Post on 02-Feb-2019
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO
RITA DE CÁCIA LÓ
ATALIA RAINHA DE JUDÁ LEITURA EXEGÉTICA E HISTÓRICA DE 2REIS 11,1-3.13-16
SÃO BERNARDO DO CAMPO 2006
RITA DE CÁCIA LÓ
ATALIA RAINHA DE JUDÁ LEITURA EXEGÉTICA E HISTÓRICA DE 2REIS 11,1-
3.13-16
Dissertação apresentada ao curso de Pós-Graduação, Universidade Metodista de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Ciências da Religião.
Orientador Prof. Dr. Milton Schwantes
SÃO BERNARDO DO CAMPO 2006
FICHA CATALOGRÁFICA
Ló, Rita de Cácia
Atalia rainha de Judá : leitura exegética e histórica de 2Reis 11,1-3.13-16 /
Rita de Cácia Ló. São Bernardo do Campo, 2006.
109 p.
Dissertação (Mestrado)
Universidade Metodista de São Paulo,
Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, curso de Pós-Graduação em
Ciências da Religião.
Agradeço...
ao Senhor, doador da vida.
ao Prof. Dr. Milton Schwantes, por orientar este trabalho, por ter acreditado e
incentivado.
ao Dr. Cássio Murilo Dias da Silva, pela amizade, pela acolhida e pelas
orientações nas reflexões.
a Geraldina, minha mãe e amiga, por entender minhas ausências.
Ló, Rita de Cácia. Atalia rainha de Judá - Leitura Exegética e Histórica de 2Rs 11,1-3.13-16.
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2006.
Sinopse
Esta pesquisa busca reconstruir um período da história de Israel
os seis anos de
governo da Rainha Atalia, em Judá (841-836 aC)
tendo como base a análise exegética e
histórica de 2Rs11,1-3.13-16. O cenário e o estilo de 2Rs 11 permitem afirmar que o autor
pertencia ao círculo dos escribas da corte ou da instituição religiosa. A pesquisa recorre às
ocorrências dos termos rainha-mãe e gebirah, presentes no Antigo Testamento, e às
contribuições das tradições dos países vizinhos, a fim de explicar a ascensão de Atalia ao
trono de Judá. Atalia ocupou a função de rainha-mãe. Com isso competia-lhe a importante
função de cuidar da estabilidade da realeza e, eventualmente, exercer a regência até que a
ocupação por direito se tornasse viável. Atalia foi soberana por seis anos em Judá. Para
manter-se tanto tempo no poder, Atalia contou com forças aliadas, ou seja, um grupo que a
garantiu no trono. Atalia é filha da casa de Omri com mãe israelita de fé javista. A vinda de
Atalia para Jerusalém é resultado de um período de paz entre os dois reinos irmãos. A
durabilidade de seu governo deve-se, não a atos de beligerância, e provavelmente sim à sua
exemplar administração, baseada principalmente na atividade comercial, favorecida pela
posição estratégica de Jerusalém no cruzamento de importantes rotas comerciais da época.
Atalia estava preparada para liderar um país com metas no comércio internacional.
Ló, Rita de Cácia. Atalia Queen of Judah - Reading Exegetic and Historical of 2Kgs11,1-
3.13-16. Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2006.
Abstract
This research intends to reconstruct a period of Israel s history
the six years of
Queen Athaliah government, in Judah (841-836 aC)
having as it basis the exegetic and
historical analyses of 2Kgs11,1-3.13-16. The scenery and style of the 2Kgs 11 allow to affirm
that the author belonged to the circle of the scribes from the court or from the religious
institution. The research falls back upon the occurrences of the mother-queen and gebirah
terms, present on the Old Testament, and to the contributions of the traditions from the
surrounding countries, in order to explain the ascension of Athaliah to the throne of Judah.
Athaliah held the function of mother-queen. Therefore, she had the important function of
taking care of the royalty and, eventually, exercise the regency until the direct occupation
becomes practicable. Athaliah was sovereign in Judah for six years. To keep herself in the
power for so long, Athaliah counted with allied forces, a group that ensured her on the throne.
Athaliah is daughter of Omri s house with Israelite mother of jahwist faith. The coming of
Athaliah to Jerusalem is a result of a period of peace between the two brother kingdoms. The
durability of her government is attributed not to the acts of belligerence, but probably to her
exemplar administration, based mainly on the commercial activity, favored by the strategic
position of Jerusalem in the crossing of important commercial routes of the time. Athaliah
was ready to lead a country with goals on the international trade.
Ló, Rita de Cácia. Atalia Reina en Judea - Lectura Exegética e Histórica de 2Rs 11,1-3.13-16.
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, 2006.
Sinopsis
Esta investigación pretende reconstruir um perído de la historia de Israel
los seis
años del govierno de la Reina Atalia, en Judea (841-836 aC). Teniendo como marco el
análisis exegético e histórico del 2Rs11,1-3.13-16. El cenario y el estilo del 2Rs 11 nos
permite afirmar que el autor pertencía al círculo de la escribas de la corte o de la institución
religiosa. La investigación recurre a la particular ocurrencia de los términos reina madre y
gebirah, presentes en el Antiguo Testamento, así como las contribuciones de las tradiciones
de los países vecinos con el fin de explicar la ascensión de Atalia al trono de Judea. Atalia
ejerció la función de reina madre; dentro de esta función tenía como compentencia la
importante missón de cuidar de la realeza y eventualmente ejercer la regencia hasta que la
ocupación por derecho y viabilizar su acción. Atalia gobernó durante seis años en Judea; para
mantenerse tanto tiempo en el poder contó con las fuerzas aliadas es decir con un grupo que la
afianzó en el trono. Atalia es hija de la casa de Omri su madre israelita de fe yavista. La
partida de Atalia para Jerusalén es el resultado de un periodo de paz entre los dos reinos
hermanos. La durabilidad de su gobierno se debe no a los actos de beligerancia y sí a su
ejemplar administración basada principalmente en la actividad comercial favorecida por la
posición estratégica de Jerusalén, siendo el puonto geográfico donde convergían impotantes
rutas comerciles de la época. Atalia se emcontraba preparada para liderar un país cuya meta
era el comercio internacional.
Sumário
Introdução ..............................................................................................................................11
Capítulo 1
A história de Atalia .......................................................................................14
1 - Questões sobre o texto........................................................................................................14
1.1 - A problemática do texto de 2Reis 11 ..............................................................................14
1.2 - Suspeita sobre a autoria do relato de 2Reis 11 ................................................................17
1.3 - Suspeita sobre a ausência do formulário padrão deuteronomista....................................18
2 - 2Reis 11,1-3........................................................................................................................19
2.1 - O texto hebraico ..............................................................................................................19
2.2 - Variantes..........................................................................................................................20
2.3 - Tradução..........................................................................................................................24
2.4 - Aspectos formais .............................................................................................................31
2.4.1 - 2Reis 11,1-3 como subunidade literária .......................................................................31
2.4.2 - Estruturação de 2Rs 11,1-3 ..........................................................................................32
2.4.3 - Análise da estrutura literária.........................................................................................32
2.4.4 - Quadrilátero semiótico .................................................................................................34
2.4.5 - Gênero literário.............................................................................................................35
3. - 2Reis 11,13-16...................................................................................................................38
3.1 - O texto hebraico ..............................................................................................................38
3.2 - Variantes..........................................................................................................................39
3 3 - Tradução..........................................................................................................................42
3.5 - 2Reis 11,13-16 como subunidade literária ......................................................................43
3.6 - Conteúdos ........................................................................................................................43
4 - Breve conclusão para o primeiro capítulo ..........................................................................47
Capítulo 2
Atalia na história............................................................................................48
1 - A rainha-mãe ou a gebirah .................................................................................................48
2 - Quem era o pai de Atalia? ..................................................................................................55
3 - Judá e Israel no período de Atalia ......................................................................................57
3.1 - O reino de Israel e o reinado de Omri .............................................................................58
3.2 - Os reis de Judá.................................................................................................................61
3.2.1 - Reinado de Jorão de Judá .............................................................................................61
3.2.2 - Reinado de Ocozias ......................................................................................................62
3.2.3 - Reinado de Atalia .........................................................................................................62
4 - A Fenícia ............................................................................................................................65
4.1. A origem dos fenícios .......................................................................................................65
4.2. A economia fenícia ...........................................................................................................66
4.3. Registros dos fenícios .......................................................................................................69
5 - O contexto político do golpe contra Atalia ........................................................................71
5.1 Os grupos sociais presentes em 2Reis 11 ..........................................................................71
5.1.1 -
sacerdotes ................................................................................................71
5.1.2 - oficiais de cem ..................................................................................73
5.1.3 - caritas ..........................................................................................................73
5.1.4 -
precursores ...................................................................................................74
5.1.5 -
povo da terra ........................................................................................75
5.2 - Motivações para participar do golpe ...............................................................................75
6 - A geografia econômica e política .......................................................................................76
6.1 - O estado de Judá..............................................................................................................77
6.2 - Jerusalém .........................................................................................................................79
6.3 - A geografia das rotas comerciais.....................................................................................80
6.3.1 - Caminho do Mar (Via Maris) .......................................................................................80
6.3.2 - Caminho Real (Via Real) .............................................................................................81
6.3.3 - A rota pelas serras da Cisjordânia ................................................................................82
7 - Breve conclusão para o segundo capítulo ..........................................................................82
Conclusão................................................................................................................................84
Anexos .....................................................................................................................................89
Anexo 1....................................................................................................................................90
Anexo 2....................................................................................................................................94
Anexo 3....................................................................................................................................97
Anexo 4....................................................................................................................................99
Anexo 5..................................................................................................................................100
Anexo 6..................................................................................................................................101
Anexo 7..................................................................................................................................102
Bibliografia...........................................................................................................................103
1 - Sagrada Escritura..............................................................................................................103
2 - Obras ................................................................................................................................104
3 - Artigos ..............................................................................................................................111
4 - Atlas..................................................................................................................................112
Introdução
A escolha do texto, 2Rs 11, nasceu nas aulas de História de Israel, a partir de um
trabalho sobre os reis de Israel.
Embora muitos estudiosos tenham discutido o texto de 2Rs 11, pouco foi escrito
especificamente sobre Atalia e seu reinado. Tal fato provocou o interesse de saber mais sobre
este período da história dos reis e, principalmente, tentar responder à questão: Uma mulher
poderia governar Judá?
Mas o que determinou a escolha do argumento foi o cometário feito por John Bright em
seu livro História de Israel:
Jorão, subindo ao trono, mandou matar todos os seus irmãos e seus
partidários possivelmente para eliminar futuros rivais. Embora não
haja nenhuma prova disto, é muito provável que este ato tenha tido o
mando de Atalia (ela certamente era capaz disto!), pois ela sentia que
sua posição não estava muito segura. 1
1 John Bright, História de Israel, São Paulo: Paulinas, 1981, p.336.
12
Tal observação parece não ser justa. E no entanto, muitos seguem esta mesma opinião.
No entanto, o problema não está no texto bíblico, e sim em quem tenta reconstruir a história
daquele período. Há exegetas e teólogos/as que veicularam um vasto conjunto de imagens
(resignação, silêncio, obediência, passividade, etc.), apresentado como modelo para as
mulheres. As que fogem desse modelo, tido como ideal, não servem ou são perigosas.
O fato de Atalia ter permanecido na corte de Judá mais ou menos quinze anos
desde
seu casamento, até tornar-se rainha e depois rainha-mãe
prova que é importante estudar o
texto de 2Rs 11, principalmente os v.1-3.13-16, com a preocupação específica de se
compreender o período do seu governo.
O objetivo desta pesquisa é reencontrar a história do reinado de Atalia, utilizando fontes
de informações cientificamente verificáveis. Em primeiro plano, será estudado o texto bíblico;
depois, os comentários e as pesquisas na área da História de Israel.
O ponto de partida é a versão da Bíblia Hebraica, como documento literário e histórico.
Parte-se das questões gerais do texto, para depois passar ao assunto específico deste trabalho:
o governo de Atalia. Visa-se reconstruir, quando possível, os fragmentos da história do
reinado de Atalia no segundo livro dos Reis, considerando a conjuntura dentro da qual o texto
foi escrito.
2Rs 11,1-20 subdivide-se em quatro subunidades literárias (v.1-3, v.4-12, v.13-16 e
v.17-20). Dado que a presente pesquisa tem por finalidade estudar a pessoa e o reinado de
Atalia como descritos na Bíblia Hebraica, serão estudadas somente as duas subunidades que
tratam especificamente desses dois pontos. Em outras palavras, serão discutidas duas
subunidades literárias do capítulo 11: os v.1-3, correspondentes ao período do reinado de
Atalia, e os v. 13-16, correspondentes ao fim do seu reinado.
Os resultados desta pesquisa são apresentados em dois capítulos. O primeiro capítulo,
intitulado A história de Atalia , analisa duas subunidades de 2Rs 11. Trata-se de um estudo
13
do texto da Bíblia Hebraica e de alguns problemas a ele vinculados: a crítica textual, a
organização do texto, a articulação das idéias por ele transmitidas, e uma tentativa de
determinar o gênero literário de 2Rs 11,1-3. O segundo capítulo, intitutlado Atalia na
história , discutirá várias questões acerca de uma possível biografia de Atalia e situará o
governo da rainha de Jerusalém no amplo contexto em que aconteceu, a fim de compreender
como uma mulher não-judaíta conseguiu assumir o poder e mantê-lo durante seis anos, bem
como identificar os grupos e as motivações que a depusaram.
Os anexos finais contêm uma coletânea de material que ajudam a ilustrar alguns pontos
do estudo.
Capítulo 1
A história de Atalia
Neste primeiro capítulo, serão estudadas as duas subunidades de 2Rs 11
v.1-3 e v.13-
16
em que se narra a ascensão e a queda de Atalia.
1 - Questões sobre o texto
Esta primeira parte não tem a pretensão de eliminar as dificuldades textuais de 2Rs 11,
mas exemplificar as complicações que o texto apresenta. Portanto, serão discutidos os
problemas do relato de 2Rs 11 e, ainda que brevemente, a autoria dessa história.
1.1 - A problemática do texto de 2Reis 11
A primeira questão diz respeito à conservação dos manuscritos de 2Rs 11. Levin
lamenta que o texto de 2Rs 11 tenha sido tão mal conservado. O caso mais dramático é o dos
v.5-7, em que os fatos descritos não podem ser hoje compreendidos por nenhum intérprete,
graças à corrosão e ao escurecimento do texto.1 Temos, além de manuscritos mal conservados,
um texto com inúmeras passagens que causam problemas de interpretação: as localidades
(v.2.3.6-7.14.16.18.19), a organização da guarda (v.5b-11), o cerimonial de consagração
(v.12-14), a condenação de Atalia (v.15-16.20b). Tudo isso, sem falar em uma mistura de
revolução palaciana e eventos religiosos (v.17-18).
1 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, Stuttgarter: Verlag Katholisches Bibelwerk, 1982, p.14.
15
Em segundo lugar, a narração de 2Rs 11 distancia-se, quanto à forma, dos demais
relatos sobre os reis na Obra Histórica Deuteronomista.2 Portanto, pode-se dizer que a história
da rainha-mãe Atalia, em 2 Reis 11, foge do esquema básico dos livros dos Reis e pode ser
considerada uma lacuna na história dos reis de Judá e Israel.3 Na verdade, ainda que o
narrador deuteronomista não aceite tal fato, a rainha-mãe Atalia, na metade do século IX a.C.,
em meio à revolução de Jeú, rompeu por pouco tempo a regularidade da sucessão ao trono
davídico e tomou o governo em Jerusalém. Falta ao texto uma introdução.4 A regência da
rainha-mãe não é datada. Isso, porém, não significa que a cronologia dos anos de governo dos
reis tenha sido quebrada. Na datação sincronizada do sucessor de Atalia, Joás (2Rs12,2), estão
descritos os sete anos de governo de Atalia. Na verdade, a história de Atalia é o único caso de
descontinuidade da dinastia davídica. Pode-se dizer que a forma em que foi narrada não
combina com o padrão historiográfico dos autores deuteronomistas.5
No entanto, Atalia tinha as condições mínimas para quebrar a sucessão do trono de
Davi. Por conseguinte, coloca-se em questão toda uma visão histórico-religiosa. Sem
desmerecer o enorme paradoxo que tal episódio causou aos organizadores deuteronomistas,
pergunta-se por que este reinado intermediário não foi relatado com notas curtas, como a
maioria dos governos confusos de Judá e de Efraim.
A falta dos esquemas introdutório e conclusivo, típicos dos redatores deuteronomistas,
fez com que as afirmações acerca da produção, transmissão e fixação de 2Rs 11 tenha passado
pela avaliação crítica de muitos estudiosos ao longo da história da exegese.
2 Martin North, O Deuteronomista, Revista Bíblica Brasileira, Fortaleza, Nova Jerusalém, 1994, p.132.
3 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.11.
4 Esta introdução veremos nas páginas seguintes mais detalhadamente.
5 Segundo, Christoph Levin, os redatores tentaram corrigir esse governo inesperado de Atalia, porém sabe-
se que aquele que corrige a história o faz por motivos ideológicos . Conferir Der Sturz der Königin
Atalja, p.11.
16
Já desde 1886 há exegetas segundo os quais os relatos de Atalia não teriam uma só
fonte.6
Os críticos vêem evidências de que esta narração de 2Rs 11,1-20 possui ao menos duas
fontes literárias: uma compreende os v.1-12 e os v.18b-20; a outra, abrange os v.13-18a. Estes
blocos foram unidos para formar a narrativa de 2Rs 11. A primeira fonte (v.1-12.18b-20) seria
uma narrativa orientada politicamente pelos grupos religiosos e palacianos; e a segunda (v.13-
18a), formada por uma tradição fragmentada, enfatizaria a motivação religiosa da revolta.7
Recentemente, Levin sintetizou esta linha de pesquisa e argumentou que uma narrativa
primitiva ainda é visível nos v.1-2.3b.5-6.8a.12b.13a.14b.17b.19b.20a.8 Ele acrescenta que a
narrativa data de meados do século VII a.C., e que recebeu, no mínimo, três redações
posteriores até chegar à redação atual. Para justificar a hipótese das fontes, a crítica considera,
normalmente, os seguintes fatos: em primeiro lugar, a dupla menção da morte de Atalia (v.16
e v.20); segundo, a pronúncia variável do nome de Atalia no texto (nos v.2.20, uma forma
mais longa; nos v.1.3.13.14, uma forma abreviada); terceiro, as posições dadas aos líderes
militares e aos sacerdotes (v.4-12.8b-20), em contraste com a forma popular que aparece nos
v.13-18a; quarto e último, as diferentes perspectivas ideológicas presentes na narração: uma
mais oficial e política (v.4-12.19-20) e outra mais popular e teológica (v.17-18a).9 Por
conseguinte, parece razoável considerar 2Rs 11,1-20 uma unidade formal e temática, não
obstante as diversas camadas redacionais e as várias tentativas de determiná-las.
6 Conferir Wilherm Rudolph, Die Einheitlichkeit der Erzählung vom Sturz der Atalja (2Kön 11), Festschrift
Bertholet (Tübingen: J.C.B. Nohr, 1950), p.476; Mordechai Cogan e Hayim Tadmor, II Kings - A New
Translation with Introduction and Commentary, Doubleday & Company, INC, 1988, p.131; Burke Long,
2 Kings, Grand Rapids: William B, Eerdmans Publishing Company, 1991, p.144 -156 (The Forms of the
Old Testament Literature, 10); Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, São
Bernardo do Campo, 1997, p.36.
7 Mordechai Cogan, II Kings, p.131.
8 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.11-18.
9 Burke O. 2 Kings, p.146.
17
Além disso, reconhece-se que o relato não tem como objetivo discorrer sobre Atalia ou
o seu governo, e sim narrar como Joás subiu ao trono de Judá. Isso nos autoriza a destacar os
v.1-3 e 13-16 do capítulo 11 como subunidades literárias, na busca de evidenciar a história do
reinado de Atalia, a fim de ressaltar o governo dessa mulher que, afinal, ficou na corte de Judá
cerca de quinze anos: oito, como esposa de Jorão (848-841, conferir 2Rs 8,16-24); um, como
rainha-mãe do rei Ocozias (841, conferir 2Rs 8,26); seis, como rainha (2Rs 11,3).
Os pontos acima levantados possibilitam ter uma idéia da complexidade do 2Rs 11.
Porém, pode-se ousar aceitar a suspeita de que a história de Atalia e de seu governo foi
sintetizada, a ponto de quase ser eliminada pelos redatores. Por conseguinte, faz-se necessário
investigar a que grupo social pertenceu esta narração, ou seja, a quem se pode atribuir a
autoria do relato de 2Rs 11.
1.2 - Suspeita sobre a autoria do relato de 2Reis 11
A questão da autoria de 2Rs 11 constitui um desafio para a exegese. O texto parece ser
fragmentado: ele não diz nada sobre os seis anos de governo de Atalia e fornece pouca ou
quase nenhuma informação a respeito de Joiada. Pode ser que Joiada fosse um personagem
conhecido no círculo dos redatores, o que dispensaria qualquer apresentação. Ou mesmo, que
a apresentação de Joiada fizesse parte do texto do qual os redatores deuteronomistas se
serviram para compor o breve relato sobre Atalia, e que não foi mantido no texto atual.
O episódio narrado em 2Rs 11 pertence ao mesmo contexto político-religioso das
histórias de Ocozias (2Rs 8,25-27) e de Joás (2Rs 12,1-4). Além disso, em termos literários,
2Rs 11,1 depende do relato do golpe de estado de Jeú (2Rs 9-10), no qual estão contidas as
circunstâncias da morte de Ocozias (9,27).10
10 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.80-82.
18
Considera-se que 2Rs 11 faz parte dos escritos deuteronomistas,11 porém, segundo Ernst
Würthwein,12 este capítulo não fazia parte do texto antigo da obra histórica deuteronomista.
Ele foi acrescentado mais tarde.
2Rs 11 tem um cunho histórico e legitimador. O cenário e o estilo do relato permitem
afirmar que o autor pertencia ao círculo dos escribas da corte ou da instituição religiosa. Em
outras palavras, o autor enquadra-se no grupo dos que defendem o direito de Joás ao trono.
Muito provavelmente, tal escriba estava ligado ao templo, pois é grande a ênfase dada à
liderança do sacerdote Joiada.13.
1.3 - Suspeita sobre a ausência do formulário padrão deuteronomista
2Rs 11,3 afirma que Atalia governou seis anos em Judá; no entanto, 2Rs 11 não
apresenta as fórmulas fixas da apresentação esquemática que os redatores deuteronomistas
fazem dos reis judaítas.
Nas histórias dos reis, é comum encontrar, de maneira uniforme, a chamada introdução,
cujos dados são basicamente os seguintes: a data do início do reinado, o nome do pai, o tempo
de reinado, o local, a idade e, nos reis de Judá, o nome da mãe (1Rs 14,21; 15,1; 15,9-10).
Alguns textos também apresentam o ano de reinado de reis vizinhos (1Rs 15,25; 15,33;
16,8.15.23.29; 2Rs 3,1; 8,16.25; 12,1-2;13,1).
11 Trata-se de um grupo de hagiógrafos que reelaboraram vários livros do Antigo Testamento. Eles
utilizaram um material preexistente e fizeram uma leitura valendo-se dos princípios teológicos do livro do
Deuteronômio, principalmente a fidelidade a Javé. Formaram assim uma obra que abrange do livro de
Josué a 2Reis, que foi batizada de história deuteronomista (HD). Conferir Martin North, O
Deuteronomista, p.132-142; Antonio González Lamadrid, As tradições históricas de Israel, Petrópolis:
Vozes, 1999, p.7-19. Veja Luigi Firpo, Storia delle idei politiche economiche e social, Torino: Torinense,
1985, p.143-148.
12 Ernst Würthwein, Die Bücher der Könuge - 1 Kön 17-2 Kön 25, Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht,
1984, p.344.
13 Burke Long, 2 Kings, p.154.
19
Igualmente padronizada é a fórmula de conclusão. Trata-se de um juízo sobre o rei, que
pode assumir três configurações:
1. Ele praticou o que é mau aos olhos do Senhor (1Rs 15,9.26; 16,30). Esta é a
fórmula mais usada, 34 vezes, de modo especial, para os reis de Efraim, devido ao pecado de
Jeroboão I, que construiu os santuários de Dã e Betel (1Rs 12,22-33). No caso de Acab, tem-
se como agravante o seu casamento com Jezabel e a consegqüente introdução em Israel do
culto a Baal (1Rs 16,31-32; 22,53-54).
2. Ele fez o que é reto aos olhos de Javé, mas não desapareceram todos os santuários
das alturas e o povo continuava oferecendo sacrifícios e queimando incenso (1Rs 15,11-14;
2Rs 12,3-4; 15,3-4.34-35).
3. Praticou o que agrada a Javé, seguindo em tudo o exemplo do seu antepassado
Davi. Só dois reis de Judá receberam o elogio completo: Ezequias (2Rs 18,3) e Josias (2Rs
22,2).14
Pode ser que os redatores deuteronomista tenham omitido tais fórmulas para o reinado
de Atalia por considerá-lo ilegítimo. Outra possibilidade, no entanto, é que Atalia, na verdade,
tenha subido ao trono como regente, em nome do príncipe Joás, menor de idade.
2 - 2Reis 11,1-3
2.1 - O texto hebraico
O texto hebraico apresenta-se assim15:
16 1a
14 Antonio Lamadrid, As tradições históricas de Israel, p.98-100.
15 O texto em hebraico está segmentado para facilitar a análise das variantes. Conferir o texto hebraico
completo no anexo 1, p.87-90.
20
b
c
2a
b
c
d
e
3a
b
2.2 - Variantes
A realização do estudo das variantes segue as informações do aparato crítico e das notas
colocadas na massorah parva da Biblia Hebraica Stuttgartensia (BHS), acompanhando a
seqüência dos sinais que estão no texto.
V.1a: Muitos manuscritos hebraicos18, as versões antigas e o qerê19 omitem o vav ( ) no
verbo (qal perfeito terceira pessoa singular feminina de
ver , observar ).
16 O nome Atalia, em hebraico, significa Javé é grande ou Javé manifesta sua glória . Conferir Winfried
Thiel, em: David Noel Freedman (editor), The Anchor Bible Dictionary, New York: Doubleday, 1992,
vol.1, p.511-512.
17 Joás significa Javé deu/dá ; ver Linda S. Schearing, em: David Noel Freedman, The Anchor Bible
Dictionary, vol.3, p.856-858.
18 A sigla: mlt Mss significa muitos manuscritos hebreus, isto é, em quantidade seriam mais de 20
manuscritos. Conferir René Krüger e José Severino Croatto, Métodos exegéticos, Buenos Aires: Educar,
1993, p.68.
19 O qerê indica como determinada palavra deve ser lida. Na massorah marginal, o qerê é indicado por uma
letra qof com um ponto encimada por um ponto ( ). Ao se depararem com palavras que julgaram não-
correta ou duvidosas, os massoretas (proibidos de fazer qualquer alteração no texto) supriram as correções
que julgaram necessárias na margem, e acrescentaram um pequeno círculo sobre a palavra discutida.
Conferir William Scott, Guia simplificado para BHS, Tradução de Vitório M. Cipriani, Berkeley,
California: BIBAL, 1988, p.10.
21
Para Wilhelm Rudolph,20 o vav deve ser considerado uma diptografia e, portanto, deve
ser cancelado. O copista teria repetido o vav final de
no início de . De fato, na
versão de 2Cr 22,10,
aparece sem o vav. É difícil dizer se o manuscrito utilizado pelo
cronista o vav estava ausente, ou se o cronista omitiu-o por considerá-lo um erro do copista.
Em todo caso, a proposta de Rudolph tem uma boa fundamentação nos manuscritos antigos e
nas correções propostas pelos próprios massoretas e, portanto, pode ser aceita: o vav no início
do verbo
ver é uma ditografia e deve ser suprimido.
V.1b: A LXX21 omite a forma verbal (qal imperfeito conversivo 3ª pessoa
singular feminina de levantar ). A versão de 2Cr 22,10 e o Targum23 conservam o verbo
levantar , confirmando o Texto Massorético, que, neste caso, deve ser mantido. De fato, a
presença de
faz a narrativa ser mais clara.
A nota da massorah parva indica que o nome
é um hapaxlegomenon.24 O
significado do nome de Josabá é: Javé jurou .
20 Wilhelm Rudolph, Die Einheitlichkeit der Erzählung vom Sturz der Atalja (2Kön 11), p.474.
21 A Septuaginta (normalmente indicada por LXX) é a tradução grega dos livros hebraicos. A versão da
LXX foi realizada em Alexandria, provavelmente entre o terceiro e o segundo séculos a.C. O primeiro
livro a ser traduzido foi o Pentateuco, os demais foram traduzidos posteriormente. Além dos livros
contidos na Bíblia Hebraica, a LXX acrescenta outros. A tradução foi feita por vários autores judeus da
diáspora, com uma dose de judaísmo e helenismo, e por isso a qualidade varia de um livro para outro.
Conferir José Manuel Sánchez Caro, A Bíblia e seu contexto: Introdução ao estudo bíblico, São Paulo:
Ave Maria, v.1, 1994, p.452; Odette Mainville, A Bíblia à luz da história- Guia de exegese histórica
crítica, São Paulo: Paulinas, 1999, p.27.
22 Em 2Reis, o verbo
levantar aparece dezenove vezes no qal.
levantar
é freqüentemente usado
como verbo auxiliar para indicar movimento ou velocidade de ação (conferir Gn 22,3; 31,17). Veja
Mordechai Cogan, II Kings, p.86.
23 O Targum é a versão aramaica do texto hebraico. Na Palestina, após o exílio, o aramaico substituiu
pouco a pouco o hebraico e, por conseguinte, o texto bíblico passou a ser traduzido para o aramaico.
Veja Odette Mainville, A Bíblia à luz da história, p.26.
24 A palavra hapaxlegomenon significa que é a única vez que aparece em toda a Escritura.
22
V.2a: A LXX não apresenta a expressão filho de Ocozias ( ). O aparato
crítico da BHS propões substituir
por , irmão dela , o que
corresponderia a . No entanto, é preferível manter o Texto Massorético, por se tratar da
lição mais difícil. Neste caso, a Septuaginta deve ser considerada uma interpretação do Texto
Massorético. A nota da massorah parva indica que
aparece sete vezes na Bíblia
Hebraica e na lista 2106 da massorah magna.
V.2b: O aparato crítico da BHS propõe corrigir
para
(hofal
particípio masculino plural de , morrer , matar ; no hofal ser morto ) segundo vários
manuscritos25 2Cr 22,11 e o qerê da massorah parva.
Montgomery Gehman26 mantém o ketib27 do Texto Massorético, pois compreende que se
trata de um polel, na forma , conforme 1Sm 14,13. Para Mordechai Cogan28 e Wilhelm
Rudolph29, porém, o verbo está corrompido e deve ser lido como indica o qerê.
Conforme G. Gerleman30, a raiz verbal
morrer , em 2Reis aparece no qal 34 vezes,
no hifil 15 vezes, no hofal 8 vezes. No polel, porém, que justificaria o ketib, não há nenhuma
ocorrência. No Hebrew and English Lexicon,31 indica-se que em 2Rs 11,2 deve ser lido como
derivado da raiz verbal
no hofal. As observações apresentadas mostram que Gerleman e o
25 A abreviação nonn Mss significa alguns manuscritos isto é: de 11 a 20. Veja Severino Croatto, Métodos
exegéticos, p.68.
26 Mordechai Cogan, II Kings, p.126.
27 O ketib é a forma consonântica tradicional e significa: o que está escrito .
28 Mordechai Cogan, II Kings, p.126
29 Wilhelm Rudolph, Die Einheitlichkeit der Erzählung vom Sturz der Atalja (2Kön 11), p.474.
30 G. Gerleman,
morrer em: Ernst Jenni e Claus Westermann, Diccionario teológico manual del
Antiguo Testamento, Madrid: Cristiandad, 1978, vol.1, p.1217-1222. Conforme este dicionário, o verbo
apresenta em hebraico os modos: qal, polel, hifil e o hofal. A soma das ocorrências chega a mil vezes
em todo o A.T.
31 William Gesenius e Edward Robinson, Hebrew and English Lexicon of the Old Testament, Oxford, USA:
Claredon Press, 1951, p.560.
23
Lexicon concordam com a correção do aparato crítico. Por tais razões, neste estudo aceita-se,
seguindo o qerê, a correção de
para .32
Por outro lado, o aparato crítico da BHS propõe a inserção do verbo (qal
imperfeito conversivo 3ª pessoa singular feminina de
por , colocar ) após ,
seguindo vários manuscritos e 2Cr 22,11: , e colocou-o com sua ama
de leite . Contudo, o critério da lectio brevior sugere que se mantenha o texto de 2Rs 11,2,
como a lição original.
V.2d: A LXX, a Vulgata33 e a versão siríaca34 traduzem
(hifil imperfeito
conversivo, 3ª pessoa plural masculina de esconder , ocultar ) por
(aoristo indicativo ativo 3ª pessoa singular de
esconder ). Já o Targum e 2Cr 22,11
apresentam o verbo
esconder , ocultar
no feminino singular, com o sufixo de terceira
pessoa masculina singular: e [ela] o escondeu . Nesse caso, é preferível manter o
plural masculino, pois dificilmente Josabá, sozinha, esconderia Joás no templo. Mais provável
é que esta ação tenha sido executada por um sacerdote.35
Em breve, diante dos problemas e das passagens obscuras, é preferível, na maioria dos
casos, manter o Texto Massorético de 2Rs 11,1-3. O texto tomado em consideração neste
estudo, portanto, será o seguinte:
1a
32 William Gesenius; E. Kautzsch; A. E. Cowley, Geseniu s Hebrew Grammar, p.116.
33 Desde o século XVI se dá o nome de Vulgata à obra de tradução do Antigo Testamento que Jerônimo
realizou, entre os anos de 390 a 405 d.C. Jerônimo traduziu para o latim a partir dos originais hebreus e
gregos disponíveis. Conferir José Manuel Sánchez Caro, A Bíblia e seu contexto, p.515, e Odette
Mainville, A Bíblia à luz da história, p.27.
34 A versão siríaca recebeu o nome de Peshitta, que significa a simples . É uma tradução do Antigo
Testamento hebraico e do Novo Testamento grego para a língua siríaca; data do século II. Veja Odette
Mainville, A Bíblia à luz da história, p.26.
35 Ernst Würthwein, Die Bücher der Könuge - 1 Kön 17-2 Kön 25, p.346.
24
b
c
2a
b
c
d
e
3a
b
2.3 - Tradução
Uma vez discutidas as variantes textuais, é possível proceder à tradução literal do texto:
1a
b
c
2a
b
c
d
e
3a
b
E Atalia, a mãe de Ocozias, soube: eis que estava morto seu filho,
e levantou-se,
e exterminou toda a descendência da realeza.
E pegou Josabá a filha do rei Jorão, irmã de Ocozias, Joás, o filho de Ocozias,
e roubou-o do meio dos filhos do rei, os quais estavam sendo mortos,
com sua ama de leite no quarto dos leitos.
E esconderam-no da presença de Atalia,
e não foi morto.
E ficou com ela na casa de Javé escondido seis anos;
E Atalia reinava sobre a terra.
Antes, porém, de proceder ao estudo sincrônico do texto, convém esclarecer alguns
pontos desta tradução.
25
1a -
E Atalia, a mãe de Ocozias, soube: eis que estava morto seu filho.
O v.1a inicia-se com um nome próprio: Atalia.
(Atalia) é composto pela raiz
glorificar, exaltar , mais a abreviação do nome de Javé , formando o significado
Javé manifestou sua glória .36
Segundo Roland de Vaux, o nome da criança geralmente era escolhido pela mãe.37 Este
é um dado interessante, uma vez que as informações sobre os pais de Atalia são
controversas.38 Esta informação de Roland de Vaux permite dizer que a mãe de Atalia pode
ter sido uma princesa israelita e, mais ainda, Javista.
Mãe de Ocozias : Ocozias foi rei de Judá (841a.C).39 Atalia, no v.1a, já é apresentada
como rainha-mãe.40
Ainda no v.1a, a narração tem dois perfeitos ( viu , soube e morrer ,
falecer ) que levará, na seqüência, a uma série de imperfeitos com vav consecutivo. O verbo
viu tem no texto o sentido de percepção, e por isso pode ser traduzido por soube 41.
Tal conhecimento provocou a ação de Atalia.
36 Conferir Winfried Thiel, Ataliah, em: David Noel Freedman, The Anchor Bible Dictionary, p.511.
37 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.80. Conferir Gn 29,32.33.34.35;
30,6.8.11.13.18.20.24; 35,18; Ex 2,10; 1Sm1,20. Algumas vezes o pai escolhia o nome do filho, conferir
Gn 16,15; 17,19; Ex 2,22.
38 A discussão sobre quem era o pai de Atalia encontra-se mais adiante, à p.52-54.
39 Ocozias significa: Javé pega agarra . Sobre o reinado de Ocozias, conferir mais adiante, à p.59.
40 Sobre a rainha-mãe ou a gebirah, conferir mais adiante, à p.45-52.
41 D. Vetter, , em: Ernst Jenni e Claus Westermann, Diccionario teológico manual del Antiguo
Testamento, p.871-883.
26
O
introduz a oração subordinada causal que exprime o motivo da ação de Atalia:
estava morto seu filho .42
O v.1a resume uma série de informações dos capítulos anteriores e induz o leitor a fazer
algumas perguntas. (1) Como Atalia chegou à corte? Esta pergunta remete ao 2Rs 8,18, que
dá a conhecer a vinda de Atalia para Jerusalém, por ocasião de seu casamento com Jorão. (2)
Judá e Israel estavam naquele momento unidos? Segundo 2Rs 8,28, havia uma aliança entre
Judá e Israel contra Hazael, rei de Aram. (3) Como e onde Ocozias morreu? A resposta
encontra-se nos relatos da rebelião sangrenta de Jeú contra a casa de Omri (2Rs 9,11-26.30-
10,11) e contra Ocozias (2Rs 9,27-29) e seus parentes (2Rs10,12-14).
1b -
e levantou-se,
A ação é descrita com o verbo: e levantou-se
(qal imperfeito conversivo
terceira pessoa singular feminina de levantar-se , ficar em pé ). Por designar o
começo de um movimento,43 tal ação supõe uma continuidade.
1c -
e exterminou toda a descendência da realeza.
A ação iniciada com
é descrita com (piel imperfeito conversivo terceira
pessoa singular feminina de
exterminar , arruinar ). A presença da raiz no piel
dá o sentido de uma ação mais carregada ou intensiva exterminou toda a descendência da
42 Luis Alonso Schökel, Dicionário bíblico hebraico-português. São Paulo: Paulus, 1997, p.312-313.
43 S. Amsler, , em: Ernst Jenni e Claus Westermann, Diccionario teológico manual del Antiguo
Testamento, p.804 -808.
27
realeza . 44 Este verbo pertence ao mesmo campo semântico de
cortar e
aniquilar nos textos da reforma cultual.45
Além disso,
exterminar aparece com freqüência nos textos onde Javé é o autor
direto ou indiretamente da ruína dos malvados (Sl 1,6; 37,20; 49,11; 73,27; 112,10; Jó 4,7.9;
8,13; 11,20; 18,17; 20,7; Pr.10,28; 11,7.10; 19,9; 21,28; 28,28). Encontra-se
exterminar também em fórmulas de bênçãos e maldições nas leis de santidade e nas leis do
Deuteronômio (Lv 26,38; Dt 28,20-22).46
A formulação
toda a descendência da realeza é ligeiramente
modificada em 2Cr 22,10 47 descendência monárquica . Segundo o dicionário
David J. A. Clines,48
reinado , poder autoridade , e
reinado , poder
autoridade , são sinônimos e o uso de um ou de outro termo não modifica a tradução.
2a -
E pegou Josabá filha do rei Jorão, irmã de Ocozias, Joás, filho de Ocozias,
O v.2a começa com o verbo (qal imperfeito conversivo terceira pessoa singular
feminina de pegar , levar , tomar , agarrar ). Tal verbo provoca uma dilação no
texto, e faz a ação ficar mais lenta, pois é utilizado antes do verbo roubar (v.2b),
caracterizando uma ação sorrateira, sem alarde, para evitar que se perceba a existência do
menino.
44 Benedikt Otzen, , em: G. Johannes Botterweck e Helmer Ringgren, Theological Dictionary of the
Old Testament, Michigan: William B. Eerdmans Publishing Company, 1977, vol.1, p.19-23. Conferir
David J. A. Clines, The Dictionary of Classical Hebrew, Sheffield, Academic Press, 2001, vol.1, p.100.
45 Miguel Alvarez, Terminologia Deuteronomistica em los Libros Históricos - Jueces - 2 Reyes,
Roma,Giammarioli, 1994, p.92-93.
46 Ernst Jenni e Claus Westermann, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, p.58 -61.
47 David J. A. Clines, The Dictionary of Classical Hebrew, vol.3, p.142. Ver 1Rs 11,14; 2Rs 25,25; Jr 41,1;
Ez 17,13; Dn 1,3.
48
em: David J. A. Clines, The Dictionary of Classical Hebrew, vol.5, p.331-332, e , p.292.
28
A Josabá é dispensada uma dupla apresentação: filha do rei Jorão, irmã de Ocozias
. Josabá é sujeito de dois verbos: pegou (v.2a) e
roubou (v.2b). Para a narração, Josabá é modelo: salva a criança inocente e permanece
ligada à casa de Javé (v.3a).
2b -
e roubou-o do meio dos filhos do rei, [os quais] estavam sendo mortos,
, da raiz
roubar , levar para longe , é a ação sem alarde, um tirar sem ser
percebido. A ação de Josabá é concluída com um verbo no hofal particípio (conjugação
passiva),
dos filhos do rei, [os quais] estavam sendo mortos ,
indicando que ela subtraiu a criança dentre os filhos que sofriam a ação.
2c -
com sua ama de leite para o quarto dos leitos.
A preservação da vida de Joás é garantida por sua ama de leite (hifil
particípio singular feminino de amamentar ). Esta forma participial designa aquela que
amamenta.49
Joás foi escondido no quarto dos leitos . Ernst Würthwein,50 que estuda a topografia do
texto, não chega a uma conclusão a respeito de qual é e onde se localiza este quarto. Porém, o
v.3 afirma que a criança foi ocultada na casa de Javé , e a versão de 2Cr 22,11 apresenta
Josabá como esposa de Joiada.51 É possível, que Josabá tivesse sua casa nas dependências do
templo.
49 Ver Gn 24,59; Ex 2,7.
50 Conferir Ernst Würthwein, Die Bücher der Könige, p.347; Félix Asensio, Restaurción de la dinastía
davídica en la persona de Joás, p.480; veja Ne 3,20-28; Jr 35,2.4; 36,10.
51 Linda S. Schearing, Josabá esposa do sacerdote Joiada , em: David Noel Freedman, The Anchor Bible
Dictionary, vol.3, p.669.
29
2d -
E esconderam-no da presença de Atalia,
O verbo
(hifil imperfeito conversivo, 3ª pessoa plural masculina de
esconder, ocultar ), pelo fato de estar no plural, indica que outras pessoas aderiram à ação de
Josabá, o que permite supor que ela tinha influência e força de persuasão suficientes para
encontrar apoio. E como Joás era o legítimo herdeiro do trono, não se tratava somente de
escondê-lo, mas também de prepará-lo para um dia assumir o reino. Sem dúvida, Josabá não
desempenhou sozinha tal tarefa.
2e -
e não foi morto.
Na formulação e não foi morto ,
(hofal perfeito, 3ª pessoa singular
masculina de
morrer ) contrapõe-se a
os quais seriam mortos (hofal
particípio plural masculino de morrer ), de 2b. Em ambos os casos, o verbo é passivo.
Porém, em v.2e o advérbio de negação não ( ) indica o triunfo da ação de Josabá: Joás
sobreviverá e tornar-se-á rei.
3a -
E ficou com ela na casa de Javé escondido seis anos;
A intensidade, ou seja, a qualidade da ação de Josabá sobre o projeto de Atalia é
expressa pelo verbo manter escondido (hitpael particípio masculino singular, de
). O particípio reflexivo sugere uma ação continuada e duradoura52 dos que estiveram
envolvidos no plano de Josabá.
52 Burke Long, 2 Kings, p.148.
30
O autor usa a expressão seis anos 53 ( ) para dar um salto na história, do
momento do massacre e do resgate do príncipe para seis anos depois. É uma forma de
abreviar a narrativa, para chegar logo ao episódio que realmente interessa. Diz a Encyclopédia
judaica que o número seis não têm grande valor simbólico,54 mas talvez seja possível fazer
uma leitura diferente deste numeral, levando em conta outras citações bíblicas. No relato da
criação, o homem e a mulher foram criados no sexto dia (Gn 1,27-29). Nas leis de Ex 20,9-10,
o homem deverá trabalhar (fazer toda a sua obra) durante seis dias: o sétimo é de Javé, teu
Deus . Pouco mais adiante, o trabalho agrícola é alvo do seguinte preceito: durante seis anos
semearás a tua terra e recolherás o teu fruto, porém no sétimo ano a deixarás descansar
(Ex
23,10-11). Em breve, o número seis representa a esfera humana.55 Aplicado ao reinado de
Atalia, isso significa que o poder desta rainha foi inteiramente humano e, portanto, seu
governo foi limitado e destinado a desaparecer, pois chegou ao xabat, que é sinal da aliança
entre Javé e o seu povo, aliança esta que inclui o pacto de Javé com a casa de Davi (2Sm 7,16;
23,5; Sl 89,29). O xabat é também bênção e santificação.56 Noutras palavras, Joás é
apresentado no sétimo ano (v.4) e é restabelecida a aliança com a casa de Davi.
Conseqüentemente, o sétimo ano se torna abençoado e santificado.
3a -
E Atalia reinava sobre a terra.
Em 2Rs 11,1-3, Atalia começa como mãe de Ocozias (v.1a) e termina (v.3b) como
rainha ( reinava sobre a terra v.3). A forma verbal
reinava (qal particípio feminino
singular, de
reinar , dominar , ser rei ) indica o aspecto duradouro da ação.
53 Manfred Lurker, Dicionário de figuras e símbolos bíblicos, São Paulo: Paulus,1993, p.221-222.
54 O numeral seis é usado 103 vezes no Antigo Testamento. Veja Encyclopaedia Judaica, Jerusalém:
Keter Publishing Hause, 1971, vol.12.
55 Eugênio Corsini, O Apocalipse de São João, São Paulo: Paulinas, 1984, p.247-148.
56 Daniel Lifschit, Homem e mulher imagem de Deus - o sábado- A hagadá sobre Gênesis, São Paulo:
Paulinas, 1998, p.105-106.
31
Os redatores deuteronomistas preocupam-se em dar exatas indicações topográficas: no
quarto dos leitos
(v.2c), os lugares dos guardas (v.5.6.7), a unção no estrado (v.14b), o lugar
do assassinato de Atalia (v.18a.b.c). Tal expediente pode ser uma tentativa de dar ao relato um
caráter histórico. Provavelmente, o autor pressupõe que o leitor conheça a localização de tais
ambientes. Tal exatidão revela um duplo interesse dos redatores: em primeiro lugar, o
interesse histórico; mas talvez mais importante do que o primeiro, é o segundo interesse: a
legitimação de Joás como autêntico herdeiro da realeza.57
2.4 - Aspectos formais
Por aspectos formais compreende-se a delimitação da subunidade literária (v.1-3), a
apresentação e a discussão da estrutura do texto, do quadrilátero semiótico que descreve o
conflito vida-morte subjacente ao texto, e o gênero literário.
2.4.1 - 2Reis 11,1-3 como subunidade literária
A subunidade está bem delimitada em relação ao que a precede, 2Rs 10,28-36, que é o
relato do reinado de Jeú em Israel. O v.36 encerra o relato com uma notícia conclusiva: Jeú
reinou sobre Israel durante vinte e oito anos . Em 2Rs 11,1 entra em cena uma nova
personagem, Atalia, cuja primeira aparição acontece em 2Rs 8,26, mas até agora ausente no
relato.
O v.3 termina com um sumário conclusivo: E Atalia reinava sobre a terra. Entre o v. 3
e o v.4 dá-se um salto no tempo, e a indicação cronológica no sétimo ano indica um novo
início. Também no v.4, há a presença de um novo personagem, Joiada.
Portanto, em 2Rs 11 os v.1-3 formam uma subunidade literária. Esta subunidade centra-
se na figura de Atalia (
v.1 e 3) cujo nome forma uma inclusão. Além da presença do
57 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.81-82.
32
nome, também a sintaxe do texto deixa clara esta inclusão. Atalia inicia como sujeito no v.1 e,
no v.3 volta a ocupar o lugar de sujeito.
2.4.2 - Estruturação de 2Rs 11,1-3
Personagens Ações Lugares
A
1a - E Atalia, mãe de Ocozias, soube:
eis que estava morto seu filho,
1b - levantou-se
1c - e exterminou toda a
descendência da realeza
Atalia golpe
B
2a - E pegou Josabá filha do rei Jorão,
irmã de Ocozias, Joás,
filho de Ocozias,
2b - e roubou-o
do meio dos filhos do rei,
[os quais] estavam sendo mortos,
Josabá (ativa);
Joás (passivo);
os outros filhos do rei (passivos)
contragolpe
casa
do rei
C
2c- com sua ama de leite
para a sala dos leitos.
2d - E esconderam-no
da presença de Atalia
2e - e não foi morto.
a ama de leite (passiva);
outros opositores
a Atalia (ativos);
Joás (passivo)
resultado
do
contragolpe
B
3a - E ficou com ela na casa de Javé
escondido seis anos; Joás (passivo)
continuação
do
contragolpe
casa
de Javé
A
3b - E Atalia reinava sobre a terra. Atalia (ativa) resultado
do golpe
casa
do rei
2.4.3 - Análise da estrutura literária
Nas seqüências A e A , desenvolve-se o golpe de Atalia. Na seqüência A, Atalia é
apresentada como mãe do rei e age como tal: E Atalia, mãe de Ocozias, soube: eis que estava
morto seu filho, levantou-se, e exterminou toda a descendência da realeza (v.1b-c). Por sua
vez, a seqüência A descreve o resultado desta ação: Atalia reinava sobre a terra (v.3b).
33
Nas seqüências B, C e B , é apresentado o contragolpe encabeçado por Josabá. Na
seqüência B, Josabá parece agir sozinha: E pegou Josabá filha do rei Jorão, irmã de Ocozias,
Joás, filho de Ocozias, e roubou-o do meio dos filhos do rei, [os quais] estavam sendo
mortos
(v.2a-b). A iniciativa de Josabá gradativamente vai adquirindo simpatizantes que com
ela colaboram. Na seqüência C, o centro da subunidade literária, informa que Joás é ainda um
bebê, uma vez que sua ama de leite adere ao contragolpe. Dado que a finalidade primeira do
contragolpe é garantir a vida de Joás, a mulher ama de leite é salva junto com a criança para
garantir-lhe a sobrevivência mediante a amamentação. O já discutido verbo , no
masculino plural, sugere a adesão também de sacerdotes ou de membros do pessoal do
templo.
A seqüência B informa o tempo pelo qual se prolongou a primeira ação do contragolpe,
isto é, o escondimento de Joás no templo: ele ficou com ela escondido na casa de Javé seis
anos
(v.3a).
No centro desta estrutura, coloca-se a indicação de que a criança sobreviveu ao
massacre promovido por Atalia, não só porque foi escondido da rainha, mas também porque
foi-lhe assegurada a alimentação.
Portanto, podemos apresentar resumidamente a estrutura das ações e dos personagens da
seguinte maneira:
A Atalia - o golpe
B Josabá - o contragolpe
C
Joás - resultado do golpe: a criança vive
B
Josabá - continuação do contra golpe
A
Atalia - resultado do golpe
Além da oposição entre as ações de Atalia e de Josabá e seus aliados, o texto apresenta
também a oposição baseada nos lugares: a casa do rei e a casa de Javé . Apesar de nesta
34
subunidade literária não se registrar a expressão casa do rei , subentende-se que as
seqüências A, B e A descrevam ações ocorridas na casa do rei , e que as seqüências C e B
descrevam ações ocorridas na casa de Javé
(v.2c-3a).
2.4.4 - Quadrilátero semiótico
Uma vez apresentada a estrutura da subunidade, pode-se montar o quadrilátero
semiótico58, no qual se organizam relações capazes de dar sentido às manifestações do texto.
Todas as relações e oposições que se encontram na estrutura, seja entre os personagens seja
entre os lugares, são agrupadas nos ângulos de um diagrama de forma quadrada, que
possibilita verificar o funcionamento do texto, conforme indicam as setas:
1. setas diagonais: contradição;
2. setas horizontais: contrariedade;
3. setas verticais de baixo para cima: implicação.
Nesta subunidade literária, v.1-3, há um jogo de oposições entre vida e morte, e entre a
casa do rei e a casa de Javé . O valor da vida está diretamente relacionado com a casa de
Javé (v.3a), e a morte diretamente com a casa do rei (v.1c). Na casa do rei há morte para
a descendência de Davi (v.1c), enquanto na casa de Javé há vida (v.3a).
O quadrilátero semiótica fica assim configurado:
58 Conferir VV.AA., Iniciação à análise estrutura, São Paulo: Paulinas, 1983, p.8-98; C. Chabrol, Semiótica
narrativa dos textos bíblicos, p.69-93; Grupo de Entrevernes, Analisis semiótico de los textos, Madrid:
Cristiandad, 1982, p.162-171; Jean-Claud Giroud, Semiótica una práctica de lectura y de análisis de los
textos bíblicos, España: Verbo Divino, 1988, p.23-25.
35
MORTE
Atalia,
Ocozias,
toda a descendência da realeza
VIDA
Josabá,
Joás
NÃO-VIDA
servos de Atalia,
casa do rei
- - - - - -
Demonstração II
negativa / morte
NÃO-MORTE
ama de leite,
casa de Javé
- - - - - -
Demonstração I
positiva / vida
As implicações vida / não-morte e morte / não-vida determinam duas demonstrações ou
dêixis contrárias. A demonstração I, positiva, depende de um espaço, a casa de Javé, que
produz ou mantém a vida, ao passo que a demonstração II depende também de um espaço, a
casa do rei, no qual se produz a morte.
2.4.5 - Gênero literário
O quadrilátero semiótico indica o movimento do texto e confirma a estrutura e a
mensagem central: na casa de Javé há vida para a descendência davídica (v.3a). Neste
movimento do texto, tem-se a história de uma criança salva milagrosamente. Mas este não é
único texto da Escritura a narrar tal tipo de episódio. É necessário, portanto, a pesquisar sobre
o gênero literário a que esta história pertence.
Lowell Handy59 acentua que a história de Joás ajusta-se em um gênero literário
designado como conto de um herói que foi exposto ao nascer (Tale of the Hero Who was
Exposed at Birtth). Handy, no entanto, não dá a conhecer quais os elementos que compõem o
referido gênero literário. Não obstante, a comparação da história de Joás com outras histórias
59 Patrícia Dutcher-Walls, Narrative Art, Political Rhetoric: The case of Athaliah and Joash, Sheffield:
JSOT Press, 1996, p.72.
36
semelhantes
Ex 1-2, Moisés; Mt 2,1-18, Jesus
permite evidenciar alguns elementos
comuns:
Moisés (Ex 1-2) Joás (2Rs 11,1-3) Jesus Mt 2,1-18
a o/a monarca se vê
ameaçado
Faraó, pelos meninos
dos hebreus
Atalia, pelos
descendentes da realeza
Herodes Magno, por
um recém-nascido
b
o/a monarca mata
ou manda matar os
filhos
Faraó dá ordem às
parteiras
Atalia se levanta e
extermina a
descendência real
Herodes manda matar
crianças de dois anos
para baixo
c o herói escondido no cesto sobre o Nilo no templo no Egito
d
o herói recebe
ajuda
da própria mãe,
da própria irmã,
da filha do Faraó
de Josabá, filha do rei
Jorão,
irmã de Ocozias
do anjo
magos
e alguém da realeza
adota o herói
a filha do Faraó Josábá, a filha do rei
f confronto entre
herói e o/a monarca
Moisés adulto, contra
outro Faraó, para tirar
povo do Egito
Joás criança, em seu
nome, Joiada
Jesus adulto, contra
Herodes Antipas
Como pode ser observado cada narrativa tem suas particularidades, acréscimos ou
ausências. A primeira delas é que na narração do Êxodo e do Evangelho de Mateus, as
ameaças ao faraó ou a Herodes são de crianças que ainda não nasceram (Ex 1,16) ou recém
nascidas (Mt 2,1-2). Diferentemente, em 2Rs 11,1, a ameaça provocada pelos descendentes da
realeza já nascidos. Além disso, no caso de Êxodo e Mateus, o monarca não conhece as
crianças, ao passo que em 2Reis, sim.
A segunda particularidade diz respeito a quem executa os assassinatos. Na narração de
2Rs 11,1 não aparece uma ordem para matar os descendentes da realeza: é Atalia em pessoa
aquela que realiza a ação. Em Ex 1,16 e Mt 2,16, ao contrário, o Faraó e Herodes mandam
matar as crianças.
37
A terceira particularidade refere-se ao o elemento designado como alguém da realeza
adota o herói : no relato de Mateus tal elemento está ausente.
A quarta particularidade diz respeito ao confronto do herói com os sucessores do faraó e
do monarca. Enquanto Moisés e Jesus enfrentarão os monarcas de suas respectivas histórias
quando forem já adultos, no caso de Joás, tal conflito se dá quando ele ainda é uma criança,
mas representado por Joiada e os demais membros da sublevação contra a rainha.
Nos três casos, o que está em jogo é quem vai conduzir o povo. O curioso é que um
bebê ameaça o rei ou a rainha. A insegurança do monarca, leva-o a decretar a morte de todos
os meninos (Ex 1,16-2,9; 2Rs 11,1; Mt 2,16).
O gênero literário pode ser tirada da realidade já estabelecida por convenções sociais e
literárias sobre o que poderia acontecer com um herói ou uma nobre criança. Na história de
Joás constitui um argumento de definição: a definição de que Joás é filho do rei e, desse
modo, ele é o legítimo herdeiro do trono.60
A narrativa de um herói ameaçado no nascimento, mediante uma ilustração confirma a
sua legitimidade como sua vulnerabilidade.
Nesta pequena narração (v.1-3), que é equivalente a uma poderosa argumentação, o
autor registrou a história de Atalia, rainha e única sobrevivente da casa de Omri, uma mulher
má e que governa ilegitimamente. Joás é o legítimo herdeiro por ser filho do rei e único
sobrevivente da casa de Davi. Foi ameaçado, mas foi salvo por pessoas que representam os
opositores de Atalia.61
60 Sobre monarcas meninos, conferir Tércio Machado Siqueira, O rei menino, Estudos Bíblicos,
Petrópolis/São Leopoldo, n.54, p.44-51, 1997.
61 Patrícia Dutcher-Walls, Narrative Art, Political Rhetoric: The case of Athaliah and Joash, p.73.
38
A estrutura e a trama desta primeira subunidade literária, v.1-3, é a versão abreviada de
toda a narrativa. O que está em jogo é a dinastia davídica, herdeira do trono de Judá. A
narração leva o leitor a fazer um julgamento das duas dinastias: a de Omri62 (Atalia) e a de
Davi (Joás). A forma como o redator deuteronomista descreve a cena é suficiente para mudar
a simpatia do leitor em favor do davidismo63.
O autor criou uma aura do mal e de ameaças em torno de Atalia. A atitude de Josabá
roubar e esconder a criança
determina a força retórica da perícope.
O que se desenvolve nos v.2 e 3 é um jogo de perspectivas. Sternberg64 diz que é um
jogo de perspectivas com um tipo de desenvolvimento retórico que forma o conhecimento do
leitor e, desse modo, o julgamento. Portanto, Atalia é poderosa, mas não sabe do movimento
contra ela. Ela procura destruir os herdeiros do reino e outra mulher age para salvar uma
criança.
A análise das oposições sobre as quais o texto se articula (quadrilátero semiótico)
ressaltou a importância dos lugares na trama política do início do reinado de Atalia: a casa
do rei e a casa de Javé . Esta última, a casa de Javé , assegura ao leitor a ilegitimidade do
governo de Atalia, pois abriga o príncipe durante seis anos e o plano de golpe contra Atalia.
3. - 2Reis 11,13-16
3.1 - O texto hebraico
13a
b
62 Conferir 1Rs 16,25-28; 2Rs 8,26-27.
63 Conferir 1Rs 2,3-4; 11,38; 2Rs 18,3; 22,2.
64 Patrícia Dutcher-Walls, Narrative Art, Political Rhetoric: The case of Athaliah and Joash, Sheffield:
JSOT Press, 1996, p.72.
39
14a
b
c
d
e
f
g
15a
b
c
d
e
f
16a
b
c
3.2 - Variantes
O estudo das variantes segue as informações do aparato crítico da massorah parva e da
massorah magna.
V.13a: Em muitos manuscritos acrescentam um vav conjuntivo ao substantivo
o
povo no estado construto:
(d)os precursores e (d)o povo . Diferentemente,
outros manuscritos omitem
os precursores , entendendo-a como uma glosa. Dado que,
nos versículos anteriores, o plano organizado por Joiada contava com a presença do povo da
terra e dos precursores, é preferível manter o termo os precursores e, portanto,
acrescentar o vav conjuntivo.
40
V. 14c: O aparato crítico da BHS propõe que se leia , cantores , tocadores , em
lugar de , oficiais , seguindo a LXX e a Vulgata. Com efeito, esta é também a leitura de
alguns manuscritos para o texto paralelo, em 2Cr 23,13. A substituição de , oficiais por
, cantores , pode ser uma harmonização, dado que em seguida se fala das trombetas. O
critério da lectio difficilior, portanto, sugere que se mantenha o termo
oficiais .
Ainda para o v. 14c, o aparato crítico da BHS propõe compreenda a preposição
para , com , parar junto , com o sentido de sobre . No entanto, é preferível manter
, uma vez que o texto traz o sentido de contigüidade, como o resultado de um movimento.
V.14e: A nota da massorah parva indica que a formulação e tocando , nesta
vocalização, é um hapaxlegomenon, conforme a lista 2110 da massorah magna.
V.15a: O qerê da massorah parva, em lugar de
os cem , lê
os cem .
O iód ( ) é considerado, portanto, um erro do copista.
Também para o v15a, sem muita convicção, o aparato crítico da BHS propõe cancelar a
expressão os comandantes do exército , encontrada também em Nm 31,14,
embora naquele texto a vocalização do primeiro termo seja . Com efeito, a massorah
parva informa que tal termo, vocalizado é também um hapaxlegomenon. Por outro
lado, vários manuscritos e a LXX, excetuados os códices Vaticano e Alexandrino,
acrescentam um vav antes de .
Para Montgomery-Gehman,65 a frase em que, pela primeira vez, os oficiais são assim
denominados pode ser considerada um acréscimo intruso . Embora esta seja uma posição um
pouco exagerada, este estudioso tem razão ao reputar desnecessário o acréscimo do vav.66 Ou
seja, a melhor opção é conservar a expressão: os comandantes do exército .
65 Mordechai Cogan e Hayim Tadmor, II Kings, p.130.
66 Mordechai Cogan, II Kings, p.130.
41
V.15d: Vários manuscritos hebraicos, o texto paralelo em 2Cr 23,14 e várias versões
antigas, em lugar de
(hifil infinitivo absoluto de ) lêem (hofal imperfeito 3ª
pessoa masculina singular). No entanto, o Texto Massorético de 2Rs 11,15 é compreensível e
não é necessário corrigi-lo.67
V.16: A massorah parva indica que a forma e foi morta é um
hapaxlegomenon.
Em resumo, poucas são as modificações necessárias e, a exemplo do que acontece com
a primeira subunidade, 2Rs 11,1-3, é preferível manter quase intacta a lição do Texto
Massorético. O texto-base para o estudo de 2Rs 11,13-16 será:
13a
b
14a
b
c
d
e
f
g
15a
b
c
d
67 Mordechai Cogan, II Kings, p.130; Wilhelm Rudolph, Die Einheitlichkeit der Erzählung vom Sturz der
Atalja, p.475.
42
e
f
16a
b
c
3 3 - Tradução
13a
b
14a
b
c
d
e
f
g
15a
b
c
d
e
g
16a
E escutou, Atalia, o som dos precursores e do povo
e veio até ao povo, a casa de Javé.
E olhou
e eis que o rei estando de pé junto à coluna, segundo o direito.
E [estando] os oficiais e os trombeteiros68 junto ao rei,
e todo o povo da terra se alegrou
e tocou trombetas.
E rasgou Atalia as suas vestes
e gritou:
Traição, traição! .
E ordenou Joiada o sacerdote aos oficiais dos cem,
os inspecionadores do exército,
e disse a eles:
Fazei-a sair da casa por entre as fileiras
e aquele que vem atrás dela matai com a espada .
Eis que disse o sacerdote:
Não seja morta [na] casa de Javé .
E colocaram a ela as mãos
68 Preferiu-se esta tradução, pois é pouco provável que todos os
oficiais tenham soprado as
trombetas. Conferir Wilhelm Rudolph, Die Einheitlichkeit der Erzählung vom Sturz der Atalja (2Kön 11),
p.477.
43
b
c
e veio pelo caminho de onde vêm os cavalos [na] casa do rei
e foi morta ali.
3.5 - 2Reis 11,13-16 como subunidade literária
A exemplo de 2Rs 11,1-3, também os v.13-16 apresentam claros delimitadores que
favorecem a identificação destes versículos como uma subunidade literária.
Em 2Rs 11,4-12 é apresentado o plano de Joiada, desde a arquitetura do esquema de
segurança em torno de Joás, até a apresentação e a coroação de Joás pelo mesmo Joiada. No
v.13, o narrador retorna a Atalia, que não é citada nos v.4-12. E como acontecera na primeira
subunidade analisada neste estudo, a cena se conclui com uma frase lapidar, no v.16: e ela
foi morta ali . O v.17 inicia com a aliança que Joiada estabelece entre o povo da terra e Javé.
Confrontado aos v.13-16, trata-se de um novo assunto que abre uma nova subunidade.
3.6 - Conteúdos
A organização desta subunidade literária apresenta duas partes. A primeira descreve o
confronto de Atalia com o grupo que conduziu o golpe e a reação da rainha. A segunda parte
relata a ordem de Joiada para retirar a rainha e executá-la.69 Portanto, pode ser apresentada da
seguinte forma:
O golpe em andamento:
v.13: Atalia entende que o rei fora coroado
v.14: Atalia enfrenta os conspiradores
Execução de Atalia: v.15: ordens de Joiada
v.16: cumprimento das ordens
A subunidade agora estudada apresenta um paralelismo inverso em relação aos v.1-3.
No v.1, Atalia vê (= fica sabendo) que seu filho está morto e mata toda a descendência real;
69 Lloyd Barré, The Rhetoric of Polítical Persuasion, p.94-95.
44
no v. 14, ao contrário, Atalia ouve o povo vê que o filho de Ocozias está vivo e logo em
seguida (v.16) é assassinada.
Além disso, nos v.1-3 Atalia está (e age) aparentemente só; o mesmo acontece nos v.13-
16, não obstante Joiada impessa qualquer ação de prováveis aliados: se alguém a seguir,
passai-o ao fio da espada (v.15). Em resumo, Atalia começa e termina sua história sozinha.
O v.13a inicia-se com o qal imperfeito terceira pessoa singular feminina do verbo
escutar , com vav consecutivo, enquanto a última palavra do v.16c é o hofal imperfeito
terceira pessoa singular feminina do verbo
sofrer a morte , também com vav
consecutivo. Além de estarem no imperfeito acompanhados do vav consecutivo, o que é muito
comum no hebraico para caracterizar uma ação narrativa, os dois verbos formam uma espécie
de moldura. Há, porém, uma diferença no modo verbal. No v.13a encontra-se o qal ativo, que
indica ação do sujeito, isto é Atalia. Diferentemente, no v.16c encontra-se um hofal,
conjugação que expressa o sentido passivo; neste caso, a ação sofrida por Atalia.
(qal imperfeito terceira pessoa singular feminina de
vir entrar v.13b)
continua a ação descrita pelo verbo anterior,
escutou , cujo sujeito é Atalia, que até
então permanecia no palácio, e que agora percebe o clamor voz , barulho
que vem da
casa de Javé .
No v.14a, a frase idiomática olhou , seguida de dois particípios hebraicos ( posto
em pé e
e tocando ) mostram a intensidade da ação descrita. Em cada uma das
subunidades aqui estudadas, o verbo olhou , viu , tem como objeto um fato que
desencadeia a ação principal a ser em breve narrada: Na primeira subunidade (v.1-3), Atalia
vê o filho morto (v. 1a): estando o trono vazio, ela se levanta e toma as devidas providências
para torna-rse rainha. Na segunda subunidade (v. 13-16), Atalia vê o filho de Ocozias vivo, no
lugar e na postura da coroação (v.14), o que a Atalia serve de sinal de que será deposta.
A descrição do final do reinado de Atalia é curta e dramática:
45
13
e escutou Atalia o som dos precursores e do povo
e veio até ao povo, a casa de Javé.
Os v.13-14 direcionam os olhares ao centro da cena:70 Atalia e os leitores observam a
coroação de Joás em andamento:
14
E olhou e eis que o rei estando de pé junto à coluna, segundo o direito.
E [estando] os oficiais e os trombeteiros junto ao rei,
e todo o povo da terra se alegrou
e tocou trombetas.
E rasgou Atalia as suas vestes
e gritou:
Traição, traição! .
Segundo Roland de Vaux, a expressão , o rei estando
de pé junto à coluna segundo o direito ,71 indica que havia no templo um lugar especial,
70 Conferir Burke Long, 2 King, p.151; Lloyd Barré, The Rhetoric of Political Persuasion, p.93.
71 Conferir 2Rs 23,3 e 2Rs 16,18.
46
reservado ao rei, como também havia um lugar equivalente para o faraó nos templos egípcios.
Ali o rei ficava durante a cerimônia de consagração.72
Por meio da fórmula segundo o direito , o narrador mostra que as ações de
Joiada estavam dentro do hábito estabelecido, legalizado, ou talvez simplesmente aluda à
tradição davídica (1Rs 1,38-40).73
No v.14g, encontra-se a única fala de Atalia em toda a narração do seu reinado: Atalia
rasgou as suas vestes e gritou: Traição, traição! . Olhando a história dos reis, constata-se que
poucos foram os que falaram. A fala de Atalia é importante para a história das mulheres
bíblicas: apesar de ser a constatação do êxito do golpe de Joiada, a rainha Atalia deixou no
eco da sua voz, a coragem de discordar, sem medo, mesmo estando só.
Nos dois primeiros versículos (v.13-14), Atalia é ativa, ouve e vai em direção , vê toda
a cena, rasga suas vestes e grita.
Nos dois versículos seguintes (v.15-16), Joiada é ativo e Atalia passiva. A autoridade de
Joiada é sublinhada pelo comando no v.15d:
15d
fazei-a sair da casa por entre as fileiras
e aquele que vem atrás dela matai com a espada
As ordens de Joiada iniciam-se com o verbo no imperativo hifil fazei-a sair (v.15). A
continuação da frase, matai , está no passivo futuro hofal e dá seqüência à idéia da ordem do
comando de Joiada, mostrando ao leitor que quem comanda agora é ele.
72 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.153.
73 Burke Long, 2 King, p.152.
47
Além disso, o texto fala de um segundo grupo de oficiais,
os
inspecionadores do exército (v.15a), que não se identifica com os caritas nem com os
precursores (v.4 ).74
A ordem de Joiada é executada no v.16a. A interpretação da frase
e
colocaram a ela as mãos reflete uma ação violenta, mas contradiz o verbo seguinte
e
veio , segundo o qual Atalia ainda caminha e se movimenta com poder e vontade próprios.
Embora o poder de Atalia tenha sido vencido, ela é ainda uma pessoa da realeza e, nessa
condição, caminha. Ela se move para o palácio.75 Há quem prefira traduzir
por
abriram caminho para ela .76 Neste caso,
é traduzido por espaço . No enanto, a LXX e a
Vulgata tomaram as palavras mais literalmente, como se significassem que Atalia foi
forçosamente removida da casa de Javé .
4 - Breve conclusão para o primeiro capítulo
Levando-se em consideração o texto hebraico (variantes e tradução mais literal), poucos
fatos podem serem recuperados da narrativa dessa subunidade, quanto à história do reinado de
Atalia (841-836 a.C). Isso é confirmado no estudo dos aspectos formais. A estrutura mostra
que o real interesse do redator Deuteronomista era o destino do príncipe Joás. Não obstante,
como ressaltado no quadrilátero semiótico e no gênero literário, a narrativa reconhece Atalia
como rainha, apesar de ser altamente crítico em relação a sua ascensão ao trono de Judá.
O redator deuteronomista não considerava legítimo o governo de Atalia, e por isso não
utilizou as fórmulas de abertura e de encerramento, como em todas as histórias dos reis de
Judá e de Israel.
74 Patrícia Dutcher-Walls, Narrative Art, Political Rhetoric: The case of Athaliah and Joash, p.42
75 Patrícia Dutcher-Walls, Narrative Art, Political Rhetoric: The case of Athaliah and Joash, p.44-45.
76 Conferir Wilhelm Rudolph, 2Kön 11, p.474.
Capítulo 2
Atalia na história
O estudo do texto de 2Rs 11,1-3.13-16 precede necessariamente a discussão das
questões históricas acerca de Atalia. A obra deuteronomista não se interessa tanto pelas
questões políticas e econômicas história, e sim pelas questões religiosas e teológicas. Os
autores não pretendem relatar com precisão os acontecimentos e as obras de cada rei, e sim
demonstrar que a monarquia teve um fim trágico (exílio) devido à degradação dos reis. Todos
foram infiéis à Aliança, particularmente no que se refere ao monoteísmo e ao único santuário.1
Esta obra histórica tem dois personagens modelo: Davi, no sul, e Jeroboão, no norte.
Dado que a presente dissertação visa estudar a pessoa de Atalia e os anos de seu
governo, faz-se necessário situar esta rainha no contexto em que ela viveu e reinou.
1 - A rainha-mãe ou a gebirah
A história de Atalia é composta apenas por fragmentos e está inserida em um texto cuja
principal objeto é a entronização de Joás. O estudo da pessoa de Atalia exige que se aborde,
1 Conferir Antonio González Lamadrid, As tradições históricas de Israel, Petrópolis: Vozes, 1999, p.98 e
99.
49
ainda que não profundamente, os conceitos rainha-mãe
e gebirah e o seu uso nas fontes
bíblicas e extrabíblicas, assim como a importância desta personagem.
Rainha-mãe e gebirah são termos bastante discutidos entre os estudiosos. Uma boa
síntese da discussão é feita por Zafrira Ben-Barak.2 Alguns autores consideram o termo
gebirah uma lembrança de um período matriarcal.3 Outros afirmam que o status político da
gebirah ou da rainha-mãe no governo estava abaixo apenas do próprio rei.4 Outros, ainda,
defendem a idéia de que ela exercia seu poder principalmente no âmbito cultual.5 Também há
quem atribua a ela a função de conselheira-chefe do rei.6 Enfim, há pesquisadores que falam
até mesmo de uma instituição da gebirah7 que, na visão de Roland de Vaux, era exclusiva do
reino de Judá,8 enquanto outros acreditam ter-se originado sob a influência dos reinos
vizinhos.9
Os textos bíblicos utilizam o termo gebirah com três significados principais:
1 - mãe ou esposa do soberano reinante (1Rs 11,19; 2Rs 10,13; Jr
2 Zafrira Ben-Barak, The Status Right The Gebira, em: Athalya Brenner (organizadora), A Feminist
Companion to Samuel and Kings, Sheffield: Academic Press, 1994, p.170-185.
3 Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.171.
4 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.172.
5 Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.171, sugere que o ofício da gebirah em Israel era
primariamente religioso em sua motivação e estava baseado em algumas funções cultuais. Além disso, em
outras terras do Oriente Próximo, sugere-se que a posição ocupada pela rainha-mãe tivesse com
fundamentos considerações religiosas. Veja Christiane Desroches Noblecout, A mulher no tempo dos
Faraós, Campinas: Papirus, 1994, p.68.
6 A função fundamental da rainha-mãe era a de principal conselheira do rei e do povo. Zafrira Ben-Barak,
The Status Right the Gebira, p.171,
7 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.172-173.
8 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.172.
9 Zafrira Ben-Barak, The Status Right The Gebira, A influência hitita foi grandemente notada por Roland
de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.173. Conferir Herbert Donner, Art und Herkunft, p.123-
130, que enfatiza a influência direta dos sistemas políticos da Síria, de Canaã e do Egito.
50
29,2; 1Rs 15,13; 2Cr 15,16; Jr 13,18);10
2 - regente feminina, governadora (Is 47,5. 7);
3- patroa em relação à serva (Gn 16,4.8.9; 2Rs 5,3; Sl 123,2; Pr 30,23;
Is 24,2).
Destes três significados, o mais comum e freqüente é o de rainha-mãe.
Para o historiador Josy Eisenberg, o título de rainha-mãe não indicaria propriamente
uma função. Seria mais uma relação filial e conjugal. Eisenberg afirma ainda que as mulheres
que exerceram uma autoridade régia, fizeram-no a título de regente ou por terem usurpado o
trono .11 As afirmações de Josy Eisenberg não deixam de ser tendenciosas.
Entretanto, pode-se dizer que houve rainhas em Israel: Jezabel (1Rs 21), Atalia (2Rs
11,1-20), Salomé Alexandra. Esta última não tem sua história narrada na Bíblia, e sim nas
obras de Flávio Josefo. Ela governou de 76 a 67 a.C e, segundo o afirmado por aquele
historiador, seu reinado foi apreciado pelos judeus. 12
Alguns textos bíblicos permitem afirmar que o título de rainha-mãe não era somente
honorífico, mas indicava uma função especial, pois o rei Asa chegou a retirar de sua mãe o
título de rainha-mãe, porque ela fizera um ídolo para Aserá (1Rs 15,13).13 Segundo Herbert
Donner, ela não era simplesmente a mãe do rei, mas possuía um reconhecido cargo com
direitos e obrigações, que já não podem mais ser definidas com exatidão .14 A rainha-mãe
10 Somente uma vez o termo gebirah refere-se, efetivamente, à esposa do rei: Táfnis, a esposa do Faraó (1Rs
11,19). A LXX, contudo, lê gedolah.
11 Josy Eisenberg, A mulher no tempo da Bíblia - enfoque histórico-sociológico, São Paulo: Paulinas, 1998,
p.297.
12 Flávio Josefo, Antiguidades judaicas, 13.408.
13 John L Mackenzie, Dicionário bíblico, São Paulo: Paulus, 1983, p.770-771.
14 Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, São Leopoldo/Petrópolis: Sinodal/Vozes, 1997.
vol.2, p.291.
51
sentava-se à direita do rei (2Rs 2,19) e talvez usasse uma coroa (conferir Jr 13,18). A esposa
de Josias, Hamital, parece ter exercido a função de rainha-mãe duas vezes, uma no reinado de
Joacaz (2Rs 23,31) e outra no reinado de Sedecias (2Rs 24,18). Por isso, não se deve
subestimar a importância do título, uma vez que a incerteza a respeito de quem era a gebirah
podia significar também a incerteza a respeito de quem era o sucessor do rei (1Rs1).15
O título de rainha-mãe é mencionado em relação aos reis de Judá, exceto nos casos de
Jorão (2Rs 8,16-18) e de Acaz (2Rs 16,2-3). Talvez o termo seja uma fórmula de introdução,
já que as rainhas-mães de Israel não são mencionadas. Esta é a hipótese de Zafrira Ben-Barak:
Visto que as rainhas-mães nunca são mencionadas quando se trata do reino
de Israel ou de qualquer outra monarquia na região, podemos afirmar que a
mão do redator deuteronomista interveio naqueles casos para marcar a
ascensão dos reis de Judá ao trono com a solenidade apropriada,
possivelmente para enfatizar a ininterrupta continuidade dinástica da casa de
Davi .16
É provável que Atalia tenha assumido o lugar de rainha-mãe.17 Com isso, competia-lhe a
importante função de cuidar da estabilidade da realeza e, eventualmente, exercer a regência,
até que a ocupação por direito se tornasse viável. No caso de Atalia, a destruição da família
real e a usurpação do trono têm sido provas do poder decorrente do status da rainha-mãe.18 No
entanto, Zafrira Ben-Barak acredita que este foi um ato desesperado de Atalia, por ser filha
15 John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.771.
16 Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.172. Somente uma vez, em 2Rs10,13, encontramos o
termo gebirah aplicado à uma rainha de Israel. Só pode ser Jezabel; mas, como observa Roland de Vaux,
Instituciones del Antiguo Testamento, Barcelona: Heder, 1992, p.172-174, a palavra está colocada na
boca dos príncipes de Judá. De Vaux chama ainda a atenção para o termo raro segal (Sl 45,19) e sugere
que este seja o equivalente israelita da gebirah de Judá.
17 Conferir 1Rs 2,19;11,19; 14,21; 15,13; 2 Rs 10,13; Jr 13,18; 29,2, Veja Christiane Desroches Noblecout,
A mulher no tempo dos faraós, p.68.
18 Ernst Würthwein, Die Bürcher der Könige, p.346.
52
de quem era e temendo ser destruída pelos judeus tementes a Deus , o que, de fato, acabou
acontecendo, como relata 2Rs 11,16.
Os exemplos encontrados nas fontes historiográficas bíblicas permitem dizer que a
gebirah tinham status e poder, notadamente Betsabéia, mãe de Salomão, Maaca, mãe de
Abias, Hamital, mãe de Joacaz e Sedecias, e Noesta, mãe de Joaquin. Estas quatro mulheres
têm algo em comum:
1 - Betsabéia, filha de Eliam (2Sm11,3), foi a primeira gebirah. No relato
em que Betsabéia intercede junto ao seu filho Salomão em favor de Adonias
(1Rs 2,13-25), o comportamento do rei diante de sua mãe pode dever-se ao
alto status da gebirah: o rei ergueu-se para ir ao seu encontro e se prostrou
diante dela; depois sentou-se no trono e mandou colocar um assento para a
mãe do rei e ela sentou-se à sua direita (1Rs 2,20). Esclarece Zafrira Ben-
Barak: era costume em Israel e em outras monarquias nas terras da Bíblia
que a sucessão monárquica deveria recair sobre o filho primogênito ou sobre
o filho mais velho. 19 Com a morte de Davi (1Rs 2), por direito, o trono seria
de Adonias.20 No entanto, com a ajuda de Natan, Betsabéia consegue mudar
a ordem natural e coloca seu filho Salomão no trono de Jerusalém.21
19 Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.178. Quanto ao direito do primogênito ao trono, ver
Lewy, H. Nitokris-Naqi a, Journal of Near Eastern Studies vol.2, 1952, p.264-286. Esta estudiosa afirma
que o direito do primogênito ao trono é indisputável. Em um outro estudo, Zafrira Ben-Barak, Sucession
to the Throne in Israel and in Assyria, Orientalia Lovaniensia Periodica, v.17, 1986, p.85-100, conclui
que a sucessão ao trono procedia de acordo com uma ordem aceita: a ordem da primogenitura. O
primogênito tinha o direito ao trono. Se o primogênito morresse, o privilégio passaria ao irmão seguinte
na linha de sucessão. Nos textos assírios, a expressão que define o herdeiro é bem clara quanto aos
direitos do primogênito: o filho mais velho do rei da casa da sucessão .
20 Com as mortes de Amnon e de Absalão, o sucessor seria Adonias, o filho de Hagit. Ele era o quarto filho
de Davi do período de Hebron, enquanto Salomão, filho de Betsabéia, era do período de Jerusalém (1Cr
3,1-5).
21 Para o conflito de Salomão e Adonias, conferir 1Rs 1-2.
53
2 - Maaca foi mãe de Abias, que era o filho mais novo (2Cr 11,18-23). O
amor de Jeroboão por Maaca fez de Abias seu sucessor. Ela tentou manter a
sua influência durante o reinado de Asa (1Rs 15,9-13), que era também seu
filho ou talvez seu neto.22
3 - Hamital foi mãe de Joacaz, o qual ascendeu ao trono de Judá antes de seu
irmão mais velho, Joaquim, que era o legítimo herdeiro do trono (2Rs
23,31.36).
4 - Noesta era a filha de uma das mais distintas famílias de Jerusalém e mãe
de Joaquin (2Rs 24,8). Sobre a ascensão de seu filho ao trono, 2Rs 24,8-18
afirma que Joaquin tornou-se rei com a idade de dezoito anos, e que
Sedecias era seu tio.
Todas essas mulheres têm em comum o fato de serem a mãe de um filho mais jovem,
sem direito ao trono que, aparentemente, pertencia por direito ao filho mais velho. Cada uma
delas, no entanto, usou de sua influência para fazer seu filho ascender ao trono, rompendo
assim uma estrutura estabelecida.
Nos casos de Betsabéia, Maaca, Hamital e Noesta, as rainhas-mães de Jerusalém e da
Samaria seguem o exemplo de rainhas-mães do Egito que alcançaram grande poder político
no reinado de seus filhos. Textos extrabíblicos seguem o mesmo modelo encontrado no
Antigo Testamento: a mãe provoca a ascensão de um filho mais jovem ao poder, o novo
monarca tornou-se rei sem a devida legitimidade.
22 Segundo 1Rs 15,10 e 2Cr 15,16, Asa era filho de Maaca. No entanto, 1Rs 15,2 e 2Cr 11,22 atestam que
Maaca era mãe de Abias, o pai de Asa (1Rs 15,8), o que indica que Maaca era avó de Asa.
54
Eis uma listagem cronológica de rainhas-mães pertencentes a esta categoria:23
1. Ahatmilku, esposa de Niqmepa, rei de Ugarit (séculos XIV e XIII a.C.),
ajudou seu jovem filho Ammistamru II a subir ao trono, embora ele tivesse
irmãos mais velhos.24
2. Puduhepa, esposa de Hattushili III, rei de Hatti (século XIII a.C.), ajudou
seu marido a usurpar o poder e, como conseqüência, assegurou que seu filho,
Tudhalya IV, fosse coroado rei.
3. Tm, esposa de Hayyah, rei de Y dy-Sam al (século IX a.C.) esteve por
trás da sucessão de seu jovem filho, Kilamuwa, que tinha um irmão mais
velho.
4. Sammuramat, esposa de am i-Adad V, rei da Assíria (séculos IX e VIII
a.C.), ajudou seu filho Adadnirari III, a tomar posse do reino, embora ele
fosse um filho mais novo sem direito à coroa.
5. Naqi a-Zakûtu, esposa de Senaquerib, rei da Assíria (séculos VIII e VII
a.C.), esteve por trás da decisão de seu marido na escolha de seu filho mais
jovem, Asaradon, como herdeiro real, não obstante de haver um irmão mais
velho. Depois da ascensão de seu filho, ela adquiriu enorme influência na
corte e, conseqüentemente, pôde intervir em favor de seu neto, Assurbanipal,
que se tornou o rei sucessor, e não o irmão mais velho, ama - um-Ukin.
23 Esta lista está conforme o texto apresentado por Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.183-
184.
24 Zafrira Ben-Barak, The Status Right the Gebira, p.183. Quanto ao poder de Ahatmilku no reino, ver seu
selo em Palais Royal d Ugarit III v.16, p.197 e p.150-151. Conferir Michael Heltzer, The Rural
Community In Ancient Ugarit, Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag, 1976, p.83.
55
6. Adad-Guppi, da Babilônia (século VI a.C.), usou de força para estabelecer
seu filho, Nabônides, sobre o trono da Babilônia, embora ele não fosse filho
do rei. Ela mesma adquiriu considerável influência no reino.
7. Atossa, esposa de Dario I, rei da Pérsia (séculos VI e V a.C.), em virtude
de sua distinta linhagem, foi capaz de colocar seu filho Xerxes no trono da
nação, embora ele tivesse irmãos mais velhos que o precediam na linha de
sucessão .
Estes exemplos de rainhas-mães e da gebirah que exerceram influências na corte são
pouco representativas em comparação à quantidade de reis, tanto em Israel como no Antigo
Oriente Próximo, mas não se pode subestimar a importância da gebirah no processo
sucessório (conferir 1Rs 1). Por outro lado, o caso destas mulheres, que exerceram tamanha
importância na sua época, não é algo isolado. De fato, o status da rainha-mãe na corte de Judá
foi copiado da corte do Egito,25 onde a rainha-mãe era a segunda pessoa na linha do poder.
2 - Quem era o pai de Atalia?
Atalia é filha do norte. Conseqüentemente, é considerada idólatra (v.17) e contrária à
dinastia de Davi (v.1-3). No entanto, não há informações claras a respeito dos progenitores de
de Atalia. Quem era o pai: Omri ou Acab? Da resposta a esta pergunta depende também a
resposta de outra: A mãe de Atalia, era Jezabel?
O texto bíblico apresenta duas soluções possíveis para definir a filiação de Atalia: Acab
(2Rs 8,18; 2Cr 21,6) e Omri (2Rs 8,26; 2Cr 22,2). Trata-se de um problema não fácil de
resolver. Segundo Katzenstein,
25 Christiane Desroches Noblecout, A mulher no tempo dos Faraós, p.59-66.
56
A Bíblia dá três datas importantes pertinentes à paternidade de Atalia. São
elas: a idade, a duração do reino e o ano da morte de Ocozias, rei de Judá. 26
A revolta de Jeú é datada no ano 841 a.C.27 Ocozias, morto por Jeú, tinha vinte e
dois anos quando subiu ao trono, e reinou um ano (2Rs 8,26). Ocozias, portanto, teria nascido
no ano de 864 a.C.
Se Ocozias era o primeiro filho de Atalia, e se o casamento de Atalia com Jorão ocorreu
um ano antes do nascimento de Ocozias, em 865 a.C., pode-se datar o nascimento de Atalia
em torno de 880 a.C., durante o reinado de Omri (885-875 a.C) em Efraim. Em Judá, Acab
ascendeu ao trono em torno de 875 a.C, e possivelmente tenha-se casado com Jezabel, em 874
a.C. Essas datas permitem concluir que Acab poderia ter sido o pai de Atalia, mas Jezabel não
poderia ter sido a mãe.28 Após analisar essas datas, Katzenstein conclui que Atalia pode de
fato ter sido filha de Omri29, conforme 2Rs 8,26 e 2Cr 22,2. A atribuição de tal paternidade a
Acab, em 2Rs 8,18; 2Cr 21,6, é assim justificada:
Atalia cresceu como órfã na corte de Acab, o que é revelado pela
denominação a filha de Acab e casa de Acab .30
Em resumo, considera-se que Atalia seja filha de Omri (2Rs 8,26). Ela pertencia à
forte dinastia do reino de Efraim, apesar de pouco citada no Antigo Testamento.31 Atalia
26 H. J. Katzenstein, Who were the Parents of Athaliah? Israel Exploration Journal, 1955, p.194.
27 Pelo sincronismo com as datas dos reis assírios . Conferir H. J. Katzenstein, Who were the Parents of
Athaliah? p.194.
28 H. Katzenstein, Who were the of Parents Athaliah? p.197. Conferir John Bright, História de Israel, p.321.
29 Conferir Tércio Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.108, que é contrário a essa opinião.
Para Siqueira, Atalia era filha de Acab, conforme 2Rs 8,26-27, no qual se afirma que Ocozias, rei de
Judá, era filho de Atalia, e parente de Acab. Siqueira defende a idéia de que Atalia era israelita por parte
de pai e fenícia por parte de mãe.
30 H. Katzenstein, Who were the Parents of Athaliah? p.197.
31 Conferir John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.40.
57
nasceu em torno do ano 880 a.C. (cerca de seis anos antes de Acab se casar com Jezabel),
enquanto seu pai Omri lutava pela consolidação da sua soberania (1Rs 16,21-22).32
3 - Judá e Israel no período de Atalia
Uma vez estabelecida a filiação de Atalia, pode-se passar ao seu reinado. Para tanto,
é necessário apresentar as relações entre Judá e Israel no período de Atalia, a situação
econômica e política dos dois reinos, e os reis próximos ao seu governo.
Judá era um país pequeno: uma cidade-estado, Jerusalém, no extremo norte, e quatro
regiões geográficas: a região montanhosa, o deserto, o Negeb e a Sefelá33. Enquanto em
Jerusalém a atividade econômica forte era o comércio, as quatro regiões desenvolviam a
atividade agro-pastoril. Em termos políticos, Judá gozava de estabilidade, pois a monarquia
judaíta continuava a linhagem davídica, a qual, não obstante duras crises, perdurou por cerca
de quinhentos anos.
O Israel do norte ou Efraim, ao se separar de Judá, rompe também com a dinastia
davídica, que continua a perdurar no reino do sul. O reino do norte é também mais vasto, mais
diversificado, mais rico e mais populoso. As grandes tradições religiosas são conservadas nos
santuários de Siquém, Betel, Silo e Dã.34 Quanto à economia, o Israel do norte tem
importantes pontos comerciais. Siquém, uma cidade praticamente habitada pelas tribos de
Efraim e Manassés, constitui um ponto comercial interno. Equipara-se, em importância, a
Jerusalém. Por sua vez, a Samaria está voltada para o comércio marítimo e alia-se
comercialmente aos fenícios.
32 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.81.
33 Sefelá é um termo hebraico para designar um terreno baixo. A Sefelá é também um dos solos mais ricos e
valiosos dentre as regiões do reino de Judá, por sua produção agrícola.
34 VV.AA., Israel e Judá, p.55.
58
Em termos geográficos, Israel é mais favorecido pelas rotas comerciais. Não obstante, é
mais ameaçado, pois, ao sul do Carmelo mandam os filisteus, e na planície de Aco, os
inimigos vindos do norte, que podem utilizar a costa fenícia como via de acesso à Galiléia
superior e à Transjordânia setentrional contra os arameus de Damasco, e à Transjordânia
meridional contra os moabitas .35 Em breve tempo, as forças militares de Israel tornam-se
superiores às de Judá, pois, pelo fato de o país estar em meio a uma rota de trânsito constante
de norte a sul e de leste a oeste, obrigam-se a estar sempre alertas contra prováveis inimigos.
A concepção de estado monárquico é diferente nos dois reinos. O reino do norte não
conta com a estabilidade dinástica do reino irmão, Judá. No Israel do norte há uma
continuidade da época de Saul no tange ao aspecto carismático,36 a partir do profeta Aías, que
fala em nome de Javé e elege o primeiro rei de Israel, Jeroboão (1Rs 11,31.37).37 Segundo o
autor bíblico é Javé quem designa e quem tira os reis em Israel (1Rs 14,7-11; 16,1-4; 21,20-
24; 2Rs 9,7-10; Os 13,11). Porém, de acordo com Os 8,4, Israel também institui reis sem a
intervenção de Javé.38 Portanto, a sucessão hereditária não é conhecida antes de Omri.
3.1 - O reino de Israel e o reinado de Omri
O breve esboço do ponto precedente oferece as informações introdutórias necessáiras
para se compreender os reinados dos contemporâneos de Atalia. Sobre o Israel do norte, será
apresentada uma síntese do reinado de Omri. Faz-se necessário mencionar esta dinastia
conhecida também como casa de Omri 39 por ter ligação direta com o reinado e a pessoa de
Atalia. O governo de Atalia se realizou, justamente, devido à ligação entre os dois reinos e à
prosperidade econômica iniciada por Omri.
35 Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.300.
36 Roland deVaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.145.
37 Veja Mario Liverani, Oltre la Bibbia - Storia antica di Israele, Roma: Editori Laterza, 2004, p.116-118.
38 Roland deVaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.145.
39 Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, Le tracce di Mosè - La Bibbia tra storia e mito. Roma: Carocci,
2002, p.184 -188.
59
A princípio, o reino do Norte, Israel, tinha sua capital em Tirsa40 (1Rs 16,15). Na luta
pela sucessão, o palácio foi incendiado e o rei Zambri morreu (885 a.C.). Vendo Zambri que
a cidade era tomada, foi-se ao castelo da casa do rei, e o queimou sobre si, e morreu (1Rs
16,18). Omri, que era comandante do exército sob o reinado de Ela (1Rs 16,16), apoiado pela
metade do exército de Israel, tornou-se rei (v.22). E assim começou no norte uma monarquia
israelita que conseguiu se manter até a quarta geração (1Rs 16,23-24.29; 22,52-54; 2Rs 3,1-
3), exterminada por Jeú (2Rs 9,22-23). Omri reinou de 885 a 841 a.C. Portanto, foi ele quem
iniciou uma breve, mas, poderosa dinastia.41
Naquele contexto de destruição do palácio, Omri comprou uma área e construiu a
Samaria,42 A nova cidade recebeu o nome do dono da terra: = . Samaria tornou-se
a capital definitiva do reino de Israel (1Rs 16,24). Além de ter sido construída em um
território neutro, isto é, não pertencente a nenhuma tribo ou clã, era mais bem protegida do
que Siquém e Tirsa.43 Militarmente, era mais fácil de ser defendida por ser de difícil acesso,
pois ficava no ponto mais alto da colina e isso lhe garantia uma excelente visão dos
40 Cidade cananéia incluída na lista das cidades conquistadas por Josué (Js 12,24), residência real dos reis de
Israel sob Jeroboão, Baasa, Ela, Zambri, e, por seis anos, de Omri (1Rs 14,17; 15,21.33; 16,6.8-9.15.17).
John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.924. Conferir Roland de Vaux, Historia Antigua de Israel - Desde
los Origenes a la entrada en Canaan, Madrid: Cristiandad, 1971, vol.1, p.48-49..
41 Veja Mario Liverani, Oltre la Bibbia - Storia antica di Israele, p.116-117.
42 Omri comprou a área de um cananeu por dois talentos (cerca de 60 kg) de prata, conforme 1Rs 16, 24.
Segundo o costume, as terras de Israel não podiam ser vendidas, pois Javé era tido como dono, conforme
Lv 25, 23. Deve-se notar, no entanto, que em todos os negócios de terra no AT, o vendedor é cananeu: Gn
23; 33,19; 2Sm 24,18ss; Jr 32,6. Para o direito de reaquisição, conferir Rt 4. Isso se explica,
provavelmente, pelo fato de que, entre os cananeus, o comércio de terras era legal. Conferir Herbert
Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.308-309. Omri transferiu a capital de Tirsa para
Samaria. A organização da cidade teve continuidade com seu filho Acab (1Rs 16,32) e com Jeroboão II
(2Rs 14,23). O esplendor da cidade foi condenado pelos profetas: Am 4,1; Os 8,5; Mq 1,5; Is 28,1. Em
722 a.C., a Samaria foi tomada pelos assírios. (2Rs 17,5-6). Conferir Israel Finkelstein e Neil Asher
Silberman, Le tracce di Mosè - La Bibbia tra storia e mito, p.192-198.
43 Mario Liverani, Oltre la Bibbia - Storia antica di Israele, p.146. Conferir também Israel Finkelstein e Neil
Asher Silberman, Le tracce di Mosè - La Bibbia tra storia e mito, p.188-192.
60
arredores.44 Sem dúvida, a construção da capital na Samaria foi um dos sinais do poderio de
Omri e de seus descendentes.45
Embora os textos bíblicos não ofereçam muitas informações sobre a política interna e
externa de Omri, pode-se afirmar que, quando Omri assumiu o reino de Israel, o país estava
devastado devido às várias guerras: com Judá (1Rs 15,16), com Damasco (1Rs 15,20) e com
os filisteus (1Rs 15,27). No entanto, se os dados bíblicos são poucos, é de grande importância
histórica a inscrição na estela de Mesa, uma fonte extrabíblica que ajuda a reconstruir a
história israelita do século IX a.C. De acordo com a estela de Mesa,46 Omri e Acab
submeteram Moab à vassalagem. A parte da inscrição referente a Omri não deixa dúvidas de
que Mesa teve que pagar tributo à Samaria:
Eu sou Mesha, filho de Kemosh, rei de Moa, o dibonita. (...) Omri era rei de
Israel e oprimiu Moab durante numerosos dias.
Este documento é sumamente importante por mostrar uma parcela das atividades
políticas e militares de Omri, que representa a conquista de um território do outro lado do
Jordão.
Omri marcou seu reinado por relações políticas e comerciais importantes para Israel. A
economia de Israel e a do país seu vizinho, a Fenícia, eram complementares.47 A agricultura
era a riqueza da Samaria; por sua vez, a economia das cidades costeiras da Fenícia baseava-se
principalmente no comércio. A aliança entre os reinos se concretizou com o casamento de
44 Milton Schwantes, O estado monárquico nas montanhas palestinenses no final do séc XI aC, p.31.
45 Conferir a planta da Samaria, baseada nas recentes descobertas arqueológicas, e a fotografia do palácio de
Omri, nos anexos 3 e 4, p.94-96.
46 Maiores informações sobre estela de Mesa, bem como uma tradução do seu texto, encontra-se mais
adiante, no anexo 2, p.91-93.
47 Israel Finkelstein, The Archaeology of the Israelit settlement, Jerusalem: Israel Exploration Society, 1988,
p.85.
61
Acab, filho de Omri (1Rs 16,30), com Jezabel, filha do rei sidônio Etbaal (1Rs 16,31).48 Este
casamento tinha motivações econômicas e militares que beneficiariam ambas as partes. Omri
firmou outra importante aliança, desta vez com Judá, por meio do casamento de sua filha,
Atalia, com Jorão (2Cr 22,2). Segundo Levin, um ano depois da ascensão de Josafá ao trono
de Judá, durante o reinado de Acab, Atalia foi levada à corte de Jerusalém e casou-se com
Jorão, sucessor do trono de Judá (2Rs 8,18.26). Assim ele garantiu as ligações políticas
através dos matrimônios.49
3.2 - Os reis de Judá
Para se entender o governo de Atalia, é necessário falar também de alguns reis que,
devido ao parentesco e à política, justificam a presença de Atalia no reino de Judá. Porém, não
cabe a este trabalho uma análise mais profunda de cada rei.50
3.2.1 - Reinado de Jorão de Judá
Com a morte do rei Asa de Judá (1Rs 15,23-24), seu filho Josafá (871-847) interrompe
o período de beligerância entre os dois estados-irmãos.51
Jorão, filho de Josafá (2Rs 8,16-24), reinou em Judá no período de 848 a 841 a.C,
durante um período de paz com Israel. Provavelmente, o casamento com Atalia consolidou
esta paz política entre os dois estados-irmãos.52
48 Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, Le tracce di Mosè - La Bibbia tra storia e mito, p.199-200.
49 Lloyd Barré, The Rhetoric of Political Persuasion, p.86.
50 Mario Liverani, Oltre la Bibbia - Storia antica di Israele, p.143-158.
51 Conferir os textos que mostram Israel e Judá fazendo alianças de guerra: 1Rs 22,2-38; 2Rs 3,4-27; 9,7.
52 Herbert Donner, História de Israel e dos povos vizinhos, p.289-311; John Mackenzie, Dicionário bíblico,
p. 303-304.
62
Não obstante a paz entre Judá e Efraim, durante o reinado de Jorão, Edom53 rebelou-se e
conquistou definitivamente sua libertação do domínio de Judá e restaurou sua monarquia
(conferir 2Rs 8,20-22). Jorão enfrentou mais uma insurreição, a de Lebna (2Rs 8,22).54
3.2.2 - Reinado de Ocozias
Jorão foi sucedido por seu filho Ocozias (2Rs 8,25). Durante o governo de Ocozias não
foi desrespeitado o acordo de paz entre Israel e Judá. O reinado do filho de Atalia e Jorão foi
breve, um ano apenas (841 a.C.). Sobre Ocozias e seu reinado temos poucas informações. Ele
auxiliou Jorão de Israel, o último omrida, na batalha contra os arameus para conquistar Ramot
de Galaad (2Rs 8,28). Nesta batalha, Jorão de Israel foi ferido, e dirigiu-se ao palácio de
Jezrael, para recuperar-se dos ferimentos. Ocozias foi visitá-lo, mas, durante a visita, Jorão foi
assassinado por Jeú (2Rs 9,14-26). Ocozias fugiu, mas perto de Jeblaam55 foi ferido e buscou
refúgio em Meguido,56 onde morreu (2Rs 9,27-29).
3.2.3 - Reinado de Atalia
Atalia esteve na corte de Judá como esposa do rei Jorão (848 a 841 a.C.), como rainha-
mãe (841 a.C.) e, por fim, como soberana de 841 a 836 a.C.
O período de paz, entre Israel e Judá, termina repentinamente. Jeú (2Rs 9) extermina a
dinastia de Omri, da qual descende Atalia, colocando um fim abrupto na amizade entre norte e
53 Edom, Nm 20,23, era um reino vassalo de Judá, no tempo de Josafá (1Rs 22,45), até no começo do reino
de Jorão (conferir 2Rs 3,9).
54 Lebna era uma das cidades cananéias tomadas por Josué (Js 10,29-39; 12,15). Trata-se de uma cidade da
Sefelá e fica a cerca de 41 km de Jerusalém. Senaquerib estava sitiando Lebna quando enviou uma carta a
Ezequias, pedindo que se rendesse (2Rs 19,8; Is 37,8). A esposa de Josias veio de Lebna (2Rs
23,31;24.18; Jr 52,1).
55 Para a localização de Jeblaam, conferir Js 17,11; Jz 1,27.
56 Meguido é uma cidade situada num vale da cadeia do monte Carmelo, que une a planície costeira com a
planície Esdrelon. Foi cenário de algumas batalhas (Jz 4; 5,19). No período de Salomão, Meguido foi
reconstruída, conforme 1Rs 9,15. Além de Ocozias, também Josias morreu em Meguido (2Rs 23, 29-30)
(John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.598, 664).
63
sul, da qual a presença de Atalia em Jerusalém era a expressão viva.57
Quanto aos acontecimentos narrados em 2Rs 11, surgem diversos problemas para
interpretá-los. Se Atalia tentou exterminar a descendência da realeza de Judá, cometeu uma
insensatez, pois com a eliminação da casa de Omri, sob Jeú, a mãe de Ocozias ficou sem
qualquer apoio no norte. Não é de se duvidar, porém, que diante daqueles acontecimentos,
Atalia, rainha-mãe em Judá, não tenha hesitado em assumir o trono de Jesuralém, 58 pois o rei
estava morto junto, com quarenta e dois integrantes da corte real, e o descendente vivo de
Ocozias era um lactente.59
Frente a essas dificuldades que envolvem a tomada do poder por Atalia, Christoph
Levin apresenta a sua hipótese:
A nossa hipótese é que Atalia, por causa de sua posição como mãe do rei,
em vista de uma situação difícil e urgente causada pela revolução de Jeú,
assumiu o governo para poder colocá-lo nas mãos de seu neto quando
chegasse o tempo certo. Não chegou até aí. 60
Atalia governou como senhora absoluta por seis anos em Judá, o que faz surgir algumas
perguntas: Quem a manteve no poder? Que tipo de governo ela exerceu? Baseado em que
modelo?
Para se responder a tais perguntas, é necessário situar a questão do poder. No reino do
sul havia dois pólos de poder: Jerusalém e Judá. Em Jerusalém, estava a burocracia de estado;
em Judá, o poder produtivo. Não se pode esquecer que o reinado do sul começou em Hebrom,
57 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.85.
58 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.86.
59 Ver 2Rs11,2-3; 2Cr 22,11.
60 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p. 86-88.
64
com Davi. Com efeito, os reis podiam basear seu poder em Jerusalém, centro comercial, e em
Judá, ambiente agrícola. O texto sugere que Atalia se aliou à elite comercial61 de Jerusalém,
mas não à elite de Judá, já que o povo da terra participou da deposição da rainha. É
provável, portanto, que entre a população de Jerusalém houvesse um grupo de simpatizantes
de Atalia (2Rs 11,20a), pois não lhe seria possível reinar por seis anos sem nenhum apoio
político e militar.
O silêncio sobre os seis anos de governo de Atalia torna possível afirmar que seu
governo não se caracterizou pela guerra nem pelo poderio do aparato militar, pois, se assim
fosse, provavelmente haveria mais notícias. Também é provável que o culto a Baal não tenha
tido a força sugerida pelo v.18, pois, neste caso, ela não teria conseguido permanecer por seis
anos no governo de Judá. Portanto, o ponto de referência para se compreender o período do
governo de Atalia é o comércio internacional. Tal afirmação tem como base as rotas
comerciais daquele período.
O porto de Ácaba favorecia o comércio das riquezas vindas do continente africano. Tal
produtos seguiam pelo Via Real até Damasco, ao norte. A Via Maris, ligava, por terra, Seli,
no Egito, a Damasco, na Síria. A atividade comercial realizado nestas rotas eram uma
excelente fonte de renda. Atalia provavelmente utiliza o porto de Ácaba e a Via Maris a
serviço do comércio de Jerusalém, assim como fizera o rei Salomão.
Além disso, o governo de Atalia provavelmente explorou as antigas rotas comerciais.
Atalia veio para Jerusalém em um período de relações políticas e comerciais importantes para
Israel. As economias de Israel e de seu país vizinho, a Fenícia, eram complementares. Por isso
é importante, neste trabalho, falar um pouco da habilidade comercial fenícia, adquirida por
meio da exploração marítima.
61 Conferir 2Rs 11,20. No decorrer de 2Rs 11,1-19 não se fala dos habitantes de Jerusalém, porém no v.20
menciona o povo da cidade . Eles não participam do golpe contra Atalia.
65
4 - A Fenícia
4.1. A origem dos fenícios
Os fenícios62 aparecem na história antiga como bons comerciantes e marinheiros. Os
historiadores referem-se a eles como cananeus. Os gregos os chamam de phoenikes, ou seja
pessoas vermelhas . Phoenikes63 era o nome de um tecido de cor púrpura, muito caro e
apreciado, que foi explorado pelos fenícios. Eram chamados de vermelhos porque seus
marinheiros usavam vestes vermelhas. A púrpura era extraída do molusco múrex, produtor da
pigmentação. Estes tecidos tingidos se tornaram tão caros que só os mais ricos podiam
comprar, por isso se tornou tecido real ou da nobreza.
A cultura fenícia florescia já três mil anos antes de Cristo na região litorânea hoje
dividida entre Líbano, Síria e Israel,64 desde o monte Líbano até o mar Mediterrâneo. Na
costa, os fenícios fundaram as cidades de Arados, Biblos, Sidon e Tiro. O seu litoral, de 320
quilômetros de extensão, era fértil. No entanto, os fenícios não puderam se estender para o
62 Há uma pesquisa financiada pela National Geographic Society na área da genética, para identificar a
origem dos fenícios. Segundo uma antiga teoria, os povos do mar, em suas migrações, misturaram-se com
populações cananaicas e deste amálgama surgiu a cultura e o povo fenício. A pesquisa genética de
Spencer Wells, geneticista americano, e Pierre Zalloua, cientista libanês, derrubou esta teoria. Diz Wells
Pelo que podemos ver, os fenícios não se misturavam muito. Parece que preferiam casar-se entre si. Eles
chegavam, comerciavam e partiam. Creio que isso só faz aumentar o seu mistério. Rick Gore, Quem
foram os fenícios? O DNA desvenda um dos mistérios da história, National Geographic Society,outubro
2004, p.70-93.
63 Conferir Rick Gore, Quem foram os fenícios? O DNA desvenda um dos mistérios da história, National
Geographic Society, p.78; veja John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.344.
64 Donald Harden, The Phoenicians, Londres: Thames and Hudson, 1962, p.44-50; conferir também Peter
Craigie, Ugarit and the Old Testament, Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co, 1983; Adrian Curtis,
Cities Of The Biblical World - Ugarit (Ras Shamra), Cambrige: Lutherworth Press, 1985. Michael
Heltzer, The Rural Community In Ancient Ugarit, Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verlag, 1976.
64 Donald Harden, The Phoenicians, Londres: Thames and Hudson, 1962, p.44-50; veja Peter Craigie,
Ugarit and the Old Testament. Michigan: W. M. Eerdmans Publishing Co, 1983; Adrian Curtis, Cities Of
The Biblical World
Ugarit (Ras Shamra), Cambrige: Lutherworth Press, 1985. Michael Heltzer, The
Rural Community In Ancient Ugarit, Wiesbaden: Dr. Ludwig Reichert Verag, 1976; e mais recentemente,
Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios Territoriales de las Ciudades-Estado
Fenícias, Barcelona: Gradisa, 2003, vol.9, p.15-17.
66
leste, devido à presença de vizinhos hostis. À medida que a população aumentava, o pequeno
país foi-se tornando superpovoado. Era lógico que, assim sendo, procurassem
progressivamente no mar a sua subsistência.
Chama a atenção o período em que os chamados povos do mar65 atacavam e
incendiavam a maioria das grandes cidades da costa mediterrânea menos as cidades fenícias.
Para a pesquisadora Maria Eugênia Aubet66, os fenícios fizeram um acordo com os povos do
mar, e por isso suas cidades não foram destruídas. Aubet afirma ainda: creio que eles se
tornaram amigos, a cultura material fenícia mostra muitos elementos deles. Os fenícios
aprenderam com eles a construir portos, ancoradouros e docas. Os povos do mar, tal como os
fenícios, eram excelentes navegadores e conheciam as rotas para o oeste, onde buscavam
metais preciosos. 67
4.2. A economia fenícia
Idealmente localizados para o comércio, a meio do caminho entre duas prósperas nações
o Egito, o país dos hititas, e a Mesopotâmia , os fenícios basearam o seu modo de vida
no transporte e na troca de mercadorias, tanto por terra como por mar. Pela Fenícia, passavam
as principais rotas de caravanas entre a África setentrional e os países mesopotâmicos. Os
fenícios transportavam, assim, mercadorias para o interior, até regiões tão distantes como a
Babilônia. Na sua condição de primeiros mercadores que operavam segundo um plano
organizado, expandiram-se para cada vez mais longe, partindo de seus grandes portos
marítimos, e fundando pequenas colônias em todo o Mediterrâneo. Surgiram, assim, colônias
65 Conferir Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios Territoriales de las Ciudades-
Estado Fenícias, p.39-40.
66 Maria Eugênia Aubet pesquisa a cultura fenícia, pela Universidade Pompeu Fabra, em Barcelona.
67 Rick Gore, Quem foram os fenícios? O DNA desvenda um dos mistérios da história, National
Geographic Society, p.87.
67
fenícias na Sicília e em Chipre e, a oeste, em Cades, no longínquo Sul de Espanha. Houve até
mesmo um pequeno entreposto comercial em Menfis, centro comercial do Egito.68
Os fenícios combinaram a sua habilidade de mercadores com outras artes. Eram
mineiros, metalúrgicos, armadores e tintureiros. Os bosques de cedro do Líbano abasteciam-
nos da madeira que vendiam no estrangeiro. Outro valioso artigo de exportação era o vidro
transparente, que fabricavam com a areia branca das suas praias. O alfabeto, que utilizaram
por volta do ano 1.000 a.C., forneceu as bases do alfabeto grego e, mais tarde, o alfabeto
romano e todos os alfabetos ocidentais.
Os historiadores crêem que os marinheiros fenícios foram os primeiros a aprender a
navegar, guiando-se pela Estrela Polar. As suas proezas marítimas foram de tal forma
difundidas na antiguidade que, com freqüência, outras nações consideravam mais rentável
empregar marinheiros fenícios como transportadores, do que construir as suas próprias frotas.
Por volta do ano 950 a.C., os fenícios abasteceram navios e marinheiros para uma
grande expedição contratada pelo rei Salomão de Israel. Esta viagem está assim registrada em
1Rs 9,26-28: E o rei Salomão preparou uma frota em Ezion-Geber (Elat, no golfo de Ácaba),
para as margens do Mar Vermelho... E Hiram (rei de Tiro, na Fenícia) incluiu na frota os seus
serviçais, marinheiros que sabiam do mar, em conjunto com os serviçais de Salomão. E
chegaram a Ofir, onde adquiriram ouro, quatrocentos e vinte talentos, e levaram-no ao rei
Salomão. 69
O texto menciona ainda aquisições de ouro e prata, marfim, macacos e pavões reais
(1Rs 10,22) em Ofir. Ofir, região famosa pelo seu precioso ouro, provavelmente é a mesma
Punt, região onde os egípcios haviam efetuado expedições. Contudo, é admissível que Ofir se
68 John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.344-346.
69 Conferir a rota fenícia ao redor da África, no anexo 5, p.97.
68
encontrasse no sul da Arábia, região que se tornara muito rica devido ao comércio do incenso
e onde também chegavam os mercadores indianos para trocarem as suas mercadorias. Os
pavões que trouxeram só poderiam ter vindo da Índia ou do Ceilão. É possível que a frota
tivesse chegado às costas da Índia.
Os fenícios, especialistas em comercio marítimo, compravam e vendiam de tudo para
todos ao longo do Mar Mediterrâneo. Eles comercializavam temperos, perfumes, incenso,
grãos, vinho, papiros, objetos, madeira, jarros, prata, ferro, cobre, armas, ornamentos, jóias,
animais, e escravos. Com suas barcaças70, navegaram para o Egito, Babilônia, Itália, Grécia,
Chipre, Creta, Espanha, oriente próximo e todos os lugares ao redor da África.
Dentre os centros comerciais fenícios destaca-se a cidade de Ugarit71, que manteve uma
próspera comunidade cosmopolita multi-cultural, na qual muitos estrangeiros viviam em
harmonia com os canaanitas nativos. Os visitantes eram mercadores influentes, oficiais,
artistas e diplomatas do Egito, Assíria, Creta, Chipre, Grécia e outros países mediterrâneos.
Na antiga cidade portuária de Sidon72, foi descoberta uma sepultura em que estavam
enterrados guerreiros da elite com armas. Chamam a atenção as armas dos guerreiros. Os
minerais empregados para fabricação destas armas podem ter vindo das minas da Turquia ou
de Chipre ou da Síria. Isso confirma que os habitantes de Sidon, por volta de 1950 a.C.,
faziam um próspero comercio de metais no Mediterrâneo oriental.
70 Uma ilustração de um barco fenício de 1.500 a.C. encontra-se no anexo 6, p.98.
71 John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.950. Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios
Territoriales de las Ciudades-Estado Fenícias, p.22-23.
72 Em 1998, a arqueóloga Claude Doumet-Serhal chefiou uma equipe para explorar, pela primeira vez, a
antiga cidade-porto de Sidon. Dentre os muitos achados, foi descoberta uma sepultura do século XX a.C.
Os primeiros corpos eram de guerreiros da elite. Seu túmulo foi construído com tijolos e adornado com
armas finamente trabalhadas. Mais tarde, pessoas comuns, inclusive crianças, foram colocadas em urnas
de argilas na mesma sepultura. Junto com os guerreiros estavam mais 30 ossadas humanas. Conferir Rick
Gore, Quem foram os fenícios? O DNA desvenda um dos mistérios da história, National Geographic
Society, p.90.
69
Do outro lado do Mediterrâneo, na Espanha, na baía de Mazarrón, perto de Cartagena,
foram encontrados dois navios fenícios naufragados73 no século VII a.C. Tal descoberta
ofereceu mais informações sobre a economia e vida dos fenícios. Esses navios são a chave
para compreendermos seu processo de colonização, a maneira como percorriam o
Mediterrâneo. Não podemos compreender os fenícios sem seus navios. 74
No VIII século a.C., os fenícios já haviam fundado povoados em toda a costa sul da
Espanha, a fim de comercializar produtos agrícolas e também as riquezas das minas ibéricas.
Foram encontrados também vestígios de presas de elefantes em Bir Massouda, indicando que
os navios mercantes que ali ancoravam comercializavam marfim.
Enfim, no campo da metalurgia, os fenícios acrescentavam grandes quantidades de
cálcio ao ferro, a fim de fortalecer o metal. O cálcio por eles empregado também provém do
molusco múrex.
4.3. Registros dos fenícios
Os fenícios importavam muitos papiros do Egito. Essas inúmeras importações acabaram
denominando de Biblos75 o primeiro grande porto fenício.
Os fenícios eram pessoas singulares e práticas, que constantemente procuravam
maneiras de negociar e comercializar. O que eles precisavam era um sistema simples de
escrita para manter os inventários, contabilidade, taxações de venda, e outras atividades
73 Informações de Ivan Negueruela, do Museu Nacional de Arqueologia Marítima da Espanha. Foram
encontrados intactos: nós, ânforas usadas pela tripulação para guardar mercadorias, pedras para moer
trigo, e uma âncora de madeira preenchida de chumbo. Eram navios de cargas com mais ou menos oito
metros de comprimento. Conferir Rick Gore, Quem foram os fenícios? O DNA desvenda um dos
mistérios da história, National Geographic Society, p.86.
74 Ainda Ivan Negueruela, segudndo Rick Gore, Quem foram os fenícios? O DNA desvenda um dos
mistérios da história, National Geographic Society, p.17.
75 Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios Territoriales de las Ciudades-Estado
Fenícias, p.61-76.
70
comerciais. Algum escriba fenício desconhecido realizou tal feito: retirou os pictogramas e
ideogramas dos complexos sistemas de escrita dos egípcios, sumérios e acádicos, e deixou
apenas símbolos alfabéticos.76
Como um povo mercador e intermediário da cultura, os fenícios transmitiram idéias,
mitos e conhecimentos aos israelitas, aos assírios e aos babilônicos. Essas idéias ajudaram
também a renovação cultural que levou a Grécia à sua idade de ouro e, a partir daí, o
nascimento da cultura ocidental.
As rotas comerciais fenícias propiciaram a expansão da língua escrita e, portanto, da
civilização literária ocidental, graças ao alfabeto fenício. Já 3.400 anos a.C., as antigas
cidades77 de Ugarit, Sidon, Tiro e Biblos foram pontos focais dos negócios fenícios, artes,
ofícios, arquitetura e atividades religiosas. Por meio de suas tabuletas cuneiformes e
inscrições lineares, essas populações antigas deixaram muitas informações não apenas sobre
suas práticas comerciais, mas sobre sua cultura e sociedade, suas famílias e vida social, seus
mitos, lendas e relações espirituais com seus deuses.78
Em conclusão, pode-se dizer que, se Atalia permaneceu por mais de seis anos no poder,
mesmo com a oposição da instituição religiosa e parte da instituição política, foi por ter
conseguido controlar os meios para sustentar a sua forma de governo. O fato de ter-se
mantido por um longo tempo no trono atesta sua desenvoltura política. Enfrentando a
76 Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios Territoriales de las Ciudades-Estado
Fenícias, p.17-30.
77 John Mackenzie, Dicionário bíblico, Ugarit: p.951, Tiro: p.938-940, Sidon: p. 877-878 e Biblos: p.123-
124. Conferir também Juan Antonio Belmonte, Cuatro Estudios sobre los Domínios Territoriales de las
Ciudades-Estado Fenícias, Biblos: p.61-76, Sidon: p.81-97, Tiro: p.99-108.
78 Conferir G. Del Olmo Lete, Mitos y leyendas de Canaan - Segun la tradición de Ugarit, Madrid:
Ediciones Cristiandad, 1981, p.36-74.
71
legalidade e o peso masculino da dinastia davídica, ela foi a única mulher a sentar-se no trono
de Judá, e, com certeza, manteve-se no poder seu governo, enquanto durou, foi perfeito.79
5 - O contexto político do golpe contra Atalia
As informações contidas em 2Rs 11 são ricas em detalhes a respeito da estrutura política
e social de Judá e de Jerusalém. O texto cita os nomes dos envolvidos, diretamente ou
indiretamente, na deposição e na morte de Atalia.
No contexto político do golpe contra o governo de Atalia, em 2Rs 11, dois grupos se
sobressaem na narrativa: os sacerdotes e o povo da terra. A narração mostra também que o
sumo sacerdote Joiada seria o mentor desse golpe, ao qual aderiu uma série de outros
segmentos políticos e do exército, a fim de conquistar o trono de Judá.
5.1 Os grupos sociais presentes em 2Reis 11
Para os redatores de 2Rs 11, o golpe contra o governo de Atalia obteve sucesso porque
contou com a adesão e a articulação minuciosa de vários grupos e setores da sociedade:
sacerdotes , oficiais , caritas , precursores e o povo da terra . De forma breve, será a
partir de agora apresentadado cada um destes grupos, sua provável origem e sua atuação no
golpe, conforme descrita pelo texto.
5.1.1 -
sacerdotes 80
A narrativa descreve o golpe como liderado pelo sumo-sacerdote Joiada
(v.4.9.12.15.17), o qual, após o sucesso do complô, atuou como regente do infante Joás (2Rs
79 Atalya Brenner, The Israelite Woman, p.30.
80 Sacerdote é um vocábulo muito empregado, também para estrangeiros: egípcios: Gn 41,45; fenícios: 2Rs
10,19; 11,18; filisteus: 1Sm 5,5; 6,2: moabitas Jr 48,7: amonitas Jr 49,3. Conferir Roland de Vaux,
Instituciones del Antiguo Testamento, p.450, veja John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.816-819; Tércio
Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.66-70.
72
12,1-6).81 No entanto, além de Joiada, o relato cita outro grupo de sacerdotes: o grupo dos
guardas da casa de Javé
(v.6 e 7). Apesar de o autor não
deixar clara a identificação desses guardas, é possível reconhecê-los como o grupo dos
levitas.82
Os levitas tiveram sua origem no período em que o povo caminhava pelo deserto e
tinham algumas funções específicas. Em primeiro lugar, deviam carregar, desmontar e montar
o tabernáculo ambulante (conferir Dt 10,8-9; 31,9.25; 33,8-11; Nm 1,49-53; 4; 2Sm 15,24).
Também estava a ele confiada a guarda do tabernáculo, a fim de formar uma barreira entre a
santidade sacerdotal e a impureza do povo. Cabia também aos levitas supervisionar o trabalho
da casa de Javé. Eles prestavam serviços aos sacerdotes, purificavam objetos sagrados;
preparavam o pão, cantavam as orações e tinham a responsabilidade de zelar por todo o
santuário (1Cr 23,28-32).83 Ezequiel destaca a função de um levita como guarda do templo
encarregado do serviço da guarda da porta do templo (Ez 44,11). Portanto, a literatura
sacerdotal, editada no período pós-exílio, é testemunha de que os levitas cumpriam funções
sacerdotais fora do culto sacrificial (conferir Ez 40-48). Para o presente estudo de 2Rs 11, o
dado importante é a identificação dos guardas da casa de Javé (v.6-7). Considera-se que se
trate do(s) grupo(s) dos levitas cujo encargo era guardar a parte exterior do templo, com a
finalidade de proteger o local sagrado contra qualquer tipo de ameaça.
Quanto a Joiada, pode-se dizer que era sumo-sacerdote do templo (v.15.18). Participava
da vida palaciana e pôde, sem dificuldade, chefiar a guarda oficial. Para Levin, Joiada deve ter
sido uma espécie de chanceler do Estado de Israel; aquele que chefiava a secretaria dos
escritos do rei .84
81 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.484-485.
82 Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.69.
83 John Mackenzie, Dicionário bíblico, p.545-546.
84 Christoph Levin, Der Sturz der Königin Atalja, p.90.
73
Portanto, nesta ação contra o governo de Atalia, pode-se dizer que havia dois grupos
sacerdotais: no comando, o grupo dos sumos-sacerdotes, representado, no texto, por Joiada; o
outro, o grupo dos levitas, é denominado de a guarda da casa de Javé (v.6-7).
5.1.2 - oficiais de cem
Em 2Rs 11,1-20, há cinco ocorrências do termo hebraico
oficiais , quatro vezes
no estado construído, na expressão
oficiais de cem .85
Os oficiais eram responsáveis por grupos de mil, de cem, de cinqüenta e de dez
homens. Esta escala hierárquica era herança do período do povo no deserto (Ex 18,21 e Dt
1,15).86
Em 2Rs 11, os
oficiais
atuam no ambiente da monarquia e podem chefiar o
serviço militar ou o serviço civil. De qualquer forma, trata-se de uma classe de funcionários
ligados ao rei. Eles faziam parte de um grupo especial. Em Jz 8,14 e Is 3,14, os oficiais são
comparados aos anciãos; em Is 34,12, eles são comparados aos nobres do povo.87 Em 2Rs 11,
porém, nem todos os
eram submissos às ordens da rainha. O texto mostra que estão
sujeitos a outra autoridade, neste caso, à do sumo-sacerdote Joiada.
5.1.3 - caritas
O grupo designado como
caritas foi convocado por Joiada (v.4) para participar
de todo o plano da deposição de Atalia (v.5-7) e participou da apresentação e coroação do rei
Joás (v.19).88
85 Conferir v.9.10.15 oficiais de cem ; e no v.14 somente oficiais .
86 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.307.
87 Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.62.
88 Conferir Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.180.298.301; Tércio Machado
Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.63; e Herbert Donner, História de Israel e dos povos
visinhos, p.236.
74
No início da monarquia de Israel, os caritas , junto aos peleteus , formavam o grupo
dos mercenários
a serviço do corte em Jerusalém. Durante o reinado de Saul, devido às
constantes batalhas, foi necessário contratar guerreiros para garantir a defesa nacional, não
importando se fossem israelitas ou estrangeiros (1Sm 15,52; 21,7-8). Com Davi, estas
contratações foram ampliadas (1Sm 22,2; 25,13) a ponto de os caritas formarem uma
espécie de exército pessoal de Davi (2Sm 8,18; 20,23). O termo
caritas ocorre
somente três vezes no Texto Massorético: 2Sm 20,23; 2 Reis 11,4.19.
No episódio da deposição de Atalia, o recrutamento dos caritas juntamente com o
povo da terra pode ter sido foi uma forma de recuperar o ideal davídico.
5.1.4 -
precursores
O termo
(2Rs 11,4.6.19), e sua variante
(2Rs 11,13), ambos traduzidos por
precursores , designa o terceiro grupo recrutado por Joiada para a execução do golpe de
estado em Jerusalém, constituíam um pelotão de escolta que corria à frente do carro do rei
(2Sm 15,1; 1Rs 1,5). O grupo era formado, provavelmente, por jovens israelitas, convocados
pelo monarca (1Sm 8,11).89 De acordo com 1Rs 14,27-28, eles tinham uma sala de guarda na
entrada do palácio, onde guardavam os escudos de bronze que carregavam quando
acompanhavam o rei até o templo. Segundo 2Rs 10,25, os reis do Israel do norte também
tinham essa guarda. Os precursores , portanto, formavam uma guarda pessoal, um pelotão de
escolta que, por turno, asseguravam a vigilância do palácio.
A sublevação de Joiada, pode-se dizer, contou com o apoio amplo (da maioria?) da
população de Judá: além dos
precursores , o movimento para depor Atalia contou com
o envolvimento também do povo da terra .
89 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.300-301.
75
5.1.5 -
o povo da terra
Vários textos bíblicos (Gn 23,12-13; 42,6; Nm 14,9; Ex 5,5; Lv 20,2-4; 4,27; 2Rs
11,13.17.14.18.19.20; 14,21; 21,24; 23,30; Jr 1,18; 34,19; 44,21; Ez 7,27; 22,24-29) citam o
povo da terra . Roland de Vaux, alerta para o fato de que a expressão
recebe
diferentes explicações. Muitos vêem nela, em primeiro lugar, um setor inferior, o povo
simples, em contraposição à elite de Jerusalém; em segundo, os habitantes do campo em
oposição aos habitantes da cidade. Para outros, ao contrário, o termo designa os
representantes do povo, uma espécie de grupo politicamente bem articulado. Outros ainda,
consideram o povo da terra um grupo de homens livres que gozavam do direito civil em um
território determinado.90
Não obstante as várias conjecturas a respeito deste grupo, dois pontos são de particular
interesse para a compreensão da trama registrada em 2Rs11: primeiro, os camponeses da
Sefelá formavam uma só entidade sócio-política; segundo, este grupo de camponeses era leal
ao trono davídico.91 Pode ter sido este o grupo que participou do movimento de Joiada.
5.2 - Motivações para participar do golpe
A suposição de que o grupo de camponeses da Sefelá leais ao trono davídico identifica-
se ao grupo denominado povo da terra em 2Rs 11 baseia-se no seguinte fato: a decisão de
destronar Atalia teve várias implicações, principalmente econômicas e políticas. O povo de
Jerusalém, ligado direta ou indiretamente à corte, teriam motivações políticas, enquanto os
sacerdotes do templo seriam impulsionados por razões de ordem religiosa. O elemento
econômico, no entanto, é mais bem explicado se se admite a participação do grupo que
formava a base econômica de Judá: os camponeses denominados povo da terra .
90 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.112-114.
91 Conferir Marcos Paulo Bailão, O davidismo camponês, em Estudos Bíblicos, p.29-35; Tércio Machado
Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.51-52; José Manuel Sánchez, A Bíblia e seu
contexto, p.171.
76
A consideração do golpe contra Atalia como um movimento com motivações
econômicas e políticas conta ainda com o apoio de outros dados. 2Rs 11 não apresenta razões
teológicas suficientes que justificassem a tomada do poder. Não se pode dizer que a
destruição do templo de Baal (v.18) tenha sido uma razão teológica, pois esta é uma ação
secundária no relato. Ao contrário, esta mesma destruição do templo de Baal deve ser
subordinada à economia e à política.
Além disso, em nenhum momento o relato de 2Rs 11 refere-se à impossibilidade de
Atalia governar por ser mulher ou por ser do reino do Norte (Israel). Caso houvesse esses
preconceitos, as lideranças, provavelmente, não teriam esperado seis anos para promover uma
intervenção.92
6 - A geografia econômica e política
Pode-ses dizer que toda a história do povo de Israel, mesmo a religiosa, foi marcada
pela vida econômica, social e política. O dia-a-dia do agricultor, do pastor e do comerciante
tinha a ver com a geografia do seu país. Portanto, a análise da geografia é de capital
importância para se esclarecer o contexto sócio-político do golpe contra Atalia.
Além da cidade de Jerusalém, este quadro deve incluir outras regiões de Judá. A, por
assim dizer, geografia do golpe contra Atalia é determinada pelo já citado aspecto
econômico do golpe, e tem como pedra fundamental o comércio nacional e internacional.
Com efeito, embora não se saiba com exatidão quais grupos sociais apoiaram Atalia durante
seu reinado, é provável que tenham sido grupos da cidade de Jerusalém, beneficiados pela
política econômica da rainha no que tange as relações comerciais com o exterior.93 Para
compreender a importância do comércio desse período, é necessário conhecer as rotas
92 Sobre este particular, conferir Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.120.
93 Milton Schwantes, Esperanças messiânicas e davídicas, em Estudos Bíblicos, p.20.
77
comerciais de que Judá dispunha para a venda dos seus produtos e para a cobrança de
pedágios.
6.1 - O estado de Judá
A economia e a política de Judá eram fortemente marcadas pelas características naturais
do território. Judá era dividido em uma cidade-estado, Jerusalém, e quatro regiões
geográficas: a região montanhosa, o deserto, o Negeb e a Sefelá.
O estado de Judá foi marcado por uma dinâmica toda especial. Nas referências ao Israel
do sul fala-se de Jerusalém e Judá (veja Is 1,1; 2,1; 3,1). Estes dois termos, Jerusalém e
Judá, têm algo a ver com o cotidiano dos judaítas. Em Judá encontramos três grupos
diferentes: os agricultores da região da Sefelá, os pastores da região montanhosa e do deserto,
e os comerciantes da capital.
A Sefelá era a base da economia de todo o Estado, por ser uma região produtiva e
densamente habitada.94 Para os autores bíblicos, porém, o valor de uma região não derivava do
aspecto financeiro. Também a montanha e o deserto eram importantes, porque representavam
o lugar teológico da libertação.
Os textos bíblicos percebem, ao mesmo tempo, a importância do conjunto geográfico da
região, e incluem a Sefelá, como em Dt 1,7.95 A região montanhosa e a Sefelá constituíam o
suporte econômico de Judá, como indicado em 2Cr 26,10. Estas duas regiões estão
localizadas no território sul da Palestina, estão limitadas, a oeste, pela planície costeira
habitada pelos filisteus; e a leste, pelo deserto de Judá. A região, que se estende de norte a sul,
tem Berseba ao sul e as montanhas de Efraim ao norte. A região das montanhas de Judá é
94 Milton Schwantes, História de Israel - Local e origens, p.22.
95 Conferir também Jz 1,19; Zc 7,7 e Jr 17,26.
78
parte de uma extensa cadeia de montanhas que se inicia no sul, com as montanhas do Negueb,
inclui as montanhas de Efraim, e termina na Galiléia.96
A região montanhosa produzia uvas e outras plantas e servia para a criação de ovelhas e
cabritos. Os habitantes da região montanhosa e do deserto de Judá estavam vinculados pelo
pastoreio. As poucas chuvas dificultavam a agricultura, mas eram suficientes para a criação de
ovelhas. Chegava-se a formar grandes rebanhos nessa região (1Sm 25).
Já na região da Sefelá, devido a chuvas mais constantes, a terra era rica e fértil e
permitia o plantio de oliveiras, sicômoros,97 trigo e aveia. O produto provia Jerusalém do
necessário para o seu sustento. O excedente era comercializado.
Os camponeses da Sefelá eram organizados e respeitados. A organização desses
camponeses era uma herança tribal. Pode-se dizer que esses camponeses ou o povo da terra
tinham um ideal político: em três ocasiões, o povo da terra
interferiu diretamente no destino
do governo em Jerusalém: no golpe contra Atalia (2Rs 11,1-20), esses camponeses tiveram
uma participação um tanto modesta; no entanto, no golpe contra Amon, em favor de Josias
(2Rs 21,24) e na entronização de Joacaz (2Rs 23,30), o povo da terra teve uma participação
mais direta.98
Por fim a cidade de Jerusalém. Nela não se fazia pastoreio nem se praticava a
agricultura. Mas, para os camponeses e os pastores, Jerusalém era indispensável. Pois ela era
basicamente uma porta (Mq 1,9) de chegada e de saída dos produtos: saída da produção de
Judá (carne e cereais), e chegada de mercadorias internacionais. Tudo passa por Jerusalém: a
capital representa o comércio (e o consumo); as demais regiões, a produção agro-pastoril.
96 Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.112.
97 Conferir 1Cr 27,28 e 1Rs 10,27.
98 Tércio Machado Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.113.
79
6.2 - Jerusalém
De modo geral, as cidades do Antigo Testamento eram muito pequenas e pouco
povoadas:
um hectare e mil habitantes, as cidades importantes; menos de um hectare e
menos de mil habitantes, as demais. Na realidade, eram aldeias. 99
Jerusalém100 já era lugar considerado sagrado antes mesmo de Davi: foi a
Melquisedeque, rei de Salém e sacerdotes do Deus altíssimo, a quem Abraão ofereceu os
dízimos (Gn 14,18-20). O Salmo 110 ressalta a importância do lugar na tradição de
Melquisedeque, legitimando a dinastia de Davi. Ao construir um altar neste lugar sagrado, no
monte Moriá, Davi também procurou dar a impressão de reconstruir o altar que Abraão
erguera para o sacrifício de Isaac, ocasião em que o patriarca, para responder à pergunta de
Isaac acerca da vítima, diz: o Senhor proverá (Gn 22,8).
Quando Davi conquistou Jerusalém e transladou a arca da aliança, quiz fazer da nova
capital um centro religioso (2Sm 7,1-7). Foi Salomão, porém, quem construiu o templo (1Rs
6,37-38). Deste modo, o templo de Jerusalém tornou-se o santuário do Estado, e a capital, o
centro religioso da nação. Portanto, Jerusalém ligou a história política à história religiosa do
reino de Judá.101
Jerusalém está situada na rota que, de sul a norte, acompanha a divisão das águas. É a
porta do meu povo (Mq 1,9), segundo Miquéias, um profeta oriundo da Sefelá. Os produtos
99 Roland de Vaux, Historia Antigua de Israel - Desde los origenes a la entrada en Canaan, Madrid:
Cristiandad, vol.1, 1971, p.45.
100 O nome de Jerusalém aparece em registros antiqüíssimos. Nos textos egípcios do império médio, foi
grafado Rusalimum, em alguns lugares, e em outros, Urusalimum. No cuniforme das cartas de Tell el-
Amarna, foi escrito Urusalim. O assírio Senaqueribe escreveu Ursalimmu. Na Peshita, Ursalem. No texto
massorético, Yerusalaim. No aramaico bíblico, Yeruselem. Chegou até nós através do grego Ierousalem.
101 Roland de Vaux, Instituciones del Antiguo Testamento, p.421.
80
da Sefelá escoavam para dentro de Jerusalém, extremo norte de Judá. Por Jerusalém passava a
rota comercial das montanhas rumo ao norte (Beerseba, Hebrom, Jerusalém, Siquém,
Samaria) e o caminho que ligava a planície filistéia à rota Transjordâniana (Gezer, Jerusalém,
Jericó, Amã). Judá necessitava de Jerusalém para escoar a produção excedente;
reciprocamente, Jerusalém necessitava do interior de Judá, para manter seu comércio.
Também em termos comerciais, Jerusalém era, sem dúvida, a cidade mais importante do
reino do sul.
6.3 - A geografia das rotas comerciais
As estradas, por serem as artérias da vida social e econômica de um país, sempre foram
também objeto de litígios entre os impérios rivais, sobretudo a terra de Israel (norte e sul):
com efeito, trata-se eminentemente de um lugar de passagem entre dois vales ricos e
poderosos, o delta do Nilo e a Mesopotâmia.102 No interior do país de Judá, certos trechos,
com poucas pedras, podiam dar livre acesso a carros e a carroças. Nas planícies e nos grandes
vales, o solo era firme, e isso favorecia a passagem das caravanas. Devido à impossibilidade
de tráfego pelo deserto arábico e às limitadas condições navais, não restava outra alternativa
ao Egito e à Mesopotâmia senão o território da Palestina. Por conseguinte, surgiram duas
principais rotas comerciais, a Via Maris e a Via Real, e dezenas de vias menores que
possibilitavam o comércio.
6.3.1 - Caminho do Mar (Via Maris)
O Caminho do Mar era a primeira e a mais importante estrada. Ela ligava, por via
terrestre, Seli, no Egito, a Damasco, na Síria103, e de lá prosseguia até a Messopotâmia. Esta
102 M. Abel, Géographie de la Palestine, p.207.
103 A rota saía do Egito, transportando linho, carruagens etc. Na Sefelá podiam abastecer-se as caravanas
com vinho, óleo e frutas da região; na região do vale de Jezrael, com grãos, óleo de oliva, vinho, cereais,
frutas, mel, amêndoas, mirra, resinas, lã, tecidos. Conferir Atlas Vida Nova, p.35; Roland de Vaux,
Historia Antigua de Israel - Desde los origenes a la entrada en Canaan, Madrid: Cristiandad, 1971,
vol.1, p.37.
81
artéria atravessava longitudinalmente todo o Canaã. Por está rota passavam o exército e as
caravanas de peregrinos, de refugiados (Gn 42,1-34) e de comerciantes (Gn 37,25).
Tendo como ponto de partida o Egito, a Via Maris seguia a costa do Mediterrâneo até a
altura de Ráfia. A partir deste ponto, um segundo percurso se voltava para o leste, em direção
da rica e produtiva região da Sefelá, enquanto o percurso principal percorria a planície
litorânea rumo ao norte. Na altura de Dor, a Via Maris seguia, por pequenos vales, em direção
à Planície de Jezrael, alcançando Meguido, secundada pela passagem em Ibleã. A partir da
Planície de Jezrael, o comércio podia alcançar Damasco e, dali, seguir rumo a Mesopotâmia,
tendo passado antes por Bete-seã e Hazor.104
6.3.2 - Caminho Real (Via Real)
O Caminho Real é a segunda rota em importância.105 Ela ligava o golfo de Ácaba, ao
sul, a Damasco, ao norte, passando por Petra, Punon, Sela, Bosra, Aroer, Dibon, Hesebon e
Amã-Rabá, onde tomava três direções até chegar a Damasco. A primeira estrada tomava a
direção oriental, passando por Canat. A segunda, passava pelo vale Jacob, Gerasa, Ramot
Galaad, Astarot e Edrai. A terceira variante da Via Real seguia a planície do rio Jordão,
passando pelas cidades de Sucot e Pella, e, na altura do mar Quinerete, tomava a direção leste
para alcançar a rota principal que seguia para Damasco.
Em resumo, a Via Real era a estrada da montanha: ela atravessava todo o planalto da
Transjordânia e, portanto, passava por regiões mais produtivas que as servidas pela Via Maris.
104 Milton Schwantes, História de Israel - Local e origens, p.26. Uma descrição detalhada do percurso
principal da Via Maris e dos percusos secundários, assim como o resumo da discussão sobre a sua
possibilidade histórica encontra-se em Pietro A. Kaswalder, Onomastica Biblica, p.440-444. Conferir os
percursos da Via Maris e da Via Real, no anexo 7, p.99.
105 Conferir Nm 21,22; 34,4; Jz 1,36.
82
Por isso, o interesse em controlar esta extensa rota está, principalmente, no imposto sobre a
circulação de mercadorias vindas da Península Arábica e do médio e alto Egito, no continente
africano. A mercadoria proveniente da Península Arábica era principalmente constituída de
perfumes, especiarias e vários tipos de animais; por sua vez, o alto Egito era forte produtor e
comerciante de produtos feitos de cobre, ouro, prata, madeiras raras, marfim e jóias.106
6.3.3 - A rota pelas serras da Cisjordânia
Esta pode ser considerada uma estrada regional, porém muito importante para a vida e o
comércio de Jerusalém. Ela iniciava no desvio da Via Maris e corria paralela a esta, desde o
vale de Jezrael até a região do Negeb, onde se juntavam. No percurso pelas serras, passava
por Silo, Siquém, Betel, Mispá, Gibeá, Jerusalém, Belém, Hebrom e Beerseba. Durante a
monarquia, esta rota foi estendida até a Samaria, para facilitar a comunicação com a capital
construída por Omri (885-874 a.C.).
As cidades se beneficiaram desses caminhos, e os governos e o exército encontraram
neles um meio de arrecadação. Flávio Josefo nos conta que Salomão não descuidou deles,
sobretudo daqueles que conduziam a Jerusalém, sua capital. O acesso a Jerusalém chegou a
ser pavimentado com pedras de basalto.107
Por isso, pode-se citar o profeta Miquéias, quando ele diz que Jerusalém é a porta do
meu povo (Mq 1,9), isto é, a comunicação com o norte e com o leste.
7 - Breve conclusão para o segundo capítulo
Israel, no norte, e Judá, no sul, souberam explorar as rotas internacionais, construindo e
tomando cidades que respondessem a esses interesses. Tal foi o caso de Jerusalém, na rota da
Cisjordânia, e de Samaria, construída por Omri voltada para o comércio com os fenícios. Com
106 Conferir Tércio M. Siqueira, O povo da terra no período monárquico, p.131; Atlas Vida Nova, p.35.
107 Flávio Josefo, Antiguidades judaicas, 8.182.
83
efeito, as antigas rotas comerciais serviram tanto para o comércio e para as relações entre os
povos, para a difusão de idéias e das civilizações.
Tendo tais dados como pano de fundo, é possível elucidar algo sobre os seis anos do
reinado de Atalia. A filha da casa de Omri de Israel, veio para Jerusalém graças ao seu
matrimônio com Jorão de Judá. Sem vínculos com as tradições populares, isto é, com o
davidismo, Atalia impôs-se no trono certamente porque sua administração soube usufruir as
rotas comerciais em que Jerusalém estava bem situada em termos estratégicos. Tal habilidade
comercial de Atalia teve implicações na política e na economia de Judá, tanto no interior
como em Jerusalém.
Em outras palavras, Atalia deve ter contado com o apoio da classe hierosolimitana cuja
riqueza e influência provinha do comércio internacional. Com isso, explica-se a participação,
não dos comerciantes, e sim do povo da terra , no movimento político liderado por Joiada
para depor Atalia.
Conclusão
Esta pesquisa trouxe algumas respostas necessárias sobre o reinado de Atalia.
2Rs 11 é considerado uma unidade literária composta por quatro subunidades, das quais
destacam-se duas v.1-3 e v.13-16
para evidenciar a rainha Atalia e sua história.
Destas duas subunidades, v.1-3 e v.13-16, tomou-se como ponto de partida o texto
hebraico. Foram discutidas as variantes apresentadas pelo aparato crítico da Biblia Hebraica
Stuttgartensia, mas fundamentalmente foi mantido o Texto Massorético.
O estudo da estrutura literária estabeleceu como centro da primeira subunidade o v.2c-e,
no qual se descreve a sobrevivência da criança. O passo seguinte foi compor o quadrilátero
semiótico, o qual mostrou como a narrativa flui e também confirmou o centro encontrado na
estrutura, valorizando os lugares e as pessoas envolvidas na trama: na casa de Javé há vida
para a descendência davídica; paradoxalmente, na casa do rei , a dinastia davídica é
ameaçada de morte.
Estes dois passos metodológicos levam à conclusão de que a principal intenção do autor
não era descrever Atalia e o seu governo, e sim preparar o relato de como Joás será
entronizado em Judá. Para tanto, o autor usou os recursos literários de que dispunha, inclusive
a forma literária conto de um herói que foi exposto ao nascer .
85
Na segunda subunidade aqui estudada, v.13-16, o narrador dirige os olhares dos leitores
para contemplar o êxito do golpe do sacerdote Joiada contra Atalia e seu governo.
O verbo
vir assinala o início e o fim desta cena: Atalia sai da casa do rei para
encontrar no povo na a casa de Javé . E da casa de Javé ela é conduzida para fora da vida
política de Judá. Embora vencida, ela se move por sua própria vontade: e ela veio (v.16b).
Atalia ainda era uma pessoa da realeza e em tal condição que caminhou.
No v.14, está a única fala de Atalia em toda a narração sobre seu reinado: Traição,
traição! . Na história bíblica e, por muito tempo, na história da humanidade como um todo, as
mulheres se comportaram como a maioria silenciosa ou silenciada. Os séculos conseguiram
introjetar nas mulheres um medo de discordar do homem, por mais convictas que estejam. Por
muito tempo, a história ouviu e deixou ressoar a voz masculina. Hoje, é necessário que as
mulheres se munam de coragem e deixem que novos sons penetrem a história da humanidade.
Foi por tudo isso que se ressaltou aqui a fala da Atalia: não obstante o êxito do golpe de
Joiada, a rainha Atalia deixou o eco da sua voz, a coragem de discordar sem medo, mesmo
sabendo que seria conduzida à morte.
Não se pode mais ignorar, no estudo dos reis e da história bíblica, a importância da
rainha-mãe ou gebirah. Esse título não era só honorífico, mas indicava uma posição
importante na corte de Judá. A exemplo da corte do Egito, também na corte de Judá, a rainha-
mãe era a segunda pessoa na linha do poder. De fato, a rainha-mãe sentava-se à direita do rei
(2Rs 2,19), e talvez usasse uma coroa (conferir Jr 13,18).
Igualmente, não pode ser subestimada a importância da rainha-mãe ou gebirah, uma vez
que, a incerteza a respeito de quem era a gebirah podia significar também a incerteza a
respeito de quem era o sucessor ao trono (1Rs 1).
86
É provávelmente que Atalia tenha assumido o cargo de rainha-mãe. Com isso,
competia-lhe a importante função de cuidar da estabilidade da realeza e, eventualmente,
exercer a regência até que a ocupação por direito se tornasse viável.
Quanto à paternidade de Atalia, o texto bíblico apresenta duas possibilidades: Omri e
Acab. Dado que Atalia não pode ser filha de Jezabel (que se casou com Acab em meados de
874 a. C, enquanto o nascimento de Atalia se deu em torno de 880 a. C), é forçoso considerar
Omri como o pai de Atalia.
Em seus seis anos de governo, Atalia explorou o comércio internacional com
habilidades de quem conhecia o funcionamento das antigas rotas comerciais bastante bem
para tirar delas, não só as vantagens econômicas, mas também as vantagens políticas que o
sucesso em tal atividade podia oferecer. É, portanto, plausível a proposta de que Atalia,
embora filha do Israel no norte, tivesse formação fenícia.
Atalia governou por mais de seis anos em Judá. Ela só pôde se manter tanto tempo no
poder porque contou com uma força aliada, ou seja, um partido que a garantiu no trono. Pela
narração do 2Rs 11, sabe-se que não foram do partido de Atalia os sacerdotes , nem o povo
da terra , nem os chefes da guarda : todos estes grupos participaram do golpe contra a rainha
de Jerusalém. No entanto, a ordem de Joiada no v.15d, e aquele que vem atrás dela será
morto pela espada , indica ela havia se cercado de aliados.
O elenco dos grupos participantes no complô permite afirmar que os aliados de Atalia
não eram do interior de Judá, e sim da capital. Com efeito, a fórmula bíblica Jerusalém e
Judá (conferir Is 1,1; 2,1; 3,1) indica uma divisão, não só territorial, mas também de
interesses. Enquanto a população de Jerusalém tinha como principal fonte de renda o
comércio, os habitantes das regiões de Judá viviam do pastoreio (região montanhosa e
deserto) e da agricultura (Sefelá). Em outras palavras, Jerusalém não era local de produção
agro-pastoril, e sim de consumo e ponto de comércio. Jerusalém era indispensável para que os
camponeses e os pastores pudessem escoar os produtos, assim como para adquirir mercadoria
87
que chegava através de Jerusalém pelas rotas internacionais. Em breve, Jerusalém é a porta
de chegada e saída de produtos.
Estas considerações sobre a importância comercial de Jerusalém oferece fundamento
para se pensar nos seis anos do governo de Atalia como bem sucedidos em termos
econômicos. Atalia, vinda do Israel do norte, da casa de Omri , veio para Jerusalém em um
período de relações políticas e comerciais importantes para Israel. As economias de Israel e de
seu país vizinho, a Fenícia, eram complementares. A agricultura era a riqueza da Samaria e o
comércio era a das cidades costeiras da Fenícia. É, portanto, viável concluir que experiência
não faltou à rainha Atalia manter o comércio da cidade Jerusalém.
De fato, as relações com os fenícios foram concretizadas pelo casamento de Acab, filho
de Omri (1Rs 16,30), com Jezabel, filha do rei sidônio Etbaal (1Rs 16,31). Este casamento
visava ligações internacionais, econômicas e, ao mesmo tempo, uma força militar mais sólida.
Além disso, a vinda de Atalia para Jerusalém representou um período de paz entre Israel
e Judá, período que iniciou com Josafá (871-847 a.C.), em Judá, e com Acab (874-853 a.C.)
em Israel. A aliança de paz e de ligações políticas firmada entre os reis de Judá e de Israel foi
consolidada com o casamento de Atalia com Jorão (2Cr 22,2). Cabe concluir que esta paz
entre os dois estados não foi quebrada pelo governo de Atalia, e sim por Jeú, que exterminou
a descendência de Acab e assassinou Ocozias de Judá (2Rs 9,27-29).
Na deposição de Atalia, uma rainha com experiência em comércio internacional, tomou
parte o povo da terra . Para os reis que almejavam o comércio, Jerusalém era um lugar
favorável. É provável que Atalia tenha dado mais atenção ao grupo da cidade de Jerusalém
ligado ao comércio internacional, em detrimento do povo do interior, ou seja, dos
camponeses.
Efetivamente, em termos econômicos, a importância de Jerusalém abarca os âmbitos
nacional e internacional. Estrategicamente servida por estradas, Jerusalém era um corredor
88
comercial: nela se cruzavam as rotas das montanhas (Beerseba, Hebrom, Jerusalém, Siquém,
Samaria) e a rota que ligava a planície filistéia à rota transjordaniana (Gezer, Jerusalém,
Jericó, Amã). No entanto, o comércio de Jerusalém dependia do campo, da venda do
excedente da produção. Inversamente, também o campo dependia do comércio de Jerusalém,
o que gerava a complementaridade entre comércio, agricultura e pastoreio.
Em resumo, nesta pesquisa assumiu-se que a longevidade do governo de Atalia decorre
do apoio por ela recebido da elite comercial de Jerusalém. Analogamente, explica-se a
presença do povo da terra
nesta pesquisa identificados como camponeses da Sefelá
no complô contra a rainha.
Não obstante os seis anos do governo da filha de Omri em Judá, os redatores
deuteronomistas deixaram a história do governo de Atalia sem a típica fórmula de abertura,
certamente porque a consideravam uma rainha ilegítima. Atalia, uma mulher, e que não era da
cada de Davi, soube usar suas influências e seu conhecimento para sustentar a sua forma de
governo.
Esta história, cronologicamente distante da atualidade, guarda seus mistérios. Os
redatores deuteronomistas preocuparam-se em narrar um acontecimento que garantisse a
legitimidade da dinastia davídica no trono de Judá. No entanto, legaram-nos o único texto
conservado pela tradição, sobre o reinado de Atalia. Paradoxalmente, os deuteronomistas,
querendo apagar a lembrança de Atalia como monarca, imortalizaram-na. Como Atalia, não
houve
e nem haverá
nenhuma outra rainha em Jerusalém.
Anexos
Anexo 1: Texto hebraico de 2Reis 11,1-20
Anexo 2: A estela de Mesa, rei de Moab
Anexo 3: Planta da escavação da Samaria
Anexo 4: Foto da escavação do palácio de Omri
Anexo 5: Mapa da rota marítima fenícia
Anexo 6: Barco fenício de 1500 a.C.
Anexo 7: Mapa da Via Maris e da Via Real
90
Anexo 1
Texto hebraico de 2 Rs 11,1-20
1a E Atalia, a mãe de Ocozias, viu:
eis que estava morto seu filho
1b E levantou-se,
1c e exterminou toda a descendência da realeza
2a e pegou Josabá a filha do rei Jorão
irmã de Ocozias, Joás, o filho de Ocozias,
2b e roubou-o do meio dos filhod do rei,
os quais estavam sendo mortos.
2c com sua ama de leite
no o quarto dos leitos.
2d E esconderam-no da presença de Atalia,
2e e não foi morto.
3a E ficou com ela na casa de Javé
escondido seis anos.
3b E Atalia reinava sobre a terra.
4a No sétimo ano enviou Joiada,
4b e buscou os oficiais de cem,
os cáritas e dos guardas,
4c e fez vir com ele a casa da Javé
4d e fez com eles uma aliança,
4e e fê-los prestar juramento na casa de Javé
4f mostrou-lhe o filho do rei,
5a E deu-lhes esta ordem:
5b Eis o que deveis fazer:
5c a terça parte de vós entra no sábado
e guarda em serviço na casa do rei;
91
6 e a terça parte no portão Sur
e a terça parte no portão atrás dos guardas
guardarão a casa por turno.
7 E as duas partes dentre vós, todos
que deixam no sábado farão à guarda
na casa de Javé junto ao rei.
8a E fareis um circulo em volta do rei,
cada um com suas armas nas mãos
8b e quem for nas fileiras será morto
estarei com o rei no seu sair e no seu entrar.
9a Fizeram os chefes de cem exatamente
o que lhes ordenará Joiada o sacerdote.
9b Tomou cada um seus homens,
tanto os que entravam no sábado
como os que saiam no sábado,
9c e vieram para junto de Joiada o sacerdote.
10 E entregou aos chefes de cem
as lanças e os escudos
do rei Davi que estavam na casa de Javé.
11 E se posicionaram, os guardas,
cada um e com suas armas em suas mãos,
do lado da casa direta
até o lado esquerdo da casa,
ao lado do altar e junto a casa e envolta do rei.
12a E fez sair o filho do rei,
12b
e deu a ele a coroa e o documento
12c e o proclamou rei
12d
e o ungiram
12e bateram palmas
12f e disseram:
92
12g
Viva o rei!
13a E escutou, Atalia,
o som dos precursores e do povo
13b
e veio até ao povo, na casa de Javé.
14a E olhou
14b
e eis que o rei [estava] de pé
junto à coluna, segundo o direito,
e [estavam] os oficiais e os
trombeteiros junto ao rei,
14c e todo o povo da terra se alegra
14d
e toca trombetas.
14e E rasgou, Atalia as suas vestes
14f e gritou:
14g
Traição, traição!
15a E ordenou Joiada o sacerdote
aos oficiais dos cem,
que comandavam o exército,
15b
e disse a eles:
15c Fazei-a [sair] da casa por entre as fileiras
15d
e aquele que vem atrás
matai com a espada .
15e Eis que disse o sacerdote:
15f Não seja morta na casa de Javé .
16a E colocaram sobre ela as mãos
16b
e veio pelo caminho de onde vêm os
cavalos na casa do rei
16c e ali foi morta.
17 E estabeleceu Joiada uma aliança
entre o Javé e entre o rei e entre o povo
93
para serem o povo de Javé
e entre o rei e entre o povo.
18a E veio todo o povo da terra para
à casa de Baal
18b
e derrubaram com seus altares
18c e seus ídolos destruíram totalmente
18d
e a Matan sacerdote de Baal,
mataram diante dos altares;
18e e pôs o sacerdote guardas sobre a casa de Javé.
19a tomou os chefes de cem e dos cáritas
e dos guardas e todo o povo da terra
b e fizeram descer o rei da casa de Javé
c e foram pelo caminho da porta dos
guardas à casa do rei,
e sentou sobre o trono dos reis.
20a e alegrou-se todo o povo da terra
20b
e a cidade ficou tranqüila.
20c E quanto a Atalia, mataram
a espada junto a casa do rei.
94
Anexo 2
A estela de Mesa, rei de Moab (840 a.C. aproximadamente) 1
A estela chamada de Mesa, encontrada por um missionário alemão, em 1868, no país de
Moab, é de basalto negro e mede 1,10m de altura e 0,60m de largura. Foi quebrada em
pedaços pelos beduínos e salva por Clermont-Ganneau. Foi reconstruída em grande parte e se
encontra no Museu do Louvre. A inscrição consiste em 34 linhas e deve datar do fim da
dinastia de Amri e pode ser contemporânea dos primeiros anos de Jeú. Podemos colocá-la,
pois, em 842-840 a.C. aproximadamente.
Eu sou Mesa, filho de Kemosh (yat)2, rei de Moab, o dibonita3. Meu pai
reinou sobre Moab durante 30 anos, e eu reinei depois de meu pai. Eu fiz
este lugar alto para Kemosh4 em Qeriho, lugar alto(?) de salvação, ele me
salvou de todos os assaltos e me fez triunfar de todos meus adversários.
Amri era rei de Israel e oprimiu Moab durante numerosos dias, pois Kemosh
estava em cólera contra o seu país. E seu filho lhe sucedeu e disse:
Oprimirei Moab . Em meus dias, ele falou assim, mas eu triunfei sobre ele
e sobre a sua casa. E Israel ficou arruinado para sempre. Ora, Amri tinha
tomado posse de todo o país de Madaba5 e ali habitou durante os seus dias e
a metade dos dias de seu filho, quarenta anos. Mas Kemosh mo entregou
durante os meus dias. E eu construí Baal Meon e ali fiz um tanque e construí
Qiryaton.
1 Este anexo (incluídas as notas) transcreve as informações de Henri Cazelles, História política de Israel
desde as origens até Alexandre Magno, p.50-52.
2 O nome do pai é completado graças a uma inscrição fragmentária encontrada em Querac. Conferir Henri
Cazelles, História política de Israel desde as origens até Alexandre Magno, p.51.
3 Dibon, cidade moabita (cf. Nm 21,29), bem parece ser a cidade real do rei Mesa.
4 Kemosh é o deus principal dos moabitas, cf. Nm 21,30; 1Rs 11,7.
5 Madaba é citada em Nm 21,30; outras cidades moabitas citadas neste texto e igualmente na Bíblia: Atarot
(Nm 32,2,34), Nebo (Nm 32,2.38), Jasa (Js 13,18), Aroer (Is 13,16), Bet-Bamot (Js 13,17), Basor (Js
20,8; 21,36), Bet-Baal-Maon (Js 13,17).
95
As gentes de Gad tinham habitado no país de Atarot desde sempre, e o rei de
Israel tinha construído Atarot para si. Combati contra a cidade e a tomei.
Matei todo o povo...; a cidade foi feita uma oferta para Kemosh e para
Moab. De lá tomei posse do altar de seu Bem-amado (?) e me prostrei diante
de Kemosh em Qeriyot. Fiz com que ali habitassem as gentes de Saron e as
gentes de Maharot...
Kemosh me disse: Vá e toma Nebo, em Israel . Eu fui de noite e combati
contra ela, desde o começo da aurora até ao meio-dia. Tomei-a e matei
todos, sete mil homens, com estrangeiros, mulheres estrangeiras e
concubinas, pois que eu havia votado um anátema para Ashtar-Kemosh. De
lá, tomei os vasos (?) de Iahweh e os levei diante de Kemosh. O rei de Israel
havia construído Yahaç e ali morava enquanto me movia guerra, mas
Kemosh o expulsou diante de mim. Tomei de Moab duzentos homens, toda a
sua elite; levei-os contra Yahaç e a tomei para anexá-la a Dibon. Eu construí
Qeriho: o muro do parque e o muro da acrópole. Eu construí suas portas; eu
construí suas torres; eu construí o palácio do rei; eu fiz a dupla piscina para a
água no meio da cidade. Não havia ali cisterna, no meio da cidade em
Qeriho, e disse a todo o povo: Fazei-vos, cada um, uma cisterna em vossas
casas . Eu fiz construir fossas (?) para Qeriho pelos prisioneiros de Israel.
Eu construí Aroer e fiz a estrada de Arnon. Eu construí Beth Bamoth,
porquanto havia sido destruída. Eu construí Beçer, pois estava em ruínas,
com cinqüenta homens de Dibon, pois todos (as gentes de) Dibon são meus
súditos. Eu reinei com chefes de centenas nas cidades que eu havia anexado
ao país. Eu construí... Madaba, Beth-Diblathon e Beth-Baal-Maon e
estabeleci lá os..............de gado pequeno do país. E Horonan onde
habitava...............E Kemosh me disse: Desce e combate contra Horonan .
Desci..................., e Kemosh ma entregou durante os meus dias e... de lá... e
eu.
O texto bíblico (2Rs 1,1; 3,4-5) nos informa que Mesa, rei de Moab, pagou um tributo
ao rei de Israel e que ele se revoltou por ocasião da morte do rei Acab (875-853). As
96
fortificações realizadas por Mesa, de acordo com sua inscrição, permitem compreender que a
guerra empreendida por Jorão de Israel contra Mesa, com o auxílio dos reis de Judá e de
Edom, tivesse sido dirigida contra o sul do reino de Moab, contornando o mar Morto (2Rs
3,6-27). O documento moabita tem, além disso, o interesse de evocar a história passada das
relações entre Moab e Israel, mencionando Amri, rei de Israel (886-875), e as gentes de Gad,
que estavam instaladas desde muito tempo na Transjordânia (Nm 32,34-36; Jz 11,26).
97
Anexo 3
Planta da escavação da Samaria
Fonte: Atlante del mondo bíblico, p.98.
98
Legenda:
A = A muralha romana da cidade da Samaria, reforçada pela torre que cercava uma área
de 55 hectares.
B = Acrópole, quarteirão real dos reis de Israel (é a imagem A
ampliada).
1 - Restos das mais antigas muralhas da cidade. O muro interno tinha 1,5m de
espessura, e era de construção fenícia. Este muro circundava uma área de 88,5 x 177,5m. É
considerado uma construção de Omri.
2 - Uma construção na qual foram encontrados marfins fenícios esculpidos. (Am 6,4).
3 - Um muro da casamata com 9,7m e o outro com 4,8m fechava uma área mais vasta,
circundando edifícios atribuídos a Acab.
C = Área particular. Está localizada do lado ocidental da cidade israelita da Samaria.
1 - Armazéns de 18 x 25m, nos quais foram encontrados escritos, ou ostraca.
2 - O palácio dos reis israelitas. Edifício que contém um pátio central contornado por
dependências de 23,7m x 26,8m.
3 - Bloco quadrado, provavelmente os fundamentos de uma torre de fortificação das
acrópoles.
4 - Uma torre, geralmente considerada construção do período helenístico.
99
Anexo 4
Foto da escavação do palácio de Omri
Fonte: Rita de Cácia Ló, 1999.
100
Anexo 5
Mapa da rota marítima fenícia
Mapa do continente africano, indicativo da rota provavelmente seguida pelos fenícios na
sua expedição de 37.000 km, em torno da África, 600 anos a.C. São também indicada as
principais correntes que podem ter auxiliado ou dificultado tão longa e perigosa viagem.
101
Anexo 6
Barco fenício, 1500 a.C.
Fonte: http://www.maxilofacial.info/images/Barco_Fenicio_1500_aC.gif
102
Anexo 7
Mapa da Via Maris e da Via Real
Fonte: Pietro A. Kaswalder, Onomastica Biblica, p.441.
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