Post on 01-Jun-2020
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião
Vinnícius Pereira de Almeida
O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO KUYPERIANISMO: APONTAMENTOS HISTÓRICOS, TEOLÓGICOS E SEU PROCESSO
DE RECEPÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019
VINNÍCIUS PEREIRA DE ALMEIDA
O PROJETO ÉTICO-POLÍTICO DO KUYPERIANISMO: APONTAMENTOS HISTÓRICOS, TEOLÓGICOS E SEU
PROCESSO DE RECEPÇÃO NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Dissertação apresentada em cumprimento
parcial às exigências do Programa de Pós-
Graduação em Ciências da Religião, para
obtenção do grau de Mestre.
Orientação: Prof. Dr. Helmut Renders.
SÃO BERNARDO DO CAMPO 2019
FICHA CATALOGRÁFICA
Al64p
Almeida, Vinnícius Pereira de
O projeto ético-político do kuyperianismo: apontamentos
históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil
contemporâneo / Vinnícius Pereira de Almeida -- São Bernardo do
Campo, 2019.
114 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --Diretoria de
Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação em Ciências
da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo.
Bibliografia
Orientação de: Helmut Renders.
1. Kuyper, Abraham, 1837-1920 – Crítica e interpretação 2.
Calvinismo 3. Teologia pública I. Título
CDD 230.42
A dissertação de mestrado intitulada: O projeto ético-político do Kuyperianismo:
apontamentos históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil
contemporâneo, elaborada por Vinnícius Pereira de Almeida foi apresentada no
dia 10 de abril de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr.
Helmut Renders, Prof. Dr. Carlos Caldas e Prof. Dr. Lauri Wirth.
Prof. Dr. Helmut Renders
Orientador e Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Helmut Renders
Coordenador do Programa de Pós-Graduação
Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião
Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura
Linha de Pesquisa: Teologias das Religiões
Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pois por meio de seu apoio, esta pesquisa foi viabilizada.
Todas as cirandas à Alesandra, teóloga da minha vida!
AGRADECIMENTOS
Ao término desse percurso é imprescindível reconhecer que há tanta gente
querida envolvida nessa realização. E assim, entre prosas e brindes, leituras
flutuantes e orações, rolês de skate e passeios com o cachorro, reflexões e
esperanças — enquanto várias destas páginas foram produzidas nas sessões de
quimioterapia — que foi possível superar as angústias existenciais e as inseguranças
expostas na construção científica. Com alegria, expresso minha profunda gratidão,
Ao bom Deus, criador, inspirador e sustentador, pela dádiva da vida, que durante
esse período, tem sido bem presente em tudo…
Ao Prof. Dr. Nicanor Lopes, orientador responsável pelo “Lado A do disco”, do
pré-projeto até a qualificação deste trabalho, por aportar saberes e ampliar de
maneira tão generosa a construção dessa pesquisa.
Ao Prof. Dr. Helmut Renders, orientador responsável pelo “Lado B desse disco”,
pelos direcionamentos e valorização ética, que conduziram e propiciaram o voo e o
pouso desta pesquisa até sua fase de conclusão.
Ao Prof. Dr. Lauri Wirth, por compor a banca examinadora e pela apreciação
desta pesquisa e apontamentos devidos, que sinalizaram para pontos a serem
adensados na continuidade da produção.
Ao querido Prof. Dr. Carlos Caldas, convidado externo da banca examinadora,
que prontamente atendeu a proposta, e pelas contribuições ex-ante, quando ainda
considerava ingressar no Programa, e, agora, ex-post, nos indicativos referidos com
essa realização.
Ao corpo docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo, pela abertura ao diálogo e pelo estímulo para
a investigação.
Ao meu pastor-amigo, Sandro Baggio, por compartilhar de seu acervo pessoal
os inúmeros títulos que enriqueceram e foram fundamentais à pesquisa.
Ao amigo Igor Miguel, pelos diálogos tão preciosos e assertivos e pela gentil
articulação, que me colocou em contato com muitos agentes e instituições
mencionadas.
Ao Eliezer Lírio, bibliotecário na Universidade Presbiteriana Mackenzie, pela
precisão do levantamento bibliográfico, tão significativo às buscas no processo de
mapeamento das publicações.
À querida amiga Leila Souza, pela parceria ininterrupta e presença solidária na
finalização deste trabalho.
Aos departamentos de Coordenação e Supervisão Social do Programa Guri
Santa Marcelina, que mantém o alinhamento desta instituição em valorizar o
constante aprimoramento por meio fomento aos estudos e pesquisas.
À mamãe, José Fernandes e toda a família, pelo amor, apoio, motivação e
temperos.
À Carolina, Nathan, Joy e todos os marimigos. Amo a vida de vocês! Agradeço
por todo o apoio, carinho e cuidado e por buscarmos trilhar a teologia que anda no
chão da vida.
À Steiger Brasil, missão que me provoca a pensar formas de comunicar a boa
nova. Valeu Hudson, Aline & Ângelo, Moáh e a geral.
À minha amada comunidade de fé, o Projeto 242, que retroalimenta o desejo
pelo Reino de Deus e sua justiça.
Coram Deo
ALMEIDA, Vinnícius Pereira de. O projeto ético-político do Kuyperianismo:
apontamentos históricos, teológicos e seu processo de recepção no Brasil
contemporâneo. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião) - Programa de
Pós-Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo, SP, 2019.114 Folhas.
RESUMO
O presente estudo se ocupou de investigar a trajetória do teólogo e estadista holandês, Abraham Kuyper. Como objeto da pesquisa, os nexos entre sua biografia e propostas para a educação, a questão social, a igreja e o cenário político, apresentam a gênese do neocalvinismo enquanto um movimento que legitima a compreensão da soberania divina sobre todas as esferas da vida, vinculada ao posicionamento de comprometer-se com a arena pública. Como demonstrado no capítulo primeiro, Kuyper liderou a edição de um jornal e um partido político, instituiu a Universidade Livre de Amsterdam, participou de um movimento para a fundação da Igreja Reformada Livre e proferiu as Palestras Stone. A sequência do capítulo segundo demonstra o desenvolvimento da perspectiva kuyperiana e seu pensamento teológico, que sustentou o reconhecimento de um projeto ético-político. Em seguida, é apresentado no capítulo terceiro, por intermédio de pesquisa bibliográfica, o processo de tradução e publicação de obras no campo da filosofia reformacional e das instituições que acolhem e promovem o pensamento neocalvinista no Brasil. Nas considerações finais foram explicitados os elementos que este estudo pôde acessar e destacados os aportes analíticos: dos desafios de se contextualizar uma teologia holandesa do século XIX no Brasil do século XXI, e, das possibilidades de contribuir agregando novos elementos teórico-metodológicos e linhas de ação para a articulação da fé cristã diante dos enfrentamentos sociopolíticos. PALAVRAS-CHAVE: Neocalvinismo; Kuyperianismo; Teologia Pública Kuyperiana; Abraham Kuyper;
ALMEIDA, Vinnícius Pereira de. The ethical-political project of Kuyperianism: historical notes, theological and its process of reception in contemporary Brazil. Master's Dissertation in Religion Sciences - Post-Graduate Program in Religion Sciences of the Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.114.
ABSTRACT
This study investigates the life and work of Abraham Kuyper, the Dutch theologian and statesman. His biography and proposals for education, social matters, the church, and the political scene form the two axes which are studied as constituting the origin of neocalvinism as a movement that legitimates the comprehension of divine sovereignty over all spheres of life attached to a position of commitment to the public arena. As demonstrated in the first chapter, Kuyper lead the edition of a newspaper and a political party, established the Free University of Amsterdam, participated in a movement to found the Free Reformed Church and gave the Stone Lectures. Then the development of Kuyper’s perspective and theological thought is presented in the second chapter as the foundation sustaining the recognition of an ethic-political project. Following, in the third chapter, through bibliographical research, it is presented the process of translation and publication of works in reformed philosophy and institutions that foster and promote the neocalvinist thought in Brazil. In the concluding considerations, it is explicitly demonstrated the elements that this study could assess and the analytical contributions are highlighted: the challenge of contextualizing a Dutch theology from the 19th century in 21st century Brazil; and the possibilities of making a contribution by attaching new theoretical and methodological elements, and action strategies of articulating the Christian faith before sociopolitical confrontations. KEYWORDS: Neo-calvinism; Kuyperianism; Kuyperian Public Theology; Abraham Kuyper;
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12
1. O PANORAMA DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O PENSAMENTO
ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE ABRAHAM KUYPER ................................. 15
1.1 O Neocalvinismo Holandês ........................................................................ 16
1.2 Abraham Kuyper e as Palestras Stone ...................................................... 19
1.3 Temas e ênfases teológicas do Neocalvinismo ......................................... 30
1.4 O pensamento de João Calvino e as ênfases teológicas das vertentes do
Novo Calvinismo e do Neocalvinismo .............................................................. 36
Considerações intermediárias ......................................................................... 44
2. FUNDAMENTOS DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O PENSAMENTO
ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE ABRAHAM KUYPER ................................. 46
2.1 O Estado .................................................................................................... 47
2.2 A Educação ............................................................................................... 50
2.3 Ciência e Universidade .............................................................................. 52
2.4 A questão dos pobres ................................................................................ 56
2.5 A Igreja ...................................................................................................... 60
2.6 O Pluralismo Kuyperiano ........................................................................... 63
Considerações intermediárias ......................................................................... 66
3. A RECEPÇÃO DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS NO BRASIL: A
APRECIAÇÃO DO PENSAMENTO KUYPERIANO ........................................ 68
3.1 A Trajetória das obras neocalvinistas no contexto brasileiro: a concepção de
traduções e publicações .................................................................................. 69
3.2 As instituições promotoras do pensamento kuyperiano ............................. 77
Considerações intermediárias ......................................................................... 92
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 98
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 102
ANEXOS.........................................................................................................113
12
INTRODUÇÃO
Convenci-me de que, talvez, nada é mais importante na
caminhada cristã com o Senhor que bons amigos. Acho que
Deus nos dá bons amigos como sacramentos — meios de
graça indicando-nos a presença de Deus que nos conduz à
santificação. Enquanto “existe um amigo mais apegado que
um irmão” (Provérbios 18.24, NVI), esse mesmo Amigo nos
manda outros amigos para nos ajudar a tornar sua presença
mais tangível e concreta. Nada há que dê continuidade à
encarnação como a amizade cristã.
James K. A. Smith
Parece que vivemos numa Babel de dialetos incompreendidos. Teria o discurso
ideológico sucumbido a espiritualidade? Ou ainda, a capacidade de dialogar? É
nublado o horizonte de fraternidade. O que emerge é um espectro de violência e
hostilidade que permeia as múltiplas vozes polarizadas. Gritam, mas nada
comunicam! Pelo menos quando o assunto é promover uma mensagem de paz,
proclamada na ética das religiões, e, especificamente neste estudo, daqueles que
falam em nome do evangelho…
Nossa linguagem teológica comunica aquilo que cremos? Sem nenhuma gota
de romantismo ou desconhecimento acerca da singularidade das diferenças,
precisamos urgentemente de diálogos e encontros. Nossos conflitos de janelas
fechadas vêm sendo pretexto para que cada voz ecoe apenas na própria sala de casa
(quando não, teclada do computador), isolada nas quatro paredes do quiosque das
ilhas virtuais e sectárias.
Aprendi há algum tempo que a Igreja é maior do que eu penso… E o cristianismo
é um profundo mar que contempla as mais belas praias espalhadas por sua realidade
local, regional e global. Por isso brinco sério quando digo que moro no Cristianismo!
E por quê — quando se há tanto esforço em delinear um pensamento autóctone,
de desconstrução de memórias imperiais amplamente denunciadas — considerar
surfar por ondas de uma teologia holandesa? Justamente porque parte de minha
trajetória de fé vivenciou águas que recusaram o debate do papel da religião e da
teologia na esfera pública, mas também num diálogo com a cultura e as artes. Outra
parte, banhou-se no litoral de sistematizar ideias e conceitos, mas, que sem uma
13
articulação teórica com a realidade, por vezes, e não raras, limitam-se tão somente
aos “ritos da vida privada”.
Inegavelmente, existem considerações históricas e opções teológicas que
permeiam o porquê de Abraham Kuyper. Acredita-se que esse segmento contribui
para uma práxis que tem influência na costa que flui das ondas da teologia reformada
com Calvino no século XVI, mas águas que foram ressignificadas na experiência da
Holanda, do final século XIX em sua virada XX.
Dessa forma, não se trata pura e inocentemente de “importar uma teologia”, mas
de reconhecer e oferecer à dinâmica brasileira uma perspectiva contextualizada, que
deve, sobretudo, considerar a temperatura e especificidades latino-americanas.
Assim, não é da intencionalidade desta pesquisa conflitar na orla de outros
referenciais teológicos, mas apresentar as possibilidades e potencialidades
apreendidas na perspectiva kuyperiana, de que se pode realizar uma mediação
analítica propositiva entre a fé, tradição e ação diante dos desafios contemporâneos
da Igreja e do mundo, que por dádiva habitamos e temos um papel a desempenhar.
A amplitude e heterogeneidade das questões que têm sido objeto do
pensamento de Abraham Kuyper, sua trajetória pública e produção teológica,
cumuladas ao desdobramento da tradição neocalvinista e a filosofia reformacional,
faz com isso, ser de fundamental importância reconhecer o foco específico para o
qual se dirige esta investigação, que busca compreender a perspectiva kuyperiana
posta pela afirmação de que há um projeto ético-político e é sobre essa possibilidade
que todo o esforço deste estudo é empreendido.
Põem-se em questão a relevância das Palestras Stone, proferidas por em 1898
no Seminário de Princeton, quando Abraham Kuyper produziu uma alternativa diante
dos enfrentamentos da Revolução Francesa, que se afirmou com práticas e
procedimentos de resistência ao reconhecimento da autoridade divina. Por outro
prisma, Kuyper compreendeu que os valores compostos pelo pensamento filosófico
das revoluções promoviam uma oposição ao Cristianismo. Assim, o modernismo, que
passou a ser interpretado como sistema de vida abrangente só poderia ser
confrontado com outro sistema de vida que fosse semelhantemente amplo e
expansivo.
O ponto que se adota nesta reflexão parte da compreensão exibida no capítulo
primeiro, na qual Abraham Kuyper e numa mesma plataforma, nomes como
14
Guillaume Groen van Prinsterer e Herman Bavinck promovem o calvinismo de modo
que apresentam subsídios para os enfrentamentos dos cristãos em sua época. Assim,
a teologia neocalvinista emerge com realces e elaborações do pensamento de
Calvino que engendram a perspectiva ética, social e política de Kuyper. Antes, é
necessário configurar um campo de análise para conceituar o fenômeno do Novo
Calvinismo, que possui ênfases diferentes do Neocalvinismo.
O segundo capítulo, tem por premissa apresentar a compreensão kuyperiana de
como essa perspectiva se relaciona com a sociedade. Constitui-se a base ontológica,
que fornecem os fundamentos e diretrizes de uma teologia elaborada com uma práxis
que interpreta instituições como o Estado, a universidade e a família. Embora não
sejam excludentes, esta concepção provê outras respostas a essa mesma
expectativa, pois trata-se de atualizar e produzir sentido para as relações sociais, a
cultura e a produção de conhecimento.
O referencial de leitura que sustenta essa construção aparecerá
necessariamente explicitado quando contribuir para a análise das situações reais, a
partir do processo de publicações e traduções de autores e instituições que acolhem
esse pensamento. Portanto, o terceiro capítulo corresponde ao ponto de chegada da
perspectiva kuyperiana no Brasil, delimitado no tempo e no espaço, que consiste,
fundamentalmente, em apurar as proposições e projetos em andamento desde a
última década. Assim sendo, a ênfase deste capítulo é dar visibilidade e analisar o
curso possível dos ramos e rumos do neocalvinismo. Destarte, não se trata de um
modelo ideal ou de uma idealização, tampouco de personificar um autor, mas de
reconhecer o alcance e os limites de viabilizar outras experiências teológicas ao
contexto brasileiro evangélico, e, singularmente, aos que buscam inserções analíticas
para diálogos e reflexões entre igreja e sociedade na tradição reformada e
evangelical.
15
Capitulo 1
O PANORAMA DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS: O
PENSAMENTO ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE
ABRAHAM KUYPER
Introdução
É inegável que apresentar o tema do calvinismo e do neocalvinismo no Brasil
demanda antes, compreender o que pretendeu Calvino e como as diferentes
perspectivas se desenvolveram. Não é incomum encontrar discursos estereotipados
do “calvinismo”, visto que o legado do próprio Calvino, ora é negligenciado por setores
da tradição reformada, ora é reduzido às questões que envolvem apenas a doutrina
da predestinação.
Cabe de início problematizar tal reducionismo, que afeta a teologia reformada
brasileira, mas também setores da própria academia, quando frequentemente,
restringe o conjunto temário da teologia de Calvino, somente aos “cinco pontos do
calvinismo”, a saber: depravação total, eleição incondicional, expiação limitada, graça
irresistível e perseverança dos santos. Embora essa ênfase, que surge
posteriormente, seja acolhida por alguns segmentos dessa tradição, não representam
sua amplitude nem sua complexidade.
Faz-se necessário então, apresentar quais as ênfases teológicas que
caracterizam o neocalvinismo e o novo calvinismo, visto que há uma perspectiva
ética, social e política, contida no pensamento reformado, ou ainda, a expressão
desse pensamento materializada na práxis do neocalvinismo. Assim, esse capítulo
presta-se a exibir a trajetória de Abraham Kuyper e de autores que foram seus
companheiros e contemporâneos vinculados à perspectiva neocalvinista. Disto,
sinaliza ainda que o novo calvinismo não é o neocalvinismo e dedica-se a mostrar as
ênfases teológicas utilizadas por cada uma dessas vertentes.
16
1.1 O Neocalvinismo Holandês
“Nem um único espaço de nosso mundo mental
pode ser hermeticamente selado em relação
ao restante, e não há um só centímetro,
em todos os domínios da nossa
vida humana, sobre o qual Cristo,
Senhor de tudo,
Não clame:
é Meu!”
Abraham Kuyper
A frase supracitada refere-se ao discurso inaugural de Kuyper na Universidade
Livre de Amsterdã1 (1880), e que apresenta sua perspectiva centrada na soberania
de Jesus Cristo sob todos os aspectos da vida humana, bem como a relação com a
sociedade e a cultura, elementos estes que compõem o lócus do pensamento
kuyperiano.
O neocalvinismo holandês foi um movimento de reforma do século XIX, iniciado
por Abraham Kuyper (1837-1920) com outros articuladores, que se esforçaram para
entender e responder os enfrentamentos da igreja cristã ocidental após o advento da
Modernidade. Também conhecido como kuyperianismo, buscou reafirmar o
Calvinismo, resgatando aspectos doutrinários e logrando assim, uma espiritualidade
de engajamento social, cultural e político, abordados por João Calvino desde a
Reforma do século XVI (KUYPER, 2003, p. 36; RAMLOW, 2012, p. 19).
Diante das tendências do Iluminismo francês, da Revolução Francesa e do
Humanismo2, que a partir de então, tem uma ênfase no antropocentrismo e no
racionalismo, a igreja era afetada por um conflito intelectual, que desencadeou
mudanças no campo religioso (NAUGLE, 2017, p. 102). Nisto, se o pietismo surge
como uma reação de valorização à experiência religiosa ou ao aspecto subjetivo da
fé e a isso se restringe (TILLICH, 1999, p. 45; WELCH, 1985, p. 68), é nessa
1 Dulci (2018, p. 38), faz um apontamento perspicaz quando rememora que a Universidade Livre de Amsterdam, levava esse nome, justamente por ser “livre dos ditames da igreja, do Estado e da economia”. 2 Convém mencionar que o Humanismo na época do Renascimento, que têm fortes influências inclusive na vida de pensadores como Lutero, Erasmo de Roterdã e Calvino, não é o mesmo do período do Iluminismo, no século XVII, sob tendências ateístas, irreligiosas e anti-clericais. Ademais, na contemporaneidade, o termo é ainda polirreceptivo, podendo representar até mesmo uma cosmovisão que nega a importância ou a existência de Deus (MCGRATH, 2005, p. 75; TILLICH, 1999, p. 51).
17
conjuntura que, por outro prisma, o teólogo calvinista holandês, Guillaume Groen Van
Prinsterer (1801-1876), sob a influência do reavivamento religioso, denominado
Despertamento, atuou alinhado à ortodoxia da fé reformada, buscando um caminho
de compromisso com a sociedade.
Van Prinsterer foi historiador e político e buscava articular a fé cristã com seu
trabalho. Para ele, "o espírito da Revolução Francesa era a maior ameaça de seus
dias ao Cristianismo e à sociedade holandesa em geral" (GODFREY, 1990, p. 140
apud RAMLOW, 2012, p.12). Disto, ele identificou problemas no absolutismo e no
individualismo, que se levantavam como um contraponto à soberania e lei divina, na
qual os cristãos tinham o dever de cumprir. Assim, Van Prinsterer foi o precursor do
neocalvinismo holandês, que passa a ser desenvolvido posteriormente, na trajetória
do teólogo, acadêmico, estadista, mas também um fiel piedoso, Abraham Kuyper.
Diante disso, Kuyper expõe em suas palestras o Calvinismo como um sistema
de vida. Aliás, Santos (2006, p. 92) observa que o termo “sistema de vida” é utilizado
por Kuyper nestas palestras para traduzir o termo de origem alemã Weltanschauung3,
cuja tradução literal pode ser conceito do mundo ou cosmovisão. No início do século
XX, o termo Weltanschauung era encontrado em mais de duas mil obras no idioma
alemão, sendo utilizado como conceitos filosóficos ou na afirmação da aspiração
humana pela busca de uma compreensão acerca da natureza do universo (SOUZA,
2006, p.43). Conforme Oliveira (2008, p.34), James Orr4 (1844-1913) teólogo
presbiteriano escocês e Abraham Kuyper, foram os primeiros a utilizarem o conceito
de Weltanschauung ao contexto cristão-reformado.
Para Orr, esse conceito de cosmovisão possibilita ao cristianismo uma amplitude
capaz de qualificá-lo como um sistema. Nesse sentido, Wolters (1983, p. 117 apud
3 O termo Weltanschauung, foi inicialmente associado aos sistemas metafísicos ou construções teóricas da cultura nas esferas de metanarrativas filosóficas, científicas ou religiosas, sendo encontradas nas obras de idealistas e românticos alemães como G.W.F. Hegel (1770-1831), F.W.J. Schelling (1775-1854), J.G. Herder (1744-1803), J.W.Goethe (1749-1832), entre outros. Weltanschauung era igualada à filosofia da cultura ou do espírito absoluto. Wilhelm Dilthey (1833-1911) acrescenta uma nova significância ao conceito de Weltanschauung, quando considera um fenômeno que não apenas antecede a apropriação da reflexão teórica, mas também a condiciona. Posteriormente, o termo Weltanschauung foi traduzido para o inglês, worldview, e em português, cosmovisão (SOUZA, 2006, p.41; RAMLOW, 2012, p. 45). 4 James Orr (1844-1913), é da cidade de Glasgow, na Escócia. Foi ministro presbiteriano e professor de teologia e história. De acordo com Ramlow (2012, p. 46), a relevância de Orr para o neocalvinismo holandês encontra-se em sua obra The Christian View of God and the World (1893). Foi ele quem inicialmente, teria aplicado a noção de Wilhelm Dilthey (1833-1911) acerca da Weltanschaaung para o cristianismo, implementando assim, uma cosmovisão cristã.
18
NAUGLE, 2017, p. 106) observa que, enquanto cosmovisão, o calvinismo é similar ao
marxismo no que se refere a um modo abrangente de sua intelectualidade,
aplicabilidade e envolvimento diante dos fenômenos socioculturais.
Um importante ponto de partida para compreender essa articulação teórica entre
a cosmovisão cristã elaborada na perspectiva de Kuyper são as Palestras Stone. A
obra do autor holandês aborda o conteúdo das palestras proferidas na Universidade
e Seminário de Princeton, em 1898. Tal evento, que ocorreu no cenário acadêmico
estadunidense, ficou conhecido como as Palestras Stone. Trata-se de seis
exposições: O Calvinismo como sistema de vida; Calvinismo e Religião; Calvinismo e
Política; Calvinismo e Ciência; Calvinismo e Arte e Calvinismo e o Futuro; onde
Kuyper apresenta o Calvinismo não apenas como um conjunto de dogmas, mas
principalmente, como a proposta fundamental para uma compreensão mais ampla da
vida.
Ao argumentar sobre as condições que demandam a elaboração de sistemas
gerais de vida, Ramlow (2012, p. 52) identifica que Kuyper os traduz por 'condições'
ou 'relações fundamentais da vida humana' o que outros autores compreendem por
questionamentos. Logo, para Kuyper (2003, p. 28), uma cosmovisão trata de explicar
sobre (1) nossa relação com Deus, (2) nossa relação com o homem, (3) nossa relação
com o mundo.
Dessa forma, para Kuyper, todas as relações da vida humana baseiam-se na
interpretação de nossa relação com Deus. No entanto, o Modernismo, que desde a
Revolução Francesa de 1789 e com o Iluminismo, sobretudo na França,
consideravam “o cristianismo como algo opressor e irrelevante” (MCGRATH, 2014, p.
129), desencadearam uma corrente de oposição e rejeição à fé e ao cristianismo,
caracterizando-o como ultrapassado.
Diante disso, na contracorrente do humanismo, Kuyper (2003, p. 23)
compreende que o Calvinismo “tem uma teoria de ontologia, de ética de felicidade
social e de liberdade humana, derivada totalmente de Deus”. E assume um
posicionamento crítico à funcionalidade da apologética tradicional acerca do conflito
de sentido para o ser humano ocidental. Ele identifica que tal abordagem não
promove a causa cristã, tampouco a defesa da fé, referindo-se a esse modelo como
inútil, visto que “os apologistas invariavelmente começam abandonando a defesa
assaltada, a fim de entrincheirar-se covardemente em um revelim atrás deles”
19
(KUYPER, 2003, p. 19). Deve-se então, promover ações com as demandas
fundamentais, de modo que elabora uma compreensão de como atuar mediante tais
enfrentamentos.
1.2 Abraham Kuyper e as Palestras Stone
Abraham Kuyper nasceu no dia 29 de outubro de 1837 em Maassluis, na
Holanda. Sua mãe, Henrietta Huber (1802-1881), trabalhou como governanta antes
de se tornar professora num colégio interno para garotas em Amsterdã. Seu pai, o
Rev. Jan Hendrik (1801-1882) era pastor na igreja estatal (Nederlandse Hervormde
Kerk), e procedia de uma família simples de Amsterdã.
Em 1841, a família de Kuyper se mudou de Maassluis para Middelburg, capital
provinciana de Zeeland. Após oito anos, mudaram-se novamente, desta vez para a
cidade universitária de Leyden. É dali que o jovem Kuyper recebe primorosa
educação, onde inicia os estudos de línguas antigas e modernas. Mostrou-se desde
cedo excelente aluno e quando terminou a escola secundária. Foi o orador da turma,
convidado a expor sobre um tema que fosse de sua escolha. Sua apresentação já
indicou grande interesse pela literatura alemã, história, mas também pela teologia. O
título em alemão desse discurso era Ulfila, der Bischof der Visi-Gothen und seine
Gothische Bibelübursetzung, Úlfilas, o bispo dos visigodos e a tradução gótica da
Bíblia.
A Holanda dessa época contava com uma população de cerca de três a um
quarto de milhão de habitantes, também possuía uma universidade em Utrecht e
ainda outra em Groningen. Logo, era um número limitado de jovens privilegiados
pelas diversas circunstâncias que tinham acesso às universidades.
Em 1855, Kuyper ingressou os estudos de teologia e literatura na Universidade
de Leiden, fundada por William the Silent. Em 1575, a escola já possuía a tradição de
formar alunos por 280 anos. Berg (1978, p.14) lembra que o conhecimento das
línguas clássicas e também do mundo bíblico era considerado indispensável para os
clérigos, sendo que mesmo os aspirantes ministros estudavam latim, grego, hebraico,
aramaico e árabe. Eles também seguiram cursos de história, filosofia, ciências
naturais e literatura holandesa, para citar apenas quatro. No entanto, Kuyper já havia
aprendido os idiomas inglês, alemão e francês. E, aproximadamente em 1858,
20
concluiu a primeira graduação, na qual recebeu aprovação nos exames em literatura,
filosofia e línguas clássicas summa cum laude5.
No final da década de 1850, Kuyper estudava sob a influência de novas
perspectivas da teologia protestante6 na Europa, que apresentavam outras teorias e
métodos sobre a natureza da religião e da Bíblia (BERG, 1978, p. 19). Segundo
Henderson (2017, p. 119), um dos mais importantes teólogos em Leyden foi Jan
Hendrik Scholten (1811-1885).
Contudo, apesar de manifestar imenso respeito por Scholten, Kuyper sentiu-se
mais à vontade com o professor de literatura, Matthias de Vries (1820-1892), um
pesquisador da literatura holandesa. De Vries foi uma grande inspiração para Kuyper
e, em 1859, o encorajou a participar de um concurso promovido pelo departamento
de teologia da Universidade de Groningen, que na ocasião, premiava o melhor ensaio
comparado das visões de João Calvino e João de Lasco7 acerca da igreja. Kuyper
empenhou-se e, em 1860, recebeu o prêmio: uma medalha de ouro e honrarias
acadêmicas. Inclusive, relata que ao produzir o ensaio e aproximar-se das obras de
Lasco, o fez “lembrar-se de Deus”, confluindo a vida acadêmica e espiritualidade
cristã (KUYPER, 2003, p. 12).
Em dezembro de 1861, completou a graduação em teologia (kandidaats),
summa cum laude; e no ano seguinte, transformou o ensaio premiado em sua tese
de doutorado.
Durante esse período, Kuyper, com vinte e um anos, conheceu Johanna
Hendrika Shaay (1842-1899), com dezesseis, e pouco tempo depois, tornam-se
noivos. Nesse período de noivado, de 1858 a 1863, o pai de Johana era negociante,
e portanto, a família vivia em Roterdã. Assim, Kuyper e Johanna se comunicavam
com regularidade por correspondência, fornecendo um amplo registro de ideias e
sentimentos sobre a vida e a fé. Essas cartas são um importante recurso para
5 Summa Cum Laude (Com a Maior das Honras) é uma expressão em latim utilizada no circuito acadêmico europeu. Representa a maior distinção e é o reconhecimento por obter a máxima qualificação possível em uma titulação universitária. 6 Para compreender as perspectivas das teologias protestantes nos séculos XIX e XX, cf. Tillich (1999, p. 43) e Welch (1985, p. 146). 7 João de Lasco (1499-1560) foi um reformador protestante, pregador e teólogo polonês. Possuía vínculos de amizade com Erasmo e Cranmer, o que motivou a buscar o desenvolvimento da linguagem e literatura polaca, bem como do humanismo em seu país. Pertence à segunda geração de reformadores.
21
compreender o jovem Kuyper e sua trajetória teológica. Eles se casaram em 1863,
pouco antes de Kuyper iniciar o ministério pastoral em Beesd (HENDERSON, 2017,
p. 119).
Outra experiência de profunda importância na vida religiosa de Kuyper teria sido
a leitura da novela inglesa The Heir of Redclyffe, O Herdeiro de Redcliffe (1853), de
Charlotte Yonge8. Ele fez uma aplicação pessoal das experiências espirituais pelas
quais passou o personagem do romance, Filipe de Norville. Esta leitura teria
sensibilizado Kuyper de tal forma que escreve: “O que minha alma passou naquele
momento, somente vim a entender plenamente mais tarde; mas todavia naquela hora,
não, naquele próprio momento, aprendi a desprezar o que anteriormente admirava, e
a procurar o que anteriormente rejeitava” (KUYPER, 2003, p. 13).
O período de quatro anos na comunidade rural de Beesd (1863-1867)
representa o momento de grandes mudanças na vida de Kuyper, quando os fiéis de
sua paróquia se recusaram a comparecer aos cultos do jovem pastor em resistência
contra sua prédica porque concentrava elementos do modernismo. No entanto, o
convívio com esses paroquianos o atraiu, de modo que passou a visitá-los
periodicamente. Surpreendeu-se positivamente diante do conhecimento bíblico e
como compreendiam o mundo, que apresentava a autêntica teologia de Calvino,
como afirma:
Não havia apenas conhecimento da Bíblia, mas também
conhecimento de uma bem ordenada cosmovisão, embora ao estilo
dos reformadores antigos. Era como se algumas vezes eu estivesse
sentado nos bancos da universidade ouvindo meu talentoso mentos
Scholten palestrando sobre a “doutrina da Igreja Reformada”, mas
com simpatia invertida. E o que era, para mim pelo menos, mais
atraente, era que aqui falava um coração não apenas que possuías,
mas também tinha uma simpatia por uma história e experiência de
vida [...] Aquelas pessoas trabalhadoras simples, escondidas naquele
lugar, contaram-me no seu dialeto rústico as mesmas coisas que
Calvino legou-me para ler em belíssimo latim (HESLAM, 1998, p.
33,34 apud SANTOS, 2006, p. 86).
8 Chalotte M. Yonge (1823-1901) foi uma romancista cristã que recebeu influência do Movimento de Oxford. Propagou a fé por meio de romances e o ensino na escola dominical. Convém mencionar que o Movimento de Oxford ocorre entre as décadas de 1830 e 1840 sob a liderança de John Klebe, John Newman e Edward Pusey, tendo agido uma parte desse segmento, em reação ao liberalismo teológico. Assim, representa um movimento de piedade da alta igreja anglicana, que segundo Henderson (2017, p. 128), era “inspirado por um novo ideal romântico do cristianismo primitivo”.
22
Enquanto ministrava em Beesd, Kuyper teceu fortes vínculos com as pessoas
do campo e apresentou uma sensibilidade e preocupação com o modo de vida e com
os problemas sociais que o povo enfrentava. Ademais, nessa convivência
comunitária, os fiéis passaram a orar pela sua conversão e, desse modo, sua jornada
espiritual é marcada de maneira que, por muitos momentos, ele sempre demonstrou
a gratidão que sentia por ter vivenciado aquela experiência de fé com o povo de
Beesd. Com isso, foi um momento de ressignificar aspectos de sua teologia, ao passo
que constituía os fundamentos da perspectiva kuyperiana, que traz fortes relações
com seu múltiplo campo de atuação.
Durante sua trajetória, Kuyper publicou diversos artigos acadêmicos, ensaios,
comunicações, editoriais, além de seus sermões, a produção teológica, os discursos
proferidos no parlamento e a troca de correspondências com pessoas importantes em
sua vida, envolvidas com sua obra e pensamento.
Em 1867, iniciou os planos para formar a Marnix Vereeniging, para o estudo da
Reforma nos Países Baixos. Atuou também na União das Escolas Nacionais Cristãs,
trabalhando pela liberdade da confessionalidade na educação.
No campo político, contribuiu para formalizar um partido cristão no país e inseri-
lo no espectro democrático9, da qual foi jornalista, editor-chefe e líder do Partido
Antirrevolucionário De Standaard, em 1872, e torna-se, em 1879 o primeiro partido
político holandês moderno e o primeiro partido cristão democrata do mundo (DULCI,
2018, p. 99). Foi eleito membro da Casa Baixa do Parlamento em 1874.
Em 1880, a Associação de Educação Superior Reformada manifestou o objetivo
de implementar uma universidade cristã, da qual por meio de Kuyper, é fundada então
a Universidade Livre de Amsterdã. Ele contribuiu ainda para estabelecer a
Gereformeerde Kerken (Igrejas Reformadas), onde a membresia foi composta por um
grupo de pessoas que sentiram-se forçadas a deixar a igreja organizada pelo Estado,
em 1886.
Kuyper produziu sobre os problemas sofridos pela classe trabalhadora por meio
de publicações com essa temática, onde realizou uma conferência organizada em
1891 para refletir sobre a questão social. Exerceu a função de primeiro ministro da
Holanda (1901-1905) e deixa o cargo em 1905 durante as repercussões de uma greve
9 Guillaume Groen Van Prinsterer (1801-1876) que, era antecessor de Kuyper e será abordado adiante,
já exercia a liderança desse movimento, que Kuyper auxilia a reorganizar e formalizar para inserir o debate por meio de representação do partido.
23
nas ferrovias (HENDERSON, 2017, p. 123; SANTOS, 2006, p. 88; KUIPERS, 2011,
p. 15-16).
As Palestras Stone, foram proferidas por Kuyper em 1898, na Universidade e
Seminário Teológico de Princeton, nos Estados Unidos. Posteriormente, é qualificada
como “Calvinismo”, reconhecida como a obra de referência para uma introdução ao
seu pensamento. Para Santos, “as Palestras Stone se tornaram o principal
instrumento no estabelecimento da escola internacional de pensamento denominada
kuyperianismo ou neocalvinismo” (SANTOS, 2006, p. 93 apud RAMLOW, 2012, p.
20).
Em suas palestras, Kuyper apresenta o Calvinismo como um conjunto de
pressupostos sustentados pelos calvinistas, para suas ações no mundo. Na primeira
palestra, “O Calvinismo como sistema de vida”, o termo sistema de vida é utilizado
por Kuyper para traduzir o termo de origem alemã Weltanschauung, cuja tradução
literal seria conceito do mundo ou cosmovisão. Entretanto, Santos (2009, p. 91)
identifica que esta tradução pudesse estar excessivamente associada aos aspectos
físicos da natureza, ele utiliza também a tradução alternativa concepção de vida e do
mundo à qual se pode também denominar biocosmovisão10.
Kuyper (2003, p. 21) critica nessa palestra inicial o fato do termo calvinista ser
um estigma sectário, da qual reduz o movimento a uma “mesquinhez dogmática”,
conforme suas próprias palavras:
Mas além deste uso sectário, confessional e denominacional do nome
“calvinismo”, ele serve (...), como um nome científico, quer em um
sentido histórico, filosófico ou político. Historicamente, o nome
Calvinismo indica o canal pelo qual a Reforma se moveu, até onde ela
não foi nem luterana, nem anabatista, nem sociana. No sentido
filosófico, entendemos por Calvinismo aquele sistema de concepções
que, sob a influência da mente mestre de Calvino, levantou-se para
dominar nas diversas esferas da vida. E como um nome político o
Calvinismo indica aquele movimento político que tem garantido a
liberdade das nações em governo constitucional; primeiro na Holanda,
então na Inglaterra, e desde o final do século XVIII, nos Estados
Unidos.
10 “Biocosmovisão” é um esforço utilizado na tradução para o português, com o objetivo de articular
dois conceitos da perspectiva kuyperiana entre a “visão-de-mundo” ou “cosmovisão” (worldview) e o “sistema-de-vida” ou “percepção-de-vida” (lifeview). É valendo-se desse conceito que compõe a “cosmovisão” e o “sistema-de-vida”, que Abraham Kuyper estrutura seu pensamento denominado Calvinismo (MARQUES, 2017, p. 4).
24
Então, o termo calvinismo não é utilizado no sentido pejorativo ou sectário, e,
tampouco no sentido confessional ou dogmático daqueles grupos que supervalorizam
o dogma da predestinação ou nem mesmo é interpretado em seu sentido
denominacional. No entanto, é utilizado para o autor com o objetivo de afirmar que o
Calvinismo possui uma ontologia e uma ética autenticamente validadas na própria
perspectiva de Calvino acerca da interpretação bíblica e de sua relação com o mundo.
Verifica-se que na primeira palestra, o argumento de Kuyper é que os sistemas
de crenças têm consequências. É no cotidiano que as ações daquilo em que
realmente creem os cristãos devem aparecer, e não no que ocorre aos domingos nas
igrejas. Para Kuyper, os cristãos estavam “destituídos de uma unidade de concepção
de vida”. Tanto que, para ele o Calvinismo, a fim de se estabelecer enquanto um
sistema de vida que apresente unidade, deve-se responder a essas três perguntas:
Como o homem se relaciona com Deus? Como o homem se relaciona com o homem?
Como o homem se relaciona com o mundo? Visto que os sistemas de vida respondem
essas perguntas sob diferentes perspectivas (KUYPER, 2003, p. 28).
Na análise da segunda palestra Calvinismo e Religião, Kuyper discute entre
outros temas, sua eclesiologia. Partindo do sensus divinitatis – de que toda a
humanidade intui um senso sobre Deus – Kuyper (2003, p. 56) é teocêntrico ao validar
que o ponto de partida da religião é Deus e não o homem. Todavia, possui um
reconhecimento da responsabilidade humana para com a criação:
A posição do Calvinismo é diametralmente oposta a tudo isto. Ele não
nega que a religião tem igualmente seu lado humano e subjetivo (...)
O Calvinismo valoriza tudo isto como frutos que são produzidos pela
religião ou como âncoras que lhe dão apoio, mas rejeita honrá-los
como a razão de sua existência. Certamente, a religião, como tal,
produz também uma bênção para o homem, mas ela não existe por
causa do homem. Não é Deus quem existe por causa de sua criação;
a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele
criou todas as coisas para si mesmo.
Por esta razão, Deus mesmo imprimiu uma expressão religiosa no
conjunto da natureza inconsciente, - nas plantas, nos animais e
também nas crianças (...), porque o próprio Deus implantou na
natureza humana a verdadeira expressão religiosa essencial, por
meio da “semente da religião” (semen religionis), como Calvino a
define, plantada em nosso coração humano (KUYPER, 2003, p.
55,56).
25
Contudo, Kuyper (2003, p. 62) também defendeu uma pluriforme ideia de igreja.
Isso é fruto de sua crença no ofício de todos os crentes e sua trajetória democrática,
na qual o princípio da liberdade é um aspecto importante e valorizado em sua
perspectiva teológica. Ademais, esta temática de grande relevância à perspectiva
reformacional será explorada no próximo capítulo desta pesquisa.
Em sua terceira palestra Calvinismo e Política, Kuyper busca apontar que esse
fenômeno não se limita à esfera religiosa, mas também em sua compreensão sobre
o Estado. Para tanto, partindo da doutrina sobre a soberania de Deus, ele discute a
sua perspectiva dessa soberania e seus desdobramentos no Estado, na sociedade e
na igreja. Desse processo, é desencadeado um importante elemento do pensamento
kuyperiano, o esboço de sua teoria da “soberania das esferas”, à qual serão
retomados mais adiante, juntamente com sua compreensão de outras temáticas, que
abordam a participação na vida pública, tais como o dever de promover a justiça e o
pluralismo.
Nesta palestra, Kuyper (2003, p. 91) ainda reconhece a democracia como uma
graça de Deus. Ao citar as palavras de Calvino, dando “graças a Deus todo-poderoso
que deu a nós o poder de escolher nossos próprios magistrados”, ele tece
considerações sobre a liberdade da escolha popular, ao passo que apresenta
indignação diante da teocracia, do absolutismo bem como dos abusos de poder da
própria igreja.
Bartholomew (2017, p. 96-97) constata que, para Kuyper, enquanto o
paganismo eleva o mundanismo, e o islã deprecia completamente o mundo, na Idade
Média, sob Roma, a igreja também foi colocada contra o mundo, com o objetivo de
estabelecer-se “sobre” o mundo. Isso resultou numa igreja corrompida pelo próprio
mundo. Assim, no Calvinismo, ele encontra possibilidades de implementar um novo
modelo, na qual é retirado o controle da igreja, a fim de que a vida diante de Deus
(Coram Deo), viesse a se desenvolver sobre as outras esferas. Por isso, a doutrina
do mandato cultural, encontrada no capítulo primeiro de Gênesis e a graça comum
são temas de grande importância ao pensamento kuyperiano e é valendo-se delas
que Kuyper (2003) promove as outras três palestras conseguintes: Calvinismo e
Ciência, Calvinismo e Arte e O Calvinismo e o Futuro.
26
Herman Bavinck
Herman Bavinck (1854-1921) foi um colaborador de Kuyper e sendo seu
contemporâneo, tornou-se um teólogo precioso para o neocalvinismo. Foi professor
de teologia na Universidade Livre de Amsterdã e sua contribuição vem da obra
intitulada como Dogmática Reformada, publicada em quatro volumes entre 1895 e
1901 (BAVINCK, 2012, p.13). Tamanha a compreensão de uma perspectiva integrada
entre fé e prática, que as palavras de Bavinck definem o esforço do neocalvinismo
holandês em superar os dualismos e as fragmentações:
As palavras “reformado” e “calvinista” [...] embora cognatas em
significado, não são de nenhuma forma equivalentes, a primeira
sendo mais limitada e menos abrangente que a última. Reformado
expressa meramente uma distinção religiosa eclesiástica; é uma
concepção puramente teológica. [...] Calvinista é o nome de um
cristão reformado apenas à medida que ele revela um caráter
específico e um aspecto exterior distinto, não simplesmente em sua
igreja e teologia, mas também na vida social e política, na ciência e
na arte (BAVINCK, apud SANTOS, 2006, p.94).
A teologia de Herman Bavinck, da qual sua obra Dogmática Reformada é
composta por quatro volumes, envolve reflexões por uma perspectiva da teologia
reformada construída desde a Reforma do século 16 até os dias de Bavinck, sendo
que os mais proeminentes teólogos da tradição reformada holandesa deste período
encontram-se citados por Bavinck. Embora houvessem os movimentos separatistas
que ocorriam em seus dias, Bavinck demonstra ser um profundo conhecedor da
tradição reformada bem como de outras tradições, o que, para Ramlow (2016, p. 51)
[...] se evidencia pela maneira que trabalha integrando,
especialmente, o catolicismo e o luteranismo em sua reflexão. A
profundidade e amplitude de seu pensamento revela-se ainda pela
maneira como ele inclui as inquietações de seu tempo a partir das
alegações da ciência moderna. Bavinck demonstra-se profundamente
consciente e engajado enquanto analisa de forma ponderada as
propostas do mundo científico de então. Transparece em sua obra a
tensão em que Bavinck viveu, entre a cultura moderna e todas as
novidades científicas e, sua alma piedosa, que se esforçava por
preservar a ortodoxia reformada. Bavinck procurava, assim, por uma
síntese entre o cristianismo e a cultura na cosmovisão trinitária do
neocalvinismo holandês.
27
Além de ser um teólogo sistemático, inclusive, o responsável por estruturar a
dogmática do neocalvinismo, é evidente que Bavinck era alguém envolvido com a
perspectiva kuyperiana. Foi membro na Casa Alta da Holanda e atuou como consultor
na esfera educacional de seu país. Semelhante à Kuyper, James Orr e Van Prinsterer,
pode-se identificar a seguir, que também os próximos autores referenciados mantêm
uma tradição de uma fé cristã comprometida com a sociedade, o que marca aspectos
elementares do neocalvinismo com a sua materialidade histórica.
Herman Dooyeweerd
Outro teórico de extrema importância ao neocalvinismo foi o filósofo e jurista
holandês, que exerce influência nacional e internacional, Herman Dooyeweerd (1894-
1977). Embora não tenham se conhecido pessoalmente, Dooyeweerd herda o
pensamento do reformador e seu compatriota, Abraham Kuyper, onde se torna
professor de direito na Universidade Livre de Amsterdã. Foi membro da Academia
Holandesa de Ciências e presidente por longos anos da Sociedade Holandesa de
Filosofia do Direito.
Conforme Carvalho (2006, p.190), como kuyperiano, Dooyeweerd esteve
comprometido desde o início com a renovação cultural de seu país e utilizava da
cosmovisão cristã para suas produções, resistindo inclusive ao processo de
secularização. Assim como Kuyper, Dooyeweerd expressava confiança nas
influências transformadoras do cristianismo sob a égide reformada.
Dooyeweerd elabora uma abordagem alternativa à teoria do Estado, além de
contrapor as teorias vigentes de seu tempo, influenciadas pelo absolutismo
monárquico e da própria Revolução Francesa, dos séculos XVIII e XIX. Para tanto,
promove uma reação ao Iluminismo e apresenta uma filosofia política ao contexto
holandês, da seguinte forma:
Dooyeweerd analisou do ponto de vista histórico e filosófico, as
questões da causalidade jurídica, culpa, responsabilidade,
propriedade, e fontes da lei, insistindo em ver estas e outras no
contexto de uma teoria mais ampla da natureza e destino do ser
humano (antropologia), do ser e da ordem (ontologia), e do
conhecimento e suas fontes (epistemologia). Sua obra De
Wijsbegeerte der Wetsidee (A Filosofia da Ideia Cosmonômica), foi
publicada em três volumes em Amsterdã entre 1935-1936 e viria a
28
constituir-se o centro do seu pensamento filosófico, e costuma ser
considerada revolucionária pelo amplo diálogo com a tradição
filosófica e sua crítica à autonomia do pensamento teórico (RAMLOW,
2012, p. 22).
Para o autor, todo o pensamento é direcionado por uma motivação que tem sua
origem no coração e não na razão humana. Ao questionar “qual é o ponto de
referência central em nossa consciência a partir do qual essa síntese teórica pode se
iniciar?”, Dooyeweerd (2010, p. 68), identifica no ponto arquimediano [ἀρχή] (arché),
o aspecto crítico dos limites no pensamento (transcendental) e a abertura para o
religioso (transcendente e incondicionado). Portanto, o reconhecimento de uma ἀρχή
(arché), dá sentido à toda participação humana na criação e elaboração dos
significados, que por sua vez, são permeados por uma intencionalidade religiosa. Por
isso, tece críticas à síntese promovida em outros sistemas filosóficos, de modo que
são baseados em outros pressupostos do coração. Assim:
Se todas as correntes filosóficas que alegam estabelecer seu ponto
de partida exclusivamente na razão teórica não possuíssem, de fato,
pressuposições mais profundas, seria possível resolver todas as
discussões filosóficas entre elas de uma forma puramente teórica.
Mas a situação real é bastante diferente (DOOYEWEERD, 2010, p.
50).
Tal afirmação conflui com os dizeres de Kuyper (2003, p. 138):
Toda ciência num certo grau parte da fé, e ao contrário, a fé que não
leva à ciência é fé equivocada ou superstição, mas não é fé real,
genuína. Toda ciência pressupõe fé em si, em nossa autoconsciência;
pressupõe fé no trabalho acurado de nossos sentidos; pressupõe fé
na correção das leis do pensamento; pressupõe fé em algo universal
escondido atrás de fenômenos especiais (...) todos estes axiomas
indispensáveis, necessários a uma investigação científica produtiva,
não veem a nós pela prova, mas são estabelecidos em nosso
julgamento por nossa concepção interior e dados com nossa
autoconsciência.
Desta forma, contemporâneo de Kuyper, Dooyeweerd desenvolveu um sistema
filosófico cristão, chamado de filosofia reformacional ou filosofia cosmonômica, na
qual, partindo do conceito kuyperiano de soberania das esferas, Dooyeweerd articula
uma compreensão acerca das instituições sociais e também do Estado. Sua “proposta
de reforma para o pensamento político é a aplicabilidade do próprio sistema
filosófico”, conforme a introdução na obra “Estado e Soberania”: ensaios sobre
29
Cristianismo e Política”, apresentada por Leonardo Ramos e Lucas Freire,
(DOOYEWEERD, 2014, p. 23).
Enquanto acadêmico, Dooyeweerd demonstrou grande incômodo com o
reducionismo científico existente na história do pensamento ocidental moderno. Ao
problematizar o reducionismo e apresentar a relevância da fé cristã para a academia,
desenvolve uma releitura da história do pensamento ocidental e a sua expressiva
descoberta fundamental, encontrada na base de seu sistema de filosofia
reformacional (CARVALHO, 2006, p. 194; DOOYEWEERD, 2015, p. 11).
Hans Rookmaaker
Henderik Roelof Rookmaaker (1922-1977) foi um pensador holandês que exerce
um legado de grande importância no campo das artes. Hans, como era geralmente
conhecido pelos familiares e amigos, possui uma vasta trajetória acadêmica na
docência e como historiador da arte. A partir de 1942, ano em que se converteu ao
cristianismo, numa prisão nazista em Estanislaw (atual Ucrânia), a vida e obras de
Rookmaaker compõem uma intensa convicção a respeito de sua fé e missão, na qual
afeta suas produções e perspectiva das artes, integrando paixão e crença, trabalho e
influência, energia e esperança.
É no mundo contemporâneo do século 20 que Rookmaaker inicia sua
missionalidade relacionando arte e fé cristã, segmento já apontado por alguns de seus
conterrâneos que identificaram a necessidade de uma ação cristã integral, aplicada
na igreja e na sociedade.
Entre os defensores da perspectiva de uma ação cristã integral, destacam-se,
como já mencionado nesta pesquisa, Abraham Kuyper, Herman Bavinck e o
contemporâneo Herman Dooyeweerd. Souza (2009, p. 98) e Gasgue (2012, p. 23)
narram que logo após o curto tempo de conversão ao cristianismo, Rookmaaker havia
conquistado o reconhecimento como uma das vozes mais expressivas no campo da
integração entre fé cristã e artes no Ocidente.
Apesar de seu tempo de vida e a trajetória como cristão ter sido relativamente
breve (aproximadamente 25 anos), é inegável a contribuição e a influência exercida
desse autor sobre o pensamento cristão em diversas partes do mundo.
30
Com dezenas de livros nas temáticas da relação entre arte, cultura e
cristianismo, centenas de artigos publicados em revistas especializadas na Europa,
Estados Unidos e Canadá, Rookmaaker foi professor de História da Arte na
Universidade Livre da Amsterdã. Implementou também departamentos de arte que
foram estruturados na Holanda, Estados Unidos e Inglaterra. Associações de artistas
cristãos que foram inauguradas sob sua influência ou pelo próprio autor. Um centro
de estudos internacional formado na Holanda (L’ABRI)11 e estações de rádio criadas
e fortalecidas em seu país (SOUZA, 2009, p. 99; GASGUE, 2012, p. 61).
A vida, pensamento e obra de Hans Rookmaaker ainda é pouco conhecida no
Brasil. Apenas quatro de suas obras foram traduzidas para o português, a saber: A
arte não precisa de justificativa, em 2010; A arte moderna e a morte de uma cultura,
em fevereiro de 2015; ambas pela Editora Ultimato; há também uma biografia escrita
pela professora e historiadora da arte Laurel Gasgue, traduzida em novembro de 2012
por esta mesma editora, com o tema: Rookmaaker: arte e mente cristã; e, Filosofia e
Estética, pela editora Monergismo, em 2018. Outro aspecto relevante para a difusão
e publicização do pensamento de Hans Rookmaaker e a procura por suas obras no
contexto brasileiro foi a canção Rookmaaker, lançada em 2010 pela banda de rock
alternativo Palavrantiga.
1.3 Temas e ênfases teológicas do Neocalvinismo
Abraham Kuyper buscou reavivar o calvinismo na Holanda do século XIX. Para
tanto, como será abordado no próximo capítulo, almejou que as igrejas fossem livres
e procurou destacar as doutrinas tradicionais do calvinismo de tal forma que não
fossem somente atreladas às ideias, mas com o objetivo de promover uma dinâmica
de participação na sociedade de sua época. Assim, a aplicabilidade do calvinismo em
articulação com a ciência, a cultura e as artes se dão por meio de ênfases teológicas
11 O primeiro L’ABRI (palavra de origem francesa que significa “abrigo”) foi fundado no ano de 1955
pelo casal Francis e Edith Schaeffer, quando eles abriram sua casa para acolher estudantes, profissionais e artistas de diversos países que compartilhavam questionamentos sobre a existência, a transcendência, a espiritualidade e questões sociais, culturais e políticas. Desde então, foram fundadas comunidades L’ABRI na Inglaterra, Holanda (essa devido à forte amizade entre Hans Rookmaaker e Francis Schaeffer), Suécia, América, Canadá, Coréia e, no Brasil, a partir de 2008. Muito das ideias de Rookmaaker foram posteriormente popularizadas por Francis Schaeffer. Na mesma linha de outros teólogos e filósofos do neocalvinismo holandês, como Abraham Kuyper, Herman Dooyeweerd, Nicholas Wolterstoff e Egbert Schuurmann.
31
que são cabais na cosmovisão calvinista, embora não foram aprofundadas por
Calvino (RAMLOW, 2012, p. 6). A seguir, são apresentados alguns destes
fundamentos que, na perspectiva neocalvinista, possibilitam compreender e agir
numa visão abrangente a toda a dinâmica da vida, envolvendo-se com a sociedade
por meio de uma cosmovisão cristã que norteia a atuação de cada indivíduo,
apropriado de sua vocação.
As Esferas de Soberania
Desde a primeira das Palestras Stone, é possível identificar alguns dos
fundamentos que colorem a visão de Kuyper sobre o Calvinismo e que permeia todo
o conteúdo da obra. Destes, a compreensão da soberania de Deus sobre toda a vida,
o mandato cultural, a renovação (palingênesis), pela qual a vida humana e o cosmos
são restaurados, e o princípio da graça comum, compõem um conjunto temário de
suma importância ao neocalvinismo (BARTHOLOMEW, 2017, p.545).
Para Kuyper, a soberania divina sobre toda a extensão do cosmos se faz diante
da humanidade numa correlação entre: “1-) a soberania no Estado; 2-) a soberania
na sociedade; e, 3-) a soberania na Igreja” (KUYPER, 2003, p. 86; MOLENDIJK, 2008,
p. 244). Disto, é possível identificar o esforço insistente de Kuyper em promover a
liberdade de pensamento e a pluralidade religiosa contra qualquer poder do Estado
ou ainda de uma esfera sobre outra esfera. Kuyper e seus seguidores12 que militavam
contra o Modernismo, entendiam que a soberania não pode ser fundamentada em
nenhuma das teorias de contrato social, fosse ela “hobbesiana, lockiana ou
rousseauniana” (REICHOW, 2014, p. 48).
A soberania então ocorre nas diversas esferas. Ao Estado, por exercer sua
governabilidade, não cabe ultrapassar o limite de sua execução, impondo sua
legislação e ordem, mas, compete garantir os princípios que norteiam a vida bem
12 Destes seguidores, Herman Dooyeweerd posteriormente viria a elaborar a sistematização de sua
filosofia, reconhecida enquanto a ontologia dos modos da experiência ou ontologia modal, a partir do princípio desenvolvido por Abraham Kuyper acerca das esferas de soberania. Dooyeweerd compreende que há uma relação da fé com outros aspectos modais estabelecidos numa lei cosmonômica. Assim, existem aspectos que limitam, diversificam e estruturam o sentido de cada esfera por meio de um núcleo de significados. Desse modo, na esfera ética, o núcleo de sentido seria o amor; na jurídica, a justiça; na estética, a harmonia; na econômica, a mordomia e conservação; de modo que tais aspectos possuem uma exemplaridade científica que contribui para a produção de conhecimento. Reichow (2012, p. 50) apresenta uma dissertação que aborda a filosofia reformacional de Dooyeweerd, possibilitando o aprofundamento de seu pensamento na tradição neocalvinista.
32
como a tipificação que qualifica a funcionalidade de cada esfera. Destarte, o Estado
deve intervir nas seguintes condições:
1-) Quando esferas diferentes entram em conflito para forçar respeito
mútuo as linhas divisórias de cada uma; 2-) Defender pessoas
individuais e fracas, naquelas esferas, contra o abuso de poder dos
demais; e 3-) Constranger todos a exercer as obrigações pessoais e
financeiras para a manutenção da unidade natural do Estado
(KUYPER, 2003, p. 86 apud RAMLOW, 2012, p. 33).
Sendo assim, cada esfera deve possuir a liberdade sobre as demais, de maneira
que sua operacionalização e funcionalidade derivam da soberania de Deus.
Entretanto, sua ênfase nessa doutrina vai na contracorrente do dogmatismo e por
meio deste princípio, estabelece uma perspectiva de comprometimento dos cristãos
com a sociedade por meio dessas esferas, elementos que norteiam a sua teologia.
Logo, é inconcebível para Kuyper um calvinismo que fosse tradicionalista, sectário
e\ou escapista, não compreendido enquanto um sistema de vida abrangente
(KUYPER, 2003, p. 34; CARVALHO, 2009, p.55).
A Graça Comum
Também é a partir das Palestras Stone que se pode identificar a influência da
graça comum (gratia communis) para o pensamento kuyperiano, dada à importância
considerada a este princípio para o desenvolvimento da vida, incluindo do próprio
Calvinismo:
Assim, também, é um e o mesmo mundo que outrora exibiu toda glória
do Paraíso, que depois foi atingido com a maldição, e que, desde a
Queda, é sustentado pela graça comum; que agora tem sido redimido
e salvo por Cristo em seu centro e que passará através do horror do
julgamento para o estado de glória. Por esta mesma razão, o
calvinista não pode calar-se em sua igreja e abandonar o mundo a
sua sorte. Antes, sente sua alta chamada para promover o
desenvolvimento deste mundo a um estágio ainda mais alto, e fazer
isto em constante acordo com a ordenança de Deus, por causa de
Deus, sustentando, no meio da tão dolorosa corrupção, tudo que é
honrável, amável e de boa fama entre os homens (KUYPER, 2003, p.
81).
33
Herman Bavinck (1854-1921) foi um dos primeiros na tradição neocalvinista a
utilizar o termo “Graça Comum” articulado com a compreensão da ação do Espírito
Santo atuando e operando dada virtude:
Desta graça comum procede tudo o que é bom e verdadeiro que ainda
vemos no homem decaído. A luz ainda brilha nas trevas. O Espírito
de Deus vive e trabalha em tudo o que foi criado. Logo, ainda
permanecem no homem certos traços da imagem de Deus. Há ainda
intelecto e razão; todas as espécies de dons naturais ainda estão
presentes nele. O homem ainda tem uma percepção e impressão da
divindade, uma semente da religião. A razão é um dom inestimável. A
filosofia é um dom admirável de Deus. A música também é um dom
de Deus. As artes e as ciências são boas, proveitosas e de alto valor.
O Estado foi instituído por Deus [...] Há ainda uma aspiração por
verdade e virtude, também pelo amor natural entre pais e filhos. Em
assuntos que dizem respeito a esta vida terrena, o homem é capaz
ainda de fazer muitas coisas boas [...] Pela doutrina da graça comum
os reformadores têm, por um lado, mantido o caráter específico e
absoluto da religião cristã, mas, por outro lado, ninguém os tem
ultrapassado em sua valorização do que for bom e belo como dádivas
de Deus aos seres humanos pecaminosos (BAVINCK, 1922, p. 17
apud HOEKEMA, 1999, p. 212).
Nesse sentido, se na graça especial (ou particular), Deus concede salvação à
pessoa através de Jesus Cristo pela graça comum, Deus delimita os efeitos
desastrosos provocados pelo pecado, permitindo assim, o desenvolvimento da vida e
da cultura. Para Kuyper, apesar da graça comum não aniquilar a essência do pecado
nem possuir poder de salvação, ela impede a plena execução das intenções
pecaminosas, promovendo valores como a justiça, a beleza e a bondade.
A graça comum é uma ideia desencadeada na esteira da própria tradição cristã,
no pensamento de teólogos que, como Agostinho, já expressavam lampejos acerca
do tema. Molendijk (2008, p. 244) rememora: “não foi o próprio Calvino que comparou
as Escrituras a um par de óculos?” de modo que possibilitou “decifrar novamente os
pensamentos divinos, escritos pela mão de Deus no livro da Natureza, que se tornou
obliterado em consequência da maldição?”. Em decorrência disso, a graça comum
contribui para uma teologia que se compromete em participar na dinâmica da
produção e reprodução da vida humana.
O Mandato Cultural
34
É perante a compreensão da soberania divina que sustenta e governa sobre a
criação, que o pressuposto seguinte descortina o entendimento de que Deus escolhe
compartilhar essa governabilidade através do comissionamento do ser humano. Este
pressuposto, denominado mandato cultural, é analisado na perspectiva kuyperiana e
é um tema precioso para o movimento neocalvinista. Há uma concepção de que todo
o engajamento humano na esfera da cultura e nos segmentos da sociedade
representa uma resposta ao que Carvalho (2009, p.65) identifica como “a ordem
divina para que o homem explore de forma criativa e responsável os recursos da
criação”. Os pilares do mandato cultural estão no relato da criação, em Gênesis,
quando o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus e tem a ordenança
divina para desenvolver a cultura, pois:
O Jardim é este “mundo no qual Deus nos colocou para cultivá-lo”. E,
é desta ideia de cultivar o Jardim que “surge o conceito de cultura; tudo
o que o ser humano cultiva (ou transforma) por meio de seu trabalho e
de sua atuação no mundo, se converte em cultura (ROJAS, 2009, apud
RAMLOW, 2014, p. 132).
Tanto em Abraham Kuyper como em Herman Bavinck, pode-se verificar que em
suas obras há uma recusa de qualquer proposta que busque explicar a origem da
cultura a partir do relato presente na queda, conforme descreve o texto do capítulo
terceiro de Gênesis. Tal compreensão do mandato cultural na teologia neocalvinista
tem como base o que fora qualificado por Deus e que é endossado no relato de
Gênesis 1.31: “E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom”.
Sendo assim, a crença num Deus soberano não pode ser apenas uma afirmação
abstrata, mas implica na corresponsabilidade humana para com esta criação e seu
criador. Ademais, o mandato cultural representa não somente obediência a Deus,
mas o próprio contentamento e alegria da humanidade, que desfruta a dádiva da vida.
Conforme Calvino (1999, p. 172): “o mundo foi originalmente criado para este
propósito, que todas as partes dele se destinem à felicidade do homem como seu
grande objeto”.
O problema do dualismo natureza X graça
35
Uma tarefa cara e constantemente encontrada no neocalvinismo é o trabalho
para articular a criação e redenção e a natureza com a graça. É partindo do esforço
de empreender a fé cristã num sistema total de vida, considerando as diretrizes de
uma lei criacional e das esferas de soberania, que Kuyper defende “que as Escrituras
não apoiam uma visão dualista da vida”, pois:
De acordo com isto, o resultado final do futuro, prenunciado nas
Santas Escrituras, não é a existência meramente espiritual de almas
salvas, mas a restauração do cosmos inteiro, quando Deus será tudo
em todos debaixo do céu e terra renovados. Este significado amplo,
abrangente e cósmico do evangelho foi novamente entendido por
Calvino, compreendido não como o resultado de um processo
dialético, mas da profunda impressão da majestade de Deus, que
moldou sua vida pessoal (KUYPER, 2003, p. 126).
Contudo, a relação natureza x graça é condicionada ao dualismo grego, que
exerce forte influência na teologia cristã, logo nos primeiros séculos de história da
igreja. Neste dualismo, a forma é compreendida como imutável e a matéria enquanto
mutável e instável. Logo, no mundo superior e ideal coexistem a própria forma, o bem,
o céu, a alma, o espírito e a eternidade. No mundo inferior, a matéria compõe a terra,
o que é material e corpóreo, o que é temporal e o que é mal (RAMLOW, 2012, p. 37).
De maneira esquemática, é possível encontrar no pensamento de Dooyeweerd
o que o autor chamou de Motivo-base ou Motivo básico da cultura ocidental, para
compreender o que norteia o sentido de cada força motivadora em diferentes períodos
históricos. Dooyeweerd apresenta quatro motivos-base, a saber: Matéria-Forma
(grego); Criação, Queda e Redenção (hebreu/bíblico); Natureza-Graça (Católico
Romano Medieval; Escolástico); e, Determinismo/Natureza-Liberdade (Moderno;
Renascimento/Iluminismo). No entanto, somente o motivo-base judaico-cristão não é
dualista, segundo a sua análise. Acerca dos demais, essa origem dualística
desencadeia uma realidade fragmentada, que afeta a temporalidade, e, por
conseguinte, conduz uma série de tensões entre as esferas da vida humana. No
problema do dualismo grego, a valorização demasiada da alma, leva ao racionalismo,
que despreza a dimensão corporal e sua importância, promovendo uma
espiritualidade “monástica”, portanto, referindo-se que é isolada da realidade. Além
disso:
36
O motivo-base natureza/graça continha, em seu interior, uma dialética
insolúvel. Essa dialética poderia levar à negação de um dos termos: a
natureza poderia “devorar” a graça, com uma total negação do
evangelho, ou a ênfase na graça poderia levar ao desprezo pela
natureza e à fixação na busca mística da comunhão sobrenatural com
Deus; ou a um equilíbrio instável no qual todos os pontos de que as
duas esferas se tornassem inteiramente independentes uma da outra
(CARVALHO, 2009, p. 135).
Neste contexto, Dooyeweerd (2015, p.55) recorda que “apenas Deus é a fonte
da ordem criada”, pois, “a universalidade da criação foi manchada pela universalidade
do pecado”. Então, “o escopo da salvação de Cristo não se aplica apenas à dimensão
espiritual do homem, mas a criação toda, originalmente boa” (SOUZA, 2006, p.52-
53). Sendo assim, essa compreensão reforça a superação do dualismo, quando Deus
é o criador de tudo, o provedor e o redentor de todas as coisas.
1.4 O pensamento de João Calvino e as ênfases teológicas
das vertentes do Novo Calvinismo e do Neocalvinismo
João Calvino nasceu 10 de julho de 1509 na cidade de Noyon, região nordeste
da França, onde foi batizado com o nome de Jean Calvin. A tradução de seu apelido
conhecido por sua família como “Calvin” para o latim Calvinus originou o nome que o
tornou conhecido. Seu pai, Gerárd Calvin possuia ligações com o clero de sua cidade,
na qual possibilitou ao jovem que tivesse grandes oportunidades de estudos. Após
alguns meses no Collége de La Marche estudando humanidades e latim com o
humanista Mathurin Cordier, Calvino matriculou-se no Collège de Montaigu (Morro
Agudo), escola que ter por alunos grandes nomes do século XVI, como Erasmo de
Roterdã e François Rabelais.
McGrath (2004, p.73) diz que o princípio geral que norteia o Humanismo
renascentista pode ser sintetizado no slogan ad fontes, (de volta às fontes). Com essa
premissa de retornar às fontes originais, a intelectualidade da Idade Média era
influenciada em realizar um retorno à Antiguidade. Tanto a Literatura quanto a
Filosofia, mas também a Teologia, dedicam-se aos textos bíblicos para redescobrir
sua vitalidade.
37
Assim, Calvino estava entre os privilegiados, que tiveram oportunidades de
acessar dicionários, manuais de gramática e estudar o grego e o hebraico em razão
da influência do próprio Humanismo que era a tendência da época e estimulava essas
buscas. Por esta razão, o reformador também estudou direito civil em Orleans e
Bourges, configurando aspectos que compõem a amplitude de seu método bem como
a articulação teórica que acompanha sua obra numa síntese entre valores
humanistas, cristãos e de um reformador (MCGRATH, 2004, p. 85).
Matos (2009, p. 171) lembra da especificidade na qual Calvino é o único entre
os grandes protagonistas do período da reforma que pertenceu a um país de cultura
latina. Todos os demais – como Martinho Lutero, Filipe Melanchton, Martin Butzer,
Ulrico Zuínglio, Menno Simons, John Knox e Thomas Cranmer – eram anglo-
germânicos.
Conforme Biéler:
Calvino é muitas vezes considerado, não sem razão, embora de
maneira demasiadamente simplista às vezes, como um teólogo
que estimulou o desenvolvimento do liberalismo econômico,
deve-se a bem verdade dizer que ele é, também,
indiscutivelmente, o ancestral do Cristianismo social. Não
cessou de insurgir-se contra as injustiças de uma liberdade
econômica sem compreensão social e esforçou-se por corrigir-
lhe os efeitos nocivos. A intervenção legislativa do Estado no
domínio econômico é, por conseguinte, um princípio conforme à
ética social que foi adotada desde o início da Reforma, diante
de um capitalismo em via rápida de emancipação de toda
coerção moralmente fundada (BIÉLER, 1999, p. 123).
Se no universo das ciências sociais e humanas impera desde o século XIX a
famosa citação de Karl Marx, de que o humano é um “ser social13”, João Calvino, já
no século XVI, afirmou que o ser humano só é verdadeiramente humano conforme
vive com outros humanos. Biéler (1970, p. 17) rememora o dizer de Calvino, na qual
“o homem foi criado por Deus para ser uma criatura em sociedade”. Embora esse
aspecto natural tenha sua expressão primeira no casamento e na família, tem sua
completude no trabalho e nas relações econômicas. Biéler (1970, p. 24) identifica um
humanismo social do reformador, de tal modo que não almeja apenas a restauração
13 Cf. FREDERICO, Celso. O Jovem Marx: as origens da ontologia do ser social. São Paulo: Cortez, 1995, p. 173.
38
da pessoa em sua humanidade e individualidade, mas também nas diversas formas
de sua existência. Léonard (2013, p. 88) afirma: “ninguém duvida que Calvino teria
gostado de dedicar-se a tarefas da vida pública e da administração”, justamente por
ter sido um humanista que possuía conhecimento de letras antigas, uma passagem
pela iniciação ao Direito, mas também um estudante de artes. Logo, Calvino possuía
um projeto ético-político:
O primeiro ato público do reformador religioso é um ato político e de
importância social muito grande. À testa de sua obra teológica,
endereçada, em termos respeitosos, mas firmes, uma carta ao rei
Francisco I no claro intento de fazê-lo entender que aqueles a quem
sua majestade chama de abomináveis sediciosos outra coisa não são
senão autênticos crentes, fiéis às ordens de Deus e ao ensino social
do evangelho. Esta carta, datada de 23 de agosto de 1535, prefacia
as Institutas, ela própria concebida como uma apresentação da fé
esposada pelos novos cristãos às autoridades e à opinião pública
(BIÉLER, 2012, p. 123).
Em sua epístola a Francisco I, o reformador debate com aqueles que se recusam
a agir diante das exigências do evangelho, que têm implicações no campo político e
temporal. Assim, Calvino tece um projeto ético-político de contracultura, quando
combate tenazmente a ideia de uma fé separada do mundo, tal qual o dualismo entre
natureza e graça, sagrado e profano, mas apresenta uma preocupação pela cidade e
seus problemas, de modo que “torna-se para o cristão reformado a expressão direta
de sua fidelidade cristã” (BIÉLER, 1970, p. 34).
Léonard (2013, p. 87) sinaliza que o pensamento político de Calvino não poderia
ser compreendido se nele houvesse apenas uma metafísica do Estado, baseada
somente numa doutrina teológica. Disto, pode-se encontrar a intencionalidade de
Calvino em promover uma reforma que por meio da mensagem bíblica e sua doutrina,
levasse as pessoas e os governantes, ao arrependimento, mas também ao
engajamento na cultura local e a participação política na sociedade.
Com frequência, como já mencionado, a teologia de Calvino é definida de forma
equivocada, e, portanto, reduzida aos chamados “cinco pontos” do calvinismo. São
duas as principais correntes que se desenvolveram a partir da obra de João Calvino:
a primeira, do calvinismo escocês e a segunda, da teologia reformada holandesa.
Na tradição escocesa, há uma forte ênfase nas doutrinas da salvação e no
conceito de ordo salutis (ordem da salvação). Através da influência de John Knox, a
39
Escócia desencadeia uma escola de teólogos, que de Westminster, promovem
importantes documentos como a Confissão de Westminster e os Catecismos maior e
menor. Também é dessa corrente anglo-escocesa, que os puritanos como John
Owen, Richard Baxter e, mais tarde, Jonathan Edwards estão alinhados (DOUGLAS,
1990, p. 267).
Nos Estados Unidos, essa corrente escocesa é articulada em Old Princeton e é
associada a teólogos como Charles Hodge, B. B. Warfield e A. A. Hodge. Conforme
Smith (2014, p. 58), essa perspectiva é circulada em escolas como o Westminster
Theological Seminary, Reformed Theological Seminary, Covenant Seminary e
também o Southern Baptist Theological Seminary. Das denominações que se
orientam por essa vertente, incluem a Presbyterian Church in America (PCA), a
Orthodox Presbyterian Church (OPC), e a mais conhecida, a Presbyterian Church
(USA).
O calvinismo holandês tem sua importância no cenário reformado antes mesmo
de Kuyper no século XIX, quando nos anos 1618 e 1619, uma controvérsia teológica
entre os professores de teologia, Jacó ou (Tiago) Armínio e Francisco Gomaro dividiu
a opinião de pastores e governantes da Holanda. Disto, ocorre um debate entre os
calvinistas holandeses sobre um conjunto de questões soteriológicas, onde é
realizado na cidade de Dordrecht, o sínodo conhecido como “Dort”.
Em razão disso, os “cinco pontos do calvinismo14” é a resposta do sínodo geral
holandês. O objetivo principal do sínodo foi julgar um tratado dos seguidores de
Armínio, a “Remonstrância”. A tradição reformada holandesa também produz
importantes credos e confissões muito significativos à sua história, como: a Confissão
Belga, o Catecismo de Heidelberg e os Cânones de Dort. No entanto, estes
acontecimentos históricos não resumem o calvinismo nem são capazes de defini-lo
(GONZÁLEZ, 2011, p. 315).
A tradição calvinista holandesa15 embora se oriente pelas doutrinas reformadas
da salvação, enfatiza os aspectos da teologia de Calvino que buscam o engajamento
14 São os “cinco pontos do calvinismo”, conhecidos por TULIP, estabelecidos nos Cânones de Dort
(1618-1619): Total depravaty (depravação total); Unconditional election (eleição incondicional); Limited atonement (expiação limitada); Irresistible grace (graça irresistível); e, Perseverance of the saints (perserverança dos santos). 15 A tradição do calvinismo holandês é ampla, o que demanda compreender seu processo histórico na
Holanda do século XVI, que ingressa nos países baixos e envolvem-se com aspectos sociais, políticos e econômicos, tais como o mercantilismo e o colonialismo, além dos fenômenos migratórios, com sua
40
sobre os aspectos da vida, partindo da crença no senhorio de Jesus Cristo. É dessa
perspectiva, que Abraham Kuyper torna-se um dos precursores do movimento no
século XIX.
Em 2009, a revista Time16 incluiu “O Novo Calvinismo” em sua lista de “10 Ideias
que estão mudando o mundo”. O autor da matéria, David Van Biema17, usou a
expressão “ministros e autores neocalvinistas” para se referir a tais figuras como John
Piper, Mark Driscoll, Al Mohler e Justin Taylor. Embora a onda do “novo calvinismo”
não fosse exatamente nova, o termo neocalvinista é popularmente confundido.
No caso brasileiro, o movimento do Novo Calvinismo18 não é tão difundido por
líderes e pregadores, tal como nos Estados Unidos, mas sim, através do acesso à
internet, onde sites, blogs e canais no youtube promovem ideias de uma teologia
calvinista, mas que, por vezes, possui ênfases nos aspectos soteriológicos baseados
na TULIP, na salvação de “almas individuais” e na doutrina da predestinação (SMITH,
2014, p. 81; KUYPER, 2003, p. 21).
Marques (2017, p. 4) identifica que, de acordo com Bob Gouzwaard, em sua
obra “Christian Social Though in the Dutch Neo-Calvinist Tradition”, a expressão
“Neocalvinismo” fora inicialmente, mencionada por Max Weber, quando em seus
registros na sociologia da religião, tratou de analisar a retomada dos ensinos de João
Calvino e o aspecto social e político, especificamente, na Holanda entre os séculos
XIX e XX.
Com efeito, embora o prefixo grego neo traga o significado para algo “novo,
jovem, recente”, o uso original do termo “neocalvinista” remonta ao século XIX, na
qual, por outro prisma, trata-se do movimento calvinista holandês associado ao
teólogo Abraham Kuyper, que expressa em seu objetivo não querer distanciar-se do
chegada e desenvolvimento na América do Norte nos séculos XIX e XX, já sob a influência do pensamento kuyperiano. É possível encontrar um aprofundamento desta temática em (BRATT, 1990, p. 355; BIÉLER, 1999, p. 49). 16 BIEMA, David Van. 13/03/2009. 10 Ideas Changing the World Right Now. In: Time Magazine.
Disponível em: http://content.time.com/time/specials/packages/article/0,28804,1884779_1884782_1884760,00.html - Acesso em 11 de outubro de 2018, às 15h39. 17 Biema é um judeu-americano, formado em jornalismo pela Universidade de Columbia. É pesquisador e editor-senior sobre temas relacionados a religião na revista New York Times. 18 Lima (2009, p. 14) apresenta uma dissertação de mestrado, onde analisa o surgimento do Novo Calvinismo.
41
pensamento de Calvino e tampouco desta tradição, mas almejou retomar elementos
e conceitos teológicos que, embora fossem relevantes para o próprio Calvino,
enfraqueceram sua expressividade com o passar dos anos.
Desta forma, o Novo Calvinismo é um movimento que tem desdobramentos
desde as igrejas históricas, carismáticas e até pentecostais nos EUA e têm
ramificações no Reino Unido, China, Coreia do Sul e em outros países da América
Latina, na qual o Brasil é um polo significativo, que manifesta aderência a esse
fenômeno. Assim, o Novo Calvinismo apresenta-se como um movimento que vem
sendo responsável pelo ressurgimento dos ensinos reformados de autores como João
Calvino, Charles Spurgeon e Jonathan Edwards e tem sido levado às novas gerações.
A expressão do Novo Calvinismo vem de uma série de ministérios influentes,
muitos com organizações de grandes igrejas e o uso de recursos multimídia, como
canais no youtube, podcasts, perfis no Facebook, Twitter e Instagram. Dentre os
teólogos amplamente aceitos como sendo desse movimento, merecem destaque para
esta pesquisa os seguintes:
D. A. Carson, teólogo canadense, doutor pela Universidade de Cambridge, é
professor pesquisador de Novo Testamento na Trinity Evangelical Divinity School, em
Deerfield, Illinois. É autor de A manifestação do Espírito, Cristo e cultura, A verdade,
Os perigos da interpretação bíblica e Jesus, o Filho de Deus, organizador do
Comentário do uso do Antigo Testamento no Novo Testamento e As Escrituras dão
testemunho de mim, além de coautor de Introdução ao Novo Testamento e Dicionário
bíblico Vida Nova, todos publicados por Vida Nova. Ademais, Carson é um dos
fundadores da The Gospel Coalition [Coligação pelo Evangelho];
John Piper, fundador e professor no ministério desiringGod.org19 e chanceler
na Bethlehem College & Seminary, em Mineápolis, Minessotta. Foi pastor durante 33
anos na igreja Bethlehem Baptist Church e possui diversos livros publicados, dentre
os traduzidos para o português, estão: O racismo, a cruz e o cristão, Moldado por
Deus, Quando a escuridão não passa e, Lições de um leito de hospital, sendo esses
veiculados pela Vida Nova, e, Em busca de Deus e Graça futura, impressos pela
Shedd Publicações; e, Timothy Keller, natural da Pensilvânia, estudou na Bucknell
University, no Gordon-Conwell Theological Seminary e no Westminster Theological
19 In: https://www.desiringgod.org/ - acesso em 02 de março de 2019, às 15h59.
42
Seminary. Foi pastor por muitos anos da Redeemer Presbyterian Church, em
Manhattan, igreja fundada em 1989 com sua esposa, Kathy. Tim Keller, como é
popularmente conhecido, é autor best-seller do New York Times e escreveu vários
livros, entre eles A fé na era do ceticismo, Deus na era secular, Caminhando com
Deus em meio à dor e ao sofrimento, Justiça generosa, Como integrar fé e trabalho,
Igreja centrada, O evangelho na vida, Pregação, Oração, A cruz do Rei, Encontros
com Jesus, Ego transformado, Os cânticos de Jesus, O Natal escondido, Gálatas para
você, entre outros títulos, majoritariamente publicados pela Vida Nova Editora. A obra
Igreja Centrada será referenciada no capítulo posterior, justamente porque esse
autor, apesar de estar mencionado no espectro do Novo Calvinismo, possui um
diálogo com a tradição neocalvinista.
Tanto John Piper como Timothy Keller têm eventos agendados no Brasil em
2019. Piper, numa conferência que leva o título Plena Satisfação em Deus, realizada
nos dias 27 e 28 de fevereiro, na Universidade Presbiteriana Mackenzie e na Igreja
Batista em Alphaville, promovida pela versão brasileira da The Gospel Coalition, a
Coalizão pelo Evangelho Brasil, com apoio da Editora Fiel. E Keller, vem ao país para
a Conferência City to City América Latina, que tem como proposta refletir sobre o
plantio e a revitalização de igrejas urbanas, o desenvolvimento de lideranças e a
criação de conteúdo para levar o evangelho num contexto urbano. O encontro está
agendado para acontecer nos dias 20 e 21 de maio de 2019, no Instituto Presbiteriano
Mackenzie, em São Paulo20.
Além disso, a Coalizão pelo Evangelho - TGC Brasil, conta com nomes que
estão diretamente envolvidos com o fenômeno do Novo Calvinismo, tais como:
Augustus Nicodemus, Jonas Madureira, Franklin Ferreira, Héber Campos Jr., Wilson
Porte, Mauro Meister e Davi Charles Gomes, seja por meio da produção de livros e/ou
no trabalho editorial, bem como lecionando em universidades e/ou seminários de
orientação calvinista.
John Piper, na Sétima Palestra Anual de Gaffin, realizada no Seminário
Teológico de Westminster, em 12 de março de 2014, tentou mostrar como o Novo
20 Cf.: Conferência City to City América Latina 2019. Disponível em: https://www.e-
inscricao.com/ctc_latam/saopaulo/?fbclid=IwAR37SCC79dM18hi8mOTA5iqRe9kMOVUjvVoocykKrMinFoGThJ6r4ji2CrI - acesso em 02 de março de 2019, às 16h37.
43
Calvinismo não era essencialmente diferente da tradicional teologia reformada,
delineando doze pontos21:
1. O Novo Calvinismo, em sua lealdade à inerrância da Bíblia, abraça
as verdades bíblicas por trás dos cinco pontos (TULIP), enquanto tem
aversão ao uso do acrônimo ou qualquer outra embalagem
sistemática, junto com um abraço às vezes qualificado de expiação
limitada. O foco está na soteriologia calvinista, mas não na exclusão
ou na apreciação do escopo mais amplo da visão de Calvino;
2. O Novo Calvinismo abrange a soberania de Deus na salvação e em
todos os assuntos da vida na história, incluindo o mal e o sofrimento;
3. O Novo Calvinismo tem um forte viés complementarista em
oposição ao igualitarismo, com ênfase no florescimento de homens e
mulheres em relacionamentos onde os homens abraçam um
chamado à liderança servil, semelhante a Cristo [...];
4. O Novo Calvinismo se apoia em afirmar a cultura mais do que negar
a cultura [...];
5. O Novo Calvinismo abrange o lugar essencial da igreja local. É
liderada principalmente por pastores, têm tendências de fomento a
plantação de novas igrejas, produz música de culto amplamente
cantada e exalta a palavra pregada como elemento central para a obra
de Deus em aspecto local e global;
6. O Novo Calvinismo é profundamente envolvido com a missão,
incluindo o impacto missionário sobre os males sociais, o impacto
evangelístico por meio das relações pessoais e o impacto missionário
sobre os povos não alcançados no mundo;
7. O Novo Calvinismo é interdenominacional com um forte elemento
Batista;
8. O Novo Calvinismo inclui carismáticos e não carismáticos.
9. O Novo Calvinismo coloca uma prioridade no pietismo ou piedade
na veia puritana, com ênfase no papel essencial da vida cristã,
enquanto estima a intelectualidade, abraça o valor da seriedade.
Jonathan Edwards seria invocado como um modelo dessa
combinação de afetos entre a vida piedosa e fervorosa e a
intelectualidade da mente com mais frequência do que o próprio
Calvino, seja justo para Calvino ou não.
10. O Novo Calvinismo está vibrantemente envolvido na publicação
de livros e ainda mais notavelmente no mundo da Internet, com
centenas de blogueiros e ativistas de mídia social, como o Twitter;
21 Jared Oliphint, “John Piper's Twelve Features of the New Calvinism”, Reformed Forum, http://reformedforum.org/john-pipers-twelve-features-new-calvinism. Disponível em < http://www.thegospelcoalition.org/blogs/justintaylor/2014/03/14/john-pipers-lecture-at-westminster-theological-seminary-on-new-calvinism-and-the-new-community> Acesso em 4 de março de 2019.
44
11. O Novo Calvinismo é de âmbito internacional, de expressão
multiétnica e culturalmente diversificada. Não existe um único centro
governamental geográfico, racial e cultural. Não há oficiais,
organização ou afiliação que abranja o todo. Eu ouso dizer que há
afloramentos deste movimento que ninguém (incluindo eu) nesta sala
nunca ouviu falar;
12. O Novo Calvinismo é fortemente centrado no evangelho, com
diversos livros saindo das prensas, chegando ao evangelho de todos
os ângulos concebíveis e aplicando-o a todas as áreas da vida com o
compromisso de ver a doutrina histórica da justificação, encontrando
seus frutos na santificação pessoal e comunitária (PIPER, 2015, s\n,
tradução nossa).
No entanto, o novo calvinismo configura uma ampla e variada tenda de ideias,
ensinamentos, ênfases e doutrinas, que demandaria um estudo específico somente
para compreender essa chegada ao Brasil. Aqui, buscou-se conceituá-lo, mas não
compará-lo com o neocalvinismo holandês. Entretanto, nota-se ainda que, talvez o
novo calvinismo, que vem promovendo a teologia reformada em outras alas da
tradição evangélica como em igrejas pentecostais e neopentecostais, tornando-se
popular entre as juventudes, cumpre uma função de “porta de entrada” para a reflexão
teológica e os move para um afastamento do dispensacionalismo, que marca
profundamente o pensamento da pentecostalidade.
Considerações intermediárias
O primeiro capítulo desta pesquisa identifica que desde as Palestras Stone,
proferidas nos Estados Unidos em 1898 no Seminário de Princeton, Abraham Kuyper
tecia apontamentos acerca do fenômeno da Revolução Francesa, que compunha
valores de resistência à ideia de reconhecimento da autoridade divina. Kuyper (2003,
p. 18), longe de uma análise simplista, não oculta de verificar que tal revolução é um
desdobramento histórico ocorrido sob a soberania de Deus, de maneira que dela
desencadeiam aspectos que são proveitosos à vida humana, quando a própria fé
cristã encontrava-se perante a Modernidade e seus valores secularizados.
A partir disso, emerge com um conjunto de pensadores o movimento do
neocalvinismo holandês, no século XIX. Na esteira desse movimento, nomes como
Guillaume Groen van Prinsterer, Abraham Kuyper e Herman Bavinck compreenderam
que as ideias e ideais empreendidos pela filosofia e as revoluções promoviam uma
45
oposição ao Cristianismo, uma vez que o modernismo passou a ser interpretado como
um “abrangente sistema de vida” que só poderia ser confrontado com outro sistema
de vida e de poder que fosse igualmente abrangente (KUYPER, 2013, p. 28;
RAMLOW, 2016, p. 39). Disto, Abraham Kuyper e seus companheiros promovem o
calvinismo como uma perspectiva que têm subsídios para os enfrentamentos que
viviam os cristãos em sua época.
Do conjunto temário que permeia a teologia neocalvinista, aqui merecem
destaque dois aspectos, a saber: o mandato cultural e a graça comum, justamente
porque tecem toda a perspectiva ética, social e política de Kuyper, a serem exploradas
no próximo capítulo. O mandato cultural possibilita uma ação de responsabilidade
para com o cosmos, que, conforme preconiza a narrativa da criação de Gênesis, trata-
se de uma vida compartilhada com gente que também reflete a imagem e semelhança
de Deus, mas, que, por sua vez, nem sempre comungam da mesma fé, da mesma
religião e ideias. Ramlow (2016, p. 79) observa que “a pluralidade cultural, social e
religiosa pode ser encarada como um desafio frente o qual os cristãos podem assumir
posturas diversas, desde o embate até uma assimilação acrítica e, até mesmo, de
isolamento”. Então, se com a doutrina do mandato cultural, é possível ao cristão um
alinhamento para uma práxis na esfera cultural, a doutrina da graça comum,
concedida por Deus, fornece uma modo de se relacionar com a vida e o mundo,
levando os benefícios de beleza, justiça e bondade às pessoas sem que haja
nenhuma distinção.
Conforme exposto, o pensamento de João Calvino preconiza toda a
fundamentação da perspectiva kuyperiana, que potencializa na tradição neocalvinista
ênfases teológicas de diálogo com a esfera pública, uma recusa e crítica às ideologias
de seu tempo e uma valorização da participação cristã na educação, cultura, ciências
e artes. Por isso, a necessidade deste capítulo de realizar um movimento ex-ante,
tratando de apresentar João Calvino, antes da adoção do próprio pensamento
kuyperiano, uma vez que seu projeto tem elementos que possibilitam as condições
necessárias à sua adoção e fundamentação. Todavia, é preciso também um exercício
ex-post, para sinalizar que depois de elaborada a teologia de Calvino, é possível que
sua interpretação seja executada posteriormente, mas com diferentes destaques e
realces acerca desta teologia. Eis a importância de expor preliminarmente o
movimento do neocalvinismo e o fenômeno do Novo Calvinismo, porque se entende
46
que a partir destas correntes que a perspectiva kuyperiana é engendrada e acolhida
no contexto brasileiro, como se pretende discernir no decorrer deste estudo.
Capítulo 2
FUNDAMENTOS DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS:
O PENSAMENTO ÉTICO, SOCIAL E POLÍTICO DE
ABRAHAM KUYPER
Introdução:
É justamente o desejo de superar o dualismo – tema abordado no primeiro
capítulo – que o neocalvinismo se propõe desde o trabalho realizado por teólogos e
estadistas como Guillaume Groen van Prinsterer, Abraham Kuyper e Herman
Bavinck, que esta corrente teológica preconiza, a partir do pensamento de Calvino ao
engajamento e a participação na vida pública. Disto, as igrejas envolvidas nesse
período construíram escolas, universidades, envolveram-se ativamente na política,
produziram e fomentaram o comprometimento com a ciência e arte, mesmo na
contracorrente das tendências filosóficas secularizadas da época, que tinham
premissas de rejeição à fé cristã.
Inegavelmente, para realizar tal envolvimento cultural, é requerida uma
compreensão de como essa teologia se relaciona com a sociedade. E essa base
ontológica, para os neocalvinistas, se faz tecendo um diálogo da teologia elaborada
com uma práxis que interpreta instituições como o Estado, a escola e a família, visto
que para os neocalvinistas essas possuem uma funcionalidade específica
(WOLTERSTORFF, 1983).
Assim, é defendido no decorrer desta pesquisa que o kuyperianismo possui uma
perspectiva ética e política a partir de uma reflexão teológica, que, para tanto,
apresenta sua intencionalidade diante de uma relação histórica com o pensamento
de Calvino, mas, que logra uma trajetória inédita, dotada de especificidades na
Holanda do século XIX, que se constitui um fenômeno sociopolítico e expande a partir
47
de uma teologia estritamente política, na qual propõe à luz desta compreensão, uma
relação da igreja e dos cristãos com a sociedade.
O conceito que permeia o pensamento kuyperiano é o princípio da soberania
das esferas. Kuyper, que articulou esse princípio ao defender uma instituição
educacional inovadora, que deve ser livre de qualquer intervenção da parte da igreja
ou do Estado. Por outro prisma, se os procedimentos modernos do catolicismo
romano enfatizavam a hierarquia de instituições sociais, no conceito de soberania das
esferas de Kuyper, há uma versão autêntica e alinhada aos princípios reformados, na
qual reconhece todas as esferas e instituições sociais diante de Deus. Da mesma
maneira, a aplicabilidade desse conceito compõe não apenas as autoridades
políticas, a igreja e o Estado, mas todas as instituições sociais (KOYZIS, 2014, p.
278).
2.1 O Estado
Ao relacionar o Calvinismo com o Estado, Kuyper (2003, p. 33) tem como ponto
de partida uma compreensão acerca da doutrina da soberania de Deus, e afirma que:
[...] no sentido cosmologicamente mais amplo, a Soberania do Deus
Trino sobre todo o cosmos, em todas as esferas e reinos, visíveis e
invisíveis [...] uma soberania primordial que se irradia na humanidade
numa tríplice supremacia, a saber: 1-) A Soberania no Estado; 2-) A
Soberania na Sociedade; e 3-) A Soberania na Igreja (p. 86).
Koyzis (2014, p. 278) aponta que Kuyper afirma esse princípio, por opor-se ao
totalitarismo estatal, mas também ao clericalismo ou integralismo medieval. O
contexto em que Kuyper viveu foi de grandes conflitos no campo da política. As
monarquias passavam a ser substituídas e emergiram diversos pós-iluministas, que
buscavam novas formulações e propostas de governabilidade. Partindo dessa
conjuntura, Kuyper entende a necessidade de que o pensamento e uma ação cristã
na política, pudessem ser implementadas.
Todavia, Bartholomew (2017, p. 159, tradução nossa) mostra que, na época,
havia liberdade genuína para grandes visões religiosas ou confessionais. Destarte,
Kuyper concentrou esforços numa ação política cristã, que, apesar disso, não
desconsiderou nem o fez deslegitimar que sua perspectiva estava em um contexto
pluralista, onde múltiplas visões competiam na esfera pública.
48
É diante disso que Kuyper desenvolveu uma plataforma partidária, composta por
dezoito pontos, na qual foi publicada no De Standaard, em 1878 como a proposta
aprovada pelos membros. Kuyper apresentou cinco requisitos para o partido político:
1-) Deve ser definido por uma plataforma comum; 2-) Deve ser composto de capítulos
organizados em tantas localidades quanto possível; 3-) Os delegados dos capítulos
se reunirão em uma convenção nacional para nomear candidatos para o Parlamento;
4-) Os candidatos endossados e os membros titulares do Parlamento estarão
vinculados à plataforma do partido; e, 5-) Um comitê central é responsável por
coordenar as operações partidárias (BARTHOLOMEW, 2017, p. 160, tradução
nossa).
Aliás, Bartholomew sinaliza ainda que embora isso pareça óbvio, porque grande
parte da sociedade vivia sob um regime democrático, no contexto de Kuyper, essa
forma de organização política era nova, visto que a política holandesa tinha sido um
espaço para a preservação das elites e camadas elevadas no poder, ao passo que
Kuyper almejava oportunizar a participação das camadas populares, a saber, o
envolvimento dos pobres, uma vez que os processos de industrialização haviam
gerado reivindicações da parte dos trabalhadores. MOLENDIJK (2008, p. 236,
tradução nossa) acrescenta que o calvinismo na perspectiva de Kuyper trouxe uma
contribuição à própria democracia e aos direitos humanos.
Kuyper delineia então, os três princípios que norteiam a plataforma do Partido
Anti-Revolucionário, sendo eles: 1.) soberania para cada esfera da sociedade; a
compreensão de que, 2.) a nação não é um agregado, mas um organismo; e, 3.)
nenhuma coerção, mas liberdade para a formação intelectual, espiritual e na área da
educação (BARTHOLOMEW, 2017, p. 161, tradução nossa). Para ele:
Primeiro, então, a Soberania nesta esfera política que eu defini como
o Estado. E, portanto, nós admitimos que o impulso para formar
estados nasce da natureza social do homem, a qual já foi expressa
por Aristóteles quando ele chamou o homem de um “ζώου πολιτικοί”
(ser político). Deus poderia ter criado os homens como indivíduos
separados, estando lado a lado e sem conexão genealógica. Assim
como Adão foi criado separadamente, o segundo e terceiro e assim
por diante, cada homem poderia ter sido chamado à existência
individualmente; mas este não foi o caso (KUYPER, 2003, p. 86).
Kuyper (2003, p. 87) afirma que a raça humana é de um “mesmo sangue”. No
entanto, a concepção de Estado-Nação, fragmenta a humanidade. Ele aponta uma
49
unidade orgânica da raça humana, que poderia ser realizada politicamente, somente
se um Estado abraçasse todo o mundo, mas se antes, o pecado não tivesse ocorrido.
Para o autor, “o erro dos Alexandres, dos Augustos e dos Napoleões, não foi que eles
foram seduzidos com o pensamento do Império Mundial Único”, mas que
empreenderam uma ideia já corrompida pela força do pecado.
Partindo dessa afirmativa, se não houvesse pecado, não haveria a necessidade
de autoridades civis ou mesmo da ordem do Estado. Freire e Ramos, ao elaborarem
a introdução da obra Estado e Soberania, identificam que, para Kuyper, o Estado é
uma benção de Deus para a preservação da humanidade, ao passo, que,
simultaneamente, por consequência do pecado, é necessário acompanhar os riscos
desse poder estatal acerca da liberdade individual (DOOYEWEERD, 2014, p. 20).
Logo:
O Estado não está apenas lá para que possa haver um Estado. Um
Estado não é um fim em si mesmo. Pelo contrário, a vida de um
Estado também é somente um meio para se preparar uma vida
comunitária de uma ordem ainda mais elevada, uma vida que já está
germinando e um dia será gloriosamente revelada no Reino de Deus
(KUYPER, 2015, p. 51, tradução nossa).
A compreensão de Estado em Kuyper (2003, p. 89) não apresenta um conceito
definido por completo, mas uma ideia do autor sobre o que se entende por "Estado",
indicando apontamentos que o governo civil é reconhecido pelos cidadãos de um país
e por potências estrangeiras. Por consequência do pecado e a queda, a unidade
original do homem foi afetada e a vida política têm importantes elementos para a
produção e reprodução das relações sociais. Há ainda uma rejeição de Kuyper à
teocracia, ensinando que o Estado têm deveres a cumprir, sendo: 1-) traçar um limite
entre as diferentes esferas; 2-) defender indivíduos e as vulnerabilidades de cada
esfera; e, 3-) legitimar a multiplicidade das esferas, bem como defender suas
especificidades.
Keller (2014, p. 223) apresenta uma diferença política entre os neocalvinistas e
a direita religiosa acerca das diferentes interpretações sobre o papel do Estado. A
partir do texto bíblico do livro de Romanos 13.3,4, os neocalvinistas entendem que o
governo possui duas funções básicas: administrar a justiça, punindo os malfeitores,
e, promover o bem público, satisfazendo as necessidades materiais básicas da
população, especialmente, das pessoas que vivem na pobreza e na vulnerabilidade.
50
Para a direita política, o texto de Romanos 13.3,4 ensina somente a primeira dessas
duas funções, a saber: que o Estado deve somente executar a lei; de tal forma que
forneça apenas policiamento e defesa militar.
2.2 A Educação
Na condição de pastor, teólogo, membro do parlamento, editor de um jornal
diário, professor universitário, presidente do Partido Anti-Revolucionário, e,
eventualmente, como primeiro-ministro dos Países Baixos, Abraham Kuyper
trabalhou por mais de cinco décadas. Nisto, também possuía uma perspectiva de um
sistema educacional que fosse de âmbito nacional e contemplasse o direito de
escolha sobre qual filosofia de educação trilhar.
Com os conflitos políticos no âmbito da educação na Holanda, Kuyper (2015, p.
175) não foi o primeiro a preocupar-se com a questão das escolas e sua relação com
a confessionalidade. Groen van Prinsterer já participava de uma ala política que
defendia uma pauta na qual as escolas públicas deveriam treinar seus alunos no que
considerava "virtudes cristãs e sociais". No entanto, para que não fosse ofendida a
liberdade de consciência de qualquer aluno ou o próprio entendimento da família, isso
não era viável. Assim, a solução de Groen van Prinsterer era dividir o sistema
delineando propostas educacionais de matrizes protestantes e católicas, permitindo
que cada ala pudesse educar a partir de suas próprias convicções.
Bartholomew (2017, p. 238) narra que os tradicionalistas foram resistentes em
conceder à ala protestante o poder sobre a educação pública, ao passo que enquanto
os liberais queriam promover a secularização da educação e uma síntese com a
cultura vigente. Apesar das objeções de Groen van Prinsterer, em 1857 um
compromisso foi proposto para uma forma de sistema laico, financiado pelo Estado
com subsídios às escolas religiosas privadas. A lei foi aprovada pelos Estados Gerais,
mas os recursos pouco depois foram suprimidos. Em oposição, Groen van Prinsterer
demitiu-se do parlamento e concentrou esforços numa agenda que buscava
programar uma rede nacional que auxiliasse as escolas privadas e garantisse o direito
à confessionalidade, pressionando o poder público para uma mudança nessa lei.
Nesse sentido, a educação configura um tema importante ao neocalvinismo,
quando:
51
Tanto Kuyper quanto Bavinck parecem sentir a urgência de inserir o
ensino cristão enquanto uma cosmovisão. Kuyper manifesta sua
gratidão pelo fato de o Estado possibilitar a existência de tal
instituição. Por outro lado, informa da sombria perspectiva que está à
frente, se o homem moderno for separado da fé cristã. Além disso,
ambos os autores estão cientes da importância que a educação
possui na dinâmica da fé, bem como do que a educação promove
através da lente da fé envolvida com a sociedade. Na visão de Kuyper,
um subsídio para uma bolsa de estudos serve como uma esfera pela
qual a verdade pode ser encontrada em outras esferas de vida. Para
Bavinck, a erudição ainda é capaz de trazer a verdade à vanguarda,
mas também traz luz para a alma do indivíduo e para sociedade
(PRICE, 2011, p. 70, tradução nossa).
Kuyper argumentou que o sistema educacional holandês do século XIX, de
escolas públicas, consideradas "mistas" era fundamentalmente injusto. Embora se
propusessem religiosamente neutras, as escolas públicas ofereciam uma perspectiva
religiosa divergente, que refletia apenas uma pequena parte da população holandesa,
mas era ofertada a toda a nação. Ele afirmou que o sistema escolar se tornou uma
ferramenta dos grupos de elite, que almejava separar os holandeses de seus valores
religiosos mais profundos e substituí-los pelos valores dos franceses
Se o governo de repente se retirasse, o resultado seria que (1) as
escolas paroquiais dos católicos romanos continuariam a florescer; (2)
as escolas dos protestantes ortodoxos sobreviveriam; (3) as escolas
de os ricos permaneceriam o que são; mas (4) quase todos os jovens
(…) (com exceção dos filhos dos ricos), na ausência de uma escola
acessível, acabariam nas ruas (KUYPER, 2015, p. 183, tradução
nossa).
Dessa forma, muitas pessoas buscavam uma alternativa ao problema e
investiram financeiramente em escolas com propostas de educação confessionais,
da qual os pobres simplesmente não conseguiam custear. Então, Kuyper argumentou
que para defender o direito humano fundamental à liberdade de consciência, o Estado
tinha o dever de garantir que as famílias escolhessem a direção pedagógica da
educação de seus filhos sem que houvesse penalidade financeira. Assim, Kuyper
(2015, p. 178) e o Partido Anti-Revolucionário lutaram por uma reestruturação no
sistema educacional. Esta luta ficou conhecida como a "Luta Escolar", que em 1917
promoveu um conjunto de diretrizes para o Partido: uma emenda constitucional que
garantiu às famílias, o direito fundamental de optar pelo modelo de educação de seus
52
filhos, e forneceu subsídios iguais e completos para todas as escolas particulares e
públicas.
Acerca das convicções de Kuyper em relação ao subsídio financeiro do governo
às instituições educacionais, podem ser resumidas da seguinte forma: primeiro,
Kuyper acreditava que a família tem a responsabilidade procedente da ordem divina,
e, portanto o direito de orientar a educação de seus filhos, e que o Estado deve
legitimar e defender esse direito, implementando um sistema educacional na qual
todos os projetos pedagógicos das escolas pudessem ser livremente escolhidos pela
família (BERG, 1978, p. 41). Logo, se uma família deseja uma educação pública e
laica aos filhos, não haveria problemas. No entanto, se eles preferirem uma educação
confessional, o Estado tem o dever de garantir que a família escolha essa escola ou
ainda, estabeleçam uma. Curiosamente, da perspectiva de Kuyper, a escolha da
escola nacional não só não violou a separação entre igreja e estado, mas também
era absolutamente essencial para garantir a separação da religião e do estado
(LANGLEY, 1984, p. 109).
2.3 Ciência e Universidade
A universidade livre foi meio em que Kuyper buscou influenciar a partir de sua
compreensão da ciência na esfera institucional. Ele tinha como objetivo uma
instituição acadêmica que produzisse ciência na perspectiva do calvinismo, e por isso,
defendia uma universidade "livre". Embora reconhecesse a importância da
confessionalidade na Universidade Livre da Amsterdam, Kuyper trabalhou para que
tal instituição fosse livre do Estado e da própria Igreja.
Apesar de reconhecer que a ciência não teria se desenvolvido sem o apoio do
governo, Kuyper (2018, p. 33) sinaliza os riscos de essa esfera tornar-se serva do
Estado ou mesmo da Igreja, uma vez que, ao fazer isso, negligenciaria sua própria
vocação:
A ciência não é um ramo que cresce a partir do tronco do serviço
governamental, e muito menos um ramo que se desenvolve a partir
das raízes da Igreja. Pelo contrário, a ciência possui sua própria raiz,
estando nela, pois, firmada. Ora, é a partir do tronco que se origina
dessa raiz singular que a ciência deve cultivar seus ramos e gerar
seus frutos. Como o famoso relatório sinódico expressou
53
acuradamente, a ciência é “uma criatura singular de Deus”, com seu
princípio próprio de vida, isto é, desenvolver-se em liberdade.
De acordo com Bratt, (2013, p. 275), Kuyper não insistiu na literalidade de
leituras das passagens bíblicas. Além disso, também não expressou uma recusa a
um dos grandes temas de sua época, quando a biologia do século XIX desenvolveu
com Charles Darwin (1809-1882), a teoria da evolução das espécies biológicas.
Diante da indagação dessa teoria, Kuyper responde:
Embora o próprio Darwin admitisse que a teoria da seleção natural
era insuficiente para explicar as diferenças morfológicas das
espécies, a teoria da evolução não foi, contudo, abandonada. O que
foi explicado por Charles Darwin mecanicamente poderia, de igual
modo, ser interpretado em sentido dinâmico, mesmo que precisasse
ser interpretado teleologicamente, como um processo espontâneo no
cosmo que recebeu o impulso do primeiro embrião, cujo motivo parte
da ideia teleológica que domina a totalidade do processo. Alguém
pode, portanto, ser darwinista, e, junto com Darwin, dobrar seus
joelhos perante um “Deus”, pois certamente Deus criou essa “força”
que, de modo potencial, incluía todo o cosmo em si; ou foi ele que
determinou, para o cosmo, o objetivo de seu processo de
desenvolvimento (KUYPER, 2017a, p. 57).
Assim, como menciona Bratt (2013, p. 277, tradução nossa) Kuyper “era um
calvinista consistente”, pois afirmou: “Não vamos forçar sobre o estilo do arquiteto
chefe do universo. Se é para ser o arquiteto não somente em nome, mas na realidade,
Ele também será supremo na escolha do estilo”. Logo, verifica-se que Kuyper, ainda
que crítico ao “evolucionismo”, enquanto uma cosmovisão popularizada nas
propostas de Haeckel e Spencer, não anula a possibilidade de diálogo com a teoria
darwinista, mesmo sendo crítico a questão da comprovação empírica, que foi
facilmente acolhida em seu tempo. Todavia, pode-se identificar que ele não era um
literalista acerca da interpretação de Gênesis22. Aliás, conflui com aspectos
tipicamente autênticos da tradição kuyperiana e a produção de seus contemporâneos
na esfera da ciência, como será possível analisar no capítulo 3 desta pesquisa.
Contrário senso, historicamente, a igreja, retirou-se de toda e qualquer ação
que considerava “secular” para um lugar restrito chamado “sagrado” (RAMLOW,
22 É possível realizar um aprofundamento acerca da compreensão de Kuyper e a origem do
criacionismo na Holanda em Flipse (2012, p. 108), no artigo: The Origins of Creationism in the Netherlands: The Evolution Debate among Twentieth-Century Dutch Neo-Calvinists.
54
2012, p. 44). A ciência foi se desenvolvendo sem considerar a hipótese de Deus. E,
os cristãos, portanto, foram perdendo a capacidade de interagir com essa realidade,
a menos que admitissem a privatização de sua fé e operassem “no mundo secular”
pelos mesmos princípios que descartam qualquer possibilidade sobre a existência de
um Deus. Então, a vida estava dividida entre o sagrado e o secular. Vale aqui
compartilhar a crítica apontada por Dulci, ao mencionar as palavras do teólogo N.T.
Wright:
[...] o mais irônico nisso tudo é que as igrejas norte-americanas que
mais prostestam contra o ensino das teorias darwinistas nas escolas,
são as que, geralmente apoiam, em suas políticas públicas, o tipo de
economia baseada nos princípios do darwinismo, com a
sobrevivência dos mais fortes nos mercados mundiais e no poderio
militar (WRIGHT, 2009, p. 233 apud DULCI, 2014, p. 225).
No campo científico, mas também acerca da questão social – antecipando o
que virá a ser elaborado no próximo capítulo desta dissertação – a partir das
experiências brasileiras, Dulci problematiza a questão das abordagens teológicas
serem contextualizadas mediante às necessidades da contemporaneidade.
Para Kuyper (2018, p. 95)
Vemos repetidas vezes como um grupo de crentes que não percebem
essa obrigação se isolam da sociedade circundante, se retirando para
um canto separado, mantendo sua posição geralmente entre as
classes menos desenvolvidas, perdendo, assim, toda influência no
curso dos eventos e na formação da opinião pública. Na natureza do
caso, a mentalidade geral do povo é moldada pelos acadêmicos. As
universidades estabelecem a direção do pensamento para as
pessoas de influência. Do meio universitário, esse modelo de
pensamento é reproduzido dentre os políticos, advogados, médicos,
professores e escritores. Mediante tal influência, esse modelo é
levado à imprensa, às escolas primárias e secundárias e à rede dos
funcionários burocráticos. [...]
Há somente um meio de prevenir isso — exigir que os pensadores
cristãos estabeleçam um movimento de nível universitário,
manifestando, por meio dele, um modelo diferente de percepção e
pensamento, reproduzindo-o dentre o povo que acompanha esses
estudos acadêmicos. O resultado eventual seria um quadro de
pessoas intelectualmente desenvolvidas para exercer influência entre
as multidões, pessoas que poderiam adentrar no campo do discurso
público.
A vida da graça particular não subsiste por si própria, porém foi
disposta por Deus no meio da vida da graça comum.
55
Kuyper define a ciência da seguinte forma:
A ciência se apresenta para nós como um impulso necessário e
sempre contínuo na mente humana para refletir acerca do cosmos,
plasticamente quanto aos seus elementos, e pensar sobre isso
logicamente quanto às suas relações; sempre com o entendimento de
que ao ser humano, a mente é capaz disso em razão de sua afinidade
orgânica diante de seu objeto (KUYPER apud BARTHOLOMEW,
2017, p. 198, tradução nossa).
De acordo com Kuyper (2003, p. 138), não existe um conflito entre fé e ciência.
No entanto, a ciência, necessita pressupor aspectos e postulados que permeiam a fé,
uma vez que são princípios não verificáveis empiricamente. Nisto, a investigação
científica cumulada à intencionalidade dos sentidos sobre apreender e fornecer
informações à realidade são elementos que configuram a atuação do pensamento
sobre o processo de análise, mas que pressupõe uma fé eclipsada aos fenômenos
pesquisados. Seja a fé na vida ou mesmo nesses postulados. “Por outro lado”, como
ele acrescenta: “todo tipo de fé tem si mesmo um impulso para manifestar-se
livremente. A fim de fazer isto ela precisa de palavras, termos e expressões. Estas
palavras devem ser a encarnação de pensamentos”.
KLAPWIJK (2013, p. 33) identifica que, para Kuyper, todas as investigações
científicas devem ser livres, de modo que possibilite às instituições acadêmicas,
produzir e desenvolver conhecimento sem que estivessem numa condição de
subalternidade diante das ideologias concorrentes. Para o autor, Kuyper contribuiu
para a emancipação da cultura local, onde diferentes grupos sociais puderam se
constituir enquanto diferentes e divergentes setores de uma sociedade civil, e nisto,
emerge uma universidade livre, que tem como diretrizes, um ethos estritamente
calvinista. Ademais, Kuyper também estava fundamentalmente oposto a qualquer
ligação da ciência a uma confissão eclesiástica, mesmo com a própria Universidade
Livre de Amsterdã. Novamente, uma universidade livre na compreensão de Kuyper,
é uma universidade que é livre do Estado e da Igreja. Logo, nem as autoridades
eclesiásticas, tampouco as autoridades políticas devem interferir na dinâmica dessa
esfera educacional ou na operacionalização e gestão da ciência.
56
2.4 A questão dos pobres
O contexto sociocultural e ideo-político que Abraham Kuyper viveu foi dinâmico
e repleto de mudanças. Desde a Revolução Francesa, os países da Europa
acompanharam a propagação do modo de produção capitalista e o contraponto
advindo das economias socialistas. A Revolução Industrial chegou à Holanda em
meados de 1870 e desencadeou uma depressão de três décadas que afetou grandes
segmentos da sociedade envolvidos com a agricultura (BIÉLER, 1999, p. 149).
O século XIX, além de apresentar o conflito da Igreja na esfera da cultura, das
instituições, da questão do Estado e das ideologias políticas que emergiram, configura
também a revolução industrial, que produz em larga escala; inaugura um novo
sistema econômico que tem como premissa o mercado livre e a concorrência e
defende a acumulação individual dos lucros. Esse modelo econômico compõe a
inovação dos meios de produção, os investimentos em maquinários e, em
consequência, visa o aumento da produção.
No período da Revolução Industrial, países como França, Alemanha, Itália,
Bélgica, Holanda, Estados Unidos e Japão, começaram a investir na formação de
suas indústrias. Em havendo uma nova morfologia nos processos de trabalho, o eixo
do capitalismo industrial separava o trabalho e o capital financeiro, reduzindo o
primeiro à lógica de contingência dada por meio da mão de obra humana, que foi
suprimida da vida no campo e trazida aos centros urbanos, provocando um êxodo
rural.
As consequências dessas mudanças nos processos de trabalho provocaram
uma produtividade desumanizada, a exploração da mão de obra, que têm aspectos
diretamente vinculados aos mecanismos de colonização e escravidão, visto que o
poder econômico passa a ser o elemento norteador da vida humana e suas relações.
Esse fenômeno põe o trabalhador numa relação entre o capital e o trabalho, onde o
salário é, per si, um mero produto da lei econômica que rege as necessidades e os
desejos. É diante desse cenário, de um exacerbado crescimento urbano, desemprego
e crise habitacional advindas do aumento da pobreza e da miséria, que a igreja do
século XIX buscava responder aos problemas de sua época. Nas palavras do próprio
Kuyper:
57
Isto seguiu da característica dupla e intrínseca; primeiro a de
representar a posse de dinheiro como o bem maior e, segundo, na
luta pelo dinheiro, estabelecer cada homem contra todos os outros.
Não foi como se a caçada por dinheiro tivesse um lugar oficial em seu
programa, nem que seus intérpretes mais inspirados não persuadiram
tons mais nobres de suas harpas, mas a teoria, o sistema, teve que
se concretizar ajoelhado diante de Mammon, simplesmente porque
cortou o horizonte de uma a vida eterna, homens impelidos a buscar
a felicidade na terra, e assim, nas coisas terrenas, o que criou uma
esfera de unidades inferiores, em que o dinheiro era o padrão de valor,
e tudo foi sacrificado por dinheiro. Agora adicione o afrouxamento de
toda organização social, seguido da proclamação do evangelho
mercantil do "laissez faire" e você entende como a luta pela vida foi
anunciada pela luta por dinheiro, de modo que a lei do mundo animal,
onde “cachorro come cachorro”, tornou-se a lei básica para cada
relacionamento social (KUYPER, 1950, p. 35, tradução nossa).
Diante disso, Abraham Kuyper (1950, p. 14) identifica que até o final da década
de 1880, os protestantes em seu próprio país bem como os cristãos europeus não
estavam preparados adequadamente para enfrentar os desafios da Revolução
Industrial. De semelhante modo, o nascimento da Doutrina Social da Igreja Católica,
que ocorre no pontificado de Leão XIII é indissociável das condições gerais que o
viveu o mundo oitocentista; primeiro, através das revoluções políticas, e, depois, por
meio dos fenômenos culturais, das transformações sociais e propostas de inovação
na economia. Kuyper organizou o primeiro Congresso Social Cristão na Holanda,
apenas alguns meses depois de Leão XIII ter promulgado a encíclica Rerum
Novarum, que por sua vez, foi escrita quarenta anos depois das ideias de Karl Marx
circularem nos ambientes operários.
Conforme observa Bratt:
A paixão de Kuyper pelos pobres foi persistente, não apenas no
Congresso Social Cristão de 1891, mas bem antes e muito depois
disso; não somente em seus pronunciamentos sobre ética social, mas
também em sua política, sua história, seu comentário bíblico, sua
eclesiologia, sua proposta para a educação e reformas universitárias:
em todos os lugares os pobres apareciam, em toda parte a opressão
o incomodava, e em todo lugar, Kuyper colocava Deus ao seu lado.
Ele chamou seus seguidores para se juntarem ao Mestre. “Você não
honra a Palavra de Deus”, ele advertiu, se “você alguma vez esquecer
como o Cristo (assim como seus profetas antes dele e seus apóstolos
depois dele), invariavelmente tomavam partido contra aqueles que
eram poderosos e viviam no luxo, e também denunciavam o
58
sofrimento contra o povo oprimido (BRATT, 2002, p. 37-38, tradução
nossa).
As camadas populares desprivilegiadas viveram entre as experiências da
participação democrática, dos populismos políticos, da subalternidade, mas também
de um movimento de reação da própria condição de pobreza, o que demandou uma
resposta partindo de várias instituições, partidos e também da Igreja católica e
protestante.
Kuyper (2015, p. 302, tradução nossa), compreende que:
Pelos pobres, entendemos pessoas que não podem se sustentar
porque são viúvas, menores, idosos ou doentes. É uma área da vida
onde a misericórdia colhe seus louros e consola aqueles que precisam
ser consolados. Mas a questão social é, na melhor das hipóteses,
apenas indiretamente conectada com os pobres, e o fator real do
movimento social não são os humildes pobres [...], mas sim o
trabalhador sadio no auge de sua vida, uma pessoa que pode
trabalhar e quer trabalhar, mas que pede – e em breve demanda –
que ele seja fornecido com um trabalho que lhe permite ganhar a vida
salário para si e seus dependentes.
Kuyper (1950, p. 52) rejeitou a ideia de um estado socialista, ao passo que se
opôs a um modelo de economia que pudesse privilegiar as camadas elevadas. Ele
criticou o perigo do Estado ser usado sob a influência dos ricos e, assim, criar
regulamentar leis que os favorecessem. Desaprovou a social democracia e, por outro
prisma, também se posicionou contra o “laissez faire, laissez aller, laissez passer” –
que acompanhava o desdobramento do capitalismo e livre comércio nos ideais do
liberalismo – insistindo que os indivíduos devem entender quais são as suas próprias
responsabilidades, e, enquanto comunidade, devem também considerar as
necessidades dos outros, inclusive nos assuntos econômicos (KUYPER, 2015, p.
172).
Dessa forma, ele defendeu a importância de legitimar os sindicatos, que
mediasse as relações entre trabalhadores e empregadores. Kuyper observou
criticamente os efeitos da industrialização e se mostrou atento às questões dos
direitos trabalhistas, na qual era sucateado por contratos impessoais, o que
provocava abusos concretos dos proprietários e afetava os pobres. Certamente,
considerando sua grande influência teológica, é valendo-se da compreensão de
Calvino do salário como um dom de Deus, uma vez que corresponde ao significado
59
espiritual, enquanto fruto do trabalho humano (BIÉLER, 1970, p. 54), que Kuyper
enfatizou a necessidade de justos salários. Ademais, sua preocupação é em especial
com os pobres, mesmo conscientes dos diferentes tipos de pobreza, o ponto das leis
trabalhistas sinaliza o desejo de contemplar o trabalhador que não consegue
encontrar um emprego permanente e um salário digno.
A compreensão kuyperiana da justiça é um tema de fundamental importância
para identificar como acontece a intersecção entre a esfera social e do Estado.
A insistência neocalvinista é que cada um dos tipos de corpo social
mencionados, merece reconhecimento em seus próprios termos, e
que cada um contém seu próprio domínio único de direitos, deveres e
autoridades – a sua própria “esfera de justiça”, para usar a frase de
Michael Walzer, ou sua própria “esfera de soberania”, para invocar
Abraham Kuyper (CHAPLIN, 2004, p. 3 apud CARVALHO, 2006, p.
205).
Há uma tendência de Kuyper que procura analisar com objetividade o problema
da pobreza, e destacar a importância de uma práxis, que procura iluminá-la com a
explicação das palavras contidas no evangelho:
Ainda vale dizer que Jesus não trabalha somente através da
motivação moral. Ele prega através de sua vida pessoal. Quando ricos
e pobres estão em oposição, um ao outro, Ele nunca se posiciona ao
lado do mais rico, mas ele sempre fica com os mais pobres. Ele
nasceu em um estábulo; e enquanto as raposas têm suas tocas e as
aves têm seus ninhos, o Filho do Homem não tem onde reclinar a
cabeça. Seus apóstolos recebem a instrução de não acumular
dinheiro. Eles são enviados sem bolsa e sem alimento. Apenas um
entre os apóstolos carregava uma bolsa, que é Judas, o homem
terrível que, justamente se desviou por causa da avareza, vendeu sua
alma ao diabo. Poderoso é o traço de compaixão, que é impresso em
todas as páginas do Evangelho, onde Jesus entra em contato com o
sofrimento e com os oprimidos. Ele não empurrou de lado as massas
ignorantes, mas os chamou a ele. Ele não iria extinguir o pavio que
ainda fumegava. Qualquer um que estava doente foi curado por Ele.
Ele não detém sua mão de tocar a carne leprosa. Quando a multidão
está faminta, mesmo que ainda não tenha fome do pão da vida, Ele
parte o pão em vários pedaços e lhes dá uma abundância de
preciosos peixes. Assim que, em Jesus, uma prática de viver a vida
se junta à teoria (KUYPER, 1950, p. 27-28 apud DULCI, 2014, p. 231-
232).
60
Sobre esse aspecto do pensamento de Kuyper, pode-se identificar que ele não
se manifestou favorável a uma luta de classes. Em sua afirmação, Jesus não odiou
os ricos como tal; no entanto, ele se opôs radicalmente contra a opressão aos pobres
e condena o desejo ambicioso pelo dinheiro e por quaisquer posses. Todavia,
Goudzwaard (1986, p. 30) percebe que Kuyper acrescenta o aspecto de que a
posição dos ricos era reforçada por “um erro na fundação da própria sociedade”.
Portanto, o problema não é de falta de caridade ou mesmo filantropia, mas de uma
questão social muito mais complexa.
Estas análises partem do labor de um teólogo que, definitivamente, reconhece
as condições de trabalho, o posicionamento – ou a ausência – da igreja e da
sociedade diante das condições de vida a que estavam sujeitos os pobres e os
trabalhadores. Tais elementos constituem uma base que torna a perspectiva
kuyperiana sensível às mudanças estruturais de seu tempo. O outro ponto então é
captar a compreensão de Kuyper sobre a ação da própria Igreja.
2.5 A Igreja
Embora possua uma trajetória pública, na condição de político e estadista,
Kuyper também foi teólogo e pastor. A igreja tem uma grande importância em sua
obra. Mesmo essa pesquisa buscando compreender a perspectiva ética e política e
sua relação com a sociedade, faz-se necessário destacar as dimensões do
pensamento kuyperiano sobre a igreja. Inegavelmente, esse tópico não se propõe a
apresentar sua eclesiologia com a rigorosidade que esta temática demanda em
função da amplitude de sua obra, mas, não se pode deixar de mencionar o fato que
a igreja que pastoreou em Beesd, era uma comunidade campesina, o que o fez
dedicar-se a um exercício pastoral repleto de sensibilidade e preocupação com os
problemas sociais enfrentados pelas pessoas daquele território. Com isso, foi um
momento de ressignificar aspectos de sua teologia, ao passo que constituía os
fundamentos da perspectiva kuyperiana, que traz fortes relações com seu múltiplo
campo de atuação. De acordo com Bratt (2013, p. 170, tradução nossa).
Os primeiros sermões de Kuyper sobre a igreja em Beesd
estabelecem a base para o seu futuro desenvolvimento. À igreja, ele
disse: é 1-) uma comunidade livre dos fiéis; 2-) voluntariamente
61
reunidos por lealdade ao Cristo; 3-) De corações inspirados pela ação
do Espírito Santo; 4-) que realizou obras de justiça no mundo; 5-)
semeando as sementes do reino de Deus; 6-) que constituiu o ensino
essencial e distintivo de Jesus.
Para Kuyper, há o corpo místico de Cristo, mas também uma “igreja visível”,
justamente porque, partindo do texto bíblico do evangelho de Mateus 16.18, em que
é dito por Jesus que “sobre esta pedra, eu construirei a minha igreja”, Kuyper (2017b,
p. 132) interpreta que o corpo de Cristo não pode permanecer escondido, mas deve
ser manifestado no mundo e florescer, não apenas do outro lado da sepultura, e sim,
no tempo presente. Se assim fosse, não haveria nenhuma igreja na terra:
Mas se é certo, como tentamos demonstrar que o corpo de Cristo
como tal poderia ter existido sem se manifestar na terra como uma
igreja visível, e se devemos admitir que a manifestação desse corpo
em uma igreja visível vem com enormes e sérias dificuldades, então
não queremos andar sobre gelo fino ao discutir a igreja, mas é
necessário deixar claro se Jesus instituiu ou não na tal igreja visível.
Esta questão depende inteiramente do que Jesus decidiu [...], Igreja
só pode ser aquilo que dá a forma terrena apropriada ao corpo místico
de Cristo, e porque ninguém além do cabeça daquele corpo tem
qualquer poder sobre esse corpo, que está além de qualquer
habilidade humana para revelar o poder que está nas mãos de Cristo
(KUYPER, 2017b, p. 135, tradução nossa).
Há um aspecto eclesiológico no qual o pensamento teológico de Kuyper é
erguido e que estabelece uma linha de ação diretamente articulada com uma teologia
prática. A sistematização das temáticas feitas por ele – conforme supracitados nos
tópicos anteriormente abordados – estão em conexão com a sua biografia.
Segundo Bartholomew (2017, p. 138), James Bratt identifica três etapas da
trajetória teológica de Kuyper sobre a igreja: a primeira refere-se ao período de seus
estudos de graduação em Leiden até seu pastorado em Amsterdã, onde Kuyper
desenvolveu uma teologia da igreja, movendo-se de uma ênfase na espiritualidade
interior para uma afirmação da autenticidade do Calvinismo; a segunda, a partir de
1875 quando ele enfatizou a soteriologia e a eclesiologia, e deu enfoque às doutrinas
da igreja; e, na terceira etapa, Kuyper concentrou-se em produzir sobre o calvinismo
e sua relação com a cultura, muito mais do que na igreja. Assim:
Como teólogo, Kuyper começou com a igreja e concluiu com a cultura,
com o calvinismo sempre articulando os dois. Não se deve esquecer
62
que a eclesiologia de Kuyper está dentro de sua teologia mais ampla,
que foi fortemente trinitária e centrada em Deus, focada na redenção
em Cristo, enfatizando a atuação pessoal e a renovação cósmica ou
palingênesis, e celebrou o reinado de Cristo (BARTHOLOMEW, 2017,
p. 138, tradução nossa).
É possível ainda apresentar Kuyper como um “teólogo da cultura”, pois,
conforme Bratt (2013, p. 187), Kuyper é muito mais conhecido nos círculos de língua
inglesa por sua teologia de cultura. Até porque, destacou de forma contundente a
ênfase sobre a doutrina da criação e tendo como ponto de partida ponto em sua
produção e reflexão teológica. Nisto, como visto no capítulo anterior, ele valorizou a
temática do “mandato cultural”, partindo do texto bíblico de Gênesis 1:28, que trata
justamente das ordenanças divinas de “frutificar e multiplicar”, sendo uma ordem
cultural à humanidade, que deve desenvolver o potencial dotado na criação como um
serviço prestado a Deus. A partir disso, e diante dos desafios postos em seu contexto,
Kuyper elabora e qualifica o engajamento cultural enquanto uma prioridade aos seus
companheiros e seguidores. E, evidentemente, ele implanta tais esforços na esteira
de duas grandes ideias caras à perspectiva kuyperiana, a saber: a doutrina da graça
comum e a cosmovisão cristã.
Considerando o recorte desta pesquisa, que busca compreender o aspecto
ético-político, verifica-se que, a análise na trajetória teológica de Kuyper a partir dos
seus escritos torna possível verificar suas concepções eclesiais articuladas com
elementos cristológicos e soteriológicos, que promovem o envolvimento do cristão na
cultura. Aqui, a doutrina da graça comum e do mandato cultural cumulados na teologia
de Abraham Kuyper tem extrema importância quando abordam problemas
intimamente relacionados à vida humana, visto que, em resposta à problemática dos
efeitos do pecado, a doutrina da graça comum sugere que Deus universalmente
concede graça e, simultaneamente, mantém sua obra, que floresce na igreja de
Cristo, mas também na cultura, onde se manifesta a sua beleza, bondade e justiça
em tudo que os seres humanos fazem – incluindo a formação da cultura.
Com isso, no pensamento kuyperiano, mesmo sabendo que os seres humanos
não possuem poder salvífico para redimir os efeitos da queda que afetam a natureza
humana – cabendo somente ao Cristo restaurá-la, é sabido e publicizado por esta
tradição a corresponsabilidade da igreja, que é promotora do seu reino.
63
2.6 O Pluralismo Kuyperiano
Enfrentando o capitalismo explorador e o estatismo arrogante,
a visão de pluralismo de Kuyper ainda deve inspirar os cristãos de
hoje23.
Assim como o calvinismo inspirou movimentos democratizantes no século XVII
(BIÉLER, 1999), o neocalvinismo holandês fez o mesmo na transição do século XIX
para o XX sob a liderança de Kuyper. Dos muitos desdobramentos desse movimento
multifacetado, uma das ações mais expressivas foi a de estabelecer na sociedade
holandesa aspectos pluralistas que permeiam na esfera do Estado, da educação, da
igreja e oferece diretrizes para as relações de trabalho, entre outros feitos. Nestas
esferas existe uma diversidade na execução dos serviços ofertados, que – como visto
anteriormente no tópico sobre a educação – é representado por “comunidades
confessionais” (religiosas e seculares) do país, que são integrados em um sistema
público supervisionado e subsidiados pelo Estado. Movimentos democratas cristãos
de inspiração católica promoveram sistemas paralelos em outras partes da Europa.
Como observa Chaplin (2019, online)
Tais arranjos propiciaram não apenas liberdades negativas para
adeptos individuais a diversas visões de mundo (a versão liberal
clássica da liberdade religiosa), mas também liberdades positivas
para diversas associações baseadas na visão de mundo. O objetivo
era trabalhar para o tipo de espaço público dentro das democracias
constitucionais que facilitava (em vez de frustrar) a representação
daquilo que Charles Taylor, em nossos tempos, chamou de
“diversidade profunda”.
Conforme Bartholomew (2017, p. 129), o próprio conceito de soberania das
esferas promove o pluralismo, pois, se uma religião ou uma nação quer que seus
cidadãos tenham a liberdade de exercitar sua fé em outros países, o Estado deve
garantir o mesmo direito aos grupos minoritários e, portanto, às religiões em sua terra
natal. Partindo dessa afirmativa, a tradição kuyperiana propõe um modelo que permite
às religiões e fés chegarem em outros territórios e também transitarem por todas as
esferas da vida, ao passo que possibilita a mesma liberdade para outros grupos,
23 CHAPLIN (2013) In: The Point Of Kuyperian Pluralism, uma publicação da CARDUS: www.cardus.ca e disponível em português em: https://tuporem.org.br/o-argumento-do-pluralismo-kuyperiano/ - acesso em 12 de fevereiro de 2019, às 16h14.
64
incluindo os humanistas seculares – que, convém mencionar – eram os adversários
políticos de Kuyper. Com isso, é assegurado que não haja o domínio coercitivo de um
grupo religioso sobre outro. Assim:
Paridade, não privilégio. Dificilmente um slogan eleitoral da campanha
eleitoral, mas, em poucas palavras, o objetivo estratégico da visão de
“pluralismo” de Abraham Kuyper. Os cristãos não devem buscar uma
posição de privilégio político ou legal nas praças públicas de suas
nações religiosas e culturalmente diversas, mas de paridade. O
objetivo é desfrutar de direitos iguais ao lado de outras “comunidades
confessionais” dentro de uma democracia constitucional marcada por
ampla liberdade de expressão, representação justa e diversidade de
vozes. Assim, no auge da luta holandesa do século XIX pelo
tratamento igualitário para as escolas cristãs, Kuyper afirmou que
“nosso objetivo incessante deveria ser exigir justiça para todos, justiça
para toda expressão vital” (CHAPLIN, 2019, online).
Chaplin (2019, online) menciona Bratt (2013, p. 11) que, na introdução de sua
obra, diz:
Talvez o maior significado de Kuyper para o nosso próprio mundo
fraturado religiosa e culturalmente seja a maneira que ele propôs para
os crentes religiosos levarem o peso total de suas convicções à vida
pública enquanto respeitam os direitos dos outros em uma sociedade
pluralista sob um governo constitucional.
Dessa forma, a perspectiva de Abraham Kuyper apresenta uma contribuição
para a tradição cristã quando, no século XIX, já promove a defesa do pluralismo.
Conforme Chaplin (2019), Kuyper concedeu uma exclusiva ação que atinge de forma
simultânea três objetivos: o compromisso com o pluralismo dentro de uma teoria
social e política abrangente baseada no cristianismo bíblico; o lançamento de um
movimento político confessional engajado; e o uso de uma plataforma que estabelece
um “chão comum” até mesmo aos oponentes, que podem contribuir para o bem
comum de sua nação. Nas palavras de Chaplin (2019), “Por mais duramente que
avaliemos as falhas de Kuyper – e Bratt mostra que havia muitas – essa foi uma
conquista impressionante”.
Abraham Kuyper possui um episódio controverso em relação ao apartheid na
África do Sul. Seria necessário dissertar sobre o contexto do colonialismo holandês,
britânico e francês ao povo sul-africano, bem como apresentar a Guerra dos Bôeres
e seus desdobramentos sociopolíticos. Todavia, este fenômeno, embora careça de
65
uma crítica pertinente, não é possível de fazê-la no escopo dessa pesquisa. Mesmo
sem adentrar no debate de forma detalhada, entende-se que se trata do ponto mais
complexo de sua história, ainda que suas ideias tenham sido acolhidas por grupos
que de fato se opõem ao apartheid (BRATT, 2013, p. 296). Os neocalvinistas
holandeses foram vozes de denúncia no contexto holandês contra as práticas do
Apartheid após 1948, não havendo entre estes, nenhum apoio que legitimasse o
racismo. Para maiores informações dessa passagem que envolve Kuyper e o
neocalvinismo, mas não deixa de ser mencionada e criticada por seus próprios
teóricos, é possível encontrar referências nas produções de Bratt (2013, p. 409);
Bartholomew (2017, p. 88); Goudzwaard (1986, p. 88); Baskwell (2009, p. 1278) e
Naude (2015, p. 162). Foi encontrada ainda a tese de Manavhela (2009), com o tema
An Analysis of the Theological Justification of Apartheid in South Africa: A Reformed
Theological Perspective da Vrij de Amsterdã.
Por outro prisma, é inegável que – como visto até o presente momento desta
pesquisa – o pensamento de Abraham Kuyper, bem como toda a intencionalidade
contida no escopo da tradição neocalvinista não possuem somente um discurso
metateórico, mas apresentam materialidade, quando tratam de articular o aspecto da
pluralidade com as demais esferas da vida. Inclusive, esses aspectos já apontam os
desafios da aplicabilidade dessa perspectiva no contexto brasileiro. Conforme sinaliza
Dulci (2018, p. 103)
As diferentes capacidades, inclinações e necessidades da natureza
humana precisam encontrar diferentes riquezas em uma pluralidade
de expressões sociais. Foi precisamente contra qualquer tipo de
uniformização mesmificante que Kuyper formulou o princípio da
soberania das esferas. Em uma postura muitíssimo necessária para a
prática política brasileira, Kuyper formulou o princípio dentro de um
contexto específico que o fez avançar. Ele opôs esfera de soberania
tanto contra a ‘esfera popular’ do individualismo liberal, que reduziu a
autoridade social e política às vontades individuais agregadas,
[quanto] contra à ‘soberania do Estado’ do autoritarismo conservador
e do socialismo centralizador, que fez de toda a autoridade social uma
concessão do Estado.
Sendo assim, Kuyper fornece princípios de um pluralismo, na qual a
participação e responsabilidade civil são deveres concedidos por Deus como uma
forma de realização por meio das múltiplas ordenanças da criação. De acordo com
Dulci (2018, p. 102), Chaplin define o pluralismo kuyperiano enquanto “pluralismo
66
estrutural”, que dialoga com instituições plurais, tais como a igreja, escola,
universidades, sindicatos entre outros setores da sociedade civil, e, o “pluralismo
contextual”, que trata de reconhecer as especificidades contextuais de cada cultura,
que expressam a multiforme graça e beleza de Deus.
Considerações intermediárias
Diante do conteúdo apresentado neste segundo capítulo, compreende-se que a
tarefa da teologia de Kuyper almeja apropriar a igreja de um debate da qual se
preocupa em responder questões vinculadas às demandas da sociedade. Verifica-se
até aqui, que a trajetória do pensamento kuyperiano concentra, inegavelmente, uma
teologia propositiva, onde sua elaboração não somente critica aspectos de um
sistema vigente – no caso de seu tempo, a questão da secularização nas esferas que
se projetam engendrar autônomas por meio das revoluções – mas, e, especialmente,
oferece uma alternativa societária planificada num conjunto de elementos teórico-
metodológicos e ético-políticos, materializados na conjuntura da Holanda do século
XIX.
Por consequência, há uma íntima relação entre a teologia de Kuyper e uma
consistente filosofia política, que vincula a participação da igreja e dos cristãos numa
intencionalidade em integrar a vida vocacional, profissional e diaconal entre as
diferentes esferas de soberania. Kuyper aponta uma compreensão estritamente
evangélica acerca da questão social e dos pobres, onde dedica uma crítica contra a
opressão, as relações de trabalho e as estruturas econômicas injustas. Por isso,
sinaliza para uma perspectiva que desafia o cristão a promover uma articulação entre
seu chamado, vocação e vida missional. Disto, o ethos kuyperiano, parte da doutrina
do mandato cultural e da graça comum e apresenta um horizonte de “bem viver”,
baseado no próprio relato da criação, em Gênesis, que possibilita desenvolver a
produção e reprodução da vida familiar e comunitária, da qual envolvem o culto, a
cultura e o cultivo, frutificados no relacionamento que ama a Deus e, igualmente, o
próximo.
Do ponto de vista social, o pensamento de Kuyper não é compatível no padrão
que compreende os espectros políticos entre esquerda e direita. Como visto neste
capítulo, há críticas igualmente contundentes ao capitalismo e socialismo. Tal análise
67
sobre essas ideologias acompanha a relação entre a soberania das esferas, na qual
Kuyper sugere aos cristãos o empenho para promover o bem, e, ao assim fazerem,
contribuem para a dinâmica dessas esferas. Disto, identifica-se que Kuyper não está
alinhado às utopias e o desejo de uma nova ordem societária a partir destas
ideologias, seja ela conservadora ou progressista, mas, endossa a crença de que o
mundo e a sociedade não são lançados à sua própria sorte ou aos processos
históricos. Assim, crê que Deus intervém na realidade temporal, inclusive na
economia, na qual se podem restabelecer as justas relações humanas, que são fruto
da relação do ser humano com Deus, e, consequentemente, com o próximo. Logo,
auxiliar na reestruturação da esfera econômica, demanda fundamentar a própria
história na crença bíblica que aponta para a escatologia da vitória final do Cristo
redentor, relatada no texto como o de Apocalipse. Portanto, a aplicabilidade deste
pensamento vem em diálogo com a tradição cristã e é materializado nas ações que
moldam a cultura humana.
Além disso, como observa Dulci (2019, p. 193), além da Encíclica Papal Rerum
Novarum, promulgada pelo papa Leão XIII em maio de 1891, é sediado pelos
neocalvinistas holandeses no mesmo ano, o 1º Congresso Social Cristão. Trata-se de
propostas e alternativas aos problemas socioeconômicos do século 20, que
reafirmam o compromisso de tal tradição, respondendo à pergunta de que a teologia
kuyperiana relaciona a fé e os problemas sociais.
Isto posto, foi abordado neste capítulo a noção de que o aspecto ético e político
é central para Kuyper, sendo respondido em seu entendimento acerca da sociedade
civil, no posicionamento que valoriza o envolvimento do cristão com a cultura, do
compromisso com a ciência, a universidade e as práticas democráticas. Para Kuyper,
a participação do cristão na sociedade civil é um dever concedido por Deus como
mais uma forma de expressar louvor às ordenanças divinas por meio da justiça,
bondade e criatividades exercidas. Para tanto, deve-se mencionar que Kuyper
defende um espaço pluralista em que as múltiplas vozes possam ser ouvidas, mesmo
baseando-se na narrativa cristã e sua cosmovisão para a sociedade. Por esta razão,
e na defesa intransigente contra a “uniformidade da modernidade”, Kuyper recorre ao
tema da criação e a diversidade que nela existe. Assim, torna possível realizar o
cumprimento às leis criacionais que promovem a pluralidade cultural, ainda que isso
encontre expressão no pluralismo religioso, mas não se esgote nele. Ademais, o autor
68
entende que qualquer plano, meta ou finalidade dos indivíduos ou ideologias vigentes
possui uma raiz religiosa (KUYPER, 2003, p. 57; DOOYEWEERD, 2010, p. 50;
SMITH, 2018, p. 39).
CAPÍTULO 3
A RECEPÇÃO DO NEOCALVINISMO HOLANDÊS NO
BRASIL: TRADUÇÃO DAS OBRAS E APRECIAÇÃO
DO PENSAMENTO KUYPERIANO
Introdução
O primeiro esforço para compreender o pensamento kuyperiano e seu
desdobramento no Brasil pode ser apresentado a partir do processo de publicações
e traduções de autores e instituições que acolhem essa perspectiva. Verifica-se que
os títulos iniciais de uma bibliografia básica do neocalvinismo em português têm
leituras de conteúdo introdutório, sem a densidade filosófica e teológica requerida por
esta tradição. Embora a maior parte de publicações de uma filosofia calvinística esteja
vinculada ao inglês ou holandês, nota-se que o processo de tradução vem sendo
dinâmico e progressivo ao longo dos anos, o que sinaliza um aumento de um público
interessado nessa temática.
De semelhante modo, nota-se um empenho para seguir em diálogos com
autores internacionais que, na contemporaneidade, seguem a perspectiva kuyperiana
em múltiplas áreas do conhecimento, como a filosofia, teologia, ética, ciências exatas,
artes, educação e ciência política.
Por conseguinte, almeja-se com isso identificar se a intencionalidade das
instituições brasileiras envolvidas com a perspectiva kuyperiana sinalizam alguma
relação com uma práxis que busca influenciar, partindo de uma fé relevante diante
dos enfrentamentos da esfera pública.
69
3.1 A trajetória das obras neocalvinistas no contexto
brasileiro: a concepção de traduções e publicações
Como ponto de partida, a obra Calvinismo de Abraham Kuyper (2003) –
conforme apresentado no primeiro capítulo dessa dissertação – aborda o conteúdo
das palestras proferidas na Universidade e Seminário de Princeton, em 1898. Tal
evento, de grande relevância no cenário acadêmico estadunidense, ficou conhecido
como as Palestras Stone (Stone Lectures). Trata-se de seis palestras: O Calvinismo
como sistema de vida; Calvinismo e Religião; Calvinismo e Política; Calvinismo e
Ciência; Calvinismo e Arte e Calvinismo e o Futuro; onde Kuyper apresenta o
Calvinismo não apenas como um conjunto de dogmas, mas principalmente como a
proposta fundamental para uma compreensão mais ampla da vida. A primeira edição
traduzida para o português é publicada em 2002, pela editora Cultura Cristã, com
tradução do profº Dr. Ricardo Gouveia e Paulo Arantes. Esse título é o fio condutor
de todo o movimento neocalvinista e da filosofia reformacional e tece o mesmo
caminho no Brasil.
Em seguida, em português, há a trilogia de Francis Schaeffer (1912-1984), a
saber: O Deus que Intervém, O Deus que se Revela, e A Morte da Razão. No primeiro,
há elementos de uma apologética inclinada ao pressuposicionalismo. No segundo,
uma apresentação de pressupostos filosófico-teológicos, derivados, em grande
maioria, do professor Cornelius Van Til. No terceiro, Schaeffer apresenta uma crítica
da cultura e do pensamento ocidental, que almeja complementar "O Deus que
Intervém". Francis A. Schaeffer foi um autor reconhecido no evangelicalismo do
século XX. Com títulos traduzidos para mais de 25 idiomas, além de junto à sua
companheira, Edith Schaeffer, terem fundado a L’Abri Fellowship, em 1955.
Contudo, e conforme a intencionalidade desta pesquisa, interessa-nos
compreender o percurso de seus livros no Brasil, de modo que Schaeffer é um
“intelectual orgânico” do pensamento de Herman Dooyeweerd, tal qual Antonio
Gramsci o foi para com a teoria marxiana.
Com a chegada de L’abri Brasil – que será abordado posteriormente – verifica-
se que A morte da Razão, publicada em 2002 pela Cultura Cristã, recebe uma nova
publicação em 2014 pela Editora Ultimato e ABU Editora. Nisto, é possível novamente
identificar a publicização de suas ideias, o que reforça a hipótese de seu crescimento
70
bem como os diferentes interesses e até objetivos editoriais com o lançamento de
suas obras. Em A Morte da Razão, Schaeffer apresenta uma crítica ao hedonismo,
ao materialismo e ao niilismo que a afetam a ciência, a filosofia e as artes.
Dessa forma, é partindo da existência de um Deus eterno, pessoal e criador de
todas as coisas, que o cristianismo para o autor (2014, p. 100)
[...] não é apenas uma série vaga de experiências incomunicáveis,
baseadas em um “salto no escuro”, totalmente inverificável.
Tampouco deveriam a conversão (o início da vida cristã) e a
espiritualidade (seu crescimento) constituir saltos desse tipo. Ambas
relacionam-se firmemente com o Deus que existe e com o
conhecimento que Ele nos tem facultado - e ambas envolvem o
homem como um todo.
A partir disto, pode-se encontrar confluência com o próprio conceito de
“soberania das esferas”, amplamente circulado na tradição kuyperiana.
Outro título expressivo é Cosmovisão cristã e transformação: espiritualidade,
razão e ordem social, editado por Guilherme de Carvalho, Cláudio Leite e Maurício
Cunha, pode-se analisar que o ponto de partida é a filosofia social kuyperiana, que
estabelece um diálogo com a Teologia da Missão Integral. O destaque para essa obra
é o fato de ser composta estritamente por autores brasileiros. Trata-se de uma
coletânea de textos gerados no Primeiro Encontro de Cosmovisão Bíblica e
Transformação Integral que aconteceu em Curitiba, Paraná, em julho de 2005. Desse
encontro, é desencadeada a Rede Brasileira de Cosmovisão Cristã e Transformação
Integral. Com o prefácio do bispo anglicano, Dom Robinson Cavalcanti (2006, p. 12),
verifica-se de início, a intencionalidade de apresentar a herança do pensamento
reformado numa perspectiva social:
Vale lembrar o destaque dado aqui a uma figura exemplar de
pensador cristão engajado: o ex-primeiro ministro holandês Abraham
Kuyper, praticamente desconhecido entre nós. Diante de um
monopólio geopolítico e do oligopólio geoeconômico, com a ideia
única neoliberal, na presente ordem social globalizada, de história
fechada, é dever cristão pensar mudar a realidade, reabrir a história e
devolver a esperança, a partir da Providência e da visão de uma
escatologia, mas também do que e do como de nossa inserção na
história.
Ademais, a obra é de grande relevância para essa pesquisa, pois trata de
problematizar o evangelicalismo brasileiro e sua relação com o contexto latino-
71
americano; e aborda nos textos, questões ligadas à ética, cosmovisão cristã; justiça
social e faz correlações entre a Teologia Política da Missão Integral e a filosofia social
reformacional; a ética do calvinismo holandês; experiências de transformação social
por uma perspectiva reformacional, uma crítica ao dualismo natureza\graça e a
influência do humanismo secular no pensamento social cristão. Lançado em 2006,
publicado pela Editora Ultimato. Desta obra em diante, é possível observar um
alinhamento desta editora por publicações de perspectiva kuyperiana.
Fé Cristã e Cultura Contemporânea: cosmovisão cristã, igreja local e
transformação social, organizada por Leonardo Ramos, Marcel Camargo e Rodolfo
Amorim é lançada em 2009 e representa a primeira coletânea do Brasil numa
perspectiva neocalvinista que oferece reflexões sobre fé e cultura. O conteúdo é fruto
do 1º Encontro da Rede Brasileira de Cosmovisão Cristã e Transformação Social
(RBCTS), na qual foi reunido e lançado pela Editora Ultimato no formato do livro
supracitado. Os textos discutem a relação entre a fé, a cultura, a política e as artes
sob o Senhorio de Cristo, alinhados com a proposta da filosofia reformacional. Então,
os autores desta edição mencionam com frequência nomes como Abraham Kuyper,
Herman Bavinck, Herman Dooyeweerd e Hans Rookmaaker.
Faz-se as devidas referências, justamente porque os organizadores têm
envolvimento com instituições e projetos que possuem um alinhamento com a
perspectiva kuyperiana, aspectos estes, que sinalizam e endossam a hipótese de que
há um projeto ético-político que vem sendo acolhido e desenvolvido no Brasil.
Assim, esta obra é de fundamental importância para a pesquisa, sendo basilar
na compreensão da perspectiva kuyperiana que emerge buscando elaborar respostas
e projetos, partindo de uma interpretação do conceito teológico do senhorio de Jesus
Cristo sob as esferas da vida, cabendo à igreja expressar em seu tempo essa
realidade.
A obra de Herman Dooyeweerd No crepúsculo do pensamento: estudos sobre
a pretensa autonomia do pensamento filosófico é a primeira deste autor a ser
traduzida para o português em 2010 pela editora Hagnos, sendo fruto de trabalho dos
membros de L’ABRI Brasil, Guilherme de Carvalho e Rodolfo Amorim.
Conforme apresentado no capítulo primeiro, Dooyeweerd herda o pensamento
do reformador e seu compatriota, Abraham Kuyper, onde se torna professor de direito
na Universidade Livre de Amsterdã. Foi membro da Academia Holandesa de Ciências
72
e presidente por longos anos da Sociedade Holandesa de Filosofia do Direito. Para
Carvalho (2006, p.190), como kuyperiano, Dooyeweerd esteve comprometido desde
o início com a renovação cultural de seu país, e utilizava da cosmovisão cristã para
suas produções. Assim como Kuyper, Dooyeweerd expressava confiança nas
influências transformadoras do cristianismo sob a égide reformada.
Disto, é traduzida outra obra Estado e Soberania: ensaios sobre Cristianismo e
Política, pela Vida Nova, onde o autor elabora uma filosofia articulada com um
movimento intelectual que apresenta um fruto antropológico à sua época: um
“cristianismo humanizado, mas não humanista”. Desta forma, vale lembrar que
Dooyeweerd (2014, p. 23) desenvolve um sistema filosófico cristão, conhecido por
“filosofia reformacional” ou “filosofia cosmonômica”, na qual, partindo do conceito
kuyperiano de “soberania das esferas”, articula aspectos teórico-metodológicos
acerca das instituições sociais e também do Estado. Sua “proposta de reforma para
o pensamento político é a aplicabilidade do próprio sistema filosófico”, conforme a
introdução da obra, apresentada por Leonardo Ramos e Lucas Freire.
De semelhante modo, a Editora Cultura Cristã, publicadora confessional e oficial
da Igreja Presbiteriana do Brasil, lança a obra Raízes da Cultura Ocidental: as
alternativas pagã, secular e cristã, também de Herman Dooyeweerd, no ano de 2015.
O livro contém oito capítulos, onde o autor apresenta sua compreensão sobre as
raízes da cultura ocidental; a dialética e antítese religiosa; o direito público e privado;
a tríade: criação, queda e redenção; o conceito de graça comum – como visto nos
capítulos anteriores deste estudo – categoria esta de grande relevância no
neocalvinismo, sobretudo em seu engajamento com a cultura, a soberania das
esferas; uma crítica ao historicismo; a relação entre fé e cultura; uma crítica ao
dualismo; o humanismo clássico; o redirecionamento romântico e a ascensão do
pensamento social. Além disso, trata de conceitos fundamentais da filosofia
reformacional, elaborados por Dooyeweerd, tais como: Antinomia; Antítese, que
segue Abraham Kuyper; Dialética; Encapse; Estrutura de Individualidade; Estrutura
Modal; Ideia Cosmonômica; Retrocipação; Síntese e Soberania das Esferas – alguns
destes, que pertinentes ao escopo desta pesquisa, foram abordados nos capítulos
anteriores – mas que apontam para a amplitude e complexidade do pensamento
neocalvinista. Aliás, isso leva a outra obra introdutória, publicada no ano de 2015 pela
mesma editora com o título Contornos da Filosofia Cristã, de Kalsbeek (2015), que
73
apresenta uma introdução à filosofia reformada de Herman Dooyeweerd. Com isso, é
sinalizado que há um crescente interesse por publicações de autores neocalvinistas,
com o destaque de diferentes grupos editoriais.
Outro autor que encontra abertura no processo de traduções e publicações
numa perspectiva neocalvinista é Hans Rookmaaker. Mencionado no primeiro
capítulo como um pensador holandês que exerce um legado no campo das artes. O
autor possui uma trajetória acadêmica, na docência e como historiador da arte, onde
lecionou no Departamento de História da Arte na Universidade Livre de Amsterdam.
Rookmaaker correlaciona arte e fé cristã, segmento já apontado nesta pesquisa por
alguns de seus conterrâneos que identificaram a necessidade de uma ação cristã
integral, aplicada na igreja e na sociedade.
A vida, pensamento e obra de Hans Rookmaaker ainda é pouco conhecida no
Brasil. No entanto, nota-se um forte interesse em publicizar suas ideias. De suas
obras traduzidas para o português, encontram-se diferentes editoras: A arte não
precisa de justificativa, em 2010; A arte moderna e a morte de uma cultura, em
fevereiro de 2015; ambas pela Editora Ultimato. Há também uma biografia escrita pela
professora e historiadora da arte Laurel Gasgue, traduzida em novembro de 2012 por
esta mesma editora, com o tema: Rookmaaker: arte e mente cristã; e duas novas
publicações em 2018, O Dom Criativo e Filosofia e Estética, ambos os títulos lançados
pela Editora Monergismo. Outro aspecto relevante para a difusão e publicização do
pensamento de Hans Rookmaaker e a procura por suas obras no contexto brasileiro
foi a canção Rookmaaker, lançada em 2010 pela banda de Rock Alternativo
Palavrantiga. Convém mencionar os autores Guilherme de Carvalho e Rodolfo
Amorim – integrantes de L’ABRI Brasil – que possuem produções, artigos e palestras
sobre as temáticas de arte e fé cristã na perspectiva deste autor e estão diretamente
engajados com processo de tradução de suas obras no Brasil.
Acerca de obras que manifestam uma práxis kuyperiana a partir do serviço
diaconal, são encontrados os seguintes títulos: O Reino entre nós: transformação de
comunidades pelo evangelho integral, com autoria de Maurício Cunha e Beth Wood.
Cunha (2003) é fundador do Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral -
CADI, que possui uma coalizão de onze organizações atuantes em oito estados
brasileiros. É assessor da Aliança Evangélica Brasileira para o tema “Igreja e Políticas
Públicas” e é Conselheiro Nacional da Política Pública de Assistência Social, sendo
74
um entre os organizadores do livro Cosmovisão Cristã e Transformação, conforme
supramencionado. Junto com a coautora, Beth Wood, assistente social canadense, a
obra lançada pela Editora Ultimato em 2003, aborda, a partir da cosmovisão cristã,
uma reflexão missional do reino de Deus e seu coração para com os pobres e
compartilha experiências da ação social realizada em comunidades afetadas pela
vulnerabilidade social e situação de risco. Posteriormente, O Reino de Deus e a
transformação social: fundamentos, princípios e metas é lançado em 2018 pela
editora Ultimato e contém 4 capítulos: 1-) Integralidade e missão transformadora; 2-)
Cosmovisão cristã: compaixão, justiça e transformação; 3-) Igreja e políticas públicas:
sinalizando o reino de Deus na esfera pública; 4-) Conceitos e ferramentas para o
serviço social e comunitário.
De semelhante modo, há o título Ortodoxia Integral: teoria e prática conectadas
na missão cristã. Trata-se de uma reflexão contextual diante dos desafios da igreja
contemporânea. Pedro Dulci problematiza a desconexão entre a teoria e prática, que
afeta inclusive o Brasil evangélico, inerte tantas vezes às injustiças e ao conjunto de
desigualdades sociais. Disto, critica o discurso dos movimentos de pêndulo, das
teologias meramente transcendentalistas, alienadas da realidade e autocentradas, e
tece considerações sobre a Teologia de Missão Integral e da própria história da
tradição neocalvinista na trajetória de Kuyper sobre os pobres, consoante com o que
fora apresentado no segundo capítulo desta dissertação sobre essa questão.
Diante disso, Dulci explora aspectos da integralidade da missão, dos desafios
de uma eclesiologia contextual, mas que parte de uma construção que se utiliza de
elementos da filosofia reformacional para apresentar propostas à conjuntura
brasileira. A obra é publicada em 2014 pela Sal Editora. Outrossim, Fé cristã e ação
política: a relevância pública da espiritualidade cristã é lançada pelo mesmo autor, em
setembro de 2018 e publicada pela Ultimato. A obra possibilita à pesquisa captar os
fundamentos da relação entre a teologia pública e a política, especialmente, partindo
do conceito da soberania das esferas, sendo uma categoria cabal na perspectiva
kuyperiana, conforme contemplado na exposição do segundo capítulo desta
dissertação. Ademais, essa obra é prefaciada por James K. A. Smith (2014; 2017;
2018), o que sinaliza a articulação do movimento neocalvinista com autores
internacionais. Também emerge como um título brasileiro que estuda a Teologia
75
Pública a partir de um referencial teórico que preconiza o pensamento de Abraham
Kuyper, que permeia toda a produção do livro.
James K. A. Smith é um filósofo de tradição neocalvinista. Leciona no Calvin
College, onde também ocupa a cátedra Gary e Henrietta Byker de Teologia e
Cosmovisão Reformadas Aplicadas. O autor, que vem sendo um dos principais
contemporâneos da perspectiva kuyperiana, têm três obras traduzidas para o
português. São elas Cartas a um jovem calvinista: um convite à tradição reformada,
publicada em 2014 pela Editora Monergismo; Você é aquilo que ama: poder espiritual
do hábito; também da categoria espiritualidade, publicada em 2017; e, Desejando o
reino: culto, cosmovisão e formação cultural; publicadas em 2018, ambas pela Editora
Vida Nova. Convém mencionar a contribuição de Smith, que, por apresentar uma
ênfase na questão da liturgia e um diálogo com a catolicidade da igreja, já exerce
influência sobre projetos brasileiros, como será abordado no decorrer deste capítulo.
Em fevereiro de 2019, o título Reformai a vossa mente: a filosofia cristã de
Herman Dooyeweerd, tem autoria de Josué Reichow e foi publicado pela Editora
Monergismo. A obra traz reflexões no campo da teologia, filosofia e teoria social.
Entretanto, dada a condição de recém-lançada, não foi possível analisá-la. E para o
primeiro semestre desse mesmo ano, será publicada a tradução do livro Capitalism
and Progress, de Bob Goudzwaard, pela Editora Ultimato.
Dentre os estudos e pesquisas acadêmicas, foi possível encontrar as seguintes:
a dissertação de Rodomar Ramlow com o título: O Neocalvinismo Holandês e o
Movimento de Cosmovisão Cristã, em 2012; e sua tese de doutorado: Elementos para
uma Teologia Pública em Herman Bavinck, em 2016, ambas pela EST. Também a
dissertação de mestrado de Josué Reichow, com o título: A filosofia reformada de
Herman Dooyeweerd e suas condições de recepção no contexto brasileiro, publicada
em 2016 pela mesma universidade.
Pelo Centro de Pós-graduação Andrew Jumper, da Universidade Presbiteriana
Mackenzie, há a dissertação de Filipe Fontes, com o título: Estrutura x Direção:
Aproximações teóricas entre a Filosofia da Idéia Cosmonômica e os principais
paradigmas do estudo da mudança social no pensamento sociológico, de 2009. Em
2014, o artigo: Missão Integral ou Neocalvinismo: Em busca de uma visão mais ampla
da missão da igreja, publicado na Revista Fides Reformata, XIX, nº 1, de 2014, no
Centro de Pós-Graduação Andrew Jumper.
76
No Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), a dissertação de mestrado de Juliana Bolzan Sebe Dias, com o título:
Interface entre Estado e Religião: uma abordagem a partir da concepção de Herman
Dooyeweerd e do pluralismo de princípios, defendida em 27 de fevereiro de 2019.
Há também no Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), a dissertação
de Tiago Rossi Marques, com o título: Abraham Kuyper entre as nações: diálogo e
antítese entre o Neo-calvinismo holandês e o Realismo Cristão nos Estudos
Internacionais, com a data de defesa para o dia 27 de março de 2019.
Dos artigos sobre Kuyper, neocalvinismo e kuyperianos, relacionados às
temáticas de Relações Internacionais e Economia Política Internacional e Teologia
Pública chinesa; seguem os títulos encontrados pela autoria de Tiago Rossi Marques:
Economia Política Reformacional: uma contribuição teórica kuyperiana para o campo
da economia política internacional, publicado na Revista Teologia Brasileira, v. 6, p.
10, em 2017; Diálogo & Antítese Nos Estudos Internacionais: Uma Releitura
Reformacional Do Realismo Clássico De Hans Morgenthau, sobre Herman
Dooyeweerd, publicado na Revista Teologia Brasileira, nº 46, em 2018; Indo a
Público: a teologia pública cristã reformada na emergente construção da ideia de uma
esfera pública e social não-governamental chinesa, que aborda o Calvinismo e
Kuyperianismo “chinês”; além dos textos Soberania das Esferas: por uma abordagem
político-social kuyperiana nos Estudos Internacionais, produzido para o departamento
do Programa de Pós-Graduação de Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica - PUC Minas; e Progresso & Desenvolvimento: uma
contribuição crítica e reformacional para os debates em torno das Teorias e
Estratégias de Desenvolvimento (TED).
Foi encontrado ainda o artigo sobre Herman Dooyeweerd, com o título:
Introdução ao pensamento jusfilosófico de herman dooyeweerd, de Gabriel Matos,
publicado na Tabulæ Revista de Philosophia, n º 20, de 2017.
Apesar do ponto central deste estudo almejar compreender o projeto ético-
político na perspectiva kuyperiana, entende-se que realizar um levantamento sobre
as obras publicadas e traduzidas para o português possibilita captar o que, de
maneira particular, forja e veicula nas instituições vigentes promotoras desse
77
pensamento. A seguir, o capítulo apresenta as instituições localizadas, que dialogam
com essa proposta neocalvinista.
3.2 As Instituições brasileiras promotoras do pensamento
kuyperiano
O L’Abri Brasil
O primeiro L’abri (palavra de origem francesa que significa “abrigo”) foi fundado
em 1955 pelo casal Francis e Edith Schaeffer, quando abriram sua casa para acolher
estudantes e profissionais de diversas áreas e de diferentes nacionalidades que
buscavam respostas sobre a fé, Deus entre outras questões existenciais. Desde
então, foram fundadas comunidades L’abri na Inglaterra, Suécia, Estados Unidos,
Canadá, Coréia, Holanda – esta, devido à forte amizade entre Hans Rookmaaker e
Francis Schaeffer – e, no Brasil, a partir de 2008, sendo membros do L’Abri Fellowship
International.
O L’Abri Brasil se apresenta como um centro de estudos que integra a vida em
comunidade, a hospitalidade e a reflexão cristã. Seu propósito é “a demonstração da
realidade de Deus e a recuperação da riqueza da nossa humanidade, por meio de
Jesus Cristo. Tudo o que fazemos – hospitalidade, oração e ideias vivas, servem a
esse propósito”. Lá, são executadas as seguintes atividades: Retiros Temáticos
realizados aos finais de semana; Estudos temáticos, que levam o nome de “Termos
e nanotermos”, com duração de até cinco semanas; Uma escola de Teologia e Vida
Cristã, curso livre com um semestre de duração; e ciclos de palestras que ocorrem
durante o semestre; além de uma Conferência L’Abri, anual.
Dos autores envolvidos com o L’Abri Brasil, é mencionado para fins desta
pesquisa o percurso pastoral e acadêmico dos seguintes:
Guilherme Vilela Ribeiro de Carvalho, que possui graduação em Teologia pela
Universidade Presbiteriana Mackenzie (2005) e mestrado (stricto sensu) em Ciências
da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2007), sob orientação do Dr.
Etienne A. Higuet. Estudos anteriores em Teologia (livre) pelo Seminário Batista do
Estado de Minas Gerais (1997), e um mestrado (livre) em Novo Testamento pela
Faculdade Teológica Batista de São Paulo (2003), sob orientação do Dr. Russel
78
Shedd. É fundador da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET) e
membro fundador da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência (ABC²). É pastor
na Igreja Esperança, em Belo Horizonte, Minas Gerais;
Rodolfo Amorim Carlos de Souza, que possui Mestrado (stricto sensu) em
Sociologia pela UFMG (2009), Graduação em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (2001), e Especialização (lato sensu) em
Elaboração e Gestão de Projetos Internacionais com Ênfase no Terceiro Setor (2004)
pela mesma instituição. Desenvolve, junto à Associação Kuyper para Estudos
Transdisciplinares (AKET) e L'Abri Brasil, projetos relacionados à organização de
eventos e publicação de textos, livros e tradução de obras com ênfase na perspectiva
kuyperiana, sob proposta interdisciplinar, visando sua introdução e articulação no
contexto cultural brasileiro. É co-autor do livro Cosmovisão Cristã e Transformação,
Organizador e co-autor do livro Fé Cristã e Cultura Contemporânea, ambos pela
Editora Ultimato, e cooperador de conteúdos na Associação Brasileira de Cristãos na
Ciência (ABC²). É tradutor de obras dedicadas ao tema de filosofia e a relação entre
fé e ciência, ou "SciFaith", para a língua portuguesa.
Assim, verifica-se que o L’abri Brasil bem como a trajetória de produção de suas
lideranças, tem direta ligação com a divulgação do pensamento, ideias e obras de
Kuyper e seus contemporâneos no país. Inclusive, outras instituições, conforme
segue, podem ser caracterizadas como desdobramentos dos projetos na qual
Guilherme de Carvalho e Rodolfo Amorim estão envolvidos.
A Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares - AKET
A Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares é uma associação
científica sem fins lucrativos que se propõe a promover uma articulação entre a
transdisciplinaridade e questões acerca da vida humana em sua integralidade. Para
tanto, a AKET organiza grupos de estudo e palestras livres; presta assessoria às
escolas e organizações sociais confessionais e trabalha com a divulgação, produção
e tradução de livros e artigos em perspectiva kuyperiana. Nisto, são versados os
seguintes temas: Teologia e Teoria Social; Missão Cristã; Filosofia Reformacional e
Diálogos entre Religião e Ciência.
79
A AKET é fruto de um grupo de estudos em Belo Horizonte, na qual,
comprometidos com conhecimento científico e a cosmovisão cristã, teve, inicialmente
um núcleo de reflexão (2001-2003), e em seguida, um centro de estudos, na
Fundação Esmeralda Campelo (2004-2005). Após isto, a Associação Kuyper foi
organizada juridicamente em Maio de 2006, tendo como primeiro presidente,
Guilherme de Carvalho.
Do presidente atual da organização, Leonardo César Souza Ramos, são
encontradas as seguintes informações: Leonardo Ramos é graduado em Relações
Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, mestrado
(stricto sensu) em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro e doutorado em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. É docente do Departamento de Relações Internacionais
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e professor visitante da
Universidad Nacional de Rosario (UNR). Lidera, junto com o professor Javier Vadell,
o Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM). É membro da Associação
Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) e International Gramsci Society (IGS e
IGS Brasil). É coordenador da área temática de Economia Política Internacional -
ABRI (2015-2016; 2017-2019)24. Com isso, partindo dessas informações, é possível
identificar uma diversidade, na qual a AKET aponta para um diálogo crítico com outros
teóricos e diferentes áreas do saber. Dentre os projetos em andamento, sublinha-se
a iniciativa denominada Kuyper Hub, de uma sociedade de amigos que almeja
dialogar os saberes a partir da fé cristã, com o foco de promover engajamento na
cultura contemporânea.
A AKET tem um declarado posicionamento alinhado à perspectiva
reformacional, de articulação entre a vida cristã e acadêmica, inspirada diretamente
pela obra de Abraham Kuyper. Dela, verifica-se o empenho em trabalhar em prol da
aplicabilidade dessa tradição kuyperiana no contexto brasileiro, que tem buscado
dialogar com uma proposta de engajamento no campo universitário. Assim, desde
2005, tem incentivado debates e vem divulgando as ideias de Kuyper, envolvida nos
processos de publicação de livros como as coletâneas Cosmovisão Cristã e
Transformação e Fé Cristã e Cultura Contemporânea, conforme supramencionado.
24 Conforme informações coletadas no currículo lattes do autor, em 05 de março de 2019.
80
Além disso, pode-se identificar sua cooperação com outras instituições, como as
mencionadas em seguida.
Associação Brasileira de Cristãos na Ciência – ABC²
Antes de apresentar as propostas desta associação, deve-se mencionar o
projeto Teste da Fé Brasil, uma iniciativa conjunta do Kuyper Hub, sediado em Belo
Horizonte, e o Test of Faith UK25, um projeto internacional lançado a partir do Faraday
Institute for Science and Religion, sediado no St Edmund’s College, na Universidade
de Cambridge. Os membros do projeto foram voluntários organizados em grupos
locais e redes de divulgação espalhadas pelo Brasil. Assim, em 2013, nota-se que foi
publicado O Teste da Fé: Os cientistas também creem, organizado por Ruth
Bancewicz, publicado pela Editora Ultimato, sinalizando uma primeira tentativa desse
grupo em implementar projetos com tal abordagem.
A Associação Brasileira de Cristãos na Ciência - ABC26, é uma das iniciativas
da Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares (AKET) e possui o apoio da
Templeton World Charity Foundation (TWCF). Nota-se que a associação busca
promover a comunicação e a integração entre a comunidade cristã e o campo
científico no contexto brasileiro. Fundada juridicamente em novembro de 2016, mas
desde 2014 percebem-se ações desenvolvidas para consolidação do projeto. Sua
missão, segundo consta na página oficial é operar como uma embaixada de sentido
entre o universo da fé cristã e o universo da ciência. Para tanto, almeja dialogar com
estes dois campos, considerando a liberdade e a soberania das respectivas esferas
sociais e as finalidades intrínsecas e próprias de cada esfera, bem como trabalhando
para a produção de conhecimento a partir de uma perspectiva cristã. Dentre as áreas
de interesse, são mencionadas a teologia pública, e a divulgação científica
contextualizada ao campo da fé e do transcendente.
Das publicações realizadas, encontra-se uma série intitulada Ciência e Fé
Cristã, na qual todos os livros, lançados pela Editora Ultimato, em parceria com a
25 Cf.: Test of Faith, UK. Disponível em: http://www.testoffaith.com/ - acesso em 05 de março de
2019. 26 Cf. Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, 2015. Disponível em: http://www.cristaosnaciencia.org.br - acesso em 06 de março de 2019, às 10h40.
81
Associação Brasileira de Cristãos na Ciência, tiveram o início de lançamento a partir
de 2016, quando publicou os primeiros volumes: A Ciência de Deus – Uma Introdução
à Teologia Científica, de Alister McGrath; Verdadeiros Cientistas, Fé Verdadeira, com
Francis Collins, Alister McGrath, John Houghton, entre outros; e, Fé, Esperança e
Tecnologia – Ciência e Fé Cristã em uma Cultura Tecnológica, de Egbert
Schuurman27. No mesmo ano, em setembro e outubro a série lançou outros 3 títulos:
Deus e Darwin – Pensamento evolutivo e teologia natural, de Alister McGrath; Mentes,
Cérebros, Almas e Deus – Uma conversa sobre fé, psicologia e neurociência, de
Malcolm Jeeves; e, O Mundo Perdido de Adão e Eva – O debate sobre a origem da
humanidade e a leitura de Gênesis, de John Walton, com a participação de N. T.
Wright. Em 2017, o debate acerca das relações entre o campo científico e a
espiritualidade cristã conta com o lançamento de três volumes: Os Territórios da
Ciência e da Religião, de Peter Harrison; e, Criação ou Evolução – Precisamos
Escolher?, de Denis Alexander; e, O Ajuste Fino do Universo – Em busca de Deus na
ciência e na teologia, de Alister McGrath, em setembro. Em maio de 2018, é lançado:
Filosofia da Tecnologia — Uma Introdução, por Carl Mitcham. E, em julho de 2018, a
série publica A Penúltima Curiosidade – como a ciência navega nas questões últimas
da existência.
Em março de 2017, foi lançado o documentário Diálogo entre fé cristã e ciência
no Brasil. O vídeo é fruto das ações desenvolvidas pela associação com o objetivo de
articular estes dois campos. Nas palavras de Guilherme de Carvalho, na ocasião,
vice-presidente da ABC²:
O interesse não é criar uma ciência gospel. Não é criar uma ciência
própria de um grupo religioso. Não se trata disso. Não se trata de
engolir o campo científico, muito menos de subverter a fé para se
adaptar. Se trata de uma conversa e esta conversa reconhece os
limites, as diferenças e a soberania e autonomia de cada campo
(ABC², 2015, online).
27 Egbert Schuurman (1937-…), é um contemporâneo do pensamento de Abraham Kuyper e endossa
a presente pesquisa, a dinâmica da tradição neocalvinista ter cristãos envolvidos com outras áreas do conhecimento, como a ciência e a teologia pública. Formado em engenharia civil (Delft) e filosofia (Vrije), apresenta sua tese de doutorado: “Technology and the future: A philosophical challenge”. Lecionou enquanto professor emérito, filosofia em Delft, Eidenhoven e Wageningen. Atua como membro do parlamento holandês (RPF, ChristianUnion). Fez parte do Broad DNA Comittee, Responsible Technology Project. Fundou e dirigiu o Prof. Dr. G. A. Lindelboom Institute de ética médica e o Institute for Cultural Ethics. Recebeu um doutorado honorário na África do Sul e o Prêmio Templeton de educador.
82
Além do documentário, podem-se encontrar recursos nas áreas de ciências
exatas, ciências humanas, neurociência e teologia. Trata-se de vídeos com teólogos,
cientistas e pesquisadores das variadas áreas, compartilhando sobre experiências e
debatendo temas deste conjunto temário.
Na aba do site sobre da ABC² (2015) sobre recomendações de leitura, é possível
encontrar uma lista que configura um dado acerca do alinhamento teológico-filosófico
da associação. Além das publicações referenciadas acima, a recomendação sobre o
tema “SciFaith” indica como leituras básicas autores como: Alister McGrath; C.S.
Lewis e N.T. Wright, aspectos que mostram uma evidente articulação com a escola
de teologia britânica. Inclusive, no campo EAD (Educação à Distância), é possível
encontrar um curso promovido pela Associação Kuyper - AKET e a ABC² com o
seguinte tema: Das terras da rainha a serviço do Rei: O pensamento de C.S. Lewis,
John Stott, N.T. Wright e Alister McGrath.
Assim, são propósitos da ABC² (2015)
1-)Fé e Razão: Desenvolver e promover visões cristãs bíblicas sobre
a natureza, o escopo e as limitações da ciência, e sobre as interações
entre ciência e fé; Incentivar a investigação atenta e criteriosa de
eventuais implicações teológicas decorrentes de novos
conhecimentos revelados pelo avanço científico;
2-) Missionalidade: Encorajar cristãos engajados na atividade
científica a manter uma fé pessoal ativa e comprometida com a igreja
local e com a comunidade intelectual cristã, a aplicar sua fé no
conjunto de sua vida profissional, a responsabilizar-se pelas
implicações éticas, sociais e ambientais da ciência e da tecnologia, e
a comunicar o evangelho na comunidade científica;
3-) Contemplação: Estimular a contemplação da beleza e da glória de
Deus na Criação por meio da ciência e o cultivo da gratidão e da
oração no dia a dia da academia e do laboratório.
Sobre o item de número 4, Conhecimento Integral, que objetiva ajudar aos
cristãos que estudam ciência e lideranças eclesiásticas a integrarem sua fé e o estudo
científico, há os seguintes princípios:
Artigo 3° - A ABC² se alicerça sobre os seguintes princípios: I - o
reconhecimento da Bíblia como a Palavra de Deus, aceitando a sua
inspiração divina, confiabilidade e autoridade final em matéria de fé e
conduta; II - a crença no Deus triúno afirmado nos credos apostólico
e niceno; III - a crença que, ao criar e preservar o universo, Deus
83
conferiu a ele ordem e inteligibilidade contingentes, as quais são
basilares para a investigação científica; IV - a responsabilidade de
encorajar rigorosa pesquisa científica e tecnológica e o uso da ciência
e tecnologia para o bem da humanidade e do meio-ambiente, e para
a glória de Deus; V - o comprometimento de entender e trabalhar
dentro dos limites do nosso conhecimento, buscando minimizar os
impactos adversos da nossa ciência e tecnologia.
Parágrafo 1º - Enquanto organização, a ABC² não toma posição
quando há desacordo honesto entre cristãos em uma questão. A
Associação se compromete a prover um fórum aberto no qual
controvérsias possam ser discutidas de maneira respeitosa e
esclarecedora. Diferenças legítimas de opinião entre cristãos que
estudaram tanto a Bíblia quanto a ciência são expressas dentro da
Associação em um contexto de amor cristão e preocupação com a
verdade. Assim, os associados devem procurar falar a verdade em
amor e em firme humildade, enquanto se mantêm abertos a outras
maneiras de pensar, sem rejeitar o conhecimento do passado.
Parágrafo 2º - Enquanto organização, a ABC² subscreve o Pacto de
Lausanne como uma expressão bíblica da fé cristã e da missão da
igreja.
Convém mencionar o parágrafo 2º destes princípios da ABC², que subscreve o
Pacto de Lausanne. É sabido que diante de novas perspectivas para o movimento
missionário no mundo, destaca-se o Congresso Mundial de Evangelização (Berlim,
1966), onde aconteceu a primeira grande reunião mundial de evangélicos no século
XX e estimulou a realização de congressos regionais de evangelização em diversos
continentes. Estes congressos contribuíram para o Congresso 1º Congresso
Internacional de Evangelização Mundial, que foi realizado em Lausanne, Suíça, de 16
a 24 de julho de 1974, e demonstra o desenvolvimento de uma teologia missionária
evangélica consolidada. Com o tema “Para que o Mundo ouça a Sua voz”, o
congresso busca reafirmar a vocação e decodificar os desafios da igreja, além de
pensar acerca dos recursos para a evangelização em todo mundo (PADILLA, 2014,
p.86). O Congresso de Lausanne é considerado pelos cristãos evangélicos uma das
reuniões de extrema importância para o movimento missionário mundial. Teve a
presença de cerca de 2500 participantes e 1000 observadores de 250 países e 135
denominações protestantes (PADILLA, 2014, p.15). Teólogos como Francis Schaeffer
- que dialoga com a perspectiva kuyperiana - bem como Samuel Escobar, René
Padilla, Robinson Cavalcanti e Orlando Costas tiveram participação no congresso
84
(CALDAS, 2007, p.214). Samuel Escobar (2015, p.117), que participou do Movimento
de Lausanne, comenta:
Costas cria que publicar era uma maneira de levar a cabo um diálogo
ecumênico e global, que implicava em submeter as idéias de um ao
processo purificador da crítica e avaliação dos demais. Suas ideias
estavam se desenvolvendo dentro de um clima de confrontação,
debate e agitação. Nosso autor recordava: “mal tínhamos começado
a dar alguns passos em direção ao desenvolvimento de uma teologia
latino-americana e uma reflexão missiológica contextual que
começamos a sentir o fogo vindo da América do Norte, em particular
dos Estados Unidos. Como já era um dos que mais falava e escrevia
entre os teólogos relacionados com a Missão Latino-Americana em
San José, comecei a ser citado e mal citado... assim foi que decidi
pegar o touro pelos chifres e comecei a por em escrito algumas das
instituições missiológicas que vinha desenvolvendo”28.
O questionamento principal de Lausanne permeia a problemática de como
anunciar a Palavra de Deus num mundo repleto de injustiças e desigualdades sociais.
Com isso, as perspectivas teológicas procuraram responder a essas questões de
modo contextual, pensando inclusive acerca de uma visão integral da missão da igreja
(XAVIER, 2011, p.39). O evento também foi marcado pelos evangelicais, que
trilhavam por rumos diferentes dos fundamentalistas, e, afirmavam ter discordância
com os liberais, buscando reagir aos enfrentamentos conjunturais, além de,
simultaneamente, reafirmar a unidade cristã e a trajetória missionária da Igreja. O
movimento de Missão Integral exerceu influência no pensamento teológico latino-
americano. O documento final do congresso, conhecido como Pacto de Lausanne,
teve John Stott como relator e registrou a confessionalidade da igreja, resgatando a
eclesiologia protestante, além de apresentar um posicionamento radicalmente
contrário ao crescimento numérico e dicotômico, reafirmando à igreja da importância
entre articular a ortodoxia e a ortopraxia, num movimento de proclamação do
Evangelho, acompanhado de responsabilidade social (PADILLA, 2014, p.20).
Dessa forma, considerando o Art. 3, § 1º do Estatuto Social da Associação
Brasileira de Cristãos na Ciência supracitado, verifica-se outro apontamento: o
28 Cf.: Estatuto Social da Associação Brasileira de Cristãos na Ciência. Disponível em: http://www.cristaosnaciencia.org.br/content/uploads/ABC2_Estatuto_FINAL.pdf - acesso em 6 de março de 2019, às 14h49.
85
alinhamento da perspectiva de uma iniciativa como a ABC², que se empreende
kuyperiana com o Movimento de Lausanne.
Além disso, foram encontrados 40 grupos de estudos, distribuídos em 17
estados, na qual a ABC² objetiva gerar diálogos sobre temas que envolvem fé e
ciência, especialmente com o foco em ambientes acadêmicos e grupos de trabalho.
Dentre os grupos identificados, foi possível ter informações de um deles, conforme se
descreve a seguir, localizado em Belo Horizonte e que compartilha de sua dinâmica
para contribuir à presente pesquisa.
O Grupo de Estudos em Herman Dooyeweerd – UFMG
O Grupo de Estudos em Herman Dooyeweerd foi fundado em 2015, como uma
iniciativa da ABC² e com o objetivo de contribuir na compreensão da relação entre fé
e razão. Assim, no segundo semestre de 2017, o grupo passa a ser oficializado pela
Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (FDUFMG). É
coordenado pelo Prof. Dr. Giordano Bruno Soares Roberto, do Departamento de
Direito e Processo Civil e Comercial. Em 2018, conta com aproximadamente, 10
integrantes, ano em que foram analisadas as contribuições de Herman
Dooyeweerd na filosofia e no Direito. Neste mesmo ano, realizou dois eventos
públicos, sendo a palestra Diálogo entre Direito e Religião: desafios e perspectivas,
realizada em 24 de abril; e Religião, Política e Democracia em 03 de outubro; tanto
este como aquele, promovidos pela UFMG e a ABC². Aqui, evidencia-se a partir de
tais ações, que todo o processo de livros e grupos de estudo vem buscando diálogos
com a sociedade.
Além das obras do próprio Dooyeweerd e Kuyper, aparecem nas referências
bibliográficas para o grupo, indicações dos seguintes autores: Jonathan Chaplin, com
o livro Defining “Public Justice” in a Pluralistic Society: Probing a Key Neo-
Calvinist Insight e David T. Koyzis e Visões & Ilusões Políticas: uma análise e crítica
crista das ideologias contemporâneas, sendo ambos os autores do campo da ciência
política e referenciados na presente pesquisa como aqueles que se orientam pela
filosofia reformacional.
Sobre o Lecionário: um projeto de recursos litúrgicos
86
Esse é um projeto que se propõe a oferecer recursos para as liturgias do
discipulado, na qual se busca fomentar a formação espiritual, contribuindo com
pessoas e igrejas para a prática devocional e cúltica, partindo de recursos utilizados
pela catolicidade, tais como o próprio lecionário, o saltério, o ofício diário entre outros.
Têm diversos participantes que publicam e traduzem há pouco mais de um ano. O
programa de maior expressão desse projeto, oferece uma coleção de 12 fascículos
(sendo 4 para cada ano do ciclo trienal), que conduzem a uma leitura orante de toda
a Bíblia ao longo do ciclo de 3 anos litúrgicos. Assim, esses fascículos compõem um
Ofício Diário para cada Salmo e, evidentemente, um Lecionário29. Sendo elementos
utilizados por muitos segmentos da tradição cristã para o uso devocional pessoal, em
grupos domésticos ou em comunidades de fé, aqui se encontra um dado relevante:
do interesse de grupos que se orientam por uma perspectiva kuyperiana em temas
como a catolicidade da igreja e a liturgia - aspectos estritamente negligenciados por
grande parte da tradição evangélica no Brasil, que têm posicionamentos
preconceituosos e iconoclastas diante de tais recursos.
É inegável que a obra de James K. A. Smith (2017, 2018) apresenta um
alinhamento teológico que conflui com o trabalho do Lecionário. Smith é um filósofo
de tradição neocalvinista e leciona no Calvin College, onde também ocupa a cátedra
Gary e Henrietta Byker de Teologia e Cosmovisão Reformadas Aplicadas. Para
Smith, o culto é o lócus do imaginário humano, sendo então, capaz de delinear
nossos amores, anseios e impulsos de maneira que nosso engajamento cultural tenha
os valores do reino de Deus como referencial. É justamente por tal motivação, que a
comunidade de fé e o culto devem ser o espaço central para a formação do
discipulado:
Ser humano é habitar algum encanto narrativo no mundo. O culto
cristão alimenta nossa imaginação com uma imagem bíblica de um
mundo que, nas palavras do poeta Gerard Manley Hopkins, está
“carregado da grandeza de Deus”.
O culto que nos restaurará é aquele que nos dá uma nova história. O
culto que renova é aquele que reconta nossa identidade num nível
inconsciente. Para fazer isso, o culto cristão precisa ser governado
pela história bíblica e nos convidar a entrar, levando-nos a incorporá-
29 Cf.: https://lecionario.com - Acesso em 9 de março de 2018, às 9h54.
87
la. É essa dupla convicção que instrui a adoração cristã histórica e,
por isso, o resgate fiel dessa herança é uma dádiva para o futuro da
fé. Agora vejamos como a tradição litúrgica corporifica isso (SMITH,
2017, p. 131).
Sendo assim, verifica-se que há uma correlação entre a obra de Smith, que
busca oferecer os recursos litúrgicos bem como a corrente de formação espiritual para
o enriquecimento da tradição neocalvinista, ao passo que, o projeto do Lecionário, ao
explorar essas tradições, embora amparados inclusive na perspectiva kuyperiana,
buscam fornecer esses subsídios para reforma da tradição evangélica brasileira no
que se refere ao modo de acolher – e não recusar – a questão da liturgia por meio de
elementos como a Lectio divina e as práticas de oração, reflexão e contemplação,
exploradas pela catolicidade da igreja.
O Movimento Mosaico
Outro artefato cultural que têm influências sobre o tema da catolicidade e
unidade da igreja é o Movimento Mosaico. Num tempo onde as divergências da Igreja
eram mantidas em ambiente íntimo aos domésticos da fé, passou a ganhar grande
visibilidade com a internet e as redes sociais, tornando-se uma arena e (cyber)espaço
para a agressividade e ataques entre aqueles que têm divergências em preferências
teológicas. Como alternativa na contracorrente dessa onda que promove o
sectarismo, preconceito e intolerância cristã, é publicado o livro “Igreja Sinfônica: Um
Chamado Radical pela Unidade dos Cristãos”, e que tem como objetivo refletir acerca
de pontos que provocam rupturas na igreja. Escrito por Pedro Lucas Dulci, Carlos
Henrique de Paula, Guilherme de Carvalho, Guilherme Franco, Igor Miguel, Marcos
Almeida e Rafael Pijama, a coletânea, é uma reação de membros do Movimento
Mosaico, evangélicos de diferentes linhas doutrinárias, que buscam promover a
unidade da igreja. Para Igor Miguel (2016, p. 70):
Calvinistas podem aprender com a liturgia anglicana; batistas,
com a concepção de união mística com Cristo da tradição
calvinista; pentecostais podem vibrar com a ênfase de Lutero na
vitória expiatória de Cristo na cruz; luteranos podem manifestar
a piedade wesleyana; e anglicanos podem aprender com o
fervor pentecostal pela evangelização.
88
O problema da unidade que afeta a igreja evangélica brasileira passa então a
ser uma pauta de teólogos e artistas, na qual muitos destes como Marcos Almeida,
Igor Miguel, Guilherme de Carvalho e Pedro Dulci estão diretamente envolvidos em
projetos culturais orientados por uma perspectiva kuyperiana, sendo possível
observar que a catolicidade é um tema promovido pelos neocalvinistas.
Ademais, foi possível encontrar outra iniciativa que, enquanto fruto do
Movimento Mosaico, busca diálogos sobre a questão das artes e a cultura. O Coletivo
Tangente é formado por uma comunidade de cristãos dispostos a refletirem e
produzirem arte, “entendendo-a como um ponto tangente, um ponto de contato entre
a fé cristã e a cultura”30. O coletivo, que teve início em 2018, tem membros de Goiás,
Alagoas, Minas Gerais e São Paulo. Discute temas como música, cinema, artes
visuais e espiritualidade, partindo de referenciais teóricos dos livros de Francis
Schaeffer e Hans Rookmaaker, sendo aqui um dado de engajamento estético-cultural
de pessoas que acolhem essa tradição, comprometidos nessas esferas.
O Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral - CADI
A esta pesquisa, interessa conhecer essa obra e buscar a trajetória do próprio
CADI enquanto um produto materializado da perspectiva kuyperiana no campo da
ética social. Por este prisma, é mantida a hipótese de que um projeto ético-político
permeia tais ações.
O Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral - CADI, é uma coalizão de
organizações cristãs que atuam na ação social, no campo da proteção à infância e
adolescência às famílias. A organização existe desde 1994 e seus projetos priorizam
o atendimento às comunidades em situação de vulnerabilidade e risco social31.
30 Cf.: Coletivo Tangente. Disponível em: https://medium.com/coletivotangente/manifesto-e4ae61e8aa39 - Acesso em 9 de março de 2019, às 11h50. 31 As expressões vulnerabilidade e risco social são conceitos presentes nos documentos decorrentes da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), bem como no cotidiano dos serviços socioassistenciais. Por meio destas significações, pode-se compreender e realizar análise situacional e executar ações pela manutenção da população num lugar de risco, além de se viabilizar estratégias de empoderamento dos sujeitos na construção de potencialidades para a produção e reprodução da vida. Dessa forma, é necessário aprofundar as terminologias que estão em consonância com a Política. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf - acesso em 08 de março de 2019, às 11h56.
89
Trata-se de uma organização que partilha de uma cosmovisão cristã, na qual a
missão, valores e a metodologia de intervenção social realizada são orientadas pela
confessionalidade. Conforme consta na página oficial da organização32:
[...] entendemos que o desenvolvimento social é parte dos plenos
desígnios de Deus em sua ação redentora. O pobre é a razão de ser
da nossa Organização. Nosso discurso, posicionamento e ações
honram o pobre em suas lutas, anseios e em sua dignidade intrínseca
(CADI, 2015).
O CADI Brasil possui uma executiva nacional que realiza treinamento para
empreendedores sociais, fornece assessorias e formação para organizações
interessadas em implementar e executar projetos. Possui 10 unidades de intervenção
social, distribuídas em 8 estados brasileiros: Bahia, Ceará, Paraná, Pernambuco, Rio
de Janeiro, Santa Catarina e Rondônia. Em 2017, o CADI iniciou um processo de
internacionalização, expandindo as ações para as fronteiras da Ásia e da África.
Sobre a relação de Deus para com os pobres, Cunha (2003, p. 36) afirma:
Jesus destacou o fato de que o evangelho estava sendo proclamado
entre os pobres como uma das provas de que ele era o Cristo de Deus
(Lc. 7.18-22). Jesus estava se referindo à declaração do verdadeiro
jubileu de Deus, o “dia do Senhor”, que teve um lugar central em sua
unção (Lc 4.18). No Antigo Testamento o jubileu incluía a libertação
dos escravos e a devolução das terras aos pobres. A proclamação do
evangelho do reino de Deus é o cumprimento desse antigo ritual. Essa
proclamação consiste não apenas em palavras, mas, em ações de
verdadeira libertação dos pobres em todas as áreas da vida.
A tendência da igreja de limitar esta libertação a palavras e à salvação
das almas não tem apoio na Palavra de Deus. Não podemos cair na
armadilha da pregação de um evangelho sem poder para
transformação comunitária somente por medo de sermos rotulados
como associados a filosofias ou movimentos que têm falado de alguns
desses conceitos, porém desprezando a pessoa de Jesus Cristo. A
proclamação da redenção de todas as coisas não é opcional.
Assim, encontra-se a compreensão de que o coração de Deus ama os pobres.
Valendo-se de uma teologia bíblica, Cunha desafia os cristãos ao ato de amar e servir
aos pobres, não somente, mas trabalhar por uma transformação de suas vidas em
32 Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral. Disponível em: http://cadi.org.br/quem-somos/ - acesso em 08 de março de 2019, às 11h46.
90
todas as áreas. Aqui, uma evidência de sua influência estritamente kuyperiana
(CUNHA, 2003, p. 47). É possível ainda endossar tal afirmação, quando diz:
O cristianismo como sistema total de vida e pensamento é o
fundamento da responsabilidade social da igreja. A fé cristã é uma
visão de mundo, e as Escrituras oferecem os elementos fundamentais
e fundantes para o discipulado das nações, tendo um escopo integral,
não dualista, a partir da revelação de Deus. Nesse sentido, a fé muito
mais do que uma experiência religiosa, subjetiva, individual e mística
(embora inclua tudo isso). É uma visão de mundo (CUNHA, 2018, p.
30).
Acerca da compreensão da Missio Dei e da integralidade que afeta a vida
vocacional e profissional, Cunha vale-se do conceito de “esferas de soberania”,
composto da perspectiva kuyperiana-dooyeweerdiana, pensando o senhorio de Cristo
sobre as diferentes dimensões da vida humana, conceito este que fornece uma leitura
da realidade constituída de uma motivação ontológica diante das ações de
“indivíduos, instituições e relações sociais, configurando então a cosmonomia”
(CARVALHO, 2006, p. 204). Logo:
a. esfera pística: a esfera da fé (do grego, pisthos, fé). Ela existe para
nutrir a fé. Nesta esfera está a igreja local, os seminários teológicos,
as agências missionárias para a propagação da fé;
b. Esfera ética: a esfera do casamento e da família, governada pelo
amor;
c. Esfera estética: a esfera da arte, governada pela beleza. Existe
para a expressão do Belo (o criador);
d. Esfera jurídica: a esfera do Estado, governada pela lei da justiça.
Aqui também estão todos os movimentos de pressão e os partidos;
e. Esfera lógica: a esfera do conhecimento, onde está a produção do
conhecimento científico e as universidades;
f. Esfera econômica - esta é a esfera do mercado, o domínio social
das empresas, da produção de riqueza para o bem comum (CUNHA,
2018, 38).
Ao considerar o aspecto da Missio Dei cumulado à perspectiva kuyperiana,
Cunha apresenta o reino de Deus como referencial da mensagem cristã e,
simultaneamente, uma práxis que tem como objeto de sua análise situacional, a
questão social que afeta os pobres. Pode ainda localizar essa intencionalidade,
quando o autor trata da relação entre a igreja e a política, onde busca ações que
sinalizem o reino de Deus na esfera pública, diz:
91
Para o propósito de redenção de todas as coisas em Jesus, todas as
esferas estão sendo reconciliadas nele mesmo. Assim, a atuação
política na perspectiva cristã, admite essa atividade como ação em
determinada esfera da criação de Deus, que, por sua vez, tem
levantado homens e mulheres para cooperarem com ele na redenção
dessa dimensão da vida.
O trabalho de incidência política da igreja acontece a partir do que
chamamos de “recuperação da sua dimensão profética”. Entendemos
aqui o profético como a denúncia de injustiças, o inconformismo com
tudo o que fere o caráter e os plenos desígnios de Deus numa dada
sociedade. A recuperação dessa dimensão profética da igreja no
exercício de sua missão está relacionada com a busca da justiça,
entendida aqui como a participação de Deus na vida humana
(CUNHA, 2018, p. 92).
Verifica-se um movimento empenhado em apresentar uma expressão calvinista
da espiritualidade cristã que, para além de uma teologia, busca uma filosofia e um
sistema de profundo e amplo envolvimento com todas as dimensões da vida humana.
Tal como Kuyper, que buscou autenticar o pensamento de Calvino à sua época, nota-
se por meio das ações do CADI e também das reflexões e produções teológicas. Vale
retomar, como já mencionado no primeiro capítulo deste estudo, a responsabilidade
dos diáconos, de acordo com as Ordenanças eclesiásticas de 1541, na qual Calvino
buscou implantar os quatro ofícios de pastores, doutores, presbíteros e diáconos,
correspondentes às áreas de doutrina, educação, disciplina e ação social. Logo, as
lideranças eclesiásticas tinham a atribuição de servir aos pobres. Para ele, nas
funções diaconais, as ações compassivas e ministérios de misericórdia, que referiam-
se aos cuidados às pessoas em situação de vulnerabilidade e risco eram tarefas
atribuídas aos homens e mulheres (com base nos textos bíblicos de Atos 6.1-6; I Tm
3,8-13; 5,9-10; Ro 12.8; 16.1-2). Sendo assim, havia uma administração dos recursos
econômicos com o objetivo de prestar apoio aos pobres, doentes e aos imigrantes e
refugiados, garantindo um sistema público de segurança e serviços sociais e de
saúde (BIÉLER, 2002, p. 210). O diaconato de Genebra permitiu a criação de um
sistema que visava atender às pessoas em situação de rua e garantir o bem-estar
àquela cidade. A instituição que dá concretude a esse projeto foi o Hospital de
Genebra, liderada pelos diáconos, que forneceu acolhimento, abrigo, alimentação,
assistência médica, formação profissional e outros serviços para os cidadãos e
imigrantes pobres (ORTIZ, 2007, p. 5).
92
Dulci sinaliza que:
Por tudo isso, não é sem motivo a pergunta do secretário para Diálogo
e Engajamento Social da CIEE, Vinoth Ramachandra: “foi Calvino o
primeiro teólogo da Libertação? Ele tem boa chance de ser
considerado como tal. Ele lutou persistentemente no Conselho da
cidade de Genebra pelos direitos dos refugiados pobres, persuadindo-
os a fornecer adequada proteção social para eles. Ele mesmo
experimentou muitas vezes o exílio, e forte privação e outras
indignidades, que deve tê-lo feito particularmente sensível à difícil
situação de refugiados e oprimidos (RAMACHANDRA, 2014, s/p apud
DULCI, 2014, p. 124).
Portanto, desde Genebra, a transformação social é uma marca cabal e um
elemento fundante da teologia calvinista. Nisto, a correlação entre doutrina,
educação, disciplina e o serviço por meio da ação social são ênfases presentes no
período da Reforma, com Kuyper na Holanda do final do século XIX e começo do XX,
e no grupo que busca diálogos com tais autores na conjuntura brasileira do século
XXI. De semelhante modo, na transmissão de conhecimento das doutrinas bíblicas,
há um comprometimento ético-político em sinalizar valores do reino de Deus na
sociedade.
Considerações intermediárias
Dentre as modalidades de instituições vigentes que configuram um alinhamento
com o pensamento kuyperiano no contexto brasileiro, que produzem e reproduzem
essa perspectiva, é possível afirmar a partir da experiência apresentada por cada
linha de ação, que a chegada das ideias e ideais de Abraham Kuyper vem sendo
progressivamente discutidas por esses grupos que buscam visibiliza-las, conforme o
andamento das propostas engendradas nos projetos supracitados.
Alguns pressupostos estão implícitos na teologia\filosofia da história destas
instituições e o pensamento kuyperiano. De L’Abri Brasil, pode-se identificar que os
trabalhos vinculados à espiritualidade, buscam articular a fé cristã com todos os
aspectos da vida humana. Logo, não é exacerbado afirmar que a recepção do
pensamento de Abraham Kuyper no Brasil tem, até o presente momento, a
participação direta de agentes vinculados a essa organização, mas que participam do
desenvolvimento e mantém conexão com as demais.
93
Na mesma dinâmica, a Associação Kuyper para Estudos Transdisciplinares, que
promove a interdisciplinaridade sob a ótica neocalvinista corrobora para a
constatação detectada. A diretoria da associação é composta por agentes que
permeiam as múltiplas instituições aqui mencionadas. Assim, a AKET tem sido um
polo gerador acadêmico-científico, que coordena e articula o projeto de formação
kuyperiano e envolve temas como a filosofia, a produção científica e o diálogo entre
religião e ciência.
Tal afirmação conflui com a instaurada Associação Brasileira de Cristãos na
Ciência, que se mostra na condição de uma executiva nacional para desenvolver as
proposições kuyperianas na esfera científica. Sua diretoria está acoplada com as
lideranças mencionadas anteriormente, mas demonstra um crescimento e
heterogeneidade, composta por teólogos, cientistas, médicos, psicólogos e
economistas. Observa-se que, com os cursos e projetos em seguimento, a ABC²
desenvolve conhecimentos no campo da educação, ciência e universidade. De tais
iniciativas, esta pesquisa acessou o Grupo de Estudos em Herman Dooyeweerd, que,
realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de
Minas Gerais sinaliza um dado autêntico do objetivo propositado por tais instituições,
que almejam ampliar a perspectiva kuyperiana nestas esferas.
Cabe ainda reportar iniciativas no campo eclesiástico, como a do Movimento
Mosaico, que, fomentada por princípios neocalvinistas, retoma o diálogo da unidade
da igreja, composta por cristãos de igrejas históricas como presbiterianos, anglicanos
e batistas e pentecostais. Nota-se aqui a intencionalidade de dialogar com as
diferentes alas da fé cristã.
Do aspecto litúrgico, observa-se no projeto Lecionário, uma precisa analogia
entre a obra de Smith, contemporâneo neocalvinista, que busca debater a importância
dos recursos litúrgicos aos que são de tradição kuyperiana, enquanto,
semelhantemente, o projeto do Lecionário, amparado por esta mesma perspectiva,
almeja partilhar desses subsídios para contribuir na dinâmica evangélica brasileira.
Sabe-se que o fenômeno da iconoclastia recusa não somente a arte cristã, mas
também outros recursos e práticas de oração, reflexão e contemplação, que foram
amplamente utilizados por grupos do cristianismo histórico.
Por fim, o Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral - CADI materializa
a perspectiva do pensamento social kuyperiano na dinâmica brasileira. Uma evidência
94
de que a filosofia reformacional tem se mobilizado entre as diferentes esferas e tem
buscado engajamento com a vida pública e os enfrentamentos de maneira contextual.
É declarada a expressão de seus projetos sociais por um viés neocalvinista. E com
isso, constata-se não somente o projeto ético-político, mas a sua concretude, alinhada
com a proposta de Abraham Kuyper, uma espiritualidade comprometida com a
dimensão social.
Assim sendo, os estudos sobre o projeto ético-político de Abraham Kuyper
apontam a sua complexidade, posto a ambiguidade que nela se estabelece - entre a
chegada de uma teologia europeia da Holanda do século XIX e a recepção desse
pensamento na conjuntura do Brasil no século XXI. Todavia, há uma expectativa
destes autores, que em seu âmbito se desenvolva uma práxis cristã orientada pela
filosofia reformacional. Para Cunha:
Num país como o Brasil, onde ainda encontramos um enorme abismo
social e uma das maiores desigualdades do mundo, mas que ao
mesmo tempo impõe uma das mais altas cargas tributárias, torna-se
vital para igrejas e organizações cristãs que de fato almejam uma
influência no campo da reforma social, o exercício da participação
cidadã e da relação crítica com a cultura, governos e sociedade. No
campo do terceiro setor, há muito deveríamos ter saído do mero
modelo assistencialista de “entrega de serviços” para a população
socialmente vulnerável e migrar para o modelo da defesa de direitos,
empoderando a sociedade, especialmente os excluídos, rumo a uma
participação cidadã efetiva que toque nas estruturas de perpetuação
das misérias e injustiças que ainda assolam o nosso país. A base do
sistema democrático está na participação popular e controle social
[...]. Desse modo, a participação cidadã deveria partir de um
compromisso do povo de Deus com o reinado de Cristo, com a justiça
e com próximo, e não apenas da defesa dos interesses da própria
igreja (CUNHA, 2018, p. 82).
Quando isso ocorre, as possibilidades de desenvolvimento da influência do
neocalvinismo, que têm raízes e frutos históricos – como apresentado no capítulo 2 –
em segmentos que estão nas esferas social, cultural e política na realidade da
Holanda, mas também Inglaterra, Estados Unidos, Coreia do Sul e África do Sul,
sinalizam então, aspectos de engajamento sociopolítico proferido por esses grupos
(CARVALHO, 2006, p. 215; DULCI, 2018, p. 161).
Nisto fundamentado, pode-se identificar que os processos de tradução também
de autores contemporâneos como James K. A. Smith, David Koyzis, Egbert
95
Schuurman, e, conforme informado pelo Grupo de Estudos em Herman Dooyeweerd
da UFMG, que discutem textos de autores como Jonathan Chaplin e Richard Mouw,
bem como as próprias publicações nacionais que fazem referências ainda a outros
agentes e escritores dessa mesma tradição, como Nicholas Wolterstorff e Alvin
Plantinga, pode-se detectar tanto no processo editorial quanto nas ações executadas
por essas instituições divulgadoras, um projeto deliberado de acolher a perspectiva
kuyperiana no Brasil. E o motivo que evidencia e responde a isso é o crescimento
progressivo de projetos em andamento, conforme se constatou neste capítulo.
98
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora o mundo todo seja um sacramento, podemos dizer que os sacramentos e a liturgia constituem áreas cruciais específicas em
que a presença formativa e iluminadora de Deus é particularmente intensa. Embora o Espírito habite toda a criação, há também um
sentido em que a presença do Espírito é intensificada em determinados lugares, coisas e ações.
James K. A. Smith
O objeto deste estudo é o projeto ético-político concebido como processo
sociocultural da teologia de Abraham Kuyper com a trajetória do neocalvinismo
holandês, que contém possibilidade de ampliar o debate intracalvinista acerca do
engajamento de cristãos evangélicos pela justiça social de indivíduos, famílias,
grupos e segmentos populacionais na conjuntura brasileira. E, sob essa concepção
teológica, é possível adquirir a condição de uma corrente programática e propositiva,
nesta pesquisa, examinada no âmbito da perspectiva kuyperiana e o movimento de
recepção de seu pensamento no Brasil.
O capítulo primeiro, que expõe a maneira de Kuyper relacionar as dimensões de
uma fé pública, parte de uma fundamentação bíblico-teológica e contempla uma ação
orientada, na qual, ao longo da análise, conforme elucidado, é o pensamento de João
Calvino que preconiza a fundamentação da perspectiva kuyperiana, que desencadeia
a tradição neocalvinista e realça ênfases teológicas de diálogo com arena pública, da
participação cristã na educação, cultura, ciências e artes.
Do conjunto temário que permeia a teologia neocalvinista e possibilita um
alinhamento para uma práxis diante dos enfrentamentos da modernidade, ênfase
potencial precisa ser dada às doutrinas do mandato cultural e da graça comum, que
fornecem uma maneira de se relacionar com a vida e o mundo, levando os benefícios
da beleza, justiça e bondade à toda humanidade. O Coram Deo que viveu Abraham
Kuyper e seus companheiros promoveu a partir do neocalvinismo, subsídios para os
enfrentamentos que viviam os cristãos em sua época.
Com efeito, para Kuyper, as igrejas que resguardam os decretos divinos têm
contribuído para a shalom. Sendo um teólogo que valoriza a totalidade da criação, de
tal forma que todas as coisas vieram à existência e continuam a existir por meio do
99
Logos, que, portanto, se faz presente nos processos que envolvem o culto, o cultivo
e a cultura, frutificados no relacionamento em que se ama a Deus e o próximo.
Ao considerar a perspectiva kuyperiana, que vincula a participação da igreja e
dos cristãos numa intencionalidade em integrar vida vocacional, profissional e
diaconal entre as diferentes esferas de soberania, observa-se a ênfase de uma
atenção dedicada à pessoa pobre, onde é produzida uma crítica contra a opressão e
as estruturas econômicas injustas. Disto, Abraham Kuyper tem uma biografia e obras
que desafiam a promover uma articulação entre o que se entende por chamado,
vocação e vida missional na tradição evangélica. Para tanto, interpretou e incorporou
que a participação do cristão na sociedade civil é um dever concedido por Deus, como
mais uma, entre outras maneiras de se prestar culto e expressar louvor por meio
destas ações. Ressalte-se os aspectos que valorizam profundamente o envolvimento
do cristão com a cultura, do compromisso com a ciência, a universidade e as práticas
democráticas. Ademais, Kuyper defendeu veementemente um espaço pluralista,
assegurando que as múltiplas vozes devam ser ouvidas. Por tal motivação, que
recorre à narrativa bíblica da criação e explora a diversidade que nela existe. Para
ele, a multiforme graça é absurdamente antagônica à uniformidade.
Daqui, mais do que a resposta de captar se o neocalvinismo possui um discurso
para a sociedade, o capítulo segundo deste estudo proporciona apreender que o
resultado deste projeto ético-político kuyperiano constitui-se enquanto uma teologia
pública. Inegavelmente, uma teologia pública que começa a conquistar seu espaço e
trafegar entre as ciências e a universidade, que se propõe a tratar de temas como a
democracia e o pluralismo.
Assim, a inserção analítica que conduz ao terceiro capítulo deste estudo,
destaca aquilo que diz respeito ao uso da perspectiva kuyperiana, que, no processo
de chegada ao Brasil é recepcionada por segmentos de tradição reformada, mas que
concentram elementos da filosofia reformacional, formulada por Herman
Dooyeweerd, seu contemporâneo e considerado o principal articulador da obra de
Kuyper. Oportuno reconhecer que, apesar dos destaques em aspectos teológicos
possuírem ênfases e até diferentes ângulos interpretativos, o fenômeno do novo
calvinismo é, não raro, a porta de entrada para a perspectiva kuyperiana e a acolhida
ou transição ao neocalvinismo. Embora não sejam excludentes, há um indicativo que
a influência do neocalvinismo sobre o novo calvinismo pode exercer uma intervenção
100
– a princípio no debate intracalvinista – que colabora para a elaboração de estratégias
aos diversos seminários e faculdades, que por sua vez, concentram os olhares
somente para os temas da igreja que se referem “da porta pra dentro”.
Acerca do capítulo terceiro e das possíveis contribuições do kuyperianismo para
uma práxis cristã no Brasil, foram encontrados pressupostos que estão implicitamente
relacionados na história destas instituições. O L’Abri Brasil representa um espaço que
protagoniza o processo de recepção do pensamento kuyperiano, na qual os agentes
de sua liderança participam ativamente do desenvolvimento dessas ideias e mantém
conexão com as demais organizações. Semelhantemente, a Associação Kuyper para
Estudos Transdisciplinares, que fomenta a interdisciplinaridade tem em seu diretório
pessoas comprometidas com as demais instituições analisadas. Da AKET, são
fornecidos direcionamentos ao campo acadêmico-científico, que dedica-se a temas
como a produção científica, publicações e traduções. Outro ponto de convergência é
constatado na Associação Brasileira de Cristãos na Ciência. Sua diretoria é composta
por pessoas envolvidas nas lideranças de outras organizações mencionadas, ao
passo que demonstra um crescimento heterogêneo, da qual participam não somente
teólogos, como também cientistas das variadas áreas, economistas e médicos.
O Movimento Mosaico expressa um empenho pela unidade da Igreja e um
diálogo com a catolicidade. Tem em sua liderança a participação de pastores e
autores declaradamente orientados pelo neocalvinismo, como Guilherme de
Carvalho, Igor Miguel e Pedro Dulci. Em sendo um movimento que debate questões
de como a igreja pode atuar na sociedade, de modo que possa participar de espaços
públicos comuns, nota-se outro elemento que promove essa iniciativa a uma teologia
pública kuyperiana.
A pauta neocalvinista da “liturgia da vida”, que traz, na importância da relação
sacramental com a criação, uma ação responsável, promove à liturgia cristã uma
correlação entre atos de proclamação e adoração. Por isso, a leitura da Bíblia e a
pregação são sincronizadas em seu aspecto litúrgico-sacramental e oferecidas aos
evangélicos brasileiros em projetos como o Lecionário.
O Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral pactua do pensamento
social kuyperiano e marca a evidência de que a filosofia reformacional tem
transpassado o campo da reflexão e vem executando projetos de maneira contextual.
É de extrema importância intensificar iniciativas como a do CADI, que se compromete
101
com a justiça de pessoas em situação de vulnerabilidade social e risco. Igualmente,
há profunda necessidade de incorporar aos cristãos evangelicais a urgência de se
agir para o bem comum. E a contribuição de Abraham Kuyper mostra que isso é
possível sem perder o que se tem por referenciais teológicos.
Dentre as modalidades de instituições vigentes produtoras e reprodutoras do
pensamento kuyperiano nas circunstâncias e esferas brasileiras, na qual – mediante
as múltiplas experiências, estudos e linhas de ação apresentadas – que vem sendo
progressivamente discutidas por esses grupos, é posto o desafio estabelecido: de
elaborar uma teologia europeia da Holanda do século XIX e tratar da receptibilidade
desse pensamento na conjuntura no Brasil do século XXI. Todavia, há uma
expectativa destes autores de que em seu âmbito se desenvolva uma práxis cristã
orientada pela filosofia reformacional. Percebe-se a viabilidade desta proposta
brasileira a partir dos projetos em vigor supramencionados.
Isso posto, considera-se a contribuição de Abraham Kuyper para o cenário do
evangelicalismo brasileiro – que, historicamente, norteado pelo ethos fundamentalista
– tem um posicionamento, por variadas razões, de recusa e distanciamento diante de
questões sociais, culturais e políticas. Também cabe, de semelhante modo, a crítica
às alas da própria tradição calvinista, que carecem do mesmo apontamento, em que
pese a exemplaridade de Kuyper, que, ancorada na proposta de Calvino, possibilita
uma atuação da igreja evangélica para além de questões limitadas por vezes, a tratar
e dedicar esforços somente a indagações soteriológicas. O projeto ético-político do
kuyperianismo tem materialidade histórica e é um autêntico dado antropológico de
teologia e prática conectadas.
102
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WOLTERSTORFF, Nicholas. Until justice and peace embrace: the kuyper lectures for
1981 delivered at the free university of amsterdam. Grand Rapids: W. B. Eerdmans,
1983.
XAVIER, Paulo da Costa; SOUSA, Rodrigo Franklin de. Ética protestante e relações
de trabalho: contribuições do calvinismo para a gestão de pessoas. 2012. 141 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) - Universidade Presbiteriana
Mackenzie, São Paulo, 2012.
113
ANEXOS
1. CANÇÃO “ROOKMAAKER”
Eu leio Rookmaaker, você Jean-Paul Sartre
A cidade foi tomada pelos homens
Na cidade dos homens tem gente que consegue ler
Mas os outros estão néscios pra Ti
Eu canto Keith Green, você canta o quê?
A cidade está cheia de sons
Na cidade dos homens tem gente que consegue ouvir
Mas os outros estão surdos pra Ti
Vem, jogando tudo pra fora
A verdade apressa minha hora
Vem, revela a vida que é nova
Abre os meus olhos agora
Vem, jogando tudo pra fora
A verdade apressa minha hora
Vem, revela a vida que é nova
Abre os meus olhos agora
Eu fico com a escola de Rembrandt
Você no dadaísmo de Berlim
A cidade está cheia de tinta
Na cidade dos homens tem gente que consegue ver
Mas os outros estão cegos pra Ti
Eu monto o paradoxo no palco
Você anda zombando da Cruz
A cidade está cheia de atores
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Na cidade dos homens tem gente que consegue dizer
Mas os outros estão mudos pra Ti
Vem, jogando tudo pra fora
A verdade apressa minha hora
Vem, revela a vida que é nova
Abre os meus olhos agora
Vem, jogando tudo pra fora
A verdade apressa minha hora
Vem, revela a vida que é nova
Abre os meus olhos agora
Toda vez que procuro pra mim algo pra ler
Ouvir, olhar e dizer
Senhor sabe o que eu quero
Não me furto a certeza: és a Vida que eu quero
Vem, jogando tudo pra fora
A verdade apressa minha hora
Vem, revela a vida que é nova
Abre os meus olhos agora
(Palavratinga – Rookmaaker)