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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Leonardo Cavalcanti Rosas
O ENSINO EM ESCOLAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA EM
AGROPECUÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE DA
INSERÇÃO DE QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS NAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS.
RIO DE JANEIRO
2012
Leonardo Cavalcanti Rosas
O ENSINO EM ESCOLAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA EM
AGROPECUÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE DA
INSERÇÃO DE QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS NAS PRÁTICAS
PEDAGÓGICAS
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisitos parcial à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.
Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
RIO DE JANEIRO
2012
Rosas, Leonardo Cavalcanti O ensino em escolas de formação profissional técnica em agropecuária do Estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões socioambientais nas práticas pedagógicas. / Leonardo Cavalcanti Rosas –Rio de Janeiro: Nutes, 2012. 94 f. : il. v Dissertação (mestrado) -- UFRJ, Nutes, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Saúde, 2012. Orientador: Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca Referências bibliográficas: f. 78-82 1. Educação em Ciências. 2. Educação Ambiental. 3. Metodologia
Pedagógica. 4. Ensino Técnico Profissionalizante. 5. Educação em Ciências
e Saúde - Tese. I. Fonseca, Alexandre Brasil Carvalho da. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Nutes, Programa de Pós-graduação em
Educação em Ciências e Saúde. III. Título.
Leonardo Cavalcanti Rosas
O ensino em escolas de formação profissional técnica em agropecuária do
Estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões socioambientais nas práticas pedagógicas.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Saúde, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisitos parcial à obtenção do título de Mestre em Educação em Ciências e Saúde.
Aprovada em, ,de, , de, .
__________________________________________ Alexandre Brasil C. da Fonseca, Doutor em Sociologia, Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/UFRJ
__________________________________________ Ana Maria Dantas Soares, Doutora em Ciências Sociais,
Programa de Pós-Graduação em Educação Agrícola – PPGEA/UFRRJ.
__________________________________ Rita Vilanova Prata, Doutora em Educação,
Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde/UFRJ
Dedico este trabalho a todos os estudantes do Ensino técnico profissionalizante em agropecuária.
E a toda a população rural de Agricultores Familiares, Pilares invisíveis de sustentação deste país.
AGRADECIMENTOS
Agradeço em primeiro lugar àqueles que estiveram ao meu lado nesses momentos,
família e amigos são bens de valor inigualável, que participam continuamente da
construção da minha personalidade, e que por isso, estarão sempre comigo. Meu
agradecimento especial a minha mãe, Rosele Rosas e irmã Lívia Rosas, que
compartilharam angústias e alegrias, tal como meu primo-irmão Marcus Vinícius,
quem muito contribuiu para o início desta caminhada.
Em particular, deixo aqui minha gratidão a querida Júlia B. Morelli Rosas, esposa e
companheira que participou ativamente da construção desta dissertação, sendo por
vezes revisora e por outras conselheira. Pelas noites mal dormidas, estresses e
ausências durante o processo de construção deste estudo, o meu muito obrigado.
Durante estes dois longos anos conheci muitas pessoas e fiz grandes amizades,
meus agradecimentos aos prezados companheiros de turma e a estimada colega
Ana Gabriela de Souza Fernandes, por me lembrar das datas e auxiliar nas várias
etapas deste processo.
Não poderia deixar de mencionar o meu orientador, Doutor Alexandre Brasil C. da
Fonseca, por ter acreditado neste trabalho e me incentivado a todo instante,
demonstrando ser mais do que um professor, um amigo que acredito ter conquistado
para além deste momento.
“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender
qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para
produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.
Paulo Freire
RESUMO
Rosas, Leonardo Cavalcanti. O ensino em escolas de formação profissional técnica
em agropecuária do Estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões
socioambientais nas práticas pedagógicas. Dissertação (Mestrado em Educação em
Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Este trabalho busca compreender de que forma o curso técnico profissionalizante
em agropecuária se relaciona com o desenvolvimento da ciência e a adoção de
tecnologias no campo. Entendemos que a utilização indiscriminada de implementos
agrícolas pode comprometer a saúde ambiental e do trabalhador rural. Sobre esta
perspectiva procuramos conhecer também a relação do ensino com a dimensão
social, assumindo que é a partir deste aspecto que aumentam as chances do
indivíduo alcançar sua emancipação. Todavia, com a intenção de enxergarmos esta
integração dos aspectos técnico-científicos ao sócio-ambientais de forma prática,
tentamos partir da realidade dos agricultores familiares no Estado do Rio de Janeiro,
relacionando o desenvolvimento local à prática educacional das escolas do entorno.
Para isso, utilizamos o estudo de caso como recurso metodológico. Realizamos uma
vivência de três meses numa escola profissionalizante em agropecuária no Estado
do Rio de Janeiro de onde pudemos analisar o ensino praticado e sua relação com o
contexto social. Notamos certo grau de comprometimento, tanto da escola como da
comunidade acadêmica, com a capacidade e os recursos materiais dos produtores.
Entretanto não podemos dizer que o ensino profissionalizante em agropecuária
esteja intervindo de fato para a reconfiguração da lógica de produção e na
diminuição na exploração do trabalho.
Palavras-Chave: AGRICULTURA FAMILIAR; AGROECOLOGIA; ENSINO TÉCNICO
PROFISSIONALIZANTE;
ABSTRACT
Rosas, Leonardo Cavalcanti. O ensino em escolas de formação profissional técnica
em agropecuária do Estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões
socioambientais nas práticas pedagógicas. Dissertação (Mestrado em Educação em
Ciências e Saúde) - Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde, Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
This study seeks to understand the means by which a professional & technical
school in agriculture dialogues with science development and the adoption of rural
technologies. The author believes that the extensive utilization of pesticides can
harm the environment and the rural worker’s health. Under this perspective, he
intends to disclose the relation between teaching and the social dimension, assuming
that this relation increases the chances of a student to reach emancipation. Still,
seeking the practical integration of technical aspects and social-environment aspects,
the author tries to overview the everyday of familial rural workers of Rio de Janeiro
State and tries to connect this reality to teaching practice of nearby schools. In order
to fulfill this purpose, a case study was used for a methodological path. The author
experienced the routine of a professional & technical school in agriculture, in Rio de
Janeiro state, during three months, in which time he could analyze the process of
teaching and its relation with the social context. The study showed a certain
commitment from the school and academic community to the knowledge and
resources of rural workers. However, the study cannot affirm that the professional &
technical school in agriculture is truthfully influencing the renewal of rural
technologies and the decrease of worker’s exploitation.
Keywords: familial agriculture; agroecology; technical school in agriculture;
LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
1. QUADRO1: LISTA DE CURSOS.......................................................................... 18
2. FIGURA 1: ESCOLAS PROFISSIONALIZANTES EM AGROPECUÁRIA.............19
3. FIGURA 2: MAPA DO ESTADO COM LOCALIZAÇÃO DAS ESCOLAS...............25
4. FIGURA 3: APRESENTAÇÃO DO ENSINO NAS ESCOLAS................................27
5. FIGURA 4: MATRÍCULA POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA.....................40
LISTA DE SIGLAS
CEA Colégio Estadual Agrícola
CEB Câmara de Educação Básica
CEFFA Centro Familiar de Formação por Alternância
CEIA Colégio Estadual Interescolar Agrícola
CEPE Conselho de Ética em Pesquisa
CIA Colégio Interescolar Agrícola
CNE Conselho Nacional de Educação
CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade
CTSA Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente
EA Educação Ambiental
EJA Educação de Jovens e Adultos.
FEITA Faculdade de Educação de Itaboraí
IBELGA Instituto Bélgica Nova Friburgo
IESC Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário
MEC Ministério da Educação
MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PDE Plano de Desenvolvimento da Educação
PPP Projeto Político Pedagógico
PRONERA Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFRRJ Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Sumário
1. Introdução .................................................................................................................................... 13
2. Do campo teórico à percepção da realidade .......................................................................... 18
3. Concepções teórico-epistemológicas na prática da Educação do Campo ....................... 42
4. Ciências, Tecnologia, Agricultura e Sociedade: a intersetorialidade das questões
ambientais na prática educacional ........................................................................................... 65
5. Considerações Finais ................................................................................................................. 80
6. Referências Bibliográficas ......................................................................................................... 84
7. Apêndices .................................................................................................................................... 88
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1. Introdução
Há alguns anos conclui minha graduação em Medicina Veterinária, na Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Por ser esta uma universidade com
características peculiares, que proporciona uma diversidade de diálogos com a área
rural e com as questões agrárias, tive a oportunidade de direcionar o enfoque da
minha formação para este campo. Com o objetivo de me integrar mais a esta área
do conhecimento, dentre outras atividades, participei de um estágio interdisciplinar
de vivência em um assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) onde pude experimentar como as pessoas que viviam naquele lugar se
relacionavam com a terra. Foi quando comecei a entender um pouco melhor a
categoria denominada Agricultor Familiar e desde então tenho trabalhado com este
público, no Estado do Rio de Janeiro.
Ao escolher esta atuação profissional, mesmo já sabendo do que se tratava o
trabalho de extensão rural1, ainda acreditava que poderia usar alguns
conhecimentos teóricos de característica stricto senso da formação profissional.
Porém, não demorou muito para que eu descobrisse que a situação de abandono e
carência na qual vive a população do campo no Brasil, e neste caso específico no
Rio de Janeiro, é de tal forma que tive poucas oportunidades de colocar em prática
aquilo que o currículo formal do curso de medicina veterinária pôde oferecer. Na
realidade, o trabalho do extensionista ultrapassa as questões técnico-científicas e
exige uma sensibilidade sócio-ambiental. Para isso, o profissional deve ser capaz de
estabelecer relações de confiança com os trabalhadores rurais, conhecendo sua
realidade e interagindo com ela. Dentre as inúmeras dificuldades encontradas no
trabalho de campo, destaco o baixo grau de instrução ao qual estão submetidos os
agricultores. Muitos não sabem sequer ler e escrever, e uma boa parte consegue
apenas assinar seu próprio nome. Percebe-se, principalmente entre os jovens, uma
vontade de mudar esta realidade de descaso. Portanto, alguns deles buscam na
educação formal a chance de melhorar sua qualidade de vida.
1 Para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o principal objetivo dos serviços de assistência
técnica e extensão rural (Ater) é melhorar a renda e a qualidade de vida das famílias rurais, por meio do aperfeiçoamento dos sistemas de produção, de mecanismo de acesso a recursos, serviços e renda, de forma sustentável.
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Foi baseado neste contexto que se procurou saber como e onde se davam esses
espaços de formação. Devido à situação econômica na qual se encontram a maioria
destes agricultores há de se esperar que ao procurarem uma qualificação
profissional os mesmos busquem o ensino público e gratuito. Este fato contribuiu
para a tomada de decisão de estudar o ensino profissionalizante nas escolas
públicas do Estado do Rio de Janeiro. Após, procuramos saber quais destes cursos
de nível técnico mais se aproximavam da área agrícola, enxergando na qualificação
profissional técnica em agropecuária uma formação que tem bastante a contribuir
com o diálogo da capacitação dos agricultores familiares.
Entretanto, não se podia perder de vista outra especificidade deste público: por
serem já agricultores ou filhos de trabalhadores rurais, esses jovens possuem um
entendimento prático sobre o que é o trabalho na terra. Assim, ao oferecer uma
qualificação profissional e uma educação formal, a instituição de ensino deve a priori
se preocupar com a bagagem de conhecimento que a maioria deste público já
carrega consigo. Outro fato que motivou esta pesquisa se deve as incertezas sobre
a forma pela qual estes conteúdos e conceitos estão sendo passados para os
estudantes. Sabemos que os trabalhadores rurais vivem num contexto complexo e
particular, portanto, suas peculiaridades exigem políticas públicas específicas para
este meio. Desta mesma forma, a educação deve ser contextualizada, crítica e
voltada para atender as demandas desta população, conferindo os componentes de
equidade que devem estar presentes para que se garanta o direito do cidadão e o
dever do Estado de proporcionar educação a todos os indivíduos da sociedade. Por
isso, a tentativa de dialogar neste texto com as questões que envolvem a educação
do campo e o trabalho enquanto princípio educativo (FRIGOTTO, G.; CIAVATTA, M.;
RAMOS M., 2005).
Sobre este aspecto, em nossa pesquisa, há uma preocupação quanto à forma de
construção e disseminação do conhecimento. Buscou-se entender aqui as relações
que se estabelecem entre educadores e educandos no cotidiano acadêmico, dentro
e fora de sala de aula, de maneira que possamos compreender algumas das
diversas dimensões do ensino. Procuramos nas práticas pedagógicas por medidas e
ações que de alguma forma possam sugerir um diálogo com as reivindicações dos
movimentos sociais do campo, que contribuem com esta questão na medida em que
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elaboram propostas de uma educação do campo diferenciada em todos os níveis de
formação.
É grande a responsabilidade de formar cidadãos conscientes e de forma
contextualizada com as questões agrárias, que envolve diferentes possibilidades de
abordagem, passando pela disputa da terra e pela formação histórica do campo
brasileiro até as relações sociais que se estabelecem hoje. Tal como é grande o
desafio de não se limitar as questões técnicas características de um curso de
formação profissionalizante em agropecuária. Entendemos que o profissional
formado nestas perspectivas será capaz de exercer a sua profissão de forma
coerente com a sua realidade. Espera-se, portanto, que os jovens provenientes do
meio rural e com a vivência da agricultura familiar, permaneçam neste campo de
atuação enquanto profissionais de extensão rural.
De qualquer forma, percebemos que este curso técnico, por suas características de
formação profissionalizante, se relaciona de alguma maneira com o desenvolvimento
da ciência e a adoção de tecnologias no campo. Contudo, buscamos neste estudo
conhecer também a relação do ensino com a dimensão social, assumindo que é a
partir deste aspecto que aumentam as chances do indivíduo alcançar sua
emancipação. Todavia, com a intenção de enxergarmos esta integração dos
aspectos técnico-científicos ao sócio-ambientais de forma prática, tentamos partir da
realidade do cotidiano dos agricultores familiares no Estado do Rio de Janeiro.
Nesta perspectiva, apesar de conhecer algumas diferenças e exceções, podemos
destacar muitas práticas e hábitos comuns. A grande maioria dos agricultores ainda
faz uso de venenos e adubos químicos, muitas vezes sem nenhum tipo de
capacitação e sem preocupação com o uso de equipamentos de proteção. Este fato
se relaciona à implantação de pacotes tecnológicos, em grande parte impostos sem
nenhum diálogo com a sociedade. A utilização destes implementos agrícolas, além
do potencial prejuízo à saúde dos trabalhadores, gera gastos que podem
comprometer economicamente a produção.
Acreditamos que pesquisadores, professores e profissionais do campo, devem ter
como atribuição, resgatar as formas tradicionais de produção, valorizando os
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saberes populares e a consciência ambiental. Retomando, com isso, as
características sustentáveis da agricultura. Neste sentido, as ações educacionais
críticas contribuem para a formação de um profissional comprometido com o
contexto social, político e econômico no qual estão inseridos. Embora saibamos que
estas ações também estão imersas num campo de idéias e de disputas onde as
correlações de força são ainda desfavoráveis à mudança da lógica de produção
atual.
Por este motivo, analisamos neste estudo o ensino nas escolas técnicas em
agropecuária no Estado do Rio de Janeiro, dando ênfase aos processos
pedagógicos, em suas possíveis interações entre a teoria e a prática de produção,
ser humano e meio ambiente, saberes populares e conhecimento científico. Com
esta finalidade, utilizamos como parâmetro os aspectos abordados em Ciência,
Tecnologia e Sociedade, aproximando-os dos conhecimentos da Educação
Ambiental e da Agroecologia, observando o quanto os profissionais que atuam
nestas escolas conhecem/utilizam estes conceitos. Entendemos que para uma
formação integral e contextualizada, onde o objetivo maior seja a emancipação do
indivíduo, devem ser trabalhados temas que abordem o conhecimento científico e as
inovações tecnológicas dentro de um contexto amplo e geral, no qual este indivíduo
se insere e é inserido.
Desta forma, o presente estudo encontra-se dividido em grandes áreas temáticas,
que se limitam num campo teórico, mas que dialogam entre si nas práticas
educacionais. Por este motivo, apesar de trabalharmos com alguns conceitos
bastante discutidos, ao propormos uma articulação entre eles corremos alguns
riscos. Entretanto, tentar evitá-los poderia significar deixar de lado aspectos que
consideramos fundamentais para a análise situacional que nos propusemos a fazer
aqui. Assim, no primeiro capítulo explicamos a metodologia utilizada, suas
vantagens e desvantagens, além de delimitarmos nosso campo de estudo. Também
fizemos uma breve contextualização sobre o processo histórico de formação do
campo brasileiro e sua relação com a educação. No segundo capítulo é inserida a
discussão sobre as contribuições do movimento de Educação do Campo para a
formação do trabalhador rural e para as políticas educacionais, explicitando também
as diferenças e particularidades do ensino médio integrado ao técnico e às práticas
17
do trabalho enquanto princípio educativo. Relacionando-se ainda as questões que
envolvem o desenvolvimento científico e tecnológico às dimensões sociais.
Seguindo o desenvolvimento e a estruturação deste documento, no terceiro capítulo
é discutida a inserção da Educação Ambiental e da Agroecologia enquanto
componentes de integração das práticas de responsabilidade social que devem ser
abordadas no contexto educacional em questão. A abordagem destes temas é
realizada numa perspectiva de formação e responsabilidade de atuação dos futuros
profissionais formados por estas instituições.
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2. Do campo teórico à percepção da realidade Depois de tomar a decisão de estudar as escolas públicas do Estado do Rio de
Janeiro, procurei saber quais destes cursos de nível técnico mais se aproximavam
da área agrícola. De acordo com a Secretaria Estadual de Educação, o ensino
médio profissional do Estado conta com dezoito cursos técnicos, sendo eles
ordenados de acordo com o quadro 01:
Quadro1. Lista de Cursos oferecidos pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro
Administração
Agropecuária
Turismo
Desenho de Arquitetura
Edificações
Eletrônica
Eletrotécnica
Contabilidade
Enfermagem
Informática
Mecânica
Meio Ambiente
Metrologia
Patologia Clínica
Prótese Dentária
Secretaria Escolar
Química
Secretariado
Dentre estes cursos, os que mais se relacionam com a área rural são o de Meio
Ambiente e o de Agropecuária. Entretanto, foi verificado que este último se encontra
mais próximo do sistema agrícola de produção. Por isso este estudo buscou
conhecer a realidade das práticas educacionais desta área técnica, acreditando que
as interações entre os aspectos agronômicos, sociais e econômicos devem ser
característica inerente desta profissão.
19
De início, os principais dados levantados foram: o número e a localização das
escolas profissionalizantes que oferecem o curso de agropecuária no Estado; o perfil
agrícola da região onde estas escolas se encontram; as funções desempenhadas
por este profissional. Os resultados desta busca permitem dizer que atualmente a
Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro oferece o curso
profissionalizante em agropecuária em oito escolas estaduais, conforme listadas na
figura 1.
Figura 1 - Escolas Estaduais com Curso Profissionalizante em Agropecuária no Estado do Rio de Janeiro
Escola Estadual Município
CEA de Cambuci Cambuci
CEIA Alm. Ernani do Amaral Peixoto Magé
CIA de Itaperuna Itaperuna
CIA José Francisco Lippi Teresópolis
José Soares Junior Itaboraí
Monsenhor Tomás Tejerina de Prado Valença
Rego Barros Conceição de Macabu
Rei Alberto I Nova Friburgo
Era esperado que, por se tratar de um curso técnico diretamente ligado as ciências
agrárias, os colégios agrícolas que oferecem esta modalidade educacional
estivessem localizados próximos às áreas rurais. De fato, pode-se constatar que
nenhuma destas instituições se localiza na região metropolitana do Rio de Janeiro, e
embora o Colégio Agrícola José Soares Junior esteja situado em uma região urbana,
todas as demais escolas encontram-se distribuídas pelas zonas rurais do Estado.
Foi por este motivo, inclusive, que inicialmente realizei um contato por telefone com
cada uma destas escolas, com a finalidade de obter algumas informações
preliminares. Após este contato, fiz um estudo exploratório, por intermédio de
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pesquisa na internet, dos sítios eletrônicos produzidos por estas escolas e por seus
alunos, onde foi identificada a existência de cinco destas com material online
disponível. Portanto, foi a partir destas fontes de informações que foi dado
prosseguimento ao estudo.
Após esta primeira etapa da pesquisa, o trabalho foi direcionado para uma destas
escolas, a qual foi escolhida de modo a evitar-se destoar da realidade das demais.
Para isso, levei em consideração: a média do número de estudantes matriculados, a
localização da escola (que seguindo a maioria, esta situada em uma área rural), a
relação entre o ensino médio geral e o profissionalizante, bem como o diálogo com
as comunidades de seu entorno.
Escolhida a escola que seria mais detalhadamente estudada, foi realizado um
estudo de caso (André, 2005; Yin, 2010). A utilização deste recurso permitiu
ultrapassar as limitações da simples relação descritiva e superficial dos fatos. Dessa
forma, tentou-se extrair deste recurso o máximo de realidade possível, para isso,
foram levados em conta, além dos dados empíricos, o contexto no qual tais dados
foram obtidos, os significados destes dados para os sujeitos envolvidos na pesquisa,
bem como as qualidades e as limitações do pesquisador. Logo, se o objetivo foi
utilizar uma abordagem que se aproximasse ao máximo da realidade, entendi que
deveria lançar mão de técnicas que permitissem um maior conhecimento do objeto
de estudo. Com esta finalidade, foram empregadas como técnicas de coleta de
dados, a observação, a entrevista, e as análises de documentos, de gravações e de
anotações de campo.
Entretanto, por se tratar de um estudo “aberto”, que permitiu múltiplas possibilidades
e flexibilizações no tratamento do tema, é importante deixar claro que, por ter
estudado o ensino técnico profissionalizante em agropecuária nas escolas estaduais
do Rio de Janeiro, embora esta investigação tenha sido conduzida em uma
determinada escola, tentou-se a todo instante dialogar com uma realidade maior.
Portanto, as contribuições que este estudo poderia trazer para o entendimento
global do coletivo de escolas em questão foi uma preocupação constante.
21
Contudo, foi decidido enfrentar este e outros riscos inerentes ao recurso do estudo
de caso, devido às inúmeras vantagens que esta abordagem pôde proporcionar,
dentre estas, destacam-se: a possibilidade de se obter uma visão holística de um
processo complexo; a proximidade com a realidade natural dos fatos a partir de uma
pesquisa em particular; e a exposição de pistas para a continuidade da pesquisa em
estudos futuros (ANDRÉ, 2005).
Após submeter este trabalho à Comissão de Ética em Pesquisa do Instituto de
Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
(CEPE/IESC/UFRJ), entrei em contato com a direção da escola, sendo prontamente
atendido e recebendo anuência institucional para iniciar a pesquisa. Foram
solicitados à coordenação pedagógica alguns materiais impressos que ajudaram a
evidenciar o projeto político-pedagógico desta escola. Os documentos analisados
foram: o currículo com a estruturação e a ementa das disciplinas, o plano de curso, o
projeto político-pedagógico e o programa de gestão da escola, onde pude obter
dados relevantes para a pesquisa.
Antes mesmo da primeira visita já havia uma expectativa boa sobre o estudo na
escola, pois durante os contatos por telefone a diretora se mostrou muito solícita e
receptiva. Esta impressão foi confirmada no primeiro momento. Ao chegar à escola
pude observar o grau de organização e limpeza no qual a mesma se encontrava.
Achei o espaço grande e bem aproveitado, logo na entrada pude ver vários canteiros
com flores ornamentais que enfeitavam a entrada dos pavimentos, mais tarde soube
que os canteiros eram cuidados pelos próprios estudantes. Fui convidado a entrar e
esperar o fim de uma reunião entre a direção e os professores, o funcionário me
deixou bem à vontade numa sala com água e café.
Após alguns minutos a reunião acabou e a diretora veio até a sala onde eu me
encontrava, acompanhada de uma professora que tinha um olhar sério e reparava
em cada movimento, como se estivesse me observando para iniciar um
interrogatório. A diretora falou de alguns projetos da escola e colocou a minha
disposição todo o material solicitado para a análise documental, após, me
apresentou a professora que a acompanhava e que parecia aguardar por este
momento para começar seu “inquérito”. Então, antes que eu pudesse perguntar algo
22
mais detalhado sobre os projetos mencionados pela diretora, ela começou as suas
perguntas. Tentei explicar um pouco do projeto e da linha de pesquisa, ela se
interessou e quis saber mais detalhes. Conversamos por algum tempo e ela então
me convidou para acompanhá-la em suas atividades. Foi quando comecei a
conhecer a sua competência e dedicação pelo seu trabalho. A partir daí, as visitas
para a pesquisa de campo não seriam as mesmas quando ela por acaso não
estivesse presente. Sempre solícita e preocupada em agradar a todos os visitantes,
conforme declaração da própria professora, fazia questão de me deixar bem a
vontade. O contato com a escola e toda a comunidade acadêmica foi algo
extremamente cativante e uma experiência enriquecedora.
Houve também uma grande identificação com os estudantes daquela escola. Tive a
oportunidade de conhecê-los bem, procurando me ambientar e trocar experiências
com eles, professores e funcionários. Foi neste ritmo que iniciei as primeiras
semanas da pesquisa. Participei de algumas aulas, da feira de ciências e de
algumas outras atividades da escola, anotando no diário de campo as experiências e
impressões. Freqüentei também o refeitório da escola, que estava sempre limpo e
arrumado, com uma cozinha ampla e alimentos muito bem temperados. Vale
ressaltar que as refeições eram dispostas de forma em que todos podiam se servir a
vontade e tinha sempre opções de saladas que eram provenientes da própria
escola, por meio de projetos como o da horta escolar e o da produção orgânica. Só
depois deste período, de aproximadamente dois meses, foi que comecei de fato as
entrevistas com os estudantes e professores do ensino profissionalizante.
Seguindo a pesquisa com o recurso metodológico escolhido, foi identificada a
percepção dos estudantes em relação ao ensino formal e ao seu conhecimento
prévio nas práticas de produção agropecuária, bem como sua participação no
contexto socioambiental. Estas e outras informações foram obtidas a partir de
entrevistas semi-estruturadas, gravadas em áudio e contando com a prévia
autorização do entrevistado, garantindo-se o seu anonimato. Ao todo foram
entrevistados vinte e dois estudantes, sendo dez do primeiro ano de formação e
doze do último ano, é importante destacar aqui que o conjunto de entrevistados foi
formado por todos os estudantes regularmente matriculados no ensino
profissionalizante da escola. Como são oferecidas anualmente trinta e cinco vagas
23
para este curso, entende-se que pode estar ocorrendo tanto uma baixa procura
como uma evasão escolar. Ressalto, porém, que este fato foi abordado no decorrer
das entrevistas e serão mais bem detalhados à frente. Além dos estudantes,
também foram entrevistados os três professores do ensino profissionalizante, neste
caso, apesar da escola ter conseguido mais um professor para o seu quadro
docente, este não foi entrevistado por ter ingressado somente no final do ano letivo.
Para a organização e discussão destas entrevistas, foi utilizado o recurso da análise
temática (MINAYO, 1999).
A estruturação da entrevista com os estudantes se deteve nos seguintes eixos2:
Incorporação de conteúdos científicos e tecnológicos e sua possível relação com o
contexto social do indivíduo; limitações e possibilidades referentes à prática
sustentável de produção agropecuária; relevância do conhecimento prévio e
intercâmbio com as novas informações; relação com a organização e o movimento
estudantil. Já os eixos que nortearam as entrevistas com os professores foram
direcionados considerando à prática pedagógica e às experiências anteriores, o grau
de formação, a relevância do intercâmbio de conteúdos com outras disciplinas e o
seu comprometimento com o desenvolvimento local.
Para a análise e coleta dos dados foram considerados os procedimentos de modelos
lógicos de Yin (2010, p. 178), em que os eventos são postos num padrão de
seqüencias de causa e efeito, no qual uma determinada atividade proporciona
resultados imediatos, que por sua vez provocam reações intermediárias,
responsáveis por gerar resultados definitivos.
Dando prosseguimento a organização dos dados da pesquisa, no que diz respeito à
função do profissional técnico em agropecuária, o Ministério da Educação, por meio
do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos, atribui como orientações:
Planejar, executar, acompanhar e fiscalizar todas as fases dos projetos agropecuários. Administrar propriedades rurais. Elaborar, aplicar e monitorar programas preventivos de sanitização na produção animal, vegetal e agroindustrial. Fiscalizar produtos de origem vegetal, animal e agroindustrial. Realizar medição, demarcação e levantamentos topográficos rurais. Atuar em programas de assistência técnica, extensão rural e pesquisa. (MEC. Catálogo Nacional de Cursos Técnicos. Em:
2 O protocolo desta pesquisa, com maiores detalhes sobre as entrevistas, se encontra no apêndice.
24
<http://catalogonct.mec.gov.br/et_recursos_naturais/t_agropecuaria.php>. Acesso em: 07 de dezembro de 2010.)
No presente estudo foi possível verificar que, no que se refere à formação técnica,
estas orientações estão sendo seguidas pelas escolas, entretanto, este documento
sugere de maneira formal as possíveis áreas de atuação profissional, o que não
deixa de ser uma sustentação para a hipótese de que este curso está intimamente
ligado às ciências agrícolas e à área rural. Contudo, a inquietação que motivou esta
pesquisa foi fruto das incertezas sobre a forma pela qual estes conteúdos e
conceitos estão sendo passados para os estudantes. Devido a uma preocupação
quanto à forma de construção e disseminação do conhecimento, buscou-se
entender as relações que se estabelecem entre educadores e educandos no
cotidiano acadêmico, dentro e fora de sala de aula, de maneira que possamos
compreender algumas das diversas dimensões do ensino, dentre elas o diálogo com
a sociedade e o direcionamento final deste profissional.
Para verificar a existência de um diálogo com o desenvolvimento local, procurou-se
compreender os possíveis vínculos entre as práticas de ensino e as características
regionais de onde estas escolas se localizam. A figura 2 facilita uma melhor
visualização da distribuição regional destas escolas no Estado do Rio de Janeiro,
além de permitir observar o potencial agrícola destas regiões. Conforme veremos, a
correlação destes dados influencia a metodologia pedagógica praticada, já que a
ênfase do ensino nos sistemas de produção varia de acordo com as aptidões
agropecuárias de cada região.
25
Figura 2 – Mapa do Estado do Rio de Janeiro com localização das Escolas Estaduais com Curso Profissionalizante em Agropecuária
26
Conforme podemos notar, na região Noroeste do Estado encontram-se duas escolas
estaduais agrícolas, sendo uma em Cambuci e outra em Itaperuna. Esta região tem
como principais produções agropecuárias a bovinocultura de corte e de leite; a
fruticultura (banana, citros e goiaba); o eucalipto; o café; o arroz; o feijão e o milho;
Já a região Norte, produtora de cana de açúcar, aipim, fruticultura (maracujá, coco e
abacaxi) e bovinocultura de leite e de corte, conta apenas com uma escola agrícola,
o Colégio Rego Barros.
Outra região que possui apenas uma destas escolas é a do Médio Paraíba, na qual
existe somente o Colégio Iinterescolar Agrícola Monsenhor Tomás Tejerina de
Prado. Nesta região predominam a bovinocultura de corte e de leite, a piscicultura e
o café.
A figura 2 também nos permite assinalar a ausência de escolas técnicas estaduais
profissionalizantes em agropecuária em diversas regiões do Estado, contrastando
com uma concentração destas escolas na região Serrana. Esta centralização talvez
se justifique pela predominância na produção de olericulturas3, principal atividade da
Agricultura Familiar nesta região, que faz este cultivo estar entre as maiores taxas
produtivas do Estado, o que pode proporcionar um aumento da demanda por estas
escolas de formação profissional. Nesta região, a distância entre as escolas e os
centros urbanos também são as maiores do Rio de Janeiro. Embora o Colégio
Agrícola Almirante Ernani do Amaral Peixoto esteja na média de distância das
demais escolas, que se encontram entre quatro e dez quilômetros de uma área
urbana, o Colégio Agrícola José Francisco Lippi, está a vinte quilômetros de
distância e o Colégio Rei Alberto I, dentre as escolas pesquisadas, é o que se
encontra mais longe de um centro urbano, situando-se a quarenta quilômetros deste.
Contudo, como a proposta era analisar estas escolas dentro de um contexto amplo,
não só a localização e as características agrícolas das regiões destas escolas
interessam como também outras informações mais gerais. Desta forma, cabe
destacar o momento em que se encontrava a política educacional na ocasião da
3 A olericultura é a área da horticultura que abrange a exploração de hortaliças e que engloba culturas
folhosas, raízes, bulbos, tubérculos, frutos diversos e partes comestíveis de plantas.
27
fundação destas instituições. Assim, a partir dos elementos fornecidos na figura 3,
podemos observar que, com exceção do colégio agrícola José Francisco Lippi,
fundado em 1938, todas as demais escolas tiveram sua fundação entre a década de
1980 e o ano 2000, embora essa escola mais antiga só tenha começado a oferecer
a modalidade profissional também neste período.
Figura 3 – Apresentação da organização do ensino nas escolas Agrotécnicas do Estado do Rio de Janeiro
Escola
Estadual
Ano de
Fundação Modalidade e organização do Ensino
CEA de
Cambuci 1980
Médio geral e técnico profissionalizante em
agropecuária. Oferecidos de forma integralizada,
com conclusão em três anos.
CEIA Alm.
Ernani do
Amaral
Peixoto
2000
Médio geral e técnico profissionalizante em
agropecuária. Dividido em duas modalidades,
sendo uma integrada ao ensino médio geral, com
duração de três anos, e outra chamada de
subseqüente, apenas para a formação técnica, com
duração de dois anos, destinada aqueles que já
possuem o ensino médio.
CIA de
Itaperuna 1980
Médio geral, com formação técnica
profissionalizante em agropecuária de forma
subseqüente, com três anos de duração no total.
CIA José
Francisco Lippi 1938
Médio geral, na parte da manhã e técnico
profissionalizante em agropecuária, no turno da
tarde, de forma subseqüentes. Desta forma, o
indivíduo com o nível médio completo pode optar
apenas pela formação técnica.
José Soares
Junior 1988
Apenas Técnico profissionalizante, com duração de
dois anos.
Monsenhor 1983 Médio geral, com conclusão em três anos e técnico
28
Tomás
Tejerina de
Prado
profissionalizante em agropecuária, com dois anos
de duração.
Rego Barros 1981
Médio geral e técnico profissionalizante em
agropecuária, de forma dissociada, concomitante
ou subseqüente. com dois módulos de duração de
um ano cada, no qual são aceitos tanto estudantes
que ainda cursam o ensino médio como os que já o
concluíram.
Rei Alberto I 1994 Médio geral em concomitância com o técnico
profissionalizante em agropecuária.
Portanto, o ensino profissionalizante em agropecuária ganhou força no Rio de
Janeiro justamente num período polêmico e de grandes discussões em torno do
ensino médio profissionalizante e geral, principalmente no que diz respeito à
integração ou dissociação destas modalidades.
Sobre este aspecto, podemos observar as idas e vindas da política educacional
desta época. Na década de 1990, por exemplo, pelo Decreto nº. 2.208/97, que
estabelecia as diretrizes e bases da educação nacional, o Governo Federal insere
abertamente um distanciamento entre as modalidades de ensino médio geral e
profissional, permitindo uma flexibilidade na educação profissional que passa a ser
desenvolvida em articulação com o ensino regular ou em modalidades distintas que
contemplem as estratégias de educação continuada. Algum tempo depois (menos
de dez anos), o Decreto nº. 5.154/04 revoga o de nº 2.208/97, trazendo a
possibilidade de um currículo integralizado entre as duas modalidades de ensino, de
forma que não se separasse a educação geral da profissional. Estes são exemplos
concretos que nos ajudam a entender o período de turbulência política no qual estas
escolas, recém-fundadas, estavam se estabelecendo e se desenvolvendo no Estado
do Rio de Janeiro. Conforme podemos observar na Figura 3, encontramos hoje o
ensino organizado de diferentes maneiras, entretanto, a prevalência ainda se
encontra na divisão do ensino em duas modalidades distintas. A seguir veremos um
29
exemplo concreto destas modificações nos currículos em decorrência desta agitação
da política educacional:
No Colégio Interescolar Agrícola Monsenhor Tomás Tejerina de Prado,
popularmente conhecido como Pólo Agrícola, o curso de nível fundamental (sexto ao
nono ano) é administrado em horário integral e já é possível destacar neste
segmento oficinas ligadas ao setor agrícola, como: horta, jardinagem e meio
ambiente. Porém, o curso profissionalizante em agropecuária somente começou a
ser oferecido dois anos após a inauguração da escola, em 1985. Nesta época o
ensino técnico era integrado ao ensino médio, com conclusão em três anos,
entretanto, esta realidade mudou no ano de 2000, quando houve a dissociação do
ensino na escola.
Neste ponto, é importante entendermos que este afastamento não ocorre de modo
isolado, é preciso enxergar as políticas educacionais dentro de uma conjuntura
social, política e econômica. Portanto, para que possamos avançar nesta discussão,
se torna coerente uma contextualização histórica que nos remeta a conquista do
território nacional, nos auxiliando no entendimento de algumas relações postas entre
o ensino e o processo de formação do campo brasileiro, o que influenciou
fortemente na construção das relações sociais que se estabelecem hoje em nossa
sociedade. Desta forma, pode-se dizer que as atuais desigualdades econômicas e
sociais encontram no caráter normatizador da educação formal, um potente
mecanismo que pode ser usado para a manutenção da hegemonia de uma
determinada classe social sobre outra. Sob este ponto de vista é que foi proposto
estudar o ensino que vem sendo praticado no curso técnico de agropecuária. Neste
caso, devido à impossibilidade de destituir-me de meus valores e opiniões, que se
manifestam da escolha do tema ao referencial teórico, tentarei aqui deixá-los claros
para o leitor (ANDRÉ, 2005).
Stedile (2005) introduz a discussão da ocupação do território nacional sabendo que
as sociedades que habitavam nosso continente possuíam estilo de vida nômade,
dominando parcialmente a agricultura e que devido à fartura de alimentos que se
encontrava, foram domesticadas para o cultivo apenas algumas variedades de
plantas existentes na natureza. Além do consumo próprio, esta produção também
30
era negociada entre as tribos, através de um modelo de intercâmbio organizado
numa forma de “comunismo primitivo”, não havendo qualquer sentido de
propriedade dos bens da natureza. Com a invasão, a colonização e a imposição de
leis políticas portuguesas no território brasileiro, os povos que aqui viviam foram
dominados e submetidos ao modo de produção praticado pelos conquistadores.
Estes visavam uma economia de mercado baseada no crescente capitalismo
europeu, no qual era fundamental que houvesse apropriação da natureza, para o
acúmulo e o envio de mercadorias para o império, gerando lucro através da
exploração comercial. Foi neste contexto que nasceu no Brasil o modelo
agroexportador. Pela necessidade de enviar a metrópole portuguesa uma
quantidade cada vez maior de produtos agrícolas foi adotada uma organização da
produção em larga escala, que se caracteriza pela exploração da natureza e do
homem, baseada nos sistemas de monocultura, na mão de obra escrava, no
emprego de técnicas modernas de produção, nas quais se podem destacar os
adubos químicos, fertilizantes e agrotóxicos. (STEDILE, 2005).
A negação de uma co-evolução entre a sociedade e a natureza, que se deu pela
substituição das práticas indígenas pelo modelo agroexportador, gerou formas de
agricultura socialmente injustas e ambientalmente desastrosas. Este modelo de
produção está vinculado à necessidade de aprimoramento das técnicas de
exploração, que por sua vez se relaciona ao desenvolvimento da ciência e a
incorporação de tecnologia. Encontramos nas diversas manifestações dos
estudantes do ensino técnico alguma referência no estilo de vida urbana, mesmo
entre os que viviam num cotidiano predominantemente rural. É fácil entender o
fascínio destes jovens pelos aparentes atrativos que a cidade oferece, o que vem
contribuindo com uma situação de êxodo rural ao longo do tempo. Saviani (1994)
considera que com a modernização da sociedade capitalista, a lógica de
subordinação se inverte: o campo passa a se submeter à cidade e a agricultura
adquire formas industriais, se mecanizando e utilizando diversas tecnologias no
processo de produção de alimentos.
Com o desenvolvimento da sociedade capitalista e a industrialização do campo, não
só as relações predatórias sobre a natureza se agravaram, como também as
relações sociais. Assim, as desigualdades ficam mais evidentes, se configurando
31
uma clara divisão de classes. Onde de um lado se encontram os detentores de
riquezas, responsáveis pela exploração da terra e do homem, e do outro, a classe
dos trabalhadores. Neste sistema há uma necessidade de aperfeiçoar cada vez mais
as técnicas de exploração, e é neste contexto que Saviani (1994) introduz a
importância da educação e da escola para a manutenção do “crescimento
econômico”: “a sociedade contratual, baseada nas relações formais, centrada na
cidade e na indústria, vai trazer consigo a exigência de generalização da escola.”
(SAVIANI, 1994, p.155). Assim, a classe dominante, única privilegiada de uma
educação escolar, vê a necessidade de difundir esta forma de ensino entre os
trabalhadores. Entretanto, esta generalização não ocorre de forma nivelada, posto
que, conforme o próprio Saviani (2007) alerta, essa divisão de classes irá provocar
também uma divisão na educação, onde pode se constatar duas modalidades
distintas:
Uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe não proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada nas atividades intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou militar. E a segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho. (Saviani, 2007, p. 155).
O fortalecimento desta estrutura faz com que fique cada vez mais evidente a
diferença entre as classes dominantes, detentoras de terras e riquezas e a classe
proletariada, possuidora da força de trabalho. Esta contextualização, conforme
Frigotto (2007) adverte, é importante para que não cometamos o equívoco
recorrente de analisar a educação em si mesma, ou seja, deslocada de uma
sociedade cindida em classes sociais desiguais. E é exatamente por esta divisão
que notamos uma manifestação da separação entre escola e produção. Enquanto
de um lado tem-se a educação para o próprio processo de trabalho, voltada para
atividades relacionadas à produção em si, como as atividades manuais, do outro ela
se destina à educação para o trabalho intelectual, preparando as futuras lideranças
civis e militares (SAVIANI, 2007).
Tomando esta breve contextualização como ponto de partida para nossa análise, é
possível dizer que não se deve buscar uma divisão entre o ensino profissionalizante
e o ensino médio geral. Ao contrário, na tentativa de encontrar alternativas que
visem superar as dicotomias existentes entre trabalho e educação, se torna inerente
32
que busquemos meios de integrar estas modalidades de ensino. Nesta perspectiva,
na proposta do currículo integrado do ensino médio, o trabalho é pautado como
princípio educativo, permitindo uma interlocução com a questão econômica, social e
cultural. Favorecendo, dessa forma, o diálogo entre conhecimentos gerais e
específicos, inserindo-os numa metodologia que promova uma construção conjunta
e coerente destes conhecimentos e suas finalidades. Logo, não cabe nesta estrutura
delimitar quantitativamente o que cabe a formação geral e a específica, visto que
estas são indissociáveis, inviabilizando qualquer recorte quantitativo (FRIGOTTO,
G.; CIAVATTA, M.; RAMOS M., 2005). Portanto, se acreditarmos que estas
transformações são necessárias, é importante que pensemos em caminhos que nos
levem a superação desta situação de afastamento entre Educação / Ensino Médio
Geral X Trabalho / Técnico Profissionalizante.
Todavia, conforme já exposto, apesar do Decreto Nº 5.154/04 permitir avanços
consideráveis no sentido da integração curricular, Frigotto, Ciavata e Ramos (2005)
ainda criticam muitos de seus aspectos, os autores entendem que para uma efetiva
integração do ensino é necessária uma concepção pedagógica que ultrapasse
limites, como por exemplo, o previsto em seu Art. 4º, que pretende
Ampliar a carga horária total do curso, a fim de assegurar, simultaneamente, o cumprimento das finalidades estabelecidas para a formação geral e as condições de preparação para o exercício de profissões técnicas. (Art. 4
o,
§ 2o Decreto Nº 5.154 de 23 de julho de 2004, grifo nosso)
Segundo os autores, isto não está de acordo com o que se buscou ao se instituir
este Decreto, já que permite uma continuidade do processo de paralelismo, na
medida em que prevê uma simultaneidade ao longo do ensino médio, mantendo-se
assim um caráter de independência entre a educação geral e a profissionalizante.
Desta forma, para que se institua uma nova concepção pedagógica é importante que
se entenda a integração de forma que não se desvincule o ensino geral do
profissionalizante, portanto, qualquer tentativa de adição ou sobreposição de
disciplinas pode prejudicar o seu sentido, que deve articular a essência do trabalho à
ciência de forma contextualizada com o desenvolvimento do indivíduo consciente de
sua realidade. (FRIGOTTO, CIAVATA E RAMOS 2005). Assim, os questionamentos
sugeridos por Santos (2007) se tornam pertinentes:
33
Será que a simples menção de processos físicos, químicos e biológicos do cotidiano torna o ensino dessas ciências mais relevante para o aluno? Será que o aluno aprenderá ciência mais facilmente com tal ensino? Muitas vezes, essa aparente contextualização é colocada apenas como um pano de fundo para encobrir a abstração excessiva de um ensino puramente conceitual, enciclopédico, de cultura de almanaque. (Santos, 2007, p.5)
Como este estudo buscou dialogar com a realidade encontrada, abordaremos
algumas questões práticas durante o desenvolvimento deste trabalho. Conforme o
exposto, dando continuidade a pesquisa, nota-se a falta de uma integração do
ensino profissionalizante em agropecuária ao ensino médio geral no Estado do Rio
de Janeiro, o que pode se justificar pelo direcionamento da formação para o trabalho
simples e “a não preocupação com as bases da ampliação da produção científica,
técnica e tecnológica e o direito de cidadania efetiva em nosso país.” (FRIGOTTO,
2007, p.1139). Entretanto, é possível observar, pela reprodução das falas de alguns
professores que a maioria concorda com uma integração, e embora isto ainda não
seja possível na conjuntura atual, acreditamos que caminhamos para a superação
desta condição.
O Professor “1” é aparentemente novo, usa uma linguagem bem coloquial e talvez
por isso esteja tão próximo dos estudantes, sendo inclusive convidado para Patrono
da turma que se forma neste ano de 2011. Em nossas conversas se mostrou
bastante entrosado também com a equipe de profissionais da escola. Recentemente
passou num concurso público para um estado fronteiriço com o Rio de Janeiro e
pediu transferência para uma escola mais próxima da divisa. Devido ao seu bom
relacionamento no trabalho, houve uma grande comoção com a sua partida, que se
daria no final do ano letivo. Pela reprodução de sua fala, parece que o que ele
entende sobre integração no ensino se aproxima de uma aparente contextualização,
conforme alerta Santos (2007).
Uso muita coisa, muita fisiologia vegetal. Não tem como falar de agricultura, falar de solo, falar de água, irrigação, se não falar de fisiologia. A planta se desenvolve, cresce. Falo muito também de biologia, matemática também é importantíssima, falo sobre cálculos. (...) Tem professores aqui na escola, eles abordam em cima de coisas da disciplina dele, ele conta a figura do atravessador, ele sempre coloca idéias pra os alunos, de história, de geografia, então, já começa a interligar uma coisa com a outra. (Professor “1” – Entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
34
Já a Professora “2” é um pouco mais exigente do que o Professor “1”, embora
também seja muito querida dos estudantes e da equipe, sendo escolhida para
Paraninfa da mesma turma. Esta professora abraçou o ensino técnico e esta escola
com muita garra. Parece estar bastante satisfeita com o seu trabalho, carregando
sempre um sorriso no rosto e bastante simpatia. Ela também dá aula para o ensino
fundamental e pude acompanhar bastante o seu trabalho com as crianças,
participando de oficinas de transplante de mudas e outras atividades desenvolvidas
por ela. O seu compromisso com a escola pode ser percebido na reprodução de sua
fala, onde expressa de forma mais apropriada o sentido de integração.
Pra minha concepção, esse colégio tinha que ser integrado. Integrado e integral. Ele tem que ser os dois em um. Esse colégio tem outra aptidão, ele tem outra estrutura e pra nossa realidade ia ser excelente. Por quê? Ele ia profissionalizar toda a garotada, toda clientela e automaticamente a gente ia mexer com o nível sócio-econômico da região. É automático. Tudo bem, a nossa educação ainda não é a melhor do mundo, não vai ser por um bom tempo, infelizmente. Enquanto a gente seguir a política do Banco Mundial, não tem jeito. Enquanto o governo brasileiro não adotar a educação e ter um plano educacional... Mas como não vai acontecer tão cedo... (...) agora, se o aluno ficasse na escola, porque a escola tem uma boa formação, independente de todos os programas educacionais que a gente tenha, a escola tem uma ótima estrutura física, tem um potencial pra formar excelentes pensadores (...). Não tem mais porque a gente está seguindo uma coisa engessada que o governo impôs. (...) Na agricultura você tem que falar de história, tem que falar de geografia, fala muito de química. A química é pesada, fala também de física, matemática, biologia. Não tem como fugir da base. Inclusive, uma coisa que é interessante, você já viu meu ritmo, não gosto muito de escrever nada, eu gosto de puxar pelo aluno do que ele sabe. Muitas coisas eu digo assim: vocês já viram no ensino médio, eles não conseguem trazer isso, mas por quê? Esse ensino dessa coisa que vem de Decartes, dessa coisa de: matemática, fecha a gaveta, geografia, fecha a gaveta. Isso é ruim, o aluno não consegue associar. Às vezes a gente tenta chamar ele, ai um outro aluno fala: "Ah! Realmente eu vi isso", "isso já foi falado", "em algum momento eu ouvi falar". Porque não é perdido. (Professora “2” – Entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
Sob uma perspectiva determinística poderíamos dizer que o ensino médio determina
e é determinado à luz do processo de trabalho. Ou seja, a forma de organização da
sociedade é condicionada pela forma de organização da escola e vice-versa. Nesta
lógica, a fragmentação do trabalho, sugere uma fragmentação do ensino, marcada
por um mercado onde os que pensam e controlam o processo de trabalho
“merecem” uma educação científico-intelectual, em contraposição aqueles que
executam o trabalho, que são destinados ao ensino profissional. Opondo-se a esta
visão é que Saviani (2003) introduz a noção de politecnia, a qual enxerga o processo
35
de trabalho como uma unidade “intelecto-manual” inseparável. Com base nesta
observação verificou-se a inserção do ensino profissionalizante em agropecuária
num contexto amplo, sem perder de vista a preocupação em observar as relações
que se estabelecem entre trabalho, educação, estrutura e realidade dos segmentos
sociais da escola e de seu entorno, buscando nessas relações indícios de
superação do modelo assistencialista e de aproximação com o processo
emancipatório do indivíduo nos diferentes contextos de desenvolvimento local.
Saviani (2007) atribui ao ensino médio o papel de recuperar a relação entre o
conhecimento e a prática do trabalho. Enquanto no ensino fundamental esta relação
é implícita e indireta, no ensino médio ela passa a ser evidente e direta. Assim
sendo, o objetivo ultrapassa a formação de técnicos por meio da reprodução do
processo produtivo no ensino, visando à formação de politécnicos. Segundo
definição do próprio autor: “Politecnia significa, especialização como domínio dos
fundamentos científicos das diferentes técnicas utilizadas na produção moderna.”
(SAVIANI, 2007, p.161). Enquanto o ensino médio técnico concentra as técnicas de
produção existentes, para a formação profissional específica numa determinada
área, provavelmente sem nenhuma conexão efetiva entre o contexto social,
econômico, histórico e cultural, a concepção politécnica busca não só a interlocução
com estes aspectos, como também sua articulação com o conjunto do processo
produtivo. Como sabemos este conceito ainda é pouco explorado no ensino médio,
embora o curso profissionalizante em agropecuária se concentre especificamente na
formação técnica, procuramos aqui por alguns aspectos que se aproximem da
concepção politécnica, como a articulação entre trabalho e educação e suas
dimensões, por exemplo.
É importante esclarecer que a politecnia, diferente do seu conceito literal, que
significa multiplicidade de técnicas, que podem inclusive estar isoladas entre si e
deslocadas do contexto social, econômico, político e cultural, visa integrar o
“domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o
processo de trabalho produtivo moderno.” (SAVIANI, 2003, p. 140). Portanto,
entendemos que para se garantir um ensino profissionalizante adequado, onde
estas diferentes técnicas estejam conectadas e contextualizadas, a modalidade
profissional deve estar integrada ao ensino médio, de tal forma que se evite apenas
36
a adição de disciplinas especificamente profissionais ao currículo, em detrimento das
disciplinas de formação geral. A defesa da prioridade de um ensino profissional
integrado ao ensino médio é sustentada também por Frigotto (2007), que espera
com isso a superação da visão reducionista que trata a educação tecnológica como
“upgrade do ensino técnico”. (FRIGOTTO, 2007, p.1140). Apesar disso, mesmo
consciente de que as escolas estudadas possuem a modalidade profissional de
forma concomitante e subseqüente ao ensino médio, novamente foi necessário
voltar à atenção para o contexto no qual as disciplinas e as situações de ensino são
abordadas, já que o objetivo aqui se concentrou num estudo da realidade e o ensino
profissionalizante em agropecuária ministrado de forma integrada ao ensino médio
geral ainda não é prática comum nas escolas estaduais do Rio de Janeiro, conforme
podemos observar:
A escola José Soares Junior é a única situada em área urbana e oferece o curso
técnico profissionalizante em agropecuária completamente destacado do ensino
médio geral. A princípio administrava ambas as modalidades de ensino, entretanto,
a partir de 2006 foi transferida para o local que funciona atualmente, passando a
oferecer somente o ensino técnico. Pela peculiaridade de se tratar de um curso
técnico, destacado do ensino médio, as disciplinas estão diretamente relacionadas à
formação profissional, quais sejam:
Módulo I (com duração de um ano):
Administração de Propriedades Rurais; Agricultura; Construções e Instalações
Rurais; Desenho e Topografia; Planejamento e Projetos
Módulo II (com duração de um ano):
Agricultura; Irrigação e Drenagem; Planejamento e Projetos; Processamento
de Produtos Agropecuários; Zootecnia.
Outro colégio com peculiaridades bem distintas é o Colégio Rei Alberto I, que apesar
do caráter concomitante entre o ensino médio geral e técnico profissionalizante, está
em fase de transição para a integralização do ensino no currículo, o que também
pode ser considerado um grande avanço, já que ainda não existem escolas
profissionalizantes com esta característica no Rio de Janeiro.
37
Entretanto, apesar de todas as críticas as quais estão sujeitas as políticas
educacionais atuais, é de se notar um progresso nas questões ligadas à educação.
Exemplo disso é um reconhecimento do Ministério da Educação (2007) de que a
formação profissionalizante não se restringe à formação para o processo de
trabalho, devendo estar vinculada a dinâmica que envolve o processo produtivo em
todos os seus aspectos. Ainda segundo o MEC (2007), não basta fornecer os
conhecimentos específicos relacionados a cada curso técnico, já que estes
conteúdos são insuficientes para a formação ampla e geral do indivíduo. Assim,
encontramos nestas afirmações uma aproximação com a concepção politécnica
proposta por Saviani (2003), e foi baseado nestes avanços que se procurou
identificar no princípio educativo uma assimilação entre teoria e prática articuladas
ao trabalho intelectual e manual. Por acreditar que desta forma o estudante terá
condições de aplicar todo o conhecimento adquirido, durante várias etapas de sua
formação, de maneira capaz de solucionar diversos problemas em diferentes áreas
do conhecimento (SAVIANI, 2003)
Considera-se animador o fato de encontrarmos no Ministério da Educação propostas
de superação deste quadro de paralelismo explícito, focadas no papel central do
ensino médio, apontando não só o mercado de trabalho como foco, mas também a
formação do indivíduo em todas as suas dimensões (MEC, 2007). É importante
ressaltar que estes avanços em grande parte são frutos das lutas da sociedade
organizada que pauta estas questões em seus espaços de disputa. Sob este
aspecto, com o objetivo de integrar o ensino médio a prática profissional, o Ministério
da Educação, através do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), criou em
2007 o Programa Brasil Profissionalizado, que visa fortalecer as redes estaduais de
educação profissional e tecnológica, através de repasses específicos de recursos do
governo federal. Desta forma os estados podem investir em suas escolas técnicas,
viabilizando a modernização e a expansão das redes públicas de ensino médio
integradas à educação profissional. Atingindo assim as recomendações propostas
no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos que, entre outras, prevê a construção de
laboratórios de física, química, biologia, matemática e informática (MEC, 2007).
Como estes repasses já estão sendo realizados, procurou-se conhecer um pouco da
estrutura oferecida pelas escolas à comunidade acadêmica. Como era de se
38
esperar, foram encontradas algumas muito bem equipadas e estruturadas e outras
nem tanto.
No Centro Interescolar de Agropecuária José Francisco Lippi foi possível observar
uma boa estrutura de apoio aos estudantes, na qual vale a pena destacar a sala de
vídeo, a biblioteca, os laboratórios de química, física e biologia e o de informática,
todos muito bem equipados. É interessante ressaltar ainda que durante a pesquisa
percebeu-se uma preocupação em destacar a importância do processo ensino-
aprendizagem, para isso, o colégio deixa explícita a disponibilização de materiais
didáticos que considera auxiliar na facilitação deste encaminhamento. Dentre as
tecnologias e os recursos oferecidos, realçam-se os instrumentos musicais, os
equipamentos e as ferramentas para o desenvolvimento das atividades agrícolas,
coleções, periódicos e literatura em geral e os equipamentos e materiais para o
desenvolvimento do trabalho de pesquisa na área de química e física.
Já no Colégio José Soares Junior as dificuldades são maiores. As diversas
modificações em relação ao local de funcionamento e ao próprio nome da escola
podem ter influenciado significativamente a sua estrutura atual. Antes denominada
Colégio Estadual José Severiano Soares Júnior, tinha a pretensão de ser um modelo
de desenvolvimento para a região, no entanto, devido a alguns entraves, dentre eles
a precariedade de transporte urbano até o colégio e a carência de recursos materiais
e humanos, inclusive de docentes, parece que esta expectativa não foi alcançada. A
escola foi então transferida de endereço, fato que se repetiu por várias ocasiões, por
vezes funcionando em condições precárias, chegando-se a cogitar o fechamento da
instituição. Entretanto, segundo foi possível entender com a pesquisa, no ano de
1994 o Governo do Estado do Rio de Janeiro, pelo Decreto nº 19.654 de 24 de
fevereiro de 1994, criou e re-nomeou o colégio, que passou a chamar-se Escola
Agrotécnica José Soares Júnior, que a princípio foi instalada em espaço cedido na
Faculdade de Educação de Itaboraí (FEITA). Mesmo assim, as dificuldades relativas
ao local de funcionamento do colégio permaneceram até o ano de 2006, quando foi
promovida a sua transferência para um prédio antes ocupado por outra escola.
Neste mesmo ano sua denominação mudou novamente, passando a ser chamado
Colégio Estadual Agrícola José Soares Júnior, como é conhecido hoje.
39
Dando continuidade a pesquisa, conversei com a diretora do Colégio Rego Barros,
que declarou passar por dificuldades em decorrência da instalação da Indústria de
Petróleo em Macaé, cidade vizinha. Segundo ela, os jovens da região estão sendo
absorvidos por esse mercado de trabalho, o qual possibilita um rápido retorno
econômico. A diretora considerou ainda que os jovens, filhos de pequenos sitiantes,
não dão valor ao ensino agrícola e à agricultura. Para ela o trabalho é ainda
dificultado pela falta de respaldo político e social, o que contribui para uma baixa
exploração do espaço físico do colégio, que conta com uma área de 26 hectares
praticamente ociosa, devido à falta de profissionais, implementos e insumos
agrícolas.
Finaliza-se este bloco com o Colégio Rei Alberto I que, antes de ser estadual,
pertencia a uma Organização Não Governamental, o Instituto Bélgica Nova Friburgo
(IBELGA), que, embora continue parceiro, cedeu o segundo seguimento do ensino
fundamental à prefeitura municipal de Nova Friburgo e o ensino médio ao governo
do Estado do Rio de Janeiro. Neste contexto, outro diferencial encontrado, diz
respeito à metodologia pedagógica, que é administrada em regime de alternância
entre o tempo escola e o tempo comunidade, praticando-se o período de uma
semana em cada tempo, intercalando-os. Seu local de permanência é um complexo
conhecido como Centro Familiar de Formação por Alternância Rei Alberto I (CEFFA
Rei Alberto I), onde funciona, em parceria com o IBELGA, o Colégio Estadual
Agrícola Rei Alberto I, que oferece o curso de ensino médio e educação profissional
em agropecuária, mantido pelo governo do estado, e a Fazenda Escola Rei Alberto I
que oferece o ensino fundamental, mantida pela prefeitura municipal de Nova
Friburgo.
Em meio a tantas peculiaridades e apesar de reconhecer na política atual do
Ministério da Educação um sinal de progresso em relação ao ensino
profissionalizante, este órgão ainda considera ruim a qualidade do ensino público.
De alguma forma concordamos, em parte, com esta avaliação, entretanto, não
poderia deixar de fazer algumas ressalvas. Para entendermos melhor esta questão
utilizaremos a figura 4, baseada nos dados do censo escolar, com a intenção de
melhor compreender a forma de distribuição nacional do ensino médio e técnico
profissional entre as instituições públicas e privadas.
40
Figura 4 – Matrícula no ensino médio e na educação profissional técnica de nível médio no Brasil por dependência
administrativa.
Dependência
administrativa
Ensino
Médio
(Regular)
Ensino Médio (EJA)4
Ensino
Médio
(TOTAL)
Educação
Profissional
Técnica de
Nível
Médio
Presencial Semipresencial
BRASIL 8.906.820 1.345.165 405.497 10.657.482 744.690
FEDERAL 67.650 814 - 68.464 79.878
ESTADUAL 7.584.391 1.172.870 371.398 9.128.659 233.710
MUNICIPAL 186.045 45.754 15.558 247.357 23.074
PRIVADA 1.068.734 125.727 18.541 1.213.002 408.028
* Fonte: MEC/SETEC elaborado a partir de INEP/Censo Escolar 2006.
Conforme podemos observar, a oferta de cursos técnicos é muito baixa em
comparação ao ensino médio como um todo e embora haja uma concentração do
ensino médio na rede pública de ensino, não se pode dizer o mesmo quanto à
educação profissional técnica, que se agrupam no sistema privado (MEC, 2007).
Sobre este aspecto o Ministério da Educação (2007) critica o ensino
profissionalizante público comparando-o ao privado.
“Embora haja escolas públicas de excelente qualidade, essa não é a regra geral. Dessa forma, grande parte dessas escolas, nas quais estudam os filhos da classe trabalhadora, tentam reproduzir o academicismo das escolas privadas, mas não conseguem fazê-lo por falta de condições materiais concretas. Deste modo, em geral, a formação proporcionada nem confere uma contribuição efetiva para o ingresso digno no mundo de trabalho nem contribui de forma significativa para o prosseguimento dos estudos no nível superior.” (EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA DE NÍVEL MÉDIO INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO - DOCUMENTO BASE, MEC, 2007, p. 26)
Neste caso, conforme destacado, em um nível nacional o documento aponta para
uma baixa qualidade do ensino público. Por outro lado, parecem corroborar com a
idéia de conferir ao academicismo das escolas privadas um sentido de qualidade do
ensino, atribuindo ainda a baixa qualidade das escolas públicas à falta de condições
materiais. Pode-se dizer que nas escolas estaduais do Rio de Janeiro encontram-se
4 EJA – Educação de Jovens e Adultos.
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muitos estudantes com poucos recursos financeiros, e a qualidade do ensino
influencia diretamente a formação destes estudantes, direcionando-os de alguma
forma para o trabalho ou para a continuação dos estudos. Contudo não se pode
julgar a qualidade do ensino nestas escolas baseados na falta de condições
materiais e, tão pouco, imputa-se à reprodução do academicismo das escolas
privadas um caminho para se elevar a qualidade do ensino.
Todavia, por se tratar de um ensino profissionalizante, a estrutura curricular do curso
de agropecuária deve ser elaborada de forma em que se aborde numa concepção
ampla a relação com o mundo do trabalho, buscando dar qualidade ao ensino nas
questões específicas inerentes a este curso. Conforme observa Saviani (2003),
também é importante que não se perca de vista a concepção de politecnia, que
deriva exatamente da problemática do trabalho enquanto princípio educativo. Neste
sentido, a realidade humana deriva do trabalho, já que o ser humano, através do
processo de trabalho, adapta a natureza às suas necessidades para viabilizar sua
existência (SAVIANI, 2003). Porém, a relação entre o trabalho e a educação escolar
nem sempre é compreendida de forma ampla pelos professores, que muitas vezes
confundem ensino contextualizado com a simples abordagem de situações
cotidianas (SANTOS, 2007).
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3. Concepções teórico-epistemológicas na prática da Educação do Campo Como vimos, o contexto educacional em grande parte, sofre influências das
questões ligadas a produção e ao mercado de trabalho. Este fato ganha posição de
destaque durante a Revolução Industrial que, dentre outras implicações, promove
uma mecanização da agricultura, forçando a necessidade de formar trabalhadores
capacitados para operar as novas tecnologias (SAVIANI, 2007). Com isso, se torna
crescente a importância de se educar a classe trabalhadora, a fim de capacitá-la
intelectualmente para organizar e qualificar o processo produtivo, gerando um
impasse na conjuntura educacional brasileira. Ao suprir esta necessidade, o
conhecimento passa a se incorporar ao processo de trabalho, se configurando assim
uma contradição da sociedade capitalista, como descrito por Saviani (2003), “se
essa sociedade é baseada na propriedade privada dos meios de produção e se a
ciência, como conhecimento, é um meio de produção, deveria ser propriedade
privada da classe dominante.” (SAVIANI, 2003, p. 137). Esta observação reforça a
idéia da proposta da substituição do preparo intelectual específico pelos cursos
profissionalizantes, organizados diretamente para suprir uma demanda de mercado.
O que gera uma bifurcação do ensino, a partir da escola primária, para uma
formação geral, destinada a burguesia e uma formação profissional, para a classe
proletariada. (SAVIANI, 1994)
Segundo Saviani (1994), este modelo de produção industrial vem acompanhado de
uma concepção de modernização que valoriza a vida nas cidades. O autor destaca
nesta análise o papel político da educação escolar na formação do cidadão, que tem
em sua própria epistemologia a prerrogativa da formação centrada na cidade. Logo,
é nesta conjuntura que se trabalha hoje a educação do campo, o que a torna
extremamente desafiante, pois ao evitar-se reproduzir os modelos educacionais
predominantes, assume-se uma lógica contra-hegemônica. Neste sentido, embora
haja concordância com Saviani e com a importância do conteúdo para a formação
do indivíduo, não poderia deixar de destacar a importância da metodologia
pedagógica utilizada no aprendizado. Portanto, ao se critica o modelo comumente
encontrado, no qual este conteúdo é narrado para pacientes, ouvintes. Este formato
em que se educa constitui ferramenta importante para a manutenção do status quo.
A reprodução, na prática educacional, de processos que geram exclusão, através da
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repetição ou da narração, faz do educador, que se julga sábio, doador do saber,
podendo desta forma ser usado como uma ferramenta que se “funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão” (FREIRE, 1970, p. 33).
Assim, Paulo Freire denomina de “educação bancária” esta visão distorcida de
transferência de conteúdo, fazendo uma analogia na qual a educação se torna um
ato de depositar, o educador, um depositante e o educando, um depositário. Desta
forma, quanto mais “enchidas” estejam as vasilhas, melhor o educador, ao passo
que quanto maior o receptáculo e a capacidade de armazenar passivamente as
informações, tanto melhor será o educando. Mantendo-se esta situação, nos
afastamos de uma educação problematizadora e contextualizada, abandonando o
objetivo de emancipação do indivíduo. Portanto, estas questões não foram deixadas
de lado ao estudar as escolas públicas localizadas em áreas rurais. Apesar de ter
consciência de que o modelo escolar não é a única forma de se educar na
sociedade, sabe-se que é este o modelo predominante de educação. Devido a isso,
este estudo se desenvolveu dentro dos muros da escola, verificando num modelo
formal de educação, elementos capazes de promover um diálogo com o contexto de
desenvolvimento local.
Conforme pudemos observar, este estudo trouxe como primeira hipótese a
existência de uma estreita relação entre o curso técnico em agropecuária e o meio
rural. Daí surgiu a suposição de ser de interesse da população do campo esta
formação profissionalizante, o que de fato se confirma no decorrer da pesquisa.
Dentre outras escolas de perfil semelhante, destaca-se mais detalhadamente nesta,
conforme veremos, que o corpo discente também é composto, em sua maioria por
filhos de produtores e trabalhadores rurais, residentes na localidade ou nas
comunidades adjacentes. Foi encontrada também uma preocupação em atender a
comunidade do entorno, neste sentido, a escola propõe o desenvolvimento de
projetos que estejam em consonância com a realidade local, visando oferecer novas
técnicas de plantio que irão beneficiar os produtores da região, tendo como objetivo:
Formar técnicos em agropecuária com uma visão holística e sustentável do “mundo agropecuário”, possibilitando novas abordagens com os produtores rurais e com a agricultura familiar. Esta dinâmica na formação dos técnicos é baseada na formação com foco na pesquisa e na reflexão, pois o colégio esta inserido em uma das maiores áreas de produção de vegetais do estado
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do Rio de Janeiro. (informações obtidas a partir do sítio eletrônico da escola).
Foi com esta perspectiva que o Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola
escolhida para o estudo de caso foi analisada, onde se encontrou não só a
preocupação com a formação de técnicos como também com o desenvolvimento
local:
Está situada em área rural (...) cujas principais atividades econômicas desenvolvidas são a agricultura e os serviços de hotelaria. O curso técnico em agropecuária é uma alternativa para a inserção dos alunos e da comunidade local no mercado de trabalho, contribuindo para a diminuição do êxodo rural e valorizando o trabalho do homem do campo. É importante dizer que além da valorização existe a necessidade de uma profissionalização das atividades desenvolvidas pelos trabalhadores rurais, que muitas vezes são submetidos a condições precárias de emprego. Contudo, em nossa região existe uma carência grande de mão-de-obra qualificada para trabalhar na produção agrícola. Portanto, existe a necessidade de se formar profissionais, em nível técnico para atuarem junto aos produtores, oferecendo novas tecnologias de cultivo e produção. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, pág. 4).
Este documento afirma ainda que, no ato de sua elaboração, 72,74% dos
estudantes eram filhos de agricultores e lavradores da região. Fato que pôde ser
confirmado ao abordar estes estudantes. Como notaremos pela reprodução de
algumas falas. Todavia há aqueles que por não terem nenhuma ligação com o
campo (embora este caso não seja o mais comum), preferem seguir seus estudos
em áreas diferentes das ciências agrárias. Ainda assim, consideraram válida a
experiência de se relacionar com estes conhecimentos. Quanto aos estudantes que
pertencem ao meio rural, alguns deles após concluírem o ensino profissionalizante
pretendem ingressar diretamente no campo, exercendo as atividades técnicas
agropecuárias em suas propriedades. Porém, também se encontram estudantes
que, embora pertençam ao ambiente rural, pretendem continuar seus estudos, se
interessando pela formação de nível superior, em cursos como veterinária,
agronomia e meio ambiente. De qualquer forma, continuariam exercendo as suas
atividades profissionais na área agrícola.
Esta foi a primeira entrevista realizada, de início gostei bastante do processo de
diálogo e da forma como a estudante “A2” se expressava. No entanto, ao
transcrever a gravação, não tive a mesma impressão inicial. Suas expectativas
divergiam daquelas que esperava encontrar e talvez por isso tenha ocorrido certa
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frustração. Ela sempre morou na cidade, andava sempre muito bem arrumada e
maquiada, embora não fosse a única com este perfil, parecia destoar um pouco do
restante da turma. De todo jeito, ela se articulava muito bem, era entrosada com o
grupo e tinha seus objetivos firmes, queria fazer faculdade de comunicação social e
não escondia isso de ninguém.
Na verdade por eu morar na cidade eu não trabalho no campo, então a maioria das coisas fica dentro da escola. (...) eu nunca tinha posto a mão na terra, então é bem estranho. Ás vezes em casa, que a gente tem um espaçozinho aí agora eu estou plantando morango e uva. São as únicas coisas, assim, fora da escola que eu faço. (...) Eu gosto do curso, gosto muito da área agrícola, mas foi uma área mais para expandir o conhecimento, que eu nunca quis fazer nada relacionado a isso, eu nunca quis me especializar, então o curso técnico foi mais para abrir minha mente, pra mim ver se eu gosto, do que eu gosto. (...) Eu pretendo sair daqui e fazer faculdade. Não relacionada à agricultura, nada disso. Eu escolhi fazer este curso porque eu gosto dessa área, eu não fazia nada durante as tardes, então eu resolvi fazer um curso técnico. (Estudante “A2” - 2º ano, entrevista realizada em 20 de outubro de 2011)
Encontrei no estudante “B2” um grande interessado pelo curso técnico, facilitando
bastante o nosso diálogo, não só porque era produtor e vivia do campo desde o seu
nascimento, mas porque se expressava extremamente bem, sendo inclusive
representante de turma. Nunca faltava às aulas e sabia dar o devido valor ao espaço
acadêmico e a sua equipe. Mostrava ter total consciência de sua realidade e sabia
exatamente o que queria na escola e no curso profissionalizante. Apesar de parecer
muito sério não aparentava ter mais do que vinte e poucos anos de idade, mas isso
não fazia com que o vissem com maus olhos, ao contrário, era muito admirado pelos
professores e todos daquela comunidade acadêmica.
Moro em área rural. Trabalho, sou autônomo, eu produzo e o lucro é de acordo com o que eu produzo. Minha renda familiar, em cima da agricultura, por exemplo, quatro ou cinco mil, entendeu? Em cima da agricultura porque meu pai mesmo não trabalha com agricultura não, só eu e minha mãe mesmo e os rapazes que trabalham com a gente lá. (...) Olha, eu tenho muita esperança, porque eu vi a necessidade de aprender técnicas de produção, de adubação, de controle de produção. Então eu resolvi fazer este curso e isso está me ajudando muito na minha cultura em casa, já melhorou muito a minha produção, a qualidade da minha produção. Embora eu faça um consórcio de químico com o orgânico, então eu estou passando pro orgânico, mas não totalmente orgânico, estou diminuindo os meus gastos, mas eu tenho muita expectativa. Eu não estou focado em procurar nenhum emprego, nem em loja nem nada, estou focado em cuidar da nossa terra lá em casa, e eu vejo que me proporciona um bom provimento, que é
uma coisa mais demorada, mas já me ajudou muito. (Estudante “B2” - 2º
ano, entrevista realizada em 13 de novembro de 2011)
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Pude perceber também que os estudantes que sempre viveram na área rural,
pretendem continuar neste meio. Entretanto, seus objetivos variam, há os que
pretendem exercer a sua atividade profissional, como é o caso do estudante “B2” e
os que querem continuar seus estudos, como a estudante “A1”. A grande diferença
que encontrei foi que a maioria dos que não querem dar prosseguimento a vida
acadêmica, pensam em exercer a profissão de técnico em agropecuária no próprio
sítio ou no de suas famílias, poucos falaram em concursos públicos ou outra forma
de atuação diretamente remunerada. Já aqueles que gostariam de continuar
estudando desejam trabalhar na área como profissionais assalariados, como é o
caso desta estudante.
Moro em área rural, (...) Desde quando eu nasci, meus pais são lavradores. (...) Eu pretendo ganhar conhecimento e depois fazer agronomia, eu pretendo me tornar uma agrônoma. Porque está muito envolvido no meu meio, por eu morar na área Rural, trabalha muito com essas coisas assim de olericultura, muita plantação. Aí minha intenção é focar mais na agronomia. (Estudante “A1” – 1º ano, entrevista realizada em 13 de novembro de 2011)
De fato, pude perceber que a maioria dos estudantes da escola é proveniente de
área rural, o que permite a este estudo dialogar com as questões ligadas ao campo
e ao movimento de educação do campo. Acreditando que o processo de construção
do conhecimento ocorra em diferentes níveis e dimensões. Entretanto, quando
tratamos de questões ligadas à educação, o que comumente fazemos é tratar de
questões ligadas diretamente à escola. Mesmo com a manutenção de outras formas
de educação, situadas à margem do ensino formal, como por exemplo, as
diretamente ligadas ao processo produtivo, estas continuam sendo subordinadas à
escola e passam a ser avaliadas sob uma ótica escolar (SAVIANI, 1994). Seria
interessante que entendêssemos a Educação do Campo enquanto parte de uma
política educacional reivindicada pelos movimentos sociais do campo, daí a
importância de encará-la como alternativa de aproximação do aspecto social ao
conteúdo programático e didático-pedagógico.
Portanto, se faz importante introduzir neste debate alguns conceitos, como por
exemplo, o da valorização da expressão “do campo”, que ocorre pelo entendimento
de não ser correto separar o território das dimensões territoriais, ou seja, educação,
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cultura, produção, trabalho, infra-estrutura, organização política, mercado, não
podem estar dissociados do território. Se assim estivessem, se constituiriam
dicotomias, nas quais o território poderia ser visto como elemento secundário e,
neste caso, perderia sua importância. E é exatamente por dar ênfase ao campo
enquanto território camponês que é utilizado o termo “do” Campo, no lugar de “no”
campo (FERNANDES, 2006).
O esclarecimento deste conceito nos ajuda a perceber de forma mais ampla as
reivindicações da educação do campo, que tem como uma de suas medidas garantir
o acesso a educação pública, em todos os níveis, com um programa especial, onde
jovens e adultos possam ter direito à educação profissional de nível médio e à
educação superior sem comprometer a sua permanência no campo (MST, 2009).
Portanto, baseados por esta proposta, podemos analisar a viabilidade de
participação dos trabalhadores rurais nos espaços formais de educação. De fato,
nesta pesquisa, verifica-se além de uma grande evasão, uma baixa procura pelo
curso. Atribuí-se esta ocorrência a dificuldade de participação dos trabalhadores
rurais, bem como de suas famílias, neste espaço formal de educação. Embora este
assunto gere muita polêmica, havendo grandes divergências de opinião por parte
dos estudantes e de alguns professores, a realidade nos mostra que a freqüência
regular e obrigatória compromete a permanência no campo, o que atrapalha
algumas famílias e inviabiliza a participação de outras. Muitos acreditam que a
pouca procura pelo curso é decorrente da falta de divulgação, outros alegam ser
pelo baixo comprometimento das pessoas da região, e há os que concordam que a
carga horária se apresenta enquanto fator limitante à freqüência no curso. Conforme
podemos observar:
Na verdade, a oferta [de vagas] é maior do que a procura. Bem maior. Eu sempre falo com os alunos: Não entendo essa região, agricultura, região rural e o curso não é tão procurado. (...) Até pode influenciar o fato de ter que ter o ensino médio e pra isso, a pessoa teria que ficar aqui o dia todo pra fazer o técnico também e com isso ter que lagar o trabalho. Mas hoje em dia, não é tão difícil você concluir. O cara ganha passagem, não gasta dinheiro com nada, o cara ganha alimentação aqui, fica o dia inteiro aqui e se alimenta e volta pra dentro de casa. Acho que não teria tanto problema assim. Na verdade, até influenciaria um pouquinho. Porque o ideal é que o aluno ficasse internado aqui de dia, faria o médio durante a manhã, o técnico à tarde, (...) o que a gente observa: Os alunos que já trabalham na área, (...) eles vêm com uma vontade de obter conhecimento, de obter informação, muito grande, então, o tempo curto que tem aqui, eles aproveitam ao máximo. Muitos do [curso] técnico são da área rural mesmo,
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mas não tem uma ligação direta com o campo, não trabalham no campo.” (Professor “1”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
Como havia posto, a Professora “2” parece mais contextualizada com o perfil sócio-
econômico da região. Talvez pela sua formação acadêmica ou até mesmo pela sua
condição econômica, que não é das mais favoráveis, ela se identifique de alguma
forma com as dificuldades apresentadas pelos estudantes e suas famílias. Acredito
que este fato ajude a enxergar uma realidade que nem sempre se mostra aos olhos
de quem não conhece esta situação.
A procura é muito baixa, é horrível. A gente faz divulgação, a gente pede os meninos pra irem nas salas, a gente botou a faixa aqui e lá embaixo. (...) Aqui influência. Por quê? A escola está mudando o perfil dela. Ainda não é muito expressivo, mas está. Tem muita criança da cidade estudando aqui. E os menino que são daqui da região, eles trabalham no contra-turno com a família. Então, isso também vai influenciar, é menos uma mão de obra. E muitas crianças aqui (...) fazem carga à noite, eles passam a madrugada empilhando os caixotes, que de dia, as pessoas levam pra lavoura, enchem de vegetal e deixam ali. Aí vem a equipe pegar e eles colocam num local. À noite, eles botam nos caminhões. (...) Isso é um tiro no pé, porque o menino fica na madrugada empilhando carga, ajeitando, pregado os caixotes. Ele de dia, às vezes vem “sonado”, e ainda ficar à tarde? É muito puxado. Isso pode influenciar o perfil de quem está freqüentando. (Professora “2” entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
A estudante “B2” cita a desistência como umas das causas do número de vagas
excedente. Neste caso, não podemos relacionar esta evasão ao simples
desinteresse por parte dos estudantes. Alguns podem ter outros motivos para não
conseguirem acompanhar o desenvolvimento da turma.
No caso, sobram [vagas]. A minha turma, um exemplo, tinham 20, saíram 10. Porque eu acho que as pessoas vêm como uma experiência: Ah! Se der
certo eu continuo, se não der certo eu não continuo. (Estudante “B1” – 1º
ano, entrevista realizada em 24 de outubro de 2011)
Novamente busquei nos dizeres do Estudante “B2” uma fala coerente com a sua
realidade e expectativas, por este motivo fiz questão de destacá-la aqui:
O que que acontece, eu estou fazendo um investimento em mim né?! Porque eu estou tirando do meu tempo de trabalho para estar estudando, só que se eu não estivesse estudando eu não estaria aprendendo como trabalhar, vamos dizer assim, na minha propriedade. Então eu estou perdendo, vamos dizer assim, entre aspas, dois anos da minha vida estudando, só que eu vou ter uma vida inteira para trabalhar o que eu
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aprendi nesse curso, essas práticas, essas técnicas. (Estudante “B2” – 2º
ano, entrevista realizada em 10 de novembro de 2011).
Não obstante as críticas apresentadas, salvo algumas exceções, a situação que se
mantém é a da lógica vigente, onde o ensino formal predomina e de forma
dicotômica entre ensino geral e profissionalizante. Atendendo, segundo Soares
(2004), ao consenso do direcionamento político exercido pela classe dominante.
Porém, conforme citado por Angotti e Auth (2001), o descontentamento da classe
oprimida contribui para uma ordenação da sociedade civil, que Soares (2004)
acredita ser de onde surgirá um novo projeto democrático de sociedade. Desta
forma, uma educação integral e politécnica, onde o objetivo maior seja a
emancipação do indivíduo, ainda é contra-hegemônica na sociedade capitalista
atual. Ao pensarmos na realidade das áreas rurais do Brasil, as lutas por melhores
condições de vida estão diretamente relacionadas às mudanças no modelo
educacional do campo e na forma de exploração de sua produção. Mesmo
concordando com este posicionamento a situação atual nos mostra que ainda
estamos longe de atingir este horizonte, onde o papel da escola enquanto “aparelho
de hegemonia, constitua um campo de luta, capaz de criar uma contra ideologia,
possibilitadora de um maior conhecimento, uma maior conscientização.” (SOARES,
2004, p.133). Buscar na escola este instrumento significa esperar encontrar a
comunidade acadêmica consciente de seu papel, articulados com a sociedade local
e os movimentos sociais organizados e comprometidos com estas mudanças,
entretanto esta situação ainda não é condizente com o que se pode observar nas
escolas estaduais do Rio de Janeiro.
Contudo, não se pode deixar de concordar com a opinião de que a manutenção de
uma educação excludente, onde não se dê prioridade à integralização curricular e a
reflexão sobre valores e atitudes profundamente enraizados na sociedade atual,
tende a favorecer a manutenção da “lógica vigente” de exploração e domínio. Se por
um lado o processo de globalização e o crescimento do capital favorecem as
grandes fusões e o fortalecimento de empresas multinacionais, por outro, a
concentração de renda e o aumento das desigualdades econômicas e sociais,
deixam cada vez mais evidentes a exploração e a exclusão da classe trabalhadora.
O que, segundo Angotti e Auth (2001), faz crescer o
50
Descontentamento das populações exploradas que tendem a se mobilizar para mudar esse panorama de exclusão. Exemplos contemporâneos no Brasil são os movimentos organizados, locais, regionais e nacionais (com destaque para o Movimento dos Sem-Terra), agrupados por interesses comuns e até mesmo por faixas etárias, como os grupos da terceira idade e os aposentados. Dentre as reivindicações explícitas de todos esses grupos, a de uma educação mais atuante, forte, comprometida com resultados em favor das maiorias está sempre presente. (ANGOTTI E AUTH, 2001, p.18)
Partindo-se do pressuposto de que o ensino profissionalizante não deve formar
simplesmente para o trabalho, buscou-se no princípio educativo do ensino técnico
em agropecuária as dimensões questionadoras, visando o objetivo emancipador da
educação, que critica o aprendizado de forma mecânica ou rotineira, se baseando
na articulação da prática com a teoria na busca por soluções cotidianas, em todos os
momentos de formação. Contudo, ao se estudar instituições de ensino formal, é
importante que se procure por sinalizações que apontem algum progresso nesta
estrutura, que embora rígida e problemática, vem mostrando indícios de
transformações ao longo da história. Entendemos, portanto, que estes avanços são
resultados de conquistas da sociedade civil (SOARES, 2004) que não podem ser
pormenorizados. Na prática, podemos diagnosticar alguns destes pontos até mesmo
nas próprias leis que regem a educação nacional (LDB 9394/96).
Sendo assim, sobre o ensino profissionalizante cabe destacar que, embora
inicialmente criado com caráter discriminatório, tendo como público-alvo pessoas de
baixas condições sócio-econômicas, a partir do século XX o enfoque educacional
sofreu algumas alterações. De qualquer forma, seu público continuava sendo as
classes com escassos recursos financeiros. No entanto, dentro das medidas que
regulamentam o ensino, foram realizadas algumas modificações nas leis específicas
para a educação profissional. Podemos perceber estes avanços, por exemplo, na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB 9394/96, onde artigo de nº 35
traz como finalidades para o ensino médio, a preparação para o trabalho e a
cidadania do educando, capacitando-os para novas condições de trabalho. Além do
aprimoramento da pessoa humana, com destaque para uma formação ética e para o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. O artigo cita
também a importância do conteúdo das disciplinas e a relevância da compreensão
dos fundamentos científico-tecnológicos, chamando atenção para a necessidade de
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se relacionar a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Outro exemplo
que vale ser citado diz respeito ao artigo nº 39 desta lei, que apregoa que “A
educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à
ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a
vida produtiva”.
Entretanto, segundo Freire (1970), para que a educação cumpra seu papel de
“libertar”, o educando deve exercer um papel ativo, pois “fora da busca, fora da
práxis, os homens não podem ser”, o insistir na visão distorcida da educação faz
com que não haja criatividade, nem transformação e nem saber. Esta busca faz da
“educação libertadora” conciliadora, superando as contradições existentes, “de tal
maneira que se façam ambos, simultaneamente, educadores e educandos”
(FREIRE, 1970, p.34). De fato, são muitos os desafios para a educação do campo,
entretanto se esperamos que a educação formal supere alguns obstáculos para
atender aos anseios da comunidade rural, se torna coerente que a prática
pedagógica utilizada seja amplamente discutida, sendo fundamental que estejam
presentes neste debate a comunidade e os movimentos sociais do campo. Daí a
importância de abordar, durante este estudo, a elaboração democrática do Projeto
Político Pedagógico e a participação da comunidade local neste e em outros
espaços coletivos de formação e decisão.
Sobre este aspecto, não é possível dizer que seja prática comum das escolas
técnicas em agropecuária no Estado do Rio de Janeiro a participação efetiva da
comunidade. Muito embora haja algumas exceções, como por exemplo, o Colégio
Rei Alberto I que por sua finalidade tem como princípio:
Valorizar a participação da família e da comunidade no processo formativo. Devido a este objetivo, a escola utiliza o recurso pedagógico da Alternância, implantado pelo IBELGA, que também se responsabiliza pela capacitação dos professores e pela assessoria técnica, administrativa e pedagógica. Sendo o trabalho no ensino médio uma continuidade do que se inicia no ensino fundamental. (Informações obtidas a partir do sítio eletrônico da escola http://cereialberto.blogspot.com/)
Outro dado obtido nesta pesquisa diz respeito ao amparo legal da proposta da
escola, que deixa evidente a possibilidade de diálogo com a Educação do Campo,
52
realçando novamente os aspectos positivos da legislação que rege o ensino formal,
conforme se destaca a seguir:
Por ser uma Unidade de Ensino que se propõe a Educação do Campo e o desenvolvimento de um projeto educacional que se propõe a adaptar-se ao ritmo de vida do jovem rural, este projeto está amparado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.424, de 24 de dezembro de 1996.) e pela Resolução CNE/ CEB de Número 01, de 03 de abril de 2002 (Diretrizes Operacionais Para a Educação Básica nas Escolas do Campo) e pelo Parecer CNE/ CEB 1/2006, Homologado pelo Ministério da Educação em D. O. da União em 15/03/2006. (Informações obtidas a partir do sítio eletrônico da escola http://cereialberto.blogspot.com/)
Excetuando-se esta escola, não houve nenhuma outra com uma proposta
semelhante. No entanto percebeu-se uma tentativa de integração com a sociedade,
mesmo que ainda não efetivamente concretizada. Durante as entrevistas, muito se
falou em participação da comunidade local nos espaços escolares, o que pode ser
considerado essencial para um processo de democratização da educação,
entretanto, não se pode dizer que as diretrizes curriculares são conseqüência de
resposta aos anseios da população, já que existem poucos indícios de participação
da comunidade, e de grupos sociais organizados na elaboração do Projeto Político
Pedagógico da escola estudada:
Os princípios educativos assumidos pela escola são desenvolvidos de acordo com as diretrizes do Projeto Pedagógico que foi elaborado coletivamente por toda a comunidade escolar (gestores, professores, funcionários, representantes discentes e representante de pais). As diretrizes deste projeto foram elaboradas a partir da realidade na qual a escola esta inserida, considerando as especificidades da região e da comunidade do entorno (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.8)
É possível supor que a difusão e o conhecimento da função deste documento
poderiam colaborar com uma melhor conscientização da comunidade acadêmica,
promovendo uma articulação com a sociedade local e os movimentos sociais, os
quais muito têm a contribuir no processo de democratização da educação. Todavia,
pode-se concluir que este objetivo ainda encontra barreiras, dentre elas, destaca-se
a falta de atividades de extensão, que é uma realidade apresentada pelos
professores, e que muito poderia contribuir para integrar a escola na comunidade:
Pela conversa com o Professor “1” pude perceber que suas idéias de extensão
estavam um pouco confusas, em alguns momentos ele falou em atividades de
campo, mas só depois entendi que na proposta dele, o dia de campo seria dentro da
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escola e a comunidade viria para assistir os experimentos dos estudantes. Não que
esta prática seja inválida, contudo, não podemos confundir esta atividade com o
trabalho de extensão, no qual a lógica é inversa. Embora acredite que este equívoco
não desmereça o professor, já que o mesmo se mostrou engajado e comprometido
com os avanços educacionais na escola.
Não conseguimos fazer esse ano, foi o dia de campo, pegaria uma área de campo e chamaria a comunidade pra observar isso. E fazia uma troca, né?! Uma troca de conhecimento, do teórico, que é dado acadêmico, com o que se ensina na prática. (...) A escola tem uma credibilidade muito grande na comunidade (...). Agora o Estado faz uma prova, tem que passar na prova pra ser o diretor da escola. Mas antes não, a comunidade indicava o diretor da escola e a permanência dele. Acredito que vá diminuir a força da comunidade dentro da escola. Porque isso começou agora, esse ano que começou essa coisa, pra ter um balcão de diretores lá. (Professor “1”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
Como veremos no capítulo seguinte, quase ninguém conhece de fato o Projeto
Político Pedagógico da escola, que embora afirme a influência da comunidade na
escola, não se encontram indícios que respaldem esta colocação. Ao contrário, nota-
se muita falta de projetos de extensão e de ações articuladas com a comunidade.
Contudo, a professora “B2” coloca que estas atividades estavam previstas, porém o
ritmo não permitiu que se colocasse esta proposta em prática.
Um ou outro aluno (...), eles vão fazer por eles o estágio, mas o estágio não estaria enquadrado em extensão, não (...). Extensão seria tipo: “Olha, agora a gente vai repassar uma técnica, numa comunidade dessas.” Ainda não se tem notícia de ter sido feito isso não. Infelizmente. Mas eu tenho um projeto, que eu estava querendo fazer isso, jogar a garotada pra fazer atividades. Isso era um projeto pra ser feito esse ano, mas não deu, esse ano ficou muito apertado. (...) Esse é um outro calo da gente (...), quando eu entrei aqui [a direção] queria trazer mais agricultor pra dentro da escola. Tanto é que a gente introduziu a qualificação no curso de solos, a gente faz as análises pra eles. Era um encontro pra trazer o agricultor aqui pra dentro, que eu promovi os dois encontros. Eu ainda acho que a participação da comunidade é muito fraca. Infelizmente. Acho que a escola também... A gente podia fazer mais pela comunidade. (Professor “2”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011).
Por ter desenvolvido este estudo em escolas agrícolas, esperava encontrar alguma
forma de diálogo com a comunidade rural e com os movimentos de educação do
campo, de onde surgem importantes contribuições, tanto no sentido de formação do
campo brasileiro, na medida em que lutam pela redução das desigualdades e
avançam com conquistas importantes no âmbito da redistribuição de terras e das
54
políticas públicas para a área rural, como no sentido educacional, reivindicando,
inclusive, o direito a uma educação de qualidade. Desta forma, os movimentos
sociais organizados, vêm conquistando espaço e diminuindo a lógica do
“conformismo”. Os resultados destes embates podem ser considerados positivos,
como Fernandes (2006) exemplifica, a Educação do Campo surgiu a partir das
demandas dos movimentos sociais do campo, de onde surgiu também o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, que tem como objetivo
geral “fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária (...), utilizando
metodologias voltadas para a especificidade do campo.” (PRONERA, Manual de
Operações, MDA/INCRA 2004, p.17). Portanto, para que fosse possível perceber se
este diálogo estava ocorrendo e em que condições ele porventura se dava, é
importante compreender melhor as reivindicações destes grupos.
Dentre os movimentos sociais do campo, talvez o mais conhecido seja o Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST. Em sua proposta por uma reforma
agrária popular, este movimento traz como um de seus objetivos a construção de
uma sociedade ecologicamente sustentável, sugerindo, para tal fim, alterações na
atual estrutura de organização da produção e da relação do ser humano com a
natureza. Considerando fundamental para “emancipação humana, valorizar e
garantir trabalho a todas as pessoas e para a construção da dignidade e da
igualdade, restabelecer relações harmônicas do ser humano com a natureza” (MST,
2009). Com esta finalidade podemos encontrar neste documento afirmações que
sugerem algumas mudanças necessárias, dentre elas destacam-se as de um novo
modelo tecnológico, que deve ser orientado pelo enfoque ecológico e participativo,
devendo garantir a produção de alimentos saudáveis.
Foi com base nesta percepção que este estudo se realizou, procurando desenvolver
uma análise crítica do ensino técnico em agropecuária, onde se tentou verificar se
estava ocorrendo uma falta de conexão entre a formação profissional específica e o
contexto social, histórico, econômico, cultural e político. De fato, podemos notar
certo distanciamento entre estas questões dentro da escola. Entretanto, fazendo
uma análise da correlação de forças em nossa sociedade, é possível entender que
uma educação que busque a emancipação do indivíduo, se configura numa lógica
contra-hegemônica, já que parece não ser objetivo da classe dominante integrar à
55
educação a dimensão social e a “alfabetização científica e tecnológica” (SANTOS E
MORTIMER 2002, p.4), o que poderia ajudar o estudante a compreender e a agir de
forma coerente com a sua realidade. Contudo, segundo Santos e Mortimer (2002),
este é um dos objetivos do ensino com enfoque em Ciência, Tecnologia e Sociedade
(CTS). Porém, como a incorporação do aspecto social vai num sentido contrário ao
da lógica dominante, não se pode esperar que este conceito seja posto sem
resistência.
De acordo com Santos e Mortimer (2002), é necessária uma leitura crítica sobre as
inter-relações presentes nos currículos. Estes autores concordam que o ensino de
ciências, por exemplo, deve ultrapassar os limites dos conceitos científicos,
assumindo um caráter multidisciplinar, no qual deve ser dada especial atenção a sua
história e filosofia, elucidando o seu contexto social e político, onde a ciência se
apresenta submissa aos interesses do mercado e do capital. Da mesma forma,
propõem que a educação tecnológica ultrapasse as dimensões técnicas,
favorecendo ao indivíduo o direcionamento da superação dos problemas locais, com
bases na sustentabilidade, no desenvolvimento social e na consciência ambiental.
Neste sentido, procuram também integrar ao currículo o componente social,
propondo favorecer a visão de grupo, na qual a percepção de organização social
sugere melhorar a eficácia das reivindicações, além de fortalecer a formação política
do indivíduo, que expande sua consciência de inserção na sociedade, ampliando
suas condições de intervenção no contexto (SANTOS E MORTIMER 2002).
Observando as necessidades e as limitações do ensino formal, da produção
científica e da transferência de tecnologia, julga-se importante garantir que a
sociedade exerça seu papel de participação nos processos de decisão para que,
desta forma, se minimizem as barreiras impostas. Sob esta perspectiva Santos e
Mortimer (2002) descrevem a importância de um currículo com ênfase em Ciência,
Tecnologia e Sociedade (CTS), no qual suas inter-relações devem ser respeitadas.
Procurou-se observar aqui, como os estudantes se relacionam com o conhecimento
científico e o desenvolvimento tecnológico. Verificando se estes estão ao seu
alcance e integrados às suas experiências, de forma que possam contribuir para
solucionar os problemas do dia a dia. Procurou-se entender também se estas
questões estão sendo tratadas de forma articulada com o seu contexto histórico,
56
político, econômico, social e cultural. Acreditando que a “alfabetização científica e
tecnológica” (SANTOS E MORTIMER 2002, p.4) deva estar integrada a dimensão
social, permitindo ao estudante compreender e agir de forma coerente com a sua
realidade.
Durante esta investigação foi levado em consideração os diferentes
questionamentos e as múltiplas abordagens que se poderia utilizar, buscando como
são postas as inter-relações no ensino e como se dão as atitudes para as tomadas
de decisões diante das situações reais do cotidiano (SANTOS, 2007). Foi verificado
também a inserção de temas problematizadores, nos quais se observou os diálogos
e os questionamentos provenientes de situações concretas. Ainda, de maneira geral,
seguindo o proposto por Santos (2007), foi averiguado como se dava as discussões
sobre a necessidade, as possibilidades, a forma de aplicação de tecnologias, bem
como seus efeitos na exploração ambiental. Assim, mesmo que sem a total
incorporação do componente social à dimensão científica e tecnológica, ainda que
tenhamos um olhar crítico quanto à inserção da comunidade na escola, encontrei
algumas propostas colocadas em prática que tendem a aumentar o nível de
interação com o contexto de desenvolvimento local. Dentre estas, destaca-se no
plano de gestão escolar uma proposta curricular que:
É elaborada levando em consideração as características da região, da clientela, bem como as Diretrizes e Orientações Curriculares Nacionais e Estaduais. Os planos de curso são construídos coletivamente pelas áreas de conhecimento e atualizados anualmente, de acordo com as necessidades dos alunos e da comunidade. Além disso, o componente curricular (...) compreende o desenvolvimento de projetos na área agrícola e de preservação ambiental. (Plano de Gestão Escolar da escola estudada, p.12)
No que diz respeito a estes projetos, tive a oportunidade de observar na prática
como são desenvolvidos. Portanto, é importante realçar algumas de suas
características, as quais proporcionam uma boa articulação entre teoria e prática,
além de inserir os estudantes no contexto local, favorecendo o aprendizado por meio
da busca por soluções para os problemas cotidianos. O projeto “Produção de Mudas
de Plantas Olerícolas e Ornamentais”, por exemplo, além de viabilizar a utilização
destas folhagens para a ornamentação e para a alimentação escolar, contribui para
aperfeiçoar as técnicas de plantio dos estudantes, auxiliando-os a desenvolver
técnicas alternativas de produção. Identifica-se aqui uma associação deste
57
aprendizado com o conhecimento e a consciência da preservação ambiental,
incentivando a valorização da vida no campo e colaborando para a melhoria da
situação econômica do produtor.
Além deste, ressalto outros dois projetos, a título de exemplo, que de alguma forma
podem contribuir com uma interlocução entre a sociedade e o desenvolvimento
local, o que acredito poder favorecer a percepção das dimensões que se fazem
presentes no diálogo entre trabalho e educação. O primeiro deles é conhecido como
“Estação Agro-Climatológica”, onde estão instalados instrumentos que permitem
leituras metereológicas, capazes de auxiliar o planejamento da produção, permitindo
otimizar o gasto de água e de alguns insumos. Conforme consta no Plano de Curso:
A pesquisa na estação Agro-Climatológica envolve professores, alunos e comunidade local, propiciando organizar um campo de estudo que integra todos os componentes curriculares. (Plano de Curso da escola estudada, p.14)
O outro projeto que destaco é o de “avicultura” dirigido à formação prática dos
estudantes do curso profissionalizante. Este projeto, além de permitir a utilização de
carne e ovos na alimentação escolar, também de acordo com o Plano de Curso, visa
possibilitar:
Aos alunos e produtores da comunidade a aquisição de conhecimentos teóricos e práticos ligados à avicultura comercial e de subsistência. (...) Nossa proposta é tornar a escola em um pólo de pesquisa na área, construindo conhecimento fundamental para a comunidade local que irá, em longo prazo, contribuir para o desenvolvimento de uma nova sociedade em bases sustentáveis para a presente e futuras gerações. (Plano de Curso da escola estudada, p.14)
Diante do exposto, se procurou nas práticas curriculares e na metodologia de
ensino, como se davam as relações entre o conhecimento científico e a adoção de
tecnologias no campo. A preocupação era saber como ocorria o diálogo com a
comunidade, já que, apesar de constar nos projetos aqui exemplificados alguma
preocupação com o desenvolvimento local, as práticas de extensão rural se
mostraram ineficientes. Todavia para que se garanta uma educação adequada ao
trabalhador rural e a sociedade do campo, buscando atender as suas necessidades
específicas, o sistema educacional deve estar comprometido com um projeto político
pedagógico que proponha uma metodologia transformadora para o ambiente rural.
Sendo assim, para o cumprimento do dever do Estado, é importante que o sistema
58
público de ensino garanta o direito à educação. Entretanto, tão importante quanto se
educar é a forma como se educa, por isso foi realizado no ensino profissionalizante
a busca por elementos que assumissem a responsabilidade de integrar e
contextualizar a educação, partindo-se do pressuposto de que a formação
profissional deve estar articulada com a formação social, econômica e política, de
forma a promover a emancipação do indivíduo. Sobre este aspecto, foi encontrado,
ao abordarmos os professores, uma atenção às questões que dialogam com o
contexto social dos estudantes e da comunidade local, mostrando-se desenvolver
práticas de produção acessíveis e não prejudiciais ao meio ambiente:
Aqui a nossa meta é oportunizar o garoto com coisas que ele possa demonstrar pro agricultor, que o agricultor também possa fazer. A gente não fica elucubrando com equipamentos caros, porque a agriculta tem coisa cara, mas a nossa agricultura aqui não é de precisão não, é pra agricultor familiar. Na verdade, a gente forma o nosso técnico para a agricultura familiar, pra ele se apropriar daquele conteúdo e ele ser um técnico que atue com o agricultor familiar. Então, aqui tudo é técnica familiar, nada de
muita tecnologia, “pirotecnia”, nada disso. (Professor “2”, entrevista
realizada em 15 de dezembro de 2012).
Dos três professores entrevistados, o professor “3” foi o que se mostrou mais
distante das discussões. Percebi um desestímulo grande de sua parte, mas não
consegui identificar se pelo fato de ter realizado este estudo no final do ano letivo,
logo, num período comum de desgaste. Ou se o professor está desanimado e
desestimulado por algum outro motivo.
São práticas, que no caso, eu tento passar, que não são muito voltadas pra criadores de grande porte, que seriam os industriais. Que são coisas que pequeno produtor aplicaria. É o foco que nós temos aqui em volta, não
temos grandes produtores e sim pequenos. (Professor “3”, entrevista
realizada em 8 de dezembro de 2012).
Por outro lado, os estudantes parecem entender estas questões, mesmo sem
relacionar diretamente estas atividades a pratica da extensão rural, ao estudar estas
técnicas eles se preocupam com a sua aplicabilidade e acessibilidade pelos
produtores da região.
Os professores tentam passar coisas bem naturais, coisas orgânicas, então
acho que é bem acessível. (Estudante “I1” – 1º ano, entrevista realizada em
03 de novembro de 2011)
59
Facilita porque você aprende a cuidar mais da lavoura, você vai usar menos adubo, a gente está aprendendo muito sobre isso, (...) também, tem que tentar convencê-los, né? Porque os agricultores, eu vejo assim... Eles já vêm com uma coisa de antigos, então você tem que saber trabalhar pra botar uma técnica nova com eles. Acho que dá pra facilitar a vida de quem
está no campo, se ele quiser botar em prática. (Estudante “J2” - 2º ano,
entrevista realizada em 09 de novembro de 2011)
O movimento CTS, de acordo com Auller e Bazzo (2001), ao abordar os fatos
científicos com ênfase e relevância social, aumenta as chances de promover o
interesse dos estudantes. Estes autores alertam para o fato de que a maior parte
das pesquisas científicas ainda é feita visando o reconhecimento externo, o que
acaba por dificultar a introdução do componente social à ciência e à tecnologia.
Desta forma, podemos observar que este enfoque acaba por afastar destas
discussões as instituições sociais, econômicas e culturais brasileiras (AULLER e
BAZZO, 2001). Além disso, se procurou saber se a formação de professores se
configura enquanto limitação para a introdução do enfoque CTS nos currículos, pois
Auller e Bazzo (2001) questionam a compreensão das ciências pelos professores
em cada um destes aspectos.
Qual a compreensão dos professores de Ciências sobre as interações entre ciência, tecnologia e sociedade? Quais são suas crenças, suas concepções de progresso? Os professores associam linearmente progresso com inovações tecnológicas, supostamente neutras? O processo histórico vivenciado não teria contribuído para que parcela significativa dos professores endossem uma perspectiva tecnocrática, concepção que inviabiliza o movimento CTS? Essas são questões que, no nosso entender, carecem de um aprofundamento teórico e empírico para uma efetiva implementação do enfoque CTS no contexto brasileiro. (AULLER e BAZZO, 2001, p. 12)
Apontado para um direcionamento voltado para a formação de professores, o
Ministério da Educação em 2007 lançou um documento base sobre a educação
profissional técnica de nível médio integrada ao ensino médio, no qual propõe que
sejam garantidos tempos e espaços de formação continuada para os professores,
além da realização de concursos públicos, plano de cargos e salários e melhoria das
estruturas das escolas. Com base neste argumento se buscou conhecer o grau de
formação dos professores do ensino técnico e as oportunidades oferecidas para que
estes freqüentem espaços de formação continuada, sem se esquecer de preocupar-
se também com a estrutura da escola e com o grau de satisfação e motivação
destes professores.
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Contudo, ainda não se pode afirmar que estas iniciativas, por si só, sejam suficientes
para a integração do componente social às práticas científicas e ao desenvolvimento
tecnológico. Embora concorde que o direcionamento do ensino voltado para as
práticas ambientais saudáveis e para a população do campo faz parte de uma
educação contextualizada com o desenvolvimento local, aliado a isso o grau de
motivação da maioria dos professores e a sua satisfação com a estrutura que a
escola lhes proporciona também são pontos favoráveis. Entretanto, a introdução do
componente social neste conjunto exige muito mais do que isso. Enquanto a
comunidade e os movimentos sociais não participarem efetivamente do cotidiano
escolar, não podemos considerá-los parte integrante deste. Cabe ainda ressaltar
que não compete imputar a formação técnica dos professores desta escola à
carência deste enfoque, talvez possamos contestar a sua formação política e social,
mas como podemos perceber, o grau de instrução destes docentes é satisfatório
para sua atuação no ensino profissionalizante.
Sou licenciado em ciências agrícolas. Já dei aula na rede federal, na escola agrícola de Pinheiral, que hoje faz parte do IFRJ (...) e eu pretendo fazer minha pós, ano que vem, talvez. (Professor “1”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011)
Eu tenho mestrado, estou fazendo doutorado. Eu dou aula em projetos da prefeitura do Rio. Aqui eu estou há seis anos, eu dou aula há dezessete anos e meio. Graças a Deus que eu ainda dou aula de extensão de cursos livres pra adultos, na parte agrícola, o que também me deixa feliz. (Professor “2”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011)
Neste estudo, encontram-se ainda indicativos que demonstram a preocupação da
escola com a formação continuada de seus professores. Relacionado a isso,
seguindo as orientações do Ministério da Educação, observa-se no Projeto Político-
Pedagógico:
Dentro dessa perspectiva, acreditamos que é fundamental investir na capacitação dos professores. Por isso organizamos estratégias de trabalho que possibilitem o desenvolvimento de sua autocrítica constante. Criamos espaços para discussões relacionadas às turmas, aos alunos individualmente e à organização de suas aulas. Nossa intenção é desenvolver um espírito comunitário, que cultive nos professores o desejo de crescer sempre, não só quanto ao conhecimento que trabalha com os alunos, como também na sua prática pedagógica, cultura geral, moral e humana. Os professores devem ser cidadãos do mundo, abertos a tudo, interessados, engajados nos problemas da atualidade. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.10)
61
Outro dado relevante desta discussão diz respeito à característica pedagógica dos
professores. Por isso, ao abordar esta questão, o objetivo foi entender como se
davam as relações de troca de conhecimento em sala de aula. Sobre este aspecto,
educadores e educandos afirmaram que as aulas eram administradas de forma bem
participativa, se configurando um espaço de intercâmbio de conhecimentos. Embora,
muitas vezes o conflito de idéias fosse inevitável, neste caso, predominava a busca
pelo consenso, e tanto professores quanto estudantes tinham liberdade para expor
suas opiniões. Podemos considerar este, outro aspecto positivo para uma
abordagem metodológica contextualizada. Apesar disso, foi verificado que esta
prática dependia muito da iniciativa dos professores, posto que, ainda que com uma
visão holística e interdisciplinar que propõe superar a fragmentação do
conhecimento, o PPP aposta numa autoridade do professor e no pensamento
unificado, neste caso, guardadas as devidas proporções, pode estar, inclusive,
sugerindo a manutenção do pensamento hegemônico, por hora vigente.
A educação escolar pode ser compreendida como uma forma de reproduzir e/ou transformar o modo de ser e a concepção de mundo de pessoas, grupos e classes, através da troca de experiências e de conhecimentos mediados pela autoridade pedagógica do educador. Essa concepção de mundo inclui crenças, idéias, valores, ética, formas de trabalho e de organização social, cultural etc. Só agora começa a ser construído um novo paradigma que supere a fragmentação, mudando a compreensão da vida e do universo. Não se trata de nos tomarmos apenas mais interdisciplinares, ecumênicos e interculturais; é preciso nos tornar pessoas unificadas em um mundo progressivamente unificado. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.7. Grifo nosso)
Contudo, conforme exposto anteriormente, não é essa a prática predominante nas
salas de aula. Como podemos observar pela reprodução de algumas falas de
professores e estudantes:
Eu sou da linha natural, a nova professora que entrou também é da linha orgânica (...). Mas você vê, se tem três professores com a característica de campo pra orgânico às vezes a gente tem conflito de idéias com o próprio aluno. Porque o aluno, você quer dar uma outra solução e o aluno acha que não vai dar certo. Por que? Vem do campo com outro enfoque. Ai a gente às vezes fala pra ele: Testa e depois você volta pra dizer o resultado. (Professor “2”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011)
Alguns alunos, inclusive esses que já são produtores e tudo mais, tem um grau de comprometimento muito grande: Trazem pesquisa, perguntam, se tiverem um problema na vida deles, eles trazem pra gente ver, pra avaliar junto com eles. (...) Mas o contrário, também é verdade, o pai usa uma prática... O campo é muito dinâmico, o aluno traz uma prática nova lá de uma maneira mais fácil, (...), pra montar uma curva de nível de uma maneira
62
mais fácil que a nossa, que a gente explica aqui. Com um pedaço de pau ele faz uma curva de nível, pode acontecer. (Professor “1”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011)
Ao acompanhar as atividades desenvolvidas dentro e fora da sala de aula e
entrevistar docentes e discentes, pude perceber que os estudantes, por algumas
vezes compreendem e aceitam esta troca e por outras questionam e se impõem.
Logo, não se pode dizer aqui que, como consta no PPP, os professores estejam
impondo a sua autoridade pedagógica. Além disso, inserir o contexto da agricultura
familiar nas práticas pedagógicas, se preocupando com a capacidade científica e
tecnológica peculiares desta categoria, contradiz a proposta do próprio PPP, que
aposta em pessoas unificadas num mundo progressivamente unificado. Pensando
de uma forma mais ampla, a discordância entre a teoria proposta e as ações
praticadas sugere boas expectativas.
Há essa troca, porque aprende e ensina. Porque assim, meu pai sendo lavrador, ele ensina bastante coisa em casa, aí na escola a gente aprende outras... Ai na escola a gente troca: Não, meu pai faz assim, assim, assim... Ai eles: Não, mas o correto é assim. Aí a gente vive naquela troca, a gente faz experimento de como ele faz lá, aí em casa eu faço como eles fazem aqui, pra gente ir fazendo e ver qual resultado é melhor. (...) Eles sempre dão oportunidade de fazer essa troca. Eles deixam uma área pra gente fazer isso também... Você separa uma área e faz ali naquele pedaço as experiências do que eu faço em casa. (Estudante “A1” – 1º ano, entrevista realizada em 24 de outubro de 2011)
No curso técnico tem muita troca entre professor e aluno, porque alguns professores não têm muita prática, sempre tem um agricultor que faz o curso técnico, o agricultor às vezes tem mais prática na agricultura do que um professor, sempre tem uma troca dentro de sala de aula. O professor recebe bem essa troca (Estudante “F2” – 2º ano, entrevista realizada em 03 de novembro de 2011).
A gente tem um colega aqui que tem a lavoura dele, ele aqui está aprendendo e o que ele está aprendendo ele coloca em prática e está trazendo a experiência dele pra gente, então, a gente aprende e ensina. Os professores recebem bem e tentam também ajudar se estiver falando alguma bobeira, né? Orientar, mas recebem bem. (Estudante “J2” 2º ano, entrevista realizada em 09 de novembro de 2011)
Aqui a gente não vem só pra aprender, aqui a gente vem pra troca de conhecimentos, porque os professores são formados, então eles têm muita teoria e os alunos, como eu assim, têm muita prática, então passam conhecimento, uma coisa que eu não sei, pergunto a eles, uma coisa que às vezes eles não sabem, eu tento responder a eles. (...) Eles aceitam e até falam: Pô, é uma boa. Já pediram a gente pra fazer trabalhos, assim... Pra passar essas coisas pra frente. (Estudante “K2” 2º ano, entrevista realizada em 09 de novembro de 2011).
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A escola também possui outros projetos que possibilitam um diálogo com a adoção
de tecnologias para o campo e as condições econômicas e sociais da comunidade
local. Dentre os que pude conhecer, destaco o projeto de Hidroponia, que propõe a
“construção de estufas totalmente automatizadas”, indicando esta nova tecnologia
como uma “alternativa econômica e viável para os produtores.” Ainda no Plano de
Curso é possível de identificar o projeto Biodigestor, que visa produzir gás
combustível a baixo custo, que pode ser utilizado, por exemplo, para o acionamento
de motores, sistemas de aquecimento e iluminação. Este projeto prevê a
“transferência de tecnologia à comunidade agrícola” a qual deverá ser realizada
pelos estudantes da escola, objetivando a difusão da construção e uso do
biodigestor.
Embora tenha percebido, de alguma forma, uma leve aproximação do componente
social às questões de ciência e tecnologia, ao tentar extrapolar esta realidade para
outras escolas técnicas em agropecuária, encontrou-se situações diversas. Dentre
elas, podemos citar o Colégio José Soares Junior, que tem em sua missão uma
visão um tanto determinística em relação ao desenvolvimento de tecnologias e a sua
inevitável adoção imediata. O documento relaciona ainda o aumento e a qualidade
dos produtos à redução do tempo de produção e a criação de ferramentas eficazes
para controle do ambiente e da sociedade, submetendo ambos à lógica do mercado.
As mudanças de ordem tecnológica, econômica e social apontam transformações fundamentais na formação profissional. A transitoriedade no mundo do trabalho é uma realidade e o homem precisa estar preparado para enfrentar novas situações, num mundo onde a todo instante inovações são criadas, tecnologias são ultrapassadas, e a condição primordial vem sendo o aumento na produtividade e qualidade com redução no tempo de produção, se tornando inevitável uma reestruturação de processos, instituições e profissionais, para que não se tornem excluídos deste mundo em constante modernização que abrange todos os segmentos do mercado, criando ferramentas cada vez mais eficazes no controle do ambiente, dos organismos e até mesmo no controle da própria sociedade. Tendo em vista esta necessidade de formação de um profissional cada vez mais dinâmico, moderno e em constante atualização, conscientes dos problemas sociais e dos desafios de uma nova era onde a relação agropecuária e meio ambiente vem se reestruturando, o Colégio Estadual Agrícola José Soares Júnior visa através de um trabalho pedagógico centrado no aluno, propiciar condições para o rompimento com o pensar, o sentir e o agir estagnado, formando técnicos em agropecuária prontos para atuarem frente a diversidade social, econômica, cultural e ambiental
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existente em nosso país. (informações obtidas a partir do sítio eletrônico da
escola http://www.ceagricolajsj.com.br/home.aspx)
De certo, também não cabe generalizar esta visão para as demais escolas
estudadas, já que não se encontra em nenhuma outra este tipo de enfoque sobre
ciência e tecnologia.
65
4. Ciências, Tecnologia, Agricultura e Sociedade: a intersetorialidade das questões ambientais na prática educacional
Neste estudo intencionou-se realizar uma análise da conjuntura educacional de nível
técnico-profissionalizante de forma contextualizada, sendo assim, foi considerada de
fundamental importância a inclusão neste debate das reivindicações dos
movimentos sociais na educação do campo. A necessidade de uma educação
diferenciada está na pauta destes movimentos, que propõem um ensino de
qualidade, onde o caráter emancipatório do indivíduo seja respeitado, assim como
as suas relações com o trabalho e com o ambiente de uma forma geral. Para que se
concretizem estas propostas, é preciso ter claro que estes movimentos exercem
pressão sobre o poder público, e a demanda por um ensino médio integrado à
prática profissional para a população do campo é uma necessidade coerente com a
sua realidade. Neste sentido, o Ministério da Educação, através da Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica, qualifica os movimentos sociais do campo
enquanto:
Sujeitos indispensáveis ao processo de planejamento e formação teórico-epistemológica sobre educação profissional integrada ao ensino médio, por gerarem, também, conhecimento em seus campos de atuação. Enfim, as concepções de currículo, a construção e a atualização de projetos pedagógicos, as condições e o tamanho da oferta dos cursos são aspectos para os quais muito têm a contribuir os movimentos sociais. (MEC, 2007, p.32, grifo nosso)
Foi neste sentido que, baseados pela lógica de inclusão de conteúdos alternativos e
valorização da construção coletiva do conhecimento, buscou-se a inserção da
agroecologia nas práticas pedagógicas, pois segundo Ottmann (2005), é devido ao
processo histórico e aos diversos processos civilizatórios, no Brasil e no mundo, que
este conhecimento se constrói tanto em bases científicas como sociais. Altieri (1999)
reforça esta idéia ao destacar que a agroecologia visa descentralizar os
conhecimentos científicos e desenvolver os locais, buscando o equilíbrio entre os
diversos organismos presentes na cadeia produtiva, incluindo as dimensões
ecológicas, sociais e culturais.
Todavia, é preciso deixar claro que reside nesta concepção um grande paradoxo,
pois na medida em que a agroecologia amplia seu campo conceitual, atribui algumas
características heterogenias e ainda não sedimentadas, tanto no campo científico
66
quanto no social. Portanto, ao se proporcionar um avanço nas discussões políticas e
sociais, contribuindo com a questão da agricultura familiar e suas diversas
particularidades microssociais, dificulta-se o debate sobre seus padrões tecnológicos
e científicos, que caminham num sentido mais amplo e geral. Em outras palavras, se
ao buscar um consenso disciplinar técnico-científico, a agroecologia se detiver aos
discursos ecológicos e aos conceitos biológicos, acaba de certa maneira limitando o
debate do desenvolvimento local, que se fundamenta nas especificidades e
complexidades de cada realidade (ALMEIDA, 2003). Portanto, por ser um campo
relativamente novo, a construção dos paradigmas agroecológicos ainda se encontra
em disputa, o que, segundo Almeida (2003), faz surgir uma lacuna neste campo.
Assim, mesmo não havendo uma incompatibilidade entre a preservação do meio e a
adoção de tecnologias de produção agrícola, esta relação não proporciona
resultados rápidos, nem que possam ser generalizados e extrapolados para outras
realidades e tampouco de fácil adoção. Desta forma, não se pode aguardar que
ocorra uma mudança radical nos rumos da produção agrícola, ao contrário, já
podemos perceber um desenvolvimento paralelo das chamadas agriculturas
“alternativas”. Em longo prazo, o que se pode esperar é um declínio no padrão por
hora predominante em consonância com uma lenta ascensão dos padrões
agroecológicos de produção (VEIGA, 1996).
Nesta perspectiva, com a idéia de uma educação contextualizada, onde são
expostas as limitações e as necessidades de superá-las, espera-se um maior
entendimento e possivelmente um maior compromisso social para avançarmos
sobre estas questões. Neste sentido, no que diz respeito à problemática ambiental,
Angotti e Auth (2001) sugerem que haja uma mudança nas usuais concepções de
educação relacionadas ao meio ambiente, que comumente costumam separar o
homem do meio, estudando formas ecológicas de funcionamento da natureza, ou
impondo propostas para a solução de problemas (ANGOTTI E AUTH 2001). A idéia
de se trabalhar sobre esta dinâmica remete a necessidade de se repensar o papel
da escola e da estrutura curricular, impostas de forma tradicional e aceitas de forma
passiva.
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Em virtude da importância de uma educação diferenciada voltada para a população
do campo, onde os conhecimentos científicos e a utilização de tecnologias se
integrem as práticas cotidianas de produção, é que devem ser pensadas práticas de
utilização racional da natureza, aliadas ao custo de produção, ao desenvolvimento
econômico e a não exploração do trabalho. É nesse sentido que se insere a
agroecologia, que, segundo Ottmann (2005), devido ao processo histórico e aos
diversos processos civilizatórios, no Brasil e no mundo, possui um caráter “pluri-
epistemológico”, onde seu conhecimento se constrói tanto em bases científicas
como sociais. Neste ponto da dimensão Sócio-política, temos nos movimentos
sociais do campo relevantes formadores da “consciência agroecológica” e embora
esta ação social seja construída fora do pensamento científico, há neste sentido um
reconhecimento científico, introduzido pela Agroecologia como componente de
equidade (OTTMANN, 2005).
Apesar disso, a agroecologia “não constitui ainda o que se poderia chamar um
movimento social stricto sensu” (ALMEIDA, 2003, p.511). De qualquer forma,
enquanto campo de disputa, este conceito possui um forte potencial, capaz de
agregar a seu favor diversos segmentos sociais, já que seus argumentos dialogam
com o direcionamento político do desenvolvimento científico e tecnológico.
Entretanto, os desafios teórico-metodológicos da agroecologia parecem exigir
resultados imediatos, o que de certa forma se configura uma limitação, na medida
em que pela necessidade de proporcionar respostas rápidas, alguns agentes sociais
empregam este conceito de forma equivocada, uniformizando suas ações e
tendendo a facilitar ou descomplexificar a diversidade de cada ecossistema e suas
relações com o sistema produtivo (ALMEIDA, 2003).
Isso nos leva a crer que a transição para uma agricultura sustentável não deve ser
imediatista nem se limitar aos aspectos agronômicos, já que somente isto não seria
suficiente para corrigir os processos de exclusão social que vem ocorrendo ao longo
de séculos. Contudo, a urgência pelo conhecimento científico e pela adoção de
tecnologias no campo, faz com que as instituições de ensino, que estejam
comprometidas com estes avanços e com a redução das desigualdades sociais,
proporcionem aos seus estudantes uma formação voltada para substituição do
modelo agroquímico para estilos diferentes de agricultura (CAPORAL e
68
COSTABEBER, 2000). Neste sentido, a Agroecologia abarca conhecimentos
interdisciplinares de forma a fornecer suporte para várias questões do contexto
agrário. Tais conhecimentos buscam compreender desde o funcionamento dos
ciclos minerais, passando pela transformação da energia e os processos biológicos
até as relações sócio-econômicas como um todo. Dessa forma, ainda que haja uma
necessária dimensão técnica na Agroecologia, as variáveis sociais ocupam um
papel relevante, que permitem entender as várias formas de dependência política,
econômica, social e educacional presentes no meio rural e na sociedade em geral.
Logo, sugere-se necessário uma transição do modelo convencional para o
agroecológico, baseado num contexto que permita a inclusão de propostas coletivas
de mudança social (OTTMANN, 2005).
Então, segundo os conceitos agroecológicos, para que os alimentos sejam
produzidos de forma sustentável, a artificialização do meio pelo ser humano deve
ser mínima, de forma que se evite a degradação e o comprometimento da
subsistência. Nesta perspectiva, os agroecossistemas se configuram enquanto
construção social, considerados como resultado da co-evolução do homem com a
natureza. Assim a produção Agroecológica tende a respeitar os âmbitos da cadeia
produtiva sob vários aspectos. Em busca de uma sistematização mais detalhada,
Ottmann (2005) agrupa os sentidos centrais da Agroecologia sob três dimensões:
Ecológica e Técnico-agronômica; Sócio-econômica ou de Desenvolvimento Local;
Sócio-cultural e Política. Estas dimensões podem ser alcançadas através de uma
apropriação correta da natureza, onde se espera uma elevação da qualidade de vida
e o aumento da equidade, favorecendo a participação da população na formulação
de políticas públicas que levem em conta o processo histórico das desigualdades
geradas.
Dessa forma, a agroecologia pode ser considerada uma opção à agricultura
convencional, onde grande parte da produção está submetida à utilização de
recursos não renováveis, da exploração da força de trabalho, da lógica do mercado,
através da adoção de pacotes tecnológicos voltados para a exploração intensiva do
solo e do meio ambiente em geral, além de outras influências que comprometem a
sustentabilidade do ambiente e conseqüentemente a permanência no campo.
Opostamente a isto, Altieri (1999) enxerga que a agroecologia integra princípios
69
agronômicos e ecológicos, diminuindo os riscos ambientais e econômicos. Esta
integração visa descentralizar os conhecimentos científicos e desenvolver os locais,
buscando o equilíbrio entre os diversos organismos presentes na cadeia produtiva,
incluindo as dimensões ecológicas, sociais e culturais. Portanto, não se esperava
encontrar nesta pesquisa a agroecologia enquanto uma disciplina do conteúdo
curricular. Por seu caráter, este conceito deve estar posto de forma transversal ao
currículo, de modo que se possa dialogar com todas as áreas de formação do
profissional técnico em agropecuária.
Baseado nisso, este trabalho buscou compreender como são discutidas as questões
de interdisciplinaridade e de transversalidade no currículo escolar, entendendo que
estes conceitos devem estar claros para a comunidade acadêmica, de forma que o
conteúdo possa fluir naturalmente, devendo ser pertinentemente abordado no
transcorrer da formação acadêmica. No entanto, durante o processo de vivência na
escola, não pude perceber esta prática. Apesar de ser possível identificar no PPP
que a fundamentação do trabalho pedagógico da escola se configura a partir de uma
educação não disciplinar:
Que rompa com a fragmentação e compartimentalização dos saberes. Temos consciência que a disciplinaridade já não responde aos problemas concretos que estão presentes no cotidiano escolar. Sendo assim, assumimos uma proposta de organização do trabalho pedagógico que tem na noção de transversalidade o referencial teórico-metodológico para seu desenvolvimento. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.9)
Entretanto, de acordo com o documento, esta proposta vem sendo gradativamente
implantada na organização curricular da escola. Talvez por este motivo tal processo
tenha fugido à minha percepção, sendo a justificativa para a não implantação da
transversalidade em sua totalidade a desconstrução de barreiras ainda presentes no
processo educacional.
A transversalidade vem sendo gradativamente implantada na organização curricular da nossa escola. Isto porque, fazer rupturas na prática implica em também romper com estruturas conceituais, revolucionar o pensamento. A cada etapa avançamos na construção de conceitos e práticas que visam superar a compartimentalização curricular. Organizar o trabalho pedagógico a partir de uma proposta de transversalidade significa reconhecer a multiplicidade, a complexidade dos saberes, mas respeitando as diferenças, articulando-os sem artificialidade. (...) Sendo assim, acreditamos que o rompimento com tais estruturas de poder no campo das ciências e no
70
campo da educação deve-se dar gradativa e continuamente. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.10)
Neste mesmo raciocínio, a proposta da escola é que se construam novos espaços
que possibilitem a circulação de saberes, onde sejam priorizados tanto a
organização dos conteúdos curriculares, quanto à orientação metodológica.
Como vimos, a agroecologia busca a integração do homem com a natureza de
forma ecologicamente correta e socialmente justa. Assim, os componentes
necessários para uma educação integral, onde os conceitos científicos dialoguem
com as práticas sociais, ressaltam a importância do ensino das ciências naturais
aliado às ciências humanas e sociais. Desta forma, buscamos no conteúdo científico
da agroecologia, o atributo “ambiental”, entendendo que “este espaço
argumentativo, está longe de configurar um campo discursivo e ideológico
homogêneo. Ao contrário, tem sido palco de múltiplas interpretações que disputam
os sentidos do ‘ambiental’” (CARVALHO, 2002 p.3). Segundo Loureiro (2004), a
adjetivação “ambiental” se justifica por tratar de dimensões “esquecidas” pelo fazer
educativo, no que se refere ao entendimento da vida e da natureza. Portanto, é
importante que este tema seja tratado enquanto campo de articulação política da
sociedade civil, que afeta diretamente o interesse público, devendo ser abordada
com o intuito de integrar o ser humano à natureza, através de uma prática dialógica
e interativa.
Ao dar destaque à questão ambiental dentro da agroecologia e ao aproximar este
discurso à Educação Ambiental (EA), podemos notar fortes semelhanças entre eles.
De tal forma que os princípios da EA tangenciam as questões sociais, políticas e
culturais, em consonância com os preceitos agroecologicos. Assim, encontramos em
Loureiro (2004), uma aproximação dos conteúdos, na medida em que também se
busca na EA, articular os espaços formais e não-formais de educação, aproximando
a escola da comunidade. É com uma visão ampla e abrangente que, assim como se
pretende na agroecologia, Loureiro (2004) vislumbra uma Educação Ambiental
Transformadora, na qual se destaca uma relação dialética entre sociedade e
natureza, onde se estabelecem formas democráticas de interações, compatíveis
com a vida social e planetária.
71
A educação ambiental não se refere exclusivamente às relações vistas como naturais ou ecológicas como se as sociais fossem a negação direta destas, recaindo no dualismo, mas sim a todas as relações que nos situam no planeta e que se dão em sociedade – dimensão inerente à nossa condição como espécie. Assim, o educar “ambientalmente” se define pela unicidade dos processos que problematizam os atributos culturais relativos à vida – quando repensa os valores e comportamentos dos grupos sociais; com os que agem nas esferas política e econômica – quando propicia caminhos sustentáveis e sinaliza para novos padrões societários. (Loureiro, 2004, p.79)
Logo, devido à íntima relação entre a questão ambiental e o desenvolvimento
científico, tecnológico e social, consideramos que estes aspectos não devem ser
tratados separadamente, evitando que se deixe de lado das discussões em CTS o
componente ambiental. Portanto, se buscou neste estudo uma perspectiva curricular
crítica, onde a problematização de temas sociais fosse abordada de forma a dar
suporte à superação da dominação de valores e atitudes que comprometam o
ambiente natural. Acredita-se que este enfoque ajude a despertar no educando o
seu compromisso de responsabilidade social, que perpassa a preservação ambiental
e a diminuição das desigualdades sociais. Assim, o movimento CTSA, ao resgatar o
papel da Educação Ambiental, se aproxima do que originalmente propunha o
movimento CTS (SANTOS, 2007). Angotti e Auth (2001) reforçam a necessidade de
mudança nas usuais concepções de educação relacionadas ao meio ambiente.
Integrando desta forma aos aspectos Científicos e Tecnológicos às questões Sociais
e Ambientais. Neste sentido, é proposto que se forneça ao estudante elementos que
facilite a sua conscientização enquanto ser biológico, político e social, capaz de
promover sua sustentabilidade e a modificação do meio em que vive, bem como
suas relações de trabalho.
Esta relação da ciência e da tecnologia com o ambiente deve, entretanto, ser
encarada com cautela. Angotti e Auth (2001) nos alertam para o fato de que,
questões ambientais, aliadas ao interesse econômico, podem ter caráter ambíguo, já
que num mundo globalizado, onde as relações capitalistas sobrepõem questões
sociais, o discurso econômico-ambientalista pode ser usado muito mais para manter
a lógica do sistema do que para alterá-la. Como exemplo desta prática, os autores
citam o caráter polissêmico do termo “desenvolvimento sustentável”, que por ser
utilizado em diferentes contextos pode, inclusive, contribuir para a manutenção
irresponsável da exploração ambiental. Nesta lógica, se faz interessante saber, por
72
exemplo, em que se fundamenta e quais os princípios do compromisso assumido
pelo CIA Monsenhor Tomás Tejerina de Prado, que dedica a preparação de técnicos
para o mercado de trabalho, objetivando a formação de profissionais “capazes de
ajudar a promover o desenvolvimento do setor agropecuário no município e região,
dando ao produtor rural suporte técnico indispensável ao seu desenvolvimento
sustentável.” (Informações obtidas a partir do sítio eletrônico da escola
http://poloagricola.blogspot.com). Neste caso, após o colégio se comprometer a
formar técnicos para o mercado, direciona as ações deste profissional para um
desenvolvimento sustentável, o que pode sugerir diferentes interpretações.
Da mesma forma que a agroecologia, a educação ambiental deve ser tratada
enquanto elemento de transformação social, conferindo aos sujeitos condições de
superar os domínios da relação capitalista. Ao assumir um caráter emancipatório, a
EA favorece uma percepção holística e sistêmica da complexidade do mundo e do
ser humano, como ser biológico, social e histórico que vive e interage neste mundo
(Loureiro, 2004). Foi nesta perspectiva que se verificou os currículos praticados
nestas escolas, buscando na metodologia de ensino por componentes relativos à
agroecologia que, segundo Altieri (1999), integra princípios agronômicos e
ecológicos, diminuindo os riscos ambientais e econômicos, por entender que esta
questão, enquanto tema problematizador, é capaz de levantar múltiplas abordagens
referentes ao contexto científico, tecnológico, social, ambiental, político, econômico e
cultural. Logo, não era esperado encontrar este tema concentrado em um formato de
disciplina que compõe uma estrutura curricular. Conforme definido por Ottmann
(2005), por se tratar de uma abordagem “pluri-epistemológica”, sugere-se que a
Agroecologia seja inter e trans-disciplinar.
Por se tratar de uma abordagem que trata de contextos políticos, sociais e
econômicos, capazes de contribuir com a realidade do campo, além de qualificar a
produção em áreas rurais, é interessante que estas questões estejam vinculadas a
prática curricular. Esta é uma antiga reivindicação dos movimentos sociais do campo
(LIMA & NOMA, 2010). Desta forma, a busca por este assunto num roteiro de
entrevistas semi-estruturadas, no projeto político-pedagógico, ou até mesmo no
currículo, poderia se tornar empírica. Por este motivo, esta abordagem foi
73
contextualizada numa perspectiva de aproximação com o que propõe o movimento
CTS e a Educação Ambiental.
Sobre este ponto, percebe-se no contexto educacional da escola estudada, uma
aproximação da comunidade acadêmica à questão ambiental, embora ainda se
encontrem algumas resistências, por parte de alguns funcionários que duvidam da
eficácia das práticas agroecológicas e dos modelos mais ecologicamente indicados.
Em sua maioria estes funcionários são também agricultores da região e, por isso,
condicionados a lógica convencional, onde o abuso de venenos e suplementos são
práticas corriqueiras em suas atividades cotidianas.
Destaco aqui uma funcionária em especial, muito querida e respeitada por toda a
comunidade acadêmica. Não deixa dúvidas quanto ao seu compromisso e intenção
de formar bons profissionais, por sua posição de destaque ela estava responsável
por supervisionar os estagiários do curso, sempre crítica e exigente. Percebi ainda
que o trabalho educacional em curso está aos poucos, quebrando estas barreiras, e
o que antes era inadmissível para ela, hoje já é tolerável, e embora possa não
concordar com as práticas de redução de químicos, já aceita e auxilia o processo de
trabalho na escola. Dentre eles destaco os trabalhos e experimentos com agricultura
orgânica que demonstram bons resultados e fornecem fortes argumentos favoráveis,
confrontando as opiniões de quem antes não acreditava em outras maneiras de se
obter resultados desejáveis e mais saudáveis.
Foi verificado por meio das observações e entrevistas que, embora ainda não
completamente direcionados ao modelo agroecológico de produção, este espaço de
formação se encontra comprometido com algumas mudanças na prática agrícola, o
que contribui com o rompimento de antigos paradigmas e caminha no sentido de
superação da lógica atual. Por acreditar que o sistema educacional deva estar
comprometido com um projeto político pedagógico que proponha uma metodologia
transformadora para a comunidade local e como a escola está inserida em um
ambiente rural, buscou-se no presente estudo refletir sobre o que a literatura propõe
para a Educação Ambiental e a metodologia educacional proposta pela escola para
esta temática. Sobre este aspecto, pode se encontrar no referencial teórico-
metodológico o trabalho pedagógico:
74
Organizado a partir do Projeto Político-Pedagógico, cujo tema central é Educação Ambiental. A escolha desse tema está relacionada ao perfil do Colégio, como também à importância dessa questão no atual momento histórico-social. Os problemas ecológicos se constituem num novo território de saber, onde os vários campos de saberes estão articulados. Queremos, então, formar nossos alunos no sentido de "pensar globalmente para agir localmente". No sentido de ampliar o desenvolvimento do tema gerador, buscamos (...) fortalecer a proposta de trabalho interdisciplinar, norteada pela temática da Educação Ambiental. Assim, estamos novamente nos propondo ao desafio de produzir as mudanças necessárias para transformar a escola em um ambiente saudável em todas as dimensões. A médio ou a longo prazo poderemos, através da formação de nossos estudantes, produzir mudanças nos demais espaços que estes vivem provocando mudanças de atitudes nas relações com o meio ambiente. (Projeto Político Pedagógico da escola estudada, p.11)
Sobre este aspecto, Fagundes (2009) indica que o enfoque CTS/CTSA deve ser
aplicado de forma crítica ao currículo escolar. Isto permite a compreensão dos
fenômenos em suas múltiplas dimensões. Atribuindo, com isso, um papel
fundamental à interdisciplinaridade, que segundo o MEC (2007), deve ser encarada
como “princípio organizador” do currículo, relacionando os conteúdos de diversas
disciplinas a questões cotidianas concretas. Neste sentido, é a partir de situações
contemporâneas e inquietantes que se deve desenvolver o conhecimento científico,
ao mesmo tempo em que conhecimentos de fundamento geral permitem uma maior
compreensão dos fenômenos específicos. Por outro lado, os professores não devem
se limitar aos conteúdos específicos de sua disciplina, visando somente uma
formação técnica. Ao contrário, devem pensar na totalidade do indivíduo, levando
em consideração a perspectiva de sua formação profissional (MEC, 2007).
Nesse trabalho foi possível identificar que a maioria dos professores e estudantes
estão comprometidos com estas mudanças na forma de produção, além de uma
preocupação geral com o uso intensivo de venenos e outras químicas. Entretanto,
não se pode afirmar que esteja havendo um engajamento político-social de
professores e alunos, apesar de ter encontrado na pesquisa estas práticas
curriculares e até uma certa contextualização do ensino. Por mais positivos que
possam parecer, não podemos considerar apenas estes pontos como suficientes
para a formação político-social dos estudantes.
Como percebemos pela fala do Professor “1”, a questão ambiental é realmente
abordada na prática pedagógica, entretanto, pude notar durante a pesquisa que há
75
um forte distanciamento entre o que realmente propõe a Educação Ambiental e a
Agroecologia e as práticas de sala de aula. Estas últimas se concentram e se
limitam nos conceitos naturais, biológicos e ecológicos, não são abordadas nas
aulas, por exemplo, questões sociais, históricas, econômicas ou políticas, o que de
fato poderia contribuir para uma contextualização do ensino de forma a conferir mais
elementos que pudessem favorecer a emancipação do indivíduo, conforme proposto
pela EA e a Agroecologia.
A gente demonstra, já vimos isso através de vários vídeos também, que o veneno em excesso prejudica não só o trabalhador, mas mais ainda o meio ambiente, que está recebendo tudo isso. (...) essas coisas a gente busca abordar, porque essa região aqui..., infelizmente é uma região veneneira, pessoal aqui “soca” veneno. Então a gente mostra que se continuar assim (...) daqui ha um tempo, a gente vai sofrer alguns danos, porque isso acaba se revertendo para o ser humano, não tem jeito. (...) Outra coisa que a gente aborda aqui é a questão de preservação de nascentes, mananciais através do uso da matas ciliares. Esse projeto (...) está ainda em fase de implantação, mas tem o projeto, todo mundo já viu. Então eles fizeram o plantio das mudas de mata atlântica, eles acompanharam a forma de espaçamento, a importância disso. Então sempre que a gente pode a gente fala de meio ambiente, até porque o meio que a gente usa é o meio ambiente e a agricultura infelizmente é a grande vilã do meio ambiente, com desgaste de água, com contaminações. E se a gente não mudar isso a agricultura fica meio que desacreditada. (Professor “1”, entrevista realizada em 15 de dezembro de 2011)
Devido a essa abordagem, é possível encontrar a reprodução dos conceitos
simplificados da Educação Ambiental na fala dos estudantes desta escola, que da
mesma forma que os professores, se limitam aos conceitos ecológicos para explicar
o que entendem de Agroecologia ou de EA.
A gente passa a perceber mais coisas e deixa de fazer certas coisas, no caso, prejudicar. (...) Impactos no solo, no ambiente em si. Vai depender se o impacto é bom ou mal, da forma como a pessoal fala: Convencional vai ser mau, vai prejudicar as pessoas, a família, o solo, o ambiente. Aqui a gente aprende a usar os dois, mas mais orgânica. As convencionais prejudicam mais o ser humano e a orgânica, está querendo fazer o
contrário, trazer o benefício e não o mal.(Estudante “B1” – 1º ano, entrevista
realizada em 24 de outubro de 2011)
Acho que o efeito ambiental pode ser feito por um lado de melhoramento do meio ambiente, (...) a gente vai ter um consórcio entre convencional e orgânico. E onde a gente pode produzir, onde a gente tem que preservar, de onde a gente pode tirar... (...) Mudou [o jeito de pensar], porque quando eu entrei, eu era totalmente para o lado convencional, eu achava que agricultura tinha que aplicar veneno mesmo, adubo químico... E a gente vai vendo que não é bem assim, que fazendo isso a gente sacrifica muito o solo e a gente acaba tendo uma terra pouco fértil, a gente vai aprendendo a ter um consórcio. (Estudante “F2” – 2º ano, entrevista realizada em 03 de novembro de 2011).
76
Nesse sentido, encontram-se falas semelhantes para o significado da agroecologia,
que apresentam posições coerentes com a fase de transição para um modelo
ecologicamente viável e socialmente mais justo, embora longe de abordar todos os
sentidos desta temática. Contudo, também se percebem definições equivocadas,
que na maioria das vezes costuma conceituar a agroecologia enquanto modelo de
agricultura. Tais equívocos são comuns e se apresentam de forma prejudicial, na
medida em que afasta este tema do campo científico, imprimindo um reducionismo a
esta temática que pode trazer como conseqüência uma limitação na construção de
um estilo de vida mais sustentável (CAPORAL E COSTABEBER, 2004).
Encontrar a Educação Ambiental norteando o PPP, e de forma transversal ao
currículo, foi sem dúvida uma grande surpresa. Portanto, não caberia criticar esta
iniciativa, que pode ser considerada um grande avanço no contexto educacional.
Entretanto, devido à importância da presença desta temática, deveria se investir
mais no estudo deste conceito. Talvez seja necessário também um investimento na
formação política dos professores ou em alguma outra forma de aprofundamento
desta questão. O fato é que hoje, por mais que a discussão da questão ambiental
esteja disseminada na escola, os discursos são colocados de forma acrítica, técnica
e simplificada.
Angotti e Auth (2001) apontam para o baixo entendimento de grande parte destes
professores, frente à complexidade da problemática ambiental, que por se tratar de
resultados da atividade humana, deve ser confrontada com mudanças de
comportamentos e valores. Os autores admitem que enquanto o desenvolvimento da
Ciência e da Tecnologia é determinado pelas relações sociais, estas são, ao mesmo
tempo, diretamente atingidas por este desenvolvimento. O que justifica uma
educação que integralize o conhecimento científico-tecnológico aliado ao
comportamento social e político. A partir deste enfoque, procura-se superar estas
limitações fornecendo ao educando propostas educacionais que o auxiliem no
entendimento das relações que se estabelecem entre os homens e destes com a
natureza. Para isso, é preciso pensar num processo pedagógico capaz de superar o
antropocentrismo, dando ênfase ao conjunto homem-ambiente e suas relações co-
responsáveis e inseparáveis (ANGOTTI E AUTH, 2001).
77
Portanto, a educação em CTS/CTSA se constitui uma alternativa que visa fortalecer
a formação do indivíduo consciente e atuante, na medida em que propõe a utilização
de práticas pedagógicas de forma contextualizada, capaz de tratar o
desenvolvimento científico e tecnológico juntamente com os aspectos históricos,
políticos e socioeconômicos deste desenvolvimento, com ênfase na realidade local e
nos problemas cotidianos (SANTOS, 2007). “Nesse sentido, consideramos que os
temas que abordem um envolvimento social, tecnológico e ambiental, constituem-se
como elementos essenciais e enriquecedores para serem analisados e discutidos
nas aulas de ciências.” (FAGUNDES, 2009, p.3).
Apesar desta discussão de transversalidade e a presença da educação ambiental no
currículo, ainda que não de forma integral, não se pode dizer que a inserção desta
temática na escola tenha ocorrido em resposta aos anseios da população rural ou
dos movimentos sociais, já que existem poucos indícios de participação da
comunidade, e de grupos organizados na escola e na elaboração do PPP. Também
não foi identificado nenhum estudante que tenha participado da elaboração, tomado
conhecimento ou sequer lido o Projeto Político-Pedagógico da Escola. Portanto,
embora o objetivo possa parecer estar sendo parcialmente alcançado, devido a sua
importância, acreditamos que a leitura e a apropriação deste documento devam ser
praticadas nos variados momentos de formação, porém, não foi encontrada
nenhuma familiaridade com o assunto.
Conforme exposto, a inserção destas questões numa estrutura curricular não é
suficiente para que os princípios da Educação Ambiental e da Agroecologia sejam
compreendidos pelos estudantes. A falta de uma metodologia educacional
instigadora, onde a compreensão técnico-científica desta temática seja priorizada
contribui para uma baixa qualificação técnica nesta área do conhecimento, o que faz
com que, muitas vezes o indivíduo se limite a repetição de argumentos sem
embasamento teórico, comprometendo a atuação do profissional técnico em
agropecuária.
Sob esta ótica Soares (2010), ao analisar também o curso de agropecuária,
questiona a sua formação modular e especializada, criticando a reforma da
educação profissional dos anos 1990, que ao ordenar esta conformação prejudica a
78
compreensão sobre as demandas da área rural e conseqüentemente a possibilidade
de obter um ensino dialógico, teórico-prático, integrado e integral. Para a autora, o
modelo desenvolvimentista ao qual o país adotou, contribuiu para a crise do sistema
agrário atual, que se encontra vulnerável, gerando força de trabalho excedente e
favorecendo o êxodo rural. Como proposta para superar este atraso é necessário
que se mude o enfoque do profissional técnico em agropecuária e do extensionista
em geral, que deve estar preparado para atuar na realidade socioambiental,
orientando-se pelas demandas sócio-culturais da população do campo, de forma a
garantir a sustentabilidade do meio (CAPORAL e COSTABEBER, 2000).
Nesta perspectiva, encontrou-se nas escolas técnicas em agropecuária estudadas
um compromisso de atuar no contexto local, da agricultura familiar e dentro dos
padrões sustentáveis da produção. Como exemplo, cito a seguir os objetivos do
Colégio Rego Barros, que tem como principal finalidade “resgatar a cultura agrícola
desta localidade e educar os jovens para a vida na sociedade atual, capacitando-os
para o trabalho.” (Informações obtidas a partir do sítio eletrônico da escola
http://cearegobarros.blogspot.com).
Sob esta lógica, Caporal e Costabeber (2000) propõem novas concepções para o
profissional extensionista, que deve estar consciente de seu papel enquanto
observador para atuar de forma contextualizada com o ambiente e com as pessoas
assistidas por ele, devendo superar a visão ultrapassada que enxergava neste
profissional um difusor de tecnologias. Sendo assim, estes autores defendem
enquanto missão de sustentabilidade deste profissional, ter como público exclusivo
os agricultores familiares, como metodologia de intervenção democrática os
métodos educativos e participativos e a Agroecologia enquanto base científica
(CAPORAL e COSTABEBER, 2000). Nesta perspectiva, os profissionais da
extensão rural devem privilegiar o potencial da comunidade e de seu espaço,
fazendo um diálogo com o conhecimento dos agricultores familiares e estimulando
sempre o desenvolvimento local, de forma verdadeiramente sustentável,
contrapondo-se aos pacotes tecnológicos desenvolvidos para a disseminação das
monoculturas (SOARES, 2010). Tal como os ideais centrais pensados para a
agroecologia. Assim, a difusão dos conhecimentos de agroecologia entre todos os
atores responsáveis pela elaboração teórica e prática de suas ações, aparece
79
enquanto proposta indispensável na conjuntura social e agrária do país, exigindo,
com isso, a participação efetiva do Estado (CAPORAL e COSTABEBER, 2000).
Logo, cabe reforçar aqui o papel central da educação e da formação profissional
técnica em agropecuária, que deve estar comprometida com o desenvolvimento
social, ambiental e agrário, necessários para que se construa uma proposta de
sustentabilidade concreta e possível.
80
5. Considerações Finais
Este estudo abordou múltiplas questões e diversos conceitos, dentre estes merece
especial atenção as valiosas contribuições que os movimentos sociais podem trazer
para o debate da educação e da profissionalização. Sob este aspecto, apesar de
Fernandes (2006) classificar a Educação do Campo como incipiente, ao mesmo
tempo a considera multidimensional, abarcando tanto a formação técnica para os
processos produtivos quanto os diversos níveis educacionais gerais, voltados para a
prática da contextualização do indivíduo enquanto ser biológico, político e
psicossocial. O que coloca a educação numa esfera da política social de importante
caráter econômico. Por suas características peculiares e pela forma de lidar com as
diversidades, bem como pela tentativa de valorizar as suas reivindicações, é
importante que se veja a população do campo enquanto protagonistas de políticas e
não como beneficiários destas. Sob esta ótica, se faz necessário reconhecer no
trabalhador rural um agente que luta ativamente pelos direitos humanos, e nos
movimentos sociais do campo uma organização que mobiliza estes trabalhadores,
pela conquista de sua emancipação. Desta forma, se torna estratégica a dimensão
educativa desses movimentos, pois na medida em que trazem desafios para a
construção de políticas públicas de educação, “reeducam o pensamento educacional
brasileiro e a teoria pedagógica” (ARROYO, 2003, p.30).
Entretanto, o que se observou foi um baixo grau de participação, destes movimentos
sociais e da sociedade civil, por vezes nulo na maioria das escolas. Apesar de não
ser possível afirmar os motivos deste distanciamento, podemos supor que uma
maior integração entre a população e a escola depende em grande parte da
socialização das demandas de ambas as partes. Para isso, é interessante fortalecer
o entendimento de que a escola se constitui também em um campo de disputas,
representando uma arena de conflito de interesses. Fato que se mostrou
imperceptível neste estudo, onde foi possível verificar tanto o pouco interesse do
acesso pelos movimentos sociais como a falta de um maior comprometimento
destas escolas.
81
De toda forma, durante este período de estudo, também pude observar muitos
outros aspectos positivos no que diz respeito à construção do conhecimento, ao
ensino contextualizado, a proximidade com a educação ambiental, dentre outros.
Contudo, pode-se dizer que as práticas encontradas nas escolas estão muito aquém
dos conceitos norteadores da agroecologia e da Educação Ambiental. A proposta de
uma educação diferenciada para a população do campo, onde a integração dos
conhecimentos técnico-científicos às questões socioambientais seja respeitada,
assim como os debates sobre o direcionamento político do desenvolvimento
tecnológico, não foram observados neste espaço de educação formal. Ainda que
algumas escolas realizem alguns trabalhos e experimentos que visem à redução do
uso de componentes químicos, e apesar de ter encontrado a maioria dos
professores e estudantes comprometidos com algumas mudanças na forma
convencional de produção, a formação político-social dos estudantes pode ser
considerada insuficiente. Posto que, por mais que a questão ambiental esteja
disseminada na escola estudada, os conceitos são colocados de forma acrítica,
técnica e simplificada, limitando este debate ao discurso ecológico, o que,
consequentemente facilita um afastamento da ideia de se enxergar no estudante um
elemento de transformação social.
No entanto, não obstante ao esforço das escolas para manter a qualidade do ensino,
talvez o ponto mais crítico que pretendo destacar seja a falta de integração entre o
ensino médio geral e o técnico profissionalizante. Como vimos, o ensino profissional
não deve formar o estudante simplesmente para o trabalho. Ao contrário, deve estar
comprometido com o contexto social, histórico, político, cultural e econômico.
Portanto, mesmo reconhecendo que existem fatores que minimizem a carência
dessa formação mais ampla e geral, a supressão de uma educação integral é fator
limitante para o processo de emancipação do indivíduo. Entretanto, mesmo
reconhecendo a falta de condições ideais, necessárias à implantação do ensino
médio integrado, o que acreditamos ser essencial para a qualidade do ensino, o
MEC (2007) entende a relevância e a urgência de se iniciar este projeto, encarando
a própria conquista destas condições como uma “tarefa coletiva”, a ser alcançada a
partir da participação da comunidade na construção da proposta político-
pedagógica. Portanto, para que esta proposta seja agregadora é importante que
seus objetivos tenham afinidade com os interesses da comunidade, de forma que
82
esta possa se identificar e se reconhecer nela. Assim, é interessante que o ensino
médio integrado não seja visto como uma política do Estado, ao contrário, deve ser
interpretado e ocorrer como a concretização de uma demanda popular (MEC, 2007).
Todavia, apesar de concordar com estas colocações, observar que o ensino
profissionalizante integrado ao ensino médio não é uma realidade no Estado do Rio
de Janeiro, faz com que não o enxerguemos como uma política do Estado e muito
menos como concretização de demandas populares.
Como vimos, salvo algumas exceções, a situação que se mantém é a da lógica
vigente, onde o ensino formal predomina e de forma dicotômica entre ensino geral e
profissionalizante. Atendendo, segundo Soares (2004), ao consenso do
direcionamento político exercido pela classe dominante. Porém, conforme citado por
Angotti e Auth (2001), o descontentamento da classe oprimida contribui para uma
ordenação da sociedade civil, que Soares (2004), guiada pelos pensamentos de
Gramsci, acredita ser de onde surgirá um novo projeto democrático de sociedade.
Desta forma, uma educação integral e politécnica, onde o objetivo maior seja a
emancipação do indivíduo, ainda é contra-hegemônica na sociedade capitalista
atual. Ao pensarmos na realidade das áreas rurais do Brasil, as lutas por melhores
condições de vida estão diretamente relacionadas às mudanças no modelo
educacional do campo e na forma de exploração de sua produção. Com isso,
imagina-se que o papel da escola enquanto “aparelho de hegemonia, constitui- se
num campo de luta, capaz de criar uma contra ideologia, possibilitadora de um maior
conhecimento, uma maior conscientização.” (SOARES, 2004, p.133)
Neste estudo verificamos também que, apesar da pouca oferta de ensino médio
profissionalizante público, não podemos concluir a partir daí que o ingresso da
classe trabalhadora a esta modalidade de ensino se elevará proporcionalmente a
ampliação do número de vagas, é preciso além de tudo conferir qualidade ao curso.
Conforme pudemos observar, embora tenhamos encontrado um grande percentual
de estudantes com fortes relações com o campo, ainda há vagas excedentes.
Portanto, não se pode afirmar que as expectativas quanto ao público que frequenta
estas escolas estejam sendo alcançadas. Ampliar a oportunidade de acesso
significa também dar condições para o estudante se manter na escola e, neste caso
83
especificamente, minimizar a dificuldade de participação dos produtores rurais neste
espaço. Para isso, é importante que sejam pensadas formas alternativas à
frequência regular e obrigatória, o que parece implicar numa baixa procura pelo
curso e no aumento da evasão escolar.
Para o cumprimento deste objetivo, é sugerido também, que se repense a proposta
pedagógica, que deve dialogar com a realidade e as necessidades da população, a
fim de que se desperte o interesse em acessar o ensino formal. Para que as
modificações sejam feitas com o objetivo de melhorar a qualidade dos cursos, é
interessante que se democratizem os espaços de decisão, valorizando a construção
coletiva do projeto político-pedagógico e às discussões sobre currículo nestas
escolas, o que poderia contribuir para garantir a participação da comunidade,
inclusive em questões sobre carga horária, dedicação dos professores e espaços
coletivos de formação, com foco na integração do técnico profissionalizante ao
ensino médio geral.
84
6. Referências Bibliográficas
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88
7. Apêndices
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Protocolo de Pesquisa
O ENSINO EM ESCOLAS DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL TÉCNICA EM
AGROPECUÁRIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: UMA ANÁLISE DA INSERÇÃO DE
QUESTÕES SOCIOAMBIENTAIS NAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS.
Pesquisador responsável Prof. Dr. Alexandre Brasil Fonseca
Observatório da Educação - CAPES Laboratório de Estudos da Ciência
89
Setembro 2011
1 Introdução
O hábito de utilização de venenos e adubos químicos por grande parte dos agricultores,
muitas vezes sem nenhum tipo de capacitação e sem preocupação com o uso de
equipamentos de proteção, aliado à implantação de pacotes tecnológicos, em grande
parte impostos sem nenhum diálogo com a sociedade, pode ocasionar um potencial
prejuízo à saúde dos trabalhadores, gerando gastos que podem, inclusive, comprometer
economicamente a produção. Além disso, o baixo grau de instrução ao qual estão
submetidos muitos agricultores parece ser um fator que contribui para o agravamento
destas condições.
Em contrapartida, alguns jovens agricultores encontram no ensino formal uma
possibilidade de mudar sua condição, buscando um ensino técnico profissional que
dialogue com a sua realidade. Dentre alguns cursos que se aproximam do trabalho no
campo, o ensino técnico em agropecuária tem forte influência, assumindo uma estrutura
que, segundo o MEC, torna o estudante capaz de planejar, executar, acompanhar e
fiscalizar todas as fases dos projetos agropecuários; administrar propriedades rurais;
elaborar, aplicar e monitorar programas preventivos de sanitização na produção animal,
vegetal e agroindustrial; dentre outras atribuições. O que buscamos saber então é se os
estudantes matriculados nas escolas técnicas em agropecuária estão envolvidos
diretamente com a produção de alimentos e em que nível se dá este envolvimento. Nesta
perspectiva procuramos saber também se há um diálogo entre o ensino formal e a
realidade destes estudantes.
Para esta pesquisa empregaremos como parâmetro os aspectos abordados em Ciência,
Tecnologia e Sociedade, utilizando como base autores como José A. P. Angotti, Milton A.
Auth, Décio Auler, Walter Antonio Bazzo, Wildson Luiz P. dos Santos, dentre outros.
Aproximamos estes conceitos aos conhecimentos da Educação Ambiental e da
Agroecologia, abordando também as interfaces presentes no processo pedagógico e
algumas de suas múltiplas possibilidades. Para isso, contamos ainda com o suporte de
Miguel Altieri, Miguel G. Arroyo, Paulo Freire, Gaudêncio Frigotto, Graciela Ottman,
Demerval Saviani, dentre outros. Os capítulos se estruturam de forma a abordar as
questões em grandes blocos, denominados: Educação, Trabalho e Agricultura; Estudo de
Caso da Escola de Formação Técnica em Agropecuária; Ensino Médio Técnico e
Politécnico; CTSA e a Agroecologia na perspectiva de professores e estudantes.
2 Objetivo geral:
Analisar o ensino nas escolas técnicas em agropecuária no Estado do Rio de Janeiro, dando ênfase aos processos pedagógicos, em suas possíveis interações entre a teoria e a
90
prática de produção, ser humano e meio ambiente, saberes populares e conhecimento científico. 3 Procedimentos metodológicos
a) Organização das visitas:
Aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa;
Seleção da escola a ser investigada:
o Critérios: Estar localizada em perímetro rural; possuir um número significativo
de profissionais já formados (analisar o ano de fundação e o número de vagas
oferecidas por ano);
Autorização da Direção da Escola na qual se realizará o estudo.
Carta de apresentação:
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO NÚCLEO DE TECNOLOGIA EDUCACIONAL PARA A SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E SAÚDE
Setembro de 2011
Esta carta tem o objetivo de apresentar o mestrando Leonardo Cavalcanti Rosas, Médico
Veterinário formado no ano de dois mil e sete pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Após a conclusão de sua graduação iniciou um trabalho de Assistência Técnica e Extensão Rural
aos assentamentos da Reforma Agrária, onde se identificou com os trabalhadores rurais e em
especial com a Agricultura Familiar. Desde então vem trabalhando com este público e ingressou
no mestrado a fim de aprofundar algumas questões relativas à construção do conhecimento dos
produtores agrícolas.
A presente pesquisa tem a intenção de identificar e documentar, por meio desta abordagem de
Estudo de Caso, os processos pedagógicos adotados pela escola, dando ênfase as suas possíveis
interações entre a teoria e a prática de produção, ser humano e meio ambiente, saberes
populares e conhecimento científico.
Esta carta é dirigida aos estudantes, professores e equipe administrativa da escola. Solicitamos,
portanto, que disponibilizem um pouco de sua atenção e paciência para responder algumas
questões durante um breve diálogo com o entrevistador. Gostaríamos que soubesse que sua
cooperação é essencial para o estudo.
Em nome do Núcleo de Tecnologia Educacional para a Saúde – NUTES / UFRJ, expresso nossa
gratidão por sua assistência. Caso queira acompanhar os resultados da pesquisa, teremos o
enorme prazer em disponibilizá-los, para isso basta informar seus contatos para que o
entrevistador possa contatá-lo (a).
Grato novamente,
Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
...
91
Primeiros contatos por telefone ou e-mail das pessoas-chave a serem entrevistadas
(Diretor(a) e Coordenador(a) Pedagógico);
Orçamento: R$1.080,00, totalizando 6 visitas (Hospedagem R$ 60,00, passagem
R$80,00 e alimentação R$40,00 / visita)
b) Entrevistas
Pessoas-chave:
o Direção da Escola;
o Coordenação Pedagógica;
o Professores do Ensino de Ciências;
o Estudantes matriculados no primeiro e no último ano do curso;
*Agendar a entrevista antes de ir para campo.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido:
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Você está sendo convidado(a) para participar da pesquisa: O ensino em escolas de formação profissional técnica em agropecuária do estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões socioambientais nas práticas pedagógicas. Você foi selecionado(a) por estar matriculado(a) no primeiro ou no último período de formação técnica em agropecuária e sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. O objetivo deste estudo é analisar o quanto as questões sociais e ambientais estão inseridas no cotidiano escolar. Sua participação nesta pesquisa consistirá em dialogar sobre, no seu ponto de vista, como essas questões estão sendo ou deveriam ser abordadas. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação, para isto lhe atribuiremos um nome fictício. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador principal e do CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________ Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
Centro de Ciências da Saúde, Bloco A, Sala 32 Ilha do Fundão - Rio de Janeiro - RJ - CEP 21949-902 Tel/Fax: (0XX21) 2562-6345 — pos-grad@nutes.ufrj.br
Comitê de Ética em Pesquisa:
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Praça Jorge Machado Moreira, Cidade Universitária – Ilha do
Fundão/Rio de Janeiro – RJ Tels: (21) 2598-9293 - www.iesc.ufrj.br
cep@iesc.ufrj.br
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_________________________________________ Sujeito da pesquisa
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Você está sendo convidado(a) para participar da pesquisa: O ensino em escolas de formação profissional técnica em agropecuária do estado do Rio de Janeiro: uma análise da inserção de questões socioambientais nas práticas pedagógicas. Você foi selecionado(a) por ser professor(a) da área de ciências de uma escola de formação técnica em agropecuária e sua participação não é obrigatória. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. O objetivo deste estudo é analisar o quanto as questões sociais e ambientais estão inseridas no cotidiano escolar. Sua participação nesta pesquisa consistirá em dialogar sobre, no seu ponto de vista, como essas questões estão sendo ou deveriam ser abordadas. As informações obtidas através dessa pesquisa serão confidenciais e asseguramos o sigilo sobre sua participação. Os dados não serão divulgados de forma a possibilitar sua identificação, para isto lhe atribuiremos um nome fictício. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço institucional do pesquisador principal e do CEP, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento.
______________________________________ Alexandre Brasil Carvalho da Fonseca
Centro de Ciências da Saúde, Bloco A, Sala 32 Ilha do Fundão - Rio de Janeiro - RJ - CEP 21949-902 Tel/Fax: (0XX21) 2562-6345 — pos-grad@nutes.ufrj.br
Comitê de Ética em Pesquisa:
Instituto de Estudos em Saúde Coletiva Praça Jorge Machado Moreira, Cidade Universitária – Ilha do
Fundão/Rio de Janeiro – RJ Tels: (21) 2598-9293 - www.iesc.ufrj.br
cep@iesc.ufrj.br
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa e concordo em participar.
_________________________________________ Sujeito da pesquisa
92
Roteiro das entrevistas:
I. Questões de Nível – 2:
1) Diante das necessidades dos estudantes/trabalhadores, para que se torne viável
a participação deste público no processo educacional, seria interessante que se
utilizassem metodologias que possibilitassem a freqüência dos educandos nas
aulas, sem que fosse comprometida radicalmente a sua permanência no campo.
Não necessariamente a classe que acessa esta escola é a dominante, acredito,
inclusive, que sãos os menos favorecidos que a freqüente, entretanto, caso a
população rural deixe de ser atendida, uma possível causa pode se dever ao fato
do trabalho na terra exigir tempo integral, com este modelo de ensino, ou bem se
estuda ou bem se come.
Qual a importância da educação e da escola para a manutenção do “crescimento
econômico”?
2) A falta de uma conexão entre a formação profissional específica e o contexto
social, histórico, econômico, cultural e político, contribui para a formação de um
trabalhador condicionado a se submeter à exploração da lógica vigente. Por esta
característica, podemos supor que uma educação que busque a emancipação do
indivíduo, se configura numa lógica contra-hegemônica, já que parece não ser
objetivo da classe dominante integrar à educação a dimensão social e a
alfabetização científica e tecnológica, o que poderia ajudar o estudante a
compreender e a agir de forma coerente com a sua realidade.
Qual seria uma saída possível para superar este impasse?
Como promover esta integração sem comprometer o trabalho no campo?
3) Saviani atribui ao ensino médio o papel de recuperar a relação entre o
conhecimento e a prática do trabalho. Enquanto o ensino médio técnico
concentra as técnicas de produção existentes, para a formação profissional
específica numa determinada área, provavelmente sem nenhuma conexão
efetiva entre o contexto social, econômico, histórico e cultural, a concepção
politécnica busca não só a interlocução com estes aspectos, como também sua
articulação com o conjunto do processo produtivo.
Entendemos que para se garantir um ensino profissionalizante adequado, onde
estas diferentes técnicas estejam conectadas e contextualizadas, a modalidade
profissional deve estar integralizada ao ensino médio, de tal forma que se evite
93
apenas a adição de disciplinas especificamente profissionais ao currículo, em
detrimento das disciplinas de formação geral.
Uma alternativa que vise superar a dicotomia existente entre educação geral e
profissional pode ser descrita pelo currículo integrado do ensino médio, no qual o
trabalho é pautado como princípio educativo, permitindo uma interlocução com
a questão econômica, social e cultural.
Como está estruturada esta escola?
Esta questão é abordada? De que forma?
4) Para que se institua uma nova concepção pedagógica é importante que se
entenda a integralização de forma que não se desvincule o ensino geral do
profissionalizante, portanto, qualquer tentativa de adição ou sobreposição de
disciplinas pode prejudicar o sentido da integração, que deve articular a essência
do trabalho à ciência de forma contextualizada com o desenvolvimento do
indivíduo consciente de sua realidade.
A estrutura curricular contempla a integralização?
Caso não contemple, a comunidade acadêmica prevê esta situação?
Qual o grau de importância que é dado a esta questão?
5) Supomos que para aumentar as chances de ingresso da classe trabalhadora ao
ensino médio profissionalizante, seria necessário, além de elevar o padrão de
qualidade, ampliar consideravelmente o número de vagas nestas instituições.
Esta idéia é contemplada?
Como se encontra a oferta e a procura por estas escolas?
6) Para que algumas modificações necessárias ocorram de forma democrática, é
interessante valorizar a construção coletiva do projeto político-pedagógico e as
discussões sobre currículo nestas escolas, de forma a garantir a participação da
comunidade inclusive em questões sobre carga horária, dedicação dos
professores e espaços coletivos de formação.
Portanto, para que esta proposta seja agregadora parece ser importante que seus
objetivos tenham afinidade com os interesses da comunidade, de forma que esta
possa se identificar e se reconhecer nela.
Qual o grau de participação da comunidade nos processos de decisão da escola?
94
7) Conforme retratado por Saviani (1994), o modelo escolar é o que domina a
educação da sociedade, de maneira que este formato de ensino é hoje
confundido com a educação em seu sentido pleno. Embora, para o autor, este
processo de construção continue incompleto, quando tratamos de questões
ligadas à educação, o que comumente fazemos é tratar de questões ligadas
diretamente à escola. Mesmo com a manutenção de outras formas de educação,
situadas à margem do ensino formal, como por exemplo, as diretamente ligadas
ao processo produtivo, estas continuam sendo subordinadas à escola e passam a
ser avaliadas sob uma ótica escolar.
Como se dá a relação entre o conhecimento prévio do indivíduo (saber popular) e
o conhecimento técnico aprendido na escola (saber científico)?
8) A alfabetização científica e tecnológica deve estar integrada a dimensão social,
permitindo ao estudante compreender e agir de forma coerente com a sua
realidade.
Qual o grau de intervenção dos estudantes na sua formação?
Qual a compreensão dos professores de Ciências sobre as interações entre
ciência, tecnologia e sociedade?
Quais são suas crenças, suas concepções de progresso?
Os professores associam linearmente progresso com inovações tecnológicas,
supostamente neutras?
O processo histórico vivenciado não teria contribuído para que parcela
significativa dos professores endosse uma perspectiva tecnocrática, concepção
que inviabiliza o movimento CTS?
9) Espera-se despertar no educando o seu compromisso de responsabilidade social,
que perpassa a preservação ambiental e a diminuição das desigualdades sociais.
Como a escola influencia na vida e nas atitudes do estudante?
10) No que diz respeito à problemática ambiental, sugerimos que haja uma mudança
nas usuais concepções de educação relacionadas ao meio ambiente. A idéia de se
trabalhar sobre a dinâmica de imposição de propostas para a solução de
problemas remete a necessidade de se repensar o papel da escola e da estrutura
curricular, impostas de forma tradicional e aceitas de forma passiva.
Pretende-se averiguar se é discutida a necessidade, as possibilidades, a forma de
aplicação de tecnologias, bem como seus efeitos na exploração ambiental, e se
essas colocações são propostas com a tentativa de solucionar as questões
95
relacionadas à qualidade de vida da população, levando-se em conta os valores
pessoais.
11) A Agroecologia abarca conhecimentos interdisciplinares de forma a fornecer
suporte para várias questões do contexto agrário. Tais conhecimentos buscam
compreender desde o funcionamento dos ciclos minerais, passando pela
transformação da energia e os processos biológicos até as relações sócio-
econômicas como um todo. Dessa forma, ainda que haja uma necessária
dimensão técnica na Agroecologia, as variáveis sociais ocupam um papel
relevante, que permitem entender as várias formas de dependência política,
econômica, social e educacional presentes no meio rural e na sociedade em geral.
É possível de se imaginar que a Agroecologia não seja tratada apenas como uma
disciplina que compõe uma estrutura curricular, por se tratar de uma abordagem
“pluri-epistemológica”, sugere-se que este tema seja inter e trans-disciplinar.
A questão da Agroecologia é abordada em algum momento?
Alguém traz esta discussão para o cotidiano escolar?
Existe o entendimento de algum ponto de convergência entre a agroecologia e a
dimensão social?
12) O Programa Brasil Profissionalizado, que visa fortalecer as redes estaduais de
educação profissional e tecnológica, através de repasses específicos de recursos
do governo federal. Desta forma os estados podem investir em suas escolas
técnicas, viabilizando a modernização e a expansão das redes públicas de ensino
médio integradas à educação profissional. Atingindo assim as recomendações
propostas no Catálogo Nacional de Cursos Técnicos que, entre outras, prevê a
construção de laboratórios de física, química, biologia, matemática e informática.
Qual a estrutura física da escola?
Como se dá, ou não, a participação da comunidade na estrutura física da escola?
13) A relação entre o trabalho e a educação escolar nem sempre é compreendida de
forma ampla pelos professores, que muitas vezes confundem ensino
contextualizado com a simples abordagem de situações cotidianas. Esta
preocupação incita a investigação mais aprofundada de como as dimensões
sociais são inseridas no contexto científico das salas de aula. Neste ponto, alguns
questionamentos devem ser levados em consideração para uma abordagem
metodológica eficaz. Assim:
96
Será que a simples menção de processos físicos, químicos e biológicos do
cotidiano torna o ensino dessas ciências mais relevante para o aluno?
Será que o aluno aprenderá ciência mais facilmente com tal ensino?
14) Imagina-se que o papel da escola enquanto “aparelho de hegemonia, constitui-se
num campo de luta, capaz de criar uma contra ideologia, possibilitadora de um
maior conhecimento, uma maior conscientização.”
Integrar ao currículo o componente social, propondo favorecer a visão de grupo,
na qual a percepção de organização social sugere melhorar a eficácia das
reivindicações, além de fortalecer a formação política do indivíduo, que expande
sua consciência de inserção na sociedade, amplia suas condições de intervenção
no contexto.
Existe algum tipo de organização social da comunidade acadêmica?
II. Questões de Nível – 1
i. Estudantes:
Local de moradia;
Atividades extra-classe;
Exerce atividade remunerada;
Renda familiar;
Expectativas em relação ao curso técnico em agropecuária.
Relacionar o conteúdo aprendido no curso técnico com as disciplinas da
área humana e social;
Como as técnicas aprendidas podem facilitar a vida no campo?
A carga horária das aulas limita a atividade cotidiana do campo?
Apontar alguma relação dos problemas cotidianos (relacionados ou não a
atividade agropecuária) que a escola ajudou a solucionar.
Os problemas que aparecem no cotidiano dependem de explicações
científicas para a sua resolução?
A escola pode ser encarada como uma via de mão-dupla, onde tanto se
aprende quanto se ensina?
Aprende-se mais ou se ensina mais?
Considera que as atividades do ensino médio geral influenciam no curso
profissionalizante e vice-versa?
97
Acha importante esta integração?
De forma geral, como considera a qualidade do curso?
O número de vagas oferecido é suficiente para atender a demanda por
este curso?
Já ouviu falar em Projeto Político Pedagógico?
Sabe se a sua escola tem um?
Caso tenha, sabe quem foi o responsável pela sua elaboração?
Tem participação nos processos de decisão da escola? Gostaria de poder
contribuir mais nesses processos?
Quando procurou o curso, já tinha alguma experiência com a produção
agropecuária?
Os conhecimentos que trazia contribuem para a sua formação?
Como os professores receberam estas informações?
Como é encarada a possibilidade de freqüentar um ensino público?
O que acha que a sociedade espera de você, após a sua formação?
Depois de freqüentar esta escola, acha que alguma coisa mudou em
relação as suas atitudes com os outros? E com o meio ambiente?
Considera o aprendizado de novas tecnologias compatível com a sua
realidade?
Quais os efeitos ambientais que as técnicas agropecuárias ensinadas na
escola podem gerar?
Sobre estas técnicas aprendidas, considera que contribuíram para o seu
entendimento sobre a interação do homem com a natureza?
Mudou alguma coisa em relação ao que você já pensava?
Você já ouviu falar em Agroecologia? Antes ou depois da escola?
Definir o que é Agroecologia;
Algum professor ensina Agroecologia?
A Agroecologia poderia contribuir com as relações humanas?
Está satisfeito com a estrutura física da escola?
Se pudesse mudar alguma coisa, o que seria?
Acha que suas considerações seriam levadas em conta?
98
Os conteúdos abordados em sala de aula levam em consideração as
demandas da sociedade?
Qual a relação entre a incorporação de novas técnicas, adubos,
agrotóxicos e a sua possível abrangência e área de atuação profissional?
Existe algum grupo de estudantes organizados?
Qual o papel deste grupo?
Você participa ou participaria de algum grupo deste tipo?
ii. Professores:
Perfil Sócio-econômico dos alunos;
A metodologia pode influenciar o perfil de alunos matriculados?
Grau de comprometimento dos alunos com o aprendizado;
Relevância do intercâmbio de conteúdos com outras disciplinas;
São utilizados conteúdos de outras disciplinas, da área humana ou social,
para responder questões práticas do cotidiano?
Há alguma relação entre os conhecimentos humanos e sociais para a
formação técnica do indivíduo?
Como estão distribuídas as disciplinas no currículo?
Existe a necessidade de pensar num currículo integrado entre o ensino
médio geral e profissional?
Quais seriam as vantagens e as limitações desta integralização?
Aparecem soluções práticas do cotidiano dos alunos que poderiam ser
abordadas em sala de aula?
Como são tratadas as dúvidas provenientes do trabalho no campo que
porventura apareçam na sala de aula?
Os problemas apresentados pelos alunos são levados em conta na hora de
estruturar as aulas?
O número de vagas oferecido é suficiente para atender a demanda por
este curso?
Acredita que se tivessem oportunidade e tempo mais alunos do ensino
médio geral freqüentariam o ensino técnico?
Do que depende a qualidade do curso?
Conhece o projeto político pedagógico da escola?
Sabe quem foi o responsável pela sua elaboração?
99
Como acha que a comunidade agiria caso fossem convidados para opinar
sobre o Projeto Político Pedagógico?
Acha importante que a comunidade participe deste processo?
Como é a participação dos alunos na sala de aula?
Porque acha que eles procuraram este curso técnico
Como são tratadas as dúvidas dos alunos?
De que forma se dá a construção do conhecimento nas aulas?
Qual o seu grau de formação?
Já teve outras experiências de sala de aula?
Participa de cursos, seminários ou dá continuidade à sua formação
profissional de alguma forma?
Os alunos deveriam freqüentar outros espaços de formação? Ou a este
curso dá conta do que eles precisam?
De que forma o desenvolvimento científico e tecnológico pode ajudar na
vida dos estudantes?
São desenvolvidas atividades lúdicas em sala de aula?
Os alunos são incentivados a participar de alguma atividade de extensão?
As tecnologias aprendidas em sala de aula são facilmente aplicáveis no
campo?
Como definiria um aluno bem sucedido?
De que forma as técnicas agropecuárias ensinadas se relacionam com o
meio ambiente?
É abordada em algum momento a relação entre o homem e a natureza?
Como ocorre esta interação?
Conhece os conceitos da Agroecologia?
Ensina algum destes conceitos para os alunos?
Como as práticas Agroecológicas se relacionam com o Desenvolvimento
Social?
Está satisfeito com a estrutura física da escola?
Se pudesse mudar alguma coisa, o que seria?
Papel da escola na comunidade e vice-versa?.
A comunidade conhece a estrutura física da escola?
Acha que a comunidade pode influenciar a decisão de mudar alguma coisa
dentro da escola?
100
Existe alguma relação entre o cotidiano de trabalho e a dinâmica de
ensino na sala de aula
Existe algum tipo de organização dos estudantes?
Uma organização deste tipo ajudaria ou atrapalharia a formação do
indivíduo?
c) Observação
o Diário de campo;
o Fotografias: Espaços Coletivos (Horta Escolar, Laboratórios etc)
d) Documentos
Projeto Político-pedagógico;
Identidade (missão e objetivos educacionais)
Currículo;
Recursos didáticos.
e) Cronograma:
OUTUBRO 05 06 13 14 19 20 26 27
NOVEMBRO 03 09 10 16 17 23 24 30
DEZEMBRO 01 07 08 14 15