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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL
LARISSA MOTA BARACHO
O Transtorno Psíquico, a Família e o Serviço Social na recuperação do
Portador de Sofrimento Psíquico em um hospital no Rio Grande do Norte – RN
NATAL/RN
2013
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LARISSA MOTA BARACHO
O Transtorno Psíquico, a Família e o Serviço Social na recuperação do
Portador de Sofrimento Psíquico em um hospital no Rio Grande do Norte – RN
Monografia apresentada ao Departamento de Serviço Social na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para obtenção de Título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Drª. Edla Hoffmann
Natal/RN
2013
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Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Baracho, Larissa Mota. O transtorno psíquico, a família e o serviço social na recuperação do portador de sofrimento psíquico em um hospital no Rio Grande do Norte - RN / Larissa Mota Baracho. - Natal, RN, 2013. 122f. Orientadora: Prof.ª Drª Edla Hoffmann. Monografia (Graduação em Serviço social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço social. 1. Serviço social – Saúde mental - Monografia. 2. Políticas - Saúde mental - Monografia. 3. Famílias - Serviço social - Monografia. I. Hoffmann, Edla. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título.
RN/BS/CCSA CDU 364.622-53
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LARISSA MOTA BARACHO
O Transtorno Psíquico, a Família e o Serviço Social na recuperação do
Portador de Sofrimento Psíquico em um hospital no Rio Grande do Norte – RN
Monografia apresentada ao Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) como requisito para obtenção do Título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Drª. Edla Hoffmann Aprovada em: ____/ ____/ ____
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________ Profª. Drª. Edla Hoffmann
(Profª. Orientadora – DESSO/UFRN)
_________________________________________________ Profª. Drª. Maria Regina de Ávila Moreira
(Profª. Examinadora – DESSO/UFRN)
_________________________________________________ Assistente Social Denize Melo Martins
(Examinadora Externa – Hospital Dr. João Machado/RN)
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“Fiz a escalada da montanha da vida. Removendo pedras e plantando flores.” (Cora Coralina)
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, pelo dom da vida, por tudo de
grandioso que realizou em minha vida. Por ter me dado fé, sabedoria,
perseverança e força para continuar quando eu achei que não iria conseguir.
Obrigada meu Deus por guiar os meus passos e me abençoar!
À meus pais Sérgio e Lúcia, que, cada um do seu modo, desde criança
me educaram, se esforçaram e me incentivaram a ter uma boa qualificação e
contribuíram para minha formação. Obrigada por tudo, amo vocês!
À Romerito, meu noivo, meu amigo. Agradeço pelo incentivo,
preocupação, força e compreensão na concretização deste e de outros
trabalhos. Nos momentos difíceis me fez rir com seu jeito extrovertido.
Obrigada pelo seu amor, respeito, carinho e amizade. Te amo!
A minha madrinha Maria José, mulher exemplo de persistência a qual
me espelho. Obrigada pelo estímulo, pelas palavras de confiança e pelo amor
que tens por mim.
À meu avô Geraldo pelo apoio, preocupação e carinho de sempre.
À meus padrinhos Socorro e Amaro por me ensinarem o jeito leve e
divertido de levar a vida.
À minha tia Vera (Verinha) pela simplicidade, palavra amiga e
acolhimento em sua residência quando sempre precisei.
À minha prima Emiliane (Milinha) pelas conversas críticas. Estás entre
as pessoas que me instiga em continuar na defesa da diversidade humana, e
como é bom saber que sou o apoio para continuares “diferente”.
À minha irmã Laise, meu cunhado Davi, meus tios, tias, primos, primas,
“Os Valentim”, pelo carinho, preocupação, pelas palavras de apoio, cada um
tem um significado especial nesta caminhada. Tenho muito amor e carinho por
todos!
À minha Orientadora, Doutora Edla Hoffmann, minha gaúcha, tchê! Pelo
vasto conhecimento compartilhado desde as orientações no período do Estágio
Obrigatório até a conclusão deste trabalho. Tens uma grande contribuição na
realização deste sonho. Obrigada pela paciência e dedicação. Aprendi muito
contigo, és uma profissional excelente.
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À Minhas Amigas e Amigos de Curso. Lembro como hoje dos primeiros
dias na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, a alegria de ter passado
no vestibular e está na tão desejada “Federal”, a sede por conhecimento, a
alegria etc. E na turma iam se formando os grupos, e neste ambiente me
identifiquei com quatro criaturas muito especiais, Sabrina, Luana, Jéssika e
Aline. Com elas tive a oportunidade de viver momentos de alegria, badalações
(calouradas), horas de estudo. Tantos lanches e conversas na cantina. Tantas
horas estudando, discutindo Marx, Paulo Netto, Iamamoto. Tantos momentos
maravilhosos compartilhamos uma com a outra. Obrigada meninas pelos dias
que vivi com vocês e pelos momentos que dividi angústias e momentos difíceis
e vocês me escutaram, cada uma com seu jeito de ser. Vocês moram em meu
coração. E hoje meu ciclo de amizade cresceu, e tenho a agradecer também a
Tibério, Íris, pessoas espetaculares, em que tive a oportunidade de
compartilhar conhecimentos, dividir angústias e alegrias.
À Meus Amigos, que não são muitos, mas os poucos que tenho são os
melhores. Obrigada a minhas amigas de turma, a minhas amigas do IFRN,
Luanda, Karine, Raphaela, Bia, Adriele, pelo incentivo, apoio e carinho. A
minha amiga Laís Tavares pelo apoio e pelos momentos em que me ouviu e
me incentivou. A minha “velha” amiga Geane Karla, que na reta final deste
trabalho me ajudou com suas habilidades e palavras amigas. As minhas
companheiras estagiárias da SEHARPE. E aos demais amigos os quais não
citei por nome, mas que me incentivaram nesta caminhada. Obrigada pela
amizade!
Aos Professores da UFRN. O curso de Serviço Social não seria nada
sem eles: os professores, os docentes. Obrigada por cada conhecimento
partilhado, por cada discussão em sala de aula, pela dedicação, por terem me
ensinado a ser um ser social crítico, por serem verdadeiras lutadoras, em prol
de uma universidade pública e de qualidade, por um ensino presencial, mesmo
esta não oferecendo condições para esta prática, e por uma sociedade mais
justa e igualitária.
Aos Professores da Vida, pessoas, profissionais que cruzaram em meu
caminho e contribuíram para o que sou hoje. Meus professores do Ensino
Infantil, Fundamental e Médio. Às Assistentes Sociais (Vane, Marileide, Liana,
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Violeta, Adja, Miessa) e funcionários da Secretaria de Habitação, e do Hospital
Dr. João Machado, em especial minha Orientadora de Estágio, Denize Martins,
pela dedicação, apoio; a Fátima Couto pelo suporte, uma verdadeira militante
da saúde mental; e também Ana Karenina pelo acolhimento e atenção.
A todos vocês, muito obrigada!
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RESUMO
O referido trabalho expõe um breve histórico sobre a Reforma Sanitária no Brasil, no que consistiu esse período de muitas mudanças no âmbito da saúde do país e que os fatos ocorridos nesse período influenciaram na Saúde Mental, sendo ela o ponto central da nossa discussão. Se tratando desta área nos deteremos na história da Reforma Psiquiátrica, seus antecedentes, o que motivou esse advento e que mudanças ela acarretou na Saúde Mental. Neste contexto encontra-se o portador de sofrimento psíquico e junto a ele, ao seu tratamento e inserção na sociedade, a família e o Assistente Social, portanto, também serão abordados em nossas discussões. Foi através das vivências tidas no local em que foi realizado o Estágio, o Hospital Dr. João Machado, que se observou a importância de fazer uma pesquisa relacionada a esses elementos. A pesquisa para a elaboração deste trabalho foi de cunho bibliográfico, documental e pesquisa de campo. E partiu também de inquietações vividas durante o período do estágio em Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) no Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado, especificamente na primeira enfermaria masculina. A partir das vivências e apreensões tidas no cotidiano institucional durante o estágio e salientando que a área da Saúde Mental requer várias discussões, sentimos a necessidade de descobrir quais são as contribuições da família e do Serviço Social na recuperação do portador de sofrimento psíquico e aprofundar o estudo sobre esses elementos. A partir dos dados coletados no hospital, concluímos que a família e a categoria dos assistentes sociais são de fundamental importância para o portador de sofrimento psíquico ter uma melhor recuperação e ser inserido novamente na sociedade. Palavras-chave: Saúde, Saúde Mental, Serviço Social, Família.
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ABSTRACT
The present paperwork explains about patients with psychological distress of Dr. João Machado Hospital, aims to provide visibility to the family and social service's importance for their treatment. Problematizing how those elements help with the health recovery for those patients, of the hospital in observation. For this, was made a qualitative analysis of bibliographical, documental and field research. The theme's context, brings a brief history of Brazilian health sector reform, the meaning of this time, the health changes and the main facts occurred that influenced the mental health, is the central point on our discussion. This way, we focus on the history of Psychiatric Reform, its backgrounds, that motivated this advent and what kind of changes it brought to the mental health. The theme has a huge importance to the society and to the Social Service due the increase of frequently hospitalizations of patients in this Hospital, that in the most of time, came from cities close to Natal, that doesn’t have the assistence pre-hospital and post-hospital, specializes in mental health, they need. Then, its up to the social worker, that has the health as a sócio-occupational área, close with the patient family to execute some actions that allows a decrease in these hospitalizations. This research aims to detect the family importance and the social worker importance in the recovery of those who carry a mental desease, showing which are their needs and dificulties. The research data, show that the family is closer to the patient, helping them, and is also who gives the support and who can make decrease the number of hospitalizations; And the social service, is the most requested for the users and for the institution, is the service responsable to inform about the patient’s rights, the service network, and to connect the family with the patient who has a mental desease, and to put this patient into the society. Key-words: Health, Mental Health, Social Service, Family.
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LISTA DAS TABELAS
TABELA 1 Grau de Escolaridade do Familiar .............................................. 68
TABELA 2 Composição Familiar ................................................................. 69
TABELA 3 Onde o familiar é tratado melhor ............................................... 69
TABELA 4 Onde acha ser tratado melhor ................................................... 70
TABELA 5 Direitos Previdenciários do Usuário ........................................... 71
TABELA 6 Renda do Usuário ...................................................................... 71
TABELA 7 Renda do Usuário ...................................................................... 75
TABELA 8 Direitos Previdenciários ............................................................. 75
TABELA 9 Escolaridade .............................................................................. 76
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LISTA DE SIGLAS
ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social
ABEPSS – Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social
AD – Álcool e outras Drogas
AIS – Ações Integradas de Saúde
ANAS – Associação Nacional dos Assistentes Sociais
CAIS – Centro de Atividades Integradas em Saúde Mental
CAPS – Centro de Atenção Psicossocial
CAPSi – Centro de Atenção Psicossocial Infantil
CAPSad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas
CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões
CBCISS – Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio em Serviços Social
CEBES – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
COI – Centro de Orientação Infantil
COJ – Centro de Orientação Juvenil
DAP-DF – Divisão de Assistência a Psicopatas do Distrito Federal
DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental
DNS – Departamento Nacional de Saúde
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
EUA – Estados Unidos da América
IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência
Social
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IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
HJM – Hospital João Machado
LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social
LOS – Lei Orgânica da Saúde
MTSM – Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental
NAPS – Núcleos de Atenção Psicossocial
OMS – Organização Mundial de Saúde
OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde
RN – Rio Grande do Norte
SAP – Serviço de Assistência a Psicopatas
SESAP – Secretaria de Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Norte
SESP – Serviço Especial de Saúde Pública
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SISREG – Sistema de Regulação
SNDM – Serviço Nacional de Doenças Mentais
SUDS – Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SP – São Paulo
SUS – Sistema Único de Saúde
SRT – Serviços Residenciais Terapêuticos
UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 15
2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL .................................................. 18
2.1. Antecedentes as Reformas: Sanitária e Psiquiátrica ...................................... 18
2.2. Contexto Histórico da Reforma Sanitária ........................................................ 28
2.3. Contexto Histórico da Reforma Psiquiátrica .................................................... 31
3. O SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE ........................................................................ 39
3.1. Serviço Social na Saúde Mental ..................................................................... 47
3.2. As Particularidades da Saúde Mental no Hospital Dr. João Machado ............ 54
3.3. O Serviço Social no Hospital Dr. João Machado ............................................. 56
4. A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL...................................................................... 62
4.1. A Família e a Saúde Mental ............................................................................ 68
4.2. A intervenção do Serviço Social com Famílias no Hospital Dr. João
Machado ................................................................................................................ 72
4.3. Caracterização dos sujeitos de pesquisa e apresentação dos resultados ...... 75
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 90
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95
APÊNDICES ........................................................................................................... 102
ANEXOS ................................................................................................................. 114
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1. INTRODUÇÃO
Este trabalho de conclusão de curso versa sobre a importância da
Reforma Psiquiátrica, em um contexto de lutas na Saúde em geral, cenário
este que proporcionou muitas mudanças à saúde mental, entre elas a inserção
da família e de equipe multiprofissional. Assim, serão analisadas
especificamente, as contribuições da família na recuperação da Saúde do
Portador de Sofrimento Psíquico no Hospital Dr. João Machado.
O tema instiga a autora desde o início de sua trajetória acadêmica.
Durante o curso esta sempre se interessou pela área da saúde, pelas
disciplinas, atividades relacionadas ao contexto. E, foi no estágio que se
confirmou a afinidade pela área da saúde mental, já vivenciada há anos, por
uma experiência pessoal.
Neste trabalho é abordado a inserção do Serviço Social na saúde e
saúde mental, buscando apreender os desafios à atuação do assistente social
nesse espaço sócio-ocupacional. (ROBAINA, 2010), e suas contribuições para
a recuperação do portador de sofrimento psíquico, prezando pelos princípios
da Reforma Psiquiátrica.
O desenvolvimento do trabalho é composto pelos contextos históricos da
Reforma Sanitária e Psiquiátrica e, baseado pelas experiências vivenciadas no
estágio curricular obrigatório em Serviço Social, realizado no Hospital
Psiquiátrico Dr. João Machado – HJM, na primeira enfermaria masculina, local
em que ficam internados por um período, devido o sofrimento psíquico. É a
partir das experiências no HJM, somado as leituras e discussões sobre a
história da reforma psiquiátrica no Brasil e, no mundo que emerge o interesse
pela temática em questão.
O HJM é uma instituição que tem o seu passado fundamentado na
Psiquiatria Asilar, no modelo hospitalocêntrico de assistência. Forma esta de
assistência que segrega as pessoas, as isolam, as limitam, fazendo piorar o
seu quadro clínico. Atualmente o Hospital Dr. João Machado já dentro da
proposta de Humanização do Atendimento a seus usuários não faz uso de
grades, havendo no tratamento uma interação entre os profissionais e os
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familiares, sendo a participação familiar um grande estímulo aos portadores de
sofrimento psíquico. A interação da família e o contato frequente se tornam
fundamentais no tratamento desses usuários. É ela que incentiva, acompanha
e luta juntamente com a pessoa com o sofrimento psíquico pela busca e
prosseguimento ao tratamento na rede de saúde mental e no convívio com a
família e a comunidade.
O objetivo do Hospital é recuperar o usuário da crise dentro da linha da
desinstitucionalização, de acordo com os princípios do SUS e da Reforma
Psiquiátrica. A ideia é tratá-los permitindo que eles retornem a sociedade e
que, como cita a Lei no 10.216, de 06 de abril de 2001 – dispõe sobre a
proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e
redireciona o modelo assistencial em saúde mental –, tenham acesso ao
melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com as suas necessidades;
sejam tratados com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na
família, no trabalho e na comunidade, enxergando-o como cidadão de direitos.
Diante de tais colocações observou-se a necessidade de uma reflexão
aprofundada sobre a inserção da família no HJM, nesta área tão complexa que
é a saúde mental. Do mesmo modo, o fazer profissional dos assistentes sociais
nesse cenário, quais as dificuldades enfrentadas por esses sujeitos, e quais os
avanços desses junto ao tratamento do portador de sofrimento psíquico.
Portanto o objetivo geral deste trabalho é analisar as contribuições da
família e do Serviço Social na recuperação da saúde do Portador de Sofrimento
Psíquico no Hospital Dr. João Machado, a fim de contribuir no âmbito da saúde
das pessoas com sofrimento psíquico na perspectiva da efetivação dos
princípios e diretrizes da Reforma Psiquiátrica. Os objetivos específicos
incidem na caracterização da saúde do usuário com sofrimento psíquico que
tem acompanhamento e/ou não da família na investigação a importância do
trabalho do Serviço Social junto aos familiares no tratamento; na análise das
concepções que perpassam o imaginário da família sobre a sua participação no
tratamento dos usuários a fim de entender os motivos da presença e/ou
ausência desses; e na averiguação da opinião dos familiares e assistentes
sociais sobre sua inserção no HJM.
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Visando abranger todas as discussões que se propõe acima, o trabalho
está estruturado em quatro capítulos, sendo que o primeiro consiste nesta
introdução e os outros serão indicados a seguir.
O segundo capítulo trata-se da sistematização teórica da Política de
Saúde no Brasil, através de um breve contexto histórico que remete ao início
da saúde pública no Brasil, suas transformações no decorre dos séculos,
havendo uma discussão sobre os fatos que antecederam a Reforma Sanitária e
a Reforma Psiquiátrica. Neste capítulo também discutiremos o que consiste
cada uma, a relação entre elas, e chegaremos assim no contexto atual.
No terceiro capítulo será abordada a inserção do Serviço Social na
Saúde Mental. Inicialmente destacaremos o histórico da profissão, sua origem
e atuação na área da Saúde, e em seguida traremos elementos para a
discussão da profissão no âmbito da saúde mental e do fazer profissional do
Assistente Social neste campo profissional.
No quarto capítulo a discussão se centrará na família. No conceito, nos
arranjos familiares que encontramos na sociedade, o perfil das famílias em que
convivemos durante o período de estágio e que entrevistamos, a sua
caracterização no âmbito da saúde mental, especificamente no Hospital em
que desenvolvemos as atividades de observação, intervenção e entrevistas, o
Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado. Discutiremos também as contribuições
da família e do Serviço Social na recuperação da saúde dos usuários com
sofrimento psíquico.
Para encerrar, as considerações finais apresentam uma reflexão acerca
dos assuntos abordados em todo o trabalho e da importância da presença da
família e do assistente social no tratamento do portador de sofrimento psíquico
para, contribuir na recuperação da saúde deste visando as concepções da
Reforma Psiquiátrica.
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2. A POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL
Na realidade, é possível prever ‘cientificamente’ apenas a luta, mas não os momentos concretos dela, que não podem deixar de ser resultados de forças contrastantes em contínuo movimento.
(GRAMSCI, 1999, p. 121)
Neste capítulo será abordado o contexto histórico que antecede a as
Reformas Sanitária e Psiquiátrica no Brasil. Problematiza a saúde desde o
Período Colonial, no século XVI, perpassando pelo Império em meados de
1822 a 1889, e pelo Período Republicano, no século XIX, de 1889 até os dias
atuais. Traz a discussão sobre os fatos que ocorreram antes da Reforma
Psiquiátrica, iniciados no período imperial, época que se construiu o primeiro
hospício, por volta de 1841, pois começavam as preocupações em relação ao
doente mental, que vinha infligindo a “ordem” do Brasil. Dando prosseguimento
aos fatos no século XX, chegando até o presente momento, procurando
estabelecer uma relação entre as duas reformas.
2.1. Antecedentes as Reformas: Sanitária e Psiquiátrica
Do século XVI ao XVIII, a sociedade colonial brasileira, essencialmente
ruralizada e escravocrata, respaldou o surgimento do modelo hospitalocêntrico,
também nomeado de hospiciocêntrico, de assistência psiquiátrica no Brasil
(ROSA, 2003). Na época do Império até por volta da década de 1930 no Brasil,
à assistência à saúde da população era realizada pelas instituições
hospitalares vinculadas a entidades religiosas, destinadas aos pobres. Assim
cabia ao Estado a intervenção apenas em situações que ultrapassassem as
capacidades dos agentes da saúde (DIAS, 2007).
No período seguinte, século XIX, surge o Império (1822-1889), que tem
como marca a vinda da Corte Portuguesa ao Brasil, foi caracterizado por várias
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mudanças na área da administração da saúde no país (FILHO, 2002). A saúde
sofre mudanças no âmbito do atendimento das questões sanitárias, sendo
criados hospitais, centros de saúde para que houvesse o atendimento mais
organizado e permanente (FILHO, 2002). Entre essas construções, na segunda
metade deste século inaugura no Rio de Janeiro, em 1852, o primeiro hospital
psiquiátrico, denominado Hospício Pedro II, caracterizando o início da
institucionalização do país.
Entretanto, mesmo com essas modificações e construções, as medidas
sanitárias encontravam-se frágeis, pouco eficazes e, apesar de várias
reformulações, não alcançaram o objetivo de cuidar da saúde da população
(FILHO, 2002, p. 8).
Em casos mais graves, os doentes ricos buscavam assistência médica na Europa ou nas clínicas particulares que começaram a ser criadas na região serrana fluminense. Para os pobres restavam, sobretudo, os curandeiros negros, que continuaram a ser os principais responsáveis pelo tratamento dos que tinham pouco dinheiro. Os doentes tinham muito medo de ser internados nos raros hospitais públicos e nas Santas Casas. Em suas enfermarias misturavam-se pacientes de todos os tipos, sendo comum dois ou mais doentes dividirem o mesmo leito. É claro que tal “tratamento”, somado à falta de higiene dos hospitais, fazia com que as famílias evitassem internar seus parentes, pois a morte era o destino certo da maioria dos pacientes pobres (FILHO, 2002, p. 10).
A fase do Império no Brasil termina sem que o Estado tivesse
solucionado os graves problemas de saúde da população. O país, no fim do
Segundo Reinado, mantinha a fama de ser um dos países mais insalubres do
planeta, mesmo Dom Pedro II sendo sempre lembrado como o monarca que
incentivou as pesquisas científicas (FILHO, 2002).
No fim deste século e nas primeiras décadas do século seguinte, o Brasil
compreende a necessidade de redefinir a composição da sua força de trabalho,
devido a conclusão do ciclo da escravidão, que tinha o trabalhador escravo
como mão de obra do período e a chegada dos imigrantes (FILHO, 2002).
Na República Velha (1889-1930) o Brasil foi governado pelas
oligarquias1, marcado pela forte centralização de poder nas mãos dos grandes
1 Oligarquia – Grupo Social formado por grandes capitalistas, geralmente latifundiários, que
detêm amplo controle político e econômico de um estado ou de uma região. Neste período a
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proprietários de terra dos estados mais ricos (São Paulo, Minas Gerais e Rio de
Janeiro) e no bloco agrário exportador (DIAS, 2007), dando a estes um grande
poder de decisão na administração federal do Brasil.
Nesta época, os lucros produzidos pela cafeicultura (principal setor
econômico do momento), foram, em parte, aplicados nas cidades. Isso
promoveu a industrialização, a expansão das atividades comerciais e o
aumento acelerado da população urbana, progredida com a vinda dos
imigrantes. E, também houve reformas das principais cidades e dos grandes
portos, buscando modernizá-los e facilitar o fluxo de homens e mercadorias.
Assim, as oligarquias buscaram base na ciência da higiene para
examinar cuidadosamente o ambiente físico e social das populações urbanas.
São definidas, portanto, estratégias para melhorar as condições sanitárias das
áreas fundamentais para a economia do país. A zona rural seria colocada em
segunda opção, só chamando atenção das autoridades quando os problemas
sanitários interferiam na produção agrícola para exportação.
Ainda no Brasil República, “o louco e a loucura adquiriram status de
doente e doença e passaram a serem objetos de especialistas” (NOGUEIRA;
COSTA, 2007, p. 2). Em 1890, foi criada a Assistência Médica Legal a
Alienados, que tinha como função organizar a assistência psiquiátrica brasileira
e possibilitou a difusão do modelo hospitalocêntrico, que se tornou hegemônico
no trato da loucura (NOGUEIRA; COSTA, 2007).
Vale ressaltar que no ano de 1903 foi instaurada a primeira Lei Federal
de assistência aos doentes mentais, pelo Decreto nº 1.132, de 22 de
dezembro. A segunda foi promulgada no governo de Getúlio Vargas, Decreto
nº 24.559 de 3 de julho de 1934 e, em 1941 foi criado o Serviço Nacional de
Doenças Mentais – SNDM (ROSA, 2003).
Com o surgimento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) a economia
exportadora sofre um abalo, o que ocasiona a entrada do capital externo, a
instalação estrangeira e a formação de operários urbanos; e, neste ambiente
cria-se a condição de reivindicação destes, por melhores condições de trabalho
(IANNI, 1984; FIORI, 2003).
produção de café era o principal setor da economia brasileira, tendo os fazendeiros paulistas grande poder nas decisões na área administrativa do país (FILHO, 2002, p. 16).
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Ao buscar no Brasil justamente uma ação social que saneasse os
aglomerados urbanos e rurais e imprimisse novos comportamentos sociais
para esconder os efeitos da miscigenação racial, vista como um risco social a
elite (GOMES; ADORNO,1990; STANCIK, 2004), a eugenia2 configura-se num
movimento que satisfaz as estratégias do governo, que visa a consolidação do
Estado (DIAS, 2007). Havendo assim, a predominância da saúde pública.
A saúde pública caracterizou-se, desde esta época até os anos 1960,
pela ênfase as campanhas sanitárias, interiorizando as ações para as áreas de
endemias rurais e criando serviços de combate às endemias. Em 1923, eram
discutidas questões de higiene e saúde do trabalhador, sendo tomadas
algumas medidas que se constituíram no início do projeto previdenciário
brasileiro (BRAVO, 2007), entre elas está a criação das Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAPs3), com a promulgação da Lei Elói Chaves4.
As CAPs eram financiadas pela União, pelos empregados e pelas
empresas empregadoras, mas apenas os grandes estabelecimentos tinham
condições de mantê-las. Os benefícios eram proporcionais às contribuições e
foram previstos: assistência médico-curativa e fornecimento de medicamentos;
aposentadoria por tempo de serviço velhice e invalidez, incapacidade física e
mental (no caso dos portadores de sofrimento psíquico), pensão para os
dependentes e auxílio funeral (BRAVO, 2007).
Inicialmente restritas ao âmbito das empresas, as Caixas, foram
transformadas, na década de 1930, nos Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAPs) (BATICH, 2004), estes criados pela medicina previdenciária, que
“pretendia estender para um número maior de categorias de assalariados
2 Eugenia – Ciência que estuda as características raciais dos grupos humanos. No início do
século, afirmava que os brancos eram os mais perfeitos representantes da espécie humana; as
demais raças teriam alguma dose de “inferioridade biológica”.
3 As Caixas foram organizadas pelo setor privado e destinadas aos ferroviários e
posteriormente estendida a outras categorias profissionais, com financiamento tripartite: financiamento com participação dos três segmentos envolvidos: empregadores, trabalhadores e Estado (COHN, 1996).
4 A Lei Elói Chaves, nome do deputado por São Paulo que a propôs, determinava que cada
empresa ferroviária do país criasse um fundo de aposentadoria e pensão, uma CAP, sendo apontada como marco inaugural da previdência no país. Em 1926 essa determinação se estende a outras categorias, como marítimos e portuários (MALLOY, 1986).
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urbanos os seus benefícios” (BRAVO, 2007, p. 5) oferecendo como benefícios
aposentadoria, assistência médica individual aos seus segurados e
dependentes.
Os IAPs ampliaram seu raio de ação, organizando-se em torno de
categorias profissionais, e passaram a ter uma abrangência bem maior, até
serem unificadas com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social
(INPS), em 1966 (BATICH, 2004). O INPS foi criado para atender ao
trabalhador nos locais de trabalho e a previdência estendida para várias
categorias, incluindo os trabalhadores rurais, até então, não incorporadas pelo
sistema, embora mantendo restrições para vários desses segmentos (BRASIL,
2006, p. 38).
Ao contrário das CAPs, a administração financeira dos Institutos,
baseado no regime de capitalização, seguia uma “orientação contencionista”,
ou seja, de restrição na concessão de benefícios e serviços como forma de
reduzir as despesas das instituições de previdência. Um dos determinantes
para a redução dos gastos foi, sem dúvida, o acelerado crescimento dos
assalariados urbanos (OLIVEIRA; TEIXEIRA, 1996).
A centralização do sistema prosseguiria ao longo da década de 1970, com a criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Sinpas – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social, do Inamps – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social e do Iapas – Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (BRASIL, 2006, p. 38).
Na década de 1930, na estrutura da saúde pública do Brasil, há
crescimento relativo dos gastos da previdência social com a assistência
médico-hospitalar (BRAVO, 2007; MATOS, 2007), e a aproximação entre o
higienismo e a eugenia influenciando na saúde mental de modo hegemônico.
A prevenção eugênica se materializou através da criação de hospitais e
colônias-agrícolas públicas para os portadores de transtornos mentais,
tuberculose e hanseníase, sendo o período da Proclamação da República até
1941 caracterizado como o da hegemonia do setor público nas ações relativas
à assistência psiquiátrica pela adoção do modelo de colônias (SAMPAIO,
1988). Por não serem considerados capazes de compor a mão de obra que o
23
modo capitalista necessita, os indivíduos que se internavam nesses hospitais
eram isolados e segregados socialmente.
O fato influenciou também a saúde mental, sendo promulgado pelo
governo de 1946, que estimulava a construção de hospitais psiquiátricos como
o principal meio de intervir na doença mental. Os apoiadores dessa linha de
tratamento tentam justificar a existência dos hospitais psiquiátricos como
sendo: indicação prioritariamente social, a remoção e exclusão do elemento
perturbador, preservação dos bens e segurança dos cidadãos e uma indicação
clínica com o propósito de curar os doentes mentais (RESENDE, 1994).
Havendo assim a efetivação da política com o aumento de hospitais e
consequentemente, há um aumento também de pessoas institucionalizadas
(DIAS, 2007).
Enquanto isso, a política de centralizar a atenção em saúde mental na
internação hospitalar continua, agora, ativada pela reorganização da
previdência social (AMARANTE, 1994). Já que, com o efeito da acelerada
industrialização durante a década de 1950, todo o sistema previdenciário tem
um crescimento em volume de recursos, em aparato institucional e em clientela
a ser atendida (COHN, 1996, p. 18).
O estabelecimento do modo de produção capitalista inicia o processo de
industrialização, com isso surge a classe trabalhadora, e com ela a
necessidade de adotar estratégias para melhorar suas condições de vida. São
estes os fatores que irão determinar as primeiras ações estatais na saúde
brasileira (COSTA, 1986).
Com base nas ações do governo em relação às reivindicações da classe
trabalhadora, que propõe a redução dos conflitos resultantes da relação capital
e trabalho, realiza-se a mediação pelo atendimento de determinadas demandas
da classe subalterna, com o importante apoio do círculo intelectual médico-
sanitário (DIAS, 2007),
que consolidou rotinas científicas e administrativas que sustentaram a iniciativa das classes dominantes nacionais no campo da prevenção da saúde, da força de trabalho, no controle e erradicação de um conjunto de doenças transmissíveis que debelava a saúde da população (DIAS, 2007, p. 25).
24
O círculo intelectual médico-sanitário, ao proceder em relação a
preservação da saúde, no controle e erradicação de várias doenças que
assolavam a população, tinha como propósito manter a salubridade no
ambiente de trabalho dos cidadãos, à promoção e proteção da saúde visando à
recuperação e reabilitação da saúde desses trabalhadores, submetidos aos
riscos e agravos advindos das condições de trabalho. E, também avançar em
suas pesquisas, criando programas de saúde pública e campanhas sanitárias
para prevenir doenças e melhorar a qualidade de vida dos cidadãos (DIAS,
2007).
A política pública de saúde mental contou com a ajuda também da
acelerada industrialização. A produção de medicamentos sendo incentivada
pelo governo veio a colaborar ainda mais na eficácia terapêutica dos
transtornos mentais, mas não o bastante para criar um cuidado extra-
hospitalar, visto que o modelo hospitalocêntrico tem vários determinantes
econômicos e sociais (DIAS, 2007).
A Política Nacional de Saúde, que se esboçava desde 1930, foi
consolidada no período de 1945-1950. O Serviço Especial de Saúde Pública
(SESP) foi criado durante a 2ª Guerra Mundial, em convênio com órgãos do
governo americano e sob o patrocínio da Fundação Rockefeller5 (BRAVO,
2007).
No final dos anos de 1940, é criado o Plano Salte (1948) que tinha por
objetivo melhorar as áreas de Saúde, Alimentação, Transporte e Energia: a
Saúde foi posta como uma de suas finalidades principais. O plano apresentava
previsões de investimentos de 1949 a 1953, mas não foi implementado
(BRAVO, 2007).
Em maio de 1953, foi criado o Ministério da Saúde, mas este atuou de
maneira ineficiente. Pois contou com verbas irrisórias no decorrer da década de
1950, confirmando o descaso dos governantes para com a saúde do povo; e
esta falta de dinheiro impedia que o Estado atuasse com eficácia na péssima
5 Nas primeiras décadas do século XX, a Fundação Rockefeller atuou de modo decisivo na
implementação de ações voltadas para a saúde pública no Brasil, especialmente no movimento sanitarista (KOBAYASHI, FARIA, COSTA, 2009).
25
situação da saúde coletiva. Além das dificuldades enfrentadas pelo Ministério,
o clientelismo6 também interferiu na política de saúde do Brasil.
Em 1964 é iniciada a Ditadura Militar (1964-1985), reduzindo verbas
destinadas a saúde pública (que teve acréscimo na primeira metade da década
de 1960) (FILHO, 2002) e as discussões sobre as necessárias alterações na
política de saúde durante os anos de sua duração; e centralizou mais uma vez
as ações de saúde do nível central do governo, destruindo os poderes
estaduais e municipais.
O período de 1974 a 1985 é caracterizado pelo período de
redemocratização7. Nesta época ocorre abertura política, ou seja, a
recuperação das instituições democráticas extinguidas pelo Regime Militar,
regime de exceção e de censura, e a superação desse Regime (BRAVO,
2001).
Assim, o fim dos anos 1970 foi marcado, na política, por mudanças nas
regras autoritárias do regime militar, como a extinção do Ato Institucional nº 5
em 1978. No âmbito da saúde mental, nas décadas de 1970 e 1980, houve
uma grande mobilização para recolher doentes mentais para hospitais
psiquiátricos com ambulâncias percorrendo as cidades. No ano de 1971 já
existiam 80.000 leitos psiquiátricos no Brasil (ALVES, 1992; BRENER, 1996;
COSTA, 2002).
Em relação à assistência a saúde no Brasil, no ano de 1966 ocorreu a
unificação dos diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs, e do
sistema previdenciário, com a criação do Instituto Nacional de Previdência
Social (INPS), o qual assumiu a responsabilidade pela garantia da assistência
previdenciária e médica aos seus segurados e dependentes.(NOGUEIRA;
COSTA, 2007).
6 Clientelismo: os partidos ou os líderes políticos trocavam ambulâncias, leitos hospitalares,
profissionais da saúde e vacinas – muitas vezes em número bem superiores à demanda de uma região – por votos e apoio nas épocas eleitorais. Ao mesmo tempo, outras áreas permaneciam totalmente sem assistência médico-sanitária (FILHO, 2002, p. 41).
7 Período marcado pelas eleições diretas para os principais cargos políticos, pelo
pluripartidarismo e pela liberdade de atuação da imprensa, das agremiações políticas e dos
sindicatos (FILHO, 2002, p. 39).
26
Mesmo com esses avanços, até meados de 1970, a saúde mental quase
não era vista como política pública quando, enfim, o Ministério da Saúde lança
a Campanha Nacional de Saúde Mental e acaba com o Serviço Nacional de
Doenças Mentais (SNDM8), substituindo-o pela Divisão Nacional de Saúde
Mental (DINSAM) (NOGUEIRA; COSTA, 2007).
Analisar as ligações de acontecimentos históricos e sociais é muito
importante para que se entenda e explique a dinâmica dos episódios da
sociedade. Ficando evidente a relação dos interesses capitalistas no que se
refere à política de saúde/ saúde mental, com a ênfase na hospitalização,
assistência médica curativa, individual e na medicalização, tendo o
planejamento como peça fundamental na organização e funcionamento do
sistema de saúde.
Assim, as políticas de saúde e saúde mental vão ser constituídas por
tais características, influenciando o momento seguinte em que ambas passam
por processo de reforma. Em resistência a esta lógica capitalista, mercantil e
centralizadora da saúde e, do modelo hospitalocêntrico e manicomial na saúde
mental, vários profissionais começam a organizar-se, compondo de debates e
novos conceitos a partir do ano de 1979. Portanto, este contexto da política de
saúde e saúde mental brasileira, fez com que na década de 1980 ocorressem
mudanças.
Com a falência do modelo econômico do regime militar, que decretou
seu fim em 1985, a sociedade brasileira presenciou o agravamento da crise
econômica, profunda e prolongada que persiste até os dias atuais (BRAVO,
2001); vivenciou um processo de democratização política superando o regime
8 O Serviço Nacional de Doenças Mentais (SNDM) era um dos 23 órgãos do Departamento
Nacional de Saúde (DNS) do Ministério da Educação e Saúde, que compreendia as divisões de Saúde Pública, de Assistência Hospitalar, de Assistência a Psicopatas e de Amparo a Maternidade e a Infância. De acordo com a Estudiosa da história da psiquiatria, Ana Teresa, “a reunião desses órgãos foi um indício de mudanças substanciais no campo da política assistencial psiquiátrica, porque ampliou a ação do Departamento Nacional de Saúde (DNS) na área psiquiátrica, até então mais circunscrita ao Distrito Federal”. O SNDM representou a junção, em apenas um órgão, do Serviço de Assistência a Psicopatas (SAP) e da Divisão de Assistência a Psicopatas do Distrito Federa (DAP-DF) (VALVERDE, 2003). E a DINSAM passa a ser a responsável pela normatização, avaliação e controle dos programas de saúde mental no Brasil e formada por um complexo de quatro unidades: Centro Psiquiátrico Pedro II, Hospital Pinel, Colônia Juliano Moreira e Manicômio Judiciário Heitor Carvalho (NOGUEIRA E COSTA, 2007, p. 3).
27
ditatorial e, assim, a sociedade voltava a mobilizar-se, exigindo liberdade e
democracia.
As primeiras críticas aos hospitais psiquiátricos surgem também no
período Pós-Segunda Guerra Mundial, a partir da experiência de médicos,
enfermeiros que foram prisioneiros dos campos de concentração nazistas.
Inicia-se, então, o questionamento crítico de participação destes profissionais
em instituições psiquiátricas, que se baseiam em discriminações tão
desumanas como as que eles haviam sofrido (TUNÕN; ABUDARA, 1988). A
partir dos questionamentos desses profissionais surgiram vários ciclos de
debates e novas formulações em vários países defendendo o louco diante da
sociedade, e não optam mais pela sociedade em detrimento do louco.
Com o fim do Regime Militar, esta década (1970) foi marcada também
pelos Movimentos Populares. Em meio a várias manifestações havia um grupo
que discutia sobre a Política de Saúde. Este fez surgir o Movimento Popular de
saúde e a luta pela instauração de uma política pública de saúde que
implantasse um sistema único de saúde e garantisse a cidadania aos
brasileiros.
No que se refere a saúde mental, ela apenas iniciou um campo de luta
no Brasil a partir da “crise da DINSAM”, enquanto que em outros países, a
reforma psiquiátrica já estava com toda a agitação. É apenas na 8ª Conferência
Nacional de Saúde, de 17 a 21 de março de 1986, que o Movimento Popular de
Saúde é conhecido nacionalmente, dando origem ao Movimento pela Reforma
Sanitária9, contendo em suas discussões a assistência à saúde como direito de
cidadania (NOGUEIRA; COSTA, 2007).
A Reforma Sanitária Brasileira, segundo AROUCA (1998), caracteriza-se
como uma reforma democrática que nasceu na luta contra a ditadura, tendo
como tema: Saúde e Democracia. Ela estruturou-se nas universidades, no
movimento sindical e em experiências regionais de organização de serviços.
9 O conceito de Reforma Sanitária refere-se a um processo de transformação da norma legal e
do aparelho institucional que regulamenta e se responsabiliza pela proteção à saúde dos cidadãos e corresponde a um efetivo deslocamento do poder político em direção às camadas populares, cuja expressão material se concretiza na busca do direito universal à saúde e na criação de um sistema único de serviços sob a égide do Estado (TEIXEIRA, 1989, p. 39).
28
Esse movimento consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em
1986, na qual, pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todas as
partes da sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O
resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a
saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.
Nesse contexto de mudanças, de luta e de grande crescimento da
representação popular, de reivindicação dos direitos e das necessidades do
país, nasce o Movimento pela Reforma Sanitária, a partir do descontentamento
em relação ao Sistema de Saúde Previdenciário que vigorava durante o
período de Ditadura Militar.
E, em seguida a Reforma Psiquiátrica, contendo discussões da
assistência psiquiátrica. Cenário este de recessão na política econômica, que
há limitação de investimentos, cortes de verbas públicas nos setores sociais,
inclusive na saúde, e, que houve uma maior cobrança da sociedade para o
provimento de um sistema de saúde eficaz, que atendesse às necessidades da
população como um todo (PAIM, 2008). Assim, em meio a uma das mais
graves crises econômicas e sociais, o Brasil reconquista a sua democracia.
2.2. Contexto Histórico da Reforma Sanitária
O Movimento Sanitário culmina por volta dos anos 1970, influenciado
pelo modelo do Movimento Sanitário Italiano (GERSCHMAN, 1995) e,
estabelecido em uma conjuntura de reformulação da saúde, tendo em sua
essência o projeto reformador e a proposta da equidade, que é fundamental
para a efetivação da democracia (GERSCHMAN,1995). É composto por um
grupo de médicos, intelectuais e lideranças políticas do setor da saúde, que
tinham uma trajetória própria na área da saúde e se opunham ao Regime
Militar.
O projeto do movimento era sustentado sobre uma grande crítica ao
modelo da época, baseado na valorização e crescimento do setor privado à
custa do setor público (GERSCHMAN,1995). Tinha como propósito fazer várias
29
modificações necessárias ao setor saúde, além de uma reforma administrativa
e financeira. Necessitava-se de uma reformulação mais profunda,
ampliando o próprio conceito de saúde e sua correspondente ação institucional, revendo-se a legislação no que diz respeito à proteção e a recuperação da saúde, constituindo-se a Reforma Sanitária (BRASIL, 1986, p. 381).
A Reforma Sanitária foi constituída por uma concepção higienista,
apoiada em várias práticas sanitárias para a erradicação de doenças
transmissíveis que afetavam as condições de saúde dos brasileiros. Entretanto,
também ligada a este pensamento sanitarista a concepção de eugenia (DIAS,
2007). Ela se afirmava no Brasil, baseado na Revolução Sanitária Italiana,
sendo esta, um dos reflexos das necessidades do país, que surgia na época da
redemocratização brasileira (SILVA, 2008).
Em 1983, o movimento sanitarista expande sua ideia de reformulação do
Sistema de Saúde (GERSCHMAN,1995), desde que passou a ocupar espaços
nas instituições estatais visando realizar modificações na política de saúde.
Com o crescimento da proposta e do processo de reformulação desta política
originou-se 8ª Conferencia Nacional de Saúde em 1986, na qual se definiu o
projeto da Reforma Sanitária Brasileira (GERSCHMAN,1995).
Com as mudanças introduzidas pelo projeto de Reforma, o setor saúde
tornou-se democrático, universal, acessível. E passou a sustentar-se em um
conceito de saúde ampliado, relacionado às condições de vida, como: moradia,
saneamento, alimentação, condições de trabalho, educação, lazer.
Ultrapassando o atendimento da doença para se estenderem à prevenção e ao
melhoramento das condições de vida geradoras dessas doenças. Sendo
definida a saúde como um direito do cidadão e dever do Estado
(GERSCHMAN,1995).
A Reforma Sanitária consiste em um longo processo político de
conquistas da sociedade em direção à democratização da saúde, rumo a
construção de um novo Sistema Nacional de Saúde, tendo como pressupostos:
a visão da saúde como um processo resultante das condições de vida; atenção
à saúde não restrita a assistência médica, envolvendo “todas as ações de
30
promoção, proteção e recuperação”; saúde como direito de todos e dever do
Estado, de modo que, as ações e serviços de saúde estivessem ‘subordinados
ao interesse público’; acesso universal e igualitário de toda a população a todas
as ações e serviços necessários, sem discriminações; constituição do SUS
com comando único em cada esfera de governo; regionalização e
hierarquização da rede de serviços de saúde; distritalização; e gestão
colegiada (PROPOSTA, 1987).
A Política de Saúde tem como aspectos centrais: a politização da
questão saúde, que consiste no aumento de consciência sanitária; alteração na
norma constitucional, que resultou em um processo de articulação e
mobilização, incorporando muitas das reivindicações do movimento sanitário; e
mudança do arcabouço e das práticas institucionais, que tinham como
propósito fortalecer o setor público, reduzir a participação do setor privado,
universalizar o atendimento, descentralizar do processo decisório da política de
saúde e a execução de serviços em diferentes níveis (TEIXEIRA; BRAVO, p.
11 e 12).
A partir desses fatos é criado em 1987 o Sistema Unificado e
Descentralizado de Saúde (SUDS)10 e, posteriormente, o Sistema único de
Saúde, o SUS11, fundamentado pela Constituição Federal de 1988 e
posteriormente pelas Leis Federais n.º 8080/1990 e nº 8.142/1990, Leis
Orgânicas da Saúde, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na
assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público
a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer
10
O SUDS consiste em um sistema que pertencia a linha do movimento de reforma sanitária, que tinha como propósito contribuir para a consolidação e o desenvolvimento qualitativo das Ações Integradas de Saúde (AIS). Estabeleceu a reorganização das atribuições dos três níveis de poder, numa ação conjunta inédita do Ministério e da Previdência Social. Ao mesmo tempo que possibilitou a superação da dicotomia histórica entre o Ministério da Saúde e a Previdência, não resolveu conflitos existentes, principalmente na definição de papéis entre estados e municípios. Sobrevivendo o SUDS até a aprovação da Lei Orgânica de Saúde, 1990, dando lugar ao SUS (DIAS, 2007, p. 55 e 56). 11
O SUS alicerça-se nos princípios de acesso universal, público e gratuito às ações e serviços de saúde; integralidade das ações, cuidando do indivíduo como um todo e não como um amontoado de partes; equidade, como o dever de atender igualmente o direito de cada um, respeitando suas diferenças; descentralização dos recursos de saúde, garantindo cuidado de boa qualidade o mais próximo dos usuários que dele necessitam; controle social exercido pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional de Saúde, com representação dos usuários, trabalhadores, prestadores, organizações da sociedade civil e instituições formadoras (BRASIL, 2004).
31
pretexto (BRASIL, 2004). Esse Sistema definiu a saúde como direito de
cidadania e dever do Estado, implicando numa visão desmedicalizada da
saúde, que identifica saúde apenas como ausência relativa de doença (DIAS,
2007).
O SUS foi o passo mais avançado da reformulação do setor saúde.
Mesmo não conseguindo total êxito na melhoria das condições da saúde da
população, ele fez com que ocorressem muitos avanços na área, que refletiram
no agir político, e estas perduram até os dias atuais. Deixando claro que o
único meio de se colocar em prática a reforma sanitária é havendo uma
construção democrática.
A partir desse movimento de reforma sanitária surge outro visando a
reforma do modelo tradicional psiquiátrico, dando origem a Reforma
Psiquiátrica.
2.3. Contexto Histórico da Reforma Psiquiátrica
O período que vai da constituição da medicina mental no Brasil, em
meados do século XIX, até as primeiras décadas do século XXI, precisamente
até a segunda guerra mundial, será considerado como a o período higienista,
que trata do aparecimento e desdobramento de um projeto de medicalização
social, no qual a psiquiatria surge como um instrumento tecnocientífico de
poder, em uma medicina que autodenomina social (MACHADO, 1978 et al
AMARANTE, 1995, p. 88).
A Segunda Guerra Mundial deixa muitos países vitimados com o seu
fim, entre eles encontra-se o Brasil. Este fato faz com que surjam experiências
socioterápicas, como as comunidades terapêuticas, por exemplo. Terminando
por constituir, após o episódio da psiquiatria preventivo-comunitária, o percurso
da saúde mental (VASCONCELOS, 2008). Salientando que o surgimento de
um caminho não signifique que não existia nenhum anterior a ela.
A antiga concepção de prevenção da psiquiatria higienista, também
denominada de profilaxia, passa a superar a ideia de prevenção das desordens
32
mentais, para alcançar o projeto de promoção da Saúde Mental e luta pelos
direitos dos portadores de sofrimento psíquico no Brasil.
A política de saúde, especificamente a de saúde mental, foi se
gerenciando no período da formação e consolidação do estado brasileiro ao
longo do século XX, ora negando, ora reconhecendo a questão social12. Inicia
nesta perspectiva, no fim da década de 1970, no Brasil, a Reforma Psiquiátrica,
precisamente no ano de 1978, resultante da Reforma Sanitária e com o
surgimento do Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental, com o episódio
da Crise da DINSAM13. Embora advinda do movimento sanitarista, o processo
de Reforma Psiquiátrica no Brasil tem sua própria história, inscrita num
contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar
(BRASIL, 2005).
A Reforma Psiquiátrica tem como fundamentos uma crítica conjuntural ao subsistema nacional de saúde mental, mas também – e principalmente – uma crítica estrutural ao saber e às instituições psiquiátricas clássicas, dentro de toda a movimentação político-social que caracteriza a conjuntura de redemocratização (AMARANTE, 1998, p. 87).
O processo da Reforma divide-se em duas fases: a primeira de 1978 a
1991 compreende uma crítica ao modelo hospitalocêntrico, enquanto a
segunda, de 1992 aos dias atuais destaca-se pela implantação de uma rede de
serviços extra-hospitalares, que serão explanados mais à frente (MESQUITA;
NOVELLINO; CAVALCANTI, 2010).
A Crise da DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental) foi o estopim
para a reforma ocorrer. A crise foi iniciada através de denúncias de
trabalhadores (médicos bolsistas) do Centro Psiquiátrico Pedro II, no Rio de
Janeiro. Essas denúncias revelavam às irregularidades do hospital, divulgando
12
A Questão Social é entendida como o conjunto das manifestações das desigualdades sociais geradas na sociedade capitalista, e que “tem como raiz comum: a produção social cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 1998, p. 27).
13 DINSAM – Divisão Nacional de Saúde Mental. Órgão do Ministério da Saúde responsável
pela formulação das políticas de saúde do subsetor saúde mental.
33
as pessoas a trágica situação existente naquela unidade hospitalar. Também
mostrava como o quadro de funcionários estava defasado e antigo
(AMARANTE, 1995).
A Divisão não estava realizando concursos, passando a contratar
bolsistas (estudantes, graduados) no lugar de contratar médicos, enfermeiros,
assistentes sociais, psicólogos; e, estes trabalhando precariamente
(AMARANTE, 1995). Assim, há uma mobilização dos profissionais de outros
locais e, as amarras de cunho trabalhista e humanitário dão grande
repercussão ao movimento.
Dado que, neste ano se assiste à reemergência dos principais
movimentos sociais no Brasil, após um longo período de repressão pela
ditadura militar, com já foi dito anteriormente, que impossibilitava a expressão
política da sociedade no país (VASCONCELOS, 2008). Entre esses
movimentos está o MTSM, que desempenha durante um longo período do fato
(reforma), o principal papel, tanto na formulação teórica quanto na organização
de novas práticas (AMARANTE, 1995, p. 88).
O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), com seus
vários ambientes de luta, é que protagonizará e construirá a partir deste
período a denúncia da violência dos manicômios, da mercantilização da
loucura, da hegemonia de uma rede privada de assistência e, constrói
coletivamente uma crítica ao saber psiquiátrico e ao modelo hospitalocêntrico
na assistência a pessoas com sofrimento psíquico (BRASIL, 2005).
A experiência italiana de desinstitucionalização em psiquiatria e sua característica radical ao manicômio é inspiradora, e revela a possibilidade de ruptura com os antigos paradigmas (BRASIL, 2005).
No mesmo ano do início da reforma surge no Brasil, na cidade de São
Paulo, o primeiro CAPS14. E, no ano de 1978 inicia-se a primeira intervenção
em um hospital psiquiátrico caracterizado por maus tratos e mortes de
14
O CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ou Núcleo de Atenção Psicossocial é um serviço de saúde aberto e comunitário do Sistema Único de Saúde (SUS). Ele é um lugar de referência e tratamento para pessoas que sofrem com transtornos mentais, psicoses, neuroses graves e demais quadros, cuja severidade e/ou persistência justifiquem sua permanência num dispositivo de cuidado intensivo, comunitário, personalizado e promotor de vida (BRASIL, 2004).
34
pacientes, pela Secretaria Municipal de Saúde de Santos (SP), a Casa de
Saúde Anchieta. Esta intervenção repercutiu nacionalmente, demonstrou de
maneira convicta que é possível a construção de uma rede de cuidados que
substitua efetivamente o hospital psiquiátrico (BRASIL, 2005).
Nesta época são inaugurados em Santos - SP os primeiros NAPS
(Núcleos de Atenção Psicossocial), com funcionamento de 24hs, também são
criadas residências para os pacientes que tinham saído do hospital, igualmente
criadas cooperativas e associações. Esses fatos ocorridos em Santos
marcaram o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil, demonstrando através
dos fatos que a Reforma Psiquiátrica era possível e realizável.
Em 1987, no Rio de Janeiro é realizada a I Conferência Nacional de
Saúde Mental, ocorrida no mesmo ano do surgimento dos movimentos, após
embates entre o governo e o movimento de saúde mental (AMARANTE, 1994).
Este evento tinha como objetivo a correção e reversão do modelo manicomial
hospitalocêntrico em direção aos serviços extra-hospitalares. Nestes serviços
deveriam trabalhar equipes multiprofissionais, no intuito de diminuir ou até se
extinguir os leitos psiquiátricos asilares, substituindo-os por leitos psiquiátricos
em hospitais gerais públicos (NOGUEIRA; COSTA, 2007). Indicava também a
conferência, que houvesse a luta pela cidadania das pessoas portadoras de
sofrimento psíquico, principal bandeira do Movimento Nacional de Luta
Antimanicomial.
O movimento antimanicomial denuncia as condições de segregação
social dos portadores de saúde mental e defende mudanças de concepção
sobre a doença mental. Os portadores de sofrimento psíquico passam a serem
vistos como cidadãos de direito e o modelo hospitalocêntrico sofre
modificações, objetivando a criação e ampliação de espaços democráticos e
participativos (DIAS, 2007).
A participação dos trabalhadores de instituições psiquiátricas nesses
movimentos de Saúde Mental “representa o transbordamento de uma questão
de natureza social e política, como a saúde mental, até então rigidamente
contida nos muros de um saber hegemônico marcadamente corporativo”
(DELGADO, 1994, p. 173).
35
Estes profissionais passaram a partir da crítica ao modelo de produção
do binômio saúde-doença (DIAS, 2007), a rever e analisar suas práticas de
intervenção e chegam a conclusão que:
O cidadão é aquele que possui uma saúde ou um corpo apto para ser incluído na produção. Mas, da mesma maneira que o estatuto do cidadão vai-se configurando historicamente ligado aos processos produtivos, o estatuto do louco vai-se constituindo em relação aos processos de anti-produção (LANCETTI, 1987, p.87).
O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) estabelece
um forte processo de indagações das políticas de assistência psiquiátrica em
andamento no período, cujo objetivo é constituir-se em um
espaço de luta não institucional, em um lócus de debate e encaminhamento de propostas de transformação da assistência psiquiátrica, que aglutina informações, organiza encontros, reúne trabalhadores em saúde, associações de classe, bem como entidades e setores mais amplos da sociedade (AMARANTE, 1995, p.52).
A primeira conquista do movimento foi conseguir aprovar em vários
estados brasileiros as primeiras leis que determinam a substituição progressiva
dos leitos psiquiátricos por uma rede integrada de atenção à saúde mental,
inspirados no Projeto de Lei nº 3.657/89. Este Projeto, formulado pelo
Deputado Paulo Delgado, foi aprovado apenas em 2001, após 12 anos
tramitando pelo Congresso Nacional. Com a aprovação, iniciam as lutas do
movimento da Reforma Psiquiátrica no âmbito do legislativo e normativo.
Assim, a Lei, um pouco diferente do Projeto, redireciona a assistência
em saúde mental, dispõe sobre a proteção e os direitos dos portadores de
transtorno mentais, porém não institui mecanismos claros para a progressiva
extinção dos manicômios (BRASIL, 2005), contudo impõe nova configuração
para o processo de Reforma Psiquiátrica no Brasil.
É a partir desses fatos que a Política do Ministério da Saúde para a
saúde mental, seguindo a linha de conduta em construção da Reforma
Psiquiátrica, começa a obter melhor definição. Nessa conjuntura de
promulgação de lei e da realização da 3ª Conferência Nacional de Saúde
36
Mental, que a política de saúde mental do Governo Federal, lado a lado com as
normas da Reforma Psiquiátrica, consolida-se, e ganha maior apoio e
perceptibilidade.
Na III Conferência Nacional de Saúde Mental, com ampla participação
dos movimentos sociais, de usuários e de seus familiares, que fornece os
substratos políticos e teóricos para a política de saúde mental no Brasil
(BRASIL, 2001). Assim, a rede de atenção à saúde mental se expande, e
começa a atingir lugares que possuíam hospitais como tradição, e que
possuíam escassa assistência comunitária em saúde mental.
Surge, então, a rede de atenção à saúde mental, composta por vários
serviços substitutivos, como: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS),
Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Centros de Convivência,
Ambulatórios de Saúde Mental, e Hospitais Gerais, caracterizados por serem
essencialmente públicos, de base municipal, com um controle social
fiscalizador e gestor no processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica
(BRASIL, 2005).
Os Centros de Atenção Psicossocial, entre todos os dispositivos de
atenção à saúde mental, é o que têm valor estratégico para a Reforma
Psiquiátrica Brasileira. A partir do surgimento desses serviços que se vê a
possibilidade de organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico
no Brasil (BRASIL, 2005).
O CAPS tem como função organizar a rede de atenção às pessoas com
transtornos mentais nos municípios. São os articuladores estratégicos desta
rede e da política de saúde mental num determinado espaço. Os Centros
devem ser substitutivos, contudo não devem ser complementares ao hospital
psiquiátrico. Eles têm que acolher, dar atenção às pessoas com transtornos
mentais, e procurar preservar os elos sociais do usuário em sua comunidade
(BRASIL, 2005).
Os Centros de Atenção Psicossocial se diferenciam de outros serviços
pelo porte, capacidade de atendimento, clientela atendida, e organizam-se de
acordo com o perfil populacional dos municípios. Desse modo, estes se
diferenciam como CAPS I (Centros de menor porte), CAPS II (centros de médio
porte), os CAPS III (serviços de maior porte da rede), os CAPSi, especializados
37
no atendimento de crianças e adolescentes com transtornos mentais, e os
CAPSad, especializados no atendimento de pessoas que fazem uso de álcool
e outras drogas (BRASIL, 2005).
Outro serviço que surge para subsidiar a Reforma são as Residências
Terapêuticas. Consistindo em casas localizadas no espaço urbano,
constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas
portadoras de transtornos mentais graves, vindas de hospitais psiquiátricos ou
não.
Uma residência terapêutica deve acolher, no máximo, oito moradores.
Assim, a inserção de um usuário nesse serviço dá início ao longo processo de
reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador. Cada
residência deve estar referenciada a um CAPS e operar junto à rede de
atenção à saúde mental no território a que pertence (BRASIL, 2005).
Os Centros de Convivência também estão entre esses dispositivos
públicos que compõe a rede substitutiva em saúde mental, oferecendo às
pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção cultural
e intervenção na cidade. Estes Centros, através da construção de espaços de
convívio e sustentação das diferenças na comunidade, facilitam a construção
de laços sociais e a inclusão de pessoas com transtornos mentais (BRASIL,
2005). Contudo, eles não são equipamentos assistenciais e, tampouco
realizam atendimento médico ou terapêutico. Esses espaços resumem-se ser
para a pessoa com transtorno mental e ao seu território meio de articulação
com a vida cotidiana e a cultura (BRASIL, 2005).
Também é criado nesse contexto o Programa “De Volta para Casa”, e
este impulsiona o processo de desinstitucionalização das pessoas que
passaram um longo tempo internadas em hospitais psiquiátricos; do mesmo
modo é criada uma política de recursos humanos para a Reforma Psiquiátrica
(BRASIL, 2005), e, idealizada a política para a questão do álcool e outras
drogas, introduzindo a estratégia de redução de danos (BRASIL, 2005).
A partir dos anos 1990, o processo de redução de leitos em hospitais
psiquiátricos e de desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de
internação torna-se política pública no Brasil, e ganha força em 2002, após a
promulgação da Lei 10.216 e com uma série de normatizações do Ministério da
38
Saúde, contribuindo de uma maneira mais forte até os dias atuais com a
Reforma Psiquiátrica.
39
3. O SERVIÇO SOCIAL NA SAÚDE
“Um dos maiores desafios que o assistente social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar, efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo” (IAMAMOTO, 1998, p. 20).
Neste capítulo trataremos do Serviço Social no campo da Saúde,
resgatando inicialmente o histórico da profissão, e como se inseriu neste
campo, para posteriormente, trazer a discussão acerca da profissão no âmbito
da saúde mental, suas dificuldades e desafios. Por último, as particularidades
da saúde mental em um hospital psiquiátrico e o fazer profissional do
Assistente Social, neste espaço ocupacional.
No que se refere a sua origem, o Serviço Social15 surge no Brasil na
conjuntura de 1930 a 1940, com o capitalismo monopolista e influência
europeia (MARTINELLI, 1995, p.67), a partir da relação capital-trabalho.
Através da assistência aos trabalhadores, partindo de obras de caridade, em
conjunto com a Igreja Católica, em áreas assistenciais, previdenciárias e fabris.
O Serviço Social nasce vinculado ao assistencialismo de atuações religiosas, e
articulado ao projeto de hegemonia do poder burguês (IAMAMOTO, 2005).
Nesta época a área da saúde não era tão visada.
A profissão também nasceu com o objetivo de ‘controlar’ as questões sociais, decorrentes do avanço do capitalismo. Em uma conjuntura marcada pelo processo de transição das atividades essencialmente agrárias para as atividades industriais e pela crescente mobilização popular, a burguesia organizou-se em torno de estratégias que, de certo modo neutralizassem a crescente insatisfação da maioria da população (CAVALCANTI, 2007, p. 39).
A Igreja se via preocupada com sua missão frente às mudanças da
realidade social, acarretadas pelo acelerado processo de industrialização e
urbanização. Com os fatos, houve o estímulo a “Ação Católica”, ambiente em
15
O termo Serviço Social (origem anglo-saxônica), foi utilizado pela primeira vez nos EUA, em 1904, para nomear uma escola para profissionais que atuavam com assistência social em Boston. Tendo esta expressão forte ligação com práticas de merecimento, no período (IAMAMOTO, 2005).
40
que fiéis leigos podiam participar de ações sociais relacionadas com os
princípios católicos. Posteriormente, esse assistencialismo passa a ser
desenvolvido como Política Pública (IAMAMOTO, 2005).
Todavia, a expansão do Serviço Social no país, ocorre a partir de 1945,
com as exigências e necessidades de aprofundamento do capitalismo no Brasil
e às mudanças que ocorreram com o fim da Segunda Guerra. Em princípio a
área da saúde não foi a que concentrou maior número de assistentes sociais,
mas é a partir dessa década, que se amplia a ação profissional neste âmbito,
devido a forte demanda quanto à higienização da população, no intuito de
controlar as pestes surgidas nessa época (PANOZZO, 2009), transformando-se
na área que mais vem absorvendo os assistentes sociais.
Em 1948, com a elaboração do “novo conceito de saúde”16, inicia-se o
enfoque aos aspectos psicossociais. Desta forma, surge a necessidade da área
de ter outros profissionais para atuar, entre eles está o assistente social. O
papel do profissional neste tempo era de educar seus usuários a terem hábitos
saudáveis, “ajustando-os” na sociedade, seguindo a atuação deste profissional
até a década de1960 uma linha conservadora (BRAVO; MATOS, 2004). É a
partir desta década que os assistentes sociais começaram a ter uma atuação
político-militante (IAMAMOTO, 2005).
Nos anos 1960, com o surgimento do Movimento de Reconceituação17,
houve um debate na profissão, que abalou com as bases do tradicionalismo
16 A “Organização Mundial de Saúde” (OMS) define a saúde como "um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades". Conceito hoje superado pela concepção ampliada de saúde. Site: http://www.alternativamedicina.com/medicina-tropical/conceito-saude, acessado dia 27 de abril de 2013. 17 O Movimento de Reconceituação do Serviço Social na América Latina constituiu-se numa
expressão de ruptura com o Serviço Social tradicional e conservador; e na possibilidade de uma nova identidade profissional com ações voltadas às demandas da classe trabalhadora (FALEIROS, 2007, p.133). No bojo do movimento surgiram três vertentes teóricas, (YASBEK, 2009): 1. A Modernizadora, caracterizada pela incorporação de abordagens funcionalistas, estruturalistas e positivistas, voltadas a uma modernização conservadora e melhoria do sistema, pela mediação do desenvolvimento social e do enfrentamento da marginalidade e da pobreza na perspectiva de integração da sociedade. 2. A Reatualização do Conservadorismo, inspirada na fenomenologia, emerge como metodologia dialógica, que, apropriando-se da visão de pessoa e comunidade, dirige-se ao vivido humano, aos sujeitos em suas vivências, atribuindo ao Serviço Social a tarefa de auxiliar a abertura desse sujeito existente, singular em relação aos outros e ao mundo de pessoas. Valoriza o diálogo e a transformação das pessoas, sendo analisada por Paulo Netto como uma reatualização do conservadorismo inicial da profissão; 3. A Vertente Marxista que remete a profissão à consciência de sua inserção na
41
profissional (NETTO, 2008), questionando o conservadorismo e, fazendo com
que o Serviço Social sofresse profundas transformações, no pós-1964, que
refletisse no trabalho do assistente social (BRAVO; MATOS, 2004). Mas, este
processo de crítica foi eliminado pelo golpe militar burguês, que não deixaram
desenvolver as propostas de ultrapassagem do subdesenvolvimento como
função da transformação substantiva dos quadros societários latino-
americanos. Estreitando o suporte social para uma renovação do Serviço
Social no Brasil (NETTO, 2008).
A modernização conservadora implantada pelos militares no país trouxe
novas estratégias de controle e repressão para a classe trabalhadora, exigindo
a renovação do Serviço Social. O principal meio de elaborar a teoria do Serviço
Social, no período de 1965 a 1975, foi o Centro Brasileiro de Cooperação e
Intercâmbio em Serviços Social (CBCISS18).
No âmbito da saúde, a profissão vai ser influenciada por esta
modernização que se operou no âmbito das políticas sociais, sedimentando
sua ação na prática curativa, principalmente na assistência médica
previdenciária, local que empregava o maior número dos profissionais
(BRAVO; MATOS, 2004).
De 1974 a 1979, mesmo com algumas mudanças no âmbito organizativo
da categoria, do aparecimento de outras direções para a profissão, do
aprofundamento dos docentes e de movimentos da sociedade, o Serviço Social
na saúde não se alterou. O trabalho profissional continuou orientado pela
vertente “modernizadora” e as vertentes teóricas em sua maioria também
continuaram seguindo essa direção (BRAVO; MATOS, 2004).
A década de 1980 no Brasil foi marcada pelo aprofundamento da crise
econômica que se evidenciou na ditadura militar, mas também por grande
mobilização política. Ocorreram movimentos sociais ligados às políticas sociais
e projetos societários, principalmente na área da saúde (BRAVO; MATOS,
2004); que também chegaram ao Serviço Social, o qual, no momento histórico,
passava por seu processo de revisão. Adquirindo a profissão uma maturação
sociedade de classes e, que no Brasil vai configurar-se, em um primeiro momento, como uma aproximação ao marxismo sem o recurso ao pensamento de Marx. 18 O CBCISS difundiu a “perspectiva modernizadora” no sentido de adequar a profissão às exigências postas pelos processos sociopolíticos emergentes no pós-1964 (Netto, 1996).
42
que expressou rupturas com o seu tradicional conservadorismo, expressa pela
democratização da convivência de diferentes posicionamentos teórico-
metodológicos e ideopolíticos (YABEK, 2009).
Na saúde coletiva19 há um significativo movimento, que também ocorre
no Serviço Social, de “ruptura ao tradicionalismo”. Em que há a ampliação do
debate teórico e a incorporação de algumas temáticas como o Estado e as
políticas sociais fundamentadas no marxismo, e na concepção crítica (BRAVO;
MATOS, 2004).
Contudo, esse processo de revisão e discussão sobre os novos rumos
que a profissão deveria tomar ocorreu de maneira interna, deixando de fora da
discussão do Serviço Social, questões cruciais como a construção de uma
Reforma Sanitária no Brasil (COSTA, 2008).
O processo de renovação do Serviço Social no Brasil está ligado às
indagações postas pela realidade da época. Mas, por ter sido um movimento
de revisão interna, não foi realizado via contato direto com outros debates, que
buscavam construir práticas democráticas, como o movimento pela reforma
sanitária. Assim, vimos que estas são as causas para o descompasso da
profissão com a luta pela assistência à saúde pública (BRAVO, 1996).
A profissão teve várias lacunas no fazer profissional na década de 1980
resultantes, por exemplo, da natureza monopolista do Estado brasileiro; do
enfrentamento de questões sobre as políticas sociais, quanto à consolidação
de políticas públicas nas áreas da seguridade social (saúde, assistência e
previdência social) e do trabalho (IAMAMOTO et al BONETTI, 1996). Mas,
observou-se uma mudança de posição no que se refere à postura crítica dos
trabalhos em saúde apresentados nos Congressos Brasileiros de Assistentes
Sociais; na apresentação de alguns trabalhos nos Congressos Brasileiros de
Saúde Coletiva; a proposta de intervenção formulada pela ABESS, ANAS E
19
“A Saúde Coletiva, latino-americana foi composta a partir da crítica à Medicina Preventiva, à Medicina Comunitária, à Medicina da Família, além de ser fertilizada pela Medicina Social do Século XIX e pela saúde pública institucionalizada, seja nos serviços de saúde, seja na academia. Envolve um conjunto de práticas técnicas, ideológicas, políticas e econômicas desenvolvidas no âmbito acadêmico, nas organizações de saúde e em instituições de pesquisa vinculadas a diferentes correntes de pensamento resultantes de projetos de reforma em saúde” (PAIM, 2005, p. 128).
43
CFAS para o Serviço Social do INAMPS; e a articulação do CFAS com outros
conselhos federais de saúde20 (BRAVO, 1996).
No entanto, para Bravo e Matos (2004, p. 205),
o Serviço Social na área da saúde chega à década de 90 ainda com uma incipiente alteração da prática institucional; continua enquanto categoria desarticulada do movimento de reforma sanitária e, com isso, sem nenhuma explicita e organizada ocupação na máquina do Estado pelos setores progressistas da profissão; e insuficiente produção sobre “as demandas postas à prática em saúde.
A década de 1990 foi marcada pela implantação e êxito da ideologia do
projeto neoliberal no Brasil. Este projeto político econômico consolidado no
país prometia ao povo brasileiro justiça social. Mas, mostrou-se contrário,
confrontando-se então, com os ideais do projeto profissional hegemônico do
Serviço Social e com o projeto da reforma sanitária.
No projeto neoliberal as políticas sociais podem ser caracterizadas como
fragmentadas, emergenciais, assistenciais, privatizadas, precarizadas e
focalizadas. A tensão entre o público e o privado ganha proporções complexas,
fragilizando e reduzindo os direitos sociais dos cidadãos brasileiros, Neste
cenário, quem se expande e ganha centralidade é o Terceiro Setor21, impondo
uma nova lógica à proteção social, a qual se fundamenta no conteúdo de
expressões como o voluntariado, a filantropia e a responsabilidade social,
transferindo a responsabilidade do público para o privado (DUARTE; RAMOS,
2011).
A partir desses fatos houve o acirramento da exploração do trabalho
pelo capital, o desemprego estrutural, a precarização do trabalho, além da
diminuição de recursos para o social e consequentemente, o agravo das
expressões da questão social (VASCONCELOS, 2001), já que o projeto
20
ANAS – Associação Nacional dos Assistentes Sociais, entidade atualmente desativada, que
congregava os sindicatos de Assistentes Sociais do país. CFAS – Conselho Federal de Assistentes Sociais, denominado desde 1993 como Conselho Federal de Serviço Social (CFESS). ABESS – Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social, designada desde 1997 como Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). 21
O marco legal do terceiro setor engloba sob um mesmo título as instituições filantrópicas, o
voluntariado e as organizações não governamentais, que contemplam desde aquelas mais
combativas, oriundas de movimentos sociais, até filantropia empresarial (IAMAMOTO, 2008).
44
neoliberal defendia o processo de privatização e a constituição do “cidadão
consumidor”22.
Há uma distância entre a proposta do movimento sanitário e a prática
do sistema público de saúde vigente. A proposição inscrita na Constituição
Federal de 1988 de um sistema público universal não se efetivou, apesar de
alguns avanços, como por exemplo: o acesso de camadas da população que
antes não tinham direito; o sistema de imunização e de vigilância
epidemiológica e sanitária, entre outros. (CFESS, 2010).
Nesta linha, o projeto de reforma sanitária é questionado e consolida-se
na segunda metade dos anos 1990 o projeto de saúde articulado ao mercado
ou privatista (BRAVO; MATOS, 2004). O projeto privatista tem como principais
tendências: contenção dos gastos racionalizando a oferta e a descentralização,
com isenção de responsabilidade do poder central. Este projeto visa o Estado
mínimo, tendo como propostas principais: caráter focalizado, estímulo ao
privado e ampliação da privatização (COSTA, 1998; BRAVO, 2009), adotando
concepções individualistas e fragmentadoras da realidade, em contraposição
às concepções coletivas e universais do projeto de reforma sanitária.
Na defesa da privatização, ressalta-se a mercantilização das políticas
sociais, particularmente, a saúde e a Previdência Social, bem como, a
ampliação do assistencialismo. O agravo da questão social resultou no
aumento do mercado de trabalho para os assistentes sociais neste período, já
que esta é uma das áreas de atuação do Serviço Social.
Neste contexto dois projetos políticos em disputa na saúde foram
identificados (o projeto privatista e o da reforma sanitária), ambos
apresentando diferentes solicitações para o Serviço Social. O Projeto Privatista
vem requisitando, ao assistente social, entre outras demandas: seleção
socioeconômica dos usuários, atuação psicossocial através de
22
Cidadão Consumidor é o “indivíduo capaz de adquirir bens e comprar serviços privados, paradigma que ascende a partir da crise do Estado de Bem Estar. O cidadão que emerge deste contexto, além de atomizado, conta cada vez menos com o suporte do Estado, como provedor de serviços públicos e direitos sociais. Com a crise do emprego, expressa entre outros fatores, na extinção de vagas e na precarização dos vínculos trabalhistas. O conceito de cidadania vinculado à condição de trabalhador perde força, emergindo a ideia do mercado como espaço de justiça social nas relações de compra e de venda e do cidadão consumidor e comprador, como sujeito social individualizado que ocupa este espaço para satisfazer suas necessidades, segundo sua possibilidade aquisitiva”. (LESSA, 2010, p. 139-140).
45
aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde,
assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio de práticas
individuais (BRAVO; MATOS, 2004).
O Projeto de Reforma Sanitária ao contrário do Privatista traz como
demandas para o trabalho do assistente: a busca de democratização do
acesso às unidades e aos serviços de saúde, o atendimento humanizado,
estratégias de interação da instituição de saúde com a realidade,
interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso democrático às
informações e estímulo à participação cidadã (BRAVO; MATOS, 2004).
No período dos anos 2000 as principais diretrizes estabelecidas são: a
ampliação do atendimento no SUS, de modo singular na atenção básica;
combate as endemias23; e melhoria do acesso aos medicamentos. Adota
estratégias para viabilizar metas e objetivos, como mudança na prática e a
formação dos profissionais; capacitação continuada de conselheiros de saúde,
entre outros (BRAVO, 2001).
Entretanto, a expectativa que se colocava na época de fortalecer o SUS
constitucional foi superado pelo debate interno ocorrido entre os universalistas
e focalistas, que estão a cada dia mais fortalecidos (BRASÍLIA, 2010). Assim,
podemos perceber que a política macroeconômica de metade dos anos 1990
até os anos 2000 foi mantida, e, as políticas sociais continuam fragmentadas e
subordinadas à lógica econômica. Salientando também, que nesse período não
foi valorizada a concepção de seguridade social.
A defesa da primazia do Estado na saúde para o atendimento dos segmentos mais pobres da população ganha cada vez mais eco e com a pressão do desfinanciamento, a perspectiva universalista está cada dia mais longe de ser atingida. A grande questão é a segmentação do sistema, com ênfase nas ações privadas que passam de complementares para essenciais (CFESS, 2009, p. 13).
Essa nova configuração da política de saúde vai interferir no trabalho do
assistente social em várias dimensões: nas condições de trabalho, na formação
23
Endemias são doenças localizadas em um espaço limitado denominado “faixa endêmica”. Isso quer dizer que, são doenças que se manifestam apenas numa determinada região, de causa local, e não atinge nem se espalha para outras comunidades. As endemias, certamente, têm raízes históricas e sociais, cujos principais determinantes são as precárias condições de vida da população, as formas de ocupação do espaço e a falta de acesso aos serviços e equipamentos urbanos (Donalísio, 1995).
46
profissional, nas influências teóricas, na ampliação da demanda e na relação
com os demais profissionais e movimentos sociais. Com a ampliação do
trabalho precarizado, os profissionais de Serviço Social são chamados para
amenizar a situação da pobreza que a classe trabalhadora é submetida
(BRASÍLIA, 2010).
Neste contexto, as entidades do Serviço Social, junto ao seu Código de
Ética24 (CFESS n. 273/93) têm por desafio articular-se com os demais
profissionais de saúde e movimentos sociais em defesa do projeto de Reforma
Sanitária.
O Assistente Social é reconhecido pelo Conselho Nacional de Saúde,
como profissional de saúde, junto a outras categorias profissionais de nível
superior, através da Resolução de nº. 218 de 06 de março de 1997. Também
pela Resolução CFESS, n. 383/99 como profissional da saúde, mas não
exclusivo a ela, mas qualificado para atuar com competência nas diferentes
dimensões da questão social no âmbito das políticas sociais, inclusive a saúde,
levando em consideração a dimensão ampliada da saúde.
A saúde é a área sócio-ocupacional que mais emprega o assistente
social. Conforme revelam os relatórios do II Encontro Estadual de Assistentes
Sociais da Secretaria de Estado da Saúde Pública / RN-SSAP / RN,
tanto em nível nacional quanto local, os assistentes sociais são a quarta categoria de nível superior na composição das equipes de saúde, ‘perdendo’ apenas para os médicos, dentistas e enfermeiros (COSTA, 1998; BRAVO, 2009, p. 305).
Na área da saúde, o assistente social intervém, junto à população
usuária, na inserção dos mesmos nas políticas sociais, utilizando de
instrumentos que minimizem seus problemas e garanta-lhes melhores
condições de cidadania. O profissional atua na perspectiva da concepção
ampliada de saúde, ou seja, para além dos sofrimentos físicos e psíquicos, no
enfrentamento das inúmeras expressões da questão social, que infrinjam na
saúde dessa população, com ações de prevenção de doenças, promoção e
24
O Código de Ética da profissão apresenta ferramentas imprescindíveis para o trabalho dos
assistentes sociais na saúde em todas as suas dimensões: na prestação de serviços diretos à população, no planejamento, na assessoria, na gestão e na mobilização e participação social (CFESS, 2009, p. 17).
47
recuperação da saúde e inserção dos usuários em programas, que viabilizem
resultados quanto as suas demandas.
Como competência nesta área, o assistente social age junto aos
fenômenos sócio-culturais e econômicos, e no nível de promoção, proteção e
ou recuperação da saúde. Sendo todo este trabalho amparado e
fundamentado, nas reflexões do fazer profissional, contidas no Projeto Ético
Político.
Para a efetivação do seu trabalho, faz-se necessário que este
profissional tenha domínio das leis institucionais e normas. Além de ter total
embasamento teórico-metodológico de todo arcabouço de leis que regem as
políticas, tais como, LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social), LOS (Lei
Orgânica da Saúde), dentre outros.
3.1. Serviço Social na Saúde Mental
Na política de Saúde Mental Brasileira, o Serviço Social iniciou sua
trajetória em meados de 1940, como assistência aos trabalhadores visando
amenizar a relação entre capital e trabalho, através de intervenções nas
demandas mais imediatas da “questão social” e com a atuação em 1946 no
COI (Centro de Orientação Infantil) e no COJ (Centro de Orientação Juvenil),
que foi uma experiência importante na conformação do modelo do “Serviço
Social Clínico” (VASCONCELOS, 2000, p.163- 184).
Contudo, não devemos confundir práticas tradicionais em Serviço Social
com o “Serviço Social Psiquiátrico”. As práticas na área psiquiátrica eram
comuns na profissão no Brasil até início dos anos 1970 (psiquiatria,
psicanálise, psicologia do ego). Com essas práticas o Serviço Social se
distancia cada vez mais das suas práticas atuais, pois naquela época
predominavam as abordagens de caráter eugênico25 e de higiene mental.
No início da trajetória do Serviço Social na Saúde Mental, na década de
1920, sua atuação era por meio do diagnóstico social. Método que servia na
abordagem do Serviço Social de Casos, que buscava ajustar o indivíduo a uma
25
Eugenia (Eugênico) contextualizada no capítulo segundo, na página 5, parágrafo 6.
48
realidade considerada perfeita (DIAS, 2009). Os assistentes sociais que
propuseram um Serviço Social terapêutico esqueceram que a “questão social”
está fortemente ligada ao problema da Saúde Mental no Brasil, e é por isto que
a profissão se insere na área, historicamente e na atualidade (BISNETO,
2011).
Nesse período, utilizava-se do Serviço Social de Casos para o
atendimento de problemas dos indivíduos. Trazia-se a especialidade do
trabalho do Serviço Social ligado à concepção clínica. Os fundamentos da
doutrina católica e a tradição higienista eram o cerne do desenvolvimento do
trabalho profissional, reforçados pelo movimento da “psi” que também fez parte
desse momento do Serviço Social. Essa perspectiva não trouxe avanços no
trato dos “problemas sociais”, ao contrário, as vertentes mais conservadoras é
que tinham ênfase, numa perspectiva de adaptação e ajustamento dos
indivíduos (VASCONCELOS, 2000).
Posteriormente, a profissão rompe com as práticas antigas e segue o
contexto de luta. Há uma incorporação do Projeto Ético Político26 partindo da
necessidade e imposição da conjuntura, pois a saúde mental sofre das
mesmas imposições que outros âmbitos de atuação do Serviço Social são
submetidos (NETTO, 1999), que é o conservadorismo, representado na área
da saúde mental pelos ideais das categorias profissionais do campo “psi”, que
se baseavam na psicanálise, psicologia do ego, psiquiatria e psicologias
dinâmicas (BISNETO, 2011).
A quantidade de assistentes sociais trabalhando na área psiquiátrica
(manicômios, hospitais e clínicas) era bem pequena, já que até meados anos
1960, o número desses profissionais era reduzido e seu foco de atuação, como
citado acima, era bem divergente do que está estabelecido hoje (atendimento
de jovens e famílias na prevenção higienista) (BISNETO, 2011).
26
O Projeto Ético-Político do Serviço Social está vinculado a um projeto de transformação da sociedade (BRAZ, 2001, p. 189). Tem em seu núcleo de reconhecimento da liberdade como valor ético central; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos sociais. Consequentemente, o projeto profissional vincula-se a um projeto societário que propõe a construção de uma nova ordem social, sem dominação e/ou exploração de classe, etnia e gênero (NETTO, 1999, p. 104-5), defendendo intransigentemente os direitos humanos, repudiando o arbítrio e os preconceitos, contemplando positivamente o pluralismo na sociedade e no exercício profissional (NETTO, 1999).
49
O assistente social está aí colocado para atender às necessidades da Psiquiatria em minimizar as contradições do sistema e atender à racionalidade médica no que o mundo “psi” não dá conta: a extrema pobreza dos usuários e o estado de exclusão social resultante das políticas econômicas e sociais do capitalismo monopolista, do neoliberalismo, da globalização e da reestruturação produtiva no
Brasil (BISNETO, 2005, p. 112).
O Serviço Social se insere de fato em hospitais psiquiátricos nos anos
1970, com o Movimento Sanitarista27, iniciado nesta década por médicos e
lideranças políticas do setor saúde (SIMIONATTO, 1997, p. 16). Mesmo sendo
caracterizada pelo autoritarismo do regime militar, a década foi marcada por
algumas tentativas de organização do setor saúde e psiquiátrico, exigindo,
entre outras coisas, o aumento do número de profissionais nos hospitais,
incluindo os assistentes sociais (VASCONCELOS, 2000, p. 192). Iniciando-se
uma atuação quantitativamente expressiva desses profissionais na área, e
amplia-se o número de assistentes sociais na Saúde Mental nos anos 1990,
fato que será discutido posteriormente.
Na década de 1970, o Serviço Social vive no Brasil o Movimento de
Reconceituação, citado anteriormente. Momento de absorção de muitas
mudanças nas práticas de assistência social na Psiquiatria e de dificuldades de
articulação das novas teorias na profissão com a efetivação de suas atividades
no campo da saúde mental. Os paradigmas da profissão que guiavam a prática
nesta década não conseguiram estabelecer uma metodologia de atuação na
Saúde Mental (BISNETO, 2011), mesmo com o comprometimento dos
profissionais28, como é o caso do Marxismo e da Psicanálise.
O Marxismo teve dificuldades em ser colocado na prática, devido à
orientação das políticas sociais em um Estado Capitalista e o objetivo das
instituições se opõe aos princípios de uma teoria transformadora da realidade
social (BISNETO, 2011). A Psicanálise, também não resolveu as falhas
metodológicas, pois ela não discutia sobre o que o Serviço Social encarava em
sua atuação no Brasil, que é a pobreza exacerbada da população usuária,
como consequência da relação capital/trabalho.
27
Como já referendado no segundo capítulo dessa monografia, p. 11. 28
Havia profissionais engajados, mas o próprio Marxismo absorvido pela Reconceituação tinha dificuldades de abordar as questões da subjetividade na atenção ao sujeito singular.
50
Enquanto ocorria o Movimento de Reconceituação não foi dado, no
Serviço Social do Brasil, o destaque as pesquisas no campo da Saúde Mental.
Priorizou-se pesquisas sobre movimentos sociais, políticas sociais, e que
estavam ligados a sua pauta principal. Também a antiga formação acadêmica
não possibilitava a estes profissionais no campo produzirem artigos, livros etc.
Com isso se escreveu pouco sobre Serviço Social e Saúde Mental e não houve
tanto acúmulo de debate no país, visto que, a entrada maciça nessa área se
deu de forma tardia e a profissão, em sua maioria, negou este debate (NETTO,
2011).
Na década seguinte (1980), vários acontecimentos novos somaram-se
ao desenvolver da ligação do Serviço Social com a Saúde Mental. O debate da
Pós-Reconceituação veio esclarecer a gênese da profissão através da análise
crítica de sua história no Brasil (IAMAMOTO; CARVALHO, 1988). Neste
mesmo período, adquiria impulso na Saúde Mental o Movimento de Reforma
Psiquiátrica, com propostas alternativas de esquerda, e com amplas
preocupações sociais (BEZERRA JR., 1994).
O contexto do movimento de reforma são inseridos novos fatores que
atingem de certa maneira o Serviço Social. Na perspectiva da
desinstitucionalização, que as instituições psiquiátricas precisam ser analisadas
coletivamente (BASAGLIA, 1991). Isto condizendo com a perspectiva da
profissão que baseada na práxis e na Análise Institucional.
Entretanto, há várias instituições de assistência psiquiátrica que são
inspiradas tipicamente no Movimento de Reforma Psiquiátrica: são os ditos
serviços psiquiátricos alternativos, como por exemplo, os CAPS (Centros de
Atenção Psicossocial). Mas, podemos presenciar na maioria das instituições, a
mistura dos serviços tidos como tradicionais com os renovados, e também, os
vários posicionamentos teóricos dos diversos atores que estão inseridos nestas
instituições, produzindo um conjunto contraditório e tenso na prática
multiprofissional psiquiátrica (BISNETO, 2011).
O interessante é que nas instituições em que há uma presença de
alguma forma do Movimento de Reforma Psiquiátrica, há concepções
psiquiátricas em que a ênfase à dimensão social e política dos problemas
mentais é respeitada, proporcionando a possibilidade de uma direção
51
emancipadora para o campo da Saúde Mental e do Serviço Social (BISNETO,
2011). Perdurando até hoje, bem mais elaborado de quando foi iniciado, mas
sempre mantendo sua importância e expressividade na área da Saúde Mental.
As correntes teóricas que abordavam a saúde mental, algumas foram
anuladas, outras receberam novos aportes teóricos e há o crescimento de
novos paradigmas. Dentre estas, o que destacamos é que ainda estão
presentes as correntes que pensam a loucura como fenômeno social, político,
histórico, e institucional pela perspectiva crítica e dialética. Acredita BISNETO
(2011) que é através destas portas que se pode encontrar a expressão
metodológica do Serviço Social atual no Brasil em Saúde Mental e, que o
movimento antimanicomial,
ainda carrega teorias que sustentam aspectos institucionalistas ou marxistas: o debate da mediação institucional na prática psiquiátrica, tanto no sentido da discussão da legitimidade de seus fins, quanto da prática em estabelecimentos; que as práticas psiquiátricas não podem ser analisadas tão somente pelo enfoque de um saber científico, mas também pelos seus efeitos políticos e interesses econômicos; e que a luta social embutida no fenômeno da loucura também é uma contrafação das lutas de classes e expressão da dinâmica do capitalismo (BISNETO, 2011, p. 36).
Assim, o Movimento de Reforma Psiquiátrica menciona itens que mexem
com o atual momento que vivencia o Serviço Social. Como no debate em torno
da transformação progressista das organizações institucionais psiquiátricas; a
ênfase no aspecto político da assistência social e da assistência psiquiátrica; a
necessidade da interdisciplinaridade; de ultrapassar os limites entre os saberes
e de democratizar as relações de poder entre técnicos e usuários (BISNETO,
2011).
No início da década de 1990, com as conquistas do movimento, houve a
expansão dos serviços psiquiátricos alternativ3eos, estes se tornando atrativos
para empresários do setor de Saúde Mental.
Em 1991, a Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde inicia um processo de reestruturação da assistência em saúde mental, implementando o financiamento de uma rede de assistência extra-hospitalar, ainda embrionária, apoiando a abertura de leitos psiquiátricos em hospitais gerais, e, paralelamente, instituindo regras
52
mais rígidas para o funcionamento dos serviços hospitalares psiquiátricos (Schechtman et al., 1997, p. 2).
Foram implantados no fim desta década vários serviços alternativos no
Sudeste do Brasil, como: Centro de Atenção Psicossocial (CAPS); Núcleo de
Atenção Psicossocial (NAPS); Centro de Atenção Primária (CAP); Centro de
Atividades Integradas em Saúde Mental (CAIS); hospital-dia; oficinas
terapêuticas; moradia assistida; dentre outros. Alguns desses serviços
perduram nos dias atuais, como: Os CAPS, as Moradias Assistidas, os
Ambulatórios de Saúde Mental, entre outros.
Por necessitaram em uma proporção maior do que na internação da
participação do Serviço Social, desde os anos 1990, estes serviços estão
permitindo uma maior empregabilidade de assistentes sociais na Saúde
Mental. Ou seja, o Movimento de Reforma Psiquiátrica vem trazer uma
abertura muito grande para a atuação do Serviço Social na Saúde Mental, por
causa da formação política e social desses profissionais.
Porém, surgem duas limitações à atuação dos assistentes sociais no
campo da saúde mental. Há lacunas na capacitação desses profissionais na
academia para entender a loucura na sua expressão de totalidade histórica,
social e política; e, a psiquiatria reformada deseja abrir o campo para o “social”,
entretanto, o movimento de renovação é heterogêneo dentro da categoria e
nem todos os psiquiatras visam rever os mandatos sociais e sua hegemonia no
espaço profissional (BISNETO, 2011).
Assim, com estas restrições, a prática cotidiana do Serviço Social em
instituições psiquiátricas sofre interferência e fica comprometida. Para superar
essas dificuldades sugere-se a melhoria na formação dos assistentes sociais
no ambiente acadêmico, por meio de disciplinas institucionalistas; e o
engajamento dos movimentos sociais por uma reforma psiquiátrica realmente
democrática (BISNETO, 2011).
Ainda em 1990, no cenário de lutas e desafios, há no Brasil a junção de
quatro fatores sociais: o fim do capitalismo monopolista, a globalização, o
neoliberalismo e a reestruturação produtiva, que resultou em problemas para a
ordem do Serviço Social e da Saúde Mental. O Neoliberalismo objetiva reduzir
53
a regulação social, fazendo com que a sociedade seja comandada pelas leis
“naturais” do mercado. Este prega o Estado mínimo, diminuindo as políticas
públicas ou transferindo-as para a esfera privada (BISNETO, 2011).
A grande Burguesia monopolista tem absoluta clareza da funcionalidade do pensamento neoliberal e, por isto mesmo, patrocina a sua ofensiva: ela e seus associados compreendem que a proposta do “Estado mínimo” pode viabilizar o que foi bloqueado pelo desenvolvimento da democracia política – o Estado máximo para o capital. (NETTO, 1995, p. 81).
No Brasil, o Movimento de Reforma Psiquiátrica vinha tendo sucesso em
várias áreas de atuação, mas, desde esta década, com as políticas neoliberais,
as propostas do movimento tem sofrido ameaças. Dentre estas está a
diminuição do investimento público no setor de Saúde Mental, a redução de
gastos com a população e o aumento da acumulação capitalista para os donos
de estabelecimentos psiquiátricos e indústrias multinacionais. Nesse contexto,
os trabalhadores de Saúde Mental, entre eles os Assistentes Sociais,
encontram-se angustiados e apreensivos com o desemprego, a terceirização, a
precarização do trabalho e a instabilidade no emprego etc. (BISNETO, 2011).
Todavia, é a partir desta década que a Reforma Psiquiátrica configura-se
e toma vigor, com a aprovação da Legislação em Saúde Mental, assegurando,
sem distinção, direitos e proteção aos portadores de sofrimento psíquico,
através da garantia da presença médica, de informação, de inserção da família
no tratamento e de sigilo às informações prestadas (PANOZZO, 2009).
Em nível mundial, a Declaração de Caracas (1990), organizada pela
OPAS, tornou-se um marco no movimento, servindo de documento norteador
para que o atendimento de saúde mental acontecesse num ambiente
comunitário e integral, bem como fomentou a criação de legislação nacional
para proteção dos seus usuários. Em 1992, a Portaria nº 224 regulamentou um
novo modelo de atenção em saúde mental, assistindo aos usuários nos
serviços substitutivos do NAPS, hoje CAPS, além da internação hospitalar
(PANOZZO, 2009).
Nessa conjuntura, o Serviço Social na Saúde Mental procura delinear
uma prática emancipadora para os Assistentes Sociais. E, isto, apenas será
54
possível com muito estudo, pesquisa e análise por parte destes profissionais do
que nos é posto socialmente, politicamente e economicamente.
Na tentativa de aproximar a discussão teórica deste estudo com a
experiência realizada no campo da saúde, particularmente na saúde mental, a
seguir apresenta-se a realidade de um hospital psiquiátrico, enquanto espaço
ocupacional do assistente social, e campo de estágio obrigatório.
3.2. As Particularidades da Saúde Mental no Hospital Dr. João Machado
O Hospital Dr. João Machado inicialmente recebeu a denominação de
Hospital Colônia por desenvolver atividades agrícolas que garantiam a
subsistência dos internos pertencentes ao Estado do Rio Grande do Norte. A
sua construção deu-se em uma área que na época era afastada da cidade,
distante dos centros que ficavam as pessoas indesejadas; sendo inaugurado
em 1957.
Quando foi idealizado, deveria receber pessoas mal vistas pela
sociedade. Contudo, com a chegada do Psiquiatra João Machado29 a Natal,
veio a pioneira ideia de instalar no Estado um hospital especializado em
doenças mentais. Segundo sua filha, Juçara Machado, o projeto inicial dele era
tratar e socializar essas pessoas, sendo esta proposta discutida até hoje.
Entretanto, o projeto ficou incompleto porque as condições da época (Golpe
Militar 1964 e sua morte em 1965) eram impróprias e impediram a continuidade
do projeto.
O Hospital possui natureza pública, inclui-se na categoria de grande
porte, e é referência em Psiquiatria para todo o estado. É o único com
atendimento psiquiátrico de urgência em Natal e referência em Saúde Mental
de atenção terciária pública do RN, classificado na categoria de média
complexidade, sendo atualmente uma unidade reguladora das internações
psiquiátricas para hospitais conveniados ao Sistema Único de Saúde através
do SISREG da SMS de Natal.
29
João Machado nasceu em Lajes, município do RN, formado em Medicina no Recife.
55
O Hospital atende pessoas com transtornos mentais em geral, incluindo
dependentes químicos de álcool e droga, oriundas na grande maioria da
própria capital e municípios vizinhos, quase nas mesmas proporções. Os
usuários do hospital, na sua maioria, encontram-se na faixa etária produtiva e
reinternam-se com frequência (SOUZA, 2003).
O hospital tem a função de assistir o paciente no momento de crise e
efetivar o direito à saúde especializada na saúde mental. A referida unidade
dispõe de uma estrutura de 165 leitos distribuídos em sete enfermarias: duas
psiquiátricas e uma de moradia assistida (masculina e feminina); uma
(masculina) de álcool e outras drogas e três no PS Psiquiátrico. Comporta
internações voluntárias, involuntárias e compulsórias, de acordo com a Lei nº
10.216 de 06 de abril de 2001. Podendo ser de curta, média ou longa duração,
variando de acordo com o caso.
Bem diferente do esquema de eletrochoque e insulina, usado para
controlar os "loucos", há 50 anos, hoje, os usuários com sofrimento psíquico
são medicados, avaliados e incentivados a desenvolver diversas atividades e
serem desinstitucionalizados30. Os usuários estão divididos entre a urgência
psiquiátrica, clínica e enfermarias, que juntos formam o complexo do HJM.
Atualmente o HJM possui a proposta de Humanização do Atendimento a
seus usuários, havendo no tratamento uma interação entre os profissionais e
os familiares. Esta participação familiar é um grande estímulo aos internos, e o
contato frequente com eles torna-se fundamental na recuperação. Desse
modo, é preciso trabalhar a família para saber lidar com a patologia sofrida pelo
seu parente. As visitas das famílias na instituição ocorrem todos os dias, pela
manhã e a tarde.
30
A Desinstitucionalização é um processo bem mais complexo que a desospitalização, já que
fundamenta-se na ideia de desconstrução e invenção. De modo que desinstitucionalizar é,
acima de tudo, ocupar-se do sujeito e não da doença, para a partir daí, as instituições de
cuidados ganharem um novo sentido e o tratamento deixar de significar apenas prescrição de
medicamentos e a aplicação de terapias, tornar-se um ocupar cotidiano do tempo, do trabalho,
do lazer, do ócio, do fazer algo, etc. (FERNANDES, 1999). A desospitalização diz respeito ao
processo de criação de dispositivos que viabilizem alternativas de cuidados psi-sócio-
assistenciais opostos aos espaços que se caracterizam como lócus de repressão e sofrimento
e que promovem a exclusão social (NOGUEIRA; COSTA, 2007, p. 5).
56
Após a alta do usuário é de responsabilidade da família incentivar, lutar
juntamente com o indivíduo pela busca e pelo prosseguimento ao tratamento,
que numericamente o estado conta com unidades que dão (ou deveriam dar)
continuidade ao tratamento dos pacientes do hospital, para onde são
encaminhados. São eles: CAPS, SRT, Entidades de Apoio Social e
Psicológico, Ambulatórios de Saúde Mental, entre outros.
A continuidade do tratamento via o referenciamento é denominada de
“Alta Assistida”. Projeto este realizado no HJM, que visa promover contato com
o usuário e sua família após a alta, orientando sobre a importância da
medicação e do comprometimento com o tratamento; direciona o
acompanhamento do portador de transtorno mental para alguma unidade de
saúde ou CAPS, que exista na região de seu domicílio, com a finalidade de
estabelecer comprometimento do gestor de saúde do município com o
tratamento do usuário assistido (DIMENSTEIN e BEZERRA, 2009).
Intencionando recolocar o usuário ao convívio familiar, social e
comunitário, evitando o isolamento e a segregação deste, o objetivo da equipe
do hospital é recuperá-lo da crise dentro da linha da desinstitucionalização, de
acordo com os princípios do SUS e da Reforma Psiquiátrica. O tratamento tem
como principal finalidade a reinserção social do usuário em seu meio,
permitindo que ele retorne à sociedade. Neste contexto encontra-se o
assistente social.
3.3. O Serviço Social no Hospital Dr. João Machado
A origem do Serviço Social no Hospital João Machado se deu meados
anos de 1960, diante da finalidade que tinha os Hospitais Psiquiátricos, onde
se internavam doentes mentais e os excluíam da sociedade. Assim, os
Assistentes Sociais eram contratados para trabalhar na assistência a esses
pacientes. Contudo, com a Reforma Sanitária e posteriormente a Reforma
Psiquiátrica o fazer profissional deste centrou-se na garantia de direitos, na
reinserção desses pacientes na sociedade e na família, em contribuir para a
57
garantia de um tratamento humanizado e da luta pela desinstitucionalização
dos pacientes psiquiátricos.
No quadro do hospital atualmente (2013) encontram-se quatorze
Assistentes Sociais, as quais se dividem: duas na enfermaria de AD uma na
Coordenação da divisão de Serviço Social, e as outras onze nas enfermarias
masculinas e femininas, do Pronto Socorro e na Sala de Atendimento. No HJM,
mesmo com as mudanças ocorridas, o Serviço Social vem conseguindo
garantir o que a reforma pretende, continua na luta por esta, prosseguindo
como um profissional atuante nas mudanças que a reforma propôs. Se
atualizando com as Portarias de Saúde e Princípios reformistas, conseguindo
exercer seu fazer profissional ao encontro da Reforma Psiquiátrica e do Projeto
Profissional.
Tomando como referência a importância histórica da atuação do Serviço
Social no contexto das Instituições e, em especial, da área de Saúde, faz-se
necessário remeter-se a algumas considerações que caracterizam, inclusive, a
intermediação da profissão com um dos principais elementos de ação junto ao
usuário na porta de entrada do sistema de Saúde e, mais especificamente, da
rede hospitalar.
Primeiro, faz-se importante considerar o Serviço Social como uma
profissão liberal, contudo com um exercício de prestação de serviço
basicamente voltado para a Instituição Pública, tendo como público-alvo, na
maioria, uma a população à margem do processo produtivo, a exemplo dos
doentes mentais.
Em meio à situação de exclusão social vivida pela maioria dos
portadores de sofrimento psíquico, pontua-se como agravante o abandono
dessa população pela própria família no ato de admissão, gerando o
hospitalismo, fenômeno esse detectado pelo Serviço Social e priorizado como
objeto de intervenção ao longo de sua prática junto ao Serviço de Urgência
deste Hospital. Sendo interessante declarar, ainda, que a participação do
assistente social na equipe de atendimento de urgência com ações voltadas a
esse público, constitui-se em uma de suas funções básicas na Unidade
Hospitalar.
58
O Serviço Social tem como função trabalhar na recuperação do usuário
em crise, juntamente com outros profissionais, para que este se insira
novamente na família e na sociedade. Informando-os no pós-alta da
importância da família e dos tratamentos extra-hospital, como os CAPS, as
Unidades Básicas de Saúde, por exemplo, orientando de seus serviços, para
assim darem continuidade ao seu tratamento e terem seus direitos sociais
garantidos.
O trabalho do assistente social vai além das demandas do hospital. Ele
trabalha junto à família e o usuário, orientando-os dos direitos e deveres, sendo
responsável em fazer contato com outras instituições da rede de atenção
psicossocial. Entretanto, mesmo orientando os usuários dos benefícios, estes
profissionais expõem as dificuldades do processo burocrático que permeia o
sistema previdenciário, e a importância deles retornarem ao trabalho, inserindo-
se na sociedade para contribuir com ela, e assim ter garantido o seu direito ao
trabalho.
Há que se considerar, também, a caracterização de uma das linhas de
trabalho do Serviço Social, no que diz respeito à ações voltadas para a
educação em saúde, tendo como finalidade a prevenção de doenças ou
agravamentos, através de intervenções de caráter sócio-educativo, sobretudo
em situações emergentes, em nível de serviço de urgência.
O setor de saúde, não pode sozinho melhorar a qualidade de vida das
pessoas, mas ele deve contribuir para que os problemas possam ser
compreendidos além de suas manifestações individuais e imediatas,
conduzindo à busca de soluções dentro de um universo mais amplo de opções.
Discutir com as pessoas, as famílias, a história natural real, os Determinantes
Sociais das doenças que mais afligem, considerando na relação causa-efeito
todas as variáveis que interferem na situação saúde está fortemente ligada à
área da educação em saúde.
Tem-se que considerar também, referente aos Recursos Humanos, que
há a necessidade de inserção do Assistente Social como integrante da equipe
técnica mínima do Serviço de Urgência Psiquiátrica, de acordo com normas
estabelecidas na Portaria nº 224 do Ministério da Saúde, de 29 de janeiro de
1992, que trata dos Serviços de Urgência Psiquiátrica em prontos-socorros
59
gerais. Que estes funcionem diariamente durante 24 horas e contem com o
apoio de leitos de internação para até 72 horas, com equipe multiprofissional. O
atendimento tem por objetivo evitar a internação hospitalar, permitindo que o
paciente retorne ao convívio social, em curto período de tempo. Com isso a
Portaria pede que cada Serviço de Urgência tenha a seguinte equipe técnica
mínima: 1 médico psiquiatra ou 1 médico clínico e 1 psicólogo; 1 assistente
social; 1 enfermeiro; e profissionais de níveis médio e elementar necessários
ao desenvolvimento das atividades. Assim a atuação da Divisão de Serviço
Social no Serviço de Atendimento de Urgência deste hospital deu-se a partir do
período de janeiro a dezembro de 1990.
Através de dados epidemiológicos, foi constatado que 20% da demanda
era atendida pelo Assistente Social, demanda essa caracterizada por um
elevado índice de hospitalização e cronificação, antes da inserção deste
profissional no referido serviço. Diante disso, detectou-se a necessidade de
uma atuação permanente do Assistente Social frente ao desenvolvimento de
ações educativas que visassem a desmistificação da doença mental, passando
este profissional, a partir de 1991, a integrar em contínuo, a equipe de
atendimento do Serviço de Urgência, mediante uma definição mais ampla de
suas atribuições.
Já no Pronto Socorro as atribuições básicas dos Assistentes Sociais
consiste no atendimento individual aos pacientes e familiares para fins de um
acolhimento inicial e levantamento de dados sobre a história da vida do
paciente. No ato da chegada deste usuário ao Pronto Socorro, observa-se sua
procedência, sexo, faixa etária, profissão, grupo familiar, diagnóstico, situação
previdenciária, número de internamentos conforme incidência, analisando-os
com o intuito de elaborar projetos que venham ao encontro das necessidades e
demandas dos usuários e familiares atendidos pelo referido hospital.
Este profissional tem como atribuições também orientar e referenciar
familiares e/ou pacientes acerca dos serviços de saúde; realizar entrevistas no
ato da admissão com pacientes, familiares e/ou acompanhantes; estabelecer
articulações com setores do hospital e outras Instituições na viabilização de
altas; registrar no livro de ocorrência informações referentes à dinâmica do
setor; expedir atestados, declarações e documentos afins, conforme a situação;
60
entrar em contato com Instituições, agilizando questões de interesses dos
pacientes e do setor; e atender individualmente familiares e pacientes,
conforme solicitação dos mesmos.
61
62
4. A FAMÍLIA E O SERVIÇO SOCIAL
“[...] o grupo-familiar e a comunidade são lugares naturais de proteção e inclusão social, vínculos relacionais para a implementação de projetos coletivos de melhoria da qualidade de vida” (BRASIL, 1999, p. 50).
No decorrer deste quarto e último capítulo, discutiremos sobre o conceito
de família, os arranjos familiares presente na sociedade, qual o perfil desta
família que tivemos contato durante todo o ano em que realizamos o estágio
curricular obrigatório, a sua caracterização no campo da saúde mental,
particularmente no Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado. Ressaltaremos
também as contribuições da instituição família e do Serviço Social na
recuperação do portador de sofrimento psíquico.
Para entendermos melhor sobre a evolução da instituição família
voltaremos brevemente ao período da história antes da Revolução Industrial.
Neste contexto, de economia artesanal e agrícola a família era denominada
tradicional e patriarcal. Esta família caracterizava-se por ter os papéis do
homem e da mulher e, as fronteiras entre público e privado rigidamente
definidos; em que a atribuição de chefe da família era tida exclusivamente do
homem, sendo ele o responsável pelo sustento da sua esposa e seus filhos. A
mulher por sua vez, era educada para cuidar da casa e dos filhos e ser
obediente ao esposo (GUEIROS, 2002).
Desde a revolução industrial, houve a separação do mundo do trabalho
do mundo familiar e foi instituída a dimensão privada de família, contraposta ao
público, e assim, mudanças sociais e econômicas ocorreram significativamente
(SCAVONE, 1993). A agricultura deixa de ser o centro da economia, muitas
famílias vão para os centros urbanos, o salário oferecido pelas indústrias é
insuficiente obrigando as mulheres a trabalharem; e assim a estrutura familiar
também sofre modificações. Com isso, houve uma redefinição dos papéis
sociais do homem e da mulher, mas ainda assim a mulher acumula a
responsabilidade da dupla jornada (SANTOS, 2010).
A partir da década de 1960, não apenas no Brasil, mas em todo o
mundo, se torna mais evidente a conquista de espaço da mulher com o
movimento feminista e a difusão da pílula anticoncepcional, que separou a
63
sexualidade da reprodução e interferiu decisivamente na sexualidade feminina
(SARTI, 2008). Outros episódios que contribuíram para o fato foram: a
legalização do divórcio no Brasil no fim da década de 1970, a inserção das
mulheres no mercado de trabalho e, os avanços da medicina e tecnologia
(SANTOS, 2010). Desse modo, estes acontecimentos criaram condições para
que a mulher deixasse de ter sua vida e sexualidade presas à maternidade.
Mesmo com tantas mudanças ainda é forte e presente o machismo na
sociedade, inclusive na família. Deste período em diante, a família assume
novos formatos, sendo nomeada como contemporânea ou pós-moderna.
A família tradicional ou vertical ou nuclear, que consiste na primeira
configuração de família, é entendida pela relação de indivíduos com relação
consanguínea que residem em uma mesma residência. Considerando a família
como sendo um dos principais agentes da socialização e reprodução de
valores e padrões culturais dos indivíduos. (SANTOS, 2010).
Entretanto, podemos observar que a família está adquirindo novos
formatos, predominando a fraterna e não mais a tradicional. Com essas novas
configurações, o trabalho com famílias tornou-se complexo, instigando
preocupação em se trabalhar o tema pelos profissionais que atuam na área,
pois sua discussão envolve inúmeros aspectos, como as diferentes
configurações familiares, as relações que a família vem estabelecendo com
outras áreas da sociedade, como Estado, Sociedade Civil e Mercado, bem
como os processos familiares (MIOTO, 2004), surgindo a família
contemporânea.
Ao contrário da família tradicional, a contemporânea é dita como
arruinada. Compõe-se da união de dois indivíduos com uma duração relativa,
tem múltiplas aparências e com o poder descentralizado. Uma família
horizontal e fraterna, em que cada um, se sente autônomo pode ser
caracterizada como coparental (poder paterno dividido com a mãe), (SANTOS,
2010), biparental (constituída pelo casamento ou união estável, em que se
encontram juntos os cônjuges ou companheiros), multiparental (dois pais ou
duas mães), pluriparental (reúne sob o mesmo teto pessoas advindas de outros
relacionamentos) (LEITE, 2003) e monoparental são as famílias que possuem
64
um único progenitor com os filhos, e estes ainda não são adultos (VITALE,
2002).
Neste conceito, a autora destaca que, famílias monoparentais têm uma
ligação direta com a classe feminina, referencia também, que muitas destas
encontram-se na condição de vulnerabilidade social.
[...] por outro ângulo, convém ainda ressaltar que a associação entre famílias monoparentais, chefiadas por mulheres e pobreza aponta claramente estes segmentos como foco de critérios para programas sociais. (VITALE, 2002, p. 51).
Outra concepção de família que surgiu na contemporaneidade foram as
famílias do mesmo sexo, as homoparentais, propondo um modelo alternativo,
no qual o vínculo afetivo se dá entre indivíduos do mesmo sexo.
As mudanças na composição familiar, sua visibilidade e aceite da sociedade (como a legalização da união entre homossexuais) exigem que se leve em conta o reflexo daquelas sociedades mais amplas, nas formas de se viver em família e nas relações interpessoais. O mesmo é válido para famílias nucleares, que também tem que assimilar o impacto dessas transformações (SZYMANSKI, 2002, p. 10).
No entanto esta nova figura familiar tem muito a conquistar dentro de
seu espaço, pois na sociedade atual fomos criados com o entendimento de que
família poderia ser formada por pessoas de sexos diferentes (FABER, 2010).
Também surgem dificuldades na formulação coerente e consistente de
uma política social voltada para essa instituição, já que, mais do que a política,
é a família que vem se caracterizando como um fenômeno plural (PEREIRA-
PEREIRA, 2009).
Para a Política Nacional de Assistência Social, aprovada em 2004,
A família, independentemente dos formatos ou modelos que assume, é mediadora das relações entre os sujeitos e a coletividade, delimitando, continuamente os deslocamentos entre o público e o privado, bem como geradora de modalidades comunitárias de vida. Todavia, não se pode desconsiderar que ela se caracteriza como um espaço contraditório, cuja dinâmica cotidiana de convivência é marcada por conflitos e geralmente, também, por desigualdades, além de que nas sociedades capitalistas a família é fundamental no âmbito da proteção social (p. 41).
65
Atualmente, mesmo sendo proclamada por alguns que o seu fim está
próximo, a família parece apresentar-se a cada dia mais viva, assumindo
diversas formas (monoparentais, chefiadas por avós, homossexuais, etc.), e
encontra-se cada vez mais distante de um modelo centralizador. Muitos foram
os fatores que contribuíram para essas mudanças na família contemporânea,
como já citamos anteriormente.
Observa-se também, neste cenário de mudanças, que o Estado está
diminuindo sua participação em algumas áreas (crianças, adolescentes, idosos,
pessoas com doenças crônicas, pessoas com deficiência), e transferindo suas
responsabilidades à família, esta que não recebe a devida assistência do poder
público para preencher as lacunas deixadas pelo Estado. Em consequência do
retraimento do Estado, ocorre a culpabilização da família pela sociedade, do
mesmo modo a ausência de políticas de proteção social à população, a falta de
suporte por parte da esfera estatal para o enfrentamento de situações postas, o
que acaba dificultando à prática de profissionais que atuam nesta área, entre
eles os assistentes sociais (GUEIROS, 2002).
Assim, o “modelo” é um Estado que reduz suas intervenções no campo social e que apela à solidariedade social, optando por programas focalistas e seletivos caracterizados por ações tímidas, erráticas e incapazes de alterar a imensa fratura entre necessidades e possibilidades efetivas de acesso a bens, serviços e recursos sociais. Aparece com força a defesa de alternativas privatistas para a questão social, envolvendo a família, as organizações sociais e a comunidade (YASBEK, 2001, p. 37).
O Estado e a família desempenham papéis similares, em seus
respectivos âmbitos de atuação: regulam, normatizam, impõem direitos de
propriedade, poder e dever de proteção e assistência (SOUZA, 2000). Nesse
contexto, podemos dizer que a família e as políticas públicas têm adequadas e
imprescindíveis funções ao desenvolvimento e à proteção social dos indivíduos
(CARVALHO, 2008).
Mesmo presente a responsabilidade do público nas políticas sociais, que
respondam efetivamente às demandas socialmente colocadas, no cotidiano do
fazer profissional do assistente social está cada vez inevitável nos depararmos
com situações relacionadas à família e com situações complicadas nas quais
66
temos o suporte apenas dela, pois como cita Yasbek (2001), diante da
conjuntura, esta tem sido assumida como uma das alternativas para o
enfrentamento de determinadas expressões da questão social.
Se voltarmos um pouco à história da profissão, observaremos que no
âmbito do Serviço Social, os processos de atenção à família pertencem à sua
história, pois os assistentes sociais são os únicos profissionais que têm a
família como objeto de estudo, um campo privilegiado de intervenção durante
toda sua trajetória histórica; ao contrário de outras profissões que a privilegiam
em alguns momentos e, em outros, a tiram de vista (NEDER, 1996).
Mesmo com esses fatos, no cotidiano da prática do trabalho profissional
com a instituição familiar, observamos que este profissional pouco a conhece,
mesmo diante das inúmeras transformações que ela vem passando
atualmente. A família está assumindo o papel de importante alternativa à
redução do Estado em suas intervenções no âmbito social e dada como
parceira nas escassas políticas sociais que existem (GUEIROS, 2002).
Apesar da longa tradição do Serviço Social com as famílias e
aprofundamento na discussão sobre o assunto dentro da profissão nas últimas
décadas, o fazer profissional dos assistentes sociais continua sendo
considerada muito aquém das exigências que lhes estão sendo colocadas,
relacionadas à necessidade de consolidação do atual projeto ético-político da
profissão, de qualificação das ações profissionais dessa área, além da
afirmação do espaço do Serviço Social num campo cada vez mais disputado
por outras profissões (MIOTO, 2004).
Na maioria das vezes o processo de intervenção com as famílias é
efetivado apenas no âmbito do atendimento direto, não sendo vislumbradas
outras possibilidades de se trabalhar com famílias. É importante que o
profissional adote uma postura socioeducativa, tendo em mente o respeito à
individualidade de cada família, procurando não fazer julgamento de valores. O
Assistente Social, por caracterizar-se um profissional da saúde, é parte
integrante das equipes do SUS, por sua formação é um profissional
preocupado com a acolhida, com o diálogo, com a possibilidade de melhorar a
qualidade de vida do usuário, além de tornar-se aquele que reforça o papel de
facilitador das relações de um grupo familiar (OLIVEIRA, 2012).
67
No cotidiano as ações profissionais com a família surgem algumas
dificuldades, como citadas acima, porque, como podemos observar os
assistentes sociais além de sofrerem com a disputa de espaço com outros
profissionais, desenvolvem atividades que podem ser diferenciadas pelas
particularidades que apresentam e, no entanto, estas continuam sendo tratadas
de maneira indiferenciada. Por exemplo, as ações socioeducativas (através da
informação ou reflexão, visam provocar mudanças nos valores, modos de
vida), socioassistenciais (toda ação de provimento e de sustentação para
atendimento de necessidades das famílias usuárias), socioterapêuticas (são
desenvolvidas diante de situações de sofrimento das famílias, no intuito de
alterar tal contexto), ações periciais (através de estudo e de avaliação das
situações familiares, visam à emissão de um parecer social para outrem), de
acolhimento (acolhimento e apoio às famílias), entre outras (MIOTO, 2004).
A família é muito importante no contexto da vida social, e o
reconhecimento disto está explícito na Constituição da República Federativa do
Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988, no artigo nº 226, que a “família,
base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, assegurando, assim, o
que contém na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e
proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações
Unidas em 10 de dezembro de 1948, artigo nº 16, que traduz a família como
sendo o núcleo natural e fundamental da sociedade, e com direito à proteção
da sociedade e do Estado; e reafirmada nas legislações de Assistência Social –
Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 13 de julho de
1990; o Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003; e na
própria Lei nº 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) (BRASÍLIA,
2005).
Não só para o Serviço Social, mas como para todas as profissões, o
tema família não é desconhecido e intervém-se nesta dinâmica a todo instante.
Porém, poucos profissionais são preparados para trabalhar com as relações
familiares e suas mudanças estruturais ocorridas ao longo da história
(OLIVEIRA, 2012).
O Assistente Social tem enfrentado muitos desafios tanto na esfera
privada como na pública. Havendo uma busca constante por intervenções que
68
possam responder as demandas que lhe são apresentadas, num contexto
marcado pelo sucateamento das políticas públicas, diante do avanço do
capitalismo. Este profissional através do seu trabalho nas diversas áreas pode
fortalecer a luta emancipatória dos usuários, através de sua escolha teórico-
metodológica e ético-política (OLIVEIRA, 2012).
Desta forma, para uma intervenção social crítica e propositiva, este
profissional desenvolve metodologias de trabalho com famílias por meio do
aprimoramento de conhecimentos técnicos, habilidades e saberes que
expressam um reconhecimento social do trabalho profissional. Portanto o
aparato de instrumentos e técnicas, quando articulado a um referencial teórico,
garante a análise e a interpretação da realidade, bem como uma atuação
coerente e comprometida para a consecução do projeto-ético-político da
profissão (OLIVEIRA, 2012).
A elaboração de uma nova linha para a prática profissional dos
assistentes sociais com as famílias está apenas iniciando, muitos são os
campos de atuação do Serviço Social com a família, mais adiante nos
deteremos ao surgimento de ações de saúde junto a instituição familiar,
especificamente na saúde mental, e como os assistentes sociais se inserem
nesse contexto junto à instituição familiar.
4.1. A Família e a Saúde Mental
A sociedade possui a cultura de que a família é uma instituição
protetora, decisiva na formação do sujeito em todos os aspectos, em que esta
é tida como referencial na vida de seus membros e diante de tais
características é tão valorizada (BUSSULA, OLIVEIRA, VOLPATO, 2009).
Neste ponto, antes de adentrarmos na participação da família na saúde
mental, cabe lembrar de forma sintetizada da inserção da família na saúde. No
período da tentativa de melhorar o panorama na área da saúde no Brasil, e
consequentemente dar continuidade ao processo de Reforma Sanitária, a
família era vista como unidade de ação e cujos resultados da sua participação
69
foram significativos na redução de índices, como por exemplo, de mortalidade
infantil (PINGARILHO, 2010).
No processo de Reforma Psiquiátrica, em que se caracterizou por ser
um projeto de cunho democrático e participativo, havia como protagonistas os
gestores do SUS, os trabalhadores em saúde, e principalmente os usuários e
os familiares dos CAPS e de outros serviços substitutivos. O processo de
Reforma Psiquiátrica, e mesmo o processo de consolidação do SUS, somente
foi exequível a partir da participação ativa de trabalhadores, usuários e
familiares (BRASÍLIA, 2005).
Nos anos 1990 as experiências de usuários e da família passam a
potencializar o processo de reforma. A participação destes não se dá, no
entanto, apenas nas instâncias previstas pelas estruturas do SUS. É no
cotidiano dos serviços da rede de atenção à saúde mental e na militância, nos
movimentos sociais, na luta por uma sociedade sem manicômios, de maneira
geral, que os familiares e usuários vêm conseguindo garantir seus direitos,
apoiar-se mutuamente e provocando mudanças nas políticas públicas e na
cultura de exclusão do louco da sociedade (BRASÍLIA, 2005).
No que se refere à saúde mental em si e a família neste processo, antes
do movimento da Reforma Psiquiátrica no Brasil (década de 1970), o portador
de sofrimento psíquico vivia à margem da sociedade. Quando ocorria o
primeiro surto, o doente era trancado em manicômios por longos anos e às
vezes não saía mais. Neste momento histórico, o portador de transtorno mental
era afastado de qualquer convívio ou sinal de uma vida produtiva, ficava à
margem da sociedade, distante da família, esquecido, e excluído. Muitas
vezes, falecia na instituição asilar (PIMENTA, 2008).
Nesse contexto, o “louco” era distanciado da família como uma proposta
terapêutica: “isolamento terapêutico”. Para justificar tal procedimento, defendia-
se que a família estaria sob ameaça de alienação e que, por isso, necessitaria
ser protegida, pois o portador de sofrimento psíquico era encarado como uma
figura perigosa para a estrutura familiar, supondo-se que poderia subverter os
membros mais frágeis, tornando-se um modelo exemplar negativo. Entretanto,
embora a família fosse protegida do seu membro doente, por outro lado,
contraditoriamente, o grupo era também acusado de promover a loucura, pois
70
havia um discurso de que a alienação provinha da estrutura familiar e dos
conflitos que aconteciam a partir desta relação. Sobre isso voltaremos a falar
mais a frente (PIMENTA, 2008).
A identificação do transtorno mental ocorre geralmente através da
família ou por grupos próximos do portador do sofrimento psíquico, devido à
observação de ruptura com o comportamento convencional do indivíduo. E
para falar sobre o cuidado em saúde mental no âmbito familiar é imprescindível
que se faça uma apresentação da família moderna. Segundo Beltrame e Bottoli
(2010), a família moderna constitui-se através do progresso da vida privada, ou
seja, a família assume um espaço de destaque na sociedade.
Assim, é importante considerar que, “a relação da família com o portador
de transtorno mental é historicamente construída” (ROSA 2003, p. 28), sendo
que nem sempre foi vista como uma instituição capaz de acolher e cuidar de
um familiar que adoece mentalmente. Nas sociedades pré-capitalistas, o
cuidado com o louco era remetido à família; na sua inexistência, o louco
tornava-se uma questão pública, de justiça ou de deliberação do rei (CASTEL,
1978 apud ROSA, 2003). Já no século XX, com as transformações e os
avanços de saberes como a psicanálise e o movimento de higiene mental, a
família é vista de modo negativo, sendo culpabilizada pelo surgimento de um
portador de transtorno mental (ROSA, 2003).
Com a culpabilização da família, em relação ao adoecimento psíquico,
ocorre que o saber psiquiátrico, cada vez mais, procura afastar o paciente do
ambiente familiar, como também limita a atuação da família. Assim, ganham
força as instituições psiquiátricas e a cultura do isolamento social do portador
de sofrimento psíquico. Melman (2008) aponta outra justificativa para o
procedimento de isolamento, considerando também necessário proteger a
família da loucura e prevenir uma possível contaminação dos demais membros.
De um jeito ou de outro, a família entra para o rol das intervenções dos
especialistas. Esse movimento se intensifica no século XX, principalmente com
influência das teorias freudianas, que destacam a importância das relações
familiares sobre o psiquismo dos sujeitos (ROSA, 2003).
Os familiares tendem a conhecer, sim, sua importância no tratamento,
contudo, apontam para a necessidade do reconhecimento dos seus limites no
71
processo de cuidar e de suas tensões advindas da presença de um ente
portador de sofrimento psíquico na família (PEREIRA, 1999). Quando o grupo
familiar é trabalhado, nota-se que seus membros conscientemente querem
contribuir para a melhoria do ente que apresenta o transtorno mental
(MELMAN, 1998).
A Reforma Psiquiátrica tem como uma de suas vertentes trazer a saúde
mental para o seio familiar, possibilitando que o usuário esteja reintegrado o
convívio social e, que não esteja mais trancado nos manicômios. Desta forma,
vemos que ocorre uma grande transformação. Antes, o portador de sofrimento
psíquico era afastado da família por ser uma “ameaça”, e hoje é inserido nesse
grupo a partir do qual pode receber subsídios para a vida em sociedade. Com
esta mudança, surgem as dificuldades enfrentadas pelos familiares diante
deste novo encargo: lidar com o sofrimento psíquico de forma tão próxima e
ainda ser parte imprescindível para a reinserção social do portador de
transtorno mental.
Cavalheri (2002) enfatiza que, no início das manifestações que
impulsionaram a Reforma, aconteceu uma ampliação significativa da função da
família no que tange ao papel de co-participante do processo de tratar e
reabilitar as pessoas mentalmente enfermas. Nesse sentido, o autor salienta a
ocorrência de uma mudança radical, a exclusão inicial da família no âmbito
tradicional, e as propostas de inclusão e participação ativas reivindicadas pelos
profissionais no modelo da Reforma Psiquiátrica. Esse movimento reivindica
essas posturas como um processo a ser construído no cotidiano, visando
melhorar a qualidade de vida de tantos dos usuários, quanto de seus
familiares.
Se tratando da família nos eventos da saúde mental, Moreno e
Alencastre (2003) ressaltam que, na 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental,
em 1987, as dificuldades enfrentadas pela família do portador de transtorno
mental não obtiveram destaque, por que sua estruturação centrou-se em
pontos mais técnicos que estavam ligados e influenciavam a área da saúde
mental, como: Economia, Sociedade, Estado, Reforma Sanitária, Cidadania,
Doença Mental, Legislação, entre outros (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1988).
72
Em 1992, deu-se a 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental. Que tem
como indicador de mudança a participação efetiva dos usuários na realização
dos trabalhos de grupo, nas plenárias, nos debates e tribunas livres; e nela os
familiares tiveram sua representatividade assegurada. O relatório final da 2ª
Conferência delimita que não haja a culpabilização do usuário e da família, e
que seja promovido o atendimento integrado da mesma inserida no contexto
comunitário e social (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1994). Já na 3ª Conferência
Nacional de Saúde Mental ocorrida em 2001, busca-se afirmar a importância
da família como aliada na nova forma de atenção a ser dada ao portador de
transtorno mental e, nela busca-se suporte nos serviços através do cuidado
domiciliar e enfrentamentos das crises.
Pensando nas diversas questões já pontuadas e buscando trazer
respostas para as indagações surgidas durante o estágio no Hospital Dr. João
Machado sobre a importância da família e do Serviço Social no tratamento dos
portadores de sofrimento psíquico, realizamos entrevistas neste hospital e que
serão expostas mais à frente. Mas, antes falaremos um pouco sobre a atuação
dos assistentes sociais com as famílias na Instituição, especificamente na
primeira enfermaria masculina e na Intervenção.
4.2. A intervenção do Serviço Social com Famílias no Hospital Dr. João
Machado
Ao iniciar o estágio obrigatório no Hospital Dr. João Machado no começo
do ano de 2012, foi possível acompanhar o trabalho da assistente social, a
Supervisora de Estágio, na primeira enfermaria masculina do hospital. Com a
inserção na instituição e principalmente na enfermaria, observamos a deficitária
ligação entre a família e a rede de serviços substitutivos, resultando no alto
índice de reinternações; observamos também a presença de muitos familiares
visitando os usuários, e ao mesmo tempo, a ausência de muitos devido a
empecilhos externos, como: falta de meio de transporte, condição financeira
precária, entre outros.
73
Desta forma, no intuito de fortalecer a garantia dos preceitos da reforma
psiquiátrica, contribuindo para a redução da incidência/reincidência de
internações no Hospital Dr. João Machado advindos dos municípios em que os
pacientes da 1ª enfermaria residem, devido a falta de assistência à saúde
mental, elegemos como tema do projeto de intervenção as “Alternativas de
tratamento para usuários em situação de sofrimento psíquico do Hospital Dr.
João Machado na perspectiva da Desinstitucionalizacão.
A intervenção consistiu na produção de material informativo com o
propósito de esclarecer aos usuários e familiares sobre os serviços
substitutivos, para mostrar a importância da continuidade do tratamento;
facilitar o acesso às ações e serviços de saúde mental existentes; e contribuir
para a articulação entre Serviço Social do Hospital Dr. João Machado e da rede
de saúde dos municípios para que os usuários tenham acesso aos serviços de
direito.
Após a execução das ações interventivas, notou-se a necessidade de
realizar uma pesquisa de campo para avaliar a importância da família e do
Serviço Social na recuperação do portador de sofrimento psíquico, a partir da
análise do processo de visita das famílias aos seus parentes que estavam
internados, considerando o papel desta na sociedade e, por fim expor os
resultados obtidos no trabalho. A crença de que a instituição familiar exerce
grande influência na formação e na vida do indivíduo está presente em todas
as categorias profissionais que se interessam por trabalhar com aquela
(PEREIRA, 2002).
A pesquisa foi fundamentada pelo método dialético-crítico, constituiu-se
como pesquisa qualitativa, trabalhando com dados quantitativos e qualitativos.
O objeto do estudo envolveu o tratamento dos portadores de sofrimento
psíquico do Hospital Doutor João Machado31 que tem o acompanhamento da
31
O Hospital Dr. João Machado pertence ao Governo Estadual do Rio Grande do Norte, sendo,
portanto público, enquadrando-se no perfil de hospital de grande porte. Referência em
Psiquiatria para todo o RN é o único com atendimento psiquiátrico de urgência em Natal e
referência em Saúde Mental de atenção terciária pública do Estado. O Hospital atende pessoas
com transtornos mentais em geral, e também dependentes de álcool e outras drogas, oriundas
da própria capital e municípios do estado. Sua função é assistir o paciente no momento de
crise e efetivar o direito à saúde especializada na saúde mental.
74
família e do Serviço Social. Este trouxe consigo questões relacionadas ao
desafio de tornar o tratamento cada vez mais eficaz e evitar frequentes
reinternamentos, e como indagação central tem-se como a família contribui na
recuperação da saúde do Portador de Sofrimento Psíquico no contexto do
Hospital Psiquiátrico Dr. João Machado?
A Pesquisa de campo utilizou como instrumentais de coleta de dados a
entrevista do tipo semiestruturada com a utilização do formulário com questões
abertas e fechadas, aplicados no próprio hospital com familiares presentes,
durante o horário da visita, dividindo entre os assíduos e os que são mais
ausentes. A ausência dos familiares que ocorre por motivos socioeconômicos,
por morarem distante, dentre outros motivos; usuários e equipe técnica do
hospital. Os dados quantitativos serão representados por tabelas e os
qualitativos categorizados.
A amostra trabalhada foi do tipo não probabilística intencional, em que o
pesquisador está interessado na opinião (ação, intenção, etc.) de determinados
elementos da população. Os sujeitos de pesquisa foram familiares de usuários
internados há pelo menos um mês, os próprios usuários internados neste
período e representantes dos profissionais de Serviço Social, Psicologia,
Enfermagem e Terapia Ocupacional do Hospital Doutor João Machado. Os
sujeitos de pesquisa foram 08 familiares, 08 usuários e 08 representantes da
equipe técnica, sendo dois de cada categoria de profissionais.
A técnica de análise utilizada foi a Análise de Conteúdo, utilizamos
análise temática, e nesse processo em que analisamos tivemos os cuidados
éticos, garantindo o sigilo e devolvendo todos os documentos à instituição. A
interpretação dos dados coletados será demonstrada através de tabelas,
obtendo-se uma melhor compreensão dos dados. E, os dados qualitativos
demonstrados a partir do processo de categorização.
Nesta pesquisa procuramos conhecer as condições de vida dos
familiares e usuários, em relação à escolaridade, renda, moradia, profissão,
sexo, etc. Destacar a profissão dos técnicos e apresentar os dados das
entrevistas que prevaleceram as perguntas abertas. No próximo tópico
veremos com mais detalhe a caracterização dos sujeitos da pesquisa.
75
4.3. Caracterização dos sujeitos de pesquisa e apresentação dos resultados
No período de análise e interpretação dos dados, preferimos apresentar,
primeiramente a caracterização dos sujeitos de pesquisa por meio da
apresentação de tabelas, para, então, expor os resultados e análises previstas
por meio da contextualização e da categorização, sempre buscando articular o
referencial teórico com as falas, a fim de responder os objetivos deste trabalho.
Inicialmente será apresentada a caracterização da família dos usuários
do HJM, os usuários do Hospital, e posteriormente dados que revelam como se
dá a participação da família no tratamento da pessoa com sofrimento psíquico
e sua importância na recuperação e na melhoria das condições de vida desses.
Ao entrevistar os familiares observamos a grande presença da figura
feminina na visita diária no hospital, salientando que as entrevistas foram todas
feitas com mulheres (100%). Como afirma Vasconcelos (1992), a família,
sobretudo a mulher, é tradicionalmente a principal provedora de cuidado, neste
caso do portador de sofrimento psíquico. O grau de parentesco das
entrevistadas com o usuário é geralmente materno, ou senão próximo (esposa,
irmã, filha, etc.). Notando, assim, que prevalece a chefia feminina, a família
mononuclear.
Em relação ao grau de escolaridade constatamos que 75% das
familiares entrevistadas possuem apenas o ensino fundamental (Tabela 1),
tendo 12,5% cursado o ensino médio e superior.
Tabela 1 - Grau de Escolaridade do Familiar
ESCOLARIDADE PERCENTAGEM (%)
Ensino Fundamental 75
Ensino Médio 12,5
Ensino Superior 12,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
76
A baixa escolaridade implica em vários fatores, que vai desde precárias
formas de inserção produtiva, a exclusão das mulheres do mercado de
trabalho, em que está cada vez mais exigente e solicitando uma mão de obra
mais qualificada; renda menor da mulher em relação ao homem, entre outros.
Esta expressão da questão social, de certa forma, tende a excluir esta parte da
população menos favorecida (FABER, 2010).
Tabela 2 – Composição Familiar
COMPOSIÇÃO FAMILIAR PERCENTAGEM (%)
Nenhum 12,5
1 a 3 pessoas 25
4 a 10 pessoas 62,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
Tratando-se da Composição Familiar (Tabela 2), a maioria (62,5%)
afirmou estar morando em sua residência de quatro a dez pessoas,
caracterizando famílias bem numerosas, com dificuldades para prover o
sustento de seus membros e uma baixa qualidade de vida. Todas as famílias
moram em casas próprias, advindas de projetos habitacionais, de herança, ou
até mesmo pelo fato de possuir terreno e ter construído gradativamente, visto
que muitas das entrevistadas moram no interior do Estado.
Tabela 3 – Onde o familiar é tratado melhor
O FAMILIAR É TRATADO MELHOR PERCENTAGEM (%)
Em casa com a família 37,5
No HJM 37,5
No HJM e com a família 25
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
Em relação ao seu familiar, surgiu o questionamento ao entrevistado
onde possivelmente ele era mais bem tratado (Tabela 3), e, na mesma
77
proporção (37,5%) responderam que era em casa com a família e os outros
37,5% que era no HJM. Justificando que estar em casa era importante pelo
apoio e suporte, a convivência com a família, e que o hospital era responsável
pela retirada da crise. Entretanto os usuários se posicionaram diferente dos
familiares.
Tabela 4 – Onde acha ser tratado melhor
ONDE ACHA SER TRATADO
MELHOR
PRCENTAGEM (%)
Em casa com a família 62,5
No HJM 25
Sem resposta 12,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
A maioria (62,5%) afirmou ser tratado melhor em casa com a família,
apenas 25% disseram o HJM e 12,5% não responderam (Tabela 4). Neste
caso notamos a necessidade do portador de sofrimento psíquico em estar perto
da família, inserido na comunidade, na sociedade, mesmo sendo no hospital
bem tratado e medicado.
A Portaria nº 3.108, instituída em 21 de dezembro de 1982, propôs
mudanças no modelo assistencial, calcadas na predominância do modelo
extra-hospitalar, que a assistência fosse exercida por equipe multidisciplinar;
que esta fosse incluída na estratégia de atenção primária de saúde,
restringindo a internação aos casos estritamente necessários e promovendo a
implantação progressiva de pequenas unidades psiquiátricas em hospitais
gerais. O movimento de reforma defende a alteração no modelo de atenção
terapêutico, o hospitalocêntrico por espaços participativos e democráticos,
inserindo o portador de sofrimento psíquico no espaço dos cidadãos, no
ambiente familiar, evitando o isolamento (DIAS, 2007).
Os usuários, mesmo afirmando ser tratado melhor no âmbito familiar, em
sua maioria (87,5%) aceitam a internação, por não estar bem, estarem em
crise, agitados; e 12,5% aceitam em parte, por que dizem não saber o motivo
78
do internamento, mas sabemos que este esquecimento se dá algumas vezes
por causa da doença.
Na coleta de dados, foi unânime a resposta de que os familiares das
entrevistadas eram inativos (100%), ou seja, nunca tinham trabalhado, ou
tinham deixado o trabalho por causa do sofrimento psíquico.
Tabela 5 – Direitos Previdenciários do Usuário
DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS PERCENTAGEM (%)
Aposentadoria 37,5
Benefício 37,5
Nenhum 25
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
Se tratando dos Direitos Previdenciários (37,5%) recebem benefício
(37,5%) são aposentados ou não recebem nada (25%), sendo sustentados
pela família (Tabela 5). “Na ausência de direitos sociais, é na família que os
indivíduos tendem a buscar recursos para lidar com as circunstâncias
adversas” (ALENCAR, 2009, p. 63).
Em relação à renda do usuário 62,5% recebem um salário mínimo,
12,5% de dois a três salários, e 25% não tem nenhuma renda (Tabela 6).
Tabela 6 – Renda do Usuário
RENDA DO USUÁRIO PERCENTAGEM (%)
1 salário 62,5
2 a 3 salários 12,5
Nenhum 25
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
A partir desses dados coletados foi revelado que a grande maioria dos
portadores de sofrimento psíquico são de baixa renda, sendo impossibilitados
de trabalhar, tem uma família com muitos membros, resultando em uma renda
79
per capita muito baixa. O que acaba dificultando o seu tratamento, devido a
falta de recursos para o transporte, compra de remédios quando faltam na rede
pública, entre outros. Outra característica presente é, nesse contexto, a mulher
como provedora. Este usuário recebe cuidado na maioria das vezes da mãe,
tia, irmã, e é esta que trabalha para ‘sustentar a casa’.
Ao questionar em relação às visitas, com que frequência elas ocorriam,
nenhuma visita ocorre diariamente, umas ocorrem duas vezes por semana,
outras três vezes. Quando os familiares se ausentam atribuem às condições
financeiras (custo alto de visitar todos os dias, passagem de ônibus cara, a
família é de baixa renda), por encontrar-se trabalhando; também a distância,
muitos moram longe, a maioria no interior do RN. Como pode ser comprovado
na entrevista:
Eu venho visitar sim toda semana. Não venho todos os dias por que moro longe, gasto muito, e não tenho condições (Lírio).
Nesse contexto observamos a família como sendo o local em que se
articula as mais diversas formas de alternativas de superar as situações de
precariedade social, diante do desemprego ou inserção precária no âmbito do
trabalho (TELLES, 1992).
Se tratando do que era preciso para melhorar as condições de vida dos
portadores de sofrimento psíquico, os familiares responderam em sua maioria
em relação ao tratamento medicamentoso; em seguida vem a questão de ter
boa assistência e profissionais na rede de atendimento Municipal de Saúde
Mental, e, por fim, falam da importância de uma boa alimentação e da
convivência no ambiente familiar.
No que se refere a participação da família no tratamento dos usuários,
todas revelam ser bastante importante essa presença, que as visitas ajudam no
tratamento e consequentemente na recuperação do portador de sofrimento
psíquico, pois a família é quem promove o cuidado, apoia. Em casa é a
responsável em dar a medicação, e por conduzir o usuário ao serviço de
saúde. Como fala de uma das entrevistadas:
80
A participação da família é importante, foi a família que tomou as decisões para tentar tirar ele da crise (Gardênia).
Para Pontes (2009), nos grupos de familiares ou nos atendimentos de
família, é comum que as discussões girem em torno dos sintomas. Os
familiares tendem a reconhecer, sim, sua importância no tratamento, contudo
apontam para a necessidade do reconhecimento dos seus limites no processo
de cuidar e de suas tensões advindas da presença de um ente portador de
transtorno mental (PEREIRA, 2008).
Foi constatado que a maior causa dos internamentos é o momento de
crise, em que os portadores de sofrimento psíquico saem do seu
comportamento habitual, colocando em risco a própria vida e a dos membros
da família (tentar o suicídio, são agressivos, não dormem, entre outros
sintomas), e que estas internações são bem frequentes, como falam a
entrevistadas:
ele foi internado muitas vezes, mais de 20 vezes, por causa da crise. Ele sobe em cima da casa, meche em fio... (Rosa). foi internado muitas vezes, mas demora para vir. Trouxemos para cá por que ele estava fugindo de casa, tava agressivo, tentou incendiar a casa, tava causando perigo (Lírio).
Sabemos que muitos são os motivos para este número muito alto de
internações. Isto ocorre devido ao mau funcionamento da rede de saúde e
consequentemente a de saúde mental. A maioria desses usuários são do
interior do estado e, não tem acesso aos serviços substitutivos. Ou por falta
destes, ou pelo não funcionamento dos serviços, pela deficiência na estrutura,
pela falta de profissionais, de remédios, etc. Com isso comprometendo a
continuidade do tratamento. Assim, este usuário fica mais propício a ter a crise,
e retorna com mais frequência ao Hospital Psiquiátrico.
A proposta de saída dos usuários do hospital de forma planejada e
assistida é uma estratégia fundamental no processo de desinstitucionalização,
no sentido de evitar o tão acentuado fenômeno da reinternação. Tal situação
está relacionada à falta de uma rede de atenção extra-hospitalar, bem como de
suporte e acompanhamento do usuário por parte da equipe técnica em parceria
com as famílias (DIMENSTEIN e BEZERRA, 2009).
81
A rede de saúde mental encontrando-se deficitária, as famílias recorrem
ao Hospital Dr. João Machado como o meio para retirar seu familiar com
sofrimento psíquico da crise. Mas, devido ao funcionamento precário, e/ou a
falta de serviços extra-hospitalares o hospital sofre com a superlotação,
acarretando a presença de usuários em condições desumanas no pronto-
socorro esperando uma vaga na enfermaria.
Outro problema também está no sucateamento da saúde do estado do
Rio Grande do Norte, que reflete no Hospital Dr. João Machado. Faltam
remédios, a estrutura física está toda comprometida, os profissionais são
poucos para a grande demanda, e estes estão sobrecarregados de trabalho,
dentre outros problemas. Isto se deve a mercantilização da saúde, em que há
uma diminuição dos investimentos no setor público e um aumento do setor
privado, cuja lógica é a mercadorização32 da saúde.
Mesmo com o sucateamento do HJM, podemos observar que a lógica
hospitalocêntrica na saúde mental do estado é muito presente. Por ser o único
hospital público em Psiquiatria no RN, de referência, exercendo um importante
papel na saúde mental, pois ele é o responsável em retirar o portador de
sofrimento psíquico da crise e de inseri-lo na sociedade. Devido a deficiência
na rede, o trabalho é dificultado pela não continuidade do tratamento na rede
de atenção extra-hospitalar.
Por fim, a análise das entrevistas com os familiares encerra com
indagações sobre como eles avaliavam o trabalho do Serviço Social no HJM e
responderam que as assistentes sociais tratavam muito bem eles, que era
muito bom o trabalho dessas profissionais.
as assistentes sociais tratam muito bem a gente. Não tenho nada a reclamar. O tratamento é bem adequado (Margarida).
32
Mercadorização é entendida como sendo o processo de transformação do valor de uso em
valor de troca e como esse processo se estende ao campo da saúde. A saúde é vista como
mercadoria. O financiamento da saúde fica por conta do indivíduo, retirando o Estado desse
contexto, que de responsabilidade dele. Assim, há um grande crescimento do setor privado de
saúde, da mercadorização da medicina, da saúde, e uma transformação do nosso sistema
único em um sistema que tem baixa qualidade, destinado para uma população que não pode
pagar plano privado (BENVENUTI, 2012).
82
Nas falas percebemos ainda muito presente a cultura do cuidado (visão
tradicional) por parte dos familiares em relação à profissão Serviço Social, mas
não podemos deixar de colocar a importância que foi dada por estes ao fazer
profissional dos assistentes sociais junto aos seus parentes com sofrimento
psíquico.
O trabalho é muito bom. Elas atendem a gente direitinho. Cuidam dele (do usuário) bem direitinho (Lírio).
Nas entrevistas com os usuários a presença de homens foi unânime,
pelo fato de terem sido feitas na enfermaria masculina, em que tivemos maior
contato durante o estágio.
Tabela 7 – Renda do Usuário
RENDA DO USUÁRIO PERCENTAGEM (%)
1 salário 75
2 a 3 salários 0
4 a 10 salários 12,5
Nenhum 12,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
Caracterizam-se cidadãos em situação de vulnerabilidade social, de
baixa renda (Tabela 7), e, na maioria essa renda é advinda de direitos
previdenciários, como podemos ver na Tabela 8.
Tabela 8 – Direitos Previdenciários
DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS PERCENTAGEM (%)
Aposentadoria 62,5
Benefício 25
Nenhum 12,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
83
Como já foi afirmado pelas familiares, seus parentes não tem condições
físicas e mentais para trabalhar, em sua maioria são aposentados; outra
parcela recebe benefício, e necessitam do apoio da família. Ainda, uma
minoria é dependente de algum familiar para prover seu sustento.
Em relação à escolaridade, os usuários em sua maioria não são
alfabetizados (50%), 12,5% cursaram o Ensino Fundamental, 25% o Ensino
Médio e 12,5 o Ensino Superior; como podemos ver na Tabela 9.
Tabela 9 – Escolaridade
ESCOLARIDADE PERCENTAGEM (%)
Não alfabetizado 50
Ensino Fundamental 12,5
Ensino Médio 25
Ensino Superior 12,5
TOTAL 100
FONTE: Sistematização da Pesquisadora
Esta baixa escolaridade faz com que diminua cada vez mais as chances
de inserção desse usuário no mercado de trabalho. Esse que a cada dia é mais
competitivo e exige mão de obra qualificada e apta a seguir seu ritmo em busca
de lucro.
Em relação à condição de moradia, 75% moram em sua própria casa,
12,5% moram de aluguel e 12,5% não tem casa (Tabela 10). Os entrevistados
que não tem casa residem na moradia assistida do hospital, em residências
terapêuticas, dentre outros lugares.
Para melhorar a qualidade de vida, os portadores de sofrimento psíquico
elegem como necessário a realização de atividades, a importância de trabalhar,
estar perto da família, bem como, tomar os remédios regularmente para não
entrar em crise, como podemos observar abaixo nas falas:
trabalhar, fazer atividade, estar perto da família (Rubi).
84
melhorar do problema: fazendo atividades, tomando o remédio direitinho (Calcita). trabalhar, mas não posso trabalhar de carteira assinada por causa dos internamentos (Jade).
Nessas falas observamos a importância que é dada ao trabalho. A
cultura que foi posta na sociedade de que é útil quem produz. E, assim eles se
sentem melhor trabalhando por estão contribuindo para a sociedade, contudo
as crises, os internamentos, interferem e/ou impedem esta atividade. O que
contribui para reafirmar a eles e para a sociedade que esses indivíduos têm
que viver à margem por não serem mais produtivos. Neste sentido, a Reforma
Psiquiátrica vem para desmistificar essa linha de pensamento e mostrar que os
portadores de sofrimento psíquico são cidadãos de direito e, que merecem o
acesso à saúde de qualidade, a convivência familiar e comunitária, e uma boa
qualidade de vida.
YASBEK, (2009) reitera que o trabalho pode atrelar vários significados
na vida do sujeito:
As estratégias ocupacionais de sobrevivência dos trabalhadores pauperizados, que tanto buscam o trabalho assalariados, quanto o trabalho por conta própria para fazer frente as suas necessidades. Esta inserção múltipla no mundo do trabalho (no tempo e no espaço) revela a busca de “ganhar a vida” de todas as formas possíveis e se expressa no estilhaçamento de suas vidas, particularmente em relação ao trabalho (YASBEK, 2009, p.105).
Do mesmo jeito que a família acredita ser importante a participação dos
familiares em seu tratamento, pois segundo eles afirmam, que a família
incentiva, ajuda.
sinto falta quando eles não veem, acho boa a visita. Queria que eles me visitassem todos os dias (Jade).
No que se refere ao conhecimento sobre a Reforma Psiquiátrica, tanto
dos familiares como os usuários em sua maioria nunca ouviram falar. O
portador de sofrimento psíquico que afirmou conhecer, disse que:
85
já ouvi falar de Reforma Psiquiátrica lá no CAPS que eu fazia parte (Pérola).
Ao perguntar sobre como eles avaliavam o trabalho desenvolvido pelas
assistentes sociais no hospital, a maioria respondeu que era bom, que elas
cuidavam dos direitos de forma correta e, que mantinham a ligação do usuário
com a família. Na Saúde Mental os assistentes sociais tem a função de
contribuir para que a Reforma Psiquiátrica alcance seu projeto ético-político.
Assim, tomando por objeto a subjetividade, cabendo a este profissional ações
desafiantes frente às requisições no trabalho com as famílias, na geração de
renda e trabalho, no controle social e na garantia de acesso aos benefícios
(ROBAINA, 2009). É importante incentivar a ligação do usuário com a família,
para que haja o fortalecimento desta e uma maior promoção de cuidados com
os portadores de sofrimento psíquico.
Outro ponto comum na entrevista com os familiares é a presença da
mulher predominando no cuidado. Observamos que é a figura feminina que
está mais presente, e que os usuários se relacionam melhor com quem cuida
deles.
me relaciono bem com todos, mas gosto mais da minha madrinha, por que é ela que se interessa por mim (Esmeralda).
Neste sentido, devemos considerar a questão das mulheres chefes de
famílias que acumulam a responsabilidade pelo sustento da família com o
cuidado com a casa e com os filhos (VITALE, 2002).
Por fim, nas entrevistas com os técnicos (assistentes sociais,
enfermeiros, psicólogos e terapeutas ocupacionais), observamos que, em
relação ao que é preciso para melhorar as condições de vida dos portadores de
sofrimento psíquico, a maioria dos entrevistados detiveram-se as condições de
infraestrutura, melhorando o número de serviços de saúde mental, a estrutura
física dos locais de atendimento, o abastecimento de remédios, o número de
profissionais, como podemos ver nas falas:
melhorar a assistência, os serviços [...]. Tem que existir uma ponte entre o HJM e o CAPS (Profissional Redinha).
86
melhorar a assistência no CAPS, pois com isso não sobrecarrega o HJM (Profissional Barreta). que os familiares e usuários tenham suporte na rede, que sejam incluídos na sociedade, tendo assistência em todos os setores da saúde, sem sofrer discriminação (Profissional Tabatinga).
Nestas falas podemos observar a relação do que foi dito com o conceito
ampliado de saúde, que enfatiza, que saúde não é apenas como a ausência de
doença. Fundamentado pela Reforma Sanitária, Reforma Psiquiátrica e,
também atual legislação brasileira do SUS, a definição de saúde encontra-se
ampliada, considerando-a resultado de vários fatores determinantes e
condicionantes, como alimentação, moradia, meio ambiente, trabalho, renda,
educação, transporte, entre outros. Assim, as gestões municipais do SUS
devem desenvolver ações conjuntas com outros setores governamentais que
possam contribuir, direta ou indiretamente, para a promoção de melhores
condições de vida e da saúde para a população (BRASÍLIA, 2004). Nestas
situações que colaborem com a melhoria da saúde e da qualidade de vida dos
usuários, através da articulação da rede de serviços que deve ser garantida
pelo princípio da intersetorialidade, além da política de saúde, as demais
políticas sociais, para que o usuário possa acessar serviços de melhor
qualidade, resolutivos e ter a assistência na rede de saúde e saúde mental,
evitando assim a hospitalização desnecessária.
Outros pontos abordados foram em relação à melhoria das condições
sociais (saúde, trabalho, habitação, etc.), pois estes são totalmente
desprovidos de direitos. Destacando a importância da rede,
a rede funcione para dar suporte, garantindo o tratamento e a universalização do acesso, e que perpasse no contexto familiar (Profissional Upanema).
escuta qualificada, tentando reorganizar sua rotina e inseri-lo num ambiente familiar. Oferecer oportunidades para eles sentirem-se úteis e integrantes de uma sociedade (Profissional Jacumã). trabalho intenso com a família e a sociedade visando quebrar os estigmas perante a doença mental; suporte da família / acolhimento com os indivíduos portadores; aumento de oportunidades (trabalho, por exemplo) para esta população (Profissional Genipabu).
87
Referindo-se a participação da família no tratamento, todos os
entrevistados afirmam ser muito importante quando ocorre a integração da
família ao tratamento, seja ele no hospital ou em serviços extra-hospitalares, é
fundamental, pois é a família que lida diretamente com o portador de
sofrimento psíquico. Percebem que os usuários que tem o suporte familiar
apresentam melhores resultados em seu tratamento, há uma melhora
expressiva com esta presença. Já que a família contribui com o processo de
retirada da crise, de conduzir o usuário a rede de saúde mental e com a
medicalização e os meios para melhorar seu bem estar (lazer, cultura, ...).
Foi reconhecido o incentivo a participação familiar por parte do Serviço
Social. Contudo, devemos nos atentar aos motivos sociais externos (famílias
de baixa renda, famílias que moram no interior, etc.) que interferem nessa
participação, como fala o entrevistado logo abaixo, e não na culpabilização da
família.
O Serviço Social abre visita para que haja a participação, mas as condições precárias da família interferem nessa participação (Profissional Pipa).
Referindo-se ao trabalho desenvolvido pelo Serviço Social, todos o
consideram também importante para o hospital, até afirmam ser o serviço mais
solicitado pelos usuários e de maior demanda na instituição, sendo o setor que
informa sobre os direitos dos usuários, a rede de atendimento.
o Serviço Social é a porta de entrada e de saída dos pacientes e seus familiares (Profissional Pititinga).
O exercício profissional do Assistente Social ganha destaque no local de
atuação, neste caso o HJM, devido as suas competências gerais serem
fundamentais à compreensão do contexto sócio-histórico em que situa-se a
intervenção por um viés da análise crítica da realidade. E das suas
competências e atribuições específicas necessárias ao confronto das situações
e demandas sociais postas no cotidiano. Por exemplo, é competência deste
profissional encaminhar providências e prestar orientação social a indivíduos,
grupos e à população; orientar indivíduos e grupos de vários segmentos sociais
visando a garantia de direitos (CFESS, 2010).
88
Todavia, este profissional encontra-se cada vez mais sobrecarregado,
pois, há uma precarização no trabalho do Assistente Social, devido à
diminuição do quadro profissional. Há muitas profissionais afastadas ou se
ausentando do trabalho com frequência (aproximadamente seis assistentes
sociais), por motivo de doença, por estarem perto de se aposentar, e se
encontram com problemas de saúde, por causa do tempo de trabalho (sistema
de plantões, rotina de trabalho, etc.). Encontramos então a precarização do
trabalho do assistente social, havendo uma sobrecarga das assistentes sociais
que estão trabalhando, e como são poucos não conseguem realizar todas as
demandas e surgem lacunas no trabalho.
Todos os profissionais que entrevistamos afirmou conhecer a Reforma
Psiquiátrica e explanaram bem sobre o que consiste esta reforma. Referiram-
se às mudanças e ao avanço no tratamento em saúde mental, na criação dos
serviços substitutivos, uns falaram na extinção dos hospitais psiquiátricos, da
desinstitucionalização, mas outros já discordaram dessa extinção. No mais,
deixam claro que foi um episódio que veio para contribuir com a humanização
da saúde mental.
a reforma é um processo de desinstitucionalização e desconstrução de conceitos e práticas de exclusão, segregação e ‘aprisionamento’ do portador de transtorno mental (Profissional Tabatinga).
Quando questionadas acerca da influência do ambiente hospitalar na
postura dos familiares diante o tratamento dos portadores de sofrimento
psíquico, e a maioria respondeu que influenciava. E uma das entrevistadas
explanou bem dizendo que:
acredito que não só o ambiente hospitalar como a própria estrutura hospitalar influencia na postura dos familiares que às vezes evitam está presentes em um local como este (até mesmo por preconceito), o que influencia diretamente e negativamente no tratamento do indivíduo que tem suas relações socioafetivas cortadas (Profissional Genipabu).
A inserção da família no âmbito da saúde mental, em especial em
hospitais psiquiátricos, foi um dos muitos avanços conquistados na área
psíquica. Comprovando que a presença da família e de uma equipe
89
multiprofissional no Hospital Dr. João Machado, incluindo o Serviço Social,
influencia no tratamento do portador de sofrimento psíquico, e este se torna
cada vez mais eficaz, resolutivo e terapêutico.
Neste trabalho, muitas dificuldades surgem devido a estrutura ainda
asilar do hospital, que dificulta atividades em grupo, inibe a participação dos
familiares; a falta de articulação com a rede de atendimento do estado do Rio
Grande do Norte; a precária rede de atendimento, a ausência de investimento
no setor público, entre outros. Mas, notamos que com a participação desses
dois elementos (família e Serviço Social) podemos ter um tratamento um pouco
mais humano e assim procurar sempre avançar na busca pelo direito a saúde
de qualidade, gratuita e universal dos portadores de sofrimento psíquico.
90
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O referido trabalho almejou, mesmo com todos os limites postos a
execução de um estudo monográfico, contribuir com algumas reflexões acerca
da Reforma Psiquiátrica, e as novas concepções e abordagens em torno do
sofrimento psíquico na sociedade moderna atual. Assinalando os limites,
desafios e possibilidades de inserção da família e do Serviço Social no
tratamento do portador de sofrimento psíquico mediante uma conjuntura
mercadológica.
A produção deste trabalho foi muito desafiadora, devido o campo da
saúde mental ser bastante complexo. Todavia, esta atividade, nos permitiu uma
melhor compreensão acerca do assunto em foco e, portanto, uma ampliação
do conhecimento, principalmente no que se refere ao público que o assistente
social lida, e como se dá o fazer profissional desse profissional nesse espaço
sócio-ocupacional. Assim, durante a produção do trabalho, houve a
preocupação em realizar relevantes discussões para a área da saúde e da
saúde mental.
A partir disso, houve a compreensão de quanto o movimento pela
Reforma Psiquiátrica foi importante, que ao surgir na década de 1970, logo
após o surgimento da Reforma Sanitária e como resultante desta, tinha como
propósito interrogar os eixos do modelo hospitalocêntrico que fundamentado
pela psiquiatria tradicional, baseava-se em aspectos psicobiológicos. Os
tratamentos eram centralizados no ambiente hospitalar, manicomial, eram
precários e isolavam o indivíduo da sociedade. Assim, aumentando cada vez
mais o preconceito e o estigma em torno das pessoas com sofrimento psíquico.
Assim, diante da precariedade da saúde mental, o movimento pela
Reforma Psiquiátrica vem propor uma nova linha de tratamento, para se
construir um novo modelo de atenção à saúde mental, fundamentado na
desinstitucionalização e humanização.
O mais novo paradigma de atenção à saúde mental proposto acima
organiza-se em meio à comunidade, com a participação dos usuários e
familiares, correspondendo ao conceito ampliado de saúde, como também,
91
admitindo a influência direta dos determinantes sociais no processo saúde-
doença, passando a ver a loucura pelos seus aspectos biopsicossociais.
Assim, com a mudança no modo de ver a loucura, a reforma psiquiátrica deseja
imensamente que a sociedade modifique o meu modo de agir, pensar a saúde
mental.
Essas mudanças refletem também na dinâmica do hospital Dr. João
Machado, na cultura da família e dos portadores de sofrimento psíquico e no
fazer profissional do assistente social. Com a política do hospital modificada,
houve como resultado de luta do Serviço Social, a abertura da visita ao usuário,
consequentemente a inserção dos familiares no acompanhamento do
tratamento, que já vem desmistificando a cultura asilar; e assim, uma melhor
recuperação do portador de sofrimento psíquico.
Ao observar esse contexto, elaboramos esse trabalho com o intuito de
aproximar-se desses elementos e pesquisar sobre as contribuições da família e
do Serviço Social na recuperação da saúde da pessoa com sofrimento psíquico
que estaria internado no HJM. E chegamos aos seguintes resultados: que tanto
os familiares quanto os usuários e os profissionais da saúde entrevistados vem
a família e o Serviço Social como fundamentais ao tratamento do portador de
sofrimento psíquico, que estes contribuem bastante para a recuperação.
A família exerce a função do cuidado, apoio, de intermediadora. É ela
que conduz o portador de sofrimento psíquico aos serviços substitutivos para
este dar continuidade ao tratamento, responsável por ministrar a medicação,
quem o leva para o hospital no momento de crise. Entretanto a instituição
familiar, seja de qual for a configuração, enfrenta muitas dificuldades. Para
começar pela ausência do Estado, colocando sobre ela toda a
responsabilidade com o usuário que também pertence a ele. O transporte
deficitário, o fato de morar longe e de ser baixa renda impossibilita a visita. O
número expressivo de mulheres chefiando a família e tendo que exercer vários
papéis, ficando sobrecarregada de atividades e, assim se ausentando um
pouco do acompanhamento ao tratamento, pela necessidade de cuidar dos
demais integrantes da família e de prover o sustento.
No que se refere às contribuições do Serviço Social é possível afirmar
que o seu fazer profissional é fundamentado nos princípios da reforma
92
psiquiátrica, e do projeto profissional. Procura informar e conduzir o usuário à
rede de atendimento, lutando pela desinstitucionalização, pelo tratamento
humanizado, com a presença dos familiares, viabilizando a efetivação dos
direitos. Mas, também aos assistentes sociais enfrentam dificuldades, pois
encontram-se sobrecarregados de atividades, há a precarização do trabalho,
onde faltam recursos para exercer atividades. Pela influência do neoliberalismo
na saúde, onde há a valorização de investimento no setor privado, a ausência e
falta de recursos no setor público.
Ao realizarmos o estágio curricular obrigatório em Serviço Social no HJM
em 2012, foi possível estabelecer a aproximação mais concreta com a área da
saúde mental, bem como, o fazer profissional do assistente social nesse
espaço sócio-ocupacional e a inserção da família nesse campo. E, podemos
afirmar através desse contato e da coleta de dados que mesmo com todos
esses entraves, a família e o Serviço Social contribuem significativamente para
o processo de recuperação e inserção do portador de sofrimento psíquico na
sociedade.
Uma dimensão muito importante que deve ser observada é em relação a
precaução para que o atendimento à família não se detenha ao caráter
assistencialista e paternalista. Sempre frisarmos que os membros da família
são cidadãos, com direitos e deveres. E, também temos cuidado para não
cairmos no discurso da culpabilização da família, sempre observando os meios
sociais que influenciam em suas atitudes e que ela também precisa de cuidado,
assistência para poder dar conta de seu papel.
Todo esse processo, iniciando pelo estágio, seguindo com o projeto de
intervenção, foi muito importante para a formação acadêmica e profissional.
Nesse percurso, podemos observar que tudo o que foi estudado durante a
formação acadêmica estava colocado na prática. Através da aproximação (com
o fazer profissional dos assistentes sociais, o trabalho com a família, os
usuários, a intermediação de direitos, entre outros), proporcionada pelo estágio
e intervenção e, sendo colocado em prática com essa produção acadêmica.
Com este trabalho acreditamos estar contribuindo de acordo com os
princípios da Reforma Psiquiátrica para a área da Saúde Mental, onde nota-se
a necessidade de mais produções, estudos, pesquisas e publicações do
93
Serviço Social neste vasto campo de atuação, que em sua complexidade,
demonstra o quanto ainda precisa ser explorado (BISNETO, 2011), e estar
fortalecendo a atuação do assistente social no Hospital Dr. João Machado,
junto à família, os usuários e outros profissionais.
94
95
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Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu - MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010. MELMAN, Jonas. Repensando o cuidado em relação aos familiares de pacientes com transtorno mental. São Paulo, Universidade de São Paulo, 1998. Dissertação de Mestrado. MELMAN, Jonas. Família e Doença Mental: repensando a relação entre profissionais de saúde e familiares. 3. ed. São Paulo: Escrituras, 2008. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1988 – 1ª conferencia de saúde mental. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1994. – 2ª conferencia de saúde mental. MORENO, Vânia e ALENCASTRE, Márcia Bucchi. A trajetória da família do portador de sofrimento psíquico. Revista Escola de Enfermagem da USP. São Paulo: USP, p. 43-50, 2003. NEDER, G. Trajetórias familiares. Florianópolis: 1996. (mimeo)
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101
PIMENTA, Eliane de Souza. A relação das famílias no tratamento do portador de transtorno mental realizado no Centro de Atenção Psicossocial: uma perspectiva institucionalista / Eliane de Souza Pimenta.
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RESENDE, Heitor. Política de Saúde Mental no Brasil: uma visão histórica. In: COSTA, N. R.; TUNDIS, S. A. (Org.). Cidadania e Loucura: políticas de saúde
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ROBAINA, Conceição Maria. Vaz O Trabalho do Serviço Social nos Serviços Substitutivos de Saúde Mental. Palestra proferida no Seminário Nacional de Serviço Social na Saúde, promovido pelo CFESS na Plenária simultânea “Política de Saúde Mental e os Serviços Substitutivos aos Hospitais Psiquiátricos: a inserção de assistentes sociais”. Olinda: CFESS /CRESS 4a Região, jun. 2009. (mimeo).
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103
APÊNDICES
104
APÊNDICE A
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Centro de Ciências Sociais Aplicadas
Departamento de Serviço Social
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Este documento visa solicitar sua participação na Pesquisa “A Família e o
Serviço Social na recuperação do Portador de Transtorno Psíquico no Hospital Dr. João
Machado”, que tem como objetivo analisar as contribuições da família e do Serviço
Social na recuperação da Saúde do Portador de Sofrimento Psíquico no Hospital Dr.
João Machado. Será desenvolvido pela (o) acadêmica (o) Larissa Mota Baracho, sob
orientação da Profª Drª Edla Hoffmann, CRESS 4281, docente do curso de Serviço
Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Sua colaboração é fundamental para compor as informações da pesquisa,
possibilitando maior visibilidade a este espaço sócio-ocupacional e ao tratamento dos
portadores de sofrimento psíquico junto à família e ao Serviço Social, visando
contribuir para o desenvolvimento científico na área do Serviço Social no Hospital
Doutor João Machado e a qualificação do processo de recuperação do portador de
sofrimento psíquico nesse espaço sócio-ocupacional. Os dados da pesquisa estarão à
disposição na universidade ao término da pesquisa, previsto para junho de 2013.
Levando em consideração que este estudo visa à coleta de dados de informações
sobre a importância da família e do Serviço Social na recuperação do portador de
sofrimento psíquico, não se espera que você tenha nenhum desconforto ou prejuízo
decorrente de sua participação, porque a pesquisa e as questões a responder oferecem
riscos mínimos. A pesquisa não oferece riscos à integridade física, moral e social dos
sujeitos, ao patrimônio físico e/ou financeiro da instituição. Entretanto, como forma de
minimizar os riscos todo cuidado será tomado para que você não sinta-se constrangida
(o) em responder alguma questão, tendo o sigilo, a privacidade e o anonimato
garantido. Na abordagem para realização da coleta de dados será contemplada a
preocupação em estabelecer a interação, os vínculos, um ambiente de confiança, onde a
entrevistadora irá esclarecer os objetivos do estudo, a importância da pesquisa e a
105
relevância da participação da entrevistada, cuidados éticos, sigilo explicitado neste
termo.
As informações obtidas de cada participante são confidenciais e somente serão
usadas com propósito científico. Os pesquisadores e os membros envolvidos neste
estudo terão acesso aos arquivos dos participantes, para verificação de dados, sem,
contudo, violar a confidencialidade.
Embora não estejam previstos riscos à integridade física dos sujeitos, ao
patrimônio físico e financeiro da instituição, os pesquisadores se comprometem a
ressarcir e/ou indenizar qualquer prejuízo desde que devidamente comprovado. Do
mesmo modo, que caso haja dano comprovado decorrente da participação na pesquisa, o
voluntário tem direito a receber indenização caso solicite.
Este estudo contempla a realização de etapas importantes para seu
desenvolvimento, inicia com a revisão bibliográfica, seguida da apresentação do projeto
a instituição e sua submissão ao Comitê de Ética, para então realizarmos a testagem do
instrumento, entrevista, coleta de dados propriamente dita, por fim, a sistematização e
análise dos dados, elaboração do Relatório de Pesquisa, Entrega do mesmo e
apresentação dos resultados. Chamamos a atenção que você precisa consentir sua
participação na realização da testagem do instrumento e entrevista propriamente dita. A
assinatura deste termo de consentimento formaliza sua autorização para o
desenvolvimento de todos os passos anteriormente apresentados.
Por intermédio deste termo são garantindo-lhes os direitos de: retirar seu
consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo sem que isto me
traga qualquer prejuízo; solicitar, a qualquer tempo, maiores esclarecimentos sobre esta
Pesquisa entrando em contato com a acadêmica pesquisadora (Telefone Celular: 084 -
8846-5786) ou sua orientadora (Telefone Celular: 084 - 9672 7424); ser devidamente
esclarecido sobre os objetivos da pesquisa acima mencionada de maneira clara e
detalhada; sigilo absoluto sobre seus dados pessoais; a ampla possibilidade de negar-se
a responder quaisquer questões ou a fornecer informações que julguem prejudiciais a
sua integridade física, moral e social.
“Declaro estar ciente das informações constantes neste ‘Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido’, entendendo que serei
resguardado pelo sigilo absoluto de meus dados pessoais e de
minha participação na Pesquisa; poderei retirar meu
106
consentimento a qualquer momento e deixar de participar do
estudo sem que isto me traga qualquer prejuízo poderei pedir, a
qualquer tempo, esclarecimentos sobre esta Pesquisa; que fui
devidamente esclarecido sobre os objetivos da pesquisa acima
mencionada de maneira clara e detalhada; recusar a dar
informações que julgue prejudiciais a minha pessoa. Permito a
gravação de minha entrevista, que será transcrita, lida e utilizada
na referida pesquisa de forma integral ou em partes, sem
restrições de prazos e citações, a partir da presente data. As
informações são de responsabilidade do pesquisador. Abdico
direitos autorais meus e de meus descendentes, subscrevendo o
presente termo”.
Natal (RN), ____ de ______________ de 2013.
Participante: _______________________________
Assinatura: ________________________________
Pesquisadora: ____________________________________
107
APÊNDICE B
INSTRUMENTO DE PESQUISA
ROTEIRO DE ENTREVISTA - FAMILIARES
01. Data:
02. Entrevista n° ____.
03. Entrevistado:
04. Profissão do entrevistado:
05. Sexo:
06. Grau de escolaridade:
( ) não alfabetizado;
( ) alfabetização;
( ) ensino fundamental;
( ) ensino médio;
( ) ensino superior;
( ) pós-graduação.
07. Grau de Parentesco com o usuário:
08. Composição Familiar:
( ) Nenhum;
( ) 01 a 03 pessoas;
( ) 04 a 10 pessoas;
( ) acima de 10 pessoas.
09. Renda mensal:
( ) Nenhuma;
( ) 1 Salário Mínimo;
( ) 2 a 3 Salários Mínimos;
( ) 4 a 10 Salários Mínimos;
( ) acima de 10 Salários Mínimos.
10. Condição de moradia
( ) casa própria;
( ) alugada;
( ) cedida
108
RELATIVO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA
11. Você visita seu familiar portador de transtorno mental quando ele está internado
aqui no Hospital Dr. João Machado? Com que frequência? Caso se ausenta, por
quê?
12. O que você acha que é preciso fazer para melhorar as condições de vida dos
portadores de transtornos mentais?
13. Como você ver a participação ou não da família no tratamento dos usuários
portadores de sofrimento psíquico?
14. Como você avalia o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social no Hospital
Doutor João Machado com os familiares e usuários?
16. Você já ouviu falar em Reforma Psiquiátrica? Se sim, o que sabe sobre ela?
17. Você acha que o ambiente hospitalar influencia na postura dos familiares diante
o tratamento do portador do sofrimento psíquico.
18. Você acha que seu familiar portador de transtorno mental seria mais bem
tratado:
( ) em casa, com a família;
( ) ambulatório de Saúde Mental;
( ) CAPES;
( ) Residência Terapêutica;
( ) no Hospital Doutor João Machado.
19. Qual a profissão do seu familiar Portador de Transtorno Mental?
____________________. Ativo ( ). Inativo ( ).
20. Renda:
( ) Nenhuma;
( ) 01 Salário Mínimo;
( ) 02 a 03 Salários Mínimos;
( ) 04 a 10 Salários Mínimos;
( ) acima de 10 Salários Mínimos.
21. Direitos Previdenciários:
( ) Aposentadoria;
( ) Benefício;
( ) Pensionista;
( ) Nenhum.
109
22. Os rendimentos são recebidos por terceiros? ( ) Sim; ( ) Não.
Quem recebe: _______________________________________.
( ) Curador;
( ) Procurador;
( ) Sem vínculo.
23. Qual o papel do paciente na família?
( ) Pai;
( ) Mãe;
( ) Filho/Filha;
( ) Irmão;
( ) Outros.
24. Quem é a pessoa que cuida com mais frequência do paciente?
25. As pessoas da família tem medo do paciente?
26. Por quê o encaminharam para o Internamento?
27. Aceita a Internação? ( ) Sim; ( ) Não; Número de Internações: __________.
Por quê?_________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
28. Quando o paciente está em casa, quem cuida dele? Quem cuida da medicação?
29. O usuário tem um lugar próprio para dormir?
30. O usuário faz sua higiene sozinho?
32. Quais as habilidades de trabalho demonstradas pelo paciente?
33. Com quem o paciente se relaciona melhor em casa?
34. Tem outro familiar com Transtorno Mental em casa?
110
ROTEIRO DE ENTREVISTA - USUÁRIOS
01. Data:
02. Entrevista n° ____.
03. Entrevistado:
04. Profissão do entrevistado:
05. Sexo:
06. Grau de escolaridade:
( ) não alfabetizado;
( ) alfabetização;
( ) ensino fundamental;
( ) ensino médio;
( ) ensino superior;
( ) pós-graduação.
07. Grau de Parentesco com o usuário:
08. Composição Familiar:
( ) Nenhum;
( ) 01 a 03 pessoas;
( ) 04 a 10 pessoas;
( ) acima de 10 pessoas.
09. Renda mensal:
( ) Nenhuma;
( ) 1 Salário Mínimo;
( ) 2 a 3 Salários Mínimos;
( ) 4 a 10 Salários Mínimos;
( ) acima de 10 Salários Mínimos.
10. Condição de moradia
( ) casa própria;
( ) alugada;
( ) cedida
111
RELATIVO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA
11. Seu familiar te visita quando está internado aqui no Hospital Dr. João Machado?
Com que frequência? Caso se ausenta, por quê?
12. O que você acha que é preciso fazer para melhorar suas condições de vida?
13. Como você ver a participação ou não da família no seu tratamento?
14. Como você avalia o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social no Hospital
Doutor João Machado com os familiares e com você?
16. Você já ouviu falar em Reforma Psiquiátrica? Se sim, o que sabe sobre ela?
17. Você acha que o ambiente hospitalar influencia na postura dos familiares diante
o tratamento do portador do sofrimento psíquico?
18. Você acha ser mais bem tratado:
( ) em casa, com a família;
( ) ambulatório de Saúde Mental;
( ) CAPES;
( ) Residência Terapêutica;
( ) no Hospital Doutor João Machado.
19. Renda:
( ) Nenhuma;
( ) 01 Salário Mínimo;
( ) 02 a 03 Salários Mínimos;
( ) 04 a 10 Salários Mínimos;
( ) acima de 10 Salários Mínimos.
20. Direitos Previdenciários:
( ) Aposentadoria;
( ) Benefício;
( ) Pensionista;
( ) Nenhum.
21. Quem é a pessoa que cuida com mais frequência de você?
22. As pessoas da família tem medo de você?
23. Por quê o encaminharam para o Internamento?
24. Aceita a Internação? ( ) Sim; ( ) Não; Número de Internações: __________.
Por quê?_________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
112
25. Quando está em casa, quem cuida de você? Quem cuida da medicação?
26. Quais as habilidades de trabalho demonstradas pelo paciente?
27. Com quem você se relaciona melhor em casa?
28. Tem outro familiar com Transtorno Mental em casa?
113
ROTEIRO DE ENTREVISTA – TÉCNICO
01. Data:
02. Entrevista n° ____.
03. Entrevistado:
04. Profissão do entrevistado:
05. Sexo:
06. Profissão: _____________________
RELATIVO AOS OBJETIVOS DA PESQUISA
07. O que você acha que é preciso fazer para melhorar suas condições de vida dos
portadores de sofrimento psíquico?
08. Como você ver a participação ou não da família no tratamento dos portadores de
sofrimento psíquico?
09. Como você avalia o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social no Hospital
Doutor João Machado com os familiares e com você?
10. Você já ouviu falar em Reforma Psiquiátrica? Se sim, o que sabe sobre ela?
11. Você acha que o ambiente hospitalar influencia na postura dos familiares diante
o tratamento do portador do sofrimento psíquico?
114
ANEXOS
115
ANEXO A
LEI No 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001.
Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Os direitos e a proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, de que trata
esta Lei, são assegurados sem qualquer forma de discriminação quanto à raça, cor, sexo, orientação sexual, religião, opção política, nacionalidade, idade, família, recursos econômicos e ao grau de gravidade ou tempo de evolução de seu transtorno, ou qualquer outra.
Art. 2o Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Art. 3o É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a
assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os
recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
116
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em
seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer
assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições
com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e
que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
Art. 5o O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de
grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a continuidade do tratamento, quando necessário.
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico
circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I - internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II - internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III - internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Art. 7o A pessoa que solicita voluntariamente sua internação, ou que a consente, deve
assinar, no momento da admissão, uma declaração de que optou por esse regime de tratamento.
Parágrafo único. O término da internação voluntária dar-se-á por solicitação escrita do paciente ou por determinação do médico assistente.
Art. 8o A internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico
devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina - CRM do Estado onde se localize o estabelecimento.
§ 1o A internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser
comunicada ao Ministério Público Estadual pelo responsável técnico do estabelecimento no qual tenha ocorrido, devendo esse mesmo procedimento ser adotado quando da respectiva alta.
§ 2o O término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou
responsável legal, ou quando estabelecido pelo especialista responsável pelo tratamento.
Art. 9o A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo
juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários.
Art. 10. Evasão, transferência, acidente, intercorrência clínica grave e falecimento serão comunicados pela direção do estabelecimento de saúde mental aos familiares, ou ao representante legal do paciente, bem como à autoridade sanitária responsável, no prazo máximo de vinte e quatro horas da data da ocorrência.
117
Art. 11. Pesquisas científicas para fins diagnósticos ou terapêuticos não poderão ser realizadas sem o consentimento expresso do paciente, ou de seu representante legal, e sem a devida comunicação aos conselhos profissionais competentes e ao Conselho Nacional de Saúde.
Art. 12. O Conselho Nacional de Saúde, no âmbito de sua atuação, criará comissão nacional para acompanhar a implementação desta Lei.
Art. 13. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 6 de abril de 2001; 180o da Independência e 113
o da República.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO Jose Gregori José Serra Roberto Brant
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 9.4.2001
118
ANEXO B
LEI No 10.708, DE 31 DE JULHO DE 2003.
Institui o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais egressos de internações.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Fica instituído o auxílio-reabilitação psicossocial para assistência,
acompanhamento e integração social, fora de unidade hospitalar, de pacientes acometidos de transtornos mentais, internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, nos termos desta Lei.
Parágrafo único. O auxílio é parte integrante de um programa de ressocialização de pacientes internados em hospitais ou unidades psiquiátricas, denominado "De Volta Para Casa", sob coordenação do Ministério da Saúde.
Art. 2o O benefício consistirá em pagamento mensal de auxílio pecuniário, destinado aos
pacientes egressos de internações, segundo critérios definidos por esta Lei.
§ 1o É fixado o valor do benefício de R$ 240,00 (duzentos e quarenta reais), podendo ser
reajustado pelo Poder Executivo de acordo com a disponibilidade orçamentária.
§ 2o Os valores serão pagos diretamente aos beneficiários, mediante convênio com
instituição financeira oficial, salvo na hipótese de incapacidade de exercer pessoalmente os atos da vida civil, quando serão pagos ao representante legal do paciente.
§ 3o O benefício terá a duração de um ano, podendo ser renovado quando necessário aos
propósitos da reintegração social do paciente.
Art. 3o São requisitos cumulativos para a obtenção do benefício criado por esta Lei que:
I - o paciente seja egresso de internação psiquiátrica cuja duração tenha sido, comprovadamente, por um período igual ou superior a dois anos;
II - a situação clínica e social do paciente não justifique a permanência em ambiente hospitalar, indique tecnicamente a possibilidade de inclusão em programa de reintegração social e a necessidade de auxílio financeiro;
III - haja expresso consentimento do paciente, ou de seu representante legal, em se submeter às regras do programa;
IV - seja garantida ao beneficiado a atenção continuada em saúde mental, na rede de saúde local ou regional.
§ 1o O tempo de permanência em Serviços Residenciais Terapêuticos será considerado
para a exigência temporal do inciso I deste artigo.
§ 2o Para fins do inciso I, não poderão ser considerados períodos de internação os de
permanência em orfanatos ou outras instituições para menores, asilos, albergues ou outras instituições de amparo social, ou internações em hospitais psiquiátricos que não tenham sido
119
custeados pelo Sistema Único de Saúde - SUS ou órgãos que o antecederam e que hoje o compõem.
§ 3o Egressos de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico poderão ser igualmente
beneficiados, procedendo-se, nesses casos, em conformidade com a decisão judicial.
Art. 4o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será suspenso:
I - quando o beneficiário for reinternado em hospital psiquiátrico;
II - quando alcançados os objetivos de reintegração social e autonomia do paciente.
Art. 5o O pagamento do auxílio-reabilitação psicossocial será interrompido, em caso de
óbito, no mês seguinte ao do falecimento do beneficiado.
Art. 6o Os recursos para implantação do auxílio-reabilitação psicossocial são os referidos
no Plano Plurianual 2000-2003, sob a rubrica "incentivo-bônus", ação 0591 do Programa Saúde Mental n
o 0018.
§ 1o A continuidade do programa será assegurada no orçamento do Ministério da Saúde.
§ 2o O aumento de despesa obrigatória de caráter continuado resultante da criação deste
benefício será compensado dentro do volume de recursos mínimos destinados às ações e serviços públicos de saúde, conforme disposto no art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Art. 7o O controle social e a fiscalização da execução do programa serão realizados pelas
instâncias do SUS.
Art. 8o O Poder Executivo regulamentará o disposto nesta Lei.
Art. 9o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 31 de julho de 2003; 182o da Independência e 115
o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Humberto Sérgio Costa Lima Ricardo José Ribeiro Berzoini
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 1º.8.2003
120
ANEXO C
121
122
123