do curso aprovada pela
Resolução N.033/2008 – Ad Referendum do CONEPE, em setembro de 2008. Essa modificação
ocorreu em função das necessidades postas pelos acadêmicos em que se acrescenta a disciplina
de Musculação e reorganiza-se a ementa das disciplinas de Anatomia Humana Aplicada à Educação Física, Estágio I, II e III. 5 Compõem a área que discute os conhecimentos biológicos do corpo as disciplinas de:
Fundamentos da Biologia – 60h; Anatomia Humana Aplicada à Educação Física – 90h; Fisiologia Humana Aplicada à Educação Física – 60h; Fisiologia do Exercício – 90h;
Biomecânica e Cinesiologia – 60h; Musculação – 45h (PPP, 2009).
17
aspectos didático/pedagógicos para a atuação do professor de Educação Física na
escola, o que percorre, também, os saberes das Ciências Humanas6, além das disciplinas
específicas da cultura do movimento humano.
Nesse sentido, Geisler e Silva (2011) afirmam que:
O curso de educação física está inserido na área da saúde cujas
práticas docentes priorizam a condição curativa do ser humano,
condicionando os estudantes a preocupações de cunho biológico. Partindo de uma problemática que historicamente considerou o corpo
como funcional, produtivo e reprodutivo, se pode levantar algumas
considerações sobre suas representações (GEISLER e SILVA, 2011, p.6724-6725).
Partindo do exposto e pensando a Educação Física como prática educativa que
busca, por meio do corpo, uma forma de apreensão dos conhecimentos historicamente
construídos pela Cultura Corporal, entendemos que o trabalho com o corpo/aluno na
escola deve visar a uma formação voltada para a perspectiva da transformação social
que ocorre pelo e no corpo.
A educação geral, nas suas mais diferentes manifestações, em si já
contribui para inscrever significados e valores no corpo. Ao lidar com
o ser humano e o corpo em constante construção e interação com o contexto social, a educação física não pode deixar, portanto, de ser
entendida como uma prática educativa, ou, ainda, como prática social,
já que se ocupa do educar por meio do movimento (LÜDORF, 2009,
p. 102).
Nesse sentido, a Educação Física se projeta nos espaços escolares com o intuito
de “esculpir” o corpo/aluno, sublimando o sentido literal da palavra ao trazer consigo
aspectos que permitam a essa “escultura”; compreender os sentidos e significados desse
processo de formação, oriundo das práticas corporais que cada professor utiliza em suas
aulas. Essas práticas corporais permitem ao corpo/aluno, bem como ao professor,
trabalhar no sentido de entender a realidade posta, buscando sua transformação a partir
dos elementos que representam suas ações no cotidiano e das relações que estes
vivenciam em suas manifestações corporais na escola como fora dela. São dessas
relações que se consolidam saberes coletivos sobre determinado assunto, ação ou
6 Todas as disciplinas que se referem aos conhecimentos das relações entre ser humano e
sociedade possuem carga horária de 60h: Fundamentos Filosóficos da Educação; Corporeidade;
Produção de Textos e Leitura; História da Educação Física; Sociologia; Psicologia da Educação;
Cultura Corporal Brasileira; Legislação e Políticas Públicas para o Ensino Básico; Psicologia do Esporte; Lazer e Recreação (PPP, 2009).
18
conhecimento, viabilizados pelos processos comunicacionais, atitudinais e
comportamentais.
Essas construções sociais marcam os corpos dos discentes e, neste sentido,
projetam certos entendimentos que, possivelmente, irão orientar suas futuras práticas,
pois compreendemos que há uma rede de trocas de conhecimentos que fundamentam
suas ações. São essas ações que permitem aos discentes colocarem-se como detentores
de um saber inicial, um senso comum que se relaciona com os saberes que o processo
de formação em Educação Física lhes confere. As representações sociais transmitidas
pelas ações, falas, atitudes e conhecimentos que circundam o curso de Educação Física
na UNEMAT, possibilitam tratar de certos entendimentos que dão identidade e
autonomia na utilização das práticas que foram apreendidas pela coletividade. Isso nos
oferece subsídios para compreender o papel exercido pelos discentes a partir do
conhecimento socialmente elaborado e difundido pelas relações que estes estabelecem
com o meio e com os outros.
É no organizar as relações entre o meio e os outros, que as representações
sociais direcionam e estabelecem condutas sociais sobre determinado assunto, ação ou
conhecimento. A partir do momento em que se penetra o discurso, tais representações
possibilitam a difusão do conhecimento, bem como sua assimilação interfere nas
condutas individuais e coletivas, o que pressupõe um aspecto de definição das
identidades e suas expressões na sociedade (JODELET, 2001, p. 22).
Para entender o “senso comum” sobre o trabalho com o corpo/aluno,
utilizamos a Teoria das Representações Sociais – Moscovici (1978), Jodelet (2001) e
outros autores que discutem a temática – como fio condutor e leitura que subsidia a
interpretação do objeto desta pesquisa. Tal teoria busca compreender o senso comum
sobre determinado assunto ou ação que percorre um determinado tempo e espaço nas
falas, atitudes, expressões dos sujeitos que habitam o lócus da investigação.
Da relação entre os estudos sobre representações sociais e seu enfoque nas
questões corporais no contexto escolar buscamos, por meio das falas dos
acadêmicos/sujeitos, apreender os discursos que edificam a representação social acerca
do trabalho com o corpo/aluno na escola. Esta ação procurou identificar os aspectos de
influência nas práticas corporais dos futuros professores de Educação Física da
UNEMAT/ campus Jane Vanini – Cáceres/MT.
A pesquisa, de caráter predominantemente qualitativo, teve como objetivo geral
encontrar e analisar as representações sociais que discentes do curso de Licenciatura em
19
Educação Física/UNEMAT campus Cáceres-MT possuem acerca do trabalho com o
corpo/aluno na escola. Já os objetivos específicos do trabalho buscam apreender
discursos acerca do corpo na óptica dos discentes do curso de Licenciatura em
Educação Física/UNEMAT campus Cáceres por meio de questionários baseados em
evocações livres; e identificar, nos discursos, crenças, atitudes, impressões,
informações, opiniões e representações sociais dos discentes acerca do trabalho com o
corpo/aluno na escola e, assim, inferir quais os efeitos destes entendimentos para suas
futuras práticas educativas no espaço escolar.
Para buscarmos respostas ao questionamento inicial desta pesquisa,
estabelecemos como sujeitos os alunos do curso de Licenciatura em Educação Física da
Universidade do Estado de Mato Grosso campus Jane Vanini, localizado no município
de Cáceres/MT, mais especificamente àqueles que cursavam o sexto, sétimo e oitavo
semestres.
A escolha desse grupo se deu por compreender que os alunos, já em fase de
conclusão da graduação, permeiam os espaços escolares por meio de suas práticas no
período em que realizam o estágio supervisionado. Dessa forma, trazem consigo os
saberes inerentes ao processo de formação acadêmica e, neste momento, vislumbram, na
escola, a possibilidade de aplicação dos conhecimentos adquiridos nos corpos/alunos.
A coleta de dados ocorreu em dois momentos, ambos no segundo semestre do
ano de 2012. No primeiro, aplicamos 23 questionários e a grande maioria dos sujeitos
compreendia os alunos do sexto e sétimo semestres. Já no segundo momento da coleta,
aplicamos mais 21 questionários, desta vez, objetivando os acadêmicos do oitavo
semestre, totalizando 44 questionários. Sobre as questões relacionadas à publicação dos
dados e o sigilo da identidade dos sujeitos, os participantes assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido (ANEXO 1).
Utilizamos como instrumento de coleta de dados Técnica de Associação Livre
de Palavras (TALP), ao consideramos que, segundo Nóbrega e Coutinho (2003), a
estrutura psicológica do sujeito poderia ser evidenciada a partir de evocações livres
frente a um estímulo indutor.
Esta técnica, inicialmente utilizado em práticas clínicas de psicanálise por Jung
(RAPPORT et al., 1965 apud NÓBREGA e COUTINHO, 2003), passou a permear o
universo da psicologia social a partir de Di Giacomo (1981) ao relacioná-lo com
pesquisas em representações sociais, em que o instrumento:
20
[...] se apoia sobre um repertório conceitual no que concerne ao tipo
de investigação aberta que permite evidenciar universos semânticos e
que colocam em evidência os universos comuns de palavras face aos diferentes estímulos e sujeitos ou grupos (NÓBREGA e COUTINHO,
2003, p. 68).
Dessa forma, o questionário (APÊNDICE 1) organiza-se da seguinte maneira: a)
indagações sobre os dados demográficos dos acadêmicos; b) questão indutora: “Para
você como o corpo é trabalhado na escola?”. Sobre a segunda parte do questionário, os
acadêmicos evocaram as cinco primeiras palavras que lhes surgiram a partir da questão
indutora. Em seguida, classificaram as evocações – hierarquização das palavras por
escores de 1 a 5 – conforme sua ordem de importância – sentido positivo, neutro ou
negativo das palavras escolhidas – e, por fim justificaram o porquê de tal escolha.
Após a aplicação dos questionários, passamos para organização do banco de
dados sendo, então, tabulados para receberem tratamento estatístico e futura análise de
conteúdo que se fundamenta a partir de Popping (2000), Krippendorff (1980) e Bardin
(2009). No programa Microsoft Excel, elencamos os dados demográficos oferecidos
pelos sujeitos, bem como as evocações realizadas e suas respectivas justificativas.
Na primeira análise, buscamos agrupar os lexemas, conforme indicam Nóbrega e
Coutinho (2003), por similaridades semânticas e de sentidos. Após o agrupamento das
palavras, criamos categorias que discutissem as representações sobre o trabalho com o
corpo/aluno na escola. Consideramos para análise as categorias que apresentassem
percentuais acima de 7% na frequência (f) simples de ocorrência de cada palavra. Em
seguida, posterior à organização de um rol em planilha no Excel, estabelecemos as
categorias para análise da saturação da categorização por um procedimento de
simulação pelo método de Monte Carlo, com o auxílio do aplicativo Oracle Crystal
Ball.
Após estes procedimentos, chegamos a seis (06) categorias: Conteúdos da
Educação Física; Expressão Corporal; Aprendizagem e Desenvolvimento; Dicotomia
Corpo/Mente; Cultura; Atividade Física e Saúde. A escolha da nomenclatura das
categorias ocorreu através das palavras que se agrupavam no processo de sistematização
dos dados. Dessa forma a categoria Conteúdos da Educação Física traz,
fundamentalmente, os cinco conteúdos da Educação Física evidenciados na obra do
Coletivo de Autores (1992), ou seja, jogo, luta, esporte, dança e ginástica. A categoria
Expressão Corporal nos traz elementos que possibilitam ao corpo/aluno se comunicar
por meio de suas manifestações, movimentações no tempo e espaço. Na categoria
21
Aprendizagem e Desenvolvimento, agrupamos as palavras que buscassem dar um
sentido das formas de aprendizagem pelo corpo nas aulas de Educação Física, bem
como a possibilidade de desenvolvimento das capacidades físicas dos corpos/alunos. Já
a categoria Dicotomia Corpo/Mente evidencia a concepção de segregação entre corpo e
mente como, também, o entendimento de que nas aulas de Educação Física se trabalha o
corpo e, nas salas de aula, a mente (ZOBOLI, 2012). A categoria Cultura nos traz as
compreensões dos alunos acerca da influência da cultura no trabalho com o corpo/aluno
nas aulas de Educação Física e a necessidade de valorização desses aspectos no
processo de formação do sujeito (DAOLIO, 1995). E, por fim, a categoria Atividade
Física e Saúde apresenta a junção de palavras que buscassem trabalhar o corpo/aluno na
perspectiva da promoção da saúde, da qualidade de vida e também do treinamento físico
(NAHAS, 2010).
Para a análise e discussão, buscamos evidenciar o que fez com que
agrupássemos as palavras e quais os sentidos que estas expressam em seu grupo de
inserção, pautados sob a óptica dos autores que baseiam esta pesquisa. Com isso, a
organização dessa investigação se estrutura da seguinte maneira: no primeiro capítulo
relacionamos as representações do trabalho com o corpo na história, buscando
estabelecer paralelos com a Educação Física. Ainda neste capítulo, apontamos os
elementos que fundamentaram a Educação Física no Brasil a partir dos métodos
ginásticos europeus e, por fim, o olhar da abordagem Crítico Superadora (COLETIVO
DE AUTORES, 1992) para as práticas dos professores de Educação Física nos
corpos/alunos.
No segundo capítulo, trouxemos os estudos das representações sociais por meio
das leituras de Moscovici (2001; 2003), Jodelet (2001) e Nóbrega (2001). Procuramos
trazer, também, o corpo como objeto de estudo das representações sociais, tendo em
vista que nosso olhar se objetiva nesta perspectiva.
O terceiro capítulo traz a análise e discussão dos dados obtidos, em que são
apresentadas as categorias que foram elucidadas por meio da questão indutora: “Para
você, como o corpo é trabalhado na escola?”.
Por fim, com a pesquisa, percebemos que a categoria “Conteúdos da Educação
Física” é aquela que mais foi prontamente evocada. Porém, com a ordem média de
evocação (OME), temos a categoria “Expressão Corporal” como sendo aquela que as
palavras, ao serem hierarquizadas, são as primeiras a serem pensadas. Esta informação
contrasta com a categoria “Atividade Física e Saúde”, pois esta é, na visão dos
22
acadêmicos, aquela que representa maior importância (OMI) no trabalho com o
corpo/aluno na escola.
Dessas informações podemos fazer alusão que os Conteúdos da Educação Física
são aqueles que direcionam os trabalhos com o corpo/aluno na escola, pensado num
sentido de valorização da expressão corporal que o corpo/aluno produz durante a
efetivação dos elementos que tratam os Conteúdos da Educação Física. Destes aspectos
temos, como sendo característica fundamental para o trabalho com o corpo/aluno na
escola, a valorização da saúde que se dá por meio das atividades físicas.
23
CAPÍTULO I
O CORPO COMO FOCO DO TRABALHO DA ESCOLA: APROPRIAÇÃO DO
CORPO PELA EDUCAÇÃO FÍSICA BRASILEIRA
1.1 – AS FACES DA EXISTÊNCIA CORPORAL: DAS NECESSIDADES
PRIMÁRIAS AO USO COMO INSTRUMENTO DE TRABALHO
A tentativa de caracterizar um entendimento sobre o corpo se apresenta como
uma difícil tarefa, compreendendo que, ao mesmo tempo em que somos o corpo do qual
falamos, pautamos nossa discussão na tentativa de não distanciar o foco das relações
que vivenciamos em nosso cotidiano corporal, construído por meio das histórias que
nossa cultura corporal consolidou e ainda consolida. Conforme assinala Braustein e
Pépin (1999), a visão que temos de nosso próprio corpo, do modo como nos servimos e
o sentimos é consequência de um patrimônio histórico que o corpo e suas relações
consolidaram.
Estes elementos históricos permitem identificar representações corporais que o
ser humano recorreu para servir-se de seus corpos a partir das exigências que o tempo e
o espaço lhes colocavam como prioridade. Neste sentido, Vigarello (2003) nos diz que
as referências dadas à forma, às eficácias e ao funcionamento do corpo, são
transformadas com o decorrer do tempo, pois suas representações se desarticulam por
meio dos aspectos culturais e sociais que, algumas vezes, modificam-se quase que
completamente. Dessas modificações, estruturam-se compreensões para o corpo que
vão ao encontro daquilo que a dinâmica social e cultural oferece ou impõe. O corpo se
adapta e compreende não somente suas instâncias biológicas, mas sim toda a dinâmica
que o circunda e faz com que ele se movimente.
Freitas (1999), ao trazer suas contribuições sobre os aspectos de se “ter” e “ser”
um corpo, pautado nas discussões fenomenológicas de Merleau-Ponty, nos diz que:
‘Ter’ um corpo é pretender que ele se cale e se submeta ao domínio
daquele que o possui. Porém, é o homem quem se encontra nos ‘domínios’ do corpo, sua condição é corporal e ele só se comunica
com os outros porque tem um corpo que se expressa. Em outras
palavras, existe uma entidade complexa, mas indivisível – o homem – que apenas pode expressar-se por meio de seu corpo e que só pode
fazê-lo de forma contextualizada, como um ser no mundo. É o corpo
que atrai o olhar do outro e é atraído para ele; o pensamento, a
emoção, a dor, o prazer – tudo encontra no corpo sua origem e sua manifestação (FREITAS, 1999, p.53, grifos da autora).
24
Assim, o corpo assume um papel de analisador das relações que consolida, a
partir das ações que desenvolve no meio. Dessas análises que são possibilitadas pelo
corpo, Vigarello (2003) nos traz algumas compreensões de como isso constituiu-se na
história, caracterizado por três grandes faces da existência corporal: princípio da
eficácia; princípio da propriedade; princípio da identidade. Para o autor, todas possuem
seus próprios investimentos e singularidades, que são marcados pela sua própria história
no e pelo corpo.
A primeira face diz respeito ao princípio da eficácia, em que os recursos
técnicos que o corpo retira da mecânica e dos sistemas orgânicos, dão ao sujeito a
capacidade de ação sobre os objetos. Nas palavras de Vigarello:
Pode-se pensar aqui nas habilidades dos trabalhadores manuais e nos procedimentos físicos quotidianos, como também nos saberes e nas
práticas colocadas em jogo para a manutenção do corpo, o aumento de
sua resistência ou de seu poder, saúde, higiene ou mesmo treinamentos corporais variados (2003, p. 22).
Tendo em vista esta face da caracterização do corpo na perspectiva da eficácia,
podemos atrelá-la aos primeiros conhecimentos que se produziam por meio do corpo
tido como instrumento de trabalho. Tomado, inicialmente, como meio analisador do
ambiente e primeira ferramenta do ser humano, o corpo voltava-se para as necessidades
que a vida na pré-história estabelecia.
Dessa forma, a sobrevivência dos seres humanos se dava a partir das condições
corporais que possibilitavam o correr, o fugir, o caçar, o comer, etc. Segundo Oliveira
(2006), a situação de nomadismo e seminomadismo orientava as ações dos grupos
humanos, em que habilidades como a força e a velocidade eram fundamentais para a
sobrevivência.
No momento em que o homem se sedentariza, inicia-se o processo de lutas por
posses de terras e, nesses confrontos, os grupos nômades sobressaiam-se sobre os
grupos sedentários, por conta do vigor físico que a intensa exigência corporal lhes era
imposta (OLIVEIRA, 2006).
Como estratégia de defesa dos espaços já consolidados pelos grupos
sedentários, os treinamentos corporais passam a fazer parte da sua organização do
tempo, pois a possibilidade de novos ataques era constante e preparar-se para esses
embates era fundamental.
São dessas manifestações, dotadas de sentidos e significados, que o ser humano
começa a organizar sua cultura corporal atrelada a sua história, em consequência dos
25
trabalhos corporais que o cotidiano impunha como pressuposto de formação e
manutenção da vida individual e coletiva.
Retomando as faces de caracterização do corpo, temos aquela que se orienta
pelo princípio de propriedade. Aqui, o entendimento de posse ocorre, pelo corpo, por
meio “de um espaço e, nele, de um território totalmente pessoal, ou seja, apropriação do
ser no mais íntimo de si, nos limites de sua dimensão biológica”. Trata-se, portanto, das
representações de fronteiras corporais. Nesta perspectiva, evidencia-se aquilo que
recobre o corpo, as "muralhas da intimidade", ou seja, as semblâncias produzidas pelo
corpo na tentativa de proteger, nas relações coletivas, suas intimidades, fraquezas,
angustias nos momentos em que ele se sente ameaçado (VIGARELLO, 2003, p. 23).
Hannah Arendt (2000) comenta que o fato de nos apresentarmos para o mundo
pressupõe uma dualidade. Essa dualidade ocorre no processo em que ocultamos algo do
nosso interior e, nesse momento, nossa aparência, como uma espécie de capa, produz
uma semblância. A autora utiliza um exemplo que ilustra esse processo: quando
buscamos ocultar algum medo e revelamos, no mundo das aparências, coragem. Assim,
as semblâncias só se viabilizam em meio às aparências.
Dessa forma, não aparecemos, unicamente, para um espectador. Cada ser que
nos observa produz percepções diferentes do nosso modo de ser e agir no mundo.
Ocultamos determinadas “ações/atitudes” para que possamos, em coletividade,
vivermos em harmonia. “A semblância está inscrita em todas as coisas”, pelo fato de
sermos aparências no mundo isso nos oferece condições de transparecer, bem como
ocultar, ações que possibilitam inúmeras interpretações do que por mim foi ocasionado
(ARENDT, 2000, p. 31).
Essas ações humanas são recorrentes para lidarmos com o mundo e com os
outros. Constituem-se na individualidade do ser e percorrem toda a história humana e,
para ilustrar tais relações de como ocorre o princípio da propriedade, trouxemos um
recorte temporal a partir da Idade Média, porém, entendendo que as oposições entre
corpo e mente são bem anteriores a esta época. Presenciamos, aqui, certa desvalorização
pelas questões corporais, fortalecendo a separação entre o físico e o intelectual de forma
bem evidente. Os desejos do corpo se voltavam para ações tidas como pecaminosas e
que aproximavam o ser humano do diabo/satanás/pecado. Em contrapartida, as
manifestações que buscassem valorizar a alma conotavam um sentido de aproximação
com o Divino e a salvação (ZOBOLI, 2012).
26
É nessa organização social que a Igreja Católica disseminava suas práticas
tendo em vista a saúde da alma e "nada para o corpo", contribuiu para um princípio que
imergiu a Educação Física do horizonte cultural nesse período histórico (OLIVEIRA,
2006, p. 16).
Com estes olhares dicotômicos na relação corpo e alma, Zoboli (2012) nos traz
os dizeres de Pereira (2003, p. 78) sobre algumas práticas que buscavam enaltecer a
alma em detrimento das punições corporais:
Neste aspecto enquadramos os ritos sacrificiais que envolvem
diretamente o corpo do fiel, como por exemplo, caminhar longas distâncias carregando pesada cruz, subir de joelhos as escadas que
levam à imagem do santo de devoção, passar noites em vigília
resistindo ao sono, entre outras formas de colocar o corpo nos limites da resistência humana visando torná-lo mais divino. É um sacrifício
voluntário que chega a ser prazeroso, tendo em vista suas motivações.
Essas formas ‘sacrificiais’ de manifestação de fé, dentro ou fora dos
espaços sagrados, fazem parte do que classificamos como ‘devoção sacrificial’ que tem estreita relação, ou relação direta, com o corpo do
devoto. O corpo recebe e responde aos apelos aplicados pelos rituais
da devoção, desenvolvendo uma comunicação entre o imanente e o transcendente (p. 43-44, grifos do autor).
Calcados em valores que vislumbravam a eternidade da alma, os aspectos
corporais na Idade Média tinham como elemento principal a sua renúncia. Se para
alcançar “a vida eterna” fosse necessário deixar de lado o que o corpo manifestava
como desejo ou expressão era porque ele precisava acreditar em entidades que
possibilitassem entendimentos para além do corpo, ou seja, na alma, no espírito, na
mente (ZOBOLI, 2012, p. 45).
Do exposto, legitima-se o entendimento de Vigarello (2003) sobre princípio da
propriedade, em que o corpo ocupa-se de funções que buscam enfatizar o poder que
certas instituições sobrepõem-se, a partir de suas ideologias, nas práticas corporais.
Neste sentido, esta face revela-se de suma importância, pois com suas variantes
históricas é possível enfatizar certos deslocamentos de sensibilidade que o corpo foi
acometido e que se referem não somente na relação com o outro, mas, também, consigo
mesmo.
Outro período que marca com grande expressão a propriedade sob as questões
corporais, são os séculos XVIII e XIX, em especial na Inglaterra e França. Com Soares
(2001), temos a compreensão sobre os olhares para o trabalho com o corpo no século
XIX, especificamente na Europa, por culminar em um importante marco para a
27
Educação Física. Tendo em vista a consolidação do modo de produção capitalista, este
período redimensionou a óptica para as relações entre o corpo e o trabalho.
Oriundos da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, ocorridos
respectivamente na França e na Inglaterra, as concepções de corpo relacionadas ao meio
social que vigorava naquele momento sofreram uma mudança de perspectiva face ao
avanço desse zeitgeist7 impôs ao corpo uma forma diferenciada de trabalho, de saúde e,
consequentemente, de cultura. O corpo, até então, acostumado com as relações nos
feudos se vê numa dinâmica social em que as exigências corporais tomavam-lhe quase
todo o dia. Além das perspectivas econômicas – transição do sistema feudal para o
início do capitalismo – as condições de moradia, trabalho, alimentação contribuíram
para uma organização corporal diferenciada, em que o corpo biológico deveria ser
produtivo, eficiente e disciplinado.
A classe burguesa, tomando essa ideia para si, compreendia que para garantir
sua hegemonia, o proletário deveria entender que a sua sobrevivência neste mundo que
passava a se impor de maneira avassaladora, tornava-se necessária uma
disciplinarização do corpo. A Educação Física pensada nessa educação do corpo passa a
ser “[...] a própria expressão física da sociedade do capital.”, relacionando a saúde do
corpo à sua eficiência no trabalho (SOARES, 2001, p.6).
O homem passa a ser observado como centralidade desse novo contexto social.
Homem, então, que se humaniza nas relações sociais que estabelece com o meio e com
os outros. Porém, essa óptica de centralidade que o homem começa a receber, é uma
óptica biologicista, ranço do ideário positivista que vigorava enquanto ciência na época.
Compreender as funções anatomofisiológicas era entender que as leis divinas não se
aplicavam mais, e a ciência tinha o dever de descobrir quais eram as leis que regiam o
corpo humano na natureza. Dessa forma, era necessário “[...] que houvesse explicações
absolutamente irrefutáveis, portanto, científicas sobre a nova sociedade e sobre as
exigências de um novo homem ainda em construção.” (SOARES, 2001, p. 7-8).
Calcados nesse modelo científico, a sociedade burguesa utiliza-o para
fundamentar e justificar as desigualdades sociais inerentes às desigualdades biológicas.
A sociedade passa, então, a ser comparada ao orgânico e vista como
um grande organismo vivo que evolui do inferior ao superior, do
7 O Zeitgeist significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa
certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo, termo este,
cunhado por Johann Gottfried Herder.
28
simples ao complexo. Consolida-se a ideia de que é regida por leis
naturais, invariáveis, e independentes da ação humana, porque até
mesmo o homem fica reduzido aos seus determinantes biológicos. Organicismo, evolucionismo e mecanicismo unem-se e conferem à
racionalidade moderna os traços característicos do século XIX [...]
(SOARES, 2001, p. 9).
Torna-se, então, necessário justificar o porquê de tantas desigualdades numa
sociedade que progredia cada vez mais em torno das grandes indústrias que
acumulavam tamanha riqueza. Os ideais da Revolução Francesa “igualdade,
fraternidade e liberdade” não compreendiam a maior parte da população, sendo a
parcela menos abastada que se encontrava aquém de todas as riquezas geradas pelo
novo modelo de produção. A eles restavam os subúrbios, a marginalização do corpo, a
miséria, a degradação do modo vida, as epidemias, aspectos não evidenciados na classe
burguesa que enxergava de longe toda essa contradição social.
Ao perceberem o proletário nos amontoados habitacionais que ocupavam no
século XIX, a burguesia enxergou na classe operária um problema duplo. O primeiro
diz respeito a sua força de trabalho que estaria ameaçada caso houvesse qualquer tipo de
mobilização/manifestação por conta dos trabalhadores. Por outro lado, as epidemias que
acometiam primeiramente o proletariado, começavam então a adentrar os espaços da
burguesia.
Houve então, a necessidade de se pensar ações que viessem amenizar ou
erradicar essas enfermidades que circundavam a população burguesa da época. A
justificativa se dava por conta dos maus hábitos dos trabalhadores e, nesse sentido,
havia uma obrigação de se educar, higienizar aquelas pessoas e a Educação Física, nesta
perspectiva, vem ao encontro dessas necessidades.
Inicia-se a constituição de políticas de controle da saúde do corpo social –
proletariado – em função das demandas que a produção exigia naquele momento. Dessa
forma a influência no corpo se dava por conta da produção do capital que o corpo
individual era incumbido de realizar, ou seja, o corpo como unidade produtiva no
sistema, visto como mercadoria.
Como o corpo dos indivíduos é elemento constitutivo das forças
produtivas da nova ordem, constituindo-se desse modo como
realidade biopolítica, o poder de que se revestem sobre certas práticas sociais que nele investem é quase absoluto. Particularmente,
poderíamos nos referir àquelas que se constituem como parte de um
‘conhecimento’ deste corpo... biológico e orgânico, tais como a medicina, e as formas que ela aprimora para influir de maneira
coercitiva e repressiva na sociedade, formas estas fundamentais para a
manutenção da nova ordem (SOARES, 2001, p. 20, grifos da autora).
29
A necessidade de se interferir nos hábitos de vida da sociedade caminhava
paralelamente aos objetivos de educar o social, tendo em vista sua durabilidade e sua
força de trabalho. Ao entender que as condições de moradia, higiene, alimentação
estavam interligadas na saúde do corpo individual, os saberes médicos do século XIX
passaram a incorporar elementos administrativos que tinham como intento o controle da
saúde daquela parcela da população.
Surge de um olhar mais abrangente sobre as causas, origens ou determinações
das doenças, uma compreensão de que os fatores sociais impostos sob a sociedade
naquele período, também interferiam na saúde do coletivo, e a medicina aproxima-se da
ciência social para entender essas relações. Tal maneira de conceber a saúde social se dá
pelo fato de compreender, no contexto do modo de produção e organização social
vigente na época, que não existiria saúde “[...] sem que se mude a sociedade, pois a
estrutura social é que explica o surgimento das doenças.” (SOARES, 2001, p. 23).
As aproximações feitas com a medicina social para explicar a origem das
doenças poderia originar uma queda na produção do capital, pois ao compreenderem
que o loco das enfermidades que sondavam a população trabalhadora se dava pela falta
de estrutura que o próprio sistema impunha a essa população, havia a necessidade de se
pensar em estratégias para conter essa possível ameaça ao capital, ou seja, “Os ‘corpos
saudáveis’ eram uma exigência do capital.” (SOARES, 2001, p. 25, grifos da autora).
Uma vez entendido que os “corpos saudáveis” eras fundamentais ao capital, os
“corpos doentes” não poderiam ficar aquém ou serem uma justificativa para o modelo
econômico que vigorava. Nesse entendimento, o social não poderia ser a explicação
para as enfermidades. Se o motivo não era social, busca-se, então, nas explicações
biológicas, físicas (no meio físico) e morais, uma afirmação que respondesse os anseios
da sociedade enferma.
Com isso, faz-se necessário educar esses corpos para que seus hábitos
buscassem uma nova relação com a saúde, priorizando sua força como trabalhador que
engendrava as máquinas do sistema. Ao se por em evidência o discurso higienista como
possibilitador dessa educação, podemos afirmar que:
[...] o pensamento médico higienista, elegendo a família como lugar
privilegiado de intervenção, ‘auxilia’ o Estado num processo de
reorganização disciplinar da classe trabalhadora, reorganização esta que é complementada pela educação escolar e por todo conteúdo de
classe que ela veiculará (SOARES, 2001, p. 25-26, grifos da autora).
30
A família aqui representa a unidade que difunde os elementos higienistas que
deveriam ser seguidos para o controle do corpo social. Uma das formas de disciplinar
esse corpo biológico, pensando no “bem viver” da sociedade, é a organização dos
conjuntos habitacionais que abrigariam a classe trabalhadora, tendo como mediadora,
dos saberes médico-higienista, a figura da mulher. A esposa/mãe/trabalhadora
desempenhava o papel de “moralizar” as atitudes dos integrantes da família. Ensinava
os bons costumes aos filhos para que estes não ficassem a mercê dos acontecimentos da
rua, bem como assegurar que o marido não cultivasse o hábito de frequentar bares e/ou
cabarés.
Dessa maneira, o fato de adoecer não era mais ligado às condições sociais ou
biológicas, mas sim à falta de conhecimento daqueles que sofriam desses males. O
corpo biológico de cada sujeito deveria ser higienizado, educado, moralizado para
permear os espaços do trabalho e contribuir com os ideais do modo de produção
vigente.
Com isso:
As tecnologias políticas que se investirão sobre o corpo, sobre a
saúde, sobre as formas de se alimentar e morar serão traduzidas pelo discurso da boa higiene, que irá postular as ‘regras do bem viver’, as
quais, uma vez ‘conhecidas’, permitirão o alcance da tão almejada
‘saúde’ (SOARES, 2001, p. 31, grifos da autora).
O que fica velado com essa afirmação é o papel do social nessa função do
conhecimento sobre o “bem viver”. Com as classes divididas de forma evidente, o
conhecimento das causas e efeitos estava relacionado à manutenção do controle da
classe operária e, dessa forma, o que se dava no corpo biológico refletia no corpo social.
Surge aqui o papel da Educação Física como prática disciplinadora dos hábitos do corpo
biológico, tendo em vista a concepção médica como pano de fundo dessas práticas no
corpo social.
Observamos, desse panorama, o princípio da propriedade sobre o corpo a partir
das práticas que o orientavam no século XIX, fundamentado no pressuposto
hegemônico de produção. Essa face da existência corporal produziu pensamentos e
ações que constituíram algumas bases para a Educação Física brasileira – ver
subcapítulo sobre os métodos ginásticos.
Por fim, a terceira face que Vigarello (2003) nos traz é a do princípio de
identidade. Neste, englobam-se todos os elementos que se expressam pelo corpo, ou
seja, “[...] o recurso de mensagens e de trocas a partir de sinais e de expressões de
31
natureza física.” (p. 23). Aqui, podemos elencar os recursos expressivos que buscam
uma comunicação com o ambiente e com os outros.
Para caracterizarmos o princípio da identidade, pautamo-nos em Marcel Mauss
(1974), bem como em outros autores que fizeram leitura de seus trabalhos (DAOLIO
1995; GRANDO, 2004), na tentativa de elucidar de que forma os seres humanos se
expressam por meio de seus corpos a partir das técnicas corporais que cada sociedade
imprime nos sujeitos, Neste sentido, Mauss (1974, p. 211) nos diz que as técnicas
corporais são as formas “[...] como os homens, sociedade por sociedade e de maneira
tradicional, sabem servir-se de seus corpos.”. É nas manifestações corporais que se
instauram saberes sociais e culturais passíveis de identificação na relação com outros
corpos.
Estas falas do corpo se manifestam através da impregnação cultural que o
sujeito sofre no decorrer da sua história. Assim, os estigmas culturais possibilitam a
identificação do ser humano a partir das técnicas que o corpo apreende sendo com e por
elas que compreendemos a cultura corporal transmitida pelas tradições e autoridades
corporais nos grupos sociais.
Quando uma geração passa à outra geração a ciência de seus gestos e
de seus atos manuais, há tanta autoridade e tradição social quanto quando a transmissão se faz pela linguagem. (DAOLIO, 1995, p.44).
São nesses espaços de aproximação que as trocas corporais se efetivam, num
sentido de educação do corpo e suas técnicas. As pessoas, principalmente as crianças,
imitam atos que obtiveram êxito e que foram bem sucedidos em pessoas que detêm
prestígio e autoridade no grupo social. Com isso, “É precisamente nesta noção de
prestígio da pessoa que torna o ato ordenado, autorizado e aprovado, em relação ao
individuo imitador, que se encontra todo o elemento social.” (DAOLIO, 1995, p. 44).
O estudo do corpo e dos movimentos humanos como expressões simbólicas
pressupõe que as práticas sociais possuem uma tradição que é passada às gerações por
meio de símbolos. A tradição oral, a mais conhecida e, muitas vezes, a mais valorizada,
é apenas uma dentre as possíveis trocas simbólicas. Qualquer técnica corporal pode ser
transmitida por meio do recurso oral. Pode ser contada, descrita, mas pode ser
transmitida, também, pelo movimento em si, como expressão simbólica de valores
aceitos na sociedade marcados no corpo.
Quem transmite, acredita e pratica aquele gesto e, quem recebe aceita, aprende
e passa a imitar aquele movimento. Enfim, é um gesto que se torna eficaz nas dinâmicas
32
corporais dos indivíduos. É justamente devido à eficácia das técnicas corporais que,
segundo Mauss (1974), podemos conceber que os símbolos do andar, da postura, das
técnicas esportivas são do mesmo gênero que os símbolos religiosos, rituais, morais etc.
É por meio dos símbolos que a tradição vai sendo transmitida às gerações seguintes.
Mauss pontua que o corpo humano, os movimentos corporais, cada pequeno
gesto, são como tradutores de elementos de uma sociedade ou cultura. Equipara, assim,
o corpo humano a outros temas da antropologia, como a religião, as trocas econômicas,
os sistemas jurídicos, os rituais de passagem, que sempre mereceram maiores estudos
dos etnógrafos.
Para definirmos e, assim, falarmos da realidade humana existe a necessidade de
discutir sobre o corpo e fazer dele um acesso às coisas, por entender que ele “é o
primeiro e mais natural instrumento do homem” na apropriação e interação com o
mundo (MAUSS, 1974, p.407). É com o corpo e por meio dele que manifestamos as
características da sociedade na qual estamos inseridos atuando, a todo o momento, sobre
elas sendo este um fator de identificação individual e coletiva.
Lévi-Strauss corrobora com a ideia de Mauss quando afirma que “é por
intermédio da educação das necessidades e das atividades corporais que a estrutura
social imprime sua marca nos indivíduos: ‘As crianças são treinadas... a controlar
reflexos... inibir seus medos... selecionar paradas e movimentos’” (In: Prefácio à obra de
Marcel MAUSS, 1974, grifos do autor, p.12). Ou seja, a educação que se dá no corpo
promove o reconhecimento social e cultural a partir dos movimentos específicos que
cada sociedade manifesta ao se expressar.
Grando (2004) também traz sua contribuição, a partir de Mauss (1974), sobre
as “técnicas corporais” e sua relação na identificação com o outro:
As ‘técnicas corporais’, como práticas sociais, expressam nas formas
de andar, de correr, de banhar-se, de vestir-se, de alimentar-se, de depilar-se, de acariciar, entre outras, características que, marcadas
num corpo, conotam formas desse identificar-se como pertencente a
um determinado grupo. No entanto, ao buscar ‘simular’ uma outra
identidade, o corpo utiliza-se dessas técnicas como estratégia para ‘marcar’ representação e ser reconhecido nela. Essas marcas são,
portanto, formas coletivas de comunicar uma identidade, que é sempre
compartilhada, pois se forma na relação com o outro e extrapola os limites de uma cultura, de uma nacionalidade ou de um território.
(GRANDO, 2004, p.47, grifos da autora).
Assim, as formas de identificação que o corpo recorre ao se expressar
possibilitam o reconhecimento cultural que lhe é específico, mas que na relação com o
33
outro, suas “técnicas corporais”, viabilizam a troca de saberes corporais. Por meio das
estratégias que cada um utiliza no cotidiano ao se expressar, buscam nos conhecimentos
apreendidos pelo corpo uma forma de identificação individual, mas que também
promove o intercâmbio entre as diversas culturas em relação na dinâmica social
coletiva.
Daolio (1995, p. 39) também reconhece nos estudos de Marcel Mauss
importante subsídio para compreender as formas de expressão e “inCORPOração” dos
saberes corporais pelos elementos culturais. O autor evidencia que cada indivíduo se
apropria de novos conhecimentos culturais, junto àqueles que o constitui, por meio das
trocas e conflitos que estabelece com os outros e com o meio. Dessa relação, temos que
o homem aprende e organiza seus saberes culturais pelo corpo e, nesse aprendizado,
possibilita sua construção corporal.
Essa visão do homem como ser cultural ganha reforço com as teorias críticas
da educação a partir da década de 1980, em que se tornava necessário reconhecermos o
corpo como meio de ação transformadora que atua nas mudanças sociais e, dessa forma,
constrói história. Com essas novas atribuições ao corpo, assinala-se uma transformação
do entendimento do corpo que inicialmente era ligado somente à sua função orgânica
para entendê-lo em seu simbolismo capaz de humanizar-se por meio das práticas
corporais.
São desses ângulos que orientamos nosso olhar sobre as relações que
consolidam práticas no corpo. Temos, então, este atrelado aos sentidos da eficácia que
se refere aos meios de utilização corpórea para manter-se vivo orgânica e socialmente.
O corpo se relaciona, também, ao princípio da propriedade, por compreendermos que
muitas práticas foram sobrepostas no corpo como elemento de manutenção do campo
do trabalho numa dimensão histórica e social. E, por fim, o princípio da identidade que
nos remete ao entendimento que o corpo nos dá pelas práticas corporais que realizamos
com ele.
É a partir do corpo e por meio dele que construímos as relações com o meio e
com os outros, na tentativa de possibilitar leituras do meio social para compreendermos
nossa atuação no mundo.
1.2 – EDUCAÇÃO FÍSICA: EDUCAÇÃO DO CORPO NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO
34
Ao tratar das instituições sociais que contribuíram para o ordenamento do
corpo social, temos na escola a possibilidade de difusão do conhecimento que se dava
pelo corpo como forma de disciplinarização das práticas corporais tendo em vista sua
eficiência e obediência no mundo do trabalho. Com isso, Soares afirma que as “[...]
políticas de educação escolar, juntamente com as políticas de saúde em suas expressões
higienista e sanitarista, completam o cerco ao trabalhador.” (2001, p. 34).
Surge, então, a necessidade de instruir os trabalhadores devido aos avanços da
indústria e suas tecnologias da época. O domínio da leitura era de fundamental
importância para o manejo do maquinário e para o desenvolvimento do trabalho.
Percebemos que a educação dos sujeitos se dava na perspectiva da “educação de
classes”, ou seja, cada um cumpria um papel na dinâmica social e a escola como
instituição reprodutora dessa ideologia se incumbia de transmitir os saberes pensados
dessa forma e as aulas de Educação Física passam a seguir, também, esse raciocínio.
Para isso, os intelectuais da época começam a propor estratégias que
compreendessem a educação como forma de transmissão desse conhecimento. Temos,
na Inglaterra, com a figura de John Locke (1632 – 1704) o início das fundamentações de
educação partindo do pensamento liberal, educação esta que possibilitasse a preparação
técnica e política para a consolidação do Estado liberal (livre comércio).
A ordem social já estava estabelecida, ou seja, existiam ricos e pobres e a
educação que cada parcela da população deveria receber dava-se a partir dessas
condições sociais. Os ricos eram instruídos numa educação de valores que visualizasse
os negócios, os altos cargos, assegurando, assim, a hegemonia burguesa. Em
contrapartida, a educação para os pobres se dava com a finalidade de desenvolver a
obediência, pensando em garantir aspectos que contribuíssem com o meio de produção,
em que essa população ficasse aquém das discussões sobre o modo de vida daquela
época (SOARES, 2001).
No fim do século XVIII e início do século XIX, temos como pensador e grande
influenciador das ideias da educação da francesa, a figura de Rousseau. Para Rousseau,
a educação era vista mais de forma elitista, compreendendo a população burguesa da
sociedade. Entendia que para “vir-a-ser” alguém, suas formas e condutas deveriam ser
preparadas desde a infância e dessa forma:
[...] se refere a uma nova maneira de se educar: exclui os estudos especulativos, evidencia a necessidade de se ensinar não muitas
coisas, mas aquelas que são uteis, condena o excesso de livros para as
crianças que, segundo ele, matam a ciência, advoga um maior contato
35
com a natureza, preconiza uma vida ao ar livre e a prática de exercício
(SOARES, 2001, p. 39).
Nessa perspectiva, entende-se o pensamento de Rousseau como uma
redescoberta da educação dos sentidos, justamente por esse contato com a natureza.
Para o pensamento liberal, a relação com os exercícios físicos se faz necessária por
contemplar a educação do corpo. Tinha como pressuposto que para desenvolver a
inteligência das crianças era necessário controlar as forças que a regulam sendo que, por
meio dos exercícios físicos contínuos, a criança tornar-se-ia mais forte e saudável, o que
contribuiria de forma evidente no desenvolvimento da inteligência. Sugere, então, que
as crianças utilizem suas potencialidades físicas – corra, grite, salte, pule e etc. – pois os
exercícios físicos também fazem parte da educação das crianças.
Outro pensador francês que elaborou propostas para a educação, entendendo-a
com direito de toda a população, foi o Marquês de Condorcet (1743-1794). As
propostas de Condorcet vieram com o advento da Revolução Francesa, sendo, em 1789,
então, eleito deputado em Paris e escolhido para buscar estratégias para solucionar os
problemas oriundos da educação francesa. Essas soluções emergiam da criação de
planos de ensino que visassem à construção de um sistema público, gratuito e laico de
educação, em que a finalidade seria igualar as possibilidades aos sujeitos.
Condorcet idealizou uma educação que buscava atender toda população
francesa, porém, restringiram-se, em sua maioria, às crianças da classe burguesa, pois as
crianças da classe operária tinham que trabalhar para contribuir na renda familiar
impossibilitando sua ida para a escola (SOARES, 2001).
Calcados na ideia de promover uma educação que valorizasse os elementos da
igualdade entre as classes, muitas foram as propostas para se estruturar essa educação.
Neste viés, Johan Bernard Basedow surge como o criador do Philantropium, em 1774,
na Alemanha, instituição que asseguraria uma formação dos indivíduos de forma que
estes pudessem estar aptos para a vida, tornando-a útil e feliz. No modelo educacional
pensado por Basedow, contemplava-se a ginástica no currículo escolar, modelo este que
era fortemente influenciado pelas ideias de Rousseau.
Basedow distingue, em sua proposta educacional, o trabalho com os ricos e
pobres. Assim, as escolas para as crianças ricas eram menores, porém com uma atenção
maior às necessidades educacionais delas, contemplando então um leque maior de
conhecimento na sua formação. Em contrapartida, as crianças mais pobres se
amontoavam em escolas imensas, pois atendiam a um número maior de alunos, mas não
36
havia a mesma preocupação, como nas escolas das crianças ricas, em formar o
indivíduo em sua totalidade, ficando aquém dos pressupostos pensado por Basedow
(SOARES, 2001).
1.2.1 – O espaço da Educação Física na Educação
Pensadas as propostas educacionais, havia agora a necessidade de se preocupar
com o controle dessa manifestação dos saberes que as instituições escolares iriam
difundir. Ao mesmo tempo em que se modernizavam os modos de produção, as
instruções dadas aos trabalhadores também deveriam acompanhar esses avanços e ao
possibilitar o acesso a educação contribuía de forma significativa na formação do
proletariado, porém, com certas doses de cautela.
Para garantir a educação do proletariado e assegurar seus privilégios, a
burguesia do século XIX pensou seu próprio modelo de educação.
Enquanto proclamava o trabalho como a ‘virtude do homem’, a
burguesia reservava para seus filhos um ensino totalmente divorciado do trabalho, o único digno das ‘classes superiores’, no qual figurava
todas as ciências e as técnicas mais modernas, mas no qual as
humanidades e as letras não poderiam deixar de se fazer presentes,
porque elas ‘são o próprio homem’ (SOARES, 2001, p. 47, grifos da autora).
Esse modelo de educação era utilizado nos liceus, somente para pessoas que
poderiam estudar até os 22 anos de idade, o que se tornava impossível para as classes
trabalhadoras. Assegurando os seus interesses em manter o controle social, mas, ao
mesmo tempo, garantindo o mínimo de acesso à educação do proletariado, a burguesia
conseguiria alcançar os ideais de educação pensados para o modo de produção,
garantindo-lhe a hegemonia sobre o proletário.
Vinculado a essa modo de pensamento, a Educação Física surge como proposta
dos modelos educacionais pensados pelos intelectuais da época, como forma de controle
desse corpo/trabalhador. Vislumbra-se o desenvolvimento da até então chamada de
Ginástica, como elemento a ser inserido nos saberes escolares difundidos na época. A
intenção de se trabalhar os elementos ginásticos no espaço educacional corroborava
com as intenções da burguesia em conformar o corpo dos trabalhadores para o ambiente
de trabalho. Ao educá-los, contribuía com a saúde do operário, bem como a manutenção
da estrutura social que operava na época.
37
A visão que se tinha desse corpo, atrelado aos métodos ginásticos, relacionava-
se somente com os aspectos biologicistas, em que não se poderia mais afirmar que a
causa das doenças eram castigos de Deus, mas sim entendê-las como fator inerente ao
descaso com o corpo biológico. Neste sentido a Educação Física é vista de forma dual
em que:
[...] por um lado, representava avanço para a Educação Física,
constituindo mais um elemento laico na sua estruturação, por outro,
representa atraso, significando disciplinarização de movimentos,
domesticação, pois se configura como mais um canal, absolutamente dominado pela burguesia, para veicular o seu modelo de corpo, de
atividade física, de saúde... a sua visão de mundo (SOARES, 2001, p.
49).
Com isso, a Educação Física passa a ser compreendida como um projeto maior
de higienização do corpo social, corpo no qual se ocupa o pensamento
anatomofisiológico e que será referência basilar do desenvolvimento das práticas
corporais sob a prática social.
Dessas referências que vão orientando o papel da Educação Física na educação
dos corpos no século XIX, buscam-se fundamentações nas ciências biológicas que
dessem conta de proporcionar uma evolução nos aspectos anatomofisiológicos da
população. Criam-se, então, métodos de ginástica que orientariam a educação dos
corpos nos espaços escolares e não escolares. Esses métodos respaldavam-se nas
necessidades sociais de cada realidade – militaristas, econômicas, educacionais e
higienistas. Destacam-se, nesse bojo, os métodos ginásticos alemão, sueco e francês,
todos com vertentes pensados na saúde do corpo biológico, em função da manutenção
do corpo social.
1.2.2 – Os métodos ginásticos e sua relação com a Educação Física no Brasil
Aliado aos meios de vinculação da saúde do corpo social surge, a partir de
1800, as escolas ou métodos ginásticos em quatro países da Europa: Alemanha, Suécia,
França e Inglaterra. Esses métodos ginásticos tinham como pressuposto corrigir certos
vícios posturais que a sociedade industrializada se submetia por conta do trabalho. Além
de cuidar dos vícios dos corpos mecanizados nos espaços das fábricas, buscavam
orientar o modo de vida da classe trabalhadora, em virtude das condições nada
higiênicas a que eram subordinados, tomando um caráter de prática cuidadora do corpo
38
sujo e doente nos cortiços espalhados pelas cidades. A ginástica aqui passa, então, a ser
compreendida como ciência, relacionada ao seu estreitamento com a medicina. Além de
corrigir, tinha como objetivo disciplinar os corpos dessa sociedade e dessa forma, mais
uma vez, ganha status enquanto manifestação corporal.
Entendida como manifestação corporal e sua relevância na educação dos
corpos, os métodos ginásticos foram difundidos em vários países e o Brasil foi um
deles. Devido ao fluxo emigratório, desembarcar no Brasil respectivamente o método
alemão, francês e sueco. Estes tiveram grande influência na Educação Física brasileira
e, de certa forma, foram o embrião da Educação Física no Brasil. Pontuá-las é de
fundamental importância para o entendermos o sentido que cada uma trazia em suas
práticas no trabalho com os corpos/alunos na sua inserção dos espaços educacionais no
Brasil.
Na escola alemã, os olhares se direcionavam para a defesa da pátria. Era
necessário formar um “forte espírito nacionalista” para alcançar a unidade territorial, tão
almejada pelos alemães. Para tal intento, homens e mulheres, fortes e robustos
expressavam tais ideais para esse espírito nacionalista (SOARES, 2001, p. 53).
Pensada sob o olhar de Guts Muths, a ginástica alemã era compreendida a
partir dos aspectos da biologia, fisiologia e anatomia, devendo ser praticada todos os
dias por homens, mulheres e crianças. Ao se praticar a ginástica todos os dias, ela seria
vista como um instrumento educativo de grande importância para disseminar os ideais
de cuidado higiênicos com o corpo e do espaço em que se vivia. Nessa perspectiva, a
mulher é vista como a geradora dos “filhos da pátria”8, logo, deveria possuir um corpo
saudável e forte (SOARES, 2001, p. 53).
Outro pensador do método ginástico alemão é Friederich Ludwig Jahn (1778-
1825). Na perspectiva de Jahn, a ginástica deveria se preocupar, além dos aspectos da
saúde e da moral, com o caráter militarista. O homem, aqui, deveria ser formado de
maneira total e a ginástica contribuía neste sentido, bem como os jogos e as lutas, estas,
em especial, deveriam ser pensadas como preparação para uma possível guerra.
8 Segundo Carmem Lúcia Soares, nota-se no início do século XIX uma preocupação com a
saúde das mulheres, pois eram elas que iriam dar continuidade aos ideais de corpo forte,
saudável e preparado para qualquer adversidade que pudesse surgir em detrimento dos conflitos que ocorriam na Europa. Por isso era fundamental que homens, mulheres e crianças praticassem
a ginástica todos os dias.
39
Foi Jahn, em 1814, quem instituiu como meio de ginástica coletiva o “Turnen”.
Este movimento consistia na aplicação de exercícios ginásticos com um grande número
de pessoas, carregados com um forte caráter militar e patriótico. A finalidade do Turnen
era “[...] tornar os corpos ágeis, fortes e robustos.”, e neste sentido as práticas corporais
estavam imbuídas de um forte conteúdo médico-higienista (SOARES, 2001, p. 54).
Outra preocupação da ginástica alemã era sua inserção na escola, tendo como
idealizador desse pensamento Adolph Spiess (1810-1858), pautado nos ideais de
Basedow. Para Spiess deveria haver na escola um período dedicado ao exercício físico e
dessa forma propõe uma ginástica absolutamente mecânica e funcional. Sendo assim, a
ginástica alemã se caracteriza como um investimento “[...] no corpo dos indivíduos,
através da ginástica de massas, ou daquela ministrada nas escolas, considera, no limite,
cada indivíduo como um soldado que repete na disciplina um gesto idêntico.”
(SOARES, 2001, p. 56).
No Brasil, esta escola/método manifestou-se por conta dos imigrantes alemães
que tinham a ginástica como hábito de vida. Também se relaciona aos soldados da
Guarda Imperial, de origem alemã, que ao deixarem suas funções militares resolvem
fixar-se no Brasil. Desse contingente populacional, criam-se sociedades de ginástica que
difundiam os pressupostos de Jahn, Muths e Spiess, sendo por volta de 1860, o método
alemão é adotado no exército brasileiro. Quanto a sua aplicabilidade na escola, este não
foi considerado pelos brasileiros, utilizando do método sueco de ginástica.
O método sueco de ginástica tinha o intuito de eliminar os vícios da sociedade
criando indivíduos fortes e saudáveis, mais precisamente a partir de 1807, influenciado
pelas ideias de Pehr Henrick Ling (1776-1839), no qual postula o ideal nacionalista que
tinham como objetivo “[...] regenerar o povo, formar, enfim, homens de bom aspecto
que pudessem preservar a paz na Suécia.” (SOARES, 2001, p.57).
Para Ling, sua ginástica podia ser dividida em quatro partes com diferentes
fins. Assim, ela possuía um caráter pedagógico, militar, médico-ortopédico e estético.
No primeiro, acreditava que todas as pessoas poderiam praticá-lo, independente de sexo,
idade ou condição social; no sentido militar de sua ginástica, pensava no aspecto
pedagógico atrelado aos exercícios militares que buscassem formar o guerreiro ideal
para colocar o adversário fora de combate. O papel médico-ortopédico relacionava-se
aos cuidados com os desvios posturais, extinção de vícios e cura de certas enfermidades,
porém, acrescida dos valores da ginástica pedagógica. Por fim, também com os aspectos
da ginástica pedagógica, o cunho estético da ginástica sueca se dava pelo
40
desenvolvimento harmonioso do organismo, acrescido da dança que dariam beleza e
graça ao corpo.
Compreendemos a ginástica sueca da seguinte forma:
Através dessa ‘ginástica pedagógica e higiênica’ se poderia ‘assegurar
a saúde [pois ela é] essencialmente respiratória’, assim como a ‘beleza, por seus efeitos corretivos e ortopédicos’. Além, é claro, do
seu papel na formação do caráter, por ser ‘enérgica e viril’,
empregando economicamente as forças do indivíduo. E, finalmente, essa panaceia universal chama ginástica é também profundamente
‘social e patriótica [por contribuir para uma] educação disciplinada da
célula humana a serviço da sociedade’ (SOARES, 2001, p. 59, grifos
da autora).
Esses elementos corroboraram no pensamento dos educadores brasileiros ao
introduzir nas escolas o método sueco de ginástica, justamente pelo seu caráter social,
pedagógico e científico.
A escola francesa buscava nos exercícios físicos, em detrimento dos ideais
liberais, um elemento fundamental para a educação o “homem universal”. Pautado nos
pensamentos de Rousseau e Condorcet, a ginástica francesa difunde a ideia de uma
educação voltada para o desenvolvimento social e, neste sentido, era necessário formar
homens completos. Influenciada pelos ideais de Jahn e Muths, o direcionamento da
ginástica francesa se dava por uma forte corrente anatomofisiológica que serviria como
elemento fundamental para a moral e o patriotismo. Foi D. Francisco de Amoros y
Ondeaño (1770-1848), a partir da segunda metade do século XIX, que contribuiu
significativamente para a consolidação do método francês.
Para ele, a ginástica:
[...] teria ainda por finalidade o alcance da ‘saúde’, o prolongamento
da vida e, consequentemente, o melhoramento da espécie humana.
Tudo isto seria conseguido sem alterar a ordem política, econômica e
social. Através da ginástica, que por si só promoveria a saúde, criaria homens fortes, seria possível aumentar a riqueza e a força, tanto do
indivíduo quanto do Estado (SOARES, 2001, p. 61-62).
Ou seja, dos aspectos ginásticos fortalecer-se-iam os fatores físicos, sociais e
econômicos que vigoravam nessa sociedade do capital. Neste sentido vislumbrava-se na
ginástica um remédio para os males que acometiam a população da época, bem como
uma possibilidade de fortalecimento da força de trabalho dos operários.
Além do caráter funcional – pensado na relação com o trabalho – a ginástica
francesa permeia os espaços escolares em 1850, partindo dos princípios que Amoros
postulava em seu método. Dessa forma, as instruções dadas às crianças na época eram
41
realizadas por suboficiais do exercito que, despreparados, não possuíam relação didática
com a transmissão dos saberes corporais que o método francês propunha.
Posto essa situação, surge à necessidade de se ampliar o olhar científico e
pedagógico da prática da ginástica nas escolas francesas. Decorre desse fato, a criação
de foros científicos para discutir novas possibilidades de se ensinar a ginástica, pautada
agora sob os olhares dos cientistas e médicos higienistas, deixando de lado o caráter
essencialmente militarista. Das pesquisas realizadas e dos eventos científicos, os
exercícios físicos começam a elevar o nível de complexidade, pensado a partir dos
valores higiênicos e das contribuições que o mesmo trazia para os aspectos
anatomofisiológicos.
No Brasil, o método francês de ginástica iniciou-se a partir da Missão Militar
Francesa, com o intuito de “[...] ministrar instrução militar à Força Pública do Estado de
São Paulo [...]”, e que mais tarde deu origem a Escola de Educação Física do Estado de
São Paulo.
Posteriormente, pensada como instrumento para permear a Educação Física
brasileira nas instituições de ensino, a ginástica francesa começa a difundir-se, porém,
recebe duras críticas, da então Associação Brasileira de Educação (ABE), sob as formas
de implantação de um método ginástico estrangeiro no Brasil.
A Educação Física no Brasil assemelha-se ao modelo europeu de educação do
corpo, pois a distinção de classe também se fazia presente na realidade brasileira, em
que a educação da elite, era composta de disciplina, ordem. Estas exigências
acompanham a consolidação da Educação Física nos espaços escolares, visto que o
físico disciplinado era uma exigência para a construção da nova ordem sob os corpos.
Separada por gênero e faixa etária, a Educação Física tinha como orientação prática o
trabalho com o canto, declamação e piano para as meninas, enquanto para os meninos as
ocupações se davam pelo salto, natação, equitação e esgrima. A ginástica, fruto das
raízes europeias que fundamentaram a Educação Física no Brasil, era comum a todos,
pois atendia os ideais higienistas, patrióticos e militaristas (CASTELLANI FILHO,
1994).
Castellani Filho (1994) nos diz que a Educação Física nos espaços escolares no
Brasil teve início, de forma mais evidente, no século XX, fortemente ligado aos
modelos militares de ginástica, respectivamente o alemão, francês e sueco. Além das
características militaristas, outras influências, segundo o autor, fundamentaram as
tendências de educação dos corpos nas escolas.
42
Ainda com Castellani, até 1930, a Educação Física Higienista era
compreendida como uma prática necessária para a saúde e assepsia do corpo social
brasileiro, o que objetivava uma sociedade livre de doenças, por meio da disciplina
escolar. A Educação Física Militarista, desenvolvida com mais veemência entre os anos
de 1930 a 1945, ocupava-se em formar indivíduos fortes, disciplinados e obedientes.
Nessa perspectiva, tinha como preocupação maior o aperfeiçoamento da raça. Por meio
dos esportes, ginástica olímpica, treinamentos especiais de artes marciais construía-se o
homem para as batalhas, carregado de um forte valor nacionalista.
Após a segunda guerra mundial, é a Educação Física Popular que dita os rumos
das práticas corporais nas instituições escolares. Com os ânimos aflorados por conta das
reivindicações dos partidos populares, a Educação Física desenvolveu um importante
papel na mobilização da classe trabalhadora, em virtude das atividades que trabalhavam
a ludicidade, a solidariedade e a organização entre os grupos na tarefa de construção de
uma sociedade efetivamente democrática. Já entre os anos de 1945 a 1964, a Educação
Física toma um caráter mais pedagogicista, em que o objetivo era integrar uma
disciplina que contemplasse a educação do sujeito em sua totalidade no espaço escolar.
As danças, os esportes e a ginástica são os conteúdos eleitos para transmitir esses
conhecimentos aos corpos/alunos, tendo como finalidade o ensino das regras e do
convívio social. Após 1946, a Educação Física toma para si uma vertente competitivista,
em que é privilegiado o treinamento esportivo de alto nível, sendo a Educação Física a
disciplina na escola que iria fazer o papel de trampolim para o esporte de alto
rendimento. Essa perspectiva se objetiva em muitas práticas de professores de Educação
Física ainda (CASTELLANI FILHO, 1994).
Dessas vertentes de Educação Física no espaço escolar, a formação do
corpo/aluno se pautava na perspectiva de construção do o indivíduo forte, robusto,
saudável e disciplinado, ideais que se aproximavam do modelo de sociedade que o
Brasil buscava consolidar. Nesse sentido, o decreto nº 69.450, de 1971, deliberou o
tecnicismo nas aulas de Educação Física na escola, como sendo a atividade que, por
meio dos suas práticas, técnicas e táticas pudessem desenvolver e aprimorar as
capacidades físicas, morais, cívicas e sociais dos corpos/alunos. Com isso, a ginástica
na escola cede lugar à prática esportiva e cunha-se uma proposta de intervenção escolar
nas aulas de Educação Física, com fins na descoberta de novos talentos esportivos para
representar o país em competições internacionais.
43
Entender como se estruturaram os métodos/escolas de ginástica e suas
influências na Educação Física brasileira nos dá subsídios para inferir certas práticas dos
professores de Educação Física no passado e na atualidade. Esses métodos/escolas
foram de certa forma, o embrião da Educação Física no Brasil, pois a partir deles que se
consolidaram práticas efetivas de Educação Física, inicialmente, nos espaços militares e
no decorrer da história adentrando os espaços escolares com enfoques higienistas e
esportivistas.
Dessas construções compreendemos que os métodos/escolas de ginástica
proporcionaram uma reflexão da prática do professor de Educação Física, culminando,
então, na preocupação dos intelectuais da Educação Física e da Educação sobre como
lidar com esses corpos/alunos no âmbito escolar. Foram por meio dessas preocupações
que algumas abordagens sobre o ensino da Educação Física na escola começaram a ser
pensadas.
1.3 – CULTURA CORPORAL: A EDUCAÇÃO FÍSICA NA EDUCAÇÃO DO
CORPO/ALUNO NA ESCOLA
A Educação Física, entre as décadas de 1970 e 1980 passou por uma crise
sobre o panorama que se fixava nas práticas dos professores de Educação Física,
pautada pelo atual objeto de estudo. O até então modelo de aula calcado na aptidão
física começa a ser questionado pelos intelectuais da Educação Física, entendendo a
complexidade que se efetivava no corpo e o que isso possibilitaria no meio social. É a
partir dessa inquietação que surgem novas propostas críticas para o trabalho com o
corpo e, principalmente, no espaço escolar.
Atravessados por conhecimentos oriundos das Ciências Humanas, as chamadas
abordagens da Educação Física se fundamentam em estudos da Sociologia, Psicologia,
Antropologia e Filosofia para reorientar o modelo que se configurava como hegemônico
na prática dos professores. Uma dessas propostas está no livro “Metodologia do Ensino
da Educação Física”, nomeada pelo Coletivo de Autores (1992) de abordagem Crítico
Superadora. Nesta, propõe-se a superação dos moldes alienantes e contraditórios ao qual
a Educação Física estava vinculada para, então, chegar a um modelo em que o
comprometimento com as transformações políticas e sociais orientariam a prática do
professor.
44
A proposta do Coletivo de Autores (1992) se fundamenta em reflexões
pedagógicas de caráter diagnóstico, judicativo e teleológico. Ela é diagnóstica, porque
verifica e compreende os dados da realidade posta, sendo efetivado, após essa
interpretação, um julgamento sobre tal realidade. Com isso, temos que a reflexão
pedagógica é, também, judicativa, porque julga a partir de uma ética que representa os
interesses de determinado grupo social. E por fim, é teleológica, “[...] porque determina
um alvo onde se quer chegar, busca uma direção.”, em que, dependendo da reflexão
adotada pelo grupo, as perspectivas poderão assumir um caráter conservador ou
transformador dos dados da realidade diagnosticados e julgados (p.16).
Dessa forma, entendemos que a percepção da realidade é fundamental na
medida em que possibilita a compreensão, por parte do corpo/aluno, de que as
produções humanas expressam conhecimentos de determinadas fases históricas e que
estas sofreram mudanças ao longo do tempo para se estabelecer como um saber corporal
e social. Ao fazer este movimento, percebemos o conhecimento que o corpo/aluno
detém a partir do que é proposto, mediado pelos saberes científicos que embasam o
currículo escolar, originando, assim, um novo saber sem desconsiderar o que é da
Cultura Corporal do aluno.
Sobre isso, temos a fala do Coletivo de Autores:
Nesse projeto a função social do currículo é ordenar a reflexão pedagógica do aluno de forma a pensar a realidade social
desenvolvendo determinada lógica. Para desenvolvê-la, apropria-se do
conhecimento científico, confrontando-o com o saber que o aluno traz do seu cotidiano e de outras referências do pensamento humano: a
ideologia, as atividades dos alunos, as relações sociais, entre outras
(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p.16).
Neste sentido, a escola tem como objetivo a reflexão do corpo/aluno, pautado
pelos conhecimentos científicos que embasam suas estratégias metodológicas, buscando
facilitar a apreensão dos corpos/alunos sobre aquilo que se propõem.
Lindoso (2012), ao estudar as representações do corpo com professores de
Educação Física e esportes em escolas públicas e privadas na cidade de Recife, traz-nos
alguns elementos de sua pesquisa que fundamentam algumas análises da abordagem
crítico-superadora como, por exemplo, a valorização da expressão corporal e do
movimento como elementos de representação do trabalho desses professores.
Ao ter como discurso a expressão corporal e o movimento, entende-se o campo
da Cultura Corporal por meio de práticas expressivo-comunicativas que se constituem
como um tipo de linguagem que se evidencia pelo corpo. Com isso, a autora pontua que
45
seria interessante pensar em estratégias em que “a cultura do nosso povo valoriza as
suas próprias práticas corporais”, ou seja, aquilo que está presente nas representações
corporais dos corpos/alunos nos espaços escolares (LINDOSO, 2012, p. 492).
Nessa pesquisa, Lindoso (2012), aponta que há certa transição do pensamento
sobre as representações do corpo com os professores. Aqueles que possuem uma
formação entre as décadas de 1970 e 1980 ainda guardam alguns elementos da
orientação das aulas de Educação Física pautados na aptidão física, enquanto aqueles
que possuem uma formação mais recente, já trazem essa preocupação com a Cultura
Corporal embutida em seus discursos. A autora comenta que esta representação ocorre
pelo fato de o estado de Pernambuco ter sido uma das cidades que trabalharam a
proposta inicial do Coletivo de Autores nas escolas, ou seja, discutiam-se tais
conhecimentos e isso fez com que houvesse certa influência no pensamento dos
professores de Educação Física neste espaço/tempo.
Nesse sentido, a proposta do Coletivo de Autores (1992) compreende a
Educação Física como uma disciplina que busca desenvolver uma reflexão pedagógica a
partir das formas de representações corporais que o homem manifestou em suas ações
no decorrer da história, aquilo que ele traz como parte de sua cultura.
Estas representações se materializam por meio dos:
[...] jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esporte, malabarismo, contorcionismo, mímica e outros, que podem ser identificados como
formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem,
historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 26).
Do exposto, decorre a afirmação que a materialidade corpórea foi
historicamente construída e, neste sentido, existe uma cultura corporal que é resultada
dos saberes socialmente produzidos e historicamente acumulados pela humanidade,
sendo necessário que estes sejam rediscutidos e transmitidos para os corpos/alunos na
escola.
A obra do Coletivo de Autores (1992) nos traz uma perspectiva de organização
dos conteúdos do currículo atrelado ao projeto político-pedagógico da escola. Os
autores evidenciam um modelo de configuração do tempo escolar que visa superar os
“etapismos” na transmissão dos conteúdos, o que possibilitaria uma relação complexa e
completa sobre o que se discute. Apresentam, ainda, elementos teóricos que permitem
uma distinção entre as perspectivas da aptidão física, que se envereda para a
compreensão de um corpo biológico e fragmentado, como expõe, também, a reflexão
46
sobre a formação do ser humano com um olhar integral, social, histórico, porém, sem
desconsiderar seu caráter biológico.
Nessa perspectiva, o homem foi desenvolvendo outras atividades, juntamente
ao movimento histórico da construção de sua corporeidade. A partir das necessidades
impostas, o ser humano foi modificando o meio que habitava, construindo a cultura e se
construindo por meio dos instrumentos e trabalhos que ele manipulava. Assim, o
Coletivo de Autores (1992) ressalta:
É fundamental para essa perspectiva da prática pedagógica da
Educação Física o desenvolvimento da noção de historicidade da cultura corporal. É preciso que o aluno entenda que o homem não
nasceu pulando, saltando, arremessando, balançando, jogando etc.
Todas essas atividades corporais foram construídas em determinadas épocas históricas, como respostas a determinados estímulos, desafios
ou necessidades humanas (p. 27).
Os saberes corporais estabelecidos pelas relações humanas fundamentaram a
consolidação da Educação Física como área do saber. As representações do corpo em
cada momento histórico fizeram com que os seres humanos, respondendo às demandas
de cada realidade, organizassem seus modos de vida para atender a essas exigências e
isto constituiu um conhecimento que se expressa pelo corpo e deve ser entendido como
um elemento da cultura humana. Na tentativa de trazer essas questões para os espaços
escolares é que a abordagem crítico-superadora busca evidenciar, em seus argumentos,
a superação dos modelos tecnicista, militarista, higienista de pensamento científico que
orientaram a prática dos professores de Educação Física por muito tempo.
Como proposta de superação dos modelos de Educação Física calcados na
aptidão física, a abordagem do Coletivo de Autores (1992), trata de elementos
específicos a partir de um programa de Educação Física destinado ao ensino
fundamental e médio, a partir dos temas da Cultura Corporal: jogo, ginástica, esporte,
luta e dança. Esta proposta visa a formas de apreensão dos conhecimentos que os temas
da Cultura Corporal possibilitam, partindo de um olhar de totalidade e entendendo a
expressão corporal como meio de comunicação entre o historicamente construído. Para
exemplificar esta metodologia de ensino da Educação Física, os autores apresentam
experiências sistematizadas por professores da Rede Pública de diferentes escolas
brasileiras, recomendando a exploração dessas possibilidades sob a óptica da realidade
que cada escola vivencia.
A abordagem crítico-superadora nos traz grandes contribuições para pensar a
Educação Física na escola, principalmente no que se refere à atuação do professor com
47
os corpos/alunos. Ao entendermos a Cultura Corporal como eixo articulador das
práticas dos professores entre o conhecimento científico e os conhecimentos oriundos
dos alunos, busca-se promover uma ação dialética de pensamento viabilizada pelos
jogos, esportes, danças, lutas e ginástica.
A Educação Física, quando pensada dessa forma, valoriza aquilo que os
corpos/alunos trazem consigo em seus saberes corporais, pois o meio sociocultural que
circunda o espaço da escola já é possibilitador de experiências marcadas no corpo. Das
experiências corporais na relação entre o conhecimento sistematizado confrontamos as
vivências cotidianas dos alunos no intuito de superar, por meio do e pelo corpo, o
modelo hegemônico de produção. São das representações simbólicas historicamente
construídas e culturalmente marcadas nos corpos/alunos que objetivamos práticas que
valorizam o fazer com significações.
Para compreendermos a relação entre o trabalho com o corpo/aluno que busca
um sentido de valorização das práticas corporais marcadas nos corpos/alunos e o que, a
partir da formação inicial, fundamenta esse trabalho trouxemos o entendimento de Silva
e Lara (2011), quando estas elegem as representações do corpo como objeto de estudo:
Tomamos como objeto de estudo as representações de corpo, pois
entendemos que elas sejam um dos principais determinantes teóricos e ideológicos que fundamentam o processo de formação do profissional
da área de Educação Física. Pensamos que nesse campo veiculam
diferentes representações de corpo e que, muitas vezes, a área reforça
os modelos difundidos socialmente (p. 11726).
Dessas concepções de corpo que são partilhadas nas relações sociais criam-se
conhecimentos do senso comum que determinam como cada sujeito interpreta, sente e
vivência seu corpo. Nesse sentido, os olhares para o corpo sob a óptica das
representações sociais no curso de Educação Física nos oferecem subsídios para
entender quais conhecimentos sobre o corpo circulam neste espaço e como estes podem
influenciar futuras práticas nos corpos/alunos na escola.
Ainda com Silva e Lara (2011, p. 11727), entendemos que os “sentidos que o
corpo assume são sínteses das relações que os homens travam com o mundo e consigo
mesmos”, sendo por meio desses conflitos que o indivíduo constrói e reconstrói suas
concepções, ideias e representações sobre o corpo. Dessas representações sócio-
corporais que identificam os saberes dos discentes e dos corpos/alunos, sendo estes
então os porta-vozes de suas formas de expressão nas aulas de Educação Física, é que
traremos, no próximo capítulo, um panorama da Teoria das Representações Sociais,
48
buscando criar elos entre o que se pensa para o corpo/aluno durante a formação em
Licenciatura em Educação Física.
49
CAPÍTULO II
TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
2.1 - HISTÓRIA, DEFINIÇÕES E FUNÇÕES DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
Em nosso cotidiano somos postos a ideias e valores que guiam o entendimento
sobre determinado assunto ou objeto na sociedade. Estes, não surgiram do nada. São a
partir das construções sociais, que se delineiam pelo contato com o outro e com o
mundo, que se produzem representações sobre algum conhecimento, atitude, pessoa ou
objeto. Estas representações nos possibilitam, minimamente, tomar partido frente às
adversidades que nos são postas na dinâmica social.
Nessa dinâmica do vivido com as novas experiências criam-se conhecimentos
que, orientados pelo senso comum, passam a sulear a vida do sujeito. Desse universo
nocional temos que as representações sociais são saberes que, derivados de
conhecimentos partilhados na sociedade, dão suporte ao encaminhamento das ações.
A Teoria das Representações Sociais (TRS) surgiu em 1961, com Serge
Moscovici, quando este desenvolveu sua pesquisa de doutorado na França, intitulada La
Psychanalyse – Son image et son public, tendo a segunda edição francesa publicada em
1976 e, posteriormente, traduzida para português em 1978. Nesta investigação,
Mosocovici buscou conhecer como a Psicanálise, um saber científico, foi incorporado
ao saber popular. Além disso, buscou compreender de que forma as informações
recebidas pelas pessoas sofrem modificações e como isso auxilia na elaboração e
manutenção da realidade social sobre determinado assunto.
Moscovici parte do conceito de representações coletivas desenvolvido por
Durkhein. Porém, traz outros olhares para as representações coletivas aproximando-se
de conceitos da sociologia e da psicologia de modo a desenvolver um constructo mais
dinâmico e flexível, prestante ao entendimento da “gênese do senso comum”, incluso
nesta a relação dos saberes científico e popular nas comunicações sociais
(MOSCOVICI, 2001, p. 45).
Durkhein entendia que as representações coletivas estavam mais próximas ao
campo da sociologia, enquanto a representação individual situava-se nos domínios da
psicologia. Na Teoria das Representações Sociais, Moscovici considera que as
50
estruturas individuais e coletivas trabalham de forma simbiótica, o que revela um
caráter mais complexo em sua definição/efetivação, e isto representou um dos grandes
avanços em sua teorização.
Jodelet (2001) nos fala que a Teoria das Representações Sociais:
[...] implica sua relação com processos de dinâmicas social e psíquica
e com a elaboração de um sistema teórico também complexo. Por um
lado, deve-se levar em consideração o funcionamento cognitivo e o do aparelho psíquico, e, por outro, o funcionamento do sistema social,
dos grupos e das interações, na medida em que afetam a gênese, a
estrutura e a evolução das representações que são afetadas por sua intervenção (p. 26).
Na compreensão de Durkheim, as representações coletivas operam de forma
homogênea, sendo esta vivenciada por todos os membros de um determinado grupo.
Sua função é manter os vínculos entre os sujeitos do grupo, o que pressupõem que estes
pensem e orientem de forma mais ou menos convergente. Neste sentido, ela é uma
representação coletiva “[...] por isso e também porque perdura pelas gerações e exerce
uma coerção sobre os indivíduos, traço comum a todos os fatos sociais” (MOSCOVICI,
2001, 47).
Estes elementos estão atravessados pelos fatores culturais e sociais, quando
representações coletivas expressam, também, valores dos grupos em que se estruturam
as representações:
O indivíduo sofre a pressão das representações dominantes na sociedade e é nesse meio que pensa ou exprime seus sentimentos.
Essas representações diferem de acordo com a sociedade em que
nascem e são moldadas. Portanto, cada tipo de mentalidade é distinto e corresponde a um tipo de sociedade, às instituições e às práticas que
lhe são próprias (MOSCOVICI, 2001, p. 49).
Ao trazer os dados que constituem os saberes da sociedade na qual se insere o
sujeito, parte das representações que o grupo toma como saber comum passa a constituir
os saberes individuais que são transmitidos pelos processos comunicacionais, atitudinais
e conceituais.
Destes aspectos, Moscovici inaugura as teorizações acerca das representações
sociais, influenciadas pelas representações coletivas de Durkhein, direcionando seus
estudos numa perspectiva que buscasse entender a sociedade moderna embebida dos
saberes que constituíam as sociedades tradicionais. Sobre este ponto comenta a
transição das noções de representações coletivas, cedendo lugar às representações
sociais:
51
De um lado, era preciso considerar uma certa diversidade de origem,
tanto nos indivíduos quanto nos grupos. De outro, era necessário
deslocar a ênfase sobre a comunicação que permite aos sentimentos e aos indivíduos convergirem: de modo que algo individual pode tornar-
se social ou vice-versa. Reconhecendo-se que as representações são,
ao mesmo tempo, construídas e adquiridas, tira-se-lhes esse lado preestabelecido, estático, que as caracterizava na visão clássica
(MOSCOVICI, 2001, p. 62).
Deste movimento de substituição entre as teorias, mas que pode ser entendido
como uma complementação das ideias, Moscovici (2001) nos diz que ao representarmos
alguma coisa ou noção, não produzimos unicamente o que é nosso enquanto ideia e
imagem, mas sim processos de transmissão e criação daquilo que é elaborado. Este
produto individual, progressivamente, ocupa um espaço coletivo de discussão, a partir
do que nos é colocado como regra social e dentro destes limites “[...] o fenômeno pode
ser denominado representação social” (MOSCOVICI, 2001, p. 63).
Jodelet (2001) comenta que as representações sociais decorrem de processos
naturais e culturais, que ocorrem em múltiplas ocasiões. Elas permeiam os discursos, as
palavras e imagens que a mídia reproduz ou, ainda, se expressam por condutas e
organizações espaciais e temporais. Temos com a autora uma caracterização do que são
as representações sociais, sendo esta:
[...] uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma
realidade comum a um conjunto social. Igualmente designada como
saber de senso comum ou ainda saber ingênuo, natural, esta forma de
conhecimento é diferenciada, entre outras, do conhecimento científico. Entretanto, é tida como um objeto de estudo tão legítimo quanto este,
devido à importância na vida social e à elucidação possibilitadora dos
processos cognitivos e das interações sociais (JODELET, 2001, p. 22).
É no organizar as relações entre o meio e os outros que as representações
sociais direcionam e estabelecem condutas sociais sobre determinado assunto, ação ou
conhecimento. A partir do momento em que se penetra o discurso, tais representações
possibilitam a difusão do conhecimento, bem como sua assimilação, interfere nas
condutas individuais e coletivas, o que pressupõe um aspecto de definição das
identidades e suas expressões na sociedade (JODELET, 2001).
Uma representação social é tida, sempre, como representação de alguém
(sujeito) a respeito de alguma coisa (objeto), sendo nelas expressas características de
ambas. A partir do objeto da representação ocorre uma relação entre a simbolização do
mesmo, que se dá pela sua substituição, e pelas interpretações que conferem ao objeto
uma significação (JODELET, 2001).
52
Para elencar os elementos de constituição de uma representação, Jodelet (2001)
problematizou algumas questões que auxiliariam na compreensão do saber que se
compartilha na coletividade. As questões são: “Quem sabe e de onde sabe?”, “O que e
como sabe?” e “Sobre o que sabe e com que efeitos?”.
As respostas a essas questões são de fundamental importância para a
compreensão da Teoria das Representações Sociais e, neste sentido, podem ser
entendidas da seguinte forma:
Quem sabe e onde sabe? – Estes questionamentos se referem às
condições de produção e à circulação das representações sociais. O
primeiro diz respeito aos grupos sociais que detêm determinado tipo de
saber. Já o segundo ocupa-se em entender o contexto em que se dão as
representações sociais e de que maneira circulam os conhecimentos ali
produzidos. Ou seja, são as pessoas de determinado lugar que, imersas
pelos elementos culturais, compartilham saberes, valores da sociedade e
os meios de comunicação que auxiliam a difusão dos conhecimentos –
televisão, rádio, computadores, jornais e etc.;
O que e como sabe? – Aqui são elencados os processos e estados que as
representações sociais tomam para si. São como as bases da
representação para que ela se estruture e tome consistência. Assim,
esses processos ocorrem a partir daquilo que edifica o saber como, por
exemplo, os discursos dos sujeitos, suas manifestações,
comportamentos, materiais. Enfim, tudo aquilo que possa dar subsídio à
explicação dada pelos sujeitos sobre determinado assunto;
Sobre o que sabe e com que efeitos? – Este ponto associa-se ao estatuto
epistemológico das representações sociais. Diz respeito, primeiramente,
à aproximação que o objeto das representações sociais possui com o
grupo social que a compartilha, bem como o interesse dos mesmos. O
segundo está direcionado aos produtos que tais representações oferecem
aos sujeitos que delas se apropriam.
Por meio desses questionamentos evidenciamos a importância crucial dada à
comunicação nos fenômenos representativos que, segundo Moscovici (2003, p. 307)
relacionam-se “[...] ao pensamento simbólico e a toda forma de vida mental que
pressupõe linguagem.”.
53
Inicialmente, ela se configura como o vetor de transmissão da linguagem,
carregada em si mesma de representações. Posteriormente incide sobre os aspectos que
estruturam e dão forma ao pensamento social, à medida que engaja as interações sociais,
as influências, o consenso ou dissenso e polêmica sobre determinado assunto. E,
finalmente, os processos comunicacionais que contribuem para forjar representações
que são úteis para a vida prática dos sujeitos (JODELET, 2001).
A comunicação desempenha um importante papel nas trocas e interações que
se referem ao surgimento de um universo consensual. Remete, também, a fenômenos de
influência e de pertença sociais decisivos sobre determinado assunto ou objeto. Jodelet
(2001) busca fundamentos na pesquisa sobre a representação da Psicanálise de
Moscovici, para tratar dos elementos de incidência da comunicação e estes são
divididos em três níveis:
1) Ao nível da emergência das representações cujas condições afetam os
aspectos cognitivos. Nesta encontra-se a dispersão e defasagem das
informações no que se refere à representação do objeto e suas formas de
recepção pelos diferentes grupos, fato que ocorre de maneira desigual; o
foco que se direciona ao objeto, que ocorre em função dos interesses e da
implicação dos sujeitos; os pressionamentos frente à inferência referente à
necessidade de tomar partido ou obter o reconhecimento dos outros.
2) Ao nível dos processos de formação das representações. Estes se referem
aos processos de objetivação e de ancoragem que possibilitam o
entendimento da relação entre a atividade cognitiva e suas condições sociais
de exercício da organização dos saberes, suas significações e a utilidade que
lhe é proposta;
3) Ao nível das dimensões das representações relacionadas à edificação da
conduta: diz respeito às opiniões, atitudes e estereótipos, a partir dos
sistemas de comunicação midiáticos.
Na elaboração e formação desse universo nocional tem destaque os processos
de ancoragem e objetivação, os quais “[...] compreendem a imbricação e a articulação
entre atividade cognitiva e as condições sociais em que são forjadas as representações”
(NÓBREGA, 2001, p. 65). Estes, segundo Moscovici (2003), têm como intuito dar
familiaridade à realidade que se representa.
54
Neste sentido, partindo de Nóbrega (2001, p. 65), “[...] a objetivação consiste
em materializar as abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o
impalpável, enfim, transformar em objeto o que é representado”, ou seja, busca tornar
uma ideia em imagem o que possibilita tornar a realidade mais concreta.
Este processo é decomposto em três fases: construção coletiva, esquematização
estruturante e naturalização.
Construção coletiva se refere aos meios utilizados para aquisição do
conhecimento, passando por elementos culturais e critérios normativos
de cada grupo;
Esquematização estruturante ou núcleo figurativo, diz respeito ao que
dá sustentação à representação, ou seja, é aquilo que determina a
significação e organização da representação;
Naturalização é quando um conceito ou simbolização ganha concretude
na sociedade, tornando os elementos do modelo figurativo em uma
realidade sensível possibilitando, desse modo, uma existência palpável.
Além desses três processos que estruturam a objetivação, evidenciamos as
fases do desejo, avaliação, demanda e troca. As duas primeiras – desejo e avaliação –
correspondem aos elementos que são desejáveis pelo sujeito, mas que ao mesmo tempo
sofrem um julgamento sobre aquilo que se deseja. A demanda consiste na aproximação
entre o valor daquilo que se deseja e sua real necessidade para o sujeito. Por fim, a troca
diz respeito aos elos que são criados nos momentos de partilha sobre aquilo que é
ofertado na relação com o que é demandado.
Concomitantemente relacionada à objetivação, a ancoragem compreende os
processos que dão suporte às informações. Esta fase de estruturação das representações
sociais permite o agrupamento do desconhecido ou do novo em uma rede de categorias
usuais. Assim, se a objetivação busca explicar de que forma os conhecimentos de uma
teoria são integrados na realidade social, a ancoragem dá subsídios para compreender de
que maneira eles contribuem para exprimir e constituir as relações sociais (NÓBREGA,
2001).
Nóbrega (2001) nos diz que, assim como a objetivação, a ancoragem também
se orienta por três condições estruturantes: atribuição de sentido, instrumentalização do
saber e enraizamento no sistema de pensamento.
55
Atribuição de sentido se refere às significações culturais que marcam as
memórias culturais das representações sociais. Ou seja, para enquadrar
as novas significações que são postas a realidade, ocorre à adesão do
pensamento constituinte sobre o pensamento constituído;
Instrumentalização do saber compreende a relação entre o sujeito e o
meio na utilização das representações sobre o objeto, transformando-o
em novos conhecimentos que se tornarão úteis na compreensão do
contexto;
Enraizamento no sistema de pensamento pressupõe a incorporação dos
novos conhecimentos na dinâmica social e isto possibilita a orientação
dos sujeitos em relação aos valores sociais, dando-lhe, então, coerência.
É no atrelamento da objetivação e da ancoragem que se sustentam a formação
das representações sociais. Ambos os processos são, segundo Abric (1998), pautados
por quatro funções essenciais que auxiliam na edificação e manutenção das
representações: função de saber, função identitária, função de orientação e função
justificadora.
A função de saber permite compreender e explicar determinada realidade, de
forma que os saberes adquiridos pelos sujeitos possam ser assimilados e, estes,
garantam uma utilização prática em suas vidas. Este processo é facilitado pelos
elementos da comunicação, que atuam na transmissão daquilo que pautado no discurso
enquanto saber ingênuo.
Com o intuito de assegurar a imagem positiva do grupo e sua especificidade, a
função identitária oferece subsídios para que a comparação social se efetive a partir do
que é consolidado como representação de determinado grupo por meio de suas
características e produções culturais.
Já a função de orientação trabalha no direcionamento dos comportamentos e
práticas sociais que são elaborados por meio dos saberes pré-estabelecidos pelas
representações. Ou seja, refere-se às regras que condicionam os comportamentos ou
ditam práticas obrigatórias, definindo o que é lícito, tolerável ou inaceitável em um
determinado contexto social.
A função justificadora permite aos sujeitos manterem ou reforçarem os
comportamentos de diferenciação social, nas relações intergrupais. Com isso, aquilo que
se realiza como prática de um grupo em face de outro, constrói elementos para que se
justifiquem as ações. Abric (1998, p. 30), explica que esse processo “[...] tem por
56
função preservar e justificar a diferenciação social e pode estereotipar as relações entre
os grupos, contribuir para a discriminação ou para a manutenção da distância social
entre eles”.
Ainda no que tange os aspectos do processo comunicacional na construção das
representações, temos que este trabalha de forma incessante na elaboração daquilo que é
representado. Neste sentido, Nóbrega (2001) nos traz três sistemas indutores – difusão,
propagação e propaganda – que possibilitam a edificação das condutas a partir do modo
que são transmitidas e recebidas às informações pelos alvos do diálogo.
Caracterizada pela indiferenciação das ligações estabelecidas entre o emissor e
o receptor da mensagem, a difusão está relacionada à formação das opiniões por meio
das contradições que o tema discutido gera. Isso provoca uma instabilidade e fluidez das
posições assumidas pelos sujeitos.
Em contrapartida, a propagação exige uma complexidade maior na organização
das mensagens transmitidas. Relacionada ao conceito de atitude, produz-se um efeito de
ação reguladora frente às ações dos sujeitos e, dessa forma, a propagação se efetiva no
grupo a partir das crenças que se difundem por meio da organização de suas ideias.
Por fim, a propaganda é uma forma de comunicação que se pauta nas relações
sociais conflituosas. Orienta-se na produção de uma representação a partir de um objeto
que provoca conflito e se relaciona, também, na formação de estereótipos que “[...]
consiste numa resposta que é ao mesmo tempo, genérica rígida e reducionista à
simplificação dos fatos.”. Ao limitarem os assuntos acerca de padrões sociais de
pessoas, lugares ou coisas cria-se um campo passível de preconceitos que pode
ocasionar tensões e intolerâncias nas relações intergrupais (NÓBREGA, 2001, p. 72).
Moscovici (2003) nos traz o exemplo da propaganda contraria que o comunismo fazia a
psicanálise, tendo em vista que estas eram as duas teorias que se encontravam em
ascensão na Europa e, em especial, em Paris.
2.2 – O CORPO COMO OBJETO DE ESTUDO DAS REPRESENTAÇÕES
SOCIAIS
O corpo, tomado como objeto de estudo no campo das representações sociais,
assume múltiplas perspectivas sobre o tratamento que este irá receber. Conforme
Wagner (1998), o corpo é um tópico paradigmático de pesquisa no campo das
57
representações sociais, visto que entre outros objetos que permeiam o âmbito cultural, o
corpo evidencia imagens que refletem a integração dos saberes pessoais subjetivos e as
relações sociais que este consolida.
Esta afirmação se efetiva ao pensarmos que nas diversas relações no tempo e
espaço o corpo se transforma por meio de suas técnicas próprias, o que pressupõe
representações do corpo diferentes nestes tempos/espaços.
Se por um lado, o corpo humano apresenta-se como ponto de referência para
compreender estados individuais de sentimentos, por outro lado, algumas normas
sociais e exigências culturais adéquam os limites corporais, bem como suas
possibilidades de exploração.
Isto, de uma parte, é objeto de uma experiência pessoal imediata, lugar de inscrição da subjetividade e da projeção de afetos e bloqueios
psicológicos; de outra, é objeto de um pensamento social, regido por
sistemas prescritivos, ao nível de sua conservação e apresentação, e engajado, por sua utilização e colocação no esquema social, no campo
das determinações externas, o corpo constitui, com efeito, um terreno
privilegiado para se estudar a interação dos processos individuais e
coletivos na elaboração das representações sociais (WAGNER, 1998, p. 340).
Neste sentido, podemos vislumbrar o corpo nos espaços escolares tendo em
vista as culturas escolares que direcionam os saberes corporais dos corpos/alunos nos
locais por eles explorados. Nas aulas de Educação Física, quando pensadas somente
com o intuito da aptidão física, percebe-se um aprisionamento do corpo buscando sua
disciplinarização em detrimento dos resultados que se esperam, ou seja, as experiências
corporais dos corpos/alunos são reguladas pelas normas que direcionam a aula.
Para além do entendimento individualizado do corpo, este pode ser
compreendido, também, pela sua concretude e contextualização no meio social que
habita. Assim, o “[...] corpo é, portanto, um objeto relevante para ser tratado no âmbito
da Psicologia Social” (CAMARGO, JUSTO e ALVES, 2011, p. 270). Ao utilizarmos as
representações sociais como subsídio no entendimento das práticas efetivadas pelos
discentes nos corpos/alunos na escola, objetivamos compreendê-lo em sua totalidade,
permeado pelo contexto das relações sociais e culturais que formam o saber individual,
mas que também é coletivo.
Para Camargo, Justo e Jodelet (2010) o corpo, além de ser considerado
mediador de relações sociais, se apresenta, também, como mediador do conhecimento
que se tem de si mesmo e do outro. Isto permite que a percepção que o indivíduo possui
58
sobre sua imagem corporal constitua um elemento fundamental para a compreensão das
representações subjetivas do corpo na relação com o outro e com meio.
Assim, um papel exercido pelo corpo é a reflexão a partir da imagem que se
projeta e a avaliação que se faz, tanto de si mesmo quanto das outras pessoas. O corpo,
ao ser percebido, a partir de suas representações, possibilita modificações da imagem
corporal que se destina aos outros, bem como se molda aos interesses próprios
(CAMARGO, JUSTO e JODELET, 2010).
Pensando a Universidade do Estado de Mato Grosso como espaço de formação
dos professores de Educação Física, atrelamos a fala de Camargo, Justo e Jodelet (2010,
p. 450) ao entenderem que as “[...] teorias de senso comum sobre o corpo, além de
repercutirem nas práticas corporais de cuidados com o corpo, interferem também no
modo como se dá a relação com o outro”. Podemos ponderar que este outro, que as
autoras comentam, são os alunos que permeiam os espaços escolares.
São os saberes que percorrem as salas, corredores, quadras entre outros espaços
que constituem o curso de Educação Física na UNEMAT/Cáceres, que constituem
práticas de ensino sobre os corpos alunos em diversos municípios mato-grossenses, bem
como de outros estados brasileiros. Quando entendemos as propostas educativas dos
futuros professores de Educação Física, compreendemos os saberes que referenciam
suas ações na escola, sendo de fundamental importância para repensarmos certos pontos
que marcam a formação desses discentes. É sobre esses corpos que os professores atuam
e, neste sentido, compreender o que este corpo aprende nas aulas de Educação Física
representa o modo como este se enxerga a partir do que aprendeu neste processo de
formação.
Jodelet (1994) ressalta a importância de se estudar o corpo com base na teoria
das representações sociais, pois estas assumem um papel importante na elaboração de
maneiras coletivas de ver e viver o corpo, difundindo modelos de pensamento e de
comportamento a ele relacionados.
A teoria das representações sociais atreladas às discussões sobre o corpo pode
auxiliar na compreensão do corpo, extrapolando suas dimensões individuais e
psicológicas, esclarecendo o papel desses conhecimentos, compartilhado entre os
grupos sociais na valorização do corpo em seus variados interesses, ocupações e
consequências para as pessoas (CAMARGO, JUSTO e ALVES, 2011).
No próximo capítulo traremos a análise dos dados sob a luz do referencial
teórico que embasa este trabalho, bem como apresentaremos as categorias obtidas na
59
coleta de dados com os acadêmicos/sujeitos do curso de Licenciatura em Educação
Física da Universidade do Estado de Mato Grosso campus Cáceres-MT.
60
CAPÍTULO III
AS REPRESENTAÇÕES DOS DISCENTES SOBRE O TRABALHO COM O
CORPO/ALUNO NA EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR
3.1 – APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS DADOS
Apresentamos agora a análise dos dados obtidos pela aplicação dos
questionários com os acadêmicos do sexto, sétimo e oitavo semestres do curso de
Licenciatura em Educação Física da UNEMAT campus Cáceres-MT. A aplicação dos
questionários ocorreu em dois momentos. No primeiro, conseguimos respostas de 23
discentes concentrados, em sua maioria, no sexto e sétimo semestre. Já no segundo
momento, tínhamos como alvo principal os discentes do oitavo semestre, sendo
aplicados, então, mais 21 questionários, totalizando 44 questionários.
A aplicação deste questionário se baseia no Teste de Associação Livre de
Palavras (TALP), em que em a estrutura psicológica do sujeito poderia ser evidenciada
a partir de evocações livres frente a um estímulo indutor (NÓBREGA e COUTINHO,
2003).
Este questionário buscou, além da identificação dos discentes, levantar um
banco de dados baseado em evocações livres a partir do estímulo indutor “Para você
como o corpo é trabalhado na escola?”. Dessa forma, os sujeitos evocaram as cinco
primeiras palavras que lhes surgiam quando liam esta pergunta. Posterior à evocação,
solicitamos que hierarquizassem as palavras para que pudéssemos obter a ordem média
de evocação (OME). Esta ação consiste em colocarem as palavras na ordem de 1 a 5,
independentemente da ordem que se dispuseram inicialmente no questionário. Para
sabermos a ordem média de importância (OMI), ou seja, o sentido dado às palavras
evocadas, os discentes atribuíam um julgamento positivo, neutro ou negativo para as
palavras e, por fim, justificavam a escolha das mesmas.
Após a realização da coleta de dados, tabulamos os dados em uma planilha do
Microsoft Excel, organizando as similaridades semânticas e de sentido, para em seguida
passarem por tratamentos estatísticos, no intuito de subsidiar a construção das
61
categorias. Esta ação foi desenvolvida através da prevalência dos lexemas9 – quantidade
de vezes que estas foram evocadas no questionário (%). Desta forma, apresentamos as
categorias a partir da mais evocada para a menos evocada.
A nomenclatura das categorias se deu pela aproximação entre as palavras
evocadas e as justificativas que os acadêmicos expressaram no questionário, bem como
a relação das literaturas que tratam dos assuntos abordados. As categorias são:
Conteúdos da Educação Física; Expressão Corporal; Aprendizagem e Desenvolvimento;
Dicotomia Corpo/Mente; Cultura; e Atividade Física e Saúde.
Por meio das categorias, trazemos a análise e discussão de suas prevalências,
bem como sua ordem média de evocação (OME) e a ordem média de importância
(OMI). Além desses elementos, buscamos trazer algumas das justificativas realizadas
pelos sujeitos.
Com estes dados, pudemos perceber certas representações sobre o trabalho com
o corpo/aluno sob a óptica dos discentes do curso de Licenciatura em Educação Física
da UNEMAT. Estas se manifestam pelas várias concepções de corpo que os discentes
possuem, o que induz sua perspectiva de prática pedagógica na escola.
3.2 – GRÁFICO DE SATURAÇÃO E EXPLICAÇÃO DAS CATEGORIAS
Os sujeitos da pesquisa abrangem um total de 44 alunos, distribuídos nos três
semestres escolhidos para a pesquisa. A Figura 1 apresenta um gráfico de saturação para
as questões baseadas em evocações livres. Segundo De Musis et al. (2009, p. 506):
A saturação pode ser qualitativamente definida como o tamanho de amostra em que a inclusão de novos participantes apresenta uma
redundância tal que, conforme critério definido pelo pesquisador,
pouco acrescenta ao material já obtido.
O gráfico de saturação apresenta o par ordenado número de categoria e número
de sujeitos, indicando onde as palavras e justificativas dos sujeitos começam a
apresentar certa redundância, o que possibilitou inferir no que diz respeito à
representatividade da amostra coletada para a pesquisa. Neste gráfico, percebemos
inflexão indicadora do início da saturação a partir do sexto sujeito (primeira flecha),
9 Para agruparmos as palavras que se encontravam no mesmo grupo morfológico e que
possuíam diferenciações prefixais e sufixais, consideramos a similaridade semântica e de
sentido. Por exemplo: brincar, brincadeira, brinquedo, jogo, lúdico, ludicidade; todas essas palavras foram agrupadas em uma para que pudéssemos identifica-las, no caso, ludic+. O
símbolo + corresponde a esse agrupamento das palavras neste lexema.
62
sendo que esta se estabiliza a partir do décimo sexto (segunda flecha), momento em que
se percebe certa redundância nas expressões proferidas.
Figura 1 – Gráfico da saturação para a Questão 1.
A seguir discutiremos as categorias evidenciadas pela análise das evocações.
Nesta, traremos aquelas que se expressaram de maneira acentuada, entendo-as como as
categorias principais para a discussão “como é o trabalho com o corpo na escola”,
partindo das evocações realizadas pelos acadêmicos.
Partindo da análise das evocações, ao categorizarmos as evocações feitas pelos
acadêmicos, montamos um quadro em que se evidenciam as categorias mais expressivas
nas evocações realizadas.
Categorias Contage
m
Ordem média de
evocação
Ordem média de
importância
Prevalência
Conteúdos da
Educação Física
67 2,88 3,33 30,5%
Expressão
Corporal
40 2,40 2,68 18,2%
Aprendizagem e
Desenvolvimento
25 3,04 2,91 11,4%
Dicotomia Corpo
e Mente
20 3,50 3,00 9,1%
Cultura 18 3,33 3,06 8,2%
Atividade Física e
Saúde
16 2,75 2,31 7,3%
Quadro 1 – Estatística descritiva das categorias de análise.
Da tabela, temos como expressões mais evidentes as 6 categorias mais
prevalentes (percentual acima de 7%), entendidas nesse trabalho como sendo aquelas
0
1
2
3
4
5
6
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43
63
que mais se aproximam com a pergunta indutora. Nestas evidenciaremos os sentidos
dados a partir das palavras evocadas, analisando o discurso sobre como o corpo/aluno é
trabalhado na escola partilhado pelos acadêmicos da pesquisa.
3.3.1 – Os conteúdos da Educação Física e o trabalho com o corpo na Educação
Física escolar
Sobre a categoria “Conteúdos da Educação Física” agrupamos os conteúdos da
Cultura Corporal, entendida pelo Coletivo de Autores (1992). Nessa perspectiva,
englobamos os aspectos historicamente construídos pelos homens em relação e em
movimento, abordo às práticas que direcionam a Educação Física escolar, exteriorizadas
pelos jogos, esportes, danças, lutas e ginástica.
Para o Coletivo de Autores (1992, p. 32), o pensamento de Libâneo (1985, p.
39) acerca do que são conteúdos faz-se necessário ao passo que estes – conteúdos –
“[...] são realidades exteriores ao aluno que devem ser assimilados e não simplesmente
reinventados, eles não são fechados e refratários às realidades sociais [...]”, pois “[...]
não basta que os conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados é preciso
que se liguem de forma indissociável à sua significação humana e social”.
Nesta perspectiva, os conteúdos implicam abranger o sentido e o significado
pensados numa proposta de reflexão pedagógica na escola, ou seja, devem possibilitar
entendimento sobre o que fazer, onde fazer e o porquê fazer determinada prática na
escola, tendo em vista o aspecto sócio-histórico do aluno.
Nas palavras dos autores:
[...] podemos dizer que os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde se interpenetram,
dialeticamente, a intencionalidade/objetivos do homem e as
intenções/objetivos da sociedade (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 62).
Dessa forma, compreendemos que o que se dá no corpo na escola está
relacionado a esses elementos e a sua construção no âmbito corporal.
Realizando as aulas de educação física a partir do que os alunos trazem, os mesmos são incentivados, convidados a exporem-se e
experimentarem as situações que dizem respeito tanto aos seus
interesses quanto aos dos outros alunos. Nesse processo, percebemos que o repertório de práticas corporais tem sido ampliado (ASSIS;
CARVALHO, 2012, p. 7).
64
Partindo do quadro, podemos perceber que 30,5% das evocações feitas pelos
sujeitos10
se referem a estes conteúdos como sendo as práticas que orientam o trabalho
com o corpo/aluno na escola. Nesta categoria, a ordem média de evocação (OME =
2,88) nos dá o entendimento sobre o que foi mais prontamente evocado com o mote
indutor ao questionarem os sujeitos, contrastando com a ordem média de importância
(OMI = 3,33) que se refere à importância atribuída à palavra evocada.
Com isso, notamos que os acadêmicos lembram-se, inicialmente, dos
conteúdos da Educação Física, porém, ao lhe atribuírem importância, estes não se
caracterizam como sendo um dos elementos mais importantes para o trabalho com o
corpo na escola. Este dado nos faz repensar sobre os sentidos dados aos conteúdos da
Educação Física no espaço escolar, pois se eles orientam as práticas dos professores na
escola, que o motivo de não se atribuir tanta importância aos conteúdos da Educação
Física?
As palavras que mais se expressam nessa categoria são: “esporte”, “ludic+11
” e
“dança” delas podemos fazer uma relação sobre o que se trabalha como elemento
fundamental nas aulas de Educação Física.
O trabalho com o “esporte”, na escola, recebe interpretações diferentes nas
justificativas dadas pelos acadêmicos. Trazem a compreensão do sentido esportivista
que este conteúdo da Educação Física ganha no espaço escolar, bem como o caráter
social que o mesmo evidencia pela ocupação do “tempo livre” das crianças.
Na fala dos acadêmicos percebemos estas expressões: “Os esportes são
utilizados como meio de desenvolvimento do corpo. Minha visão negativa desse ponto é
pela esportivização e exclusão de alguns alunos.” (Sujeito 1M); “Esporte é o que
predomina nas aulas, principalmente o futsal, vôlei, handebol e basquete (quarteto
fantástico).” (Sujeito 2M); “Se faz necessário dentro da escola, pois consigo o esporte
traz muitos valores que se fazem necessário ao decorrer da vida escolar e social.”
(Sujeito 10M); “As vezes na escola o corpo só é trabalhado no esporte.” (Sujeito 15F);
10
Nesta pesquisa a identidade dos sujeitos será preservada, sendo os nomes substituídos por
números e o gênero. Exemplo: sujeito 45F (sujeito de número quarenta e cinco do sexo feminino). 11
A expressão ludic+ representa as palavras que contêm significados parecidos como, por
exemplo, ludicidade, lúdica, lúdico, além de palavras como brincadeiras, jogos que apresentam um sentido próximo ao que se discute nessa palavra/expressão. O símbolo + diz respeito a essa
junção das palavras com o mesmo lexema e com os sentidos próximos.
65
“É um dos componentes da Educação Física, mas para muitos alunos a Educação Física
restringe apenas ao esporte.” (Sujeito 20F).
O esporte é uma espécie de jogo, sistematizado e que possui regras. Ele acarreta muitos pontos positivos para a sociedade, muitos jovens e
crianças se desenvolvem com o esporte e também sonham com um
futuro nele (Sujeito 34F).
Na perspectiva da cultura corporal, o esporte deve ser compreendido, na escola,
de forma “crítico-superadora”, pautado pedagogicamente pelas ações dos professores, e
este deve evidenciar os sentidos e significados que regem sua prática no contexto em
que os alunos se inserem, pontuando ainda:
O esporte, como prática social que institucionaliza temas lúdicos da
cultura corporal, se projeta numa dimensão complexa de fenômeno
que envolve códigos, sentidos e significados da sociedade que o cria e
o pratica. Por isso, deve ser analisado nos seus variados aspectos, para determinar a forma em que deve ser abordado pedagogicamente no
sentido de esporte ‘da’ escola e não como esporte ‘na’ escola
(COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 69-70, grifos do autor).
Sendo assim, ao adentrar os espaços escolares, o esporte deve introduzir o
corpo/aluno na relação entre o fazer com significações e compreender com sentidos,
para que sua prática não esteja desconectada dos elementos vivenciados na sociedade.
Quando o esporte é “da” escola, ele incorpora os aspectos pertinentes da
comunidade que circunda o espaço escolar, não racionaliza a sua manifestação,
possibilita uma reflexão crítica sobre o papel do esporte na sociedade capitalista,
defende o compromisso da solidariedade e respeito humano, trabalha na coletividade e
busca incluir a todos nas aulas de Educação Física. Diferentemente, o esporte “na”
escola se assemelha ao padrão imposto pelo modo de produção capitalista, em que a
busca da tecnificação das práticas corporais massifica os saberes do corpo, excluí os
menos habilidosos, não leva em consideração o contexto sócio-histórico dos alunos,
exigem a máxima do rendimento e, nesta perspectiva, o corpo/aluno toma um caráter de
aluno/atleta. Os acadêmicos entendem que este “[...] pode ser considerado uma forma de
controle social, pela adaptação do praticante aos valores e normas dominantes
defendidos para a ‘funcionalidade’ e desenvolvimento da sociedade” (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 70).
Nota-se que os autores supracitados, ao entenderem o esporte como produções
histórico-culturais o percebem como subordinação dos significados impressos pelo
modo de produção capitalista e, dessa forma, não pode afastar-se das condições que
66
deles emergem, sendo necessário, então, atribuir um sentido específico no momento que
este conteúdo da Educação Física permeia o currículo escolar.
Além do caráter esportivista que as aulas de Educação Física recebem,
aparecem, também, os elementos sobre a ludicidade, o jogo e as brincadeiras, aqui
englobados pelo termo “ludic+”. Nessa perspectiva evidenciamos os elementos das
aulas de Educação Física que se dão por práticas que pontuam as manifestações da
cultura lúdica dos alunos.
A cultura corporal, nesse sentido, busca “[...] instigar a criatividade humana à
adoção de uma postura produtiva e criadora [...], tanto no mundo do trabalho como no
do lazer”, pressupondo que a realização de práticas lúdicas tornam as aulas mais
prazerosas e livres (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 41).
Os autores trazem que:
O jogo satisfaz necessidades das crianças, especialmente a
necessidade de ‘ação’. Para entender o avanço da criança no seu
desenvolvimento, o professor deve conhecer quais as motivações, tendências e incentivos que a colocam em ação. Não sendo o jogo
aspecto dominante da infância, ele deve ser entendido como ‘fator de
desenvolvimento’ por estimular a criança no exercício do pensamento, que pode desvincular-se das situações reais e levá-las a agir
independentemente do que ela vê (COLETIVO DE AUTORES,
1992, p. 65, grifos do autor).
Ao se trabalhar na perspectiva lúdica dos conteúdos da Educação Física, deve-
se pensar nos elementos que buscam esse avanço da criança frente ao seu
desenvolvimento, pautado por essas manifestações. Nas falas dos acadêmicos
percebemos as explicações que intentam fazer essa relação entre o desenvolvimento e o
sentido prazeroso das práticas ponderem que quando “[...] são trabalhadas mais de
forma lúdica, não se cobram muitas regras nas atividades propostas.” (Sujeito 44F);
“Acho que a ludicidade tem que ser acompanhada na escola. O corpo necessita de
lúdico para viver.” (Sujeito 40F); “Ludicidade é o que nos fornece prazer nas atividades,
é diversão e não obrigação.” (Sujeito 37F); “É bom ter brincadeira principalmente nas
séries iniciais para o bom desenvolvimento (motor, coordenação e etc.).” (Sujeito 20F);
“O lúdico é essência para iniciar qualquer atividade com a criança.” (Sujeito 6F);
O corpo também é trabalhado através das brincadeiras, que é muito importante na formação do aluno. Os valores de antigamente passados
aos alunos seriam bem interessantes (Sujeito 40F).
A meu ver a maneira mais adequada de lidar com o corpo e o aluno.
Ensinando os valores de compartilha, trabalho em grupo e não apenas uma visão de competição (Sujeito 10M).
67
Através da brincadeira que a criança terá seu primeiro contato com
situações que farão parte de sua vida adulta. E a escola traz essas
brincadeiras como formas de educação por meio do faz de conta (Sujeito 9F).
A “dança” também constitui um elemento da cultura corporal. Na perspectiva
do Coletivo de Autores (1992), esta expressão se caracteriza como uma ação
representativa, a partir de vários aspectos, da vida do homem. Considera-se, também,
uma manifestação de “[...] de sentimentos, emoções da afetividade vivida nas esferas da
religiosidade, do trabalho, dos costumes, hábitos, da saúde, da guerra etc.”, ou seja, pela
dança, o corpo se comunica com o ambiente e com os outros partindo das
especificidades que busca expressar durante o dançar (p.81).
Sobre este conteúdo da Educação Física, percebemos, por meio das falas dos
acadêmicos, certa diferenciação para sua aplicabilidade na escola. Os discursos variam
entre sua utilização como ferramenta que possibilita atender a formação global do
aluno, bem como sua prática de forma folclorizada ou em aulas extracurriculares, como
segue nas falas: “Dança é trabalhada na maioria das vezes em datas comemorativas, no
entanto há alunos que são excluídos pela religião ou por falta de habilidade.” (Sujeito
1M); “Dança, que geralmente é aplicada como atividade extracurricular, não na aula de
Educação Física.” (Sujeito 2M); “O aluno se soltará nas aulas com seus movimentos
corporais.” (Sujeito 7F); “A dança trabalha o corpo de maneira integral.” (Sujeito 9F);
“Trabalha o corpo e a mente.” (Sujeito 12M); “Uma forma de poder incluir a dança para
que todos participem.” (Sujeito 16F); “Manifestação corporal que é realizada com
vários movimentos ritmados ou não.” (Sujeito 22M); “Movimento completo que o
indivíduo realiza com prazer.” (Sujeito 31M).
A partir dessas afirmações podemos inferir que existe dicotomia na perspectiva
do ensino da dança na escola. Se esta é trabalhada apenas em atividades
extracurriculares e em datas comemorativas, temos então um sentido de trabalho com o
corpo/aluno na formação de alunos/bailarinos, na qual se elimina, em certas partes, o
caráter expressivo da dança de maneira espontânea, porém, intensificam-se outras
formas de expressão. Por outro lado, quando sua abordagem está pautada no currículo
escolar como possibilidade nas aulas de Educação Física, esta busca valorizar o
corpo/aluno em sua totalidade.
Corroborando com nosso entendimento, o Coletivo de Autores (1992) nos
apresentam a seguinte proposta para a aplicabilidade da dança:
68
Para o ensino da dança, há que se considerar que o seu aspecto
expressivo se confronta, necessariamente, com a formalidade da
técnica para sua execução, o que pode vir a esvaziar o aspecto verdadeiramente expressivo. Nesse sentido, deve-se entender que a
dança como arte não é uma transposição da vida, senão sua
representação estilizada e simbólica. Mas, como arte, deve encontrar os seus fundamentos na própria vida, concretizando-se numa
expressão dela e não numa produção acrobática (p.81).
Dessa forma, os aspectos expressivos dos alunos devem ser considerados nos
momentos de aplicação do conteúdo dança nas aulas de Educação Física, tanto no
sentido das formalidades técnicas que são fundamentais na execução dos movimentos
durante o dançar, bem como sua inserção na cultura corporal do aluno que se dá
paulatinamente no processo de desenvolvimento das habilidades corporais que a dança
possibilita. Assim, a dança passa a ser um elemento válido se:
[...] considerarmos que a técnica não pode separar-se das motivações
psicológicas, ideológicas, sociais do executante, da simbologia que
produz, da utilização que faz das suas possibilidades corporais e da consciência que tem dos ‘outros’ a quem comunica (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p.81, grifos dos autores).
Por fim, percebemos, de forma menos expressiva nessa categoria, as evocações
relacionadas aos conteúdos “lutas” e “ginástica”, sendo a primeira evocada três vezes e
a segunda apenas uma vez pelos acadêmicos.
Para Carreiro (2008), as lutas são vistas na Educação Física escolar com certa
resistência. As explicações variam entre a falta de espaço, materiais adequados, mas,
sobretudo, pela sua relação com questões de violência.
Nas aulas de Educação Física, as lutas deveriam proporcionar um
entendimento das aprendizagens inerentes a essas práticas corporais, bem como a sua
relação com os aspectos filosóficos que cada luta ou arte marcial possibilita no contato
com o outro. Abaixo seguem as falas dos entrevistados que se referem a esse contexto:
“As aulas de lutas são importantes para que a criança desenvolva seus comportamentos
adequados a partir das regras.” (Sujeito 11M); “Uma área de prática e também de
trabalho.” (Sujeito 19M); “Expressa os movimentos de diferentes artes, de forma
pedagógica.” (Sujeito 31M).
Além da pouca expressividade do conteúdo lutas, percebemos pelas evocações
apresentadas pelos entrevistados que ginástica, também, não é muito lembrada ao nos
referirmos sobre como o corpo é trabalhado na escola.
Para o Coletivo de Autores (1992), entende-se por ginástica uma forma “[...]
particular de exercitação onde, com ou sem uso de aparelhos, abre-se a possibilidade de
69
atividades que provocam valiosas experiências corporais, enriquecedoras da cultura
corporal das crianças [...]” (p.76).
Os autores entendem que pelo fato de usar aparelhos, ou não, a ginástica na
escola limita-se principalmente ao caráter esportivista. Dessa forma, para uma aula de
ginástica acontecer na escola, seriam necessárias instalações em nível olímpico para
proporcionar essa prática aos alunos, caso que fica evidente pela única evocação e
explicação sobre a palavra ginástica como “[...] uma das atividades corporais que quase
não se trabalha na escola, porém, no meu ponto de vista acho necessário.” (Sujeito 24F).
Sua prática se faz necessária no âmbito escolar justamente por oferecer ao
corpo/aluno um contato direto com o significado cultural que tais exercícios
possibilitam, fazendo confrontação entre as formas tradicionais de ginástica –
constituídas ao longo da história e da cultura – e a exploração corporal permitida pelas
novas expressões do corpo que possuem um sentido próprio para os corpos/alunos.
Com isso:
[...] a presença da ginástica no programa se faz legítima na medida em que permite ao aluno a interpretação subjetiva das atividades
ginásticas, através de um espaço amplo de liberdade para vivenciar as
próprias ações corporais. No sentido da compreensão das relações sociais, a ginástica promove a prática das ações em grupo onde, nas
exercitações como ‘balançar juntos’ ou ‘saltar com os companheiros’,
concretiza-se a ‘co-educação’, entendida como forma particular de
elaborar/praticar formas de ação comuns para os dois sexos, criando um espaço aberto à colaboração entre eles para a crítica ao ‘sexismo’
socialmente imposto (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 76, grifos
do autor).
Partindo desses dados, percebemos certa desvalorização com relação a estes
conteúdos e sua aplicabilidade na escola. Pelas justificativas dos entrevistados e nas
literaturas notamos as dimensões dadas a esses conteúdos, em que se faz necessário
repensar as propostas sobre as possibilidades de trabalho com corpo/aluno nas aulas de
Educação Física, pensando nos elementos das lutas e da ginástica.
Este fato vem ao encontro da ideia de objetivação e ancoragem que Nóbrega
(2001) discute. A objetivação busca explicar de que forma o conhecimento sobre
determinado assunto é incorporado pelo grupo social sendo, para nosso caso, o
conhecimento de que trata a Cultura Corporal, evidenciado pelos conteúdos da
Educação Física: esportes, jogos, danças, lutas e ginástica. São essas práticas que
direcionam o saber dos discentes no trabalho com o corpo/aluno na escola. Porém, pelas
evocações dos discentes, percebemos que a representação do trabalho com o
70
corpo/aluno a partir dos conteúdos da Educação Física se ancora em torno de três
elementos: o esporte, os jogos e brincadeiras e a dança, marginalizando, assim, as lutas
e a ginástica.
A partir dessa perspectiva, podemos inferir que o conhecimento que circula no
curso de Educação Física sobre o trabalho com o corpo/aluno ainda está relacionado ao
esporte como conteúdo que direciona o trabalho nas aulas de Educação Física na escola,
dado percebido pela quantidade de evocações da palavra esporte ou o nome de alguma
modalidade. Esta informação pode estar ligada ao fato de que muitos dos discentes do
curso foram ou são atletas de alguma modalidade esportiva.
Ainda existe a possibilidade, de muitos discentes trazerem as suas vivências
escolares como referência de suas práticas. Isto se relaciona com a pergunta “sobre o
que se sabe e com que efeitos?”, que Jodelet (2001) comenta para a construção de uma
representação social. Esta consiste na aproximação dos conhecimentos sobre o objeto da
representação compartilhados pelo grupo social e de que forma esses conhecimentos
interferem na sua atuação, ou seja, os produtos extraídos desse conhecimento. Podemos
atrelar essa afirmação, também, com os saberes referentes ao jogo e a dança.
Essa forma de saber que se direciona ao trabalho com o corpo/aluno efetiva-se
nos processos comunicacionais estabelecidos nos espaços habitados pelos discentes.
Percebemos a forte influência esportivista nos discursos, mas que preocupam alguns
discentes sobre os rumos tomados pelas práticas pautadas unicamente no conteúdo
esporte nas aulas de Educação Física na escola.
3.3.2 – As expressões do corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola
Na categoria “expressão corporal”, agrupamos as evocações que se referiam ao
movimento humano e suas formas de expressão, sejam elas de forma livre, criativa,
enfim, as manifestações corporais que buscam se comunicar com os outros e com o
meio a partir do corpo.
Nesta categoria, percebemos que 18,2% das evocações se referiam às
expressões corporais como ações do trabalho com o corpo/aluno na escola. Notamos
que ao evocarem as palavras que compõem esta categoria, a ordem média de evocação
(OME = 2,40) nos deu indícios sobre a prevalência da expressão corporal no trabalho
com o corpo/aluno na escola. Ao observarmos a ordem média de importância (OMI =
2,68), percebemos, nas evocações realizadas pelos acadêmicos, a importância atribuída
71
para estas palavras, pressupondo que este é um elemento de valorização nas aulas de
Educação Física na escola. Assim, “expressão corporal” e “movimento”, foram as
palavras mais prontamente evocadas nesta categoria.
A expressão corporal, aqui tomada como linguagem do corpo evidencia-se nos
discursos dos acadêmicos por compreenderem as diversas possibilidades que o corpo,
em si, nos permite realizar. Neste sentido, ao nos movimentarmos no tempo e espaço
em que nos inserimos, buscamos, a todo o momento, uma maneira de nos
comunicarmos com o meio e com os outros.
Esses direcionamentos corporais, efetivados nas aulas de Educação Física, nos
dão indicativos para (re)pensar as ações escolares pautadas na necessidade de
compreender essas falas do corpo/aluno. Ora, se o corpo/aluno se expressa de
determinada forma na escola, entendemos que este quer nos dizer alguma coisa e:
Nessa perspectiva da reflexão da cultura corporal, a expressão
corporal é uma linguagem, um conhecimento universal, patrimônio da
humanidade que igualmente precisa ser transmitido e assimilado pelos alunos na escola. A sua ausência impede que o homem e a realidade
sejam entendidos dentro de uma visão de totalidade. Como
compreender a realidade natural e social, complexa e contraditória, sem uma reflexão sobre a cultura corporal humana? (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 43).
Neste sentido, faz-se necessário o entendimento e sistematização de ações que
vislumbrem na expressão corporal, compreendida com um dos objetos de estudo da
Educação Física, uma forma de linguagem e saber que vai se consolidando por meio das
manifestações corporais dos alunos.
Algumas justificativas dos acadêmicos traduzem o entendimento do corpo
como elemento de linguagem/expressão “Expressões corporais como o jeito de falar
gesticulando, fazendo o corpo falar” (Sujeito 2M); “Através do corpo pode-se dizer o
que pensa, sente, conhece e como vê o mundo e as pessoas a volta dele.” (Sujeito 25F);
“Forma de comunicar-se, ser extrovertido.” (Sujeito 17F); “O corpo manifesta os
sentimentos através de expressões.” (Sujeito 28F); “O corpo a todo o momento está
expressando alguma coisa, mesmo quando estamos fazendo o simples ato de andar,
chamado assim de expressão corporal.” (Sujeito 38F).
Novamente, retoma-se o sentido do corpo como instrumento possibilitador de
diálogos com os outros e com o mundo, o que se aproxima das justificativas dadas pelos
acadêmicos. Possui-se um corpo – tenho um corpo –. Se o tenho como elemento de
72
pertença, possivelmente, existirão possibilidades de que aquilo que me pertence, um dia
será domínio de alguém ou de alguma coisa.
Compreendendo que na escola o professor de Educação Física é aquele que
articula os discursos “ter um corpo” e o “ser um corpo”, é seu papel dar entendimento
ao corpo/aluno que ele “é o corpo”, e que se movimenta no tempo e espaço a partir de
significações dadas pelas manifestações que a cultura corporal busca trazer nas suas
mais diversas expressões.
Ao tomar as palavras de Merleau-Ponty (1945, p. 161) citado por Freitas
(1999, p. 54), entendemos que “Um movimento é aprendido quando o corpo o
compreendeu, ou seja, quando o incorporou ao seu ‘mundo’, e mover seu corpo é visar,
através dele, as coisas”. Assim, traz nas imagens, impressas no corpo no tempo/espaço
ao se movimentar, características pertinentes das falas do corpo que buscam dialogar
com o meio que habita e se relaciona.
Essa informação nos remete à atribuição de sentido que as memórias culturais
imprimem na corporeidade dos sujeitos. Aqui, temos um elemento que constitui a
ancoragem das informações repassadas pelos grupos sociais por meio da comunicação
(NÓBREGA, 2001). Essa comunicação é possibilitada pelo e com o corpo, pois estes
saberes que constituem a cultura corporal de cada um são utilizados como formas de
compreender a realidade em que se atua e dela tirar o máximo de proveito possível e,
partir disso, enraizar-se na estrutura social.
A partir dessa compreensão, aproximamos nosso entendimento com o olhar da
função identitária. Abric (1998) comenta que a construção e manutenção de uma
representação por meio da objetivação e ancoragem tem o intuito de assegurar a
imagem de determinado grupo e sua especificidade. Dessa forma, a função identitária
nos dá condições de entender o que representam as expressões corporais na dinâmica
social dos corpos/alunos. Se, por um lado o corpo ganha contornos que buscam a partir
das suas manifestações darem um sentido de linguagem/expressão, por outro, ele ganha
dimensões que possibilitam a identificação dos sujeitos como seres humanos singulares.
São essas singularidades que devem ser respeitadas no espaço das aulas de Educação
Física, pois no momento em que observo as diferenças nas formas de se expressar de
cada corpo/aluno, percebo que estes são indícios para estabelecer um diálogo entre o
que é transmitido pelos conteúdos com as falas dos corpos/alunos ao se movimentarem.
Essas singularidades se dão no corpo e nas suas expressões, como seguem
algumas justificativas dos acadêmicos: “Expressões, formas de se mostrar, ações”.
73
(Sujeito 37F); “O corpo é trabalhado de forma livre, pois cada um trabalha o corpo de
forma única.” (Sujeito 41M); “Através da expressão em que o corpo é trabalhado se
avalia o comportamento do discente.” (Sujeito 4M); “A escola trabalha com expressões
identificadas na sociedade, para conduzir o aluno ao padrão imposto.” (Sujeito 27M).
Esses marcadores que se instalam no corpo, partindo das justificativas dos
acadêmicos, são elementos que permitem aos sujeitos serem identificados como
detentores de saberes corporais que vão delimitando suas particularidades, suas ações e
manifestações no mundo. Estas informações representam um direcionamento no
trabalho com o corpo/aluno no sentido de valorização da expressividade que cada
corpo/aluno demonstra nas aulas de Educação Física, o que significa que os discentes
compreendem estes marcadores como sendo importante em sua atuação prática.
Se a partir do corpo nos expressamos e nos comunicamos com os outros, a
Educação Física é, então, a disciplina que organiza e direciona, junto aos outros saberes
escolares, o diálogo entre a cultura corporal e os alunos. Neste sentido:
Ela será configurada com temas ou formas de atividades, particularmente corporais, como as nomeadas anteriormente: jogo,
esporte, ginástica, dança ou outras, que constituirão seu conteúdo. O
estudo desse conhecimento visa apreender a expressão corporal como linguagem (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 61-62).
São das apreensões desses conhecimentos que o corpo/aluno realiza no espaço
escolar, que emergem as diversas formas de expressão/comunicação que cada um utiliza
para diferenciar-se dos outros, por meio dos conteúdos da Educação Física.
Nesta categoria, além da palavra “expressão corporal”, surge também a
evocação “movimento”. Entendido como um dos objetos de estudos da Educação
Física, o movimento humano está diretamente relacionado às expressões corporais, por
ser ele que permite que o corpo se expresse.
Das inúmeras abrangências que o movimento humano nos possibilita fazer, o
entendemos como manifestação primeira dos significados que os seres humanos
buscaram realizar ao longo da história por meio do corpo. Dessa forma, pensado no
sentido de expressão e valorização dos saberes que se imprimiam na corporeidade dos
sujeitos, bem como nos aspectos fisiológicos que se apresentam durante o movimentar,
evidenciamos que é por meio do movimento que se expressam as ações corporais que
buscam estabelecer contato com o outro e com o mundo, assim como trabalhar os
aspectos orgânicos do corpo.
Freitas (1999) nos diz:
74
A motricidade do homem acompanha a sua corporeidade e ambas, na
verdade, não se distinguem. São a expressão do ser cultural no mundo
social ou, mais amplamente, do ser intencional no mundo fenomenológico. O homem vai para o mundo e insere-se nele com
seus desejos e seus julgamentos e esse mundo é um tecido de
múltiplas relações, as quais, em vez de manifestarem uma causalidade do tipo estímulo-resposta, interagem dialeticamente e conferem um
significado às vivências humanas (FREITAS, 1999, p. 55, grifos da
autora).
Ao nos movermos, o corpo e nossas partes movem-se também. Move-se o todo
corporal. Ao correr, corremos para as possibilidades que a cultura humana nos oferta e,
com nossos braços, a abraçamos incorporando-a, compreendendo-a e significando-as
em nossas ações cotidianas.
Nas falas dos acadêmicos percebemos as aproximações com os diversos
sentidos do movimento humano. Em relação ao seu valor expressivo, é pensada no
âmbito da Educação Física escolar a partir das seguintes expressões: “O movimento
expressa o que o corpo está sentindo; é a linguagem corporal.” (Sujeito 34F);
“Movimento é mover-se, agir, de alguma forma não deixar o corpo parado.” (Sujeito
37F); “Esse é um dos critérios para o corpo se expressar, através dos movimentos.”
(Sujeito 33F).
Aproxima-se, também, dos aspectos relacionados ao desenvolvimento das
habilidades corporais: “Através do movimento do seu corpo você poderá estar se
desenvolvendo melhor as suas capacidades motoras e etc.” (Sujeito 15F); “A
necessidade da educação e saúde do corpo por meio do movimento.” (Sujeito 42F); O
movimento faz parte da essência do aluno, enquanto isso o corpo é trabalhado (Sujeito
4M).
Outro elemento de estreitamento do movimento no espaço escolar se apresenta
por meio da fala dos acadêmicos: “Todos irão se movimentar e a escola tem como
auxiliar esse movimento fazendo com que o aluno reconheça seus potenciais e conheça
seu corpo de maneira integral.” (Sujeito 9F); “Em todo momento do aluno na escola é
realizado um determinado movimento.” (Sujeito 22M).
As justificativas dadas pelos acadêmicos nos possibilitam fazer inferências
acerca das diversas expressões que o “movimento” representa no discurso dos
participantes da pesquisa. Percebemos um direcionamento das questões do movimento a
partir dos aspectos de desenvolvimento do esquema corporal, da necessidade orgânica
de se movimentar em qualquer espaço – e em nosso caso, o espaço escolar –, mas,
sobretudo, do seu caráter expressivo, pois em todos estes fatores relacionados ao
75
“movimento”, notamos que a expressão corporal irá se efetivar em qualquer
circunstância. Seja pelo objetivo de melhorar as habilidades motoras, de demonstrar a
angústia de estar em inércia durante um grande período de tempo e, involuntariamente,
o corpo dá indícios dessa necessidade do movimento ou, ainda, pelo fato de querer
expressar determinada fala que a oralidade não permite no momento da escola.
Neste sentido, Freitas (1999, p. 29) comenta que:
O homem – logo, o corpo humano – não é um conjunto cognoscível de estímulos e respostas, não é um fato que deva ser interpretado, não
é um problema que espere uma solução. [...] o corpo humano é um
corpo-mistério, sempre a um passo além de todo discurso explicativo. O corpo humano não é simplesmente algo apreciado pela razão, mas é
antes saboreado pelos sentidos, imersos nas vivências afetivas, no
interior das quais a linguagem se cala. Quando falamos em ‘imagem
corporal’, em sua labilidade, seu movimento de eterna reconstrução a partir das relações com as outras imagens corporais (Schilder,
1994)12
, referimo-nos a essa dimensão do mistério (grifos da autora).
Com isso, expresso-me como corpo por meio do “se movimentar”, trazendo ao
plano das aparências os desejos, as angústias, os afetos que a alma procura transparecer
ao mundo e aos outros.
A partir dos dados, entendemos que a representação social sobre a expressão
corporal está imbricada no sentido de manifestação do corpo como agente comunicador
no meio social. A objetivação que edifica uma representação dos saberes do corpo se
estrutura na construção coletiva, por meio das aquisições culturais que cada corpo/aluno
insere no espaço escolar sendo, no entendimento dos discentes, uma ação fundamental
para que o corpo/aluno se desenvolva integralmente sem distanciar-se daquilo que está
marcado em seu corpo.
3.3.3 – Aprendizagem e desenvolvimento na escola: os saberes do corpo/aluno nas
aulas de Educação Física
A categoria intitulada “aprendizagem e desenvolvimento”, expressa por 11,4%
das evocações realizadas, compreende os aspectos relacionados a esse processo, que se
dá, por meio do corpo em movimento, nas aulas de Educação Física. Nesta categoria,
percebemos que a ordem média de evocação (OME = 3,04) apresentada para as palavras
que compõem esta categoria não são aquelas mais prontamente evocadas, porém,
12
SCHILDER, P. A imagem do corpo. As energias construtivas da psique. São Paul: Martins
Fontes, 1994.
76
atribui-se certa importância quando se racionaliza o que foi evocado (OMI = 2,94). Isto
nos possibilita fazer inferência sobre a existência de certa preocupação dos discentes em
possibilitar práticas que estimulem o aprendizado dos alunos. Mas, para que isso se
efetive, é necessário se pensar em ações que contribuam no processo de
desenvolvimento do corpo/aluno de maneira integral.
As palavras que englobam esta categoria se referem, de forma mais evidente, à
“aprendizagem”, do “desenvolvimento” e à “disciplina”, o que representa uma relação
entre o que se aprende no e pelo corpo, como ele se desenvolve a partir das atividades
transmitidas e de que forma a disciplinarização das práticas do corpo/aluno influencia
nesse processo – aprendizagem e desenvolvimento.
Neto e Lorenzetto (2008) comentam que o conhecimento que se tem sobre o
próprio corpo possibilitaria o desenvolvimento inicial que qualquer sujeito possa ter. As
práticas que se dão no corpo/aluno direcionariam o saber aos conteúdos da cultura
corporal e é nesse estreitamento que se pauta o conhecimento dos significados que cada
prática produz nos corpos/alunos nas aulas de Educação Física.
Assim, quando é permitido ao corpo/aluno explorar essa zona de aprendizagem
entre a Cultura Corporal e os significados que elas produzem em seus corpos, as
dimensões do conhecimento se intensificam a partir daquilo que é posto como proposta
nas aulas de Educação Física. Ou seja, permitimos aos corpos/alunos pensarem e
repensarem o conhecimento inicial, confrontado com os saberes sistematizados pelo
espaço escolar e, dessa relação, produzimos práticas que conectam a realidade corporal
do aluno aos conhecimentos sistematizados pelo currículo escolar transmitido pelos
professores.
Se por este lado valorizamos as expressões corporais produtoras e
potencializadoras de conhecimento, temos, por outro lado, práticas que disciplinam o
corpo/aluno, pensado no âmbito da aprendizagem e desenvolvimento. Com Tiriba
(2008), entendemos que estas ações representam, em alguns casos, amarras/travas nos
corpos/alunos. Para a autora, as escolas:
[...] devem constituir-se como ambientes que contribuam para evitar o
surgimento de travas, ou mesmo eliminar as que já tiverem se instalado, contribuindo para construir ou mesmo recuperar a liberdade
e a confiança no corpo (TIRIBA, 2008, p. 10).
Do exposto acima, trouxemos algumas falas dos acadêmicos que buscavam
justificar as evocações realizadas: “Atividades direcionam o que o corpo deve fazer.”
(Sujeito 28F); “Os movimentos corporais são estipulados de acordo com fases do
77
desenvolvimento humano.” (Sujeito 18F); “Fundamental para o aprendizado do aluno.”
(Sujeito 12M); “É um fator importante o desenvolvimento da disciplina e obediência às
regras.” (Sujeito 5M); “As atividades têm importância para o aprendizado, e que tenham
conhecimento sobre cada prática, porém pouco se trabalha.” (Sujeito 44F).
Por meio dessas falas, aproximamos nosso olhar da concepção de Jodelet
(2001), quando a autora coloca alguns questionamentos para compreender a efetivação
das representações sociais. Aqui, o que e como os acadêmicos sabem sobre o processo
de aprendizagem e desenvolvimento se caracteriza pelas experiências durante a vida
escolar e os conhecimentos confrontados durante a graduação. Nesse sentido, os efeitos
dessas representações se estruturam a partir dos seus olhares, vivências e experiências o
que direcionará suas práticas futuras.
Ao interpretarmos “o que e como sabe” sobre as aprendizagens que se
promovem nas aulas de Educação Física, ainda com Jodelet (2001), perguntamos “sobre
o que sabe e com que efeitos?” isto ocorre na aplicação das aulas nos corpos/alunos.
Essa pergunta diz respeito, primeiramente, à relação entre o objeto das representações
sociais e sua forma de compartilhamento no grupo social e quais são os interesses que
os sujeitos possuem nesta representação. Dessa forma, os discentes nos colocam que
existe a necessidade de se trabalhar aspectos que promovam ações de aprendizado e
desenvolvimento do corpo/aluno na escola, pois ao deslocarem o sentido daquilo que se
propõe não damos oportunidades para os alunos conhecerem o que a cultura humana
consolidou enquanto conhecimento sistematizado ao longo da história. Sem propor
práticas que aproximem os corpos/alunos desses saberes, reproduzimos ações de fazer
por fazer, quando a atuação do professor deve promover um fazer com significações.
Por meio dessa interpretação, entendemos que a objetivação e a ancoragem das
representações sociais sobre as aprendizagens que o trabalho com o corpo/aluno
desenvolve nas aulas Educação Física, ainda se encontra numa perspectiva
disciplinadora, pois é com a disciplina nas práticas escolares que as ações corporais
serão direcionadas.
Assim, podemos inferir, a partir das justificativas dos discentes, que o
corpo/aluno é trabalhado na escola com o intuito de promover ações que visam o
aprendizado e desenvolvimento do aluno, tendo, como pano de fundo, práticas
disciplinadoras que direcionam as ações corporais dos corpos/alunos. Essas informações
representam um entendimento de que, para a efetivação do aprendizado, o corpo/aluno
deve obedecer aquilo que se propõe como prática educativa, pois assim os
78
corpos/alunos conseguirão, com sucesso, o desenvolvimento daquilo que se propõe nas
aulas de Educação Física.
Práticas que disciplinarizam o corpo como um princípio de propriedade,
expresso por Vigarello (2003), foram amplamente difundidas na Europa, principalmente
entre os séculos XVIII e XIX. Retomamos os pensamentos de Soares (2001) quando
esta nos traz os entendimentos sobre como este modelo de práticas corporais, difundido
na Europa contribuiu significativamente na Educação Física brasileira por meio dos
métodos ginásticos. A autora nos explica que, em detrimento do novo modo de
produção do capital que passava a vigorar na época – capitalismo –, a sociedade passou
a vivenciar um novo cotidiano e à educação do corpo se fazia necessária para atender a
essas novas exigências. Dessas exigências sociais e corporais, consolidam-se práticas de
Educação Física que buscavam atender a educação dos corpos num sentido higienista,
militarista, patriótico e com aspectos bem delineados sobre o porquê de tais ações, mas
não em nível de consciência da classe trabalhadora.
Esses ranços do trabalho com o corpo numa perspectiva disciplinadora e
objetivadora de manutenção do esquema social, encontram-se, ainda hoje, em
efetivação. Por meio do corpo compreendo e busco modificar a realidade que nos é
posta e, dessa forma, a Educação Física deve, ao proporcionar o aprendizado e o
desenvolvimento do aluno, estar além das premissas da reprodução do modelo vigente
que massifica os saberes, tecnifica as práticas corporais, que busca disciplinar os
corpos/alunos, excluindo-os das discussões da sociedade.
A Educação Física nas escolas deve superar essas formas de transmissão dos
saberes da Cultura Corporal, na busca de consolidar o aprendizado dos alunos na com a
sociedade e com e pelo corpo. Guimarães (2008) nos diz que as práticas com os
corpos/alunos devem estimular a aprendizagem não de forma mecânica, mas sim como
uma atividade criadora:
[...] que envolve o acoplamento do organismo com o meio. Na escola, é importante focalizar quais as experiências sensoriais, afetivas e
relacionais das crianças, tendo em vista percebermos quais mundos
criam e como são constituídas como sujeito. A experiência produz o conhecimento e produz a própria criança, como exploradora, criadora,
confiante em si, ou submissa, passiva, expectadora da ação do outro
(GUIMARÃES, 2008, p.27).
Para que se efetive o desenvolvimento dos corpos/alunos de forma integral, não
basta apenas acumular os conhecimentos que a escola transmite – e em nosso caso, na
79
Educação Física – mas sim atribuir significados que possam contextualizar os
corpos/alunos na dinâmica social em que se inserem.
3.3.4 – O dualismo corpo e mente nas evocações dos sujeitos
Na categoria que trata da dualidade entre corpo e mente, intitulada neste
trabalho como “dicotomia corpo e mente”, evidenciamos as expressões que
caracterizaram os sentidos sobre o entendimento do que é corpo e do que é mente.
Parte-se da conotação – em alguns casos – de que a aula de Educação Física é o espaço
e tempo para os cuidados corporais e as demais disciplinas escolares para os cuidados
da mente, do desenvolvimento cognitivo, o que pressupõe a fragmentação dos espaços
em que se desenvolve o corpo/aluno.
Expressa por 9,1% das evocações realizadas, esta categoria engloba as palavras
“corpo”, “mente” e “separado”. Aqui, a ordem média de evocação (OME = 3,50) nos
mostra que as palavras que compõem esta categoria não são aquelas mais prontamente
evocadas, contrastando com a ordem média de importância (OMI = 3,00), dando um
sentido neutro na escala utilizada no questionário. Ao se referirem ao corpo e à mente
de forma separada, os acadêmicos nos dão o entendimento de que estas estruturas que
compõem um todo, na escola, são trabalhadas de forma segregada.
Fabio Zoboli (2012) buscou, em sua obra, compreender a analisar como as
práticas de Educação Física, em especial no âmbito escolar, se articulam a episteme
fundada na cisão corpo/mente, pautado nos estudos foucaultiano. Dele parte, então, o
entendimento de que o corpo e a mente estão em relações complementares, mas dizer
isto, unicamente, não aprova sua unicidade. Assim, nos diz que “[...] a mente é mente,
mas com princípios de corpo; e corpo é corpo, mas com princípios de mente”, ou seja,
existe uma relação que completa essa unicidade, um via que se conecta equilibrando o
ser e suas ações no mundo (p. 22).
As discussões que suscitam dos entendimentos de homem como ser integral ou
segregado remontam desde as mais antigas preocupações filosóficas, iniciadas na
Grécia e que percorrem, também, a atualidade. Utilizou-se dessas preocupações iniciais,
como fio condutor para se retomar os pensamentos acerca do
homem/corpo/mente/espírito/alma.
Novamente, com Zoboli, evidenciamos que:
80
O corpo é fruto desta história-memória coletiva e individual. Sendo
assim, para ser melhor compreendido, o corpo nos obriga a persegui-
lo pelos rastros e movimentos – não regulares – deixados por ele no curso dos tempos. Uma breve análise na contextualização histórico-
filosófica do homem nos faz perceber que, ao longo de sua história,
ele sempre foi compreendido basicamente sob duas esferas – a mental e a corporal –, como se fossem coisas distintas, havendo inclusive
uma maior valorização da primeira em detrimento da segunda
(ZOBOLI, 2012, p. 35).
Ao compreender o corpo e a mente como coisas divisíveis, valoriza-se a mente
por ser ela indivisível e órgão vital para o funcionamento das demais partes do corpo.
Dessa forma, surge com mais contundência a apreciação do trabalho mental em relação
ao trabalho corporal, sendo a partir dessa hierarquização que o corpo é tomado em
partes mais e menos importantes (ZOBOLI, 2012).
Estes valores ainda se fazem presentes em algumas concepções sobre o corpo,
imprimindo um sentido de valorização ao que se pauta a mente e o intelecto em relação
aquilo que é compreendido como trabalho do corpo. Constatamos isso em algumas
justificativas dadas pelos acadêmicos: “A mente é trabalhada mais nas aulas teóricas e
práticas também.” (Sujeito 11M). “Cognição porque o trabalho da mente, da
inteligência e também do pensamento é o que o corpo irá esclarecer todos os problemas
relacionados ao raciocínio.” (Sujeito 30F). “É o que comanda todos os afazeres que o
indivíduo visualizar, captar, desejar.” (Sujeito 31M). “Trabalha o desenvolvimento do
ser separando corpo, mente e o psíquico.” (Sujeito 32F).
A partir dessas justificativas, retomamos o conceito de objetivação de Nóbrega
(2001) na construção das representações sociais, pois ao buscar explicações sobre como
os conhecimentos integram a realidade social, os discentes se pautam naquilo que
percebem no espaço escolar, seja pelas vivências, observações, leituras em que a
separação do corpo e da mente se torna evidente.
Com Guimarães (2008), evidenciamos essa compreensão quando ela se refere à
escola como um espaço que privilegia os processos mentais, esquecendo-se das
questões corporais. Ao tomar o corpo/aluno neste sentido, ocorre o desmembramento do
todo, buscando o enaltecimento/desenvolvimento das partes, ou seja, valoriza-se o
mental/intelecto e desconsidera-se o corporal/material.
Percebemos essa representação a partir das justificativas dadas pelos sujeitos
da pesquisa, o que se aproxima das questões que Jodelet (2001) enfatiza na
consolidação de uma representação social. Sobre quem “sabe e onde sabe?”, os
discentes manifestam em suas evocações e justificativas, práticas que fizeram parte da
81
sua realidade durante o período escolar, bem como das observações que realizam nos
estágios supervisionados.
Daí decorre o entendimento de que os espaços escolares cuidam do corpo de
forma fragmentada. Nas salas de aula valoriza-se a mente; nas quadras, playground,
pátio da escola é o corpo que dita o tom do desenvolvimento. Isso nos remete ao “como
se sabe e sobre o que?”, pois os conhecimentos dos discentes se fundamentam naquilo
que já foi vivenciado, experimentado e comentado. E, por fim, “os efeitos sobre o que
se sabe” se materializam na preocupação em transformar tal perspectiva de atuação com
o corpo/aluno, compreendendo-o com ser integral e que se desenvolve de forma integral
nos espaços que ele habita na escola.
Existe uma forma de desenvolvimento das atividades intelectuais/mentais que
se dá pelo e no corpo. Isto ocorre quando a compreensão das coisas que interferem em
minha corporeidade traz elementos para se pensar/refletir o que acontece comigo e com
o meio. A partir daí, retomo o pensamento no e pelo corpo, em que tais ações
potencializam minhas estruturas mentais, ao passo em que projeto meu corpo para a
solução daquilo que me é posto.
Algumas falas dos acadêmicos se aproximam deste pensamento: “Deve ser
trabalhado corpo e mente juntos em uma aula de Educação Física.” (Sujeito 16F). “Para
mim o corpo é trabalhado de forma integral, ou seja, ele trabalha como um todo desde
intelecto ao físico.” (Sujeito 30F). “Há uma separação que não é adequada entre corpo e
mente, pois se somos corpo porque devemos fazer essa separação?” (Sujeito 35F).
Por meio dessas falas, retomamos o pensamento de Zoboli (2012) quando nos
diz que:
A cisão corpo/mente é descontextualizada da condição e realidade humana, porém o saber que a sustenta exige que o indivíduo se
assujeite a certos saberes que sustentam todo um quadro social
puramente linguístico, porém, de força material a sua existência. Esse
saber faz com que o sujeito se submeta a uma série de práxis cobertas de sentido, que dominam e sustentam relações que atravessam até
mesmo o humano enquanto organismo atávico (ZOBOLI, 2012, p.
55).
Entendemos que existem propostas que buscam trabalhar o corpo/aluno em sua
totalidade, mas há na escola, ainda, uma representação que se encontra calcada em
aspectos históricos e culturais que vislumbram o corpo fragmentado.
Pensando no desenvolvimento do corpo/aluno em sua totalidade, entendemos
em Jodelet (2001) que é no organizar as relações entre o meio e os outros que as
82
representações sociais direcionam e estabelecem condutas sociais sobre determinado
assunto, ação ou conhecimento. Assim, no momento em que se apreende o discurso, as
representações possibilitam a difusão do conhecimento interferindo nas condutas
individuais e coletivas. Isso pressupõe que ao se estimular a compreensão dos discentes
da indivisibilidade entre corpo e mente, possivelmente as práticas com o corpo/aluno irá
direcionar ações que pautam o trabalho do corpo/mente num sentido integral.
3.3.5 – A cultura e sua influência no trabalho com o corpo/aluno nas aulas de
Educação Física na escola
Sobre a categoria que trata dos elementos da “Cultura”, que se expressou em
8,2% das evocações realizadas, entendemos as contribuições que a cultura possibilita no
trabalho com o corpo/aluno na escola. Nesta categoria, surgem com maior evidência as
palavras “cultura”, “identidade” e “artes”.
Aqui, temos a ordem média de evocação (OME = 3,33) uma expressão
mediana ao se referirem às palavras que constituem esta categoria. Semelhante à OME,
a ordem média de importância (OMI = 3,06) também não se caracteriza como sendo
aquela que ganha atribuições relevantes ao se pensar nas palavras que constituem esta
categoria.
A cultura diz respeito aos aspectos que circundam as relações sociais dos
corpos/alunos e como esta influencia sua prática no âmbito escolar. Paralelo à cultura, a
identidade se refere aos marcadores culturais do corpo/aluno, suas expressões corporais,
significações no tempo e no espaço que ocupam e, por fim, as artes que, neste trabalho,
fazem alusão à necessidade de incorporar elementos musicais e teatrais desenvolvendo,
assim, o gosto pelas manifestações da cultura.
Para Daolio (1995), a cultura está intimamente ligada às questões corporais,
sendo cada homem portador de especificidades culturais na sua corporeidade. Dessas
especificidades, tem-se o entendimento de individualidade de cada ser humano, e estas
particularidades do ser apresentam-se no corpo.
No corpo estão inscritas todas as regras, todas as normas e todos os valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato
primário do indivíduo com o ambiente que o cerca. Mesmo antes de a
criança andar ou falar, ela já traz no corpo alguns comportamento sociais, como sorrir para determinadas brincadeiras, a forma de
83
dormir, a necessidade de um certo tempo de sono, a postura no colo
(DAOLIO, 1995, p. 36).
O autor afirma que ao pensarmos no corpo pode-se cometer o erro em vê-lo
apenas pelo seu caráter biológico, em que a cultura influenciaria de forma diferenciada
na sua constituição. Para caracterizar sua elucidação traz um exemplo em que homens
de diferentes nacionalidades possuem a mesma constituição corporal, mas o que os
diferenciam são as significações culturais que cada sociedade imprime em seus corpos
no tempo e no espaço que ocupam.
Com as justificativas dadas pelos acadêmicos podemos perceber essa relação
entre o que se dá no corpo e os aspectos culturais que constituem a sua corporeidade,
sendo necessário, então, pensar o corpo/aluno a partir de uma perspectiva cultural:
“Diversas formas de manifestações sócio-culturais.” (Sujeito 14M); “Representa a
cultura na qual o corpo está inserido.” (Sujeito 28F); “A cultura corporal é a identidade
do ser humano, suas expressões, fala, jeito, tudo está ligado ao local onde está inserido.”
(Sujeito 34F); “A cultura é de fundamental importância na vida do aluno e sempre eles
vão expressar sua cultura.” (Sujeito 35F); “Saber quem é e o papel que seu corpo tem no
espaço físico e filosófico.” (Sujeito 42F).
O corpo serve como rótulo da pessoa. Professores designam os alunos
para a prática de determinada atividade de acordo com a imagem
transmitida pelo corpo. Ex: altos jogam basquete, gordinhos lançam peso e etc. (Sujeito 18F).
Na escola, ao se trabalhar a cultura, nos deparamos com vários tipos
perante as crianças. O envolvimento do corpo se torna a essência para cada cultura a ser ensinada (Sujeito 36F).
A cultura sem dúvidas está intimamente ligada ao corpo, pois a
maneira de agir que cada um tem o modo com que seu corpo expressa
é a cultura de cada um (Sujeito 38F).
Por meio das justificativas, notamos que a objetivação se efetiva a partir dos
rótulos que a cultura imprime nos corpos/alunos. Esta representação vai ao encontro das
construções coletivas que Nóbrega (2001) discute, em que os meios utilizados para a
aquisição do conhecimento é atravessado pelos fatores culturais que cada grupo
estabelece. Nesse sentido, o trabalho com o corpo/aluno se pauta naquilo que é
estabelecido culturalmente pelas práticas corporais dos corpos/alunos na escola, pois ao
compreender essa construção percebo que minha atuação não deve se distanciar daquilo
que circunda o espaço da escola.
Assim como a objetivação considera os aspectos culturais na materialização do
conhecimento que se representa, a ancoragem subsidia a atribuição de sentido das
84
memórias nas representações sociais. Ou seja, para que a atuação prática dos
professores de Educação Física possa fazer sentido aos corpos/alunos, ele deve
estabelecer uma relação de comunicação entre os saberes culturais que marcam os
corpos/alunos com os conteúdos que orientam o seu trabalho.
Abric (1998) nos diz que o processo de objetivação e ancoragem edifica uma
representação social a partir de quatro funções: função de saber, função identitária,
função de orientação e função justificadora. Do exposto, aproximamos a categoria
“Cultura” da função de saber por meio dos conhecimentos que os discentes manifestam
a partir da sua própria cultura, que lhe assegura um saber corporal expresso em sua
corporeidade, mas que também direciona o seu fazer-saber com os corpos/alunos. Essa
relação remete, também, à função identitária, pois ela caracteriza a identidade do
professor perante aos corpos/alunos e é nesse confronto que se estabelecem as
diferenças possibilitando a compreensão do eu e do outro, durante o “se movimentar”.
Essas representações orientam as ações dos professores, pois foram elaboradas
por saberes pré-estabelecidos socialmente, nas dinâmicas comunicacionais e corporais.
Daí decorre o fato de que a cultura justifica certas manifestações corporais dos
corpos/alunos, bem como dos professores, em que essas ações permitem a diferenciação
social nas relações intergrupais em espaços sociais, no caso as aulas de Educação Física.
Partindo das explicações dos entrevistados, temos na afirmação de Daolio
(1995) o entendimento de como o corpo se apropria da cultura e/ou a cultura se apropria
do corpo:
O homem, por meio do seu corpo, vai assimilando e se apropriando
dos valores, costumes, normas e costumes sociais, num processo de
inCORPOração (a palavra é significativa). Diz-se correntemente que um indivíduo incorpora algum novo comportamento ao conjunto de
seus atos, ou uma nova palavra ao seu vocabulário ou, ainda, um novo
conhecimento ao seu repertório cognitivo. Mais do que um
aprendizado intelectual, o indivíduo adquire um conteúdo cultural, que se instala no corpo, no conjunto de suas expressões. Em outros termos,
o homem aprende a cultura por meio do seu corpo (DAOLIO, 1995, p.
39-40).
Se as significações culturais cercam o corpo e nele imprimem suas marcas, o
ambiente escolar é, também, cercado por essas manifestações o que direciona,
inevitavelmente, as práticas corporais dos corpos/alunos. Ao vivenciarem no cotidiano
as expressões que a cultura local possibilita ao corpo/aluno, este traz consigo, no corpo
e em suas práticas, elementos que constituem um saber corporal e que devem ser
valorizados no espaço e no tempo da escola.
85
As práticas corporais que levamos aos corpos/alunos nas aulas de Educação
Física devem remeter a um sentido e significado para aquilo que ele realizará. Assim,
entender as marcas que a cultura imprime na corporeidade dos corpos/alunos auxilia
essa aproximação entre os conteúdos da Educação Física e as manifestações corporais
que os corpos/alunos trazem de seu meio cultural. Se os conteúdos da cultura corporal
não forem pensados junto aos corpos/alunos, as práticas corporais serão apenas
elementos de apropriação no momento da aula, não fazendo o exercício de levantar os
aspectos culturais que circundam o espaço escolar e que fazem parte do contexto dos
corpos/alunos.
Assim:
Cultura é o principal conteúdo para a Educação Física, porque as manifestações corporais humanas são geradas na dinâmica cultural
desde os primórdios da evolução até hoje, expressando-se, se
diversificando e com significados próprios no contexto de grupos culturais específicos. O profissional de Educação Física em si não
trabalha com o esporte em si, não lida com a ginástica em si. Ele trata
do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo
e ao movimento humano historicamente definidas como jogo, esporte, dança, luta e ginástica. O que irá definir se uma opção é digna de trato
pedagógico pela Educação Física é a própria consideração e análise
desta expressão na dinâmica cultural específica do contexto onde se realiza (DAOLIO, 1995, p. 2).
Do exposto acima, direcionamos nossa compreensão para a relação entre o
trabalho do professor como mediador da realização dos conteúdos da Educação Física e
a valorização dos aspectos culturais que identificam o corpo/aluno na escola. Os
conteúdos, tomados no sentido de orientação das práticas dos professores, atravessados
pelos conhecimentos culturais que marcam os corpos/alunos, possibilitam a construção
do conhecimento sem distanciar-se daquilo que é comum aos corpos/alunos.
3.3.6 – Corpo saudável como foco do trabalho dos professores de Educação Física
na escola
Passando para a categoria que discute a “atividade física e saúde”, que se
expressa na pesquisa com 7,3% das evocações realizadas, observamos os aspectos
relacionados com as dimensões da saúde corporal oriundas da prática de atividades
físicas nas aulas de Educação Física. Neste sentido, as palavras que mais se anunciam
nessa categoria são: “atividade física”, “saúde” e “autoestima”.
86
Para Nahas (2010, p. 46), a atividade física pode ser definida como sendo “[...]
qualquer movimento corporal produzido pela musculatura esquelética – portanto
voluntário, que resulte num gasto energético acima dos níveis de repouso”, ou seja,
entende-se que são as manifestações corporais que desempenhamos em nosso cotidiano
e que provoquem um gasto energético para o organismo.
O conceito de atividade física se aproxima da compreensão de exercício físico,
mas não deve ser tomado como sinônimo, visto que este exercício físico é uma das
formas de atividade física, porém, esta é “[...] planejada, estruturada, repetitiva, que
objetiva o desenvolvimento (ou manutenção) da aptidão física, de habilidades motoras
ou reabilitação orgânico-funcional” (NAHAS, 2010, p. 46).
Ainda, com o autor supracitado, temos a definição de saúde como:
Uma condição humana com dimensões física, social e psicológica,
caracterizada num contínuo com polos positivos e negativos. A saúde positiva seria caracterizada como a capacidade de ter uma vida
satisfatória e proveitosa, confirmada geralmente pela percepção de
bem-estar geral; a saúde negativa estaria associada com morbidade e, no extremo, com mortalidade prematura (NAHAS, 2010, p. 47).
Nesta categoria, notamos um aspecto de valorização a partir das palavras
evocadas pelos acadêmicos. A ordem média de evocação (OME = 2,75) demonstra que
as expressões relativas à atividade física e saúde são prontamente lembradas aos se
referirem sobre o trabalho com o corpo/aluno na escola. Isto nos permite fazer
inferência sobre a relação de proximidade entre Educação Física e saúde, fato que
atravessa as práticas corporais desenvolvidas na escola. Isto fica evidente, quando
percebemos que a ordem média de importância (OMI = 2,31) caracteriza-se como sendo
a mais importante, dentre as outras categorias, quando se racionaliza o que foi evocado.
Percebemos estas informações, nas justificativas dadas pelos acadêmicos
quando nos dizem que: “A busca pelo corpo belo faz com que a Educação Física seja
mais valorizada pela busca da beleza e não pela ou enquanto educação” (Sujeito 21F);
“A saúde é o principal objetivo do trabalho com o corpo” (Sujeito 41M); “Manter o
corpo ativo através das atividades físicas melhora a qualidade de vida” (Sujeito aluno
5M); “Atividade física é o que mais se trabalha na escola com alongamentos, ensinando
como é importante para uma vida saudável” (Sujeito 2M).
Nahas (2010) nos dá alguns indícios sobre o porquê dessa valorização dos
aspetos da saúde no trabalho com o corpo/aluno na escola:
A educação para um estilo de vida ativo representa uma das tarefas
educacionais fundamentais que a Educação Física tem a realizar. [...]
87
Se um dos objetivos é fazer com que os alunos venham a incluir
hábitos de atividades físicas em suas vidas, é fundamental que
compreendam os conceitos básicos relacionados com a saúde e a aptidão física, que sintam prazer na prática de atividades físicas e que
desenvolvam um certo grau de habilidade motora, o que lhes dará a
percepção de competência e motivação para essa prática (NAHAS, 2010, p. 158)
A partir do entendimento das palavras que intitulam esta categoria,
aproximamos o sentido dado às dimensões que se têm sobre saúde e autoestima. Existe
uma confusão ao se pensar a Educação Física como sendo a disciplina
“salvadora/modeladora/transformadora” do corpo, discurso que se justifica pelas
padronizações dadas ao corpo, tomando certo tipo de corpo como referência.
Silva (2001), ao compreender estas mensurações corporais como forma
objetivadora de se conseguir o “corpo referência”, suscita elementos que nos fazem
refletir sobre a estética e as possíveis mudanças no corpo, como tentativa de
aproximação do modelo ideal de corpo.
Estas definições usuais geram práticas de avaliação e intervenção
sobre os corpos que se difundiram sobremaneira, constituindo uma
parte importante do imaginário social, ainda que as condições objetivas não permitam os meios para atingir este corpo considerado
ideal e, ainda menos, refletir criticamente a este respeito (p. 89).
Dessas palavras, podemos fazer inferências sobre os aspectos trabalhados na
perspectiva da saúde, que se dão por meio das atividades/exercícios físicos que buscam
práticas que valorizem o corpo numa perspectiva biologicista e de cunho estético muito
evidente, em detrimento dos valores estéticos impostos pelos meios de comunicação e
mensuração corporal.
Percebemos que, pelas justificativas dos discentes, alguns discursos se
fundamentam pelos conhecimentos divulgados pela mídia. Nóbrega (2001) nos diz que
os processos comunicacionais funcionam como estruturas edificantes das representações
sociais e estas passam por três processos: difusão, propagação e propaganda. Dentro
desses processos, a propaganda orienta-se na produção de uma representação a partir de
um objeto que provoca conflito e se relaciona, também, na formação de estereótipos que
“[...] consiste numa resposta que é ao mesmo tempo, genérica rígida e reducionista à
simplificação dos fatos.” (NÓBREGA, 2001, p. 72). Percebida dessa forma, a Educação
Física nos espaços escolares não pode fomentar a formação de estereótipos e muito
menos ser simplista com relação aos conteúdos que trabalha, mas sim superar esses
88
modelos/padrões que levam ao corpo/aluno a utilização de meios não seguros para se
aproximar desses corpos referências.
Entendendo a veiculação de conhecimentos pelas mídias, a Educação Física se
atrela fortemente aos aspectos da saúde justamente por representar a profissão que
trabalha o corpo somente com esta perspectiva. Nesse sentido, algumas falas ainda se
fundamentam neste tipo de concepção de trabalho com o corpo/aluno na escola, o que
representa compreender o corpo somente sob uma vertente biológica, semelhante
àquelas da década de 1970, em que o objeto da Educação Física estava totalmente
pautado na aptidão física.
Novamente, com Jodelet (2001), entendemos o questionamento sobre “o que
sabe e com que efeitos?”. Ora, se grande parte dos conhecimentos que fundamentam a
formação dos professores de Educação Física está ligada aos aspectos da saúde na
perspectiva da tecnificação, quantificação das capacidades corporais e mensurações da
corporeidade dos corpos/alunos, isso representa uma desconexão do objetivo da
Educação Física como elemento de educação. As concepções de trabalho com os
corpos/alunos na escola devem fornecer elementos para uma Educação Física que
provoque o entendimento da necessidade do se movimentar, ou seja, uma Educação
Física que incentive as questões ligadas à qualidade de vida e não voltadas para a
formação de corpos referências.
Nesta perspectiva, identificamos os elementos da cultura corporal como sendo,
unicamente, contributos de um modelo de ciência que analisa o movimento a partir de
atividades/exercícios físicos. Estes buscam, por meio da tecnificação, quantificação e
mensuração uma comparação dos padrões de corpo, compreendendo-o como objeto
apolítico, ahistórico e acultural.
Segundo Rodrigues e Galvão (2008), a relação da Educação Física com a saúde
se fundamenta historicamente, principalmente pelo seu caráter biologicista e das
influências médicas que constituíram, por muitos anos, os saberes da Educação Física.
Após algumas reformulações observadas nos PCN’s (1998), a Educação Física
incorpora, então, outra visão sobre os aspectos da saúde, compreendendo-a de forma
mais abrangente.
Dessa forma deve:
Identificar o contexto da saúde na área, construindo e incentivando discussões e reflexões que possibilitem ao aluno fazer uma leitura
crítica do meio em que está envolvido. Tais discussões podem vir
acompanhadas de pesquisas anteriores ou posteriores, observações de
89
eventos exibidos pela mídia, apontamentos realizados durante as aulas
de Educação Física (RODRIGUES; GALVÃO, 2008, p. 95).
Ao se trabalhar na perspectiva da saúde o professor deve estar atento às
demandas sociais que vão sendo postas à realidade do aluno. Entender que o
corpo/aluno, por si só, não está desconectado dos fatores sociais que, por ventura, irão
interferir diretamente na saúde dos sujeitos é trabalhar com possibilidades que
extrapolem as dimensões da atividade física.
90
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa buscou encontrar e analisar as representações sociais que
discentes do curso de Licenciatura em Educação Física/UNEMAT campus Cáceres-MT
possuem acerca do trabalho com o corpo/aluno na escola. Dessas análises, inferimos
sobre como esses conhecimentos do senso comum acerca do corpo/aluno podem
orientar a prática dos futuros professores de Educação Física.
Para fundamentarmos como ocorre a construção dessas representações,
baseamo-nos na Teoria das Representações Sociais, de Sergé Moscovici (2001; 2003) e
Denise Jodelet (2001), bem como nas contribuições dos autores da Educação Física que
discutem as temáticas do corpo na escola. Por meio dessas teorizações, organizamos a
coleta de dados com os discentes que cursavam o sexto, sétimo e oitavo semestre do
curso de Educação Física da UNEMAT, entendendo que é este grupo de pessoas que
iniciam suas experiências nos espaços escolares, pois já acumularam grande parte dos
conhecimentos iniciais que o curso oferece.
Dessa forma, aplicamos 44 questionários baseado em evocações livres a partir
do estímulo indutor “Para você como o corpo é trabalhado na escola?”, foram evocadas
as cinco primeiras palavras que surgissem nos acadêmicos, além da ordem média de
evocação (OME) e ordem média de importância (OMI), bem como as justificativas
dadas para as evocações realizadas. Após esta ação sistematizamos os dados na
perspectiva da análise de conteúdo, chegando, assim, a seis categorias de discussão:
Conteúdos da Educação Física, Expressão Corporal, Aprendizagem e Desenvolvimento,
Dicotomia Corpo e Mente, Cultura e Atividade Física e Saúde. A escolha da
nomenclatura das categorias se deu a partir das proximidades semânticas e de sentidos
das palavras evocadas, bem como pelas justificativas dadas pelos sujeitos e sua
aproximação com os teóricos que baseiam a pesquisa.
O sistema de categorias apontou para o complexo representacional relacionado
à apercepção do corpo/aluno nas aulas de Educação Física. Isso decorre do próprio
processo de graduação, em que os discentes percorrem diversas áreas do conhecimento
para basilar sua futura atuação. Percebemos, também, que existem vertentes que se
intensificam na formação inicial que ocorre por meio da proximidade de atuação de
cada discente. Ou seja, existem aqueles que se aproximam mais dos conhecimentos das
Ciências da Saúde, discursam sobre sua futura atuação sob a perspectiva da Atividade
91
Física e da Saúde, enquanto aqueles que discorrem sobre a atuação nos espaços
escolares que estreitam seus saberes a partir da óptica das Ciências Humanas.
No entanto, como nossa investigação se preocupava com a atuação nos espaços
escolares, compreendemos que estas concepções devem atuar conjuntamente, não
fragmentando os saberes que, consequentemente, também irão fragmentar a prática
desses professores.
Das seis categorias apresentadas nesse trabalho, notamos que três delas dão o
tom para o trabalho com o corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola:
Conteúdos da Educação Física; Expressão Corporal e Atividade Física e Saúde.
Compreendendo, que essas três categorias direcionam o trabalho com o corpo/aluno, na
perspectiva dos discentes, buscamos trazer as seis categorias mais expressivas, por
demostrarem, também, sua influencia no trabalho com os corpos/alunos na escola.
A categoria que discute os “Conteúdos da Educação Física” foi a mais evocada
pelos discentes a partir do estímulo indutor e trazem em seu bojo as palavras “esporte”,
“ludic+”, “dança”, “lutas” e “ginástica”, sendo estas as manifestações da Cultura
Corporal, na perspectiva do Coletivo de Autores (1992). Dessas palavras percebemos
que existe uma representação para o trabalho com o corpo aluno muito influenciada
pelo esporte, jogos e brincadeiras e a dança, sendo as lutas e a ginástica os conteúdos
menos privilegiados na escolha dos discentes. O fato do esporte, dos jogos e das
brincadeiras e da dança estarem mais próximos das experiências dos discentes, auxilia
no momento de se construir um discurso para o trabalho com o corpo/aluno,
experiências estas, que não se fazem tão presentes para os conteúdos lutas e ginástica,
como indica Jodelet (2001) sobre “o que sabe e onde sabe”.
Contudo, observamos que o conteúdo esporte é aquele que se expressa com
mais ênfase nas evocações, tendo algumas visões positivas e negativas na atuação com
os corpos/alunos na escola. O esporte, como fenômeno social está fortemente enraizado
na atuação dos professores de Educação Física na escola, tendo como base o ensino do
futsal, voleibol, handebol e basquetebol. Com isso, entendemos que por mais que os
discursos comentem sobre a atuação na Educação Física escolar por meio dos cinco
conteúdos, é o esporte quem dá o tom da atuação dos futuros professores, fato que fica
evidente ao vermos a ordem média de importância das evocações.
A categoria “Expressão Corporal” também se destacou nas evocações dos
discentes. Além de ser a segunda categoria mais evocada, esta representa um dos fatores
mais importantes no trabalho com o corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola,
92
pois no entendimento dos discentes é de fundamental importância valorizar a expressão
corporal dos corpos/alunos, informação que é comprovada pela ordem média de
evocação e ordem média de importância.
Nesta categoria, as palavras mais prontamente evocadas foram “expressão
corporal” e “movimento”, ambas entendidas como as linguagens do corpo. Para os
discentes, as manifestações que os corpos/alunos realizam ao se movimentar denunciam
uma fala do corpo, um meio de comunicação entre o saber corporal que o corpo/aluno
detém, confrontado com os conhecimentos sistematizados que os conteúdos da
Educação Física oportunizam.
Por fim, a categoria “Atividade Física e Saúde” é aquela que, dentre as seis,
apresenta o menor número de evocações, porém, ao se atribuir importância as palavras
evocadas torna-se a mais importante entre todas as categorias. Ao analisarmos esses
dados, percebemos que a representação social que estrutura o trabalho dos futuros
professores de Educação Física relaciona-se á atuação em que os benefícios das práticas
corporais na escola estimulem os aspectos da saúde nos corpos/alunos, pois como
alguns discentes afirmaram, a saúde é o principal objetivo do trabalho da Educação
Física.
Compõe-se pelas palavras “atividade física”, “saúde” e “autoestima”, o que
representam práticas para o trabalho com o corpo/aluno nas aulas de Educação Física na
escola que se orientam por meio dos saberes das Ciências da Saúde. Os acadêmicos, ao
evocarem a palavra autoestima, provocam-nos o questionamento se o trabalho do
professor de Educação Física na escola produz uma representação para a formação de
corpos referências, difundidos pelos meios de comunicação.
Dessa forma, entendemos que os conhecimentos que circulam no espaço de
formação dos discentes do curso de Educação Física da UNEMAT campus Cáceres se
orientam a partir dos Conteúdos da Educação Física, materializados pela aplicação dos
esportes, jogos e brincadeiras e dança; pela Expressão Corporal, entendida como a
linguagem do corpo/aluno durante o se movimentar; e pela Atividade Física e Saúde,
pois o trabalho do professor de Educação Física na escola deveriam possibilitar ao aluno
elementos que possam melhorar a saúde.
Dessas informações, podemos fazer alusão que os Conteúdos da Educação
Física são aqueles que direcionam os trabalhos com o corpo/aluno na escola, pensado
num sentido de valorização da expressão corporal que o corpo/aluno produz durante a
efetivação dos elementos que tratam os conteúdos da Educação Física. Destes aspectos
93
temos, como sendo característica fundamental para o trabalho com o corpo/aluno na
escola, a valorização da saúde que se dá por meio das atividades físicas.
Com essas considerações, avaliamos ter alcançado nosso objetivo ao
encontrarmos, dentre as categorias apresentadas, representações sociais para o trabalho
com o corpo/aluno nas aulas de Educação Física na escola. Esperamos que esta pesquisa
possibilite algumas reflexões sobre a atuação dos professores de Educação Física com
os corpos/alunos, em que os apontamentos desse estudo promovam questionamentos
sobre “Como deveria ser o trabalho com o corpo/aluno na escola?”.
94
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Cristóvão: Editora UFS, 2012.
98
APÊNDICES
APÊNDICE 1 – QUESTIONÁRIO
O presente questionário se apresenta como um elemento de aquisição dos dados
para a pesquisa do mestrado em Educação do Programa de Pós-graduação em
Educação/PPGE – UFMT. Neste investiga-se as representações acerca do corpo na
visão dos discentes do curso de Educação Física/UNEMAT. A pesquisa é de
responsabilidade do mestrando Jonathan Stroher como orientação do Prof. Dr. Carlo
Ralph De Musis.
Com isso nos responsabilizamos:
I. preservar o sigilo e a privacidade dos sujeitos cujos dados (informações) serão
estudados;
II. assegurar que as informações serão utilizadas, única e exclusivamente, para a
execução da pesquisa em questão;
III. assegurar que os resultados da pesquisa serão divulgados de forma anônima, não
sendo usadas iniciais ou quaisquer outras indicações que possam identificar o sujeito da
pesquisa.
Sem mais, agradecemos a colaboração.
Jonathan Stroher
99
I - Dados demográficos
Idade:_______
Sexo: ( ) masculino ( ) feminino
Estado civil: ( ) solteiro(a) ( ) casado(a) ( ) divorciado(a)
( ) desquitado(a) ou separado(a) judicialmente ( ) viúvo(a)
Semestre:____________
Trabalha: ( ) sim ( ) não
Se sim, em que área atua?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Seu trabalho é relacionado com a Educação Física? ( ) sim ( ) não
Se sim, que função desempenha?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
Ano de Ingresso na Graduação:___________________________________________
O que te motivou a escolher o curso de Educação Física para sua formação no
ensino superior?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
PARE AQUI
Aguarde instruções orais para começar a responder
Aguarde instruções orais para começar a responder a próxima questão que será entregue
100
Escreva, por favor, as primeiras cinco palavras ou expressões que lhe vêm à sua mente
para a questão: PARA VOCÊ COMO O CORPO É TRABALHADO NA ESCOLA?
a. ( ) -2 -1 0 +1 +2
b. ( ) -2 -1 0 +1 +2
c. ( ) -2 -1 0 +1 +2
d. ( ) -2 -1 0 +1 +2
e. ( ) -2 -1 0 +1 +2
AGORA, explique as palavras ou expressões fornecidas anteriormente.
a.
b.
c.
d.
e.
101
ANEXOS
ANEXO I – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Nome do (a) Pesquisador (a): JONATHAN STROHER Você está sendo convidado (a) a participar desta pesquisa. Ao integrar este estudo estará
permitindo a utilização dos dados fornecidos. Você tem liberdade de se recusar a
participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer momento da
pesquisa, sem qualquer prejuízo pessoal.
Todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais, você não
precisará se identificar. Somente o (a) pesquisador (a) terá acesso às suas informações e
após o registro destas o documento será destruído.
Consentimento Livre e Esclarecido: Tendo em vista os esclarecimentos acima
apresentados, eu, manifesto livremente meu consentimento em participar da pesquisa.
Nº Nome do participante Assinatura do participante
01
02
03
04
05
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