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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Cadernos Geográficos
GCN / CFH / UFSC
ISSN 1519–4639 ISSNe 5448-265X
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
Reitor: Luiz Carlos Cancellier de Olivo
Vice-Reitor: Alacoque Lorenzini Erdmann
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
Diretor: Paulo Pinheiro Machado
Vice-Diretor: Sônia Weidner Maluf
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
Chefe: Carlos José Espindola
Sub-Chefe: Clécio Azevedo da Silva
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
Coordenador: Elson Manoel Pereira
Sub-Coordenador: Rosemy Nascimento
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Investigações climáticas em eventos extremos:
análises socionaturais
“Homenagem à Prof.ª Dr.ª Magaly Mendonça”
Org.: Alberto E. Franke, João A. Zavattini, Maikon P. A. Alves e
Rafael Brito Silveira
ISSN 1519–4639
ISSNe 5448-265X
Cadernos Geográficos Florianópolis Nº36 128p. Julho 2016
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Cadernos Geográficos é uma publicação editada pelo Departamento de Geociências da
Universidade Federal de Santa Catarina.
Capa: Marcelo Perez Ramos
Editoração: José Messias Bastos / Edson de Morais Machado
Revisão Técnica: Karine Domingos Tradução: Leon Muller Marques
(Catalogação na fonte por Daurecy Camilo – CRB 14/416)
Endereço para correspondência
Mailing address subscriptions
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Departamento de Geociências
Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais - LABEUR
Campus Universitário – Trindade - Cep 88.040-900 – Florianópolis – SC
E-mail: cadernosgeograficos@contato.ufsc.br
Endereço eletrônico: www.cadernosgeograficos.ufsc.br
Cadernos Geográficos / Universidade Federal de Santa Catarina. Centro de Filosofia e
Ciências Humanas. Departamento de Geociências. – n° 15 (maio de 2006) – Florianópolis:
Departamento de Geociências, 2006.
ISSNe2448-265X ISSN 1519-4639
1. Geografia 2.Anais I. Universidade Federal de Santa Catarina.
Patronos:
Ignácio Rangel (1914-1994)
André Cholley (1886-1968)
Conselho Editorial:
César Martins (FURG)
Elias Jabour (UERJ)
Edson de Morais Machado (UFSC)
Fábio Napoleão (UDESC)
Gerusa Maria Duarte (UFSC)
Maycon Neykiel Bastos (UFSC)
Maria Graciana E. de Deus Vieira (UDESC)
Lucas dos Santos Ferreira (UDESC)
Zeno Crocetti (UFAL)
Raquel Maria Fontes do Amaral Pereira (UNIVALI)
Comissão Editorial/ Editorial Comission:
•Armen Mamigonian (USP/UFSC)
•Carlos José Espíndola (UFSC)
•José Messias Bastos (UFSC)
•Magaly Mendonça (UFSC) in memorian
•Maria Lúcia de Paula Hermann (UFSC)
•Mee, Joung Lee (HUFS)
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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NOTA EDITORIAL
Dando continuidade à política e publicação do Departamento de Geociências da
UFSC, com o apoio do Laboratório de Estudos Urbanos e Regionais (LABEUR), o Caderno
Geográfico de número 36 apresenta o trabalho dos membros do Laboratório de
Climatologia Aplicada (LabClima) e do Grupo de Estudos em Desastres Socionaturais
(GEDN) da Universidade Federal de Santa Catarina com o título “Investigações climáticas
em eventos extremos: análises socionaturais – Homenagem a Profª. Drª. Magaly
Mendonça”.
A obra apresentada trata-se de uma homenagem póstuma à Prof.ª Dr.ª Magaly
Mendonça que foi coordenadora do laboratório e do grupo de pesquisas nos últimos anos.
Todos os depoimentos e artigos presentes no volume foram escritos por colegas e/ou
orientandos do mestrado e/ou doutorado, no qual a homenageada orientava e conduzia
pesquisas com ênfase nos desastres, vulnerabilidades socionaturais e clima das regiões
subtropicais.
Além de, nos últimos anos, ter se dedicado as teleconexões atmosféricas. Além dos
depoimentos que relatam a vida acadêmica e a amizade de nossa companheira de
departamento, a edição conta com a colaboração direta de colegas que sempre estiveram
em cooperação com o LabClima, participando de bancas e/ou outros projetos.
A homenagem é uma forma de manifestar nossa gratidão por toda a dedicação desta
grande profissional que em sua atuação contribuiu enormemente através de suas pesquisas,
para avanços em sua área e no desenvolvimento deste departamento, por meio da
participação e realização de projetos de pesquisa, palestras, orientações, ou simplesmente
por sua presença. Nossa saudosa homenagem.
Comissão Editorial
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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EDITORIAL NOTE
Continuing the policy and publication of the Department of Geosciences of UFSC,
with the support of the Laboratory of Urban and Regional Studies (LABEUR), the
Geographic Notebook number 36 presents the work of the members of the Laboratory of
Applied Climatology (LabClima) and the Study Group on Socio-environmental Disasters
(GEDN) of the Federal University of Santa Catarina with the title "Climatic investigations in
extreme events: Socio-environment analyzes - Tribute to Prof. Dr. Magaly Mendonça"
(“Investigações climáticas em eventos extremos: análises socionaturais – Homenagem a
Profª. Drª. Magaly Mendonça”).
The present work is a posthumous tribute to Prof. Dr. Magaly Mendonça, who
coordinated the laboratory and the research group in recent years. All testimonials and
articles present in the volume were written by colleagues and/or master's and/or PhD
students, in which the honored guided and conducted research with emphasis on disasters,
socio-environmental vulnerabilities and subtropical climate. In addition, in recent years, her
dedication to atmospheric teleconnections.
Apart from the testimonies that tell the academic life and the friendship of our
department partner, the edition counts on the direct collaboration of colleagues who have
always been in cooperation with LabClima, participating in banks and/or other projects.
The tribute is a way of expressing our gratitude for all the dedication of this great
professional who in her work contributed enormously through her researches, to advances in
her area and the development of this department, through the participation and realization
of research projects, lectures, guidelines, or simply by her presence. Our nostalgic tribute.
Editorial Comission
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO ................................................................................................... 13
2. DEPOIMENTOS DE VIVÊNCIAS ............................................................................. 14
2.1. RELATOS DE UM COMPANHEIRO ................................................................. 14
2.2. MAGALY MENDONÇA, MEGA-MAGA: UMA AMIGA! ..................................... 18
2.3. AS CONTRIBUIÇÕES DO GEDN, E DO LABCLIMA, NAS ANÁLISES DOS
DESASTRES SOCIONATURAIS EM SANTA CATARINA ............................................. 20
3. FATORES ESTÁTICOS E DINÂMICOS NA FORMAÇÃO DO CLIMA DE SANTA
CATARINA .................................................................................................................... 27
4. VARIABILIDADE ESPAÇO-TEMPORAL DOS EVENTOS EXTREMOS DE
PRECIPITAÇÃO NO SUL DO BRASIL: ANÁLISE DA INTENSIDADE E PERSISTÊNCIA E
SUAS RELAÇÕES COM O ENOS .................................................................................. 37
5. EXTREMOS DE TEMPERATURA E SAÚDE PÚBLICA: UMA PROPOSTA PARA
SISTEMA DE ALERTA DE ONDAS DE FRIO E CALOR .................................................. 49
6. UM APORTE TEÓRICO METODOLÓGICO DA VULNERABILIDADE AOS
DESASTRES .................................................................................................................. 63
7. AVALIAÇÃO DA VULNERABILIDADE DO MEIO RURAL AOS EVENTOS
METEOROLÓGICOS EXTREMOS E A MUDANÇA CLIMÁTICA NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO ARARANGUÁ ........................................................................ 76
8. RELAÇÃO ENTRE AS VARIABILIDADES DE BAIXA FREQUÊNCIA COM AS
PRECIPITAÇÕES SOBRE AS REGIÕES DE ITAJAÍ (SANTA CATARINA, BRASIL) E
COPIAPÓ (ATACAMA, CHILE) .................................................................................... 103
9. CHUVA E ONDAS DE CALOR EM SANTA CATARINA DURANTE EVENTOS DO EL
NIÑO OSCILAÇÃO SUL MODOKI E CANÔNICO ........................................................ 121
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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SUMMARY
1. PRESENTATION .................................................................................................... 13
2. TESTIMONIALS OF EXPERIENCES ....................................................................... 14
2.1. REPORTS OF A COMPANION ......................................................................... 14
2.2. MAGALY MENDONÇA, MEGA-MAGA: A FRIEND .......................................... 18
2.3. THE CONTRIBUTIONS OF THE GEDN, AND LABCLIMA, IN THE ANALYSIS
OF SOCIAL- ENVIRONMENTAL DISASTERS IN SANTA CATARINA ....................... 20
3. STATIC AND DYNAMIC FACTORS IN SANTA CATARINA CLIMATE
FORMATION..................................................................................................................... 27
4. SPACE-TEMPORAL VARIABILITY OF EXTREME PRECIPITATION EVENTS IN THE
SOUTH OF BRAZIL: ANALYSIS OF INTENSITY AND PERSISTENCE AND ITS
RELATIONSHIP WITH ENOS ........................................................................................ 37
5. TEMPERATURE AND PUBLIC HEALTH EXTREMES: A PROPOSAL FOR THE COLD
AND HEAT WAVE ALERT SYSTEM .............................................................................. 49
6. A THEORETICAL METHODOLOGICAL CONTRIBUTION OF VULNERABILITY TO
DISASTERS ................................................................................................................... 63
7. EVALUATION OF VULNERABILITY OF THE RURAL ENVIRONMENT TO EXTREME
METEOROLOGICAL EVENTS AND CLIMATE CHANGE IN THE ARARANGUÁ RIVER
HYDROGRAPHIC BASIN .............................................................................................. 76
8. RELATIONSHIP BETWEEN THE LOW-FREQUENCY VARIABILITIES AND THE
PRECIPITATIONS ON THE ITAJAÍ REGIONS (SANTA CATARINA, BRAZIL) AND
COPIAPÓ (ATACAMA, CHILE) .................................................................................... 103
9. RAIN AND WAVES OF HEAT IN SANTA CATARINA DURING EL NIÑO EVENTS
MODOKI AND CANONIAN SOUTH OSCILLATION ..................................................... 121
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Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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1. APRESENTAÇÃO1
Os membros do Laboratório de Climatologia Aplicada (LabClima) e do Grupo de
Estudos em Desastres Socionaturais (GEDN) do Departamento de Geociências da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) sentem-se honrados em poder oferecer ao
público o número 36 do Cadernos Geográficos. Neste os leitores são brindados com uma
homenagem póstuma à Prof.ª Dr.ª Magaly Mendonça que foi coordenadora do laboratório e
do grupo de pesquisas nos últimos anos.
Todos os depoimentos ou artigos2
foram escritos por colegas e/ou orientados do
mestrado e/ou doutorado do Programa de Pós-Graduação em Geografia (PPGG) do
Departamento de Geociências, no qual a Prof.ª Magaly orientava e conduzia pesquisas com
ênfase nos desastres, vulnerabilidades socionaturais e clima das regiões subtropicais. Além
de, nos últimos anos, ter se dedicado as teleconexões atmosféricas.
Esta edição do Cadernos Geográficos conta com os depoimentos de três geógrafos
de destacada atuação profissional e acadêmica no Brasil e na América Latina, que relatam a
vida acadêmica e a sua amizade com a Prof.ª Magaly. Os orientados abordam temas de suas
pesquisas no mestrado e/ou doutorado, que tiveram participação direta da Prof.ª Magaly
Mendonça em sua essência. A edição ainda conta com a colaboração direta de colegas que
sempre estiveram em cooperação com o LabClima, participando de bancas e/ou outros
projetos.
1 Este exemplar encontra-se disponível no site http://cadernosgeograficos.ufsc.br/ . Consulte para a melhor
visualização das imagens.
2Nota: todos os artigos são de responsabilidades dos autores (as) que assinam pelos mesmos. A comissão
organizadora foi responsável pelo convite aos colaboradores e pela padronização desta edição do Cadernos
Geográficos.
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2. DEPOIMENTOS DE VIVÊNCIAS
2.1. RELATOS DE UM COMPANHEIRO
Prof. Dr. Hugo Romero
Cuando conocí a Magaly, en 2008, ella compartía sus preocupaciones académicas
en el área de climatología en el Departamento de Geociencias de la Universidad Federal de
Santa Catarina, con una intensa actividad sindical en el seno de ANDES, Asociación
Nacional de Docentes de Enseñanza Superior. Nuestro primer encuentro en el Congreso de
la Asociación Brasileña de Climatología Geográfica celebrado en Rondonópolis, Estado de
Mato Groso, estuvo marcado por la simpatía que ella exhibía por el trabajo que yo venía
desarrollando en el área de la climatología regional y urbana de Chile. En esos estudios,
realizados a partir de análisis de las fluctuaciones multiescalares ocurridas en el Desierto de
Atacama y en Santiago, la capital de Chile, intentaba señalar que no bastaba con considerar
los datos meteorológicos que representan los cambios y variabilidades climáticas de los
lugares, sino que además se debía examinar con la misma profundidad, los efectos de esos
procesos sobre las sociedades locales, en particular sobre sus formas de adaptación y
desafíos que enfrentan como consecuencia de procesos globales , tales como el extractivismo
minero, las perturbaciones ambientales y, sobretodo, la consolidación del neoliberalismo
como política económica central, como se puede observar con claridad en Chile desde
1975.
Magaly me manifestó compartir esta visión crítica y multidisciplinaria de la geografía
en general y de la climatología en particular, especialmente porque veía con preocupación
que tanto la universidad pública como la propia ciencia geográfica no estaban analizando
con amplitud y pertinencia los innumerables desafíos socioeconómicos que observaba, en su
caso, en las regiones y ciudades brasileñas. Ella acababa de defender su tesis de doctorado
sobre climatología y ya manifestaba una cierta desazón por lo que consideraba constituía
una versión muy limitada de lo que la geografía podía ofertar ante tales problemas
contemporáneos. De especial interés le resultaba apreciar que los fenómenos por ella
detectados, ya sea en términos de la naturaleza o de la sociedad, no podían ser separados
unos de otros, como también su sorpresa por reconocer que no se trataba solo de hechos
locales, sino que el resultado de padrones exhibidos por países tan distintos como Chile y
Brasil. Se lamentaba de no haber estudiado con anterioridad y debida profundidad, la
geografía latinoamericana, tanto para aquilatar las semejanzas y diferencias que existen entre
los diversos países que conforman nuestro continente, como para aprender respecto a los
resultados socio-económicos y socio-ambientales que han caracterizado las profundas
reformas introducidas en las economías y sociedades nacionales durante las últimas décadas.
Para ella resultó sorprendente que dos regiones ubicadas a la misma latitud- Santa
Catarina en Brasil y Atacama en Chile- pudieran registrar diferencias climáticas y
ambientales tan marcadas, como consecuencia de dinámicas atmosféricas y oceánicas
geográficamente tan diversas. Este inmenso contraste entre las costas de los océanos
Pacífico y Atlántico, manifestado entre otros aspectos, por la selva tropical costera de Santa
Catarina y por el desierto absoluto de Atacama, reflejaba profundas interacciones entre las
temperaturas de los océanos y sus masas de aire superpuestas, evidenciadas especialmente
durante la ocurrencia de variabilidades tan significativas como los fenómenos El Niño y La
Niña. En esas ocasiones, a pesar de las grandes diferencias pluviométricas registradas en
ambas localidades, surgían semejanzas a través del incremento de las lluvias mensuales y
anuales en el primer caso, y en la ocurrencia simultánea de sequías cuando ocurrían los
fenómenos La Niña.
Las asociaciones geográficas entre los tipos de tiempo atmosféricos registrados en
Santa Catarina y Atacama, la intrigaron particularmente. Mediante la observación
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sistemática de las cartas sinópticas, apreciaba las teleconexiones que se presentaban entre
los centros de presión atmosférica, tales como los bloqueos anticiclónicos del Pacífico y
Atlántico, su asociación con El Niño y La Niña, sus implicancias en el trayecto de las masas
de aire polares y tropicales, de los frentes fríos y cálidos que las confrontaban, y sus
relaciones con procesos dinámicos de gran alcance, como la circulación de la Corriente de
Chorro Subtropical, la presencia constante de la Alta de Bolivia, la Baja del Chaco y las
fuentes de origen de los complejos convectivos térmicos locales.
Magaly resaltó entonces en sus clases, escritos y participaciones en eventos
científicos, tales como el Simposio de Multiriesgos de la Asociación de Universidades del
Pacífico Sur (Auckland, Nueva Zelanda, 2011) , el Congreso Mundial de Geografía de la
Unión Geográfica Internacional (Kioto, Japón, 2012, o la Conferencia Regional de esta
misma institución, en Colonia, Alemania en 2013, las profundas interacciones espaciales que
estructuraban la climatología latinoamericana y la ocurrencia simultánea de tormentas,
inundaciones, o sequías en países como Argentina, Brasil, Chile, Perú, Colombia, Paraguay
y Bolivia. Entonces hacía notar que la climatología geográfica no puede reducirse
escalarmente a un solo país, sino que por el contrario, requiere ser observada como una
estructura espacial compleja donde los fenómenos globales, tales como el cambio climático,
se vinculan con eventos regionales, como sucede con El Niño y La Niña, y ambas escalas,
con los paisajes locales, que identificaba en la Cuenca del Paraná-La Plata y principalmente,
en ambas vertientes de la Cordillera de los Andes.
Surgían de este modo en su pensamiento, comunalidades geográficas comandadas
por hechos continentales de extraordinaria relevancia, tales como la cuenca amazónica y su
participación en el monzón del mismo nombre, que mayormente activado en la estación de
verano, podía extenderse con sus lluvias muchas veces desastrosas, no solo hacia el sudeste
de Brasil, sino que también hacia Bolivia, Alto Perú y el altiplano andino del Norte de Chile.
La climatología geográfica de América Latina podía ser apreciada como una unidad
estructural, que respondía en conjunto a las perturbaciones de baja frecuencia como El Niño
o La Niña y se manifestaba en eventos climáticos de alcances regionales y locales, que aran,
en definitiva, los que generaban desastres y sufrimientos sobre los sectores más vulnerables
de nuestra realidad continental.
El año 2010 y en los años sucesivos, América Latina fue cubierta varias veces, no
solo por dramáticas inundaciones y sequías que causaron grandes pérdidas de vida y bienes
materiales y simbólicos, sino que también por ondas de frío, que provocaron centenares de
muertes de ciudadanos pobres en las principales urbes y también en áreas rurales, como el
altiplano peruano. Era necesario entonces estudiar el origen del aire frío que se había
establecido sobre la totalidad del continente, y para ello, debía agregarse en el análisis, el rol
de las masas de aire antárticas.
Por otro lado, Magaly se había sorprendido enormemente de la majestuosidad de
Los Andes, especialmente cada vez que cruzaba esta cordillera inmensa en el invierno,
volando sobre cientos de kilómetros de superficies nevadas y cubiertas englaciadas. La
nieve- una gran desconocida para la mayoría de los brasileños-, representaba, más allá de su
extraordinaria belleza con que corona las cimas de las montañas, el mayor aporte de la
naturaleza a los sistemas de sostén de la vida a través del agua. Juntos realizamos
excursiones a la Patagonia chilena, conformada por paisajes completamente opuestos al
Desierto de Atacama, esta vez caracterizados por la abundancia de agua, ríos, lagos,
volcanes, bosques templados y campos de hielo. Siempre quiso comprobar personalmente si
en realidad el agua de los deshielos era tan fría como denunciaban las crónicas y relatos, por
lo que no dudó en tomar baño en el Lago Villarrica, en la región de La Frontera, o en los
arroyos de la región de Aisén, dónde el paisaje está comandado por los cuerpos y
panorámicas glaciares. Durante el invierno pudo observar lo difícil que puede ser practicar la
ganadería extensiva o la salmonicultura en medio de temperaturas siempre negativas y
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durante los veranos, se sorprendió muchas veces con ondas de calor que alcanzaban has los
35°C en los bordes de los campos de hielo.
Como a todo brasileño, a Magaly le impactó el frío que se vive en la parte central y
sur de Chile y la recuerdo con compasión, pegada al calentador y sumamente arropada
durante las noches invernales de Santiago. Justamente por ello, sumó a sus explicaciones
geográficas de los climas, la ocurrencia de ondas de frío, y especialmente las implicancias del
índice de Oscilación Antártica, que traslada masas de aire polares desde el continente de
hielo hasta latitudes tan bajas como el sur del Brasil y aún la Amazonía, llevando el invierno
austral hasta la sierra de Santa Catarina. Un nuevo componente debía agregarse a la
interesante topología de los climas sudamericanos.
De esta manera, culminaba su cuadro explicativo de la dinámica atmosférica
climática que organizaba geográficamente los climas sudamericanos como unidad
estructural: el Monzón Amazónico, las oscilaciones del Pacífico Sur (El Niño-La Niña-
Oscilación del Sur),la Oscilación Decadal del Pacífico (que causa perturbaciones en periodos
de diez a treinta años) y la Convergencia Antártica, todo ello comandado por el motor
representado por la Alta de Bolivia y por el control orográfico principalmente asociado a la
continuidad, coherencia y altura de la Cordillera de los Andes.
Su atracción por los Andes fue creciendo con el tiempo. Sin duda que las
excursiones a las cordilleras y altiplanos del Desierto de Atacama fueron fundamentales. No
solo porque observó paisajes de altura que pueden ser considerados entre los más hermosos
del mundo (dada la transparencia atmosférica de las latitudes subtropicales en una atmósfera
casi completamente seca), sino que también por el impacto que ocasiona encontrar en esos
paisajes una extraordinaria alta biodiversidad, particularmente en lagunas, salares, arroyos,
humedales y los oasis que se establecen en sus alrededores. En efecto, el completo desierto
de Atacama es forzado a ceder su lugar a manchas vegetadas y corredores de vida
desplegados desde las fuentes de agua ocasionadas por el monzón amazónico y sus lluvias
de verano. En torno a estos paisajes de oasis se han asentado comunidades que mantienen,
a pesar de los efectos perversos de la globalización, identidades culturales que se
contraponen a los modos de vida urbanos predominantes.
En marzo de 2012, las lluvias provocadas por el monzón amazónico causaron
destructivos aluviones en algunos de los pequeños valles de la región de Tarapacá. Al
visitarlos no solo comprobó el enorme poder destructivo de los miles de toneladas de rocas y
lodos arrastrados por lluvias que no superaron los 40 mm. sino, que, por sobre todo, la
enorme resiliencia de los habitantes de esos lugares, descendientes de los pueblos aymaras,
una de las etnias más características y de más amplia distribución en los Andes
Sudamericanos. La anticipación y preparación ante las amenazas naturales, así como la
gestión de riesgos y reconstrucción de los asentamientos humanos y actividades económicas
destruidas, fue una demostración de que los desastres no son provocados por los eventos
climáticos extremos, sino que dependen grandemente de la presencia y organización del
capital social, conformado por conocimientos, hábitos, costumbres, prácticas y sistemas de
gobernanza, ensayados y aprendidos durante cientos de años y que se manifiestan a través
de una sólida memoria social y colectiva.
El conocimiento adquirido por Magaly en su trabajo específico desarrollado por
muchos años en el equipo de riesgos del Departamento de Geociencias de la Universidad de
Santa Catarina, se vió fortalecido con la consideración de las vulnerabilidades sociales,
políticas y económicas, que fueron introducidos en sus estudios y tesis de postgrado dirigidas
en la sierra catarinense y en el Valle de Itajaí. Estos intereses de investigación la instaron a
organizar el Primer Seminario Internacional sobre Desastres Socionaturales, con la
participación de colegas y estudiantes del Laboratorio de Climatología de la UFSC, una de
sus creaciones que debería permanecer en el futuro como el mejor homenaje a su devoción
académica y de educadora.
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Recuerdo con particular afecto un momento en que, encontrándonos en medio del
altiplano andino, la comunidad aimara de Cancosa, se reunía para celebrar unos sus ritos
fundacionales, organizadores, como es el “floreo” de sus ganados de llamas y alpacas,
durante el cual celebran a las nuevas crías y adornan los animales con flores de papel que
identifican a las familias propietarias. Todo ello transcurría en medio de alegría, bebidas,
comidas y bailes, que refuerzan la cohesión social con que estos pueblos han mantenido su
cultura, confrontando las constantes perturbaciones arrastradas desde la colonización
española.
En medio del corral, una llama se separó del resto del ganado y se instaló junto a
nosotros, compenetrada de una significativa función, que desconocíamos completamente.
Se trataba de la parición de una cría. La madre fue custodiada por sus pares para brindar la
tranquilidad que implicaba tal acontecimiento. De pronto comenzó a aparecer ante nuestros
ojos el cuerpo de su hijo, ante lo cual la madre se reclinó para asegurar depositarlo sin daño
en el suelo. El nuevo animal intentó incorporarse en seguida, pero su debilidad de recién
nacido se lo impidió. Los comuneros continuaron con su faena, como si nada sucediera.
Para los aimaras, todo es parte de la “crianza de la vida”, un flujo incesante de
reproducción de la vida a través de la interacción de los componentes físicos, biológicos,
metafísicos que constituyen sus territorios o “ayllus”.
En ellos, la compleja reciprocidad entre sus componentes conforman un sistema
geográfico de alcance local, un territorio sintético de todo lo que se encuentra en ese lugar,
comandado por el flujo de la vida, que desafía permanentemente a la muerte. Este flujo se
expresa, entre otros elementos, en las nubes, las lluvias, las tormentas, los flujos de agua
superficiales y subterráneas, los insectos y plantas, los animales domésticos y cultivos, y por
sobretodo, sus divinidades, comandadas por el apu, volcán o monte más alto de la cuenca,
desde el cual proviene el agua, que es la sangre y semen de la vida.
Para las comunidades andinas, el clima no existe como una entidad separada del
resto del ecosistema, lugar o territorio, sino que conforma una díada entre los eventos
meteorológicos, su sucesión rítimica habitual y su incorporación en la vida cotidiana de la
sociedad, a través de la cultura. Siendo la crianza de la vida el principal compromiso que
aúna a la comunidad, es fundamental aprender a leer la naturaleza y conversar
permanentemente con sus integrantes físicos, biológicos y simbólicos, mediante la correcta
interpretación de sus “señaleros” o indicaciones de cambios. El florecimiento temprano de
una cactácea, la presencia de un pájaro, roedor o insecto, la observación de una
constelación estelar, o la percepción de una brisa mañanera, constituyen lenguajes de
comunicación que los hombres y mujeres deben desentrañar constantemente para evitar
equívocos.
Las variabilidades territoriales-incluyendo las climáticas-, espaciales y temporales, no
son para ellos hechos negativos, ni mucho menos peligrosos, sino que evidencias de una
diversidad de paisajes y momentos, que geográficamente organizadas y debidamente
explotadas, conforman un sistema oportunidades de vida, que permite enfrentar la
incertidumbre, que es para la comunidad, parte esencial de su existencia milenaria.
Magaly aprendió rápidamente que estaba enfrentada a una nueva geografía, que su
formación universitaria y científica no la había considerado hasta entonces, a pesar de
constituir la esencia de nuestra “andianidad” y por ello, una de las bases de la
latinoamericanidad. Estaba conociendo una epistemología, una ontología y una
metodología de una geografía climatológica diferente y mucho más humana que la que
había conocido con anterioridad. En este flujo incesante y multidimensional de la vida no
existe la muerte, sino solo un cambio de estado, siendo tarea de la sociedad preparar a sus
miembros para adaptarse en cada momento y lugar a los designios divinos transmitidos en
conversaciones que pueden ser participadas por todos los miembros de la comunidad en la
medida que respeten la naturaleza y las reglas sociales. Son los humanos quiénes, por
diversas razones, faltan el respeto a la “pachamama” (Diosa de la tierra), u olvidan
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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agradecerle cada día y en todo lugar los bienes y servicios que reciben de ella. Es necesario
reclinarse ante su presencia, y depositar algunos donativos junto con solicitar su autorización
antes de transitar por sus paisajes. Por lo tanto, no es la variabilidades espacial y temporal de
los miembros naturales del ayllu la que puede causar desastres. Por el contrario, tal dinámica
es propia de la riqueza, diversidad y complejidad del sistema socio-natural y constituye un
hecho positivo y una fuente de oportunidades, al brindar en medio de las montañas
andinas, lugares que son refugios ante las sequías, las inundaciones, o las ondas de calor y
frío, que caracterizan los topoclimas en que se vive a miles de metros de altura.
De improviso y sin preverlo, Magaly había descubierto en los Andes su propio
Andes. Ya no se trataba solo del sindicato de profesores universitarios que tanto ha hecho
para defender la presencia irremplazable de la universidad pública brasileña, gratuita en
todos sus niveles y de alta calidad, sin importar la región o lugar del país en que se
encuentre. Ya no se trataba solo de construir la geografía que aúna a miles de estudiantes y
profesores en programas de pre y postgrado a lo largo y ancho del inmenso Brasil, sino que
de militar ahora en una nueva climatología humanista, socialmente comprometida con las
demandas de la sociedad y respetuosa de las creencias y valores de los pueblos originales.
Entonces, descubrió que estaba perfectamente preparada para emprender un trabajo de
campo definitivo, para internarse en los territorios inconmensurables e infinitos de su propio
ayllu, y, especialmente, para trascender el espacio y el tiempo a través del recuerdo
imborrable de su sonrisa.
2.2. MAGALY MENDONÇA, MEGA-MAGA: UMA AMIGA!
Prof. Dr. Ewerton Vieira Machado
A iniciativa dos Cadernos Geográficos (CG) (GCN/UFSC) com mais esta edição,
trazendo abordagens sobre climatologia, em especial através de textos relacionados a temas
catarinenses e afins traz, também, em seus vieses, dimensões de homenagens à Professora
Magaly Mendonça (que prematuramente partiu para outra dimensão em 05/11/2016) cujas
intenções, em conjunto, considero serem oportunas nos registros e reconhecimentos ao
brilhante trabalho em ascensão da colega, que lamentavelmente foi interrompido.
Chamado a colaborar com essa iniciativa, fiquei lisonjeado pelo convite, mas, senti-
me um tanto “deslocado” do foco central que certamente norteiam as abordagens, já que
minha trajetória se faz em outros campos temáticos da Geografia. Entendi, então, que a
minha modesta presença nesta edição do periódico se deve, basicamente, às relações
acadêmico-afetivas, por várias vezes vivenciadas com a inesquecível amiga-colega. É, por
essa perspectiva que, a seguir, deixo algumas notas a respeito desse feliz encontro que, a
meu ver, sempre suscitou identificações no âmbito de fragmentos de tempo/espaço no e
pelo GCN/UFSC.
Vindo do nordeste brasileiro (de Aracaju) para estudar (especialização) na UFSC, em
1982, conheci Magaly nas minhas aproximações com os graduandos em Geografia, a partir
da Semana de Geografia daquele ano e das articulações propiciadas pelo então CALIGEO.
Com ela e vários de seus colegas contemporâneos (destaco a Sandra, a Célia, o Naum, a
Lula, o Nelson, o Luiz Henrique) criamos aproximações nos circuitos da UFSC e para além-
fronteiras. A reunião da AGB em Porto Alegre, também daquele ano, selou dali em diante
entre nós vínculos estudantis que se afirmavam em nossas convivências, tanto na academia
como em muitos ritos de nossos cotidianos, nos permitindo nutrir em nossas vidas, de
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amizades e convivências de repúblicas estudantis e, através dela, chegando até me
possibilitar também o convívio com a sua família.
Acredito que, pelos percursos de nossas histórias particulares oriundas de famílias
humildes e afetivas, muito do que nos identificava e aproximava gerava as possibilidades
para, carinhosamente, me sentir acolhido entre seus parentes. E foi assim em inúmeras
experiências, fora ou a partir da UFSC.
Nossos laços afetivos nos permitiam confabular Geografias acadêmicas e de famílias.
Com isso, entre diversas convivências, a Magaly se parecia cada vez mais como uma
irmãzinha postiça catarinense que, entre diferença e semelhanças, nossos saldos se tornavam
densos de qualidades afetivas.
Muitos de nossos momentos particulares se constituíram de elos, com os quais
nutríamos aprendizagens e sentidos de amizades. E neles, vários outros sujeitos foram
costurando nossas trajetórias em que destaco, aqui, as figuras do Heitor (seu primeiro
companheiro), que como médico, passei a ser seu paciente (principalmente em acupuntura),
assim como da Simone, sua irmã caçula, por quem me sinto como um dos interlocutores por
sua vinda à Florianópolis, fazer companhia familiar. Muito dessas convivências me fiz
cúmplice e, com certeza, nelas minhas histórias também ganharam conexões.
Mas foi no âmbito da academia, que nossos enfrentamentos estudantis e
profissionais possibilitaram achegas às trilhas de nossas trajetórias. Desde as suas incursões
nas iniciações cientificas, como para o TCC sobre a “A evolução da península de Zimbros”
(1985) até chegar ao mestrado, quando de fato nos tornamos colegas de formação. As
experiências na pós-graduação na UFSC nos aproximaram em inúmeras oportunidades ao
lado de inesquecíveis mestres e suas atividades, como e em especial entre os Professores
Neide, Gerusa, Armen, Carlos Augusto Monteiro e J.J. Bigarella. Com esse último,
acompanhei o deslanchar efetivo de séria pesquisadora que a Magaly foi, visto que em suas
aproximações acadêmicas com aquele mestre realizou sua dissertação, desenvolvendo
análises sobre “Origem e evolução da Planície do Campo de Araçatuba” (1991), além de ter
participado com outros colegas como Lúcia Herrmann, de inúmeras atividades e
publicações na equipe daquele saudoso cientista, muito presente e influente na vida do
PPGG-UFSC.
O ingresso como profissionais de ensino superior na Geografia da UFSC, início dos
anos de 1990, veio estreitar cada vez mais as nossas convivências acadêmicas. Como torci e
estive acompanhando seus momentos, no processo de concurso público para acesso ao
GCN! Agora, não éramos mais ativistas de “causas estudantis”, mas, com certeza,
ampliamos nossos focos em causas educacionais na formação de geógrafos, licenciados e
bacharéis, num comprometimento aguerrido de colaborarmos com profissionais cada vez
mais consequentes. E muito dos nossos ativismos se misturavam com militâncias na APGeo,
na AGB, na APUFSC e no Andes-SN, enfim, em muitos momentos do cotidianos na e pela
UFSC.
Foi por conta de nossas andanças profissionais que acessamos quase
contemporaneamente, no doutorado em Geografia na USP, em fins dos anos de
1990/2000, como parte de nossos envolvimentos com o PPGG/UFSC. A sua tese “A
dinâmica têmporo-espacial do clima subtropical na região conurbada de Florianópolis/SC”
(2002), sob a orientação da Prof.ª Magda Lombardo, foi de significativa estratégia temática
para ampliar seu foco geográfico de pesquisas ambientais, onde ela pode desenvolver
inúmeros contatos nacionais e internacionais. Essas abordagens tiveram, com certeza,
influentes argumentações suscitadas pelas ideias do Prof. Carlos Augusto F. Monteiro, que
fez da UFSC um dos locais de disseminação de suas colaborações em estudos de
climatologia geográfica.
Entre nós, por conta da minha temática de tese também ter abordagens afins com
processos e dinâmicas da urbanização na mesma região de suas pesquisas, várias vezes
trocamos figurinhas conceituais e empíricas de casos investigados (principalmente na relação
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Florianópolis-São José) e até experimentamos com outros colegas (Maria Lúcia e Nazareno
Campos), produzir comunicação científica para eventos. Lamentavelmente, por conta das
nossas trajetórias após doutoramento, as parcerias científicas ficaram reduzidas às discussões
pedagógicas no ensino, apenas em algumas ocasiões em debates disciplinares com
graduandos e nas nossas tentativas de influir discussões na linha “Geografia em Processos
Educativo”, no PPGG.
Nesse programa de pós-graduação, por conta de compromissos com a comunidade
local, fomos incentivados a concorrer à função de Coordenador/Vice Coordenador (gestão
2009-2011) e lá levamos a cabo um papel institucional e burocrático de manter e ampliar
possibilidades da qualidade desse nível de formação. De onde viemos como parte de nossas
trajetórias acadêmicas, lá estivemos “gerenciando” tarefas que, inúmeras vezes, cobrava de
nós cumplicidades de atuações e enfrentamentos aos desafios de interesses docentes e
discentes que em particular caracteriza a história plural do PPGG-UFSC, no cenário
brasileiro.
Os fragmentos aqui expostos apenas sintetizam, grosso modo, como em nossas
caminhadas ensejamos vivências, que em nossos cotidianos suscitaram elos afetivos e
profissionais, intrinsecamente desafiadores às qualidades do amálgama de SER e ESTAR na
UFSC e, nessa IES, retroalimentar nossas vidas. Infelizmente, o destino brilhante da nossa
amiga/colega Magaly foi sendo ceifado e subtraído, de junto de seus familiares e para muitos
de seus alunos, colegas e amigos, colocando-nos na condição de ficar desprovidos de sua
presença física ou de usufruir de suas capacidades intelectuais, além das gostosas
gargalhadas com seu belo e frequente sorriso de menina-mulher.
Para aqueles que puderam compartilhar de seus ensinamentos e aprendizagens esta
edição do CG é, certamente, oportuno canal de expressão das vivências compartilhadas.
Para mim, aqui apenas trago este singelo tributo como marca de uma saudade que
ainda ecoa entre meus sentimentos, pela perda da inesquecível colega e amiga que a UFSC
me propiciou, nas minhas vivências nessa instituição.
2.3. AS CONTRIBUIÇÕES DO GEDN, E DO LABCLIMA, NAS ANÁLISES DOS
DESASTRES SOCIONATURAIS EM SANTA CATARINA
Prof.ª Dr.ª Maria Lúcia de Paula Herrmann
“A saudade da inesquecível amiga e Prof.ª Magaly Mendonça traz-
me bons momentos vivenciados enquanto trabalhávamos no
Departamento de Geociências da UFSC. Em 05 de novembro de
2016 nossa vivência, por 30 anos, se interrompeu permanecendo
apenas na minha lembrança, que será eterna, da grande amiga e
professora do GCN/UFSC. Neste momento reconheci a relevância
de toda a afetividade diante do que é material e espiritual. Vou
levando na memória as emoções vividas durante os trabalhos que
conduzimos no LabClima e GEDN, que passo a descrever em
seguida” (M.L.P Herrmann, agosto de 2017).
HISTÓRICO
O estado de Santa Catarina, frequentemente é afetado por alguns tipos de desastres
“ditos” Naturais, causados por desvios climáticos. Muitos deles, devido às consequências
calamitosas dos seus aspectos ambientais, sociais e econômicos, foram decretados como
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calamidade pública, a exemplo dos episódios de inundações/escorregamentos, que afetaram
em março de 1974, a cidade de Tubarão, os de Julho de 1983 e agosto de 1984, que
atingiram quase todo o estado, destacando a cidade de Blumenau, os episódios de
novembro de 1991, fevereiro de 1994 e dezembro de 1995 ocorridos no sul do estado e,
mais recentemente, o de novembro de 2008, que afetou a região do baixo curso do rio
Itajaí- Açu.
O interesse de analisar geograficamente Desastres Naturais em Santa Catarina teve
origem em 1991, quando das ocorrências de inundações e deslizamentos causadas pelas
chuvas excepcionais dos dias 14 e 15 de novembro, cujo total pluvial de 421,2 mm deixou
Santa Catarina em calamidade pública, atingindo municípios adjacentes da Grande
Florianópolis. Naquela semana participava do IV Simpósio de Geografia Física Aplicada, em
Porto Alegre e fiquei impossibilitada de regressar a Florianópolis, durante esses dias, em
razão do deslizamento no morro dos cavalos, município de Palhoça, ter bloqueado a BR-
101, impedindo o acesso a Ilha de Santa Catarina. Quando retornei fiquei motivada a
estudar esse episódio de calamidade pública no município de São José, que foi o mais
afetado, deixando 15 000 desabrigados e 10 mortos, dos quais cinco por deslizamentos. Por
considerar que, para analisar os desastres naturais é necessária uma equipe interdisciplinar,
convidei colegas do Departamento, particularmente a amiga, Prof.ª Magaly Mendonça, para
fundamentar esse desvio pluviométrico. Junto ao Prof. Nazareno J. Campos, que
estabeleceu as relações socioeconômicas, formamos uma equipe voltada para este estudo.
Minha contribuição estabeleceu-se na interpretação dos aspectos geológicos/
geomorfológicos. Os resultados desses estudos foram publicados: nos anais do IV ENESMA
(Encontro Nacional de Estudos sobre o Meio Ambiente) realizado em Cuiabá, em 1993,
sendo apresentado pela Prof.ª Magaly com o título de Enchentes, deslizamentos e o descaso
do Poder Público no município de São José-SC, nov. 1991, posteriormente acrescentamos o
episódio de fevereiro de 1994, que foi publicado na Revista Geosul, v.8, n 16. São José-SC:
Avaliação das enchentes e deslizamentos ocorridos em novembro de 1991 e fevereiro de
1994. No Simpósio organizado pelo Prof. Armém Mamigonian, realizado em Florianópolis,
no ano de 1997 - O Pensamento de Inácio Rangel, onde o Prof. Nazareno apresentou: Crise
dos Serviços Públicos e Aprofundamento de Problemas Socioambientais.
Durante o desenvolvimento da minha tese Problemas Geoambientais da Faixa
Central do Litoral Catarinense, defendida na USP em 1999, aprofundei o estudo desse
tema, focalizando os desastres naturais na área conurbada de Florianópolis, no período de
1980 a 1995 e elaborei o mapa de suscetibilidade a riscos naturais. Parte do trabalho
intitulado: Análise dos Episódios Pluviais e seus Impactos em locais do Aglomerado Urbano
de Florianópolis-SC-Período 1980 a 1995 foi publicado no II Simpósio Nacional de
Geomorfologia, 1998, realizado em Florianópolis-SC.
Concomitante ao desenvolvimento da tese foi possível organizar, a partir dos
relatórios dos Eventos Adversos da Defesa Civil, AVADANs, o Levantamento dos Desastres
Naturais para todo o estado de Santa Catarina para o período1980 a 2000.
Quando retornei às atividades acadêmicas, junto ao Departamento de Geociências,
a Prof.ª Magaly se afastou para cursar o doutorado, e eu assumi suas disciplinas de
climatologia, ao mesmo tempo em que passei a coordenar o Laboratório de Climatologia
Aplicada, durante o período de 1997-2002.
O Laboratório foi criado em 1993, decorrente da atuação do Prof. Dr. Carlos
Augusto de Figueiredo Monteiro no Curso de Mestrado em Geografia, entre 1986-1990. O
Prof. Carlos Augusto doou ao laboratório grande parte do seu acervo bibliográfico,
notadamente da área de climatologia, além dos seus apontamentos dos inúmeros
congressos da UGI dos quais participou.
Ao LabClima, vinculado à linha de pesquisa de Análise Ambiental do Programa de
Pós-Graduação em Geografia (PPGG), cabe realizar pesquisas dos sistemas atmosféricos
regionais, desenvolver análises de climas urbanos, estudar variações climáticas diárias
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através de instrumentos meteorológicos simplificados, analisar os desastres naturais de
origem climática e suas repercussões no ambiente urbano. A Prof.ª Magaly foi à primeira
coordenadora do LabClima, com a participação mútua de professores e alunos de
graduação e pós-graduação em Geografia.
Enquanto lecionava as disciplinas de climatologia, que não era a área do meu
domínio, recorri ao Prof. Dr. Carlos Augusto, pedindo orientação da forma de aplicar esse
estudo aos alunos de graduação em Geografia. O Prof., como sempre muito atencioso,
elaborou e me dedicou um longo artigo, com mais de 30 laudas, muito didático, abordando
as várias escalas de abordagens do estudo do clima, (local, regional e global), que considerei
necessário publicar para poder compartilhar com os futuros alunos. Foi então que, com a
colaboração dos alunos bolsistas do LabClima, Emerson V. Marcelino e Marcelo Peres
Ramos, foi criado com esse artigo denominado O Estudo Geográfico do Clima, do Prof.
Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, o 1º numero de Cadernos Geográficos, publicado
no ano de 1999. No ano de 2005 a Prof.ª Magaly passa a integrar a comissão editorial dessa
publicação.
Cadernos Geográficos do Departamento de Geociências foram criados com o
objetivo de oferecer, a cada edição semestral, um extenso e relevante artigo que
complementasse a formação em Geografia, onde o autor possa abordar seu tema sem se
importar com limites de páginas. Essa publicação já consta do número, 35, e a presente
edição, vem prestar uma homenagem à querida Prof.ª Magaly, abordando aspectos da sua
trajetória acadêmica e as contribuições nos estudos da climatologia aplicada.
Todas essas edições, incluindo as publicações subsequentes, desmembradas dos
Cadernos Geográficos (em 2007 é lançada a Revista Geografia Econômica, estudos
Geoeconômicos e em 2008 a Série Livros Geográficos), estão disponibilizadas
eletronicamente pelo site cadernosgeográficos.ufsc.br , graças ao desempenho do Prof. José
Messias Bastos.
No período em que estive coordenando o LabClima, foram elaborados vários
projetos enfocando análise de desastres socionaturais, com a participação de alunos/bolsitas
do curso de Geografia da UFSC, destacando o trabalho – Alturas das Enchentes na Planície
Aluvial do Rio Forquilha e suas Consequências nos Bairros de Flor de Nápoles, Jardim
Pinheiros e Forquilhinhas, no Município de São José – SC. Foram realizadas muitas saídas
de campo para análise geoambiental e aplicar entrevistas com os moradores, resultando
numa carta de risco, na escala 1:2000, contendo níveis hierárquicos das alturas das
enchentes, a partir das curvas de nível de 1 m, bem como avaliação dos aspectos
socioeconômicos, com os dados das entrevistas e do censo do IBGE. O trabalho foi
apresentado no II SINAGEO, Simpósio Nacional de Geomorfologia, realizado no ano de
2000, em Campinas-SP.
Foi também editado ano 2001 pela IOESC, imprensa Oficial de Santa Catarina.
Levantamentos dos Desastres Naturais Causados pelas Adversidades Climáticas no Estado
de Santa Catarina, Período de 1980 a 2000. Organizei essa publicação, a partir de resgate
de dados da Diretoria Estadual de Defesa Civil–DEDC/SC, com a colaboração de
professores e alunos de Geografia da UFSC e UDESC.
Prof.ª Magaly, após defender em 2002 a sua tese na USP, sob a orientação da
Prof.ª Magda A. Lombardo Fruehauf, intitulada, Dinâmica têmporo-espacial do clima
subtropical na região conurbada de Florianópolis, a qual fui honrada com o convite para
compor sua banca, ela volta em 2003 a assumir à coordenação do LabClima ,
onde manteve o interesse pelo desenvolvimento de pesquisas sobre o tema de climatologia,
tanto na graduação como na pós-graduação. Assim, orientou trabalhos sobre variabilidade
climática, clima urbano, clima e saúde e desastres socionaturais. Com seu regresso
compartilhamos, não somente o laboratório, como também a mesma sala no Departamento
de Geociências e os mesmos projetos abordando os desastres naturais.
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Cabe destacar que antes dessas atividades havíamos compartilhados trabalhos no
curso de mestrado GCN/UFSC, durante o período de 1986 a 1991, saídas de campo na
disciplina do Prof. Bigarella, e por várias ocasiões permanecemos por dias consecutivos em
Caiobá-PR, na casa de veraneio do nosso orientador, Prof. Dr. João José Bigarella,
colaborando na organização dos 3 volumes do seu livro “Estrutura e Origem das paisagens
Tropicais e Subtropicais”. A primeira edição foi publicada pela EDUFSC, no ano de 1994.
Foto 1 - Professoras do GCN/UFSC, Magaly Mendonça e Maria Lucia de Paula Herrmann, compartilhando um
dos momentos na UFSC, com nosso mestre, Prof. Dr. João José Bigarella.
Embora Prof.ª Magaly tenha realizado dissertação na área de Geomorfologia,
defendida em 1991 sob a orientação do Prof. Dr. João José Bigarella, com o título Origem e
Evolução da Planície do Campo de Araçatuba, foi aprovada no concurso no Departamento
de Geociências da UFSC, no ano de 1992, para lecionar disciplinas de climatologia,
passando a dedicar-se com empenho ao adotar essa área.
Em 2003 foram elaborados dois projetos que seriam desenvolvidos com a
colaboração dos alunos bolsistas do laboratório e de orientandos: o “Plano de Prevenção e
Controle de Desastres Naturais nos Municípios do Estado de Santa Catarina Afetados pelas
Adversidades Climáticas”, coordenado pela Prof.ª Magaly Mendonça e o “Diagnóstico
Ambiental das Áreas de Risco nos Municípios do Estado de Santa Catarina Afetados pelas
Adversidades Climáticas” o qual coordenei. Ambos os projetos foram aprovados e
financiados pelo governo do estado, dessa contribuição o LabClima recebeu reforço na sua
estrutura de equipamento, principalmente de informática e sensoriamento remoto, bem
como de pesquisadores e estagiários. Naquele ano o LabClima foi transferido para uma sala
mais ampla no Bloco D, sala 202, do prédio destinado pelo CFH ao funcionamento dos
laboratórios e núcleos de pesquisa.
A CRIAÇÃO DO GEDN E SUAS REALIZAÇÕES
Os estudos sobre desastres naturais, desenvolvidos no LabClima, proporcionaram a
criação, em 2003, do GEDN, Grupo de Estudos de Desastres Naturais, registrado no
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Departamento de Geociências e cadastrado no CNPq. Constavam como principais objetivos
do grupo: organizar um banco de dados sobre desastres naturais; constituir um acervo
bibliográfico sobre desastres naturais e manter intercâmbios entre os pesquisadores
nacionais e internacionais que se dedicam a essa temática. Permaneci na coordenação desse
grupo, até o ano de minha aposentadoria, 2011, quando a Prof.ª Magaly passou a exercer
essa função, dando nova vitalidade ao grupo.
Destaca-se em 2004, uma importante iniciativa do GEDN, à realização do primeiro
Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais (I SIBRADEN), que ocorreu entre os dias 27 a 30
de setembro, na UFSC, em Florianópolis (SC), com o objetivo de abordar os riscos
geoambientais relacionados a episódios pluviais intensos, através de cinco eixos temáticos:
Hidrologia de encostas e deslizamentos; Cartografia de riscos geoambientais; Sistemas para
prevenção e contenção de encostas e enchentes; Monitoramento climático e previsão
meteorológica e Politicas e atuações. Cada eixo temático contou com mesas redondas
compostas por quatro renomados palestrantes.
Na abertura do evento, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC), foram prestadas homenagens aos professores que contribuíram com essa temática,
Olga Cruz, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, Neide de Almeida e João José Bigarella,
o qual proferiu a palestra "A contribuição da Geomorfologia para a prevenção de desastres
naturais".
Os Anais do Simpósio foram editados em CD-ROM anexado no caderno de
resumos. Os componentes do GEDN tiveram a oportunidade de apresentarem os vários
trabalhos elaborados para comporem o 1º “Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa
Catarina”, conforme consta na presente referência bibliográfica.
O SIBRADEN realizou-se com muito sucesso e teve as seguintes continuidades
apoiadas pelo IPT: O IIº SIBRADEN, Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais e
Tecnológicos foi realizado na Cidade de Santos, de 09 a 13 de dezembro de 2007, tendo
como tema central a Gestão do Risco e Prevenção - Ferramentas e Desafios para a
Integração Público-Privado; o IIIº SIBRADEN – Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais e
13º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental, de 02 a 06 de novembro
de 2011 em São Paulo/SP. O IV SIBRADEN – Simpósio Brasileiro de Desastres Naturais,
realizado no Rio de Janeiro, de 1º a 6 de dezembro de 2013, durante o 14° Congresso
Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental, debateu temas como as Políticas Públicas
de Gestão de Riscos de Desastres Naturais.
Além dos trabalhos publicados nos Anais do I SIBRADEN, destacam-se também as
seguintes publicações a partir dos estudos do grupo do GEDN:
O livro: Prevenção de Desastres Naturais – Conceitos Básicos, de autoria de
KOBIYAMA, M.; MENDONÇA, M. et al., 2006.
O Atlas de Desastres Naturais do Estado de Santa Catarina HERRMANN, M. L. P.
(Org.), publicado em 2007 pelo Estado de Santa Catarina, Departamento Estadual de
Defesa Civil, agregou análises variadas sobre os diversos desastres naturais ocorridos em
Santa Catarina, no período de 1980 a 2004: inundações gradual e brusca, escorregamento,
estiagem, granizo, vendaval, tornado, maré de tempestade e o inédito, furacão Catarina
que atingiu o sul do estado em 27 e 28 de março de 2004. A Prof.ª Magaly Mendonça com
o Prof. Maurici Monteiro elaboraram para o Atlas um capítulo sobre: Dinâmica atmosférica
do estado de Santa Catarina.
Divulgamos o referido Atlas elaborando um pôster através do qual foi apresentado
na:
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5º SEPEX-UFSC, 2005, Florianópolis. 5ª Semana de Ensino, Pesquisa e Extensão,
v. 1, 2005.
Elaboramos artigos que foram apresentados pela Prof.ª Magaly nos seguintes
eventos:
Desvios Climáticos e os Desastres Naturais no Estado de Santa Catarina-BR no
Período de 1980 a 2004, publicado na INTERGEO, realizado em Cuiabá, 2007.
Desastres Naturais no estado de Santa Catarina no período 1980 a 2004:
inundações e estiagens associadas aos sistemas meteorológicos nas escalas global e
regional, publicado no II Encontro Sul Brasileiro de Meteorologia, realizado em
Florianópolis em 2007.
Realizamos em 2006, um mini-curso em Santa Maria-RS, coordenado pelo Prof.
Robaina, abordando metodologias no tratamento dos desastres naturais.
Em novembro de 2008, diante do excepcionalismo pluvial que ocorreu na região
denominada Morro do Baú, no baixo vale do rio Itajaí, o total pluvial mensal no município
de Blumenau foi de 1002 mm. Esse recorde pluvial causou inundações e incontáveis
deslizamentos que afetaram cerca de 1,5 milhão de pessoas, resultando em 135 óbitos. Este
fato mobilizou a elaboração de projetos de incentivo a prevenção de desastres naturais,
mediante chamada pública da FAPESC, Fundação de Apoio a Pesquisa Científica e
Tecnológica de Santa Catarina. O GEDN foi contemplado com o projeto, Atlas de Desastres
Naturais do Estado de Santa Catarina: período de 1980 a 2010, 2ª edição atualizada e
revisada. Esse trabalho, contendo 217 páginas ilustradas, foi editado em janeiro de 2014
pelo IHGSC-Instituo Histórico e Geográfico de Santa Catarina e Cadernos Geográficos do
GCN/UFSC, com destaques para os episódios pluviais impactantes de 2008, 2011 e o de
2003, com ocorrência de neve em julho, esse último compartilhei com Prof.ª Magaly a
coautoria. Em 2015 Atlas dos Desastres Naturais de Santa Catarina: período de 1980 a
2010, 2ª edição atualizada e revisada, foi agraciado pelo IHGSC com o premio de
Geografia “José Vieira da Rosa”, em comemoração à memória catarinense.
Durante o período de 2009 a 2011, Prof.ª Magaly, juntamente com o Prof. Ewerton
V. Machado, assumem a coordenação do Programa de Pós Graduação em Geografia.
Em setembro de 2011 com a minha aposentadoria, Prof.ª Magaly passou a
coordenar o GEDN, inserindo o conceito de Desastre Socionatural cujo objetivo é mais do
que descrever os processos desencadeadores dos desastres. Este novo conceito busca
compreender a suscetibilidade, a exposição e a capacidade adaptativa das populações frente
aos desastres naturais. Dentro desse tema conceitual continuou produzindo trabalhos
focando clima e desastre socionaturais, a exemplo de Una Geografía de los Desastres
Naturales de Centro Sur de Brasil. México, 2011.
No ano de 2012, foi cursar o Pós-doutorado na Universidade do Chile.
Ao longo da sua atuação junto ao LabClima e ou coordenando o GEDN a Prof.ª
Magaly desenvolveu projetos em diversas temáticas. Ganhou notoriedade nacional junto à
Associação Brasileira de Climatologia (ABClima) e inserção internacional por meio de
parcerias com países da América Latina.
Através da Red Latinoamericana de Metánalisis Científico de los Desastres
Socionaturales (MECIDES), proporcionou nos dias 20 a 22 de novembro de 2013 o I
Seminário Internacional de Investigações sobre Vulnerabilidade dos Desastres Socionaturais
SIIVIDS, que ocorreu na UFSC, Florianópolis, com a presença de palestrantes de vários
países que enriqueceram com suas experiências os estudos sobre desastres socionaturais.
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Prof.ª Magaly Mendonça, em parceria com o Prof. Hugo Romero, elaboraram e
apresentaram importantes trabalhos sobre as consequências da variabilidade climática, a
exemplo:
Análisis comparativo de los factores naturales y urbanosde las inundaciones
ocurridas en las ciudades costeras de Valparaíso y Florianópolis. Cuadernos de
Investigación Urbanística, 2009.
Ondas de frio, índices de oscilação e impactos socioambientais das variabilidades
climáticas de baixa frequência na América do Sul. 2012.
Amenazas Naturales y Evaluación Subjetiva en la Construcción de la Vulnerabilidad
Social ante Desastres Naturales en Chile y Brasil. INTERthesis (Florianópolis), 2012.
Macro y mesoclimas del altiplano andino y desierto de Atacama: desafíos y
estrategias de adaptación social ante su variabilidad. Revista de Geografía Norte
Grande (En línea), 2013.
Cambio Climático y Variabilidad Climática. Análisis Comparativo de los factores
naturales y urbanos de las inundaciones ocurridas en las ciudades costeras de
Valparaíso y Florianópolis, INECC, 2014.
Análise multiescalar para a compreensão de causas e consequências da variabilidade
climática na América do Sul. Dourados: Universidade Federal Grande Dourados,
2014.
No ano de 2014, fomos acometidos com a notícia de problemas de saúde da Prof.ª
Magaly Mendonça, e ela soube com muita determinação e otimismo enfrentar as
indisposições causadas pelo tratamento, sem nunca reclamar ou mostrar desânimo, uma
verdadeira demonstração de equilíbrio, força e fé.
No dia 24 de outubro de 2016 a Prof.ª Magaly, contra sua vontade, se despede do
grupo, por conta de sua aposentadoria compulsória e o LabClima e o GEDN, passam a ser
coordenados pelo Prof. Dr. Alberto E. Franke. Duas semanas após, as consequências do
câncer se agravam, necessitando ser internada e no dia 05 de novembro de 2016 a Prof.ª
Magaly, foi descansar na paz de Cristo.
A saudade que todos sentimos é muito grande, e seu legado jamais será esquecido.
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3. FATORES ESTÁTICOS E DINÂMICOS NA FORMAÇÃO DO CLIMA DE SANTA
CATARINA
Maurici Amantino Monteiro3
Pâmela do Vale Silva4
RESUMO
O estado de Santa Catarina está localizado em latitudes subtropicais o que favorece a
formação de tipos de tempo distintos em cada estação do ano. Essa condição é resultado da
dinâmica dos sistemas meteorológicos, especialmente dos sistemas de alta pressão, vindos
de maiores latitudes, responsáveis por condições atmosféricas estáveis e das frentes frias,
caracterizadas por tipos de tempo instáveis. Os diferentes tipos de tempo se acentuam pela
interação dos sistemas meteorológicos com os fatores geográficos ou estáticos do clima, com
destaque para o relevo. Por isso ocorre uma variabilidade climática, espacial e temporal, dos
principais elementos do clima: precipitação e temperatura. A precipitação é mais abundante
na primavera e verão e no lado barlavento das serras. A temperatura é mais elevada no
verão e mais baixa no inverno e declina com altitude, em média, 0,65ºC para cada 100
metros. Por isso, as regiões catarinenses com maiores altitudes apresentam temperaturas
mais baixas. A interferência dos fenômenos globais El Niño e La Niña e dos bloqueios
atmosféricos modifica a dinâmica dos sistemas meteorológicos e consequentemente altera o
comportamento dos elementos do clima. Portanto, o clima de Santa Catarina é resultado da
interação da dinâmica dos sistemas meteorológicos com seus fatores estáticos, considerando
a interferência dos fenômenos El Niño e La Niña e dos bloqueios atmosféricos.
Palavras-chave: Santa Catarina; fatores geográficos; fatores dinâmicos; clima.
INTRODUÇÃO
Por clima entende-se a sucessão habitual dos tipos de tempo que compõe o cenário
atmosférico de uma região ao longo de um período de pelos menos trinta anos. Ele é
formado pela dinâmica dos sistemas atmosféricos com seus respectivos tipos de tempo e
pela influência de fatores geográficos como a latitude, a altitude, o relevo, o solo, a cobertura
vegetal, a continentalidade e a maritimidade. Portanto, para a compreensão do clima é
necessário o entendimento da interação entre esses fatores, como acentua Nimer, (1989),
além de conhecer as influências dos fatores geográficos ou estáticos que atuam sobre o clima
de uma região, é indispensável compreender o mecanismo atmosférico, seu fator genético
por excelência.
Os fatores geográficos, em especial o relevo, tem importância fundamental na
configuração do clima catarinense, pois atua essencialmente nos principais elementos
climáticos: temperatura e precipitação. As temperaturas declinam com a altitude, por isso,
são mais baixas nos planaltos e mais elevadas no litoral. A precipitação é mais volumosa a
barlavento das serras, ou seja, do lado em que a umidade ascende se condessa e forma
nuvens. Em caso de atmosfera muito instável o relevo trabalha como uma forçante para a
ocorrência de eventos extremos como as enchentes de Tubarão em 1974, Timbé do Sul e
Jacinto Machado em 1995 e inúmeras ocorridas no Vale do Itajaí.
A dinâmica atmosférica no sul do Brasil é bem acentuada no decorrer do ano em
virtude do avanço contínuo de sistemas de alta pressão (centro de ação de massas de ar
estável) provenientes de maiores latitudes. O avanço desses sistemas provoca, nas
proximidades de seu centro, condições de tempo estável, porém distante dele surgem tipos
3Geógrafo (UFSC), Especialista em Meteorologia (UFPel), Doutor em Geografia (UFSC), Prof. Dr. na
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) - (mauricimonteiro@gmail.com). 4Geógrafa (UDESC), Mestre em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental (UDESC).
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de tempos instáveis associados a cavados invertidos, a circulação marítima e principalmente
a formação de frentes frias, no contato com outra massa de ar de característica distinta.
Portanto, há constantes variações nas condições de tempo: ora estáveis, ora instáveis, porém
tendendo a estabilidade.
O tempo estável está associado aos sistemas de altas pressões, que migram de
maiores latitudes, em virtude do afundamento do ar (subsidência). As condições de tempo
associadas a eles são de poucas nuvens, ventos fracos, grande amplitude térmica, umidade
baixa e ausência de precipitação. No entanto, quando se deslocam pelo oceano, entre o
litoral do Uruguai e de Santa Catarina, os ventos originados nestes sistemas transportam
vapor d’água para o continente formando nuvens e, por vezes, chuva.
O Anticiclone Semifixo do Atlântico Sul (ASAS), que tem seu centro de ação sobre o
litoral da Região Sudeste do Brasil, também possui característica de estabilidade, porém sua
subsidência é menos intensa. Com isso, nuvens do tipo stratocumulus e, por vezes, cumulus
se formam na sua periferia e alcançam o litoral centro norte de Santa Catarina, com chuva
fraca e, ocasionalmente, moderada a forte.
O tempo instável é caracterizado pela presença de muitas nuvens, ventos moderados
a fortes, pequena amplitude térmica, umidade elevada, chuva, às vezes, acompanhada de
trovoada e granizo. Está associado à formação (frontogênese) ou deslocamentos de frentes
frias, aos cavados invertidos, aos sistemas de baixa pressão, a convecção tropical e aos
sistemas atmosféricos em altitude como os jatos, cavados e vórtices ciclônicos que reforçam
as instabilidades a superfície.
Evidenciando essas considerações se objetivou com o presente trabalho destacar os
fatores genéticos da dinâmica atmosférica sazonal do Estado de Santa Catarina, em especial
as Frentes Frias. Além disto, foram destacados os fenômenos que interferem nesta dinâmica:
o El Niño, a La Niña e as condições de normalidade climática, sem interferência desses
fenômenos e também dos bloqueios atmosféricos.
A INFLUÊNCIA DOS FATORES GEOGRÁFICOS
O relevo catarinense caracteriza-se por sua diversidade que contempla tanto
planícies, abaixo de 300 m perfazendo 23,83% de sua área total, quanto planaltos, entre
300 m e 900 m abrangendo 56,22%, e serras, situadas acima de 900 m totalizando 20,45%
do território (MONTEIRO, 2001). Essa configuração assume importância em razão das
mudanças que ocorrem nos sistemas atmosféricos ao se deslocarem por essas unidades de
relevo, com relevante efeito na precipitação a barlavento e sotavento e na temperatura.
Na condição a barlavento o ar próximo a encostas é forçado a ascender, resfria-se
adiabaticamente e forma nuvens que acentuam a precipitação local, denominadas de
chuvas orográficas ou chuvas de relevo. Na condição a sotavento a situação é inversa, pois
os sistemas atmosféricos já dissiparam a maior parte de sua energia a barlavento e,
consequentemente, perdem potencial de precipitação (MONTEIRO e MENDONÇA, 2014).
Conforme se pode observar na Erro! Fonte de referência não encontrada. que
representa a pluviosidade média anual, a maior concentração desta variável ocorre a
barlavento das serras. Em pormenores, como a configuração do relevo no Oeste é com
altitudes que aumentam de sul para norte e nordeste, com ápices nas Serras do Capanema,
da Fortuna e do Chapecó, e o deslocamento dos sistemas atmosféricos instáveis é de
sudoeste para nordeste, essa região é favorecida em termos de precipitação, sendo a
campeã neste quesito no estado (MONTEIRO, 2001).
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Também pelo efeito orográfico no Leste, a região da Grande Florianópolis, o Morro
do Cambirela, localizado na Serra Geral, atua como um “ninho” de nuvens cumuloninbus,
responsáveis por trovoadas que contribuem para que esta região tenha elevados índices
pluviométricos anuais, assim como o Litoral Norte (MONTEIRO e SILVA, 2014). Em
contrapartida, no Litoral Sul, região localizada a sotavento em relação ao deslocamento da
maioria dos sistemas instáveis, os fluxos de oeste sofrem afundamento (subsidência) pela
Serra Geral e pelas Serras do Leste Catarinense, fazendo com que ocorra perda da
instabilidade dos sistemas. Em consequência há aquecimento e diminuição da nebulosidade,
contribuindo para que esta região registre os menores volumes pluviométricos anuais do
Estado (MONTEIRO e MENDONÇA, 2014).
A influência sensível da altitude ocorre nas temperaturas em ordem inversa na
proporção de 100 metros de altitude para 0,65°C de temperatura. Assim, com o aumento da
altitude ocorre o declínio da temperatura, variável esboçada na Erro! Fonte de referência
não encontrada.. Dessa forma, localidades situadas em maiores altitudes, como as serras,
apresentam menores temperaturas, o que favorece a ocorrência de geadas e, em
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determinadas condições, neve; ao passo que no litoral as temperaturas são mais elevadas,
com aumento de sul para o norte em função do fator latitude (MONTEIRO e SILVA, 2014).
A continentalidade e a maritimidade têm sua expressão mais representativa na
umidade. Para o litoral há transporte de umidade do oceano através dos ventos de sudeste a
nordeste, oriundos dos anticiclones sobre o Atlântico Sul. Esta umidade condensa e forma
muitas nuvens stratus e stratocumulus, às vezes, cumulus, que resultam em chuva,
geralmente de baixa intensidade, podendo ser mais persistente no período noturno, quando
a umidade é maior. Quando os ventos úmidos avançam sobre o planalto já dissiparam boa
parte de sua umidade que, reduzida, forma alguma nebulosidade até o Meio-Oeste,
contudo, sem precipitação. No Oeste, com características da continentalidade, o ar fica mais
seco, com reduzida nebulosidade.
Quando os ventos sopram de sudoeste a noroeste oriundo de anticiclones polares,
com trajetória continental, a umidade fica reduzida por todo estado, consequentemente,
ocorrem poucas nuvens e a amplitude térmica fica elevada. Mas essa condição pode ser
Fig
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outra se a situação for pré-frontal e frontal, neste caso há pancadas de chuvas e até mesmo
temporais podem ocorrer com ventos de noroeste (MONTEIRO e MENDONÇA, 2014).
Importante ressaltar que, embora a umidade diminua do litoral para o oeste, a
precipitação é maior neste do que naquele, especialmente no extremo Oeste. Tal situação se
deve, parcialmente, a influência de um sistema de baixa pressão, a Baixa do Chaco, que se
organiza, especialmente, quando as frentes frias avançam pela Região Sul; além da
influência dos Jatos de Baixos Níveis da América do Sul (JBNAS) e dos Complexos
Convectivos de Mesoescala (CCM), ambos produtores de chuvas significativas (MONTEIRO
e MENDONÇA, 2014).
UMA DINÂMICA DESENCADEADA PELAS FRENTES
O estado de Santa Catarina tem sua dinâmica atmosférica de tempo instável
governada basicamente pelo ritmo das frentes frias. Esses sistemas atmosféricos separam o
ar quente das regiões tropicais (massa de ar quente) do ar frio das regiões extratropicais
(massas de ar frio) (DIAS e SILVA, 2009). Outros sistemas atmosféricos relacionados são as
Baixas à Superfície (BS), os Ciclones Extratropicais (CE), os Jatos Polares (JP), os Jatos
Subtropicais (JS) e os Jatos de Baixos Níveis (JBN), os Sistemas Convectivos de Mesoescala
(CCM), os Cavados em Médio e Altos Níveis (CMA) e os Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis
(VCAN). Outros sistemas, não necessariamente relacionados à frente fria, mas igualmente
importantes são a Convecção (C), a Circulação marítima (CM) e os Bloqueios Atmosféricos
(BA).
Quanto mais distintas termodinamicamente forem às massas de ar, mais intenso é o
encontro que origina a frente, podendo chegar a provocar uma ruptura vertical da
Troposfera, com o lado da massa de ar quente ascendendo, enquanto o lado da massa de ar
frio rebaixa (MONTEIRO, 2007). Em superfície, na Zona Frontal forma-se a frente
(VIANELLO e ALVES, 2012) e, quando a intensidade do encontro é suficiente, em altitude
origina-se uma Corrente de Jatos; enquanto em suas extremidades sul e norte há dois
sistemas de altas pressões opostos.
A frente é uma área alongada de baixa pressão com o eixo em forma de cavado
(FERREIRA, 2006), com uma perturbação que induz o estabelecimento de movimento
circular onde a pressão baixou. Com isso, ocorre o desenvolvimento de uma Baixa à
Superfície (BS), processo de ciclogênese, além disso, o escoamento do ar determina que a
frente se mova como Onda Frontal (VIANELLO e ALVES, 2012).
A partir da ciclogênse a Frente passa a ter dois segmentos, um invadido pelo ar da
massa fria e outro invadido pelo ar da massa quente (VIANELLO e ALVES, 2012). O
movimento que uma massa de ar exerce em relação à outra determinará qual tipo de frente
predominará (FERREIRA, 2006) e a consequente inclinação de sua superfície, da qual
dependerá o nível de instabilidade do tipo de tempo atmosférico.
Quando a massa de ar frio avança em direção a massa de ar quente é caracterizada
a Frente Fria (FF). Quando ela se aproxima de um local, o tipo de tempo atmosférico é de
temperaturas em elevação e queda na pressão atmosférica, condição conhecida como pré-
frontal. Na passagem da FF, ocorrem muitas nuvens, predominantemente, cumuliformes,
como as cumulonimbus, que podem ser acompanhadas por ventos de rajada, intensa chuva
e granizo. Já após sua passagem, a nebulosidade torna-se estratificada, a chuva diminui de
intensidade e as temperaturas começam a reduzir gradativamente (FERREIRA, 2006).
Associadas as frentes frias ocorrem Baixas à Superfície ou Ciclones (BS), que
também podem ser desenvolver a partir de Cavados à Superfície (CS) ou de Vórtices
Ciclônicos. O tipo de tempo atmosférico nas proximidades desses sistemas é mais instável e
isso faz com que uma frente fria apresente chuva mais forte onde ocorra a BS, e mais fraca
distante da Baixa. Por isso é que na passagem de uma frente fria chove mais forte em uma
região e menos em outra.
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Por sua vez, os Ciclones Extratropicais (CE), que são baixas pressões muito
acentuadas desenvolvidas junto com a Frente Fria, mas que também podem ser originados
através do aprofundamento de um Cavado Invertido à Superfície (CIS) (MONTEIRO, 2007)
ou através do desprendimento de um sistema de baixas pressões em altitude (FERREIRA,
2006), possuem ocorrência mais comum nos oceanos próximo à costa (KOBIYAMA et al.,
2006).
Os Jatos Subtropicais (JS) e Jatos Polares (JP) desenvolvem-se aproximadamente
entre nove e 13 quilômetros de altitude. São basicamente dominados por fortes ventos em
forma de um cano estreito com eixo quase horizontal, orientação de oeste para leste com
velocidade de no mínimo 93 km/h, mas podendo alcançar 300 km/h, aumentando a
velocidade no inverno em função das densidades entre as massas de ar serem mais distintas
nesta estação (MONTEIRO, 2007).
Outro tipo de Jatos que também pode se formar associada a frente são os Jatos de
Baixos Níveis (JBN), estes também formados por fortes ventos carregados de umidade e
calor, oriundos da região amazônica e muito importantes para o regime de chuvas no Sul do
Brasil (MARENGO et al., 2009).
Quando a convecção é intensa, junto com as frentes frias também pode se originar
aglomerados de nuvens convectivas, os Complexos Convectivos de Mesoescala (CCMs),
dominados por nuvens cumulonimbus com bigornas que formam uma cobertura contínua
(ORLANSKI, 1975 apud. DIAS, et. al., 2009). O desenvolvimento deste sistema é favorecido
também pelos Jatos de Baixos Níveis (JBN), especialmente durante a madrugada devido à
intensa convecção que neste momento ocorre. O tipo de tempo associado aos CCM’s é
muito instável devido às nuvens cumulonimbus e nimbustratus, que originam pancadas de
chuva fortes, acompanhadas de rajadas de vento intensas, granizadas isoladas e até mesmo
tornados (SILVA e DIAS, 1996, apud MONTEIRO, 2007).
Distinguindo-se por ocorrer em níveis diferentes da atmosfera há os Cavados, os
quais são modificações do fluxo do ar que, em médios e altos níveis ocorrem de oeste para
leste e, em superfície, de leste para oeste. Por apresentar fluxo de ar distinto em relação aos
cavados de altitude, o cavado em superfície é denominado de Invertido (CI). O CI se forma,
geralmente, a norte do anticiclone polar após a passagem de frente fria, entretanto, a
circulação não se completa e configura um fluxo em forma de U. O tipo de tempo associado
é frequentemente instável com muitas nuvens e consequentemente chuva. Já os Cavados
em médios e altos níveis (CMA) costumam ocorrer relacionados com as correntes de jatos, o
tipo de tempo com eles associados é de muita nebulosidade e chuvas persistentes
(MONTEIRO, 2007).
Os processos de Conveccão (C), Bloqueio Atmosférico e Circulação marítima,
também contribuem significativamente na formação dos tipos de tempo em Santa Catarina.
A Convecção (C) se estabelece quando as correntes de ar ascendentes predominam em
relação às descentes, formam nuvens que crescem verticalmente até alcançarem o estágio de
cumulonimbus, ocasionando rajadas de ventos à superfície e chuva (MONTEIRO, 2007).
Os Bloqueios Atmosféricos (BA) são provocados basicamente por sistemas de alta
pressão estáveis e quase estacionários (AYOADE, 2003) que se estabelecem em torno de
45° de latitude sul, formando uma barreira ao deslocamento de outros sistemas atmosféricos
(MONTEIRO, 2007).
A Circulação marítima assume especial relevância para o litoral. Ela ocorre quando
um sistema de alta pressão tem trajetória marítima e a divergência do ar acaba por originar
ventos úmidos, nebulosidade e consequentes chuvas que, dependendo da magnitude do
sistema da alta pressão e da orografia da zona costeira podem alcançar o interior, embora
com menor intensidade (MONTEIRO, 2007). Sua ação atinge o litoral, Vale do Itajaí, região
Serrana e a parte leste do Meio-Oeste. Nesta região, mais distante do oceano, a
condensação do vapor d’água resulta apenas em nebulosidade baixa do tipo stratus e
stratocumulus.
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ESTAÇÕES DO ANO
O estado de Santa Catarina, localizado em latitudes subtropicais, apresenta
marcadamente as quatros estações do ano, com seus tipos de tempo característicos, de
estabilidade e instabilidade. Embora nestas latitudes a dinâmica atmosférica seja bastante
acentuada, as massas de ar e os sistemas atmosféricos seguem um ritmo sazonal, com verões
mais quentes e chuvosos e invernos mais frios e com chuvas menos volumosas. Mesmo
havendo variações significativas nos totais de precipitação entre as regiões catarinenses, não
há em nenhuma delas estação seca definida.
O verão (dezembro, janeiro e fevereiro) marca a estação do ano de temperaturas
elevadas no hemisfério sul em virtude de maior insolação. Entre os três meses, fevereiro é o
mais quente. Normalmente os dias apresentam nebulosidade esparsa pela manhã e céu
nublado a partir do final da tarde. Devido ao calor, a atuação das massas de ar tropicais é
dominante e essa condição favorece o desenvolvimento da convecção, caracterizada pela
elevação do ar quente para a Troposfera. À medida que o ar quente sobe, se resfria por
expansão e se torna saturado formando nuvens de grande desenvolvimento vertical
(cumuliformes) que ocasionam chuva, geralmente em forma de pancadas associadas às
trovoadas. As chuvas convectivas são típicas do verão e responsáveis pela maior parte das
precipitações registradas, nesta época do ano, no estado.
Nesta época do ano, quando há atuação de um ou mais sistema de tempo instável,
as instabilidades aumentam, favorecendo a ocorrência de temporais. Outra forçante para
este cenário é o efeito orográfico, pois o lado barlavento das montanhas força a ascensão do
ar quente e úmido alimentando o desenvolvimento das nuvens convectivas. Os temporais,
com chuva forte associada a aglomerados de trovoadas, rajadas de ventos fortes e,
eventualmente, granizo, podem ocorrer em qualquer momento do dia.
O outono (março, abril e maio) é um período de transição entre o domínio das
massas de ar tropicais e polares. À medida que os dias passam gradualmente as massas
tropicais vão perdendo intensidade e as polares se intensificando. A partir da segunda
quinzena de março os anticiclones polares (centro de ação das massas de ar frio), cada vez
mais potentes, passam a migrar para o sul do Brasil em trajetórias mais continentais. Com
isso, as temperaturas vão diminuindo e favorecendo a formação de geadas que,
ocasionalmente, já são verificadas na segunda quinzena de março, nos municípios de maior
altitude como Urubici, São Joaquim e Urupema. Em abril e especialmente em maio, o mês
mais frio da estação, as geadas são generalizadas e eventualmente podem atingir todas as
regiões catarinenses. O nevoeiro de radiação é um fenômeno frequente nesta época do ano.
Geralmente se forma nas áreas de baixadas, nas madrugadas e se estende por boa parte das
manhãs. Já a neve é mais ocasional, formada normalmente a partir da nebulosidade
associada a uma frente fria que passou e pela advecção de ar frio proveniente de uma
massa de ar frio que avança pelo norte da Argentina.
As chuvas, que ainda são convectivas na primeira quinzena de março, passam a
ocorrer associadas às frentes frias, que são mais continentais nesta época do ano, em
decorrência das massas de ar frio que passam a se deslocar sobre o continente sul
americano. De modo geral, as chuvas frontais são de fraca intensidade, porém quando há
atuação conjunta de jatos, cavados ou vórtices, ficam mais fortes. Com isso, na região Oeste
são verificadas as maiores médias, devido especialmente à atuação da Baixa do Chaco.
O trimestre junho, julho e agosto marca a estação de inverno que registra menos
horas diária de insolação e, por conseguinte, maior domínio das massas de ar frio. Nesta
época do ano, com o continente sul americano mais frio, os anticiclones polares,
procedentes do Pacífico, cruzam os Andes em latitudes mais baixas, em torno de 35º a 40º
Sul. Ao se organizarem sobre a Argentina, após cruzarem os Andes, passam a influenciar as
condições de tempo no sul do Brasil, diminuindo gradualmente o vapor d’água e com isso a
nebulosidade. À medida que avançam em direção ao sul brasileiro, originam ventos de
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oeste a sudoeste fracos e provocam acentuada queda nas temperaturas e na umidade
relativa do ar. Esta condição de estabilidade atmosférica dura em torno de três a quatro dias
e é a responsável pela ocorrência de manhãs geladas com formação de geadas, dias
ensolarados, frios e secos.
No inverno as chuvas são procedentes das frentes frias em quase sua totalidade e se
manifestam da mesma maneira do outono, com duração de 12 a 24 horas a cada semana.
Entretanto, as chuvas tendem a ser mais fortes e duradouras em episódios em que jatos
polares são mais fortes. Neste caso, as chuvas podem persistir por mais de 24 horas.
Em situações em que os anticiclones polares avançam para norte sobre o Atlântico a
partir do litoral do Uruguai, favorecem a circulação marítima, trazendo chuva para o litoral
de Santa Catarina, até que se afaste do litoral catarinense.
A primavera (setembro, outubro e novembro), assim como o outono é um período
de transição entre o domínio das massas de ar tropicais e polares. No entanto, nesta estação
do ano, as massas de ar frio vão perdendo intensidade e as tropicais se intensificando. O frio
ainda se manifesta em setembro e, eventualmente, ocorre à chamada “geada tardia”.
Embora ocorra o gradual domínio das massas tropicais, as temperaturas diárias sobem em
proporções menores em relação à diminuição no outono. Isso se deve a maior cobertura de
nuvens na primavera proveniente dos sistemas atmosféricos de tempo instável serem mais
frequentes, especialmente os cavados invertidos e as baixas pressões sobre o continente.
As frentes frias retomam a trajetória marítima, mas são importantes na atração dos
jatos em baixos níveis (JBN) que transportam umidade e calor da Amazônia para o sul do
Brasil. São fundamentais na organização das fortes instabilidades que ocorrem em Santa
Catarina, pois intensificam as baixas pressões associadas às frentes frias e os sistemas
convectivos de mesoescala (SCM), que por sua vez podem evoluir para os complexos
convectivos de mesoescala (CCM). São justamente os SCMs e, por vezes, os CCMs que se
encarregam de provocar temporais no estado, com chuva forte, aglomerados de trovoadas,
ventania e granizo, geralmente na madrugada e início da manhã. Como esses sistemas se
formam, quase sempre, no norte da Argentina, região do Chaco, atingem com mais
severidade o extremo oeste catarinense. Os nevoeiros, assim como a ocorrência de neve,
são mais frequentes nesta época do ano.
DESVIOS DA “NORMALIDADE”
As condições atmosféricas de instabilidade e de estabilidade que ocorrem em Santa
Catarina dentro de certa normalidade são, por vezes, modificadas quando há influência de
fenômenos de escala global como o El Niño e a La Niña e os bloqueios atmosféricos. Diz-se
dentro de uma “certa” normalidade porque em períodos em que não há interferências de
fenômenos extra-regionais na circulação atmosférica regional ocorrem anomalias
surpreendentes nos tipos de tempo, como chuvas excepcionais, frio ou calor fora de época.
Normalmente, em períodos de El Niño o tempo fica mais instável e as instabilidades
tornam-se mais frequentes, às vezes com periodicidade diária, notadamente na primavera.
Essa condição resulta em dias seguidos com intensa nebulosidade, chuvas mais fortes e mais
persistentes, quase sempre acompanhadas de trovoadas, umidade relativa do ar elevada e
pequena amplitude térmica. Por outro lado, sob influência da La Niña as condições
atmosféricas são opostas; predomina a estabilidade, com dias seguidos de pouca
nebulosidade, grandes amplitudes térmicas, umidade relativa do ar baixa nas tardes e
chuvas escassas.
Os bloqueios atmosféricos, podem se manifestar de duas maneiras em Santa
Catarina. A situação mais habitual é quando os sistemas de tempo instável, como as baixas
pressões e principalmente as frentes frias, migram do Pacífico para o Atlântico na mesma
latitude, sobre as cidades de Santiago no Chile; Mendoza, Rosário e Córdoba, na Argentina
e; no Uruguai. Neste caso, as condições de tempo em Santa Catarina são de estabilidade
vigorosa por vários dias (FUENTES, 1997; SACCO, 2010), com dias de poucas nuvens,
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umidade relativa baixa nas tardes e temperaturas elevadas. A segunda maneira é quando
há instabilidades sobre o estado e estas são bloqueadas. Neste caso, a nebulosidade é
intensa, a precipitação é persistente e dependendo da intensidade da instabilidade pode
chover forte com muitas trovoadas, a temperatura não varia (baixa amplitude térmica) e a
presença de vapor d’água na atmosfera é máxima, mantendo a porcentagem de umidade
relativa do ar muito alta, geralmente entre 98% e 100%. Esta condição de tempo se
mantém, enquanto o bloqueio persistir.
CONCLUSÃO
A manifestação dos sistemas atmosféricos aliados à configuração do relevo, a
altitude, a maritimidade e a continentalidade, imprimem condições distintas de tempo a
cada região catarinense, com ênfase nas estações do ano, na qual cada tipo de tempo
atmosférico assume particularidades.
O estado possui um modelado do relevo que interfere nos elementos do clima, com
destaque para a precipitação e a temperatura. O lado barlavento das serras é mais chuvoso,
mais úmido e do sotavento, menos chuvoso, mais seco. As temperaturas são mais baixas em
regiões de maiores altitudes, devido o declínio natural de 0,65ºC para cada 100 metros de
altitude. O leste do estado é mais úmido pelo efeito da maritimidade e o oeste mais seco,
pela continentalidade.
Há diversos sistemas meteorológicos que atuam em Santa Catarina. Destacam-se os
sistemas de alta pressão, importantes na estabilidade atmosférica, assim como na formação
de sistemas produtores de tempo instável, como as frentes frias, na sua periferia ou borda.
As instabilidades tem sua gênese principalmente nas frentes frias e a maior ou menor
instabilidade depende da presença ou não de outros sistemas, como os jatos, os cavados e
os vórtices em altitude, o que auxilia no aumentando de instabilidade à superfície.
Para além dos fenômenos com atuação direta sobre o estado catarinense,
fenômenos como o El Niño e La Niña e os bloqueios, atuam modificando o tempo
atmosférico.
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4. VARIABILIDADE ESPAÇO-TEMPORAL DOS EVENTOS EXTREMOS DE
PRECIPITAÇÃO NO SUL DO BRASIL: ANÁLISE DA INTENSIDADE E PERSISTÊNCIA
E SUAS RELAÇÕES COM O ENOS
Camila de Souza Cardoso1
Daniel Sampaio Calearo2
RESUMO
O presente artigo visa identificar os eventos extremos de precipitação no Sul do Brasil,
considerando sua intensidade e persistência, observando sua distribuição espacial e a
relação com o fenômeno El Niño Oscilação Sul. Foram utilizados dados de precipitação
diária proveniente do Climate Prediction Center/National Centers for Environmental
Prediction para o período entre 01 de janeiro de 1979 e 31 de dezembro de 2015,
totalizando 37 anos de dados. Os resultados permitiram inferir que há grande variabilidade
anual dos eventos extremos Intensos e Persistentes na região, e sazonalmente a estação de
verão é preferencial para ocorrência de extremos nas duas categorias. Observou-se um
elevado número de dias de extremos coincidentes com os eventos mais intensos de El Niño,
o qual exerce forte influência na ocorrência de extremos, no entanto, a primavera e inverno
de Neutralidade são preferenciais para ocorrência de eventos Persistentes. A distribuição
espacial dos eventos mostrou que as regiões preferenciais para ocorrência de extremos são o
litoral do Paraná, nos casos de Intensos, e nos casos de Persistentes, as regiões da Grande
Florianópolis, Norte catarinense e sul catarinense. Espacialmente, há certa homogeneidade
em toda região Sul para os eventos Intensos em todas as fases do fenômeno ENOS,
enquanto que para os eventos Persistentes as regiões preferenciais são o estado de Santa
Catarina e sul do Paraná durante a fase Neutra.
Palavras-chave: chuvas intensas; chuvas persistentes; El Niño, ENOS.
INTRODUÇÃO
A Região Sul do Brasil, por sua localização geográfica, se destaca pela frequência de
eventos de desastres naturais, associados a fenômenos atmosféricos de tempo severo, tal
como inundações, chuvas intensas, granizo, vendavais, tornados, entre outros.
A região está localizada numa zona de clima subtropical, com invernos e verões bem
definidos, e com precipitação bem distribuída ao longo do ano na parte sul da região e um
regime pluviométrico de monção no setor norte (GRIMM, 2009b). A ausência de uma
estação sazonal seca ou chuvosa não evita que ocorram períodos prolongados de ausência
de precipitação em qualquer estação do ano, e caracterizem a ocorrência de estiagens, bem
como, períodos com excesso de precipitação que resultem na ocorrência de eventos de
inundação/enchente.
A variabilidade da precipitação com eventos extremos de precipitação tem afetado
socioeconomicamente a Região Sul do Brasil. Kobiyama et al. (2004) afirmam que as
inundações foram responsáveis pelo maior número de perdas humanas no Brasil entre os
anos de 1948 e 2004. Em Santa Catarina as inundações frequentes atingem todas as
mesorregiões do estado, mas com maior frequência no Vale do Itajaí, Grande Florianópolis
e Norte Catarinense. De acordo com o levantamento elaborado por Hermamm et al. (2014)
às inundações graduais foram mais frequentes entre os anos 1980 e 1990, ocorrendo uma
redução na sua frequência a partir de meados de 1998, enquanto a frequência de
1Meteorologista (UFPel), Doutoranda em Geografia (PPGG/UFSC) – (cacazinhawilliam@gmail.com).
2Meteorologista (UFPel), Mestre em Geografia (UFSC), Prof. Msc. do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC).
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inundações bruscas apresentaram aumentaram a partir do ano 2000 (MARCELINO et al.,
2014).
A relação entre a ocorrência de precipitação e as inundações pode ser expressa
através da intensidade e persistência da precipitação, já que as inundações bruscas se
relacionam com chuvas concentradas, enquanto as graduais com precipitações constantes.
Neste contexto, o objetivo deste estudo é identificar os eventos extremos de precipitação no
Sul do Brasil, considerando sua intensidade e persistência, observando sua distribuição
espacial e a relação com o fenômeno El Niño Oscilação Sul.
DADOS E METODOLOGIA
Para identificação dos eventos extremos de precipitação foram utilizados dados de
precipitação diária proveniente do CPC/NCEP (Climate Prediction Center/National Centers
for Environmental Prediction) para o período entre 01 de janeiro de 1979 e 31 de dezembro
de 2015, totalizando 37 anos (13.514 dias) de dados. Os dados de precipitação do
CPC/NCEP são baseados num conjunto de pluviômetros, que combina dados de mais de
30.000 estações ao redor do globo utilizando a técnica de Interpolação Ótima (GANDIN,
1965), a qual considera a orografia. Este conjunto de dados está disposto em pontos de
grade, e apresentam uma resolução espacial de 0,5°x0,5° sobre o globo, desde 1979 até o
presente. O período de acumulação diária varia dependendo da região ao redor do globo,
para os países da América do Sul a precipitação diária é considerada entre as 12UTC do dia
0 e 12UTC do dia 1 (SILVA et al., 2007). Os trabalhos de Silva et al. (2007) e Cardoso e
Quadro (2016) mostram que o conjunto de dados de precipitação do CPC/NCEP,
comparado com dados de estações pluviométricas, apresenta bom desempenho na
representação da precipitação no Sul do Brasil, com tendência a subestimar a precipitação
em regiões montanhosas e as diferenças mais significativas ocorrendo apenas em algumas
áreas do oeste e litoral sul-brasileiro.
Para identificação dos eventos extremos foram definidos critérios e condições, os
quais foram aplicados às séries diárias de precipitação, obtendo assim dois conjuntos:
(a) Chuva Intensa, chamada de CI – quando o valor de precipitação diária for maior ou
igual ao valor do quantil 99%, conforme Equação (1):
CI = Pd ≥ qn(0.99) ⋯ ⋯ (1)
(b) Chuva Persistente, chamada de CP – quando o valor de precipitação diária for
maior que 1 mm em pelo menos 3 dias consecutivos, e a média móvel de três dias
acima do quantil 99% (Equação 2).
CP =1
n∑ Pd(t−n−1)
≥ qn(0.99) ⋯ ⋯ (2)
n=3
i=1
Onde:
Pd - Representa a precipitação diária no ponto de grade;
qn(0.99) - Representa o quantil 99% dos dados diários para o período analisado.
Em cada ponto de grade selecionado, analisou-se o quantil sazonal 99% da série
total de dados diários, considerando como estação de verão os meses de dezembro-janeiro-
fevereiro, outono os meses de março-abril-maio, inverno os meses junho-julho-agosto e
primavera os meses de setembro-outubro-novembro, constituindo quatro limiares diferentes.
Para verificar a relação do número de eventos extremos e o fenômeno El Niño
Oscilação Sul (ENOS) foi utilizado o índice Oceânico do Niño (do inglês, ONI - Oceanic
Niño Index).
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O ONI é calculado com base na média móvel de três meses a partir das anomalias
de TSM (versão ERSST.v3b) na região do Niño 3.4. A definição operacional da NOAA para
um episódio de El Niño (La Niña) é quando os valores do ONI ficam maiores (menores) que
0.5°C (-0.5°C) por cinco meses consecutivos (KOUSKY e HIGGINS, 2007). Os dados do
ONI estão disponíveis na internet no site do CPC/NCEP3
.
VARIABILIDADE DOS EVENTOS DE CHUVA INTENSA (CI) E PERSISTENTE (CP) NO
SUL DO BRASIL
Para identificação dos eventos extremos de precipitação foram analisados 13.514
dias de dados de precipitação para toda Região Sul do Brasil. A aplicação dos critérios de
Chuva Intensa (CI) e Chuva persistente (CP) permitiu identificar 1.808 dias (13,4%) eventos
extremos associados a CI e 135 dias (1%) associados a CP. Dos 135 dias de CP
identificados observou-se que 90% (123 dias) coincidiram com episódios de CI, ou seja,
10% dos dias são caracterizados somente como CP, e os demais são caracterizados como
intensos e persistentes ao mesmo tempo. Com isso, observa-se uma nítida relação entre a
persistência e a intensidade da precipitação durante os episódios detectados.
A distribuição anual do número percentual de dias com eventos CI e CP, é exibida
na figura 1, que mostra claramente a variabilidade anual do número de dias com CI e/ou CP
em pelo menos algum ponto de grande da região Sul do Brasil. É nítido o elevado número
de casos com CI nos anos de 1983, 1997, 1998 e 2015 (20.8%, 19.7%, 18.9% e 16.2%,
respectivamente), enquanto que para os dias com CP o maior número anual de casos
ocorreu nos anos de 1995 e 1997 (2.74%). Os anos citados coincidem com os eventos mais
intensos de El Niño já registrados, classificados como episódios de intensidade muito forte,
com anomalias de TSM na região do Niño 3.4 superior a 2ºC. Um reduzido número de dias
com CI (8.49% e 8.74%) foi observado nos anos de 1988 e 1999, os quais foram
classificados como períodos de La Niña moderada a forte.
A intensidade e impacto do El Niño dos anos de 1983 e 1997 foram estudados por
diversos autores, que analisaram tanto os impactos com a relação entre a TSM na região do
Niño 3.4 e as anomalias de precipitação no Sul do Brasil. Oliveira e Satyamurty (1998) ao
estudarem a evolução do El Niño 97/98 compararam sua intensidade com episódios
anteriores, considerando o evento mais intenso já registrado. Britto et al. (2008) ao
analisarem a variabilidade espacial e temporal da precipitação no RS, entre os anos de 1967
e 1998, verificaram que os anos de 1983 e 1997 foram os que registraram os El Niño mais
intensos, com significativo volume de precipitação no estado gaúcho, que resultou em
enchentes em diversos municípios, especialmente no noroeste do RS. Segundo os autores o
El Niño 1997/1998 causou prejuízos na ordem de 20 milhões, devido aos temporais e
enchentes, com cerca de 200 cidades atingidas. A intensidade do El Niño de 1983 foi
abordada no estudo de Rebello e Cadier (1998), segundo os autores o estado de Santa
Catarina foi fortemente afetado pelo excesso de precipitação, com 135 cidades atingidas e
300.000 pessoas desabrigadas, com destaque para o município de Blumenau. O rio Itajaí
registrou 15.34 m no dia 09 de julho de 1983. Segundo Gasques e Magalhães 1983 apud
Berllato e Fontana (2011), as perdas na safra de grãos de 1983 acumulou perdas de 4.9
milhões de toneladas no Sul do Brasil, com prejuízo estimado em 780 milhões de dólares.
3Disponível em: http://www.cpc.noaa.gov/products/analysis_monitoring/ensostuff/ensoyears_ERSSTv3b.shtml.
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Figura 3 - Distribuição anual do número percentual (%) de dias com eventos extremos de chuva associados a CI
e CP.
A figura 2 apresenta a distribuição mensal do número percentual de dias com
eventos associados a CI e CP, que apresenta grande variabilidade ao longo do ano, sendo
os meses de verão os que apresentam o maior número de dias com eventos CI, e o mês de
agosto o menor número de dias com CI. Para os casos de CP, observa-se que os meses de
janeiro e dezembro apresentam o maior número de dias com CP, e o mês de novembro
com o menor número de dias associados a CP.
Figura 4 - Distribuição mensal do número percentual (%) de dias com eventos extremos de chuva associados a
CI e CP.
O regime de precipitação no Sul do Brasil apresenta contrastes entre os setores norte
e sul da região, em parte ocasionado pela sua localização geográfica e pelos efeitos do
relevo acidentado (GRIMM, 2009a), o que reflete nos números de dias com eventos
extremos de precipitação. A Figura 3 ilustra essa relação, apresentando a distribuição
espacial do número total de dias e a precipitação média dos eventos associados a CI e CP.
Em resumo, a análise desta figura mostra que o maior número de dias com eventos
extremos de precipitação ocorre entre o extremo norte do Rio Grande do Sul e o sul do
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Paraná, com destaque para os setores: litoral do Paraná, Norte Catarinense e Grande
Florianópolis. Nas figuras 3(a) e (b) verifica-se que os eventos extremos de CI ocorrem
especialmente no litoral do Paraná, com registro de 75 dias com eventos associados a CI, e
em torno de 10 de dias associados à CP na região da Grande Florianópolis, Norte
Catarinense e Sul Catarinense (classificação de mesorregiões do IBGE). As figuras 3(c) e (d)
mostram a precipitação média observada nos eventos de CI e CP, respectivamente, e,
através dela, verifica-se que as mesorregiões Sudeste e Sudoeste do Rio Grande do Sul,
embora tenha o menor número de dias com CI (Figura 3a), registra a maior média de
precipitação nos eventos de chuva extrema. Para os casos de CP, que também apresentou
poucos dias com CP (Figura 3b), verifica-se a maior média no oeste da mesorregião Sudeste
e no leste da mesorregião Sudoeste do Rio Grande do Sul (Figura 3d).
Figura 3 - Distribuição espacial do número de dias com eventos extremos associados a (a) CI e (b) CP e
precipitação média (mm.dia-1) dos casos de (c) CI e (d) CP.
A INFLUÊNCIA DO EL NIÑO OSCILAÇÃO SUL NOS EVENTOS EXTREMOS DE
PRECIPITAÇÃO
Dos 1808 dias com eventos de chuva associados a CI verificou-se que 825 dias com
CI ocorreu em períodos de neutralidade do fenômeno ENOS. Na fase quente do ENOS
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foram encontrados 647 dias CI e nos períodos de La Niña houve 336 dias com eventos
associados a CI (Tabela 1). Em relação ao número de eventos associados à CP verificou-se
que 69 dias ocorreram em período de neutralidade, 43 dias ocorreram em El Niño e 23 em
La Niña.
A relação entre o número de dias com evento associado ao fenômeno ENOS e o
número de dias com CI e CP (Tabela 1) tem por objetivo mostrar a relação entre as fases do
ENOS e o número de eventos extremos de chuva. Durante a fase quente do fenômeno é
encontrado a maior frequência de dias com eventos de CI (CP), com extremos de
precipitação ocorrendo em 17.16% (1.14%), enquanto que nos períodos de Neutralidade e
La Niña, a frequência de dias com CI (CP) são semelhantes, e em torno de 12% (0.8%). A
maior frequência de eventos extremos em períodos de El Niño concorda com os resultados
apresentados por Grimm e Tedeschi (2009).
Tabela 1 – Número de dias com eventos CI e CP e frequência em relação ao total de dias, conforme
fase do fenômeno ENOS*
.
El Niño Neutro La Niña
Chuva Intensa – CI 647 (17.16%) 825 (11.72%) 336 (12.28%)
Chuva Persistente – CP 43 (1.14%) 69 (0.98%) 23 (0.84%)
*
Nível de significância estatística de 99%.
A distribuição sazonal do número de dias com eventos de chuva associados a CI e
CP (Figura 4) mostrou que o menor número de dias para eventos de CI ocorre no inverno
(Figura 4a) e na primavera para CP (Figura 4b), sendo o verão a estação preferencial para
ocorrência de eventos extremos com 628 dias com CI, e 63 dias com CP.
A figura 4 mostra a distribuição sazonal do número de dias com eventos CI/CP,
classificados conforme a fase do fenômeno ENOS. Nela observa-se que o maior número de
dias CI/CP ocorre em nos períodos de neutralidade do fenômeno, sendo a primavera dos
casos de CI a exceção. No entanto, a relação entre o total sazonal de dias associado ao
fenômeno ENOS e o número sazonal de dias com CI/CP, assim como na tabela 1, mostra
com maior precisão a relação do fenômeno ENOS e o número de casos, já que os períodos
de neutralidade ocorrem com muito mais frequência. Entre os anos de 1979 e 2015, houve
o registro de 77 trimestres (7.038 dias) com neutralidade no fenômeno, 41 trimestres (3.770
dias) com El Niño e 30 trimestres (2.737 dias) com La Niña.
Na tabela 2 verifica-se que em todas as estações do ano a frequência de eventos CI é
maior para os períodos de El Niño, já nos períodos de La Niña e Neutralidade a frequência
de ocorrência de CI é semelhante em ambas as fases do fenômeno. Para os casos de CP,
nos períodos de verão e outono de El Niño é quando ocorre a maior frequência relativa de
eventos, enquanto que nas estações de inverno e primavera de períodos Neutros que há a
maior frequência relativa.
Tabela 2 – Número de dias com eventos CIN/CIA e CPN/CPA e frequência em relação ao total de
dias, conforme fase do fenômeno ENOS.
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Figura 4 - Distribuição sazonal do número de dias com eventos extremos associados a (a) CI e (b) CP, separadas
por fase do fenômeno ENOS.
A espacialização do número de dias de CI e CP em cada fase do ENOS é
apresentada na figura 5, e através dela nota-se que os eventos extremos de precipitação
associados a CI ocorrem com certa homogeneidade no Sul do Brasil. No entanto, nos casos
de CIE (Chuva intensa em El Niño) (Figura 5a), a região noroeste do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina (SC) e litoral do Paraná há um número de dias relativamente maior quando
comparado às demais regiões. O mesmo ocorre para Chuva CIN (Intensa em períodos de
Neutralidade) na região Nordeste do Rio Grande do Sul, Sul Catarinense e Sudoeste
Paranaense (Figura 5b). Comparando o número de dias de CIE e CIN percebe-se que a
região preferencial de ocorrência de extremos de precipitação durante a fase quente do
ENOS localiza-se no noroeste do Rio Grande do Sul e norte Catarinense, e nos períodos de
neutralidade no nordeste do RS e oeste do Paraná. Já nos períodos de La Niña, o número
total de dias com CIL (Chuva intensa em períodos de La Niña) é menor comparado aos
períodos de neutralidade e El Niño, com um maior número de dias nas regiões Nordeste do
Rio Grande do Sul e leste de Santa Catarina e Paraná (Figura 5c).
Nos eventos extremos associados à CP (Figura 5d-f) a região Norte Catarinense e
Sudeste Paranaense são as que registram o maior número de casos CPE (Chuva Persistente
em períodos de El Niño) (Figura 5d), enquanto que nos períodos de neutralidade do ENOS
os eventos extremos de precipitação associados a CPN (Chuva Persistente em períodos de
Neutralidade) se distribuem em maior parte do estado de SC, com um máximo próximo a
região de Chapecó, especificamente na divisa entre os estados de Rio Grande do Sul e
Santa Catarina. Nos períodos com o fenômeno La Niña verifica-se o maior número de dias
CPL (Chuva Persistente em períodos de La Niña) na Grande Florianópolis e extremo Sul
Catarinense (Figura 5f).
Ao comparar as diferentes fases do fenômeno ENOS, o estado de Santa Catarina e o
sul do Paraná são as regiões preferenciais para ocorrência de CP tanto em períodos de El
Niño como em La Niña.
A precipitação média observada em cada fase do fenômeno ENOS é apresentada na
figura 6. Através dela verifica-se que os maiores valores para eventos associados à PCIE e
PCIN (Figura 6a e 6b, respectivamente), são observados nas mesorregiões do Sudoeste Rio-
grandense, Centro-Ocidental Rio-grandense e sudoeste da mesorregião Noroeste Rio-
grandense. É importante destacar que nestas regiões houve um menor número de dias com
CIE e CIN (Figura 6a e 6b), com um volume médio de precipitação maior nos eventos
associados a períodos de El Niño em comparação aos períodos de Neutralidade. A
precipitação média na fase fria do ENOS (PCIL) apresentou maior média no norte da
mesorregião Noroeste Rio-grandense e no Sudoeste Paranaense (Figura 6c).
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Figura 5 - Distribuição espacial do número de dias com eventos extremos associados à Chuva Intensa (CI) em
períodos de (a) El Niño (CIE), (b) Neutro (CIN), (c) La Niña (CIL), e Chuva Persistente (CP) em períodos de (d)
El Niño (CPE), (e) Neutro (CPN), (f) La Niña (CPL).
A B C
D E F
A B C
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Figura 6 - Precipitação média observada (mm.dia
-1) em eventos extremos associados à Chuva Intensa (CI) em
períodos de (a) El Niño (PCIE), (b) Neutro (PCIN), (c) La Niña (PCIL), e Chuva Persistente (CP) em períodos (d)
El Niño (PCPE), (e) Neutro (PCPN), (f) La Niña (CPL).
A análise da precipitação média nos eventos de chuva associados à CP mostra que
nos períodos de El Niño (PCPE) o maior volume médio ocorre nas mesorregiões do Sudeste
Rio-grandense e nordeste Rio-grandense (Figura 6d), região com menor número de dias de
CPE. Nos períodos de neutralidade (PCPN) e de La Niña (PCPL) o volume médio de
precipitação se distribui uniformemente nos pontos de grade em que se registrou algum
evento extremo de precipitação associada à CP (Figura 6 e 6f).
Com base nas figuras 5 e 6, pode se afirmar que os eventos extremos CI e CP nos
períodos de El Niño e Neutralidade embora ocorram com menor frequência na metade sul
do RS são mais intensos, já que apresentam maior média de precipitação quando
comparado com as regiões de maior frequência de dias de CI e CP (Figura 5). Ao mesmo
tempo, o estado de SC é uma região preferencial para ocorrência de eventos extremos de
precipitação, em especial nos meses de El Niño e nos casos de CP.
CONCLUSÃO
Os resultados apresentados neste trabalho podem ser resumidos nos seguintes
pontos:
● Em relação ao critério de classificação de Chuvas Intensas e Persistentes (CI) e
(CP) os resultados permitiram identificar que há uma nítida relação entre a
intensidade e persistência da precipitação durante os episódios detectados,
mostrando que em 90% dos casos os eventos foram intensos e persistentes ao
mesmo tempo.
● Os resultados mostraram que embora haja grande variabilidade dos eventos CI e
CP, observou-se um elevado número de dias coincidentes com os eventos mais
intensos de El Niño, ao mesmo tempo em que houve um reduzido número de
casos nos eventos de La Niña moderada a forte.
● Existe grande variabilidade ao longo do ano dos eventos extremos, ficando
evidente que em todos os meses de verão há um maior número de dias com
eventos CI, e o mês de agosto o de menor número de dias. Nos casos de CP,
observou-se que os meses de janeiro e dezembro apresentaram o maior número
de dias e o mês de novembro com o menor número de dias.
● Embora haja um elevado número de eventos entre o norte do RS e o PR,
verificou-se que as regiões preferenciais para ocorrência de extremos são o litoral
do PR, nos casos de CI, e nos casos de CP são as regiões da Grande
Florianópolis, norte catarinense e sul catarinense. No entanto, a maior
precipitação média destes eventos não está diretamente relacionada ao maior
D E F
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número de eventos, já que as mesorregiões sudeste e sudoeste do RS
apresentam um menor número de dias com CI e maior média de precipitação.
● Sazonalmente foi verificado o menor número de dias com eventos de CI ocorre
no inverno e primavera para CP, sendo o verão a estação preferencial para
ocorrência de eventos extremos com 628 dias (34.7%) com CI, e 63 dias
(46.7%) com CP.
● A influência do ENOS nos eventos extremos de precipitação, tanto Intensos
como Persistentes, mostrou a forte influência do El Niño, ainda que haja um
número mais elevado de casos em períodos de neutralidade, a análise em
relação à frequência de dias evidenciou que os eventos extremos são mais
frequentes na fase quente do fenômeno, concordando com resultados
apresentados por Grimm e Tedeschi (2009). No entanto, durante os meses de
inverno e primavera de Neutralidade do ENOS há maior frequência de eventos
persistentes, coincidindo com a recente enchente na região do Vale do Itajaí, no
mês de junho de 2017, período caracterizado como Neutro.
● É importante destacar que os meses com neutralidade do fenômeno ENOS
ocorrem em número consideravelmente maior comparado com as fases fria e
quente, resultando em um número maior de casos nesta fase, por isso, a análise
de frequência relacionando o número de dias do fenômeno e o total de dias de
ocorrência dos eventos em cada fase evidencia com maior precisão a atuação do
fenômeno frente aos eventos extremos.
● Espacialmente os eventos intensos ocorreram com certa homogeneidade em
todos estados do Sul do Brasil para todas as fases do ENOS, e o mesmo não foi
verificado nos eventos persistentes, observou-se claramente que o estado de
Santa Catarina e o sul do Paraná são as regiões preferenciais para ocorrência de
CP, com destaque para o período Neutro.
Por fim, a análise apresentada mostra a complexidade em analisar eventos extremos
de precipitação trazendo uma nova abordagem ao distinguir os fenômenos de curta
duração, aqui tratados como Intensos, e os de maior duração nomeados como Persistentes.
A compreensão destes tipos de eventos e sua espacialização fornecerão instrumentos para
correlacionar os resultados aqui apresentados com diversas áreas do conhecimento, como
por exemplo, a comparação entre o número de eventos e a ocorrência de inundações
bruscas e graduais, sendo esta uma sugestão para trabalhos futuros. A influência do ENOS
nos eventos extremos do Sul do Brasil concordou com trabalhos já apresentados na
bibliografia, no entanto, a divisão entre o caráter persistente mostrou que nos períodos de
neutralidade, em meses de inverno e primavera, há um elevado número de eventos no
estado de Santa Catarina, coincidindo com enchentes e inundações de grande impacto
social, como as ocorridas em 2011 e 2017 no Vale do Itajaí, as quais foram em período de
neutralidade.
AGRADECIMENTOS
O primeiro autor agradece ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade
Federal de Santa Catarina, ao Programa Demanda Social (DS) da CAPES, pelo apoio
financeiro durante parte do trabalho, sendo este estudo parte de sua tese de doutorado.
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CADIER, E.G. et al.: Consecuencias climaticas e hidrologicas del evento El Niño a escala
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5. EXTREMOS DE TEMPERATURA E SAÚDE PÚBLICA: UMA PROPOSTA PARA
SISTEMA DE ALERTA DE ONDAS DE FRIO E CALOR
Rafael Brito Silveira1
Maikon Passos Amilton Alves2
Daniel Pires Bitencourt3
RESUMO
As ondas de frio e calor são causa de doenças na população de diversos países do mundo.
No Brasil, tanto os extremos de frio quanto de calor são recorrentes e os seus impactos na
saúde pública já foram registrados por alguns estudos. A minimização desses impactos
requer muitos investimentos em pesquisa, tecnologia, políticas públicas e treinamento da
população e usuário final da saúde. Com intuito de contribuir com parte desses
investimentos, apresenta-se nesse artigo uma rápida revisão sobre os efeitos do frio e calor
na saúde humana e propõe-se uma sistemática organizacional para os alertas de ondas de
frio e de calor. A consulta bibliográfica foi realizada em bases de dados aleatórias, através de
termos livres, sem uso de descritores, com ano de publicação igual ou superior a 2000 e
limitando-se aos idiomas inglês, português e espanhol. Já a proposta de alerta para ondas de
frio e calor foi baseada nas experiências profissionais dos autores e histórico de pesquisas e
projetos do Departamento de Geociências do curso de Geografia da UFSC. Uma das
principais recomendações apresentadas neste trabalho diz respeito à necessidade de
padronização tanto do método de identificação dos eventos ondas de frio e de calor como
da comunicação dos alertas.
Palavras-chave: frio; calor; saúde pública; evento extremo.
INTRODUÇÃO
A relação entre os extremos de temperatura e a saúde pública tem sido amplamente
estudada e comprovada por vários autores. De acordo com Gasparrini et al. (2015) e Orru;
Åström (2017), tanto o frio como o calor são responsáveis por alterações na taxa de
mortalidade. E, com o advento das mudanças climáticas, muitos países tem demonstrado
grandes preocupações com os impactos dos extremos de temperatura, nas formas de Ondas
de Frio (OdF) e Ondas de Calor (OdC), sobre a saúde pública.
A crescente elevação das temperaturas globais verificado nas últimas cinco décadas
(WMO, 2017) tem sido favorável para o aumento do risco de eventos atmosféricos
extremos, tais como as OdC (IPCC, 2014). Conforme o 5º Assessment Report, ao longo do
século XXI, é muito provável que os extremos de calor sejam mais frequentes e que os
extremos de frio sejam menos recorrentes na maioria dos continentes. Contudo, apesar
desses indicativos, os extremos de frio ocasionais continuarão a ocorrer, sempre com mais
evidência nos meses de inverno. Se por um lado a menor ocorrência de dias e noites frias
em áreas continentais é tida como “virtualmente certa” para o final deste século (IPCC,
2013, p. 7,20), por outro lado existe uma vertente científica, menos evidente, que indica
arrefecimento das temperaturas na maior parte do planeta, atrelada a tendência de baixa
atividade solar (Ciclo de Gleissberg) e a nova fase fria do oceano Pacífico, até 2030
(MOLION, 2008).
1Geógrafo (UFSC), Mestre em Geografia (UFSC), Doutorando em Geografia (PPGG/UFSC), LabClima -
GCN/UFSC - (rafael.brito@posgrad.ufsc.br).
2Geógrafo (UFSC), Mestre em Geografia (UFSC), Doutorando em Geografia (PPGG/UFSC), LabClima -
GCN/UFSC.
3Meteorologista (UFPel), Mestre em Meteorologia (INPE), Doutor em Física (UFSM), Pesquisador na Fundação
Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (FUNDACENTRO).
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De acordo com o Centre for Research on the Epidemiology of Disasters (CRED)
(2017), por meio do International Disasters Database (EM-DAT), entre os anos de 1900 e
2016 ocorreram 289 OdF e 182 OdC em todo o globo (Tabela 1). Nesse levantamento foi
mostrado que o continente com o maior número de OdF é a Europa (133 casos) e o com o
maior número de OdC é a Ásia (70 casos). Conforme tabela 1, percebe-se claramente que,
em paralelo ao fato das OdF serem mais numerosas, atingindo um número maior de
habitantes ao redor do mundo, as OdC provocam um número mais expressivo tanto de
mortes quanto de danos econômicos.
Tabela 2 - Ocorrência de OdF e OdC nos continentes, entre os anos de 1900 e 2016.
Continente
Evento Mortes Afetados Danos estimados (mil US$)
OdF OdC OdF OdC OdF OdC OdF OdC
África 7 8 73 291 1.757.605 47.000 47.000 809
Américas 66 34 3.323 6.107 4.645.272 20.221 10.833.850 9.025.000
Ásia 83 70 8.566 16.019 7.073.889 212.158 3.193.133 419.000
Europa 133 63 5.405 138.544 964.655 2.120 2.424.301 12.763.050
Oceania 0 7 0 509 0 4.602.784 0 200.000
Total 289 182 17.367 161.470 14.441.421 4.884.283 16.498.284 22.407.859
Fonte: CRED/EM-DAT, 2017. Organizado pelos autores.
Tanto o levantamento na escala global, apresentado por CRED/EM-DAT, como os
registros realizados em bases de dados nacionais, tais como o Sistema Integrado de
Informações sobre Desastres (S2ID), subnotificam as ocorrências de OdF e OdC no Brasil.
Essas bases de dados divergem uma da outra e ambas são diferentes das constatações
apresentadas em trabalhos científicos. Isso se deve, principalmente, pelas distintas
metodologias de identificação dos eventos e diferentes formas de coleta de dados.
Alguns autores investigaram as OdF e OdC com uso de dados observados de um
único local ou, espacialmente, para determinadas áreas brasileiras. Silveira (2016),
analisando dados do município de São Joaquim, Santa Catarina (SC), encontrou 105 OdF
entre 1984 e 2013. Alves (2016), que estudou exclusivamente o inverno no período de 1983
a 2013, encontrou de 50 a 93 OdF nas onze zonas agroecológicas de SC. Lembra-se ainda
que neste estado as OdF eventualmente são muito intensas, tal como a abrangente nevasca
ocorrida nos dias 22 e 23 de julho de 2013 e documentada por (FERNANDES et al., 2016).
Reboita et al. (2015, p. 78) identificaram 76 OdF entre 1965 e 2013 no sul de Minas Gerais
(MG). Silveira (2016, p. 40), ao estudar as temperaturas extremas no Rio Grande do Sul
(RS) entre 1992 e 2009, encontrou 384 supereventos (nomenclatura atribuída pela autora)
de calor e 269 de frio. Firpo et al. (2012, p. 102,103), utilizando 10 estações meteorológicas
do RS, observaram dentre as estações uma variação nas ocorrências, de 40 a 61 OdF e de
31 a 56 OdC entre 1967 e 2005. Analisando dados pontuais do RS, Ribeiro e Nunes (2011)
e Streck et al. (2011) identificaram alterações na conduta da temperatura do ar, com
aumento da frequência (a partir de 2000) e intensidade (a partir da década de 1970) dos
eventos de calor. Com dados de temperatura máxima diária de todo o Brasil, Bitencourt et
al. (2016) verificaram que as OdC tem sido mais intensas, duradouras e frequentes a partir
de 1999, podendo atingir valores de 40C ou mais em algumas áreas (BITENCOURT et al.,
2015) do centro-sul brasileiro.
Além dos efeitos diretos dos extremos de temperatura, há ainda outros aspectos
importantes que devem ser considerados e que possuem forte influência nos impactos do
frio ou calor sobre a saúde. Estes aspectos estão ligados às condições de vida das pessoas,
tais como a atividade laboral, a saúde individual, incluindo a pré-existência de doenças, a
aclimatação às condições térmicas em que a pessoa vive e o grau de vulnerabilidade
socioeconômica em que o indivíduo está inserido. Este último é fortemente marcado pelas
desigualdades sociais e pelas diferentes capacidades de adaptação e resiliência (GUEVARA
et al., 2006; BARCELLOS et al., 2009; LANDA, 2012).
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Para o IPCC (2001), a vulnerabilidade aos efeitos do clima (OdF e OdC, por
exemplo), define-se como “o grau de suscetibilidade de indivíduos/sistemas e sua
incapacidade de resposta aos efeitos adversos das mudanças climáticas, incluindo as
variabilidades climáticas e os eventos extremos”. Para Metzger e Schröter (2006), Canário et
al. (2010) e Blaikie (2014), a vulnerabilidade tem relação com as características
individuais/grupais ou contextuais que determinam as capacidades de antecipar, sobreviver,
resistir e recuperar-se dos impactos ligados aos fatores climáticos perigosos. É claramente
perceptível que as OdF e OdC afetam preponderantemente os mais pobres, uma vez que a
situação financeira destes reflete nas más condições de habitação, de vestimenta, de
trabalho e, ainda, impõe para esta parcela da população grandes dificuldades de acesso aos
serviços de saúde, especialmente nos países em desenvolvimento. Lembra-se também que,
os mais afetados, principalmente com problemas respiratórios e cardiovasculares, são as
crianças e idosos, pois possuem menor autonomia ou maior dependência de terceiros
(GUERREIRO, 2011).
Diante do exposto, objetiva-se aqui mostrar uma breve revisão da literatura,
abordando os efeitos negativos dos extremos de temperatura na saúde pública, assim como
registros da ocorrência desses extremos no Brasil. Além disso, é proposto neste artigo um
esquema organizacional do sistema de geração, comunicação e aplicação de alertas
direcionado à saúde pública, onde, conforme enfatizado anteriormente, a vulnerabilidade
socioeconômica da população atingida pelas OdF e OdC possui papel altamente importante.
METODOLOGIA
A bibliografia referente aos estudos de OdF e OdC, tanto abordando os aspectos
climatológicos desses eventos quanto os impactos dos extremos de temperatura sobre a
saúde, foi consultada sob as seguintes considerações: (i) buscas realizadas em base de dados
aleatórias, todas via INTERNET, através de termos livres, sem uso de vocabulário controlado
(descritores); (ii) ano de publicação igual ou superior a 2000 e (iii) idioma em inglês,
português e espanhol. No caso dos estudos realizados para o Brasil, dentro da limitada
disponibilidade de artigos científicos relacionados a estes temas, focou-se relativamente mais
aos trabalhos realizados para o estado de SC.
No caso da proposta de um sistema de alerta de OdF e OdC, a mesma foi formulada
com base nas experiências profissionais dos autores, assim como nas pesquisas e projetos
desenvolvidos nos últimos anos junto ao Departamento de Geociências do curso de
Geografia, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Este sistema de alerta é
conceitual e a sua aplicabilidade depende do desenvolvimento de estudos específicos.
EVENTOS EXTREMOS DE TEMPERATURA
O Brasil é composto de áreas tropicais e subtropicais, sendo as latitudes mais altas
atingidas por sistemas de alta pressão (massas de ar frio) relativamente mais intensas entre o
final de outono e início da primavera (CAVALCANTI e KOUSKY, 2009). Com isso,
principalmente nos meses de inverno, as temperaturas atingem valores bastante baixos, por
vezes negativos, podendo perdurar por vários dias consecutivos. Por outro lado, ao longo de
todo o ano na área tropical e entre final da primavera e início do outono na área subtropical,
são as altas temperaturas que predominam, superando algumas vezes o valor de 40C.
ONDAS DE FRIO
A saúde é um dos setores mais impactados nos episódios de frio extremo. Problemas
respiratórios e circulatórios podem ser potencializados pelas OdF, todavia, outras variáveis
condicionantes podem existir, como, por exemplo: má alimentação, habitações
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inadequadas, falta de acesso aos serviços de saúde, ser fumante ou não, falta de exercícios
físicos e outros problemas de saúde pré-existentes (MURARA, 2012, p.77,78). Por isso, os
danos provocados pelas OdF estão muitas vezes mais relacionados com a vulnerabilidade de
determinadas populações, do que propriamente com a intensidade do evento (CASTRO,
2003). As populações mais vulneráveis são constituídas por idosos, enfermos e crianças,
principalmente quando estes são pertencentes a populações de baixa renda, desabrigados
e/ou desprovidos de agasalhos.
A exposição a condições extremas de frio influencia a saúde humana, podendo
afetar o desempenho e a motivação (WHO, 2004; IPCC, 2012) e, em situações mais críticas,
pode levar o indivíduo a morte. Muitos estudos demonstram a relação entre extremos de
temperatura baixa (OdF) com problemas de saúde (morbidade e mortalidade), sejam por
doenças respiratórias ou circulatórias (WILKINSON et al., 2001; DONALDSON e KEATING,
2003; HEALY, 2003; ZAMORANO et al., 2003; LOMBORG, 2005; CARSON et al., 2006;
MORABITO et al., 2006; MURARA et al., 2010; IKEFUTI e BARROZO, 2014; MATEUS,
2014; GASPARRINI et al., 2015; TOBÍAS et al., 2017). Pneumonia, influenza (gripe) e crises
de asma geralmente ocorrem com maior frequência nos meses invernais. O agravo das
enfermidades respiratórias por exposição ao frio ocorre por conta dos efeitos no epitélio da
via aérea, tecido que reveste a mucosa das fossas nasais. Além disto, o hábito de
permanecer em locais fechados por mais tempo com intuito de se aquecer acaba agravando
o índice de infecções virais (BRASIL, 2014).
Em relação às enfermidades circulatórias, o declínio da temperatura ambiente
favorece o declínio da temperatura corporal, que por sua vez ativa os mecanismos
homeostáticos humanos para o controle do equilíbrio entre meio externo e interno. Com
isso, o organismo responde através da vasoconstrição, aumentando o fluxo dos vasos
sanguíneos e desencadeando problemas no aparelho respiratório. As baixas temperaturas
causam contração das artérias para ajudar o corpo humano a reter o calor. Mas, devido ao
estreitamento dos vasos sanguíneos, possíveis placas de gordura e coágulos podem bloquear
o fluxo de sangue para o coração, causando graves problemas. Por mais que tal ação
corporal seja uma defesa natural do organismo, a vasoconstrição pode aumentar o risco de
infarto, acidente vascular cerebral e outras doenças isquêmicas do coração (TORTORA,
2000; FM/UFMG, 2014).
Em São Joaquim, região serrana catarinense, Silveira (2016) aponta que durante os
episódios de OdF, as doenças respiratórias são mais expressivas do que as circulatórias,
especialmente para o sexo feminino. As enfermidades do aparelho circulatório atingem mais
os idosos e mulheres, notadamente nos casos de infarto do miocárdio. Quanto aos
problemas respiratórios, o grupo etário mais atingido é dos jovens (≤14 anos),
principalmente diante da asma, afetando mais ao sexo masculino. Notou-se que os grupos
mais vulneráveis são de fato aqueles que a bibliografia aponta como sendo os de menor
autonomia, ou seja, os jovens e os idosos (SILVEIRA, 2016).
Segundo Castro et al. (1995), as OdF na América do Sul (AS) são mais recorrentes
entre maio e setembro, com predominância nos meses invernais. A queda brusca de
temperatura normalmente é acompanhada de ventos, os quais contribuem para acentuar a
sensação de desconforto térmico. Estes eventos possuem grande relevância, tanto do ponto
de vista socioeconômico (agricultura, transportes, turismo, saúde pública) quanto do
propósito da pesquisa, sendo estas direcionadas a previsibilidade do fenômeno (PEZZA e
AMBRIZZI, 2005).
Não existem muitos trabalhos sobre OdF com abrangência em áreas mais extensas
no Brasil. Para a região Sul, Marengo e Camargo (2008) constataram que a presença de
eventos de El Niño mais intensos e frequentes favorecem um aumento da temperatura
mínima observada no período noturno. Alves (2016) realizou um estudo climatológico sobre
as OdF invernais em SC, no período de 1983 a 2013, e constatou que em pelo menos uma
das onze estações meteorológicas avaliadas ocorrem OdF todo o ano, com média de 4,2
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eventos por inverno/ano. Os anos em que ocorreram maior número de OdF foram 1993
(11) e 1990 (7). As localidades de SC com maiores médias anuais de OdF no inverno são
Caçador, São Joaquim, Campos Novos e Chapecó, com ocorrências entre 2,1 e 3 eventos
ao ano (Figura 1). Já as estações que registraram menor incidência de OdF (entre 1,7 a 1,8
eventos/ano) foram São José, Urussanga, Itajaí e Itapiranga. Para Alves (2016) nesta
distribuição influem além das trajetórias sazonais dos sistemas polares, também os fatores
geográficos. A presença de uma área costeira em concomitância com uma região continental
exerce grande influência nas temperaturas, gerando regiões agroecológicas diversificadas. A
altitude, devido aos distintos relevos e a exposição de vertente que SC apresenta, faz com
que exista grande variabilidade de região para região.
Figura 1 - Frequência média anual de OdF por estações agroecológicas, SC, entre 1983-2013. Fonte: Alves
(2016).
ONDAS DE CALOR
Os efeitos do calor nos seres humanos passam a ser prejudicial à saúde quando
ocorre a chamada sobrecarga térmica, ou seja, quando a carga de calor recebida pelo corpo
é excessiva e crítica. Vale lembrar que a sobrecarga térmica não é provocada exclusivamente
pelas condições de calor ambiental, mas também é consequência do calor metabólico
produzido pelo próprio corpo, essencialmente associado ao tipo de atividade desenvolvida
pela pessoa. Por exemplo, se considerarmos as atividades de esporte amador e de trabalho
na limpeza pública, teremos claramente duas situações distintas em que a segunda é, sem
dúvida, a mais vulnerável, dada a necessidade de cumprimento de tarefas, executando
esforços contínuos e sem opção de ajustes na rotina diária. Já no caso de um esportista
amador, este tem condições para optar por locais, horários e vestimentas mais adequadas
para executar a atividade. No Brasil, péssimas condições de trabalho, carga de trabalho
pesada e excessivo calor ambiental são apontados por Bitencourt et al. (2012) como causas
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de mortes súbitas ocorridas entre cortadores de cana-de-açúcar. Também se deve considerar
os aspectos ligados à pré-disposição a doenças e qualidade de vida do indivíduo e, ainda, o
nível de vulnerabilidade socioeconômica ao qual a pessoa está inserida.
Quando o equilíbrio térmico é quebrado, estabelecendo-se a sobrecarga térmica, o
indivíduo recebe mais calor do que pode dissipar. Em consequência, a temperatura interna
do corpo alcança perigosos valores superiores a 38°C. E, quanto maior são esses valores,
maiores são os efeitos fisiológicos provocados pelo calor. Os primeiros sintomas podem se
manifestar na pele, que fica mais seca e quente. Pode ainda ser verificada sudorese
profunda, calafrios, dor de cabeça e fadiga severa. Em situações mais críticas, a pessoa pode
apresentar fala ininteligível e sofrer alucinações, tonturas e desmaios. No último estágio, os
sintomas podem evoluir para a insolação, que é doença mais grave decorrente do calor.
Nesse nível de impacto, se a pessoa não for tratada de imediato, pode ser levada à morte
(KNOCHEL, 1989).
A associação entre a exposição ao calor e a saúde pública é encontrada em muitos
trabalhos científicos. Alguns exemplos de doenças relacionadas ao calor são as complicações
renais (TAWATSUPA et al., 2012) e cardiovasculares (BARBOSA et al., 2012; SETT e
SAHU, 2014; NÄYHÄ et al., 2017), as disfunções cognitivas (JAY e KENNY, 2010) e outras
como erupções cutâneas, cãibras e espasmos musculares, tonturas, desmaios, dores de
cabeça, sudorese severa, fadiga e extrema fraqueza, náuseas e vômito (BETHEL e
HARGER, 2014). Como resultado, o corpo pode apresentar disfunções com resposta
inflamatória sistêmica, estado mental alterado, insuficiência renal, coagulopatia e colapso
cardiovascular (BOUCHAMA e KNOCHEL, 2002). A exposição ao calor pode ainda
provocar o agravamento de doenças pré-existentes, tais como as doenças cardiovasculares,
pulmonares, renais e psiquiátricas (ELIS e NELSON, 1978).
Apesar de existirem alguns exemplos de adaptação humana para os efeitos do calor
(TAN, 2008; PETKOVA et al., 2014; TODD e VALLERON, 2015), muitos outros estudos
desenvolvidos para vários países do mundo abordam a relação do calor excessivo com o
aumento da taxa de morbidade (HESS, 2010; TASIAN et al., 2014; OGBOMO et al., 2017)
e mortalidade (PAIXÃO e NOGUEIRA, 2003; MIRABELLI e RICHARDSON, 2005; CONTI
et al., 2005; KIM et al., 2006; OSTRO et al., 2009; HOSHIKO et al., 2010; HUANG et al.,
2010; GASPARRINI e ARMSTRONG, 2011; BASU e SAMET, 2012; LIM et al., 2012;
JONGSIK e KIM, 2012).
Para SC, no Brasil, Bitencourt et al. (2014) mostraram que ocorre aumento da taxa
mensal de mortalidade quando o estado é atingido por OdC. Analisando todo o país, as
OdC têm sido mais intensas e de maior duração, além de significativamente mais frequentes
a partir de 1999, conforme mostrado na figura 2 adaptada de Bitencourt et al. (2016). Em
toda a série de dados avaliada por Bitencourt et al. (2016), foram encontradas 31 OdC ao
sul de 15S do Brasil.
Figura 2 - Número de OdC (barras cinza) a cada 12 meses (entre agosto de um ano e julho do próximo)
ocorridas ao sul de 15S do Brasil, entre 1961 e 2014. *A linha pontilhada representa a tendência definida por
meio de modelo linear simples. Os símbolos na caixa da base da figura indicam o tipo de ENOS na ocasião de
ocorrência das OdC. Os limites temporais das fases fria e quente da Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) são
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indicados pelas linhas verticais tracejadas e identificadas no topo da figura. Fonte: Adaptado de Bitencourt et al.
(2016).
SISTEMA DE ALERTA
Os efeitos negativos à saúde pública por conta da atuação de OdF ou OdC podem
ser minimizados com o uso de tecnologias e ações específicas, as quais envolvem tanto as
instituições governamentais quanto a sociedade. O esquema da figura 3 apresenta em linhas
gerais as ações de cada etapa a serem cumpridas desde a identificação do extremo de
temperatura (utilizando método ideal específico) até as ações tomadas pelo usuário final no
intuito de minimizar os efeitos do frio ou do calor extremos.
As três primeiras etapas são realizadas pelo poder público através dos centros de
monitoramento e previsão do tempo. Para a ação de prognóstico, vale lembrar que os
modelos de previsão numérica de tempo apresentam-se como uma importante ferramenta,
uma vez que estes possuem boa performance de acerto justamente para as previsões de
eventos extremos, especialmente os extremos de temperatura. Ainda na primeira etapa,
quando a OdF ou OdC está em curso, o diagnóstico do evento é fundamental para
confirmar os parâmetros gerais do evento, tais como área de atuação e intensidade. Um
diagnóstico de maior precisão pode ser realizado através do uso de dados observados por
estações meteorológicas.
As etapas 2 e 3 são de suma importância para que os alertas de OdF ou OdC sejam
efetivamente úteis. O cruzamento de informações garante a real quantificação do impacto,
visto que um mesmo evento extremo de temperatura certamente é mais prejudicial para
uma população mais vulnerável social e economicamente do que para uma população
provida de maiores recursos, estruturas e conhecimento. O aprimoramento das políticas
públicas é importante para todas as etapas e ações do processo, mas mostra-se fundamental
nesta etapa 2. A etapa 3 requer tanto o uso de um único método de identificação dos
eventos extremos de temperatura, quanto uma padronização (nacional) para a divisão dos
níveis de alerta, sendo esta segunda já realizada sob a consideração do cruzamento de
informações da etapa 2. Vale lembrar que o Brasil não possui tais padronizações, fato que
acaba confundindo a população e usuário final da saúde, prejudicando ou inviabilizando a
tomada de decisão. A determinação de níveis de alerta, realizada numa escala de cores, por
exemplo, é capaz de criar uma “cultura” para o real entendimento do nível de perigo que
uma OdF ou OdC oferece. No entanto, ressalta-se serem necessários alguns anos de uso,
com ampla divulgação desses níveis de alerta, inclusive por parte da imprensa, para que a
população adquira sensibilidade para diferenciar os níveis de alerta.
Por fim, não menos importantes no processo, são as ações previstas nas etapas 4 e
5. A comunicação é fundamental para que a informação alcance a população e usuário final
de saúde, sendo a imprensa o veículo mais eficiente para informar a população e um canal
direto entre os centros geradores de alerta e o usuário final de saúde o meio mais eficiente
de informar os órgãos governamentais e privados ligados à saúde. As ações previstas para a
última etapa são particularidades de cada usuário. Ou seja, a ação preventiva dependerá do
tipo de atuação específica e da abrangência de atuação. Por exemplo, mediante a previsão
de um único nível de alerta, diferentes ações são tomadas pelo secretário de saúde, agente
da defesa civil, gerente do hospital ou até mesmo o cidadão comum que poderá traçar um
plano de atividade sob a consideração do alerta de temperatura extrema.
Todo o esquema mostrado na figura 3 necessariamente deve ser construído de
forma multidisciplinar e sob a consideração da climatologia geográfica do Brasil. Nesse
sentido, é prioritária a criação e/ou aprimoramento de políticas públicas que abranja o
processo na sua totalidade. Para tanto, concomitantemente e agindo como fonte de
subsídios para essas políticas públicas são necessários investimentos para o desenvolvimento
tecnológico e estudos aplicados voltados para cada etapa do processo.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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Figura 3 - Esquema organizacional de alerta de extremos de temperatura voltados à população e usuários da
saúde. *A numeração no canto direito inferior de cada quadro indica o número da etapa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo mostrou-se uma rápida revisão sobre os efeitos dos extremos de
temperatura na saúde humana e propôs-se um sistema organizacional para alertas de ondas
de frio e calor voltados à saúde pública. As discussões mostraram que o fato do setor de
saúde pública ser um dos mais (ou o maior) afetado pelos extremos de temperatura exige
que governo e sociedade se mobilizem, buscando o planejamento de ações conjuntas que
minimizem esses impactos negativos na saúde. Somado a isso, deve-se considerar que os
cenários futuros do clima na terra apontam para extremos de temperaturas (ou eventos
extremos) mais recorrentes, neste caso, para as OdF e OdC. Portanto, adequações e
investimentos em ações e políticas públicas nas diferentes escalas de administração devem
ser tomadas. O Brasil, em comparação com países do Hemisfério Norte, é incipiente neste
quesito, principalmente no pré-evento, inclusive com respeito a sistemas de alerta
padronizados.
Ao passo que, de uma forma geral, a intensidade dos extremos de temperatura nos
países do Hemisfério Norte é maior, as condições socioeconômicas no Brasil e na maioria
dos países latino-americanos, são mais precárias, refletindo em capacidade reduzida de
adaptação das populações mais vulneráveis.
Para o Brasil, um importante passo nas ações pré-evento seria a padronização de um
método de identificação de OdF e OdC, sem desconsiderar a dimensão continental e
especificidades geográficas que o país possui. Reforça-se ainda sobre a necessidade de
padronização na comunicação dos alertas para, em médio prazo, “educar” a população e
usuário final da saúde quanto ao perigo que uma determinada OdF ou OdC oferece.
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AGRADECIMENTOS
Agradecemos toda fonte de inspiração dada pela Prof.ª Dr.ª Magaly Mendonça (in
memoriam). Certamente seus ensinamentos acadêmicos, científicos e humanos serão
carregados e disseminados enquanto pudermos transmiti-los. O presente artigo neste
periódico é uma mera homenagem ao legado deixado pela professora, que precocemente
nos deixou fisicamente. O 1º autor agradece ainda a CAPES por sua bolsa de doutorado.
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6. UM APORTE TEÓRICO METODOLÓGICO DA VULNERABILIDADE AOS
DESASTRES
Pedro Murara1
Kátia Spinelli2
RESUMO
Este artigo propõe-se abordar as principais discussões teóricas sobre a vulnerabilidade aos
desastres socionaturais. Com base nos principais referenciais teóricos que foram analisados
criticamente, em conjunto com a Prof.ª Magaly Mendonça, e que fizeram parte das
discussões teóricas do Grupo de Estudo em Desastres Socionaturais (GEDN) da
Universidade Federal de Santa Catarina. O termo vulnerabilidade surge na investigação dos
riscos naturais a partir das décadas de 80 e 90, de modo que tal conceito se diferencia entre
pesquisadores. Na busca pela definição do conceito de vulnerabilidade diversos estudos e
pesquisam revelam diferentes interpretações e abordagens teóricas. Nesse viés, não se
pretende esgotar o tema e o debate sobre a vulnerabilidade. Nesse sentido, apresentamos
uma possibilidade de abordagem teórica do conceito de vulnerabilidade o qual é
evidenciado a partir da escala do lugar, identificado pela tríade da análise da
vulnerabilidade: exposição, sensibilidade e capacidade de adaptação. Nesta perspectiva as
pesquisas do GEDN direcionam-se para a identificação da vulnerabilidade frente a um
evento perigoso com intuito de compreender a exposição de uma população ao fenômeno
impactante, analisar sua suscetibilidade ao evento e verificar a(s) capacidade(s) de
adaptação dos indivíduos.
Palavras–chave: desastres socioambientais; exposição; suscetibilidade; capacidade de
adaptação.
INTRODUÇÃO
Em setembro de 2011, o estado de Santa Catarina (SC) mais uma vez recebe os
holofotes da mídia por conta dos desastres que ocorrem no estado. Na ocasião, tratava-se
de chuvas intensas que repercutiram em diversos eventos de inundações e o Grupo de
Estudos em Desastres Naturais (GEDN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
estava em alerta frente ao referido evento acompanhando e discutindo as repercussões do
mesmo.
A Prof.ª Magaly Mendonça neste período encontrava-se em afastamento para a
realização de Pós-Doutorado na Universidade do Chile e mantinha contado com o GEDN
acerca dos eventos ocorridos em SC. Do seu retorno, em meados de 2012, a Prof.ª Magaly
retorna com muitas novidades e uma gama de informações sobre a análise dos desastres
naturais e como os mesmo eram debatidos na América Latina e no mundo.
Entre algumas das novidades oriundas da experiência da Prof.ª Magaly no exterior,
destacamos inicialmente uma nova abordagem do conceito de desastre natural. Já havia
uma concepção no GEDN de que se configura enquanto desastre, os fenômenos naturais
que afetam os modos de vida das sociedades e seus arranjos espaciais. Por afetar uma
sociedade, entendemos como a repercussão dos distúrbios, modificação e/ou alteração nas
condições que determinam uma população estruturada em uma localidade (ROMERO e
MASKREY, 1993). Portanto, uma vez que se denomina um desastre, pressupõem-se a
presença humana, que por sua vez, pressupõem uma organização socioespacial.
1Geógrafo (UNESP), Mestre em Geografia (UFSC), Doutor em Geografia (UFSC), Prof. Dr. na Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFFS), LabClima - GCN/UFSC - (pmurara@gmail.com).
2Geógrafa (UFSC), Mestre em Geografia (UFSC), Doutoranda em Geografia (PPGG/UFSC), LabClima -
GCN/UFSC.
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64
Desta forma, pareceu-nos equivocado pensar os desastres apenas pelo viés natural.
Fazia-se necessário considerar as mudanças, alterações e modificações que a sociedade
exerce no espaço, que por sua vez é constituído e também modificado pela dinâmica dos
fenômenos naturais. Portanto, a compreensão dos desastres não deveria se dar apenas pela
repercussão e atuação dos fenômenos naturais no espaço. Logo, passamos a considerar que
alguns desastres possuem um caráter muito mais social do que natural na sua gênese. Assim,
surge a proposta de incorporar o conceito de desastre socionatural.
Nesta nova perspectiva de se pensar os desastres, se efetivou, inicialmente, no nome
do grupo de pesquisa que, embora mantendo a mesma sigla, passou a integrar o
socionatural em sua nomenclatura, hoje conhecido por Grupo de Estudos de Desastres
Socionaturais (GEDN).
Diante do exposto, as questões de análise dos desastres ganharam outro caráter, não
apenas focado nas questões naturais dos fenômenos, mas, com um olhar sobre as dinâmicas
sociais e econômicas sob a ótica dos desastres.
Sendo os espaços urbanos aqueles com maiores repercussões dos desastres, pelas
perdas e danos que causam aos seus citadinos, seja pela predominância em escala nacional
de população ocupando áreas urbanas, indagávamos mais do que a comparação entre os
espaços urbanos e rurais, quem eram as populações mais vitimadas pelos recorrentes
eventos de desastres que atingiam o estado de Santa Catarina? Onde se localizavam essas
populações? Quem eram os mais vulneráveis aos perigos? E quais eram suas ações frente
aos recorrentes desastres?
Diante destes questionamentos, a vulnerabilidade surge como um conceito que
necessita ser abordado e discutido no âmbito do GEDN. Vários são os autores que discutem
e trabalham o referido conceito e, é neste sentido que o presente artigo desenvolve-se. Não
é nossa intensão esgotar o tema e o debate sobre a vulnerabilidade, mas pretende-se
abordar as principais discussões teóricas sobre o assunto com base em alguns referenciais
que foram utilizados e analisados criticamente pelos autores do artigo, juntamente com a
Prof.ª Magaly Mendonça.
Apresenta-se, portanto, o início da discussão teórico-conceitual da vulnerabilidade a
partir de dois trabalhos de conclusão de curso de doutorado que foram orientados pela
professora Magaly. Embora o foco seja diferente com relação ao objeto e área de estudo –
um sobre estiagem e outro sobre inundação – ambos abarcam a vulnerabilidade da
população atingida pelos referidos desastres.
DO HAZARD À VULNERABILIDADE: TRAJETÓRIA CONCEITUAL
A abordagem teórica metodológica dos desastres concentra-se em torno de quatro
paradigmas: hazard (perigo), risco, vulnerabilidade e capacidade adaptativa (MATA-LIMA et
al, 2013). Diante disso, buscou-se caracterizar tais conceitos, no entanto, priorizando o
referencial teórico sobre vulnerabilidade.
O estudo dos desastres naturais virou uma tradição entre os geógrafos,
principalmente a partir de 1920 quando se utilizava a denominação de natural hazard para
evidenciar os eventos naturais que causavam impactos negativos na sociedade. O impulso
inicial das pesquisas sobre hazards foi dada por Gilbert White que se concentrou no aspecto
físico das perdas provocadas por inundações nos Estados Unidos (MANDAROLA JR e
HOGAN, 2004).
No entanto, não há uma tradução “fiel” para o termo natural hazard na língua
portuguesa e em outras latinas. Desta maneira, os franceses e espanhóis traduziram para
riscu/riesgo (risco), enquanto no Brasil, Carlos Augusto de Figueiredo Monteiro, no campo
da climatologia, utilizou-se da palavra “acidente”. Já nas pesquisas geomorfológicas houve a
adoção do termo “azares”. (MANDAROLA JR e HOGAN, 2004; MATTEDI e BUTZKE,
2001).
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
65
Contudo, na contemporaneidade dos estudos sobre hazards, nos Estados Unidos,
encontram-se maiores esclarecimentos sobre o assunto. A pesquisadora Susana D. Aneas de
Castro, fornece o último elemento para compreender o termo hazard. Segundo a autora, o
risco (risk) é a probabilidade de ocorrência/acontecimento de um perigo, enquanto o hazard
é tanto o fenômeno potencial (quando da existência do risco) como o fenômeno em si
(MANDAROLA JR e HOGAN, 2004).
O risco pode ser definido como uma situação de perigo ou possibilidade de perigo,
sendo que essa ameaça pode ocorrer no plano individual ou coletivo. O termo risco pode
ser considerado como uma categoria de analise relacionado às ideias de incerteza, exposição
ao perigo, perdas e prejuízos naturais, econômicos e humanos. Desta forma, não haverá
risco sem que exista uma sociedade que o perceba e que possa sofrer seus efeitos
(ESTEVES, 2011).
Nesse mesmo viés, Almeida (2011) salienta que o risco é eminentemente social, está
relacionado à percepção humana da probabilidade de ocorrência de um evento
potencialmente perigoso e causador de dano. Diferente do perigo (hazard) que é a
probabilidade ou a própria ocorrência de um evento que pode causar prejuízos.
Aliado ao conceito de risco encontra-se a vulnerabilidade intrínseca de um individuo
ou sociedade. De acordo com Almeida (2011) o risco pode ser descrito por uma função que
une as seguintes categorias: f(R)= P x V, em que P é o evento perigoso e V a
vulnerabilidade. E, dentro do conceito de vulnerabilidade há outros incluídos, como:
resiliência, adaptação, exposição e susceptilidade.
O termo vulnerabilidade surge na investigação dos riscos naturais a partir das
décadas de 80 e 90. Mas esse termo é utilizado numa variedade de outras pesquisas
relacionadas à ecologia, pobreza, saúde pública, entre outros. De modo que o conceito de
vulnerabilidade se diferencia entre pesquisadores de diferentes domínios do conhecimento, e
até mesmo entre pesquisadores de um mesmo domínio (FUSSEL, 2007; MARANDOLA e
HOGAN, 2005). Logo, o conceito de vulnerabilidade passa a ser utilizado das mais diversas
formas. Em alguns casos entendido como sinônimo de exposição, desigualdade ou e até
mesmo de suscetibilidade.
Aplicar o conceito de vulnerabilidade nos parecia um desafio diante da diversidade
conceitual e de sua aplicabilidade, indicando em primeira instância que não há/havia
definição absoluta. Na busca pela definição do conceito de vulnerabilidade, Cutter (1996)
identificou 18 diferentes interpretações. Esta diversidade conceitual resulta do
desenvolvimento de pesquisas e estudos nos mais diversos Institutos (Universidades e
Centros de Pesquisa) ao redor do mundo, abrindo a possibilidade de diferentes orientações
epistemológicas de análise e suas consequentes aplicabilidades. A autora destaca três
posicionamentos principais que resultam destas diferentes abordagens do conceito de
vulnerabilidade:
i. Vulnerabilidade como exposição ao risco e/ou perigo;
ii. Vulnerabilidade como resposta social;
iii. Vulnerabilidade dos lugares.
No primeiro caso, vulnerabilidade como exposição ao risco e/ou perigo; os estudos
se caracterizam pelo foco na distribuição das condições de perigo à ocupação humana em
zonas consideradas de risco (zonas sísmicas, áreas costeiras, planícies inundáveis) e o grau
de perdas (da vida, da propriedade) associado com a ocorrência de um evento em particular
(inundação, furacão, terremoto), portanto, essa tendência é ainda denominada de
vulnerabilidade como condição preexistente. Para verificar a vulnerabilidade, nesses
estudos, são considerados a magnitude, a duração, o impacto, a frequência e as
características biofísicas gerais do perigo. Os trabalhos de Gilbert F. White foram pioneiros e
se tornaram destaques nessa linha de investigação (CUTTER, 1996; MARANDOLA e
HOGAN, 2005).
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Esta abordagem do conceito é a mais recorrente nos trabalhos efetuados atualmente.
Para os autores que utilizam desta conceituação, a população é considerada vulnerável por
estar localizada em ambiente que possui uma maior recorrência e/ou ocorrência de algum
fenômeno que se caracteriza em risco à população.
Como resultado, são identificadas áreas consideradas como vulneráveis, porém, de
fato, o que se identifica são áreas de exposição ao risco e/ou perigo. A delimitação de áreas
nas quais um fenômeno se configura enquanto desastre para a população é representada,
na maioria das vezes, por meio do mapeamento. O avanço e o contínuo uso das
geotecnologias, aqui entendidos pelos avanços na cartografia digital, uso de softwares com
fins de mapeamento, ou ainda, sites que permitem delimitação de áreas, contribuem para
esta forma de representação. Ao nosso entendimento, o fato de delimitar a área/zona de
abrangência de um fenômeno enquanto desastre não pode ser entendido pela sua
identificação da vulnerabilidade, esta prática além de esmaecer o conceito deprecia o papel
do geógrafo ao singelo mapear, e ainda, deturpa uma abordagem teórica em detrimento de
uma única técnica (MURARA, 2016).
No segundo caso, vulnerabilidade como resposta social; o foco é dado sobre as
respostas da população, incluindo a resistência e a resiliência da sociedade para com o
desastre. Esta perspectiva concentra-se na construção social da vulnerabilidade, incluindo,
portanto, seus fatores culturais, econômicos, políticos e sociais, que condicionarão as
respostas individuais e coletivas.
Nesta abordagem, consideram-se as características da população para compreender
as respostas da mesma frente ao evento. Trata-se de uma perspectiva social sobre o conceito
que identificará indivíduos mais ou menos vulneráveis, segundo uma seleção de fatores e
elementos. De modo que alguns dados sociais se fazem importante nessa análise, como:
condição socioeconômica, gênero, idade, estrutura familiar, educação, entre outros.
Neste caso, o conceito de vulnerabilidade apontado por Cutter (1996) resulta na
identificação das características da população, como o exemplo do trabalho realizado pelo
Centro de Estudo da Metrópole (CEM, 2004), na cidade de São Paulo. Nesta abordagem, é
possível identificar as diferenças sociais que se configuram no espaço de análise, de modo a
examinar quais parcelas da população (dependendo da escala de análise, bairros,
municípios, cidades ou estados) encontram-se mais suscetíveis ao foco de estudo.
Como já explicitado anteriormente, é evidente que na análise de um desastre faz-se
necessário considerar as características da população. A seleção de elementos e fatores
considerados resulta na identificação e classifica a população, ou seja, um diagnóstico. Uma
vez estabelecida suas características, os estudos desta abordagem da vulnerabilidade
destacam indivíduos ou populações caracterizadas como: mais ou menos vulnerável a um
desastre. Por vezes, buscam espacializar os indivíduos ou grupos sociais mais vulneráveis.
De um modo um tanto determinista, essa análise recai, primordialmente, sobre os aspectos
sociais. Porém, estes não consideram a capacidade pessoal ou, ainda, institucional de
indivíduos ou populações em lidar com o fenômeno de desastre em questão (MURARA,
2016).
No terceiro e último caso, vulnerabilidade dos lugares; Cutter (1996) identifica a sua
tendência de pesquisa, na qual a vulnerabilidade é entendida a partir do lugar,
identificando-a como conjuntiva que é, na avaliação da autora, a mais geograficamente
centrada, uma vez que concebe tanto os aspectos biofísicos (entendido pelo natural), bem
como uma resposta social, considerando uma área geográfica específica ou de domínio.
Quanto ao lugar, por se tratar de um conceito que se fundamenta nas pesquisas
socioespaciais da Ciência Geográfica, ele envolve a dimensão cultural-simbólica que Souza
(2013) descreve pelas questões de identidade, salientando a importância enquanto espaços
vividos e percebidos pelos seus indivíduos. Logo, a análise da vulnerabilidade necessita
aprofundar a dimensão social e humana que está inserida no desastre e esta só é alcançada
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quando prioriza “o papel das comunidades e indivíduos nos estudos da vulnerabilidade”
(MURARA, 2016).
Tunner et al. (2003) considera que o entendimento da vulnerabilidade é complexo,
pois a vulnerabilidade é multifacetada, visto que é composta por um sistema de ligações de
diferentes escalas espaço-temporais, envolvendo processos estocásticos e, unindo ligações
humanas e biofísicas. No entanto, para o mundo real, nas pesquisas acadêmicas, é
necessária uma avaliação “reduzida” (delimitada) sobre as facetas que interferem na
vulnerabilidade.
Para esse mesmo autor, a qualidade da análise e compreensão da vulnerabilidade
aumenta quando se:
Analisa o sistema humano-ambiente acoplado;
Identifica um pouco da complexidade e interconectividade dos componentes
envolvidos na vulnerabilidade em questão;
Apresenta as escalas envolvidas no problema da vulnerabilidade, mas oferece a
compreensão da vulnerabilidade de um determinado local;
Facilita a identificação de interações críticas no sistema humano-ambiente que sugere
resposta a serem utilizadas por gestores;
É aberta para a utilização de dados quantitativos e qualitativos.
Nesta mesma perspectiva, a vulnerabilidade pode ter origem a partir de disfunções
adaptativas que surgem do processo de interação entre uma comunidade de indivíduos e o
meio físico. Trata-se de desafios que a comunidade deve superar para obter um modo de
vida adequado, estável e sustentável no tempo. Portanto, a vulnerabilidade deve ser
abordada sob a ótica de sua dinamicidade que se altera a partir da adaptação de uma
comunidade frente ao fenômeno que a insere nesta categoria de vulnerável (OLIVER-
SMITH, 1999).
Porém, é preciso cuidado para não onerar os indivíduos e desonerar os responsáveis
por essa vulnerabilidade que pode ser entendida como socialmente construída e, desta
forma, pode ser identificada pelos seus autores ou atores sociais.
Deschamps (2008) discute que, no âmbito da família, a vulnerabilidade é vinculada
à capacidade de resposta daqueles indivíduos e dos ajustes frente às condições adversas.
Neste sentido, perpassa a habilidade que as famílias possuem em mobilizar-se para enfrentar
um determinado desastre. Portanto, indivíduos desprovidos de relações pessoais e com
pouca capacidade para manejar seus recursos, podem ser identificados e/ou categorizados,
possivelmente, como mais propensos à vulnerabilidade diante de qualquer mudança
ocorrida em seu entorno imediato (DESCHAMPS, 2008).
Considerar os lugares mais ou menos vulneráveis a determinado fenômeno
pressupõe que os riscos e os perigos que atuam em uma localidade são originários tanto de
fora quanto de dentro do sistema analisado (TURNER et al., 2003) e, portanto, esta
abordagem considera que, assim como os espaços são socialmente construídos, a
vulnerabilidade também o é.
Ainda dentre os estudos de vulnerabilidade, Adger (2006) realizou levantamento das
diferentes abordagens do conceito. O autor conclui que a vulnerabilidade é frequentemente
constituída por componentes que incluem a exposição a perturbações ou tensões (stress)
externas, sensibilidade (suscetibilidade) à perturbação e a capacidade de adaptação (IPCC,
2001; CEPAL, 2002; TURNER et al., 2003; ADGER, 2006).
Marandola Jr. e Hogan (2006) vão ao encontro de Adger (2006), entendendo a
vulnerabilidade a partir da análise da exposição ao risco; a capacidade de reação; e do grau
de adaptação diante da materialização do risco. Os autores destacam ainda as duas últimas
componentes como a capacidade de resposta aos riscos e eventos danosos: “Estes
elementos que promovem a absorção do impacto do risco/perigo podem ser entendidos em
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termos de capacidade de resposta, que é um dos principais elementos componentes da
vulnerabilidade” (MARANDOLA JR. e HOGAN, 2006, p.34).
Logo, faz-se necessário apresentar e detalhar os aspectos que possam ser
considerados na tríade da análise da vulnerabilidade: exposição, sensibilidade e capacidade
de adaptação.
EXPOSIÇÃO
Adger (2006) define a exposição como natural à intensidade do stress ambiental ou
sociopolítico experimentado por um sistema. Desta forma, é preciso a compreensão da
magnitude, frequência, duração e a abrangência de um desastre para posterior identificação
de determinada população exposta.
Uma população pode ser considerada vulnerável à ocorrência de um desastre a
partir da identificação de sua exposição a determinado risco, de modo que o mesmo se
encontre incapaz de agir diante da ameaça iminente e, por consequência, não possui meios
para adaptar-se à situação (ao risco) em que se encontra; que está exposto (BLAIKIE et al.,
2003).
Esteves (2011) nos lembra de que a exposição é um componente multifacetado que
se diversifica conforme a problemática analisada. Portanto, estará exposto à inundação
quem habita as menores cotas altimétricas às margens de um rio, quando comparado
àqueles que se encontram, por exemplo, habitando distante do canal fluvial e em altitudes
superiores à cota de inundação. Diferentemente, ocorreria num episódio de deslizamento de
terra, onde a população que reside em uma encosta de morro estaria mais exposto ao
referido desastre, ou seja, em ambos apresenta-se uma exposição espacial frente ao
desastre.
Portanto, embora as sociedades estejam expostas a diferentes riscos, em função de
dinâmicas (aparentemente) naturais, que podem se configurar em perigo e/ou desastres, há
que considerar que a exposição ao risco possui também um viés social. Há circunstâncias
econômicas e políticas que determinam pessoas a viver em localidades conhecidas pelos
riscos. Há que considerar que a exposição é resultado de fatores socionaturais e, portanto,
dinâmicos, variando através das escalas temporais e espaciais.
Desta forma, os indivíduos e as comunidades são diferencialmente expostos e
vulneráveis com base nas desigualdades expressas através de níveis de riqueza e educação,
deficiência, e estado de saúde, bem como sexo, idade, classe e outras características sociais
e culturais (IPCC, 2012). Ou seja, são expostos socialmente, com base nas diferenciações
intrínsecas da produção do espaço e das relações sociais existentes.
SUSCETIBILIDADE
De acordo com Almeida (2012), a suscetibilidade é associada à chamada
vulnerabilidade social. Esta entendida pelos condicionantes que refletem um potencial para
a perda que, em função das perversas condições de desigualdades socioespaciais
contribuem para o processo de “produção” da vulnerabilidade.
Adger (2006) utiliza o termo sensibilidade (identificado como suscetibilidade), que se
expressa destacando o papel qualitativo na identificação, na medida em que um sistema
humano ou natural pode absorver impactos, ou seja, como as populações e os indivíduos
são sensíveis ou afetados por perturbações. Trata-se da identificação de como os indivíduos
podem responder a um distúrbio externo (GALLOPIN, 2006).
Serão suscetíveis a um desastre aqueles indivíduos identificados por sua qualidade
de vida, ou seja, por suas características sociais. O que, de modo geral, possibilita uma série
de discussões acerca dos elementos e fatores que caracterizam a qualidade de vida das
pessoas. Porém, para a análise da suscetibilidade o foco se dá sobre as características e
condições sociais que influenciarão na capacidade de resposta ao referido evento. Portanto,
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a suscetibilidade está intrinsicamente associada com a exposição. Mais que estar exposto a
um desastre, as condicionantes sociais influenciarão nas condições e no modo como as
pessoas lidam com o referido evento.
Desta forma, a suscetibilidade é analisada por meio da seleção de indicadores que
contribuem para a compreensão e avaliação da capacidade de respostas aos perigos
naturais (CUTTER, 2003; CUTTER e FINCHE, 2008; ALMEIDA, 2012). Trata-se, portanto,
de um diagnóstico dos indivíduos de uma área de estudo que, devido as suas condições
socioeconômicas, serão identificados pela maior ou menor possibilidade de lidar com o
impacto de um perigo.
Geralmente os grupos caracterizados com poucos recursos financeiros são mais
vulneráveis a ocorrência de um desastre, pois carecem de dinheiro para novos investimentos
com a finalidade de diminuir os riscos, ou posteriormente recuperar-se do mesmo. Em nível
mundial, os países mais pobres são os que apresentam menor capacidade de reação e
adaptação aos riscos. De modo que a sociedade com alto poder aquisitivo tem capacidade
financeira de se regenerar de um desastre, mas a sociedade com baixa renda, desprovida de
políticas públicas e com saúde debilitada é mais vulnerável aos desastres (MENDONÇA,
2010; ESTEVES, 2011; FRERKS et al., 2011).
Apesar disto, mesmo nos países mais pobres, a desigualdade econômica entre a
população faz com que indivíduos ou grupos sociais estejam mais ou menos suscetível ao
risco.
De maneira geral, há um consenso dentro da comunidade das ciências sociais sobre
alguns dos principais fatores que influenciam na vulnerabilidade social, como muitas vezes é
identificada e conceituada a suscetibilidade. Entre alguns fatores, citamos: a falta de acesso a
recursos (incluindo informação, conhecimento e tecnologia); acesso limitado ao poder
político e de representação social, incluindo as redes e conexões sociais; crenças e costumes;
idade; pessoas mais debilitadas fisicamente; e tipo de infraestrutura presente no local. A
discussão científica surge na escolha de variáveis específicas para representar a
vulnerabilidade de um determinado risco e/ou lugar denotando desvantagens sociais
(CUTTER, 2003; ALMEIDA, 2012).
Portanto, o entendimento da suscetibilidade é pautado na mensuração das
condições socioeconômicas das pessoas, por meio da identificação de fatores que
contribuam para a vulnerabilidade daqueles que estão sujeitos a ocorrência de um desastre.
No entanto, a discussão sobre a suscetibilidade não cessa aqui, uma vez que essa
caracterização da população para a compreensão da suscetibilidade foi pautada de muita
discussão no GEDN. Identificamos nesta possibilidade de conceituação um caráter
determinista que a partir das pesquisas que estavam em desenvolvimento se revelou, de
fato, efetiva na proposta. Citamos o exemplo do estudo realizado por Murara (2016) que
analisando os desastres por inundações na área urbana de Rio do Sul, no estado de Santa
Catarina, identificou que os indivíduos expostos às inundações e com menor poder
aquisitivo eram os que possuem melhores condições de lidar com os eventos de inundações;
assim como os mais idosos, por sua experiência frente ao evento, desenvolviam medidas
paliativas e ações práticas diante da iminência de um novo episódio de inundação. Portanto,
a suscetibilidade (vulnerabilidade social) dos desastres ainda é um tema que precisa e
merece ser mais bem desenvolvido e debatido.
CAPACIDADE DE ADAPTAÇÃO
A capacidade de adaptação é a condição que um indivíduo ou comunidade tem de
alterar-se para acomodar os danos resultados dos riscos ambientais ou de mudança política,
expandindo a gama de variabilidade com qual tem que lidar (ADGER, 2006).
Segundo o IPCC (2001) trata-se da capacidade de um sistema para ajustar-se às
mudanças climáticas (incluindo variabilidades climáticas e extremos) para moderar danos
potenciais, aproveitar as oportunidades, ou para lidar com as consequências.
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Blaikie et al. (2003) reforçam a análise da capacidade adaptativa de uma população
para identificar a vulnerabilidade. Segundo os autores, é necessário compreender as
características individuais ou de um determinado grupo no que concerne à sua capacidade
para antecipar, sobreviver, resistir e recuperar-se do impacto de uma ameaça ou perigo.
Assim, os estudos de vulnerabilidade necessitam identificar na população (ou nos grupos
sociais) a sua capacidade de antecipar-se à ameaça eminente, acompanhando o seu
desenvolvimento e sua possibilidade de resistir e recuperar-se diante de ameaça.
É preciso destacar que a capacidade adaptativa não é sinônimo de resiliência.
Embora sejam conceitos que se relacionam; a resiliência, de modo geral, é entendida pelo
retorno as condições anteriores, pré-existentes, após ser impactada/vitimada por um desastre
(MENDONÇA, 2014).
No entanto, a capacidade de adaptação apresenta dois vieses: intrapessoal e
interpessoal. O primeiro compreende o indivíduo, analisando como detentor de habilidades
para acomodar ou adaptar-se a um evento perigoso (inundação, seca, tornado, ressaca,
entre outros). Logo, por adaptação intrapessoal entendemos as ações que os indivíduos que
habitam uma área sujeita a um risco realizam quando da possibilidade, desenvolvimento e
repercussão de um evento perigoso (MURARA, 2016).
O segundo viés, adaptação interpessoal, é caracterizado como externa ao indivíduo,
diz respeito às instituições, governança e órgãos de gestão que atuam (ou deveriam atuar)
junto à população sujeita a um risco (MURARA, 2016).
Neste contexto, a capacidade adaptativa diz respeito a um impacto no futuro,
enquanto a suscetibilidade é uma característica inerente ao sistema que responde no
presente. Portanto, o conceito de vulnerabilidade não trata pura e simplesmente da
exposição da população aos riscos e perturbações, mas deve considerar necessariamente a
capacidade dos indivíduos, das populações em lidar com desastres e, portanto, adaptar-se às
novas circunstâncias.
Os três componentes aqui apresentados, embora de maneira fragmentada, podem
ser abordados como integradores para a análise da vulnerabilidade a eventos perigosos.
Para ilustrar melhor a proposta, apresenta-se um exemplo hipotético dos conceitos
apresentados:
Exemplo: Uma família que passa a viver em um domicílio localizado em uma
planície aluvial, sujeita à inundação (exposição), habita uma residência de
madeira, típica e recorrente na região (suscetibilidade). Essa família desconhece
o histórico de inundações daquele ambiente e, portanto, não sabe como lidar
com o aumento do nível do rio (capacidade adaptativa interpessoal). Locada em
um município que não consta com auxílio da Defesa Civil ou algum órgão
institucional (capacidade adaptativa interpessoal), estará com menor
disponibilidade de meios para lidar e reparar os danos de uma inundação.
Ou seja, neste breve e hipotético exemplo, temos a definição de uma família que se
encontra vulnerável à inundação. No entanto, um destes fatores e/ou elementos, pode ser
alterado e, desta forma, a efetiva vulnerabilidade não se concretiza.
A família do exemplo anterior, quando comparada com seus vizinhos que possuem
casa de alvenaria, embora ambas estejam expostas, apresentarão suscetibilidades diversas.
Ou ainda, quem são as pessoas que moram nestas residências? Vale lembrar que crianças e
idosos são mais suscetíveis que adultos e jovens, por exemplo. Ou quem sabe, o município
possua um órgão como a Defesa Civil, que bem organizado e atuante no município, efetive
o resgate destas famílias. Logo, a alteração de um dos componentes que constitui a
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vulnerabilidade altera significativamente a vulnerabilidade da população e, em alguns casos,
pode salvar vidas.
No entanto, é importante lembrar-se da escala espacial de análise. Segundo Gallopín
(2006), se consideramos que há na análise de um desastre perturbações internas e externas
que atuam e influenciam na ocorrência de um evento, é necessário também ater-se à escala
de análise do objeto e/ou área de estudo. São diferentes os elementos e variáveis que devem
ser considerados para analisar a vulnerabilidade de um setor censitário (bairro) e um país,
por exemplo.
As considerações de Gallopín (2006) quanto à escala de análise são pertinentes.
Uma análise da vulnerabilidade de um bairro, no qual é possível identificar as características
dos indivíduos que ali habitam, poderá ser efetuada por meio de entrevistas. No que
concerne uma cidade ou um município, dependendo de sua espacialidade, será mais difícil
ou impossível realizar tal abordagem. Embora haja possibilidade de análise de amostras ou
seleção de indivíduos quanto às diferentes técnicas de entrevista, esta já estará
homogeneizando o objeto de estudo. No mais, a análise e/ou comparação da
vulnerabilidade entre estados e países não possibilitará a aplicação desta técnica. Neste
contexto que, baseado em Gallopín (2006), definida uma área de estudo da vulnerabilidade,
diferentes elementos e variáveis serão utilizados para análise da mesma.
Outro fator importante que impacta na capacidade adaptativa é o intervalo de
ocorrência de um evento perigoso. Quando o intervalo desse evento é relativamente curto
verificam-se mais esforços em busca de adaptação, enquanto que em eventos caracterizados
por um longo período de retorno apresentam medidas adaptativas esporádicas. Desta
forma, “comunidades que convivem com alta frequência de eventos geram respostas
mitigativas mais efetivas que outras” (MATTEDI e BUTZKE, 2001, p. 6).
Nesse mesmo viés, Esteves (2011) salienta que quando um desastre tem uma
sazonalidade determinada, a sociedade em risco pode se prevenir para tal, no entanto
quando não há sazonalidade os indivíduos se tornam mais suscetíveis. A estiagem no oeste
catarinense, por exemplo, se apresenta de maneira esporádica, ocorrendo somente em
alguns anos e sem um período definido, assim, amplia-se a possibilidade da população e
instituições criarem medidas adaptativas esporádicas.
POR UM APORTE TEÓRICO METODOLÓGICO DA VULNERABILIDADE AOS
DESASTRES
Diante do apresentado e na busca da aplicabilidade na análise dos desastres, nossa
perspectiva atual direciona para a identificação da vulnerabilidade a um evento perigoso
com intuito de compreender a exposição de uma população frente ao fenômeno
impactante, analisar sua suscetibilidade ao evento e verificar a(s) capacidade(s) de
adaptação dos indivíduos. Portanto, uma população sujeita e exposta a um recorrente
fenômeno, não pode ser considerada vulnerável. Esta população pode estar sujeita ou,
ainda, suscetível a determinado fenômeno. Porém, a sua vulnerabilidade só poderá ser
constatada e analisada a partir do estudo integrado dos componentes da vulnerabilidade.
Porém, a dificuldade de aplicabilidade do conceito de vulnerabilidade reside na sua
efetivação de análise. Conforme apresentado até o presente, trata-se de uma abordagem
holística, de uma integração multidisciplinar das ciências naturais, sociais e exatas para
compreensão das circunstâncias que colocam populações e locais em risco de desastres
(CUTTER, 2011).
A operacionalização do conceito de vulnerabilidade não é de fácil aplicabilidade em
função da dificuldade de obtenção de dados adequados, e ainda, da seleção dos mesmos,
uma vez que estes padronizam o conceito de tal forma que deverá servir de comparação
para outras localidades e outros estudos. E ainda, há que se considerar a escala de análise, o
detalhamento, como é geralmente nos casos em que ocorrem e determinam-se os eventos
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extremos (climáticos). Operacionalizar a vulnerabilidade em um bairro ou em um país
compreende diferentes variáveis devido à escala de análise.
Nas palavras de Cutter (1996) “vulnerability is conceived as both a biophysical risk
as well as a social response, but within a specific area or geographic domain”, portanto,
pesquisas com foco na vulnerabilidade têm o grande desafio de encontrar métricas
adequadas para sua avaliação. Estas devem ser pensadas sobre os processos sociais e
resultados materiais a partir da análise de sistemas que, por muitas vezes, são de difícil
definição (ADGER, 2003; CUTTER e FINCH, 2008).
Pesquisas sobre o mapeamento da vulnerabilidade avançam na validação e
triangulação de dados para obter medidas exatas e próximas da realidade objetivando como
produto final a análise de políticas e de intervenção. O mapeamento, na maioria das vezes,
envolve o cruzamento e comparações de indicadores mapeados espacialmente (ADGER,
2006).
Uma crítica comum de investigação estatística comparativa, especialmente focada
em análise na escala do país, é que ela não capta a diferenciação social e espacial da
vulnerabilidade das condições locais que mediam a capacidade de adaptação (CUTTER,
2003). Mais uma vez retorna aqui a problemática da escala de análise, pois até mesmo na
escala local, a partir de setores censitários, por exemplo, há a possibilidade de diferenciação
social no espaço restrito.
Cutter (2003) comenta que uma das dificuldades é a inexistência de mapeamentos
de áreas de risco em escalas detalhadas que sejam acessíveis à população. Mesmo quando a
informação existe nem sempre é divulgada de maneira acessível. Assim, dois elementos são
fundamentais para que se avance neste sentido: o efetivo mapeamento das áreas de
ocupação humana, para fins residenciais ou produtivos, que estão em situação de risco e a
possibilidade de acesso direto a essas informações.
A técnica de mapear auxilia no reconhecimento de áreas sujeitas aos riscos que
podem ser potencializados pelas mudanças climáticas e a planejar ações em casos de
incidência de eventos extremos. Entretanto, é importante salientar que o mapeamento em si
não é a solução para os problemas relacionados com a vulnerabilidade, trata-se de uma
técnica e, portanto, não implica necessariamente em evidenciar as origens do problema,
nem em apontar soluções.
Esses dois aspectos centrais (gênese e solução dos problemas) possuem um cunho
social e político, que necessita de um referencial teórico e metodológico sólido das Ciências
Sociais para ser compreendido. Evidencia-se assim a necessidade de abordagens que sejam
interdisciplinares, de maneira a tornar possível o conhecimento capaz de subsidiar políticas e
ações sociais efetivas.
Diante do exposto, e compreendendo as limitações de cada pesquisa, visto que a
análise da vulnerabilidade é complexa e multifacetada. Sugere-se, assim, como proposta de
estudo baseada em pesquisa quanti-qualitativa que integre os três componentes da
vulnerabilidade. De modo que uma análise quantitativa pode ser feita para identificar a
suscetibilidade da população a um evento perigoso. Aliado a uma pesquisa qualitativa
sobre as medidas adaptativas utilizadas pela população atingida e instituições relacionadas
aos desastres, como Defesa Civil, Corpo de Bombeiros, secretarias municipais, entre outros.
Segundo Duarte (2004) a entrevista permite ao pesquisador fazer uma espécie de
mergulho em profundidade, mapeando práticas, valor e crenças sociais, assim como,
contradições entre os entrevistados. Isso indica que a entrevistas pode dar um melhor
direcionamento ao levantamento de dados, referentes à capacidade adaptativa, pois a partir
delas é possível identificar resposta de enfrentamento durante um evento perigoso e medidas
de prevenção.
Diante do exposto, nossa perspectiva da abordagem da vulnerabilidade humana aos
desastres não pretende esgotar o debate. A constante busca pela compreensão conceitual,
teórico-metodológica abre um leque de possibilidade de investigação, tornando está ciência
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a cada dia mais investigativa. Por fim, temos apostado na perspectiva de Adger et al. (2004),
que após discussão da abordagem do conceito de vulnerabilidade concebido pelo IPCC,
concluem ser mais prudente evitar o uso da palavra “vulnerabilidade” sem mais explicações,
fazendo-se necessário especificar a que tipo de vulnerabilidade estamos nos referindo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No intuito de apresentar a gênese da discussão teórico-metodológica da
vulnerabilidade humana aos desastres, o presente texto resulta de alguns debates
desenvolvidos em âmbito do Grupo de Estudos de Desastres Socionaturais (GEDN), da
Universidade Federal de Santa Catarina, que até o ano de 2016 era coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Magaly Mendonça.
Não é nosso objetivo esgotar aqui a discussão acerca dos conceitos de desastres,
vulnerabilidades, suscetibilidades, capacidades adaptativas, entre outros; destacamos aqui
apenas alguns pequenos avanços que efetuamos no GEDN enquanto estudiosos e
pesquisadores de diferentes áreas de atuação, assim como, com diferentes experiências
profissionais que se dedicaram na busca de novas perspectivas de compreensão e análise
dos desastres.
Embora a discussão do tema suscite considerar as diferentes escalas de análise
espacial e geográficas da problemática apresentada, evidencia-se que nosso debate e as
perspectivas desenvolvidas permeiam a escala local justificando, portanto, metodologias
diferenciadas quando comparada com outras abordagens da vulnerabilidade aos desastres.
A abordagem da vulnerabilidade ainda apresentará outras possibilidades de
abordagem e aplicabilidade em âmbito do Grupo de Estudos de Desastres Socionaturais,
por meio de novas pesquisas e estudos que estão em desenvolvimento e que irão se
desenvolver ao longo do tempo. Acreditamos que ao finalizar desta primeira etapa de
conclusão dos trabalhos de graduação, mestrado e doutorado que tiveram participação da
professora Magaly Mendonça, fse fazem necessárias novas discussões e debates acerca dos
avanços teóricos e metodológicos desenvolvidos no âmbito do GEDN.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a possibilidade de contribuir com o debate desenvolvido no GEDN,
mas principalmente com a eterna orientadora Prof.ª Dr.ª Magaly Mendonça. Muito do
apresentado aqui é resultado de conversas e discussões que travamos durante deliciosas
tardes de café no apartamento de nossa orientadora que tão precocemente não pode
acompanhar os últimos momentos de nossas trajetórias de formação.
REFERÊNCIAS
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7. AVALIAÇÃO DA VULNERABILIDADE DO MEIO RURAL AOS EVENTOS
METEOROLÓGICOS EXTREMOS E A MUDANÇA CLIMÁTICA NA BACIA
HIDROGRÁFICA DO RIO ARARANGUÁ
Nathan S. Debortoli1
Sung Chen Lin2
Marina Hirota3
RESUMO
Este artigo analisa a vulnerabilidade e a capacidade de adaptação do meio rural frente aos
eventos meteorológicos extremos da Bacia do Rio Araranguá (BHRA) que abrange 16
municípios do sul catarinense. O estudo teve como foco o município de Araranguá,
epicentro do Furacão Catarina (primeiro furacão registrado na América do Sul) ocorrido em
27-28 de março de 2004. A análise foi realizada no período de 2014-2016 e envolveu
produtores rurais, representantes do Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do
Rio Araranguá (CGBHRA) e agentes institucionais dos setores da agropecuária e proteção e
defesa civil que atuam na região. Descreve a vulnerabilidade frente à exposição aos eventos
extremos meteorológicos, degradação ambiental e condições socioeconômicas e
institucionais locais, incluindo medidas adaptativas adotadas nas instâncias governamentais
e das comunidades. Foram realizadas entrevistas com atores locais com foco em suas
percepções quanto à ocorrência de eventos meteorológicos extremos e às mudanças
climáticas, além da governança local. Ao fim, é feita uma análise da exposição climática
futura da BHRA com base em cenários apresentados pelo relatório AR5 do IPCC (Painel
Intergovernamental para as Mudanças Climáticas - sigla em inglês), bem como
recomendações para a prevenção de desastres sócioclimáticos e o fortalecimento da
capacidade adaptativa local.
Palavras-chave: vulnerabilidade; adaptação; eventos extremos.
INTRODUÇÃO
CARACTERÍSTICAS FÍSICAS E CLIMÁTICAS DA BHRA
A BHRA está localizada na região sul do estado de Santa Catarina (SC), entre as
latitudes 28°26’S e 29°07’S e longitudes 49°14’W e 50°01’W em altitudes que variam de 0 a
aproximadamente 1.500m (PAULINO et al., 2010) (Figura 1). Nas proximidades do sopé da
escarpa até o topo da serra, o desnível varia de 200m a mais de 1.400m, com declividade
superior a 45°. Tendo em vista a expressiva variação de altitude, o clima da BHRA
apresenta diferentes características com relação ao regime de chuvas e temperatura (KREBS,
2004; MONTEIRO, 2007; COMASSETO, 2008). Condicionado pelas chuvas orográficas, a
área de altitudes elevadas apresenta maior índice de chuva em relação à área litorânea
sendo a diferença de precipitação entre a encosta da serra e a área litorânea de mais de
50% no verão (MONTEIRO, 2001; RODRIGUES et al., 2004; MONTEIRO, 2007) (Figura
2C). Com relação à temperatura, áreas de altitudes mais elevadas (nas bordas do planalto e
nas escarpas da serra) apresentam valores menores em relação à área litorânea. Pelo
enquadramento no sistema de classificação climático de Köeppen, a BHRA apresenta clima
1Dr. em Geografia (Université de Rennes II), Pós-Doutor no Laboratório de Adaptação às Mudanças Climáticas
(McGill University) - (nathandebortoli@gmail.com). 2Pedagoga (UNICAMP), Mestre em Educação (UNICAMP), Dr.ª em Geografia (UFSC), LabClima – GCN/UFSC,
Agência de Desenvolvimento Regional de Araranguá (ADR). 3Dr.ª em Meteorologia (INPE), Prof.ª Dr.ª da Universidade Federal de Santa Catarina (CFM/UFSC).
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Cfa - mesotérmico, com temperaturas médias do mês mais frio abaixo dos 18°C e acima de
3°C, sem estação seca distinta e com temperaturas médias de 28°C, nos meses mais quentes
(KREBS, 2004; COMASETTO, 2008) (Figura 2B).
Figura 1 - Localização geográfica e altitudes médias em metros (m) da Bacia do Rio Araranguá no sul
catarinense.
A bacia possui uma área de drenagem de 3.089,10 km² que compreende 16
municípios, dos quais 10 estão inseridos totalmente na bacia (Maracajá, Meleiro, Morro
Grande, Nova Veneza, Siderópolis, Timbé do Sul, Treviso, Turvo, Ermo e Forquilhinha) e
seis parcialmente (Araranguá, Balneário Arroio do Silva, Balneário Rincão, Criciúma Içara e
Jacinto Machado) (SANTA CATARINA, 2014). Nas porções do relevo que constituem as
escarpas da serra, a vegetação é exuberante, característica da Mata Atlântica (Figura 2A).
Sob influência da altitude e do clima úmido, a cobertura florestal original é formada por
matas de araucária, que com a drástica redução, foi tomada pela vegetação gramínea. Nas
escarpas da serra, devido a difícil acessibilidade, a vegetação florestal desse compartimento
está bastante preservada, sendo que áreas mais baixas foram desmatadas, especialmente
para o cultivo de banana (MARCELINO et al., 2004). Na planície costeira, a Mata Atlântica
original foi completamente substituída por atividades agropastoris (predominantemente pela
rizicultura), por vegetação secundária e pela urbanização (MARCELINO et al., 2004) (Figura
2E).
O plantio de arroz na região foi introduzido por imigrantes italianos por volta de
1880, mas foi a partir do Programa de Aproveitamento das Várzeas (PROVÁRZEA), criado
pelo governo federal em 1981, que houve aumento da produção, sendo que a técnica
agrícola utilizada (sistema irrigado) introduziu práticas que modificaram o padrão de
drenagem e a morfologia dos terrenos, além de implicar na utilização de recursos hídricos
em larga escala. A técnica utilizada também recorre à compactação do solo para a retenção
de água nas canchas de plantio, comprometendo a capacidade de infiltração da água no
solo. A morfologia dos terrenos foi alterada, na medida em que relevos residuais
remanescentes de espigões alongados que se projetaram das escarpas da serra em direção
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às planícies costeiras (morros testemunhos) foram arrasados, restando poucos que se
destacam na paisagem plana (Figura 2D). Além disso, políticas associadas ao programa
PROVÁRZEA para aumentar a área de plantio incentivaram o avanço sobre as matas
ciliares.
Figura 2 - Limites dos municípios da BHRA. A - Cobertura vegetal para 2012 (SOS/Mata Atlântica/PRODES); B -
Temperatura em ºC (Média durante 1961-1990) (INPE); C - Precipitação em mm (Média durante 1961-1990)
(INPE); D - Tipos de topografia (IBGE); E - Classificação do uso da terra (MMA/IBGE, 2015); F - Demanda de
Água (ANA, 2015; 2010).
PERFIL DA AGRICULTURA E DOS RECURSOS AMBIENTAIS NA BHRA
Em 2010 aproximadamente 431.163 habitantes viviam na bacia do rio Araranguá
sendo 368.868 em áreas urbanas e 62.295 em áreas rurais (85% e 14%, respectivamente)
(IBGE, 2015). Os grupos étnicos predominantes na região são de origem italiana, alemã e
portuguesa (Ilhas Açorianas). As principais atividades em ordem de importância são:
agricultura, mineração, silvicultura, indústria cerâmica, indústria da roupa, turismo e
comércio. A área agrícola cobre cerca de ≅ 36% da BHRA e as pastagens ≅ 17%. As
atividades agrícolas mais comuns incluem a plantação de arroz sazonal e o tabaco,
juntamente com o milho, vegetais e culturas permanentes, como frutas. A pecuária é feita
com vistas na produção de carne e produtos lácteos. O aglomerado da produção é
desenvolvido por meio de práticas tanto tradicionais quanto orgânicas.
A figura 2E ilustra a classificação feita pelo IBGE/MMA (2015) que determina os usos
da terra na região. A cor verde indica regiões de matas nativas e florestas plantadas, a cor
amarela indica pastagens e culturas, e o rosa regiões onde a urbanização domina a
paisagem. As áreas de montanha mais ocidentais estão preservadas devido à
inacessibilidade da agricultura mecanizada. A planície central é utilizada principalmente para
pastagens e culturas (arroz, tabaco e feijão) e as áreas costeiras densamente urbanizadas são
dedicadas às atividades de turismo. Criciúma o maior município da região é também o
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maior centro urbano seguido pelos municípios de Içara e Araranguá. As regiões peri-urbanas
da BHRA estão bastante degradadas, principalmente devido à extração mineral, a produção
cerâmica e o carvão vegetal (MILIOLI, 1994). Os solos da região apresentam uma forte taxa
de degradação incluindo processos de salinização. A presença de grandes áreas de arroz em
todo o vale de Araranguá também contribui para o aumento do escoamento que diminui a
capacidade de infiltração do solo. Isto ocorre porque o cultivo de arroz nesta região é
irrigado, mantendo o solo saturado e coberto com níveis de água em torno de 10 cm de
outubro a novembro (época do plantio) e de fevereiro a março (época da colheita). A
salinização e a degradação do solo produzem diferenças nos preços da terra. Nos municípios
ao sul da BHRA o número de áreas agrícolas é maior se comparado ao norte. A maioria das
propriedades é composta por áreas de 3-10 hectares e a produção de culturas temporárias é
dominante quando comparada a culturas permanentes.
Durante as últimas cinco décadas a porcentagem de pessoas que vivem no campo
em SC caiu de 77% para 16% (de acordo com os dados do exílio rural do estado). Na
região da BHRA a situação não é diferente, já que muitos jovens abandonaram as áreas
rurais para buscar trabalho nas regiões metropolitanas. As atividades rurais se tornaram
menos significativas para as novas gerações. Esta informação foi divulgada durante uma
reunião de jovens empreendedores rurais pela agência EPAGRI/CIRAM4
em 2015, o que
preocupou o governo estadual. Agora, o estado de SC encoraja a permanência dos jovens
no campo. A fim de estimular e promover a tradição da agricultura familiar que representa
70% da produção agrícola em SC foi desenvolvido um programa governamental focado em
tecnologia e treinamento. Durante a primeira fase do programa 1.592 jovens foram
beneficiados com 50% de desconto em equipamentos de informática. Também como parte
dos objetivos do projeto, um curso de treinamento em liderança, gestão, e
empreendedorismo formou 966 jovens durante 23 edições.
DISPONIBILIDADE DE ÁGUA NA BHRA
Embora a precipitação, segundo a sua média mensal, distribua-se de maneira
uniforme durante o ano na BHRA, com menor precipitação nos meses de abril, maio, junho
e julho (PIAVA SUL, 2011), a água pode tornar-se inacessível devido contaminação dos rios
(causada pela indústria de mineração, uso de agrotóxicos e do lançamento de esgoto
sanitário e efluentes industriais), períodos prolongados de estiagem, demanda elevada para
uso de água na agricultura, destruição de nascentes, bem como de vegetação ribeirinha,
além da salinização do rio devido episódios de elevação da maré (ALEXANDRE, 1999). Em
períodos de estiagem, ocorrem conflitos entre agricultores cujas terras estão mais próximas
ou mais distantes das áreas de suprimento. Nesses períodos, os agricultores que possuem
terras mais distantes, além de receberem água poluída, sofrem mais com a falta d’água. Para
administrar o impasse, a distribuição de água é controlada por associações de irrigantes
(SCHEIBE et al., 2010).
A intrusão de água salgada é um dos principais problemas na BHRA. A influência da
cunha salina do rio Araranguá pode chegar a 45 km de extensão (ALTHOFF, 2003),
prejudicando a agricultura e comprometendo o abastecimento dos aquíferos ao restringir a
qualidade geral da água, especialmente em áreas de cota baixa próximos às áreas costeiras
onde os lençóis freáticos apresentam, de maneira geral, profundidade rasa. A BHRA é
geralmente abastecida pela infiltração direta de água da chuva e os aquíferos locais podem
ser alcançados através de poços pouco profundos (EMBRAPA, 2004). Próximo à área
costeira, a água salobra é comum devido ao uso excessivo de aquíferos costeiros, levando à
contaminação da água do mar em alguns municípios. É o que acontece com frequência no
município de Araranguá, onde foram criados valos comunitários (canais retificados) ligados
4Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina/Centro de Informações Ambientais e de
Hidrometeorologia.
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aos mananciais de água para abastecer e drenar as canchas de arroz. Associado a instalação
de comportas em pontos estratégicos do rio Araranguá, esse mecanismo também serve para
impedir a entrada de água salobra nos campos de arroz e retardar a chegada da água em
áreas de cotas baixas ocupadas pela população ribeirinha em eventos extremos de chuva.
Dado que geralmente a altura de marés pode ser prevista com base na ação dos ventos e na
agitação marinha, técnicos da EPAGRI orientam os produtores para plantio do arroz em
épocas diferenciadas, fugindo das épocas de maior concentração salina (ALTHOFF, 2003).
Em estudo desenvolvido pela Agência Nacional de Águas (ANA) (Figura 2F), que
identificou e classificou pontos de captação pública de água por tipologia de recargas
superficiais e subterrâneas, disponibilidade de água e qualidade da água, os municípios que
compõem a bacia hidrográfica do rio Araranguá estão organizados em duas classes
tipológicas: (1) sistemas integrados e (2) sistemas isolados (superficiais ou subterrâneos).
Para compreender a qualidade das fontes de água em relação às condições de água e
demanda de água nesses municípios, a ANA diagnosticou e verificou o status das fontes de
água e dos sistemas de produtores de água para atender às futuras demandas de água.
Quando a fonte de água e o sistema de produção apresentavam condições favoráveis de
atendimento às demandas urbanas até 2015, o abastecimento de água para o município foi
considerado satisfatório. Por outro lado, quando o equilíbrio entre oferta e demanda
apresentou um resultado negativo (déficit), a ANA identificou a necessidade de investimento
e ação para explorar novas fontes, ou a necessidade de adequar os sistemas existentes.
Na BHRA as áreas de planícies de inundação recebem periodicamente camadas de
argila orgânica de sedimentos arenosos. Estes sedimentos podem causar graves problemas
em obras civis e construção de estradas devido à compressão e expansão. Do ponto de vista
geotécnico e hidrológico, áreas críticas devem ser mapeadas e protegidas como reservatórios
naturais. Os assentamentos humanos também devem ser evitados em áreas baixas, planícies
aluviais e paleo-dunas costeiras. Quando a vegetação é suprimida nesses locais, ocorre
erosão intensa do vento e d’água. Além disso, sem um conhecimento adequado, a
construção de poços aumenta a permeabilidade dos sedimentos alterando
consequentemente os níveis das águas subterrâneas, que por sua vez, aumentam a
contaminação de águas subterrâneas.
GESTÃO INTEGRADA E IMPLEMENTAÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE RECURSOS
HÍDRICOS NA BHRA
Com vistas nos problemas ambientais supracitados nas seções anteriores, o Comitê
de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Araranguá (CGBHRA) foi criado pelo
Decreto Estadual nº 3.260 de 11/12/2001, em conformidade com a Lei Estadual nº
9.748/94 e a Lei Federal nº 9.433/97. O processo de mobilização para constituição do
Comitê teve início em 1997, sendo o primeiro no estado. Em 1998, técnicos da
Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC), da Secretaria de Estado do
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (SDM) e do Conselho Estadual de Recursos
Hídricos (CERH) ministraram um curso em recursos hídricos para capacitar as comunidades
locais. No período entre 1999 e 2000 até sua retomada no final de 2000, entidades locais
preocupadas com a desmobilização se articularam e formaram o Grupo de Trabalho pró-
Comitê do Araranguá, o qual promoveu seminários de mobilização e capacitação na região
(dez ao todo). O CGBHRA é constituído por uma Diretoria Executiva e um Conselho
Consultivo e formado por quarenta e cinco entidades governamentais (20%) e não
governamentais, dentre eles, usuários da água (40%) e sociedade civil (40%). A formação
do CGBHRA foi elencada como uma das principais ações para o desenvolvimento
sustentável da região em seminário realizado pelo Fórum Regional de Desenvolvimento do
Extremo Sul Catarinense (FDESC)5
. Em 2014/2015 o CGBHRA finalizou seu Plano de
5Disponível em: <http://www.sirhesc.sds.sc.gov.br/sirhsc/conteudo_visualiza>. Acesso em: maio de 2015.
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81
Recurso Hídrico, a ser implementado nos próximos cinco anos. O Plano encontra-se
disponível na internet6
.
O "Diagnóstico de Capital Social" de 2005 do município de Araranguá indicou a
existência de 269 organizações sociais formais que prestam serviços públicos baseados na
comunidade. Essas associações emergiram principalmente da iniciativa e ação das pessoas
que residem na comunidade concentrando seus esforços para melhorar as condições de vida
de seus cidadãos. O desempenho de muitas dessas organizações reflete a concentração das
demandas sociais pela população, bem como o esforço de alguns voluntários para garantir o
bem-estar e a melhoria das condições de vida dos menos assistidos pelo governo e pela
sociedade. Na BHRA, 45% dessas organizações representam associações comunitárias,
associações de assistência social e associações de bairro; 14% representam clubes
recreativos e de mães; 15% representam grupos de idosos e ativismo religioso (pastoral
infantil, movimentos laicos, etc.); 4% de união; e 3% outros. Porcentagens menores incluem
cooperativas, igrejas, fundações, institutos, movimentos sociais ou populares dedicados a
outras áreas como gênero, trabalho, renda e meio ambiente. Essas organizações prestam
serviços para promover o desenvolvimento social e defender os direitos de seus cidadãos e
atuar na produção de serviços e na implementação de políticas sociais setoriais. Elas têm ao
mesmo tempo funções políticas, sociais e econômicas e são apresentadas em várias formas
legais. Na maior parte, elas estão diretamente envolvidas com grupos de parceria da
sociedade civil sob diferentes nomes, como cooperativas, associações, conselhos, comitês e
clubes.
Devido às condições meteorológicas extremas que afetaram a bacia do rio
Araranguá na última década, mais especificamente após a passagem do furacão Catarina,
liderada pela iniciativa da ONG Sócios da Natureza a sociedade civil organizou e promoveu
em 2005, 2009 e 2014, as edições I, II e III EFAMuC- Fenômenos naturais, Adversidades e
Reunião de mudanças climáticas - sob o lema: “A população afetada quer respostas", "A
população afetada ainda quer respostas", e "10 anos de passagem do furacão Catarina, o
que fizemos para estarmos preparados?". Também desde 2011 o município de Araranguá
faz parte da campanha "Construindo Cidades Resilientes - A Minha Cidade está se
preparando" da Estratégia Internacional para Redução de Desastres (ISDR) e das Nações
Unidas (PNUD). Em 2012, Araranguá participou do Projeto “Adapt” Brasil inserido no
escopo do programa “Climate Change” através do Instituto das Ilhas do Brasil. No mesmo
ano, a comunidade de Araranguá juntou-se à ação global "Turning Points" em referência ao
“Climate Impact Day” que procurou conectar pontos conexos no mundo cujas catástrofes e
tragédias climáticas aconteceram. Esses atos promovem o desenvolvimento de iniciativas
estruturais e não estruturais para a gestão de riscos naturais no município (SUNG, 2014).
HISTÓRICO DOS EVENTOS METEOROLÓGICOS EXTREMOS NA BHRA
Extremos de precipitação têm causado grandes impactos na população do sul de SC,
incluindo inundações bruscas e graduais, além de deslizamento de encostas. A região
também é frequentemente afetada por ventos extremos (MARCELINO, 2006; CEPED,
2012). Estudos apontam que esses eventos extremos são causados, principalmente, pela
passagem contínua de sistemas frontais e pela influência da zona de alta pressão subtropical
no Atlântico Sul. As vertentes do rio Araranguá são conhecidas pelo seu intenso fluxo de
água proveniente de nascentes e riachos. Por exemplo, durante os eventos de precipitação
extrema, o terreno íngreme na parte ocidental da bacia, além de contribuir para a formação
e desenvolvimento de nuvens topográficas (MONTEIRO, 2001; RODRIGUES et al., 2004;
MONTEIRO, 2007) também propicia a descida abrupta de água causando riscos naturais
dentro das áreas da bacia hidrográfica (NILES, 2009; CARBALLO et al., 2013). A
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adversidade climática da região também recebe influência da umidade marítima e atuação
de marés meteorológicas.
Diversos fatores físicos-ambientais são determinantes na ocorrência de eventos
atmosféricos extremos na BHRA, como: processos convectivos e frequente passagem de
sistemas frontais; influência de chuvas orográficas e umidade marítima; nascentes em
elevadas altitudes combinadas com inclinação acentuada das escarpas da serra e curta
distância entre encosta da serra e área litorânea (~ 60 km); rios de leitos rasos na planície
costeira, elevação de maré, de tempestade ou astronômica, que represam a foz impedindo o
escoamento do rio (RUDORFF et al., 2006). Observação empírica local aponta que ondas
de cheias decorrentes de chuvas intensas nas cabeceiras da serra levam em média 18 horas
para alcançar Araranguá, localizado próximo à foz da bacia (NILES, 2009). De outro lado,
atividades antropogênicas como a compactação do solo por atividades agropastoris, a
retilinização de rios para atender demandas da agricultura e o aumento da demanda
agrícola pelo uso da água, em especial pela rizicultura (a rizicultura ocupa 67.000 dos
300.000 hectares da BHRA) (CEPA, 2015), e a ocupação de margens ciliares e o
desflorestamento de encostas, propiciam o carreamento do solo para cursos d'água, e
consequente assoreamento dos rios. Fatores estes que influenciam a ocorrência de
inundações e deslizamentos de terra (COMASSETO, 2008; SCHÄFFER, 2008; NILES
2009).
O ano de 2009 foi um período particularmente crítico para a região, em especial,
para Araranguá com a ocorrência de quatro eventos extremos: inundação em janeiro (1 a 4)
(Figura 3) que elevou o nível do rio em quase quatro metros e meio acima do nível normal,
desabrigou 3.429 pessoas e provocou danos na agricultura, na indústria e no comércio;
inundação em setembro (9 a 11) que elevou do nível do rio em três metros, deixou mais de
250 desabrigados e provocou danos na infraestrutura pública e na agropecuária; tempestade
em setembro (28), com chuvas intensas, granizo e rajadas de ventos acima de 100 km/h
provocando destelhamentos e danos generalizados em edificações e na infraestrutura do
município; outro vendaval em novembro (19), com ventos acima de 100 km/h e
temperatura elevada de quase 40C. Um estudo orientado pelo climatologista Márcio
Sônego atribui o vendaval de 28 de setembro a um tornado (SILVA, 2010). De maneira
geral, a população mais afetada foi a que reside em casas de baixo padrão construtivo, em
áreas ribeirinhas e próximas a encostas. Outros eventos extremos de grande impacto que
ocorreram no município de Araranguá foram as inundações de março de 1974, de julho de
1983, de julho de 1993, maio de 1994, de dezembro de 1995 e os ventos intensos de maio
e dezembro de 2008 (NILES, 2009; SUNG, 2016).
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
83
Figura 3 - Episódio de inundação gradual (Janeiro/2009) em Araranguá. Principais estradas e rodovias e quase
toda a cidade foram inundadas. Fonte: Prefeitura de Araranguá.
Além disso, inundações costeiras também são importantes. Os episódios de
inundação costeira são causados principalmente por marés astronômicas, na fase de lua
nova concomitante a ventos de leste. Essa configuração meteorológica foi identificada pelo
uso de dados de maré (tábuas de marés) coletados por um medidor de maré no porto de
Imbituba em SC. Este evento meteorológico também é conhecido por causar perdas
elevadas nos campos de arroz devido à salinização da água (NILES, 2009). A falta de
preparação e informação pelas autoridades para lidar com eventos climáticos extremos
contribuiu para um maior grau de vulnerabilidade na BHRA nos últimos anos.
EVENTOS METEOROLÓGICOS PREVALENTES NO MUNICÍPIO DE ARARANGUÁ
Dentre os principais desastres associados aos extremos meteorológicos na BHRA
estão: as inundações (bruscas e graduais) associadas a extremos de precipitação; estiagens
prolongadas que afetam principalmente a agropecuária (culturas sazonais, permanentes e
criação de animais); ventos intensos (vendavais e tornados) que impactam principalmente a
infraestrutura pública, privada e rural, além de provocar danos psíquicos na população;
granizos que comprometem lavouras e estruturas de cobertura; e finalmente marés de
tempestade que provocam salinização do rio afetando a agricultura.
Soma-se a esses eventos, a passagem de um furacão, que ganhou o nome
"Catarina", em 27-28 de março de 2004. Registros apontam que em 40 anos de
monitoramento por satélite meteorológico, o "Catarina" foi o primeiro furacão oficialmente
registrado no Atlântico Sul. Observações realizadas ‘in loco’ durante a passagem do Furacão
Catarina por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) registraram ventos de até 120 km/h com
chuva forte e temperatura baixa na primeira fase. Após a passagem do “olho”, foram
registrados ventos de aproximadamente 180 km/h com chuvas intensas e temperaturas
muito baixas (segunda fase). Os principais danos observados foram destelhamentos severos,
destruição de edificações, queda de árvores e de postes de energia elétrica, entre outros.
Baseado nesses dados (velocidade estimada dos ventos e avaliação dos danos), a equipe
classificou o evento como categoria 2, de acordo com a escala Saffir-Simpson (MARCELINO
et al., 2008). McTaggart-Cowan et al. (2006) atribuíram o evento a uma formação atípica de
baixa pressão no Oceano Atlântico Sul. Além das perdas materiais, o Furacão, Catarina,
afetou uma população de 412.548 pessoas, deixando 33.165 desabrigados, 4 mortes, 518
feridos, 7 desaparecidos e danos psíquicos na população.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
84
Além do Furacão Catarina, há registros de outros eventos de ventos intensos, como
ciclones extratropicais e tornados (MARCELINO et al., 2005). Os registros apontam para
maior frequência e intensidade nas últimas décadas, incluindo ocorrências de extremos de
precipitação, estiagem prolongadas e granizos, tendo sido registradas pedras de 7 cm de
diâmetro. O levantamento dos eventos meteorológicos extremos ocorridos em Araranguá foi
feito por meio de pesquisa em documentos oficiais7
, (AVADAN, NOPRED, FIDE e DMATE);
estudos científicos; mídia local e obras literárias; acervo fotográfico digitalizado da Fundação
Casa da Cultura de Araranguá (SUNG, 2016). O quadro conceitual adotado para a análise
dos eventos foi o da SEPDEC (Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil), conforme
definido na Política Nacional de Defesa Civil (PNPDEC, 2012). Esse levantamento
representado na figura 4 identificou ocorrência de 64 eventos extremos que impactaram em
danos e desastres no município de Araranguá, no período entre 1897-2015.
Desses eventos extremos foram contabilizados 46 episódios de chuva intensa (CH)
desencadeando alagamento, inundações ou desbarrancamentos; 21 de ventos intensos
incluindo vendaval (VD), tornado (T), furação (F); cinco de estiagem (ES); seis de granizo
(GR); quatro de atividade elétrica (AE); três de ressaca no mar (RM), um de onda de calor
(OnC). O período de maiores ocorrências está entre setembro a fevereiro. É relevante
mencionar que apesar da linha cronológica apresentar aumento de desastres nos últimos
anos, não se pode afirmar que o número de desastres tenha aumentando nessa proporção já
que pode haver ausência de registros nos anos anteriores.
7Dados fornecidos pela Coordenadoria Municipal de Defesa Civil ou acessados pelo portal leismunicipais.com.br
e pelo Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID).
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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O CLIMA FUTURO NA BHRA COM BASE EM SIMULAÇÕES CLIMÁTICAS DO MODELO
GLOBAL MIROC5 REGIONALIZADO A PARTIR DO MODELO ETA-20km PARA OS
CENÁRIOS IPCC AR5-RPC 4.5 E 8.5 (2041-2070)
Para avaliar a exposição da vulnerabilidade da BHRA aos futuros eventos
meteorológicos extremos foram analisadas variáveis climáticas da temperatura média anual
(MAT) e seu coeficiente de variação (CVT) e, a precipitação média anual (MAP) e seu
Fig
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86
coeficiente de variação (CVP). O período utilizado para a análise das projeções compreende
as décadas de 1971-2000 (período de Baseline) a partir de um modelo climático global
GCM (MIROC5-japonês) com o downscale de uma grade de 20-km utilizando o modelo
climático regional Eta-RCM. O INPE forneceu os resultados da projeção para os cenários do
IPCC AR5-RCP 4.5 e 8.5 durante os períodos de simulações futuras entre 2041-2070. As
variáveis meteorológicas na figura 5 demonstram os resultados dos dados modelados para o
modelo global MIROC5 a partir da resolução de 20-km do modelo regional Eta para o
Brasil.
Figura 5 - Resultados das simulações para a BHRA incluindo as anomalias dos cenários IPCC AR5 4.5 (2041-
2070) e 8.5 (2041-2070) do modelo MIROC5 com downscale para o modelo regional Eta-20km considerando o
período de linha de base de 1971-2000 (média histórica). Os mapas ilustram a precipitação média anual (MAP)
em mm e suas anomalias; temperatura média anual (MAT) em C e suas anomalias; o coeficiente de variação
para temperatura (CVT) em C e suas anomalias; e o coeficiente de variação para precipitação (CVP) em mm e
suas anomalias. Os dados de saída das projeções do modelo global foram fornecidos pelo CPTEC/INPE.
A MAP histórica (precipitação média anual) para este modelo apresenta valores
elevados de precipitação ao longo do litoral (3.166 mm) e com menor quantidade nas
encostas da serra (706 mm). Nas projeções futuras, os valores de precipitação são mais
elevados (com incrementos de até 473 mm). O modelo MIROC5 em termos gerais apresenta
um acréscimo de precipitação ao longo da costa. Este acréscimo pode indicar maiores fluxos
d’água a montante e à jusante que afetam os municípios em altitudes mais baixas
(especialmente Araranguá). O CVP histórico (coeficiente de variação para precipitação)
indica que o modelo MIROC apresenta variabilidade das precipitações entre as áreas de
montanha e planaltos (apesar da BHRA não indicar historicamente uma forte variabilidade
nas precipitações). No entanto, o modelo indica que as áreas centrais da BHRA enfrentarão
um decréscimo da variabilidade nas próximas décadas (em comparação com a média
histórica). As áreas de vale da BHRA permanecem com baixa variabilidade das
precipitações nos períodos futuros.
Para a temperatura média anual (MAT) o modelo MIROC5 apresenta temperaturas
médias frias nas áreas do planalto oriental e temperaturas elevadas ao longo do litoral. O
modelo MIROC5 indica anomalias positivas em temperaturas variando de 0,79 ◦ C a 3,9 ◦ C
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em períodos futuros, com maiores aumentos das anomalias nos planaltos e áreas das
encostas das montanhas, e incrementos menos significativos ao longo do litoral. Esse
incremento das temperaturas nos planaltos encorajará os agricultores a alterar certas culturas
permanentes, como frutas (adaptadas a ambientes mais sazonais e mais frios). Em relação à
variabilidade interanual da temperatura (CVT), o modelo MIROC5 apresenta uma maior
variabilidade nas temperaturas no litoral se comparado às áreas de montanha. O modelo
MIROC5 também demonstra uma maior variabilidade das temperaturas na região litorânea.
O modelo indica ainda um decréscimo da variabilidade das temperaturas em relação à
média histórica. Ou seja, o intervalo de temperatura será menos variável em anos futuros.
O resultado da projeção para os cenários 4.5 e 8.5 para a BHRA indicam um
incremento das temperaturas médias e precipitações. No entanto, a variabilidade da
precipitação e da temperatura diminui entre os anos. Os agricultores podem ser afetados
positivamente e negativamente em muitas características relativas a essas mudanças futuras
(dependendo dos cenários). As áreas dos planaltos serão beneficiadas pelo decréscimo dos
episódios de geada contribuindo para o deslocamento de culturas permanentes para regiões
mais elevadas. Por outro lado, algumas culturas permanentes como frutas, diminuirão sua
produção devido a temperaturas mais elevadas na região litorânea e dos planaltos. Os
incrementos de episódios de chuvas torrenciais poderão contribuir para a perda excessiva de
lavouras/culturas temporárias (tanto na região do planalto quanto em áreas mais baixas),
causando prejuízos expressivos no meio rural.
Os últimos cenários do IPCC AR5 também projetam eventos extremos climáticos-
meteorológicos para a BHRA (IPCC, 2013). Esse incremento promove maior exposição,
vindo a afetar ainda mais as populações rurais e a infraestrutura urbana, levando ao
aumento de danos e prejuízos, caso ações voltadas para a redução da vulnerabilidade local
não sejam adotadas. Mudanças excessivas e de curto prazo na temperatura e precipitação
podem comprometer a produção agrícola em longo prazo devido às condições locais de uso
intensivo da água, poluição e salinização. Áreas costeiras poderão ser mais frequentemente
afetadas por inundações de marés de tempestade, além de inundações nos rios causando
duplo efeito de subida das águas em terrenos baixos. Algumas das comunidades
recorrentemente afetadas por inundações residem em uma área adjacente ao centro de
Araranguá (bairro Barranca). A área é caracterizada como uma zona de transição urbano-
rural constantemente afetada por inundações devido ao nível baixo em relação à cota do
rio. Os deslizamentos de terra no município podem se tornar mais frequentes devido às
precipitações extremas, o desmatamento e a ocupação de áreas de encostas. As atividades
agrícolas tornar-se-ão menos adequadas nesta região, já que as condições climáticas serão
mais extremas.
PERSPECTIVAS E AS PERCEPÇÕES DO MEIO RURAL ÀS MUDANÇAS CLIMÁTICAS
(INUNDAÇÕES, VENDAVAIS E O INCREMENTO DAS TEMPERATURAS)
Para avaliar a percepção do meio rural a essas mudanças, este estudo visitou e
entrevistou diversos grupos e comunidades rurais da BHRA, dentre eles, agricultores,
agentes de Proteção e Defesa Civil, da Fundação Ambiental e a presidência do CGBHRA.
As entrevistas se deram nos meses de fevereiro a março de 2016 em Araranguá, Turvo e
Ermo. A abordagem utilizada durante as entrevistas foi a semidireta que permite aos
entrevistados expressar seus pontos de vista e ideias livremente, enquanto os entrevistadores
intervêm apenas quando há uma mudança no foco do conteúdo. Durante as entrevistas
foram proporcionados aos atores locais cenários de mudanças climáticas (mapas) conforme
modelagem descrita na seção 2.2. Os mapas incluíram características do clima local
(temperatura e precipitação) (Figura 5) e apresentaram possíveis cenários de precipitação e
temperatura no período futuro de 2040-2070.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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Nas entrevistas, os atores ficaram livres para compartilhar suas percepções em
relação aos eventos extremos, as mudanças climáticas e seus pontos de vista sobre os mapas
proporcionados. Após análise das entrevistas, os dados fornecidos pelos entrevistados foram
comparados aos dados de matérias de jornais e registros da Defesa Civil, o que possibilitou
constatar coerência dos discursos dos entrevistados com dados de registros locais. Apesar de
a pesquisa ter como foco os eventos extremos meteorológicos e as mudanças climáticas, a
comunidade também suscitou preocupações com a governança local, a falta de auxílio da
Defesa Civil durante os desastres e a falta de um planejamento sustentável para a localidade.
Neste sentido, dois conflitos emergentes servem como objetos de análise na BHRA: (1) o
bairro Barranca como estudo de caso de extrema sensibilidade às inundações, englobando
uma cena de conflito entre Defesa Civil e a gestão pública local, e (2) uso do desastre como
moeda de troca de vantagens, tanto para gestores, como para moradores das áreas afetadas
durante as fases de reconstrução e reabilitação pós-desastre, o que inibe a capacidade de
adaptação dos habitantes locais aos desastres (Figura 6).
Figura 6 - Imagem fotogramétrica aérea mostrando o bairro Barranca, incluindo o rio Araranguá e os campos de
arroz nas margens. Fonte: Secretário de Desenvolvimento Sustentável - Estado de Santa Catarina (2014).
A ocupação da área de cheia da Barranca tem raízes antigas, desde a instalação de
uma estrada de ferro no local em 1927 (desativada desde o final dos anos 50), tornando
difícil sua desocupação. Contudo, novas ocupações surgem diariamente, desafiando a
legislação ambiental vigente. Atualmente, os moradores locais reconheceram a
vulnerabilidade que representa a moradia nas áreas de cota baixa, e a falta de melhores
condições condicionadas à restrição imposta pela legislação ambiental, que não permite a
instalação de infraestrutura urbana e outros equipamentos. Como forma de buscar melhores
condições de vida no local, os moradores estão em constante negociação com o governo
municipal, que por sua vez, retardam a aplicação da legislação ambiental e da Proteção e
Defesa Civil.
Além da ocorrência das inundações, as comunidades rurais relatam o incremento de
vendavais. O município de Araranguá é afetado constantemente por ventos fortes (com
registros de mais de 100 km/h) em áreas rurais-urbanas. De acordo com os agricultores, os
vendavais se dão quando ventos do quadrante sul sopram e as nuvens colidem contra a
Serra Geral (na parte ocidental da BHRA), retornando às áreas baixas perto da costa. Esses
episódios causam perdas materiais na infraestrutura das casas e na produção no campo.
Aparentemente, existem riscos graves devido à velocidade do vento nas áreas mais
descampadas. Os entrevistados informaram que as casas não dispõem de infraestrutura
adequada para os vendavais (feitas de madeira). Segundo eles, a única maneira de se
proteger é buscar refúgio em bambuzais próximos (conhecimento tradicional local).
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
89
Na figura 7 são descritas percepções sobre as mudanças no clima local, a partir da
visão dos entrevistados. Além da percepção sobre as mudanças climáticas, os entrevistados
também relataram dificuldades relacionadas aos aspectos regionais de governança e
questões ambientais. Por diversas vezes os entrevistados relataram problemas referentes à
Lagoa do Caverá, corpo d’água que abrange quatro municípios: Araranguá, Sombrio,
Balneário Arroio do Silva e Balneário Gaivota. Esta lagoa está perdendo seu nível em ritmo
acelerado, seja por questões socioambientais quanto por mudanças nos padrões climáticos
regionais.
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90
Em relação ao conflito de gestão mencionado nas entrevistas, considera-se
importante ressaltar que até agora não há alinhamento político no município de Araranguá
para resolver alguns dos problemas mencionados. Do ponto de vista da pesquisa,
recomenda-se que as secretarias participem de reuniões regulares para abordar problemas
de sobreposição de jurisdição atuando de forma mais integrada. As medidas para reduzir a
ocupação de áreas de risco são urgentes, como o desenvolvimento de ações de percepção
de risco e educação ambiental que devem ser direcionadas às comunidades. Em relação à
Lagoa de Caverá, é necessário ressaltar que as construções de canais realizadas nos anos 60
contribuíram para o aumento dos problemas de sedimentação e perda de profundidade da
água na lagoa. Este ecossistema sofre atualmente com a poluição decorrente do cultivo do
arroz e da extração da turfa. O decréscimo do abastecimento de água para lagoa (devido à
retirada d’água e uma maior evaporação) impacta o seu nível, o que prejudica as atividades
agrícolas da região. A recuperação e conservação da lagoa são urgentes e essenciais no
sentindo de restaurar o acesso e sustentabilidade da água para comunidades próximas.
Os entrevistados também mencionaram o acréscimo das temperaturas do ar nas
últimas décadas e a mudança nos períodos de safra. Alguns acreditam que as chuvas são
mais escassas e que os períodos de seca estão se tornando mais frequentes. No entanto, eles
parecem concordar que episódios de tempestades, vendavais e granizos estão se tornando
mais frequentes, e as geadas menos frequentes que no passado. Por esse motivo os atores
acreditam que houve um aumento na demanda de seguros rurais e seguros de infraestrutura
na região, indicando uma mudança no ambiente local e em condições climáticas em toda
BHRA.
MEDIDAS DE ADAPTAÇÃO AOS EVENTOS EXTREMOS METEOROLÓGICOS NA BHRA
INICIATIVAS E MEDIDAS ESTRUTURAIS
Para mitigar os fenômenos naturais e antropogênicos, e reduzir a vulnerabilidade aos
eventos extremos meteorológicos na BHRA, alguns desenvolvimentos estruturais e não-
estruturais foram realizados nos últimos anos, indicando que agricultores, proteção e Defesa
Civil das esferas federal, estadual, regional e local, além de outros atores da BHRA estão
buscando formas de reduzir os efeitos nocivos dos extremos meteorológicos.
Algumas ações estruturais implementadas localmente foram: (a) abertura da barra do
rio para escoamento mais eficiente do fluxo da água e (b) a instalação de comportas no
município de Araranguá. Estas iniciativas diminuíram a frequência e a intensidade de
desastres de inundações melhorando a resiliência do município a este tipo de evento. A
melhora foi demonstrada quando moradores das áreas ribeirinhas eram evacuados quando
o nível do rio Araranguá elevava-se em 1,90 m. Com a instalação das comportas, o limite da
elevação do rio subiu para 2,50 m. Essas iniciativas estruturais, no entanto, demonstraram
ser insuficientes, destacando a necessidade de se construir uma rede de monitoramento e
implementar ações educativas formais e não formais; fortalecer a ação integrada entre os
setores envolvidos; envolver a sociedade civil na corresponsabilidade da redução do risco de
desastres; formação de agentes governamentais junto ao fortalecimento político; articulação
estrutural e institucional da defesa civil; coordenação municipal mais forte nos municípios da
BHRA.
Devido às frequentes inundações, uma alternativa mitigatórias encaminhada, em
especial, pelo município de Araranguá, foi a fixação de molhes junto à foz do rio Araranguá,
como forma de favorecer o escoamento em período de cheias. A obra proposta considerou
três pontos alternativos (Figura 8), sendo o ponto mais ao sul defendido pela Prefeitura (em
vermelho na Figura 8). No entanto, para a equipe de técnicos e pesquisadores do
Departamento de Geociências da UFSC que realizaram estudo in loco, essa medida
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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estrutural tem importante consequência local e paradoxal que, se de um lado potencializa a
vazão do fluxo da água, de outro, pode exacerbar o desbarrancamento das margens e
aumentar ainda mais o assoreamento do rio. Além disso, representaria maior potencial para
salinização do rio, que em períodos de baixa precipitação, chega a atingir 45 km rio acima.
Assim, alguns atores locais são favoráveis a tal projeto (moradores da área ribeirinha do
bairro Barranca e políticos locais, por i.e.), mas outros, como agricultores e pescadores locais
contestam mudanças no curso do rio e na qualidade d’água. De acordo com os pescadores,
a fixação da barra no ponto mais ao sul afetaria áreas de pesca tradicionais e um maior
fluxo da água poderia aumentar o efeito devastador do mar permitindo que a água do
oceano adentre o leito do rio, incrementando a intrusão de água salgada nos solos,
aquíferos e campos agrícolas.
Figura 8 - Pontos alternativos para a construção dos molhes na barra do Rio Araranguá.
INICIATIVAS E MEDIDAS NÃO-ESTRUTURAIS
Devido às dificuldades locais de adaptação dos agricultores aos eventos
meteorológicos extremos nesta região (causadores de desastres), o governo federal e
estadual fornece subsídios agrícolas locais para a perda de culturas e provê financiamento
para reconstrução pós-desastre. No entanto, as políticas de prevenção de desastres e perda
de culturas ainda não estão totalmente incluídas no planejamento dos municípios locais
(planos de contingência). Como segunda alternativa estratégica, práticas agrícolas
sustentáveis avançam com a introdução da produção de arroz orgânico, juntamente com o
gerenciamento integrado da BHRA. Desde 2005 a EPAGRI realiza produção experimental
de variedades de arroz orgânico nesta região. No momento deste estudo a região contava
com 24 hectares de arroz certificado sem uso de pesticidas. Os principais benefícios desta
produção orgânica estão associados à: qualidade dos grãos e sementes menos afetadas por
pragas; redução dos custos de produção; e a colaboração com a preservação do meio
ambiente combinada com a qualidade de vida da comunidade. De acordo com os técnicos
da EPAGRI "A quantidade de arroz produzido é ligeiramente inferior, mas o preço de venda
compensa os produtores de arroz", afirmam os agrônomos. A produção média de arroz no
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
92
sistema convencional é de 142 sacas por hectare, aproximadamente 7.200 kg. No sistema
orgânico, a média é de 110 sacas, aproximadamente 5.500 quilos. No entanto, a venda de
arroz orgânico é 20% mais rentável do que o convencional. Além disso, o arroz produzido
com pesticidas é mais caro. A diferença do estilo tradicional para o orgânico é a substituição
de pesticidas pelo uso de gansos. Os animais se alimentam de ervas daninhas entre os
campos de arroz sem danificar a planta. "Você precisa esperar que a folhagem do arroz fique
ligeiramente maior para que o ganso só se alimente de erva daninha", diz o agrônomo.
Assim, em vez de fertilizantes artificiais, a EPAGRI utiliza esterco de aves de capoeira para
fertilizar o plantio. Além disso, as cooperativas locais de agricultores organizaram-se criando
fóruns para discutir a sustentabilidade futura da água e atividades agrícolas. No entanto, os
agricultores reclamam da falta de continuidade das ações e políticas locais, e planejamento
em longo prazo, devido às mudanças políticas a cada quatro anos. De acordo com algumas
entrevistas, há uma falta crônica de integração dos municípios da BHRA nas áreas de: meio
ambiente, Defesa Civil, agricultura e planejamento territorial urbano-rural.
Especificamente para o município de Araranguá, Sung (2016) cita outras medidas
não-estruturantes adotadas localmente, como: a criação de um Núcleo Comunitário de
Proteção e Defesa Civil (NUPDEC) no bairro Barranca e adesão à campanha cidades
resilientes da Estratégia Internacional para Redução de Desastres das Nações Unidas, sendo
que o sucesso ou a falta dela na implementação dessas medidas, diretamente ligado a
questões de governança local, como relata a autora.
MATRIZ DE RECOMENDAÇÕES DE BOAS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA PARA
EVENTOS EXTREMOS METEOROLÓGICOS E GESTÃO AMBIENTAL NA BHRA
Na matriz do quadro 1 sinalizam-se recomendações a serem implementadas em
termos de governança na BHRA que se aplicam principalmente às abordagens verticais,
sustentadas pela recente criação de legislação e políticas públicas como: (a) reestruturação
da Defesa e Proteção Civil; (b) a implementação do sistema de registro rural (CAR); (c) a
vinculação de ações de prevenção, mitigação e adaptação aos estudos técnicos; (d) a
elaboração e implementação dos planos de gestão da BHRA e do território, incluindo
participação social, integração setorial e ação compartilhada nas diversas áreas
administrativas. O quadro também ilustra os principais tipos de desastres na região com seus
efeitos e danos específicos, fatores condicionantes e agravantes dos desastres e estratégias
adotadas. Ademais, são descritas estratégias de prevenção, mitigação e/ou adaptação
recomendadas bem como possíveis indicadores de monitoramento para cada tipo de
desastre.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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Quadro 1 - Tipos de eventos meteorológicos extremos que recorrentemente resultam em desastres em
Araranguá, danos, fatores agravantes, mecanismos de prevenção e adaptação adotados localmente,
recomendações de estratégias preventivas, mitigadoras e adaptativas e de indicadores de
monitoramento.
EFEITOS E DANOS
ESPECÍFICOS
FATORES CONDICIONANTES/
AGRAVANTES
ESTRATÉGIAS
ADOTADAS
TEMPESTADE SEVERA
CHUVA INTENSA
- inundação gradual, brusca e/ou
alagamento de locais de cota baixa
(abaixo de 5 m);
- impacto na infraestrutura:
destruição/obstrução de estradas e
pontes provocando transtorno no
deslocamento da comunidade e
transporte de produção; em
edificações de baixo padrão
construtivo, abalo na estrutura,
colapso de muros e escoamento de
água no interior de casas;
- impacto ambiental: erosão do
solo, perda de solo agricultável,
desbarrancamento e assoreamento
de rio, perda da floração com
efeitos diretos na polinização dos
alimentos e produção de mel;
- impactos na saúde: aumento de
doenças respiratórias e transmitidas
por vetores (ratos e mosquitos),
aumento de vítimas de animais
peçonhentos;
- impacto na agricultura: prejuízo na
lavoura e na produção pecuária;
perda de solo agricultável
(lixiviação).
- chuvas intensas nas
cabeceiras dos afluentes,
chuvas convectivas isoladas e
cheias sazonais;
- ocupação irregular em áreas
de cheias (abaixo da cota 5) e
de encostas;
- degradação da mata ciliar e
desmatamento de encostas
propiciando desbarranca-
mento de margens e represa-
mento do rio por troncos e
outros destroços;
- deficiência na fiscalização da
legislação ambiental (nas 3
esferas);
- ressaca do mar condicio-
nando represamento de águas
foz do rio;
- utilização de técnicas
agrícolas que impermeabilizam
o solo afetando a capacidade
de infiltração de água no solo;
- elevados índices de
precipitação coincidindo com
períodos de inundação das
canchas de arroz.
- monitoramento do nível do rio;
- abertura de canal auxiliar na foz
do rio para aumento do fluxo de
água;
- mapeamento das áreas de risco
de inundações e deslizamentos
de encosta pelo governo federal
para respaldar formulação de
política pública local (Araranguá
está na lista dos 821 municípios
com maiores índices de
desastres);
- realocação de famílias de áreas
de risco;
- reflorestamento em áreas
específicas;
- implementação de políticas de
diversificação agrícola, incluindo
cursos de capacitação e
assistência técnica;
- controle de pragas no pós-
desastre e distribuição de kits de
limpeza com orientação para uso
e desinfecção.
VENDAVAL
- impacto na infraestrutura: danos
nos sistema de energia elétrica,
água, telefonia, internet e
interrupção do abastecimento;
obstrução de vias públicas por
queda de galhos, árvores e postes;
- impacto na agricultura:
acamamento da plantação e perda
de solo em condições de baixa
umidade;
- impacto social: escassez de
suprimentos para reconstrução, em
especial, de telhas e lonas e
aumento abusivo de preço.
- vento forte combinado com
chuva intensa;
- tempo soco e falta de
umidade no solo;
- pobreza;
- uso de técnicas de
construção civil inadequadas;
- tratamento e manejo
inadequado das árvores
urbanas;
- poda de árvores;
- distribuição de telhas e lonas
para população carente.
TORNADO/FURACÃO
- impacto e danos mais elevados do
que em eventos de vendaval.
- falta de manutenção de
equipamentos públicos e
privados e realização de
reparos pouco eficazes
considerando ocorrências
futuras de mesma magnitude
(ausência de cultura de
preventiva);
- despreparo de agentes
- mesmos mecanismos adotados
em episódios de vendaval.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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governamentais ;
- inexistência de sistema de
alerta;
- inexistência de projetos e
programas voltados para
instrução da população.
GRANIZO
- escassez de suprimentos para
reconstrução, em especial, de telhas
e lonas e aumento abusivo de
preço.
- fragilidade das telhas e
estrutura de telhados.
- cobertura de seguro;
- distribuição de lonas e telhas
por órgãos governamentais.
EFEITOS E DANOS COMUNS PARA CHUVA INTENSA, VENDAVAL, TORNADO, FURACÃO E
GRANIZO
- impacto humano e social:
famílias desabrigadas, lesões e enfermidades, perda de vidas, perda de posses materiais, stress pós-trauma,
isolamento de comunidades, suspensão de aulas, êxodo rural, aumento de acidentes de trânsito em áreas
afetadas, comprometimento do orçamento familiar/da empresa com custos de reconstrução;
- impacto econômico: prejuízo na lavoura e na pecuária e paralisação de atividades comerciais, industriais,
de prestação de serviços...
FATORES AGRAVANTES COMUNS PARA CHUVA INTENSA, VENDAVAL, TORNADO, FURACÃO E
GRANIZO
- falta de integração entre órgãos ambientais, da proteção e defesa civil, planejamento urbano e centros de
monitoramento nos níveis nacional, estadual, regional e local;
- descontinuidade de projetos e da implementação de políticas públicas devido a mudança de governo a
cada 4/8 anos nos níveis municipal, estadual e federal;
- desrespeito à legislação ambiental referente à ocupação de margens de rio e preservação da mata ciliar,
especialmente no que se refere ao Código Florestal;
- morosidade na elaboração e implementação do Plano Integrado da Bacia Hidrográfica;
- inexistência ou difícil acesso a programas de financiamentos para reconstrução;
- falta de instrução e/ou orientação sobre como prevenir e se proteger em condições extremas de tempo;
- baixa capacidade instrumental para previsão de eventos extremos, em especial de eventos de pequena
escala.
MECANISMOS COMUNS ADOTADOS PARA CHUVA INTENSA, VENDAVAL, TORNADO, FURACÃO
E GRANIZO
- decretação de desastre (Estado de Emergência e/ou Calamidade Pública);
- limpeza e remoção de lama e destroços;
- recuperação da infraestrutura;
- reabilitação de serviços essenciais;
- reconstrução das áreas afetadas;
- auxílio financeiro federal ao município e liberação do fundo de garantia às vítimas;
- recolhimento e distribuição de donativos (alimento, roupas, materiais de higiene pessoal...);
- levantamento de locais afetados, inspeção do estado do local, interdição quando for o caso e alocação
de famílias utilizando aluguel social, igualmente, quando for o caso;
- mobilização e desempenho de equipes governamentais, comunidade e agências humanitárias para
assistência e acolhimento às vítimas em abrigos comunitários;
- utilização de seguros agrícolas contra o mau tempo;
TEMPESTADE DE RAIOS
- incêndios em locais atingidos
(construções e áreas florestadas);
- pessoas e animais atingidos por
raios (especialmente gado buscando
abrigo sob árvores altas e isoladas).
- técnicas de construção
deficientes ou inadequadas;
- pobreza.
- operação de bombeiros e
agentes da proteção e defesa
civil.
MARÉ DE TEMPESTADE
- inundação costeira;
- perda de infraestrutura costeira e
turística;
- intrusão de água salgada
afetando especialmente a lavoura
(instalações e terrenos agrícolas,
especialmente nos campos de
arroz);
- perda da qualidade da água.
- ocupação irregular em áreas
marinhas;
- destruição da vegetação
costeira e áreas de mangue;
- ocupação irregular de área
de marinha.
- desenvolvimento do planejamento
costeiro;
- instalação de comportas ao longo
do rio.
ESTIAGEM
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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- perda de lavouras e animais
(avicultura e pecuária)
- êxodo rural;
- escassez de água e conflito entre
usuários da água;
- restrição de água para a
população;
- esgotamento dos aquíferos
devido à abertura irregular de
poços artesianos;
- salinização da água.
- sistema de monocultura;
- utilização de técnicas de
plantio arroz que requer
grandes quantidades de água;
- destruição de nascentes e
mananciais;
- desmatamento e
compactação do solo
comprometendo o
abastecimento da água
subterrânea;
- contaminação da água por
pesticidas, resíduos de carvão
e perfuração irregular de
poços artesianos;
- conflitos entre usuários da
água, especialmente
agricultores.
- monitoramento do nível do rio;
- gestão da bacia hidrográfica pelo
Comitê de Gerenciamento;
- abastecimento de água com
caminhão tanque em comunidades
rurais;
- decretação de desastre
- utilização de seguro agrícola contra
o mau tempo.
GEADA
- baixa na produção da lavoura e
da pecuária.
- geada em combinação com
ventos frios (geada negra);
- falta de recursos do agricultor
e a não associação em
cooperativas rurais.
- utilização de telas de proteção de
lavouras;
- cobertura de seguro contra mal
tempo.
ONDA DE CALOR
- aumento de casos de
desidratação, especialmente em
crianças, idosos e trabalhadores
expostos ao sol e ambientes mal
ventilados;
- perda da qualidade da produção
rural devido baixo índice de
umidade do solo e queima de
fruta e folhagens;
- queda na produção de leite;
- aumento do risco de
tempestades elétricas;
- moradias pobres com más
condições de ventilação;
- cidades pouco arborizadas;
- ocorrência de incêndios
florestais e subterrâneos,
especialmente e áreas de turfa.
- alerta da onda de calor e
orientação sobre cuidados com a
saúde;
- operação do serviço de saúde.
ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO, MITIGAÇÃO E/OU
ADAPTAÇÃO RECOMENDADAS
INDICADORES DE
MONITORAMENTO
ESPECÍFICAS
TEMPESTADE SEVERA
CHUVA INTENSA, INUNDAÇÃO E DESBARRANCAMENTO
Ações estruturais
- implementar obras de engenharia como diques e melhoraria dos sistemas
de drenagem, orientados por estudos geotécnicos e processos participativos
com a comunidade;
- aplicar novas tecnologias para determinar o tempo necessário para
evacuação dos moradores das áreas de risco de desbarrancamento e
inundação, associados a programas de realocação de moradias.
Ações não estruturais
- implementar e adequar o Plano Diretor à luz das leis vigentes, com atenção
especial às áreas de cheias e áreas de risco, urbanas e rurais;
- implementar legislações ambientais e combate a ações infratoras,
principalmente no que se refere ao desmatamento e construção em áreas de
risco;
- implementar programas de educação ambiental escolar e campanhas
educativas voltadas à comunidade, atentando para a noção de bacia
hidrográfica, dinâmica de rios e serviços ambientais associado a cheias;
- implementar de sistemas de monitoramento e alerta em áreas vulneráveis;
- condicionar obras de infraestrutura rodoviária a estudos técnicos,
- dados de monitoramento
do nível do rio;
- número de vidas, perdas
materiais e alertas;
- número de decretos de
desastres associados a
inundação e deslizamento
de terra e comparação
após a implementação das
ações de prevenção,
mitigação e adaptação
recomendadas;
-perda de vegetação visível
através de técnicas de
sensoriamento remoto;
- nível de cooperação entre
as comunidades afetadas;
- vigilância das áreas
críticas para determinar se
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especialmente no que se refere a áreas vegetadas e de encostas íngremes;
- implementar cursos de capacitação para agricultores para adoção de
técnicas de diversificação e de uso sustentável da água e do solo;
- elaborar/atualizar o Plano de Contingência de Desastre de Inundação e
desbarrancamento de Encostas da Proteção e Defesa Civil, na perspectiva
participativa e de atuação Inter setorial;
- elaborar e implementar o Plano de Prevenção e Mitigação de Desastres de
Inundação, com uso de tecnologias inovadoras e abordagens participativa,
holística e cooperativa entre os diversos segmentos da sociedade e esferas
administrativas;
- elaborar e implementar estratégias para a prevenir e/ou reduzir
morte massiva de abelhas, associado a campanhas para instruir e orientar
produtores rurais e apicultores sobre a importância dos serviços ambientais
prestados pelas abelhas, bem como, realizar intercâmbio com experiências
em outros países.
as inundações continuam a
ocorrer;
- nível de rendimento dos
agricultores que beneficiam
do Pagamento por Serviços
Ambientais (Gonsalves,
2013);
- número de atores
envolvidos no
desmatamento;
- dados de monitoramento
por satélite do Bioma da
Mata Atlântica do Instituto
Nacional de Pesquisas
Espaciais (INPE).
VENDAVAL/TORNADO/FURACÃO
- construir e manter atualizado o Plano de Contingência, considerando as
diversas intensidades da Escala Beaufort, além de especificidades dos
diferentes fenômenos - vendaval, tornado e furacão, incluindo ações de
emergência, necessidade de evacuação e programas de simulação e
treinamento;
- orientar a população, escolas, responsáveis por locais de grande circulação
sobre construção de Planos de Emergência Familiar e Comunitária,
evidenciando locais mais adequados para a proteção de pessoas e riscos
relacionados a diferentes objetos/destroços que podem ser lançados pelos
ventos;
- construir estratégias de adaptação e prevenção, incluindo, construção de
abrigos comunitários e criação de subsídios para a redução dos custos desta
operação, instalação de radar meteorológico, implementação de código de
construção para casas e infraestruturas resistentes a ventos intensos, barreiras
de vento com plantio de árvores sob orientação técnica, acesso a
financiamento para reconstrução de áreas atingidas, sistema de alerta
considerando tecnologias de mídia social.
- número de decretos de
desastres associados a
ventos e comparação da
quantidade após a
implementação de ações
de prevenção, mitigação e
adaptação recomendadas.
GRANIZO
- criar e facilitar acesso para financiamento de reconstrução e especial, para
substituição de telhas frágeis;
- mudar a política governamental de doação de telhas aos afetados de baixa
renda de frágeis para mais resistentes, evitando recorrência de danos.
- número de decretos
associados a granizo e
comparação após a
implementação das ações
de prevenção, mitigação e
adaptação recomendadas.
TEMPESTADE DE RAIOS
- instruir a população para a proteção (autoproteção em diferentes
circunstâncias e proteção de equipamentos) contra raios com recursos
educacionais, em especial, os proprietários de gado quanto ao manejo desses
animais que tendem a buscar refúgio debaixo de árvores e do perigo quando
se trata de árvores altas e isoladas.
- número de pessoas e
animais atingidos por raios
- estatística de danos de
equipamentos
e comparação com dados
anteriores após a
implementação das ações
de prevenção, mitigação e
adaptação recomendadas.
MARÉ DE TEMPESTADE
- desenvolver/adotar técnicas alternativas de plantio de arroz que utilize
menos água;
- incentivar agricultores a praticar o cultivo orgânico, bem como, adotar
políticas públicas que priorizem a produção orgânica
- evitar construção de infraestrutura em áreas de dunas e de vegetação
costeira;
- evitar construção de canais, diques ou fixação de molhes que favoreçam
ainda mais a entrada da água do mar rio adentro.
- dados de monitoramento
do nível do mar e
represamento do rio;
- prejuízos ocorridos no
setor do turismo.
ESTIAGEM
- implementar subsídios para casos de perda da lavoura e da criação de gado, - disponibilidade da água
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97
bem como, para a gestão do solo e da água;
- planejar o uso da água como um recurso finito e desenvolver seu uso
sustentável adotando políticas de uso de tecnologias de armazenamento da
água em períodos de maior abundância, que evitem o uso de aquíferos para
irrigação e reabastecimento de corpos de água, de preservação de áreas
florestais, em especial, próximas a nascentes e de recuperação da mata ciliar,
de produção de culturas que demandam uso menos intensivo de água, que
privilegiem o plantio de cultura permanente, orgânica e com sementes
nativas, de incentivo a construção de mecanismos de irrigação na agricultura
utilizando técnicas sustentáveis, de aumento da produção orgânica e com
sementes nativas por serem mais resistentes ao déficit hídrico, de incentivo ao
uso de novas tecnologias mais sustentáveis para a vida e produção no
campo, de criação e controle de certificado de proteção ambiental, entre
outras;
- ampliar serviço de orientação técnica aos agricultores e de extensão rural na
perspectiva do uso sustentável da água;
- incentivar e apoiar a ação do Comitê de Gerenciamento da Bacia
Hidrográfica, em especial, voltadas para a implementação do Plano de Bacia,
o fortalecimento da governança da água e da prevenção de desastres de
seca/estiagem.
em períodos de estiagem
e/ou número de desastres
associados a estiagem/seca
e comparação após a
implementação das ações
de prevenção, mitigação e
adaptação recomendadas;
- número de agricultores
que necessitam de
subsídios do governo
devido à perda de
colheitas;
- quantidade de sistemas
de irrigação agrícola e
cisternas implementadas;
- extensão de mata ciliar e
nascentes recuperadas e/ou
protegidas;
-número de usuários da
água associados ao Comitê
de Bacia que passaram a
cumprir com a legislação
ambiental.
GEADA
- criar subsídios para diminuir as perdas das culturas nas zonas rurais, bem
como, desenvolver tecnologias para evitar/reduzir perdas na produção;
- reforçar a atuação governamental na extensão rural, inclusive no que se
refere a subsídios e acesso à informação e tecnologia.
- número de decretos
associados a prejuízos na
lavoura pela geada.
ONDA DE CALOR
- criar programas de saúde para instruir as comunidades sobre como lidar
com temperaturas extremas (ondas de calor e de frio)
- aumentar a disponibilidade de agentes de saúde e leito hospitalar por
habitante;
- promover políticas públicas para a construção de edificações (públicas e
privadas) sustentáveis, no que diz respeito à ventilação e arrefecimento, que
necessitem de menor uso de energia, como subsídio governamental para
reduzir o custo de implementação de novas tecnologias na construção para
famílias de baixa renda.
- número de pessoas
atendidas em
estabelecimentos de saúde
devido mal estar associado
a onda de calor.
ESTRATÉGIAS RECOMENDADAS COMUNS PARA
TODOS OS TIPOS DE EVENTOS
- implementação de processo de governança local da água e do clima para desenvolver e planejar
estratégias de prevenção, mitigação e adaptação às mudanças climáticas localmente, envolvendo
grupos/segmentos de interesse (stakeholders) no diálogo, discussão, gestão de conflitos, responsabilidade
compartilhada e redefinição de agenda pública local que beneficie a coletividade em vez de grupos isolados,
na perspectiva da sustentabilidade;
- estabelecer cooperação entre as instituições governamentais nos diversos níveis administrativos; - federal,
estadual, regional e local - na implementação de estratégias de prevenção, mitigação e adaptação às
mudanças climáticas, bem como, no planejamento ambiental, rural e urbano;
- estabelecer atuação integrada, intersetorial e transdisciplinar de forma a tratar e lidar com a complexidade
dos eventos meteorológicos extremos e sua interface com a sociedade;
- priorizar o envolvimento e a atuação de servidores públicos efetivos em processos de participação e
governança local relacionada às discussões e ações de prevenção e adaptação as mudanças climáticas,
como forma de garantir a continuidade e o aprimoramento das ações e programas de prevenção e redução
do risco de desastres;
- implementar incentivo/subsídio fiscal para construção de edificações sustentáveis (ventilação,
armazenamento de água, produção de energia);
- assegurar a aplicação das Leis Ambientais, de Proteção e Defesa Civil e de Desenvolvimento Urbano das
esferas federal, estadual e municipal, em especial do Código Florestal, do Cadastro Ambiental Rural (CAR),
do Estatuto das Cidades e da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil;
- promover programas de educação ambiental e educação para a mudança climática em escolas, para que o
conjunto da comunidade compreenda o valor dos serviços ambientais prestados pela natureza, em especial,
das florestas, da vegetação ribeirinha e das nascentes. Compreender que quando esses serviços ambientais
são preservados, mitigam riscos associados a eventos naturais auxiliando os produtores rurais a prevenir e
remediar desastres por meio da preservação ambiental.
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98
Nota-se que existem barreiras e restrições à implementação de algumas dessas
políticas devido à governança falha e a baixa capacidade de aderência de algumas
iniciativas, devido: (a) falta de implementação ou desvio de fundos; (b) baixa capacidade
institucional devido à deficiência e desarticulação de agências governamentais; (c) baixa
capacidade técnica de agentes; (d) descontinuidade das ações institucionais devido as
mudança de cargos contratados vinculados a mandatos políticos; (e) décadas de incentivo e
adoção de programas federais de cultivos em áreas de terras baixas (PROVÁRZEA); (f) o
reforço de práticas mal adaptadas relacionadas ao desmatamento e a má-gestão da
qualidade d’água; (g) a falta de consideração dos aspectos geográficos da BHRA, que em
última instância, produz exposição e vulnerabilidade físico-ambientais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme identificado no quadro 1, muito deve ser feito para mitigar os efeitos de
eventos extremos meteorológicos e os riscos naturais nas áreas rurais da BHRA. O
fortalecimento das comunidades em eventos meteorológicos extremos, o desenvolvimento
regional sustentável e a tomada de decisão efetiva em políticas públicas específicas são
apenas algumas das variáveis listadas que precisam de suporte e consolidação. De acordo
com os modelos climáticos descritos na seção 2.2 as temperaturas e as chuvas tendem a
aumentar nos próximos 40-70 anos, seguidas por uma maior variabilidade nas temperaturas
e uma menor variabilidade das chuvas. Esse panorama levará os agricultores a buscar novas
culturas mais adaptadas aos padrões climáticos locais e a modificação dos plantios. Culturas
permanentes de clima temperado serão levadas para áreas mais altas. Áreas de pastagens e
arroz precisarão se adaptar às inundações mais constantes e períodos de estiagem, impondo
riscos para colheitas temporárias e pequenos reservatórios de água como lagos, açudes e
lagoas. As águas subterrâneas podem ser comprometidas devido ao escoamento superficial
exacerbado, e a sedimentação dos canais dos rios (devido às chuvas torrenciais).
Deslizamentos de terra constantes e vendavais diminuirão a exploração da banana nas áreas
de declive acentuado na BHRA. Já as inundações serão uma ameaça caso a cultura da
banana seja movida para áreas baixas à jusante da bacia. Esta variabilidade nos extremos
engendrará a adoção de práticas de adaptação, mas também, um planejamento amplo de
fortalecimento da resiliência local para toda a BHRA. Este planejamento deve abranger a
melhora das técnicas agrícolas e a inclusão do conhecimento tradicional dos agricultores
como estratégias de adaptação.
Tais estratégias supracitadas podem ser incorporadas a partir da implementação do
Plano do Comitê da BHRA, lançado e aprovado em dezembro de 2015. O plano visa
aumentar o uso sustentável da água da região, o zoneamento do uso da terra e
possibilidades de concessão d’água por meio de um planejamento inclusivo de longo prazo.
Outras iniciativas do governo do estado do SC podem fortalecer o bom desenvolvimento do
plano como por i.e.: (a) implementação de cursos gratuitos de técnicas agrícolas; (b) o
subsídio para jovens agricultores; (c) a valorização dos produtos orgânicos, como o mel, o
arroz etc. e; (d) o incentivo às cooperativas inclusivas que permitem aos agricultores a
compensação por perdas relacionadas às condições meteorológicas extremas. Assim, a
supressão de práticas de má-adaptação do passado, e a implementação de abordagens de
cogestão no futuro devem ser consideradas para a manutenção dos sistemas sócioecológicos
da BHRA. Para isso, conflitos locais de uso d’água em áreas rurais e urbanas devem ser
avaliados pelo governo federal, estadual e o terceiro setor, bem como associações locais nas
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99
comunidades e ONG, garantindo a sustentabilidade do sistema hídrico da BHRA (KREBS e
ALEXANDRE, 2000; RODRIGUES, 2013).
Os autores acreditam que as iniciativas elencadas no quadro 1 possam ser
implementadas em toda região da BHRA. Sua prática mitigaria problemas ambientais atuais
e contribuiria na prevenção e decréscimo dos desastres socionaturais, tornando a região
menos vulnerável às mudanças climáticas e aos futuros eventos meteorológicos extremos.
Por fim, o resultado do estudo busca fomentar a governança das comunidades da BHRA e o
empoderamento dos agricultores e agentes locais para que fomentem sua própria resiliência
por meio de práticas sustentáveis no que tange o planejamento territorial da bacia. Como
forma de ilustrar o estudo na BHRA, bem como a facilitar o acesso às sugestões de
propostas de adaptação, foram desenvolvidos dois produtos: um vídeo educativo8 e uma
cartilha9 de conscientização para o público infantil, a ser utilizada na rede escolar da BHRA.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao Projeto VACEA (Vulnerability and Adaptation to Climate Extremes
in the Americas) e ao IDRC do Canadá (Centro Internacional de Pesquisa para o
Desenvolvimento) pelo financiamento dos trabalhos de campo, reuniões, equipamentos,
confecção de vídeo e subsídios para um pós-doutoramento. Também gostaríamos de
agradecer a Proteção Regional-Municipal Defesa Civil e o município de Araranguá pelo
apoio no trabalho de campo, e o acesso às comunidades entrevistadas. Outras instituições,
atores e partes interessadas inscritas no Projeto VACEA e que ajudaram o desenvolvimento
desta pesquisa também devem ser citadas como: a EPAGRI e o Comitê de bacias da BHRA.
Também agradecemos aos agricultores entrevistados, professores e bolsistas da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), e
parceiros do INPE contribuindo com as saídas dos modelos climáticos.
HOMENAGEM
Em 2013, o Projeto "Análise das relações entre os processos de mudanças e variabilidades
climáticas e os desastres socionaturais em SC", submetido pela Prof.ª Dr.ª Magaly
Mendonça, coordenadora do Laboratório de Climatologia (LabClima) do Departamento de
Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ao Edital do CNPQ obteve
aprovação. Tinha por objetivo identificar eventos meteorológicos extremos e analisar suas
relações com processos de expansão urbano-rural como forma de contribuir para reduzir a
vulnerabilidade das comunidades das áreas de estudo, do ponto de vista da melhoria na
previsão e dos planos de monitoramento, prevenção e mitigação aos desastres socionaturais.
Duas bacias hidrográficas com longo histórico de enchentes foram definidas como áreas de
estudo: do rio Araranguá e do rio Itajaí-Açú, nas quais, os autores do presente artigo
participaram da primeira como pesquisadores. Este artigo presta homenagem à memória de
Prof.ª Dr.ª Magaly Mendonça, que por motivo de saúde, tal projeto não chegou a termo.
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Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
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8. RELAÇÃO ENTRE AS VARIABILIDADES DE BAIXA FREQUÊNCIA COM AS
PRECIPITAÇÕES SOBRE AS REGIÕES DE ITAJAÍ (SANTA CATARINA, BRASIL) E
COPIAPÓ (ATACAMA, CHILE)
Bárbara de Aguiar Dutra1
Hugo Romero2
RESUMO
A identificação de teleconexões é necessária, bem como a análise de suas influências sobre a
circulação atmosférica. Dentro das teleconexões se avaliam alguns padrões de oscilação
como El Niño Oscilação Sul, Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) e Antártica (OAA). O
objetivo desse artigo é analisar a relação entre as variabilidades de baixa frequência com as
chuvas ocorridas em cinco casos específicos nas regiões de Itajaí (Santa Catarina, Brasil) e
Copiapó (Atacama, Chile). Os dados de precipitação foram recolhidos em uma série de
informações a partir de reanálises no National Oceanic and Atmospheric Administration
(NOAA) e as informações a respeito dos índices das oscilações retirados dos boletins mensais
e trimestrais do NOAA, National Centers for Environmental Prediction (NCEP/NOAA) e Join
Institute for the Study of the Atmosphere and Ocean (JISAO). Todos os índices e dados
foram manipulados no software Excel, realizou-se correlação através de Pearson (r) e teste t.
De acordo com pesquisas relacionadas a temas similares, o El Niño e a ODP possuem
efeitos distintos e muitas vezes contraditórios, em alguns casos quando estão nas mesmas
fases serão construtivos e, destrutivos em fases opostas. A partir dos testes pode-se perceber
que nem todas as oscilações (OAA e ODP) influenciaram nas chuvas nas duas regiões. As
variabilidades atuam sobre as precipitações, mas não são os únicos fatores.
Palavras-chave: teleconexões; chuvas; oceanos; variabilidades climáticas.
INTRODUÇÃO
De acordo com Cavalcanti e Ambrizzi (2009) em meteorologia as teleconexões
explicam como anomalias de uma determinada região estão relacionadas a variações que
ocorreram em regiões distantes a primeira. Algumas vezes os padrões de teleconexões
tornam-se contínuos por anos, caracterizando a relevância que as variabilidades interdecenal
e interanual possuem na circulação atmosférica.
A Oscilação Sul, a qual pode ser descrita como uma gangorra barométrica ocorre no
setor tropical do Oceano Pacífico e é assinalada pelo processo de perturbação entre as
interfaces oceano-atmosfera. Esta oscilação resulta da variação de pressão atmosférica entre
Darwin (Austrália) e Taiti, e suas ocorrências derivam nas fases extremas como El Niño (fase
quente) e La Niña (fase fria). Em geral, o El Niño representa o aquecimento anormal das
águas superficiais do Oceano Pacífico Equatorial, enquanto a La Niña é responsável pelo
resfriamento, embora dependa da combinação com outros fatores, como extensão espacial e
magnitude das perturbações.
A pressão atmosférica no Pacífico apresenta valores menores em seu setor ocidental
e aumento em outras porções da região tropical, isso para anos de El Niño. A formação de
nuvens, abundantes chuvas e o acréscimo dos movimentos ascendentes são resultantes da
sinergia entre o aumento da evaporação no Oceano Pacífico, variação dos alísios e baixos
1Oceanógrafa (UNIVALI), Mestre em Geografia (UFSC), LabClima – GCN/UFSC -
(oc.barbaraaguiar@gmail.com). 2Geógrafo (UChile), Doutor em Geografia e Ordenación del Territorio (UNIZAR – ESP), Prof. Dr. da Facultad de
Arquitectura y Urbanismo da Universidad de Chile (UChile) – LabClima – GCN/UFSC.
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índices de pressão. A circulação geral sofre alteração quando o calor latente e os
movimentos ascendentes encontram-se acelerados proporcionando em outras regiões da
atmosfera movimentos descendentes, esses últimos movimentos atuam sobre o nordeste do
Brasil e Indonésia, minimizando as precipitações e formação de nuvens (ARAGÃO, 1998).
De acordo com Juliá et al. (2008) os eventos de El Niño e La Niña estão
correlacionados com a TSM e a intensidade dos ventos alísios do Equador. A fase fria
acentua os ventos alísios e a temperatura do oceano com anomalias negativas,
contrariamente, a fase quente apresenta anomalias positivas nas temperaturas de superfície
do mar na costa do continente sul-americano e o enfraquecimento dos alísios.
As áreas de atuação do fenômeno El Niño no Brasil estão dispostas ao norte e leste
da Amazônia, sul do país e semiárido nordestino. A Região Sul é afetada especialmente no
período de primavera com o aumento numeroso no volume de chuvas (VEIGA et al., 2000).
O fenômeno El Niño manifesta-se também com excessos pluviométricos na região
do Atacama, oriundos da banda circumpolar de sistemas migratórios de oeste,
consequentemente, influenciando em chuvas nas partes média e baixa da cordilheira e
acumulação de neve na parte alta da mesma (ACEITUNO, 1990).
A respeito da Oscilação Decadal do Pacífico (ODP), esta foi descoberta em trabalhos
sobre a ecologia da população de salmão no Pacífico Norte (MANTUÁ et al., 1997). De
acordo com Molion (2005) o período de constância é de 20 a 30 anos, enquanto o ENOS
de 06 a 18 meses.
Por outro lado, no Hemisfério Sul (HS) uma das principais variabilidades em médias
e altas latitudes é a Oscilação Antártica (OAA), também chamada como Modo Anular de
Altas Latitudes do Hemisfério Sul, a qual possui estrutura anular e simétrica implicando na
troca de massa e momento entre as latitudes médias e altas (BOIASKI et al., 2013).
As localidades de Itajaí, em Santa Catarina (SC), Brasil e Copiapó, Atacama, Chile,
estão posicionadas na América do Sul, ambas em latitudes próximas a 27ºS, sendo
banhadas por diferentes oceanos, Atlântico e Pacífico, respectivamente (Figura 1). O
município de Itajaí é caracterizado por clima subtropical chuvoso enquanto Copiapó é
marcado pelo desértico. Os episódios com elevados totais pluviométricos acontecem nas
duas regiões, podendo derivar nas ocorrências de inundações, enchentes e aluviões.
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Figura 7 – Mapa de localização da área de estudo. Enfoque na América do Sul (esquerda) e os pontos referentes
às duas localidades estudadas – Copiapó (Chile) e Itajaí (Brasil).
O clima do sul do Brasil tem como influência os aspectos característicos do relevo, a
radiação solar que abrange diferencialmente cada latitude, além da intensidade e posição da
Alta Subtropical do Atlântico Sul e da associação de uma circulação anticiclônica. No
período de verão a alta subtropical desloca-se para a região sudeste, enquanto que no
inverno para noroeste. Os fluxos de umidade e temperatura para a região são condicionados
em baixos níveis a partir da circulação associada a altas pressões e também a um sistema de
baixa continental, a qual está mais forte no verão (Baixa do Chaco). Ainda é possível
observar as monções de verão ao norte e máximos de inverno em latitudes médias, esses
acabam sendo os resultantes para as chuvas excessivas nos meses de janeiro e julho,
respectivamente (GRIMM, 2009).
O norte do Chile é descrito como uma estreita faixa entre o Pacífico subtropical
sudeste e a Cordilheira dos Andes, apresentando clima extremamente seco e estável, a qual
compreende o deserto do Atacama, considerada como uma das áreas mais secas do mundo
fora das regiões polares (BOZKURT et al., 2016). Os sistemas transientes que se deslocam
sobre o continente sul-americano sofrem perturbações pela importante presença dos Andes
(SELUCHI et al., 2008). Reboita et al. (2010) caracterizaram a região norte do Chile,
noroeste e centro-sul da Argentina com regime de chuvas semelhantes e homogêneas
durante o ano, embora estejam em localizações diferentes, sendo esses volumes explicados
por diferentes composições.
As denominações de enchentes e inundações devem ser distinguidas corretamente,
logo que, cada uma apresenta desenvolvimento diferenciado. De acordo com Kobiyama et
al. (2006) a inundação ocorre quando os rios transbordam as suas águas e ocupam áreas
aos seus arredores. Segundo Chow (1956) as inundações possuem três características
básicas como tempo, magnitude e frequência. A magnitude pode ser calculada pela taxa de
descarga, volume total de água, e altura da medição. O tempo e magnitude em conjunto
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constituem a taxa de descarga da inundação. Os aluviões estão caracterizados por
movimentos de fluxos rápidos e intensos a partir do acúmulo de água no solo, como
resposta de chuvas acentuadas ou degelo, transformando o terreno em um rio de lama ou
barro (ONEMI, 2012).
Este artigo tem como interesse investigar e avaliar as influências e relações das
variabilidades climáticas (ENOS, ODP, OAA) sobre as precipitações pluviométricas nas
localidades apresentadas. O intuito de analisar regiões tão distintas, com climas
diferenciados, mas na mesma latitude, é para o possível reconhecimento dos processos entre
a atmosfera e os oceanos e o seu comportamento em pontos distintos da Terra que possam
apresentar teleconexões atmosféricas. Para tal é necessário aprofundar as particularidades
de cada localidade e dos próprios fenômenos.
INDENTIFICAÇÃO DAS LOCALIDADES PESQUISADAS
MUNICÍPIO DE ITAJAÍ - SC - BRASIL
Itajaí está localizada na costa centro-norte do estado de SC, aproximadamente 100
km da capital Florianópolis. De acordo com o último censo realizado pelo IBGE em 2010 a
população era de 183.373 habitantes (IBGE, 2017). A economia local está atrelada ao
turismo, as indústrias de pescados e ao porto. A cidade conta com 50 empresas no ramo dos
pescados, especialmente com processados como sardinha, atum e camarão. O porto de
Itajaí lidera o ranking entre os exportadores de congelados brasileiros, sendo o segundo em
transporte de cargas (PORTO DE ITAJAÍ, s.d.). O turismo também é um setor econômico
importante para o município, com destaque para as praias; para a possibilidade de interação
com áreas verdes, como os parques do Atalaia e Ressacada, com vegetação atlântica
preservada; e ainda com a disponibilidade de receber cruzeiros marítimos.
No que diz respeito aos eventos extremos de cheias e de inundações, os elevados
volumes de águas registrados em Itajaí são provenientes dos rios Itajaí-Açú e Itajaí-Mirim,
concomitantemente, a maré alta do oceano, por vezes, impede o escoamento da água doce
dos rios, elevando o nível do mesmo e influenciando nos episódios de inundações. A
pluviosidade média anual é de aproximadamente 1.495 mm (GAPLAN, 1986; SCHETTINI,
2008) caracterizado climaticamente como mesotérmico úmido (PMI, 2016).
Segundo Monteiro (2001) as chuvas em SC possuem boa distribuição ao longo do
ano, influenciadas por sistemas meteorológicos como a Zona de Convergência do Atlântico
Sul (ZCAS), frentes frias, o relevo, a circulação marítima, dentre outros.
COPIAPÓ - PROVINCÍA DE COPIAPÓ - ATACAMA - CHILE
Copiapó está localizada aproximadamente 800 km ao norte da capital chilena,
Santiago. A mesma situa-se na margem sul do deserto do Atacama, no centro da Bacia do
rio Copiapó que possuí superfície de 18.047 km². Considerada a capital tanto da região do
Atacama quanto da província, formada também por Caldera e Tierra Amarilla (PNUMA –
GEO COPIAPÓ, 2009). A bacia do Rio Copiapó é caracterizada por subclimas
diferenciados, como: desértico litoral, de interior e marginal alto (DGA, 2004).
O clima da porção sul de Copiapó transforma-se gradualmente de deserto marginal
em estepe quente (DGA, 2004). As precipitações são distribuídas no período de inverno
(junho, julho e agosto), com registro anual de aproximadamente 16,6 mm e temperaturas
apresentando amplas variações (PNUMA – GEO COPIAPÓ, 2009). A circulação atmosférica
da região é controlada pelo regime geral do norte chileno, condicionado pelo Anticiclone do
Pacífico Sudeste responsável pela ausência de chuvas, além do mais é necessário considerar
a corrente marítima fria de Humboldt, fornecendo a umidade e nebulosidade da região
costeira (PNUMA - GEO COPIAPÓ, 2009).
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No que tange a economia, a mineração é uma das principais atividades na região,
empregando mão de obra e envolvendo 40% do PIB regional. Além disso, a indústria
pesqueira chilena é de extrema importância, ressaltando a ocorrência do fenômeno
ressurgência, o qual águas frias subsuperficiais e com abundantes nutrientes emergem para
águas superficiais, com elevada produtividade primária, influenciando na pesca
especialmente em países como Peru e o próprio Chile.
VARIABILIDADES DE BAIXA FREQUÊNCIA
EL NIÑO OSCILAÇÃO SUL (ENOS)
O El Niño Oscilação Sul é considerado a principal fonte da variabilidade no clima da
Terra. Essa oscilação promove modificações especialmente no Oceano Pacífico em
variáveis como vento, pressão, convecção tropical, na temperatura superficial do mar
(GRIMM, 2009b).
O termo El Niño foi caracterizado incialmente como uma corrente oceânica de
recorrência anual, quente e fraca, que transcorre para o sul ao longo da costa do Equador e
Peru no período natalino. A fase quente corresponde ao El Niño, a fase oposta, a La Niña
condiz com o esfriamento do Pacífico Tropical, e então denominada de fase fria do ENOS
(TRENBERTH, 1997). Na fase fria os valores registrados de temperatura do mar são
menores quando comparados as suas médias históricas, com águas mais geladas para a
região do Pacífico Tropical e leste. Já a fase quente caracteriza o acréscimo de 1 a 2ºC na
TSM, superior aos valores médios, nas regiões leste e central do Pacífico Tropical
(VAREJÃO-SILVA, 2006).
O El Niño influencia não somente a climatologia sul-americana, mas também a
economia e setores da sociedade, sendo no primeiro caso, o fenômeno agente de anomalias
climáticas, especialmente na regulamentação das chuvas, provocando alterações no padrão
de circulação da atmosfera (MINUZZI et al., 2006). As frequências dos episódios de eventos
extremos em várias regiões do Brasil são influenciadas pelo ENOS (GRIMM e TEDESCHI,
2004). As chuvas em SC durante o período de El Niño permanecem acima da média,
proporcionando os episódios de inundações, mesmo assim, esse fenômeno não pode ser
considerado o único responsável causador das enchentes (MONTEIRO, 2007).
As abundantes precipitações no Chile central e outros locais ao sul do continente são
provenientes do El Niño associado às anomalias positivas do Índice de Oscilação Sul (IOS) e
elevadas temperaturas da superfície do mar, concomitantemente, nas regiões Nordeste e
Norte do Brasil e; no Altiplano Andino é responsável pelas secas. As chuvas excessivas no
interior do nordeste do Brasil e Altiplano, além da diminuição das precipitações no sul do
Brasil e Chile central são atribuídas aos anos de La Niña (MENDONÇA e ROMERO, 2012).
Um evento de ENOS possui variação na intensidade, duração e evolução de cada fase, mas
em média ocorre numa frequência de três a sete anos (VAREJÃO-SILVA, 2006).
OSCILAÇÃO DECADAL DO PACÍFICO (ODP)
Essa oscilação assim como o El Niño apresenta duas fases: fria e quente. Na fase
quente as anomalias positivas da TSM ocorrem no Pacífico Tropical e, negativas no Pacífico
Extratropical para ambos os hemisférios. A fase fria no caso representa a situação contrária,
com anomalias negativas de TSM no Pacífico Tropical e positivas no Pacífico Extratropical
(Figura 2). A última fase quente iniciou-se em 1977 com término aproximado em 1998. A
partir de 1999 iniciou-se uma nova fase fria, a qual se acredita que deva continuar até 2025,
com a diminuição de episódios de El Niño e aumento de La Niña (MOLION, 2005).
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Figura 8 - Fases da Oscilação Decadal do Pacífico. Fonte: JISAO (2017).
As TSM durante a fase quente da oscilação tendem a ser anormalmente frias no
Pacífico Central Norte coincidindo com anomalias quentes de temperatura ao longo da costa
oeste das Américas (MANTUÁ e HARE, 2002). Kayano e Andreoli (2007) apontam que as
teleconexões de ENOS sobre as precipitações na América do Sul são consideradas forte
quando o El Niño e a ODP encontram-se na mesma fase, criando um efeito construtivo, e
quando estão em fases opostas o resultado é destrutivo. De acordo com Mendonça e
Romero (2012) o padrão de anomalia de temperatura é mais evidente quando ocorrem
simultaneamente a La Niña e a fase fria da ODP, do que quando acontece o El Niño e a
fase fria da ODP e La Niña e fase quente da ODP.
OSCILAÇÃO ANTÁRTICA (OAA)
Inicialmente a Oscilação Antártica foi historiada por Walker (1928) pela existência de
um padrão no cinturão de pressão através do Chile e Argentina em oposição ao Mar de
Weddell e de Bellingshausen que contornam o continente antártico. Recentemente essa
variabilidade foi incluída em pesquisas a respeito dos padrões de teleconexões global, sendo
reconhecida como o principal modo de circulação atmosférica no HS, representando as
variações na intensidade da circulação circumpolar da baixa troposfera (SANTOS e
FRANCO, 2010).
A OAA é conhecida também pela termologia de Modo Anular do Sul (em inglês,
SAM) e está caracterizada por uma diferença entre a pressão da atmosfera correspondente
ao nível do mar, dentre as latitudes de 40 até 65ºS. Os padrões de pressão atmosférica
associados ao SAM estão ao redor de um grande centro de baixa pressão no Polo Sul os
quais se deslocam até centros de altas pressões nas médias latitudes (MENDONÇA e
ROMERO, 2012).
A oscilação Antártica se refere a uma extensa alternância de massa atmosférica entre
a pressão superficial de médias latitudes e a pressão de altas latitudes (GONG e WANG,
1999). Gillet et al. (2006) realizaram uma pesquisa analisando a relação entre a OAA com a
variável temperatura e precipitação no HS. O estudo mostrou que a fase positiva da
variabilidade está associada ao tempo seco e quente nas regiões da Nova Zelândia,
Tasmânia e América do Sul, enquanto em grande parte da Austrália favoreceram as
situações frias e de umidade.
Na figura 3 nota-se o predomínio das anomalias negativas (frias) nas cores azuladas
na região da Antártica enquanto que positiva (quentes) nas cores vermelhas em regiões de
médias latitudes. Na fase positiva da oscilação os ciclones extratropicais e as frentes frias
observadas em médias latitudes deslocam-se para locais mais próximos à Antártica, na fase
negativa é esperado um comportamento contrário, destacando-se por uma presença maior
de ciclones e frentes na região de médias latitudes.
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Figura 9 - Oscilação Antártica ou Modo Anular Sul. Fonte: NCEP/NOAA.
METODOLOGIA
Primeiramente foram coletados dados de precipitação mensal nas regiões de Itajaí e
Copiapó para cinco casos: 1983, 1984, 1997, 2008 e 2011. Os episódios abordados foram
retirados de uma série temporal de 31 anos e escolhidos através da sua repercussão nacional
ou internacional; além da relação com o fenômeno ENOS, como por exemplo, em 1997 de
forte intensidade e segundo a literatura, importante para a climatologia e; a abrangência que
os eventos tiveram sobre as localidades analisadas. Os dados encontram-se disponíveis no
Global Precipitation Climatology Centre (GPCC) pertencente ao National Oceanic and
Atmospheric Administration (NOAA), proposto por Schneider et al. (2013). Estes dados
estão no nível de superfície e acessíveis desde 1901 até 2013, baseados em informações de
qualidade controladas a partir de 67.200 estações em todo o mundo.
Nesse estudo o grid de resolução espacial escolhido foi de 0,5º latitude x 0,5º
longitude. Para Itajaí foram recolhidas duas séries temporais mais próximas o possível da sua
localização geográfica, com latitudes de 26.75º e 27.25ºS, e longitudes de 48.75ºW.
Posteriormente a coleta dos dados foi realizada a média desses valores e a série resultante
utilizada nesse artigo. No caso de Copiapó utilizou-se a latitude de 27.25ºS e longitude de
70.25ºW, próximas à cidade, logo não foi necessário calcular a média como realizado para
Itajaí.
Para a caracterização dos eventos de El Niño e La Niña foram empregados os
critérios propostos pelo Climate Prediction Center (CPC) disponível no NOAA, que define a
ocorrência dos episódios de El Niño e La Niña quando os períodos quentes e frios são
baseados em um limiar de +/- 0,5oC para o Índice de Niño Oceânico (ONI), considerando a
média de 3 meses de anomalias de TSM na região Niño 3.4 correspondente ao oceano
Pacífico Equatorial. Os índices mensais da ODP foram retirados da tabela calculada por
Mantuá et al. (1997) nos anos escolhidos. Esse índice é calculado a partir das anomalias
médias mensais de TSM que são removidas para separar esse padrão a partir de qualquer
sinal de aquecimento encontrado nos dados. Para a última variabilidade analisada, a OAA
foi aplicada os índices mensais adquiridos através do CPC/NCEP.
Para possibilitar a relação entre as variabilidades como El Niño e La Niña, ODP e
OAA com a precipitação em ambas as localidades foram confeccionados gráficos, a fim de
promover visualmente a afinidade entre as variáveis, vale ressaltar que como em Copiapó as
chuvas são extremamente baixas em alguns gráficos seus valores foram multiplicados por 10
ou 100, com o propósito de auxiliar na análise do gráfico. Ainda se realizou correlação entre
as variabilidades/oscilações e as chuvas a partir de regressão linear e teste t de Student,
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verificando a significância estatística do coeficiente de correlação de Pearson (r), ao nível de
5%. Todos os dados e testes foram realizados no software Excel.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
ANO DE 1983
Os meses anteriores ao episódio de 1983 mantiveram-se no estado característico de
El Niño, de forte intensidade, com anomalias de +2,1ºC no trimestre de
dezembro/janeiro/fevereiro. O resfriamento ocorreu no final do ano com a diminuição das
anomalias. Os principais eventos de chuvas aconteceram em períodos de El Niño.
Os índices mensais da ODP para esse período mostraram que todos os meses
apresentaram sinais positivos, mas, ainda mais fortes em junho (2,36) e julho (3,51). Para a
OAA são notáveis os índices mensais negativos e positivos, e no momento que ocorreu o
principal evento deste ano, em julho, o índice da variabilidade era positivo e mais forte que
os demais (1,114).
As chuvas em julho para Itajaí foram elevadas, com aproximadamente 550 mm,
assim como o índice da ODP. Nos meses de abril e agosto as precipitações diminuíram do
mesmo modo que a curva da variabilidade; já em novembro e dezembro há o aumento dos
índices da variabilidade além de precipitações abundantes. Em Copiapó as máximas chuvas
se distribuíram em junho acrescendo em julho (Figura 4A).
No caso da OAA (Figura 4B) relacionando com Itajaí é possível perceber elevados
volumes de chuvas durante os índices negativos, como exemplo: janeiro, fevereiro e maio,
com registros superiores a 200 mm. Em julho o índice mensal está acima de 1,0 e é nesse
período a maior precipitação. Na figura 4B ainda é possível perceber que para Copiapó as
precipitações são escassas, quando ocorrem destacam-se poucos meses como julho, onde o
índice da OAA estava superior a 1,0.
Figura 10 - Precipitação em Itajaí e Copiapó relacionada às variabilidades ODP e OAA em 1983. Fonte: NOAA.
Elaborado por: Dutra (2017).
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A partir do coeficiente de correlação de Pearson (r) e teste t de Student pode-se
observar que o resultado de maior significância ocorreu entre a Oscilação Decadal do
Pacífico e as precipitações em ambas as localidades, uma com fraca correlação e outra mais
forte (Quadro 1).
Quadro 1- Precipitação em Itajaí e Copiapó correlacionando às variabilidades OAA e ODP em nível
de r², r e teste t no ano de 1983.
Fonte: CPC/NCEP, NOAA e JISAO. Organização: Dutra (2017).
ANO DE 1984
Ao contrário de 1983 o presente ano não esteve associado ao episódio de El Niño.
As excessivas precipitações em Itajaí ocorreram em agosto e as condições atmosféricas e
oceânicas sobre o Pacífico Equatorial se encontravam em neutralidade. Os índices da ODP,
com exceção de julho e agosto, apresentaram-se positivos e com maior intensidade em
março e abril. Para a OAA os índices distribuíram-se entre positivos e negativos, e os
negativos foram fortes especialmente em maio e dezembro.
De acordo com a figura 5A, em Itajaí a ODP apresentou índice superior a 1,0, e
meses com elevadas chuvas como: janeiro e março, acima de 200 mm. O maior volume de
chuvas fora em agosto, o qual, o índice da variabilidade esteve abaixo de 1,0. Entre março a
maio ocorreu uma diminuição do índice bem como das precipitações. Em Copiapó a
precipitação não acompanhou a curva da oscilação, como exemplo, têm-se julho com maior
volume pluviométrico, mas o índice menor que 1,0. Em março a precipitação segue o
acréscimo do índice. Os demais meses estudados apontaram para chuvas inferiores a 10
mm.
Conforme a figura 5B, na maioria dos meses o índice esteve inferior a 1,0. Maio teve
um dos menores índices de variabilidade, com -1,237, sendo o segundo menor registro de
precipitação em Itajaí. Em agosto a oscilação observada foi menor que 1,0, assim, o
esperado seria uma grande quantidade de chuva, como de fato ocorreu. Para Copiapó as
maiores precipitações registradas foram nos meses de março e julho, ambas com a OAA em
sinal positivo.
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Figura 11- Precipitação em Itajaí e Copiapó relacionado às variabilidades ODP e OAA em 1984. Fonte: NOAA.
Elaborado por: Dutra (2017).
Baseando-se no coeficiente de correlação de Pearson (r) e teste t de Student
observou-se que o resultado de maior significância ocorreu entre a OAA sobre as
precipitações em Copiapó, com fraca correlação, mas de acordo com o teste t, esteve abaixo
do valor esperado pela tabela, embora próximo do estipulado. Para Itajaí a OAA e a ODP
não foram significativas (Quadro 2).
Quadro 2 - Precipitação em Itajaí e Copiapó correlacionando às variabilidades OAA e ODP em nível
de r², r e teste t, no ano de 1984.
Organização: Bárbara Dutra, 2017. Fonte dos dados: CPC/NCEP, NOAA e JISAO.
ANO DE 1997
Nesse ano os indicadores atmosféricos ressaltavam a presença do fenômeno El Niño,
considerando que o IOS teve sua fase negativa intensificada entre os meses de março a
junho (BOLETIM CLIMÁTICO DEPARTAMENTO DE GEOFÍSICA - JUNHO, 1997). O
processo de intensificação do El Niño foi constante no mês de agosto com índices
comparáveis aos anos de 1982 e 1983. O episódio presente caracterizou-se pela evolução
do índice das anomalias na TSM do Pacífico Equatorial central (BOLETIM CLIMÁTICO
DEPARTAMENTO DE GEOFÍSICA - AGOSTO, 1997). Segundo Teracines (2000) o
fenômeno El Niño de 1997-98 tornou-se responsável pela maior parte das anomalias
climatológicas no Brasil, com perdas na produção agrícola. No caso da ODP nota-se que a
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
113
variabilidade apresentou índices positivos e de maior relutância em junho, julho e agosto.
Para a OAA os índices exibiram valores positivos e negativos, variando de -1,905 a 1,028.
A figura 6A mostra a ODP e as precipitações em Itajaí, constatando que não
apresentaram tanta relação sobre a curva da variabilidade. Os maiores índices da
variabilidade foram em junho, julho, agosto e setembro, todavia, as precipitações
encontradas foram inferiores quando comparadas a janeiro. Em outubro ocorreram algumas
inundações em Santa Catarina, e em Itajaí a quantidade ultrapassou os 300 mm e a ODP
apontou 1,61. Em Copiapó os maiores registros foram nos meses de junho e agosto, ambos
acima de 50 mm, e os níveis da variabilidade quase 3,0.
A Oscilação Antártica (OAA) (Figura 6B) registrou índices positivos e negativos. Em
Itajaí durante oito meses do ano as chuvas foram superiores a 100 mm, seis meses em
período de variabilidade menor que 1,0. Em novembro, por exemplo, as chuvas registraram
mais de 230 mm e a variabilidade esteve próxima a -2,0. Para a área de Copiapó
registraram-se meses sem precipitação, as que ocorreram nos meses de junho e agosto
tinham índices negativo e positivo, respectivamente.
Figura 12 - Precipitação em Itajaí e Copiapó relacionado às variabilidades ODP e OAA em 1997. Fonte: NOAA.
Elaborado por: Dutra (2017).
Através do coeficiente de correlação de Pearson (r) e teste t de Student pode-se
observar que o resultado de maior significância ocorreu entre as ODP e as precipitações em
Copiapó com boa correlação e resultado do teste acima do valor estipulado pela tabela para
comparação, também foi apresentada fraca correlação em resposta ao coeficiente para OAA
e chuvas em Itajaí, embora o valor de t calculado estivesse abaixo do necessário (Quadro 3).
Quadro 3 - Precipitação em Itajaí e Copiapó correlacionando às variabilidades Oscilação Antártica e
Decadal do Pacífico em nível de r², r e teste t, no ano de 1997.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
114
Fonte: CPC/NCEP, NOAA e JISAO. Organização: Dutra (2017).
ANO DE 2008
O índice de Oscilação Sul prosseguiu ao longo de novembro com fortalecimento da
fase positiva. No decorrer do mês a circulação atmosférica do HS caracterizou-se por um
padrão de onda com núcleos de anomalias positivas posicionados nos oceanos Pacífico Sul,
Atlântico Sul Ocidental e Índico (BOLETIM CLIMÁTICO DEPARTAMENTO DE GEOFÍSICA
- NOVEMBRO, 2008).
A ODP apresentou índices negativos, proporcionando valores mais fortes em agosto
e outubro, com -1,7 e 1,76, respectivamente. Para a OAA, com exceção de abril e maio, os
demais meses exibiram índices positivos, com forte oscilação em junho (1,348) e setembro
(1,386).
A figura 7 compara a OAA (7B) e a ODP (7A) em relação às precipitações. A ODP
mostrou índice negativo, assim, esperava-se que os registros de precipitação fossem
inferiores aos anos em que a variabilidade teve índice elevado a 1,0. Quanto a OAA
acredita-se que índices menores que 1,0 resultam em elevados volumes de precipitação,
para esse caso, as oscilações estiveram acima de 1,0, com exceção de abril e maio. Mesmo
assim ocorreram chuvas superiores as normais históricas em Itajaí. Em Copiapó muitos
meses registraram baixa precipitação, com exceção ao mês de agosto, ainda assim,
demonstrando-se inferior à Itajaí.
Figura 13 - Precipitação em Itajaí e Copiapó relacionado às variabilidades ODP e OAA em 2008. Elaborado por:
Dutra (2017).
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
115
A partir do coeficiente de correlação de Pearson (r) e teste t de Student pode-se
observar que o resultado de maior significância ocorreu entre a ODP e as precipitações em
Itajaí, com boa correlação, mas com o resultado do teste abaixo do valor estipulado pela
tabela para comparação. Também foi apresentada fraca correlação em resposta ao
coeficiente para OAA e precipitação em Itajaí, e valor de t calculado abaixo do necessário.
No caso de Copiapó as chuvas não estiveram relacionadas com as oscilações, nem de forma
fraca (Quadro 4).
Quadro 4 - Precipitação em Itajaí e Copiapó correlacionando às variabilidades OAA e ODP em nível
de r², r e teste t, no ano de 2008.
Organização: Bárbara Dutra, 2017. Fonte dos dados: CPC/NCEP, NOAA e JISAO.
ANO DE 2011
Em 2011 o evento de precipitação marcante ocorreu durante o mês de setembro.
Para esse período o IOS encontrava-se positivo, tendo coerência com a evolução do regime
da TSM no Pacífico Equatorial para época de La Niña (BOLETIM CLIMÁTICO
DEPARTAMENTO DE GEOFÍSICA, 2011).
Os índices da OAA ao longo deste ano foram negativos e positivos, sendo menor no
trimestre de julho, agosto e setembro e; elevado índice em dezembro. Fases positivas dessa
oscilação tem relação com o fenômeno La Niña, que no ano em questão permanecia entre
forte e moderada, com curto período de neutralidade.
A ODP para a figura 8A mostra índices negativos e abundantes chuvas em Itajaí,
alguns meses apresentaram totais superiores as suas normais climatológicas. Ainda é possível
perceber pela figura que as precipitações não acompanham simultaneamente o índice da
oscilação.
Os índices da OAA (Figura 8B) ao longo de sete meses foram negativos, com quatro
meses em que esteve positiva (maior que zero) junto com precipitações em Itajaí superiores
a 150 mm. A OAA teve o maior índice positivo em dezembro e precipitação acima da
normal. Para Copiapó o destaque na precipitação fora em junho, a mesma ocorreu durante
índices negativos da Oscilação Antártica e da Oscilação Decadal do Pacífico.
Cadernos Geográficos – Nº 36 – Maio 2017
116
Figura 14 - Precipitação em Itajaí e Copiapó relacionado às variabilidades ODP e OAA em 2011. Elaborado por:
Dutra (2017).
O quadro 5 mostra que com base no coeficiente de correlação de Pearson (r) e teste
t de Student, não houve significância entre as variabilidades e as precipitações em ambas as
localidades. As correlações foram fracas ou quase nulas entre as variáveis, com os resultados
do teste t abaixo do limiar especificado pela tabela de comparação.
Quadro 5 - Precipitação em Itajaí e Copiapó correlacionando às variabilidades OAA e ODP em nível
de r², r e teste t, no ano de 2011.
Fonte: CPC/NCEP, NOAA e JISAO. Organização: Dutra (2017).
CONCLUSÕES
A Oscilação Antártica (OAA), a Oscilação Decadal do Pacífico (ODP) e as
variabilidades do ENOS (El Niño e La Niña) estão relacionadas e associadas a determinados
períodos de precipitações pluviométricas. Conforme os casos analisados que registraram
chuvas intensas, como: 1983 e 1997. Ambos apresentam índices positivos para a ODP e
estavam na fase quente do ENOS (El Niño). Baseando-se neste estudo, pode-se afirmar que,
para os eventos analisados, as fortes chuvas para o sul do Brasil estão associadas ao ENOS.
Em 1984 e 2008, anos em fases neutras ou negativas do ENOS e diferentes índices
das oscilações (OAA e ODP), também foram registradas abundantes chuvas, além das
variabilidades, as precipitações são explicadas por diferentes atuações e configurações
atmosféricas. Em 2011 pode-se perceber que as oscilações não interferiram sobre as chuvas,
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117
sendo encontrados baixos coeficientes de correlação, as que ocorrem são derivadas de
outras condições meteorológicas como os sistemas presentes naquele episódio, o
Anticiclone, as frentes frias, os vórtices, a circulação marítima, a umidade e a climatologia
peculiar de cada localidade analisada.
AGRADECIMENTOS
Os resultados encontrados nessa pesquisa são produtos de uma dissertação de mestrado
elaborada por Dutra (2017), a qual fora possível concluir com bolsa cedida no período de
dois anos pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior programa
Demanda Social. A participação do Professor Hugo Romero é parte do Projeto de
Investigação 1150701 do Fundo Nacional de Investigações Científicas e Tecnológicas do
Chile.
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121
9. CHUVA E ONDAS DE CALOR EM SANTA CATARINA DURANTE EVENTOS DO EL
NIÑO OSCILAÇÃO SUL MODOKI E CANÔNICO
Rosandro Boligon Minuzzi1
RESUMO
A principal fonte de variabilidade climática interanual global é o fenômeno climático El Niño
Oscilação Sul (ENOS). As fases opostas dessa oscilação são denominadas episódios de El
Niño (EN) e La Niña (LN). Esta dissertação apresenta resultados de estudos recentes sobre a
variabilidade da chuva e ondas de calor no estado de Santa Catarina durante o EN e LN
Modoki e Canônico. Assim como observado em outras regiões do planeta, em Santa
Catarina há uma diferença no regime de chuvas durante a ocorrência dos dois tipos de EN,
tendendo a ficar dentro da normalidade nos eventos de EN Modoki e acima da normalidade
em EN Canônico. Durante a LN, o regime de chuvas não possui uma característica
relativamente tão definida quanto o observado em eventos do EN. Quanto à duração de
‘dias de calor’ durante ondas de calor, em média praticamente não há diferença
estatisticamente significativa observadas nos dois tipos de El Niño e de La Niña, em relação
aos anos neutros. A exceção é feita para Lages, onde os ‘dias de calor’ duram em média 4,3
dias (ao lado de Indaial, a menor duração dentre todos os valores obtidos) em anos de La
Niña Canônico, enquanto em anos neutros, a duração praticamente duplica (8,3 dias).
Palavras-chave: variabilidade climática interanual; oceano Pacífico; dias de calor.
INTRODUÇÃO
A palavra ‘teleconexão’ ou ‘padrão de teleconexão’ significa conexão a distância e,
em meteorologia, explica como anomalias que ocorrem em uma região são associadas a
anomalias em regiões remotas. Padrões de teleconexão são também conhecidos como
modos preferenciais de variabilidade de baixa frequência. Embora esses padrões possam
persistir por várias semanas ou meses, mostram uma parte importante da variabilidade
interanual e interdecenal da circulação atmosférica (CAVALCANTI e AMBRIZZI, 2009).
O El Niño Oscilação Sul (ENOS) é um importante preditor do clima de várias regiões
do mundo, em razão das suas influências já conhecidas, principalmente na precipitação e
temperatura do ar. Isto se deve em razão da grande extensão da região no Pacífico
Equatorial onde ocorrem às anomalias da temperatura da superfície do mar (componente
oceânica) que, juntamente com a Oscilação Sul (componente atmosférica), caracteriza a
ocorrência da forçante climática. A variação irregular e a persistência em torno das
condições normais da temperatura do Pacífico Equatorial revelam duas fases opostas do
ENOS. Um desses extremos é representado pelas condições de El Niño, quando se verifica
um aquecimento das águas (também denominada fase quente), e a situação oposta, ou seja,
quando se verifica um resfriamento das águas (também denominada fase fria),
representando condições de La Niña.
A grande capacidade da água, em transportar energia, faz com que a ocorrência do
ENOS provoque mudanças no padrão normal da circulação atmosférica. Por isso, a
ocorrência do ENOS é vista como agente de anomalias climáticas em várias regiões do
globo, por conseqüência, afetando diversos setores da sociedade e da economia. No sistema
agrossilvipastoril, as conseqüências desses efeitos exigem estudo minucioso, considerando
que o impacto no desenvolvimento de dada cultura depende da duração e severidade dos
períodos secos e da regularidade das chuvas, além de aumentar o risco de incêndios.
1Meteorologista (UFPel), Mestre em Agronomia (UFV), Doutor em Agronomia (UFV), Prof. Dr. do Departamento
de Engenharia Rural (CCA/UFSC) – (rbminuzzi@hotmail.com).
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122
No último El Niño registrado (2015/16), o jornal Folha do Oeste destacava no início
de novembro de 2015, alguns efeitos da ação do tempo na agricultura do Oeste catarinense
nas palavras do extensionista rural da EPAGRI (Empresa de Pesquisa Agropecuária e
Extensão Rural de SC) Valmir Kretschmer:
“Foi possível notar prejuízos, como a perda de fertilizantes e a
erosão nas lavouras. Há situações de perdas no cultivo de pêssego
por causa do granizo, e nas lavouras de trigo pelo excesso de chuva,
em que os agricultores tiveram que acionar o seguro rural, mas são
casos mais pontuais. O que observamos, de forma geral, foi um
crescimento desuniforme nas lavouras de milho por conta da perda
do fertilizante, que agora começa a se recuperar” (Folha do Oeste,
2017).
Recentemente, Ashok et al. (2007) apresentaram um diferente tipo de El Niño (EN)
chamado de EN Modoki. Este tipo de EN ocorre no Pacífico Central, enquanto o EN
Canônico (ou Convencional) ocorre no Pacífico Leste. Estes dois tipos também se aplicam
para a La Niña (LN), apenas diferindo as características quanto às anomalias da temperatura
superficial. Os impactos do EN Modoki no clima tropical e de latitudes divergem em relação
ao EN Canônico devido a diferente intensidade e localização das anomalias positivas da
TSM (temperatura da superfície do mar) do Pacífico equatorial (LARKIN E HARRISON,
2005; ASHOK et al., 2007).
Wang e Wang (2013) sugerem que as anomalias de chuva no sul da China durante o
outono e inverno estão positivamente correlacionados com o EN Canônico, mas não com o
EN Modoki. No Brasil, Li et al. (2011) verificaram que a precipitação fica abaixo do normal
durante todo o ano ao norte, centro e leste da Amazônia em anos de EN Canônico. Durante
o EN Modoki, são observadas anomalias negativas de precipitação durante o verão em
grande parte dessa região, enquanto nas demais estações do ano, a anomalia de
precipitação é próxima de zero ou positiva.
A situação geográfica da região sul do Brasil, garante a maior amplitude térmica do
ciclo anual de temperatura no país, com o maior contraste entre o inverno e o verão (em
torno de 11°C). Além das variabilidades espacial e sazonal do clima médio na região, há
também variabilidade climática em torno desse estado médio, em várias escalas de tempo.
Por exemplo, há significativas oscilações interanuais de chuva e temperatura, em razão do
fenômeno climático El Niño e La Niña (GRIMM, 2009).
Ciente da sensibilidade que ecossistemas e vários setores de atividades humanas
possuem em relação às adversidades climáticas esta dissertação apresenta uma compilação
de estudos referente à influência do ENOS Modoki e Canônico no clima de Santa Catarina.
ENOS E A CHUVA MENSAL EM SANTA CATARINA
Considerando somente eventos La Niña e El Niño de moderada e forte intensidades
no período de 1960 a 2004, sendo os eventos de fraca intensidade, considerados anos
neutros, Minuzzi (2010) utilizou a cronologia do ENOS baseada na TSM da região Niño 3.4,
que considera a ocorrência do fenômeno climático quando a média móvel de 5 meses da
anomalia de TSM da região oceânica, ultrapassa 0,4°C em seis ou mais meses
(TRENBERTH, 1997).
Aplicando o desvio normalizado na chuva mensal de setembro a maio, durante
eventos de El Niño, em setembro, observou-se uma tendência de chuvas abaixo da
normalidade no litoral catarinense, enquanto nos demais meses, houve uma tendência de
chuvas entre a média climática e acima desta, principalmente, em novembro (Figura 1a),
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janeiro, fevereiro e maio do ano +1 (Figura 1b), sendo este último, envolvendo quase toda
Santa Catarina.
a b Figura 1 - Classificações da chuva em Santa Catarina nos meses de novembro (1a) e maio (1b) durante eventos
do El Niño de moderada e forte intensidade.
Algumas hipóteses podem ser destacadas para a referida tendência das chuvas
durante eventos do El Niño, como a sua associação com a maior frequência de sistemas
frontais em relação a anos neutros e de La Niña, resultando num aumento de dias com
chuvas intensas (FEDOROVA et al., 2007) e a um aumento da frequência do Jato de Baixos
Níveis (JBN) sobre a América do Sul (SILVA, 2005), favorecendo o transporte de umidade
do Atlântico Norte e da Bacia Amazônica até o Sul e Sudeste do Brasil, principalmente
durante o verão (MARENGO et al., 2004).
Já em anos de La Niña, destaque para o mês de novembro que apresentou uma
tendência de chuvas com valores abaixo da normalidade (Figura 2a). No ano seguinte ao
início do fenômeno climático (ano +1), a tendência passa a ser de chuvas acima da
normalidade, principalmente em maio (Figura 2b) apesar dos desvios não serem tão
abrangentes e extremos. Grimm e Ferraz (1998) em uma análise mais abrangente destacam
que, em anos La Niña a Região Sul do Brasil apresenta anomalias negativas na primavera
do ano de início do evento e positivas no ano seguinte. De acordo com Zanotelli (2012), as
chuvas irregulares durante a La Niña 2011/12 provocou prejuízos na agropecuária
catarinense em torno de R$ 638.322 milhões, principalmente no oeste, litoral sul e alto vale
do Itajaí. No final de abril de 2012, 135 municípios catarinenses já haviam decretado
situação de emergência com 710.855 mil pessoas sendo afetadas devido à estiagem.
a b Figura 2 - Classificações da chuva em Santa Catarina nos meses de novembro (2a) e maio (2b) durante eventos
da La Niña de moderada e forte intensidade.
Além de ter o conhecimento do regime pluviométrico durante eventos do ENOS, é
importante analisar se tais efeitos possuem relação com a forçante climática. A literatura
indica grande número de estudos enfatizando a relação entre as anomalias da TSM do
Pacífico com o clima em várias partes do mundo. Grimm et al. (1998) mostraram que existe
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uma relação consistente entre anomalias de precipitação da região Sul do Brasil com as
fases do ENOS, sendo que, no ano seguinte a eventos de El Niño, as anomalias de
precipitação podem ser influenciadas pela TSM no sudoeste do oceano Atlântico. Mais
recentemente, Grimm e Tedeschi (2004) relataram que em episódios El Niño, o número de
eventos extremos de precipitação tende a aumentar no Centro-Sudeste do Brasil durante a
primavera. Enquanto em eventos La Niña eles notaram um comportamento oposto na
região, especialmente em outubro e novembro do ano de início da forçante climática,
ocorrendo diminuição expressiva em janeiro no número de eventos extremos.
Por isso, Minuzzi (2010) analisou o grau da correlação existente entre a TSM
(variável independente) de cada região uma das quatro regiões Niños com a precipitação
média mensal (variável dependente) de cada região agroecológica de Santa Catarina, para
diferentes intervalos de tempo (lags), sendo k = 1, 2 e 3 meses de TSM, antes da
precipitação de cada mês.
As chuvas de outubro, novembro, janeiro, abril e maio, foram as que tiveram o
maior número de coeficientes de regressão significativas aos níveis de 1 ou 5%. Estes meses
condizem com o maior número de anomalias significativas de chuva obtidas nas regiões
catarinenses durante as fases do ENOS, como em novembro e maio (Figuras 1a, 1b, 2a e
2b). Assim, pode-se inferir que as oscilações no clima estão correlacionadas com eventos do
ENOS de moderada e forte intensidades.
EL NIÑO MODOKI E CANÔNICO E A CHUVA SAZONAL EM SANTA CATARINA
No estudo dividindo o El Niño em Modoki e Canônico, Minuzzi (2015) utilizou
dados de trimestrais de chuva do período de 1959 a 2013 de nove localidades distribuídas
em Santa Catarina e a metodologia proposta por Wang et al. (2009) para classificar eventos
de El Niño Canônico e por Kao e Yu (2009) e Yu e Kim (2010) para El Niño Modoki. Os
seguintes meses foram definidos como representativos de cada um dos períodos sazonais:
setembro a novembro (primavera do ano 0), dezembro a fevereiro (verão do ano 0), março
a maio (outono do ano +1) e junho a agosto (inverno do ano +1).
A figura 3 mostra que em anos de El Niño Modoki, predominantemente, a tendência
durante a ocorrência deste tipo de El Niño é das chuvas ficarem dentro da normalidade,
salvo algumas exceções, principalmente na primavera.
a b
c d
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Figura 3 - Classificação da chuva para Santa Catarina durante a primavera (3a), verão (3b), ambos no ano 0, e
outono (3c) e inverno (3d), ambos no ano +1 a ocorrência do El Niño Modoki. (N= Normal; C= Chuvoso e;
MC=Muito Chuvoso).
Quanto ao El Niño Canônico, é quase unânime a identificação da forçante climática
com as chuvas acima da climatologia da primavera do ano 0 até o inverno do ano +1 em
Santa Catarina. Ressalta-se a classificação ‘muito chuvoso’ em todos os períodos analisados
obtida para os municípios de Lages e Concórdia, da mesma forma para o inverno (Figura
4).
a b
c d Figura 4 - Classificação da chuva para Santa Catarina durante a primavera (3a), verão (3b), ambos no ano 0, e
outono (3c) e inverno (3d), ambos no ano +1 a ocorrência do El Niño Canônico. (N= Normal; C= Chuvoso e;
MC=Muito Chuvoso).
Na hipótese do regime de chuva invernal estar associado ao EN Canônico, isto
demonstra a defasagem na resposta da TSM com a circulação da atmosfera, tendo em vista,
que geralmente o El Niño atinge o seu auge no final do ano 0 e início do ano +1. Coelho e
Ambrizzi (2000) analisaram as regiões do Pacífico Equatorial de maior influência na chuva
sobre a América do Sul em anos do ENOS e seus resultados indicaram que a região Niño 3
parece ser a que exerce maior influência sobre o regime de chuva no continente.
Os resultados encontrados para Santa Catarina são semelhantes aos obtidos por
Larkin e Harrison (2005), Weng et al. (2009) e Li et al. (2011). No primeiro estudo, os
pesquisadores mostraram que durante eventos do EN Canônico há um aumento na
quantidade de chuva no sudeste da América do Sul nos trimestres de setembro a novembro
(SON) e dezembro a fevereiro (DJF). No entanto, durante os EN Modoki, houve diminuição
da precipitação no centro-leste do Brasil e aumento no sul e sudeste da América do Sul,
durante o período SON.
Para o trimestre janeiro a março, Weng et al. (2009) mostraram que durante EN
Canônico (Modoki) a precipitação aumenta no sudeste da América do Sul (América do Sul
central) e diminui sobre a América do Sul central e tropical (sudeste e noroeste da América
do Sul). Já Li et al. (2011) destacam que para as regiões tropical e sub-tropical da
cordilheira dos Andes, prevalecem anomalias positivas para o EN Leste e negativas para o
EN Central durante o trimestre março a maio. Percebe-se que apenas os resultados
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encontrados para EN Modoki (chuvas dentro da climatologia em Santa Catarina) diferem
com os obtidos por Weng et al. (2009) e Li et al. (2011).
ENOS MODOKI E CANÔNICO E AS ONDAS DE CALOR
Eventos extremos associados a altas temperaturas produzem impactos na saúde e
mortalidade humana e, mesmo que em alguns casos não haja riscos de morte, trazem
distúrbios sociais, econômicos e a ecossistemas. Nos Estados Unidos, Ross e Lott (2003)
atribuíram as ondas de calor ocorridas no período de 1980 a 2003, por prejuízos industriais
e agrícolas na ordem de bilhões de dólares por evento no país.
Minuzzi e Frederico (2017) analisaram a relação entre o ENOS Modoki e Canônico
com ondas de calor em quatro localidades de Santa Catarina. Definiram onda de calor (OC)
como um evento de três ou mais ‘dias de calor’ consecutivos (UNAL et al., 2012) e um ‘dia
de calor’ aquele em que a temperatura aparente do dia excede o limiar do percentil 90 de
cada um dos períodos sazonais analisados: verão (dezembro a fevereiro), outono (março a
maio), inverno (junho a agosto) e primavera (setembro a novembro).
O histograma referente ao número de ocorrências de ondas de calor na primavera
(ano 0), verão (ano 0) e outono (ano +1) dos dois tipos de El Niño e de La Niña, bem
como, dos anos sem registros desta forçante climática são apresentados na figura 5 A
ausência ou apenas uma ocorrência de onda de calor durante os três períodos sazonais
foram mais observadas em anos neutros, que de certa maneira era esperado, tendo em vista
que o número de dados de anos neutros utilizados no estudo foram maiores.
Porém, numa análise de cada classe de ocorrência para cada um dos tipos de El
Niño e de La Niña, isto é, sem comparações um com o outro, pode-se notar que em anos de
El Niño e de La Niña Canônico há uma maior ausência de ondas de calor, e a frequência de
uma até quatro ocorrências diminui gradativamente, exceto em Campos Novos para El Niño
Canônico, onde a probabilidade de uma ocorrência é maior. Para La Niña Modoki a única
unanimidade é a maior frequência de que não ocorram ondas de calor, já que, para as
demais classes de ocorrência há distinções entre as estações. Chama a atenção, os
resultados para anos de El Niño Modoki, onde a maior probabilidade é de ocorrerem um ou
dois eventos de onda de calor.
a b
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c d Figura 5 - Histograma referente ao número total de observações de ocorrências de ondas de calor da primavera
(ano 0) até o outono (ano +1) durante eventos do ENOS Modoki e Canônico e anos neutros nos municípios de
Chapecó (a), Indaial (b), Lages (c) e Campos Novos (d).
A tabela 1 mostra que em média praticamente não há diferença estatisticamente
significativa na duração de ‘dias de calor’ durante ondas de calor observadas nos dois tipos
de El Niño e de La Niña, em relação aos anos neutros. A exceção é feita para Lages, onde
os ‘dias de calor’ duram em média 4,3 dias (ao lado de Indaial, a menor duração dentre
todos os valores obtidos) em anos de La Niña Canônico, enquanto em anos neutros, a
duração praticamente duplica (8,3 dias). No estudo, Minuzzi e Frederico (2017) também
mostraram que Lages foi a única localidade que teve tendência de aumento na duração de
‘dias de calor’ desde meados da década de 1980. É plausível este achado, já que das cinco
ocorrências de La Niña Canônico analisadas, apenas uma foi registrada no século 21, isto é,
nos decorrer das últimas décadas diminuiu a frequência de uma forçante climática (La Niña
Canônico) que resulta em menor duração de ‘dias de calor’ do que em anos sem atuação do
ENOS.
Tabela 1 - Média (MD) e respectivo intervalo de confiança a 95% da duração total sazonal (primavera
(ano 0) a outubro (ano +1)) de ‘dias de calor’ durante as ondas de calor nos municípios em estudo,
durante eventos de El Niño Canônico (ENC), El Niño Modoki (ENM), La Niña Canônico (LNC), La
Niña Modoki (LNM) e anos neutros (AN).
Campos Novos Indaial Lages Chapecó
-95 MD¹ +95 -95 MD¹ +95 -95 MD¹ +95 -95 MD¹ +95
ENC
ENM
LNC
LNM
AN
6
6
4,7
2
4,7
8,0a
8,2a
9,6a
8,6a
7,5a
10
10,4
14,4
15,0
10,2
2,1
3,5
1,7
1,4
2,7
9,6a
6,0a
4,0a
12,2a
7,1a
17,2
8,4
6,2
23,0
11,4
5,0
7,0
2,6
5,3
5,4
9,7a
8,8a
4,3b
10,2a
8,3a
14,4
10,7
6,0
15,1
11,2
4,8
4,7
4,4
5,2
5,4
6,3a
7,5a
7,1a
11,1a
7,6a
7,9
10,2
9,8
17,1
9,9
¹Médias com letras iguais não diferem estatisticamente ao nível de 5% em relação aos anos neutros (AN).
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