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Webdocumentrio L do Leste como ferramenta etnogrfica virtual
para o fomento sociocultural urbano na Cidade Tiradentes1
Guilherme Lima2
Centro de Estudos Latino-Americano Para Comunicao e Cultura CELACC-ECA/USP3
RESUMO
O presente trabalho prope analisar o webdocumentrio sob a tica antropolgica no
momento em que este apresenta caractersticas etnogrficas numa plataforma virtual e, a
partir da experincia com o Webdoc L do Leste: uma etnografia audiovisual compartilhada;
considerar a possibilidade de subverter a ideia de dominao e controle apresentado pela
Internet. Pretende-se ainda, discorrer sobre a contribuio do webdocumentrio para o
fortalecimento da cidadania cultural e do espao pblico para a produo colaborativa,
revelar e potencializar os saberes e as poticas culturais do bairro pela viso dos prprios
agentes locais a fim de ampliar suas prticas como movimento sociocultural urbano.
Palavras-Chave: Antropologia, Cultura Urbana, Documentrio, Webdocumentrio,
Etnografia Virtual
ABSTRACT
This study aims to analyze the webdocumentary under the anthropological perspective at the
moment this presents ethnographic features in a virtual platform and, from experience with the
webdoc L do Leste: uma etnografia audiovisual compartilhada; consider the idea of subversion
dominance and control presented by the Internet. We intend to further discuss the contribution of
webdocumentary to strengthen cultural citizenship and public space for collaborative production,
reveal and enhance the knowledge and cultural poetic vision of the neighborhood by local actors
in order to expand their practices as urban, social and cultural movement.
Keywords: Anthropology, Urban Culture, Documentary, Webdocumentary, Virtual
Ethnography
1 Trabalho apresentado no GT3, Simpsio Internacional Comunicao e Cultura: Aproximaes com Memria e Histria
Oral, realizado na Universidade Municipal de So Caetano do Sul, So Caetano do Sul So Paulo, de 27 a 30 de abril de 2015.
2 Jorge Guilherme Pereira de Lima, Ps-graduando em Mdia, Informao e Cultura - CELACC/ECA-USP - 2014, bacharel
em Comunicao Social - Jornalismo pela Universidade Anhembi Morumbi. Atua como videomaker e documentarista por
paixo.
3 O presente artigo resultado do trabalho de concluso do curso de ps-graduao Latu Sensu em Mdia Informao e
Cultura sob orientao do Professor Mestre Renato Rovai do Centro de Estudos Latino-Americano Para Comunicao e
Cultura da Universidade de So Paulo CELACC-ECA/USP
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Introduo
O avano no mercado das tecnologias do audiovisual, aliados ao barateamento
e acesso a novas tcnicas de captao, edio e finalizao em inmeras plataformas,
aumentou a produo e a qualidade videogrfica. A disponibilidade de um contedo infinito
de dados no espao virtual, ainda democrtico, atravs da rede mundial de computadores,
modificou toda forma linear de comunicao e a lgica da rede ampliou o nosso senso crtico
diante dos modelos hermticos que a sociedade e a mdia hegemnica tentam impor e nos
tornou muito mais conectados.
Em torno deste contexto virtual surge o webdocumentrio, que permite utilizar
no mesmo espao-tempo diversos tipos de linguagens aumentando as perspectivas de
continuidade para alm deste espao virtual. Tanto na sua capacidade de contar uma mesma
histria com diversas possibilidades narrativas, quanto utilizao de inmeros parmetros de
contedo de uma forma mais fragmentada e interativa. Neste sentido, o presente trabalho
prope analisar o webdocumentrio sob a tica antropolgica a partir do momento em que
este, mesmo numa plataforma virtual, apresenta caractersticas etnogrficas.
A pesquisa usa como exemplo o Webdocumentrio "L do Leste: uma
etnografia audiovisual compartilhada", que tem como proposta tornar conhecidos e
valorizados as prticas culturais e artsticas da regio de Cidade Tiradentes e, a comunicao
entre produtores locais e moradores. E procura compreender ainda, como a arte e a cultura
podem ser afetadas na contemporaneidade pelas relaes que ocorrem atravs do espao
virtual da internet onde diversos nveis sociais se encontram de forma democrtica.
foroso pensar numa interatividade livre de uma homogeneizao cultural de
forma que o webdocumentrio possa contribuir para uma reflexo etnogrfica da realidade
social contempornea e romper com a noo de espacialidade. Em uma reflexo sobre a cultura
da mdia Kellner (KELLNER, 2001, p. 82) afirma que ela "tambm fornece o material com que
muitas pessoas constroem seu senso de classe, de etnia e raa, de nacionalidade, de sexualidade
de "ns" e "eles". Ajuda a modelar a viso prevalecente de mundo e os valores mais profundos:
define o que considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral".
Diante de tal perspectiva o trabalho prope revelar como o Webdocumentrio
"L do Leste", pode contribuir para defesa dos espaos pblicos do distrito, valorizando a
cidadania cultural local em benefcio dos prprios moradores, demais pesquisadores e
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estudantes. E, a partir desta perspectiva de interao, contribuir para a produo colaborativa
tanto no espao virtual quanto fora dele.
O Documentrio Etnogrfico
O cinema j nasce documentrio quando em 1895, final do sculo XIX, os
irmos Lumire projetam as primeiras imagens em movimento com a sada dos trabalhadores
de uma fbrica no filme "La Sortie ds Usines Lumire", com a refeio de crianas em
"Goter de Bb" e a chegada de um trem numa estao em "L'arrive d'un Train La
Ciotat" e neles se revelavam os costumes e valores da poca. Em sua grande maioria, os
filmes reproduziam o cotidiano do que acontecia nas ruas, registros de atividades naturais do
dia-a-dia. J o filme de fico s viria a surgir em 1903 com o ilusionista George Melis.
Os aspectos apresentados naqueles primeiros filmes representavam uma
determinada viso do mundo por sua semelhana com uma realidade familiar queles que
estavam presentes na primeira sesso. De acordo com Bill Nichols (2005, p. 47) o documentrio
"representa uma determinada viso do mundo, uma viso com a qual talvez nunca tenhamos nos
deparado antes, mesmo que os aspectos do mundo nela representados nos sejam familiares".
O surgimento do cinema no Brasil se d no ano seguinte quela apresentao
dos irmos Lumire com um predomnio total do registro documental nos seus primeiros 20
anos. J nos anos de 1960 com a chegada de cmeras mais leves e portteis e a facilidade da
gravao de som direto os realizadores conseguiram se aproximar ainda mais do cotidiano
real das pessoas. No geral, a produo do documentrio no Pas desde os seus primrdios at os
dias atuais tem seu direcionamento voltado muito mais para as questes sociais.
Etnografia pode ser definida como um mtodo utilizado pelos antroplogos para
descrever de forma participativa determinada cultura, ou seja, vivenciando os hbitos, os
conhecimentos, as crenas, estabelecer relaes com estas culturas e levantar suas genealogias,
mapear campos, manter um dirio, e, assim por diante. Os primeiros filmes no final do sculo
XIX, como registrado pelos Irmos Lumire, j se percebe essa busca, esse registro dos
aspectos culturais da sociedade. Para a antroploga e pesquisadora Rose Hikiji (HIKIJI, 2012
p. 31) o cinema e a antropologia nascem quase simultaneamente. As imagens projetadas na
grande tela fascinam os antroplogos e estes decidem fazer da pelcula etnografia.
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Em 1898 so realizados os primeiros filmes etnogrficos. O documentrio assume
desta forma uma funo social, um produto de um fato social, bem como, objeto de estudo com o
compromisso de representao criativa das experincias reais.
Fazer etnografia como tentar ler (no sentido de "construir uma leitura
de") um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerncias,
emendas suspeitas e comentrios tendenciosos, escrito no com os sinais
convencionais do som, mas com exemplos transitrios de comportamento
modelado. (GEERTZ, 2008: p. 7).
Contudo, ao compreender a antropologia social compreende-se a etnografia, o
documentrio etnogrfico, embora carregado de uma esttica prpria, tem seu foco principal no
registro natural de determinados grupos sociais em seu sentido mais amplo que inclui, entre tantas
outras coisas, suas crenas, arte, moral, lei, costume e todas as capacidades e hbitos adquiridos
pelo homem enquanto membro de uma sociedade". (THOMPSON, 2009, p. 171).
Como se percebe, as novas tecnologias sempre beneficiaram a produo do
documentrio no Pas, principalmente de filmes independentes. Com novas tcnicas, novas
linguagens, narrativas e estratgias para documentar a representao do real. A capacidade do
documentrio de se organizar e requisitar a participao tambm do espectador quando
questionados ou provocados ultrapassou os limites das projees e limitaes das salas de cinema.
Ele extrapolou o tempo/espao atravs da Internet para alcanar maior interatividade
proporcionada pela Web 2.0.
Webdocumentrio como narrativa etnogrfica
Com o avano da tecnologia digital e com a chegada da Web 2.0, a rede
ampliou seu alcance atravs de um ambiente interativo de informao, pedagogia e cultura. A
transmisso de contedos online extrapolou o espao fsico restrito as mdias verticais offline
e se adaptou s novas formas de narrativa. A rede nos permitiu atuar, em certa escala, sem a
necessidade de instituies externas, mas como "instituies individuais" e, nesse sentido,
muito mais livres e com mais opes. (UGARTE, 2008, p. 29). O que pode tornar possvel a
ampliao e o alcance do documentrio etnogrfico na contemporaneidade ao se apresentar no
espao virtual a partir da interao entre as dimenses online e offline.
Por ser a internet uma mdia em constante ascenso ela pode evidenciar o seu
papel relevante contribuindo para uma sociedade de saber partilhado e possibilitar a produo
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democrtica cultural extremamente variada. Pode tambm disponibilizar uma vasta gama de
conhecimentos e, assim, contribuir para o avano da sociedade. Cabe, portanto, compreender
como essa prtica se constitui na atual modernidade. Para isso, vamos entender o que
webdocumentrio e como ele se apresenta etnograficamente enquanto possibilidade de
reapropriao e reorientao da mdia, pelo menos na teoria, enquanto "intelectual coletivo".
O Webdocumentrio, como resultado da evoluo das linhas informacionais,
uma produo audiovisual criado para ser hospedado e veiculado na internet. O termo foi
empregado pela primeira vez no sc. XX no festival de cinema francs "Cinma Du Rel
Festival" para referir-se ao formato documental concebido para a plataforma web. Este evento
torna a Frana a precursora no assunto e contou com apoio de diversos canais televisivos e
produtoras para divulgar seu produto. Destacam-se ainda as produes realizadas no Canad,
Inglaterra, Estados Unidos, Espanha e Colmbia.
Pela escassez de uma divulgao adequada para as produes realizadas no
Brasil, so poucos os que tem conhecimento do que trata o webdocumentrio no Pas. Mas
merece relevncia os seguintes webdocumentrios: Rio de Janeiro Autoretrato, mostra o
trabalho de um grupo de fotgrafos na Favela da Mar, no Rio de Janeiro; Pelo Menos Um,
narra a histria de 25 jovens do Centro de Educao Popular Comunidade Vida, em Caruaru,
no agreste de Pernambuco; Webdoc Graffiti, trata da interao do grafiteiro com a rua; Um
Novo Olhar - Abuso Sexual Infantil e Pedofilia", veiculado no final de 2013, aborda um dos
temas mais difceis da atualidade; Vai ter praa" que fala da relao das pessoas com as
praas de Fortaleza e; "Webdocumentrio L do Leste, que iremos analisar neste trabalho.
O Webdocumentrio caracteriza-se por modificar a forma organizacional da
narrativa linear em um ambiente virtual contemporneo que transpe o espao-tempo nos mais
variados nveis. O suporte digital apresenta diversos modelos de documentar o real
modificando a forma organizacional ao utilizar mecanismos que nos permite navegar de
forma independente por toda obra, tanto pela sua interatividade, quanto ao utilizar-se de
ferramentas hipertextual de navegao que podem combinar fotografia, textos, udios, animaes,
links, mapas, infogrficos e outras tantas linguagens digitais que nos permitem percorrer de forma
autnoma pela obra.
O espectador j no mais um espectador passivo, ele pode ir e voltar diversas
vezes e escolher sobre o que assistir e onde assistir. O internauta assume ento um papel
participativo. Portanto, ao ser planejado para a internet a produo do webdocumentrio no
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pode perder de vista a questo da usabilidade e levar o nvel de aprofundamento que pode ir o
internauta em diversos nveis de imerso. bom acentuar que cada webdocumentrio tem sua
identidade prpria e tais peculiaridades no esto em todos eles, muito embora, estas sejam as
mais recorrentes. Portanto, preciso tambm manter uma "preocupao com o design e em
como construir um caminho de identidade visual para falar de um assunto" (HIKIJI4, 2014).
Sendo a Internet um espao onde diversos nveis sociais se encontram de forma
democrtica foroso pensar numa interatividade livre de uma homogeneizao cultural. De
forma que o webdocumentrio contribui para diversas possibilidades etnogrficas, para uma
reflexo da realidade social contempornea que rompe com a noo de espacialidade das
comunidades concentrando-se em processos culturais para alm dos espaos fsicos,
proporcionando assim, "maior diversidade de escolha, maior possibilidade de autonomia cultural
e maiores aberturas para intervenes de outras culturas e ideias". (KELLNER. 2001, p. 26).
Ao criar uma ruptura com o dogma linear do documentrio, o
webdocumentrio utiliza-se dos meios digitais para criar uma narrativa no linear, construir
novos sujeitos e espaos sociais e, descrever a realidade. Consolidando assim, novas
ferramentas de experincia culturais, alm da possibilidade de ouvir as diferentes vozes que
compem a mesma histria.
Levando em considerao que o internauta assume um papel participativo e de
interao, a quebra de um paradigma tradicional pode evoluir para desdobramentos que
valorizam a fruio do internauta ao se conectar com outros sujeitos de identidades culturais
universais para compartilhar saberes, ampliar o repertrio cultural e contribuir para uma
reflexo etnogrfica da realidade social contempornea "menos terica, de reapropriao e
reorientao da mdia enquanto intelectual coletivo" (SODR, 2009, p. 212).
Para a pesquisadora e documentarista Carolina Caff5:
" um privilgio e de uma potncia de correlaes maravilhosa poder
cruzar os textos, ver as cores e o movimento daquilo que antes s se
escrevia; um prato cheio para a etnografia. Alm de ser muito
interessante para os atores locais usarem essas plataformas para
fortaleceram a produo e o consumo da cultura local". (CAFF.
2014).
Naturalmente, o webdocumentrio atravs de diversas narrativas, enquanto
ambiente virtual contemporneo, expressa uma capacidade para se mover por entre diferentes 4 Em entrevista concedida ao autor em 02/07/2014. 5 Em entrevista concedida ao autor em 04/07/2014.
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espaos sociais e explorar essa mobilidade com interao entre as dimenses online e offiline.
Dentro deste contexto, Christine Hine6 (HINE, 2004, p. 78) afirma que "todas as formas de
interao so etnograficamente vlidas e no apenas pelas interaes que envolvem uma relao
cara a cara". Tais caractersticas confere ao webdocumentrio a possibilidade de uma etnografia
com capacidade de fruio para fora do ambiente virtual. interessante, neste sentido, o ponto
de vista de Geertz no que tange as diversas maneiras de se interpretar as culturas:
"No h qualquer razo para que seja menos formidvel a estrutura
conceitual de uma interpretao cultural e, assim, menos suscetvel a
cnones explcitos de aprovao do que, digamos, uma observao
biolgica ou um experimento fsico - nenhuma razo, exceto que os
termos nos quais tais formulaes podem ser apresentadas so, se no
totalmente inexistentes, muito prximos disso. Estamos reduzidos a
insinuar teorias porque falta-nos o poder de express-las." (GEERTZ,
2008: p. 17).
No se pode esquecer, no entanto, que pela tica do digital o webdocumentrio
assume tambm caractersticas pedaggicas de transmisso do conhecimento e troca de
informaes entre indivduos de diversas localidades e geraes. Ao se apresentar como uma
teia de elementos informacionais no ambiente em rede ele proporciona recursos que pode
transformar a realidade cultural. Sua conexo instantnea transpe a noo do espao-tempo e
assume uma responsabilidade na reflexo contempornea da sociedade criando novos sujeitos
com identidades culturais universais.
Webdocumentrio L do Leste uma etnografia compartilhada
O Webdocumentrio "L do Leste: uma etnografia virtual compartilhada"
resultado de um processo que comeou em 2009 com o mapeamento de vrias manifestaes
artsticas e culturais do distrito de Cidade Tiradentes, o maior complexo de conjuntos
habitacionais populares da Amrica Latina. O projeto foi concretizado pela ONG Instituto
Plis, coordenado por Hamilton Faria junto com as antroplogas Rose Hikiji e Carolina
Caff. Com o fim do projeto, as duas antroplogas resolveram juntar todo material de
pesquisa que tinham em mos e agrupar numa nica plataforma virtual.
6 "Todas las formas de interaccin son etnogrficamente vlidas, no slo las que implican una relacin cara a cara." HINE, 2004, p. 78).
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O Webdocumentrio L DO LESTE se consolida como representatividade
etnogrfica virtual dos movimentos de arte e cultura ao abordar diferentes temas, artistas,
coletivos e iniciativas que consolidam os movimentos socioculturais da regio. A plataforma
apresenta semelhantes s cenas de roteiro cinematogrfico, mas com uma pequena descrio e
falas dos personagens sempre acompanhadas de uma referncia imagtica, seja um vdeo,
videoclipe, fotos, etc. Os "botes" de acesso nos levam a outras pginas que tratam dos bastidores
de como de como foi realizada a produo e pesquisa que resultou no projeto. Uma verso do
contedo fsico do Livro/DVD que pode ser lido online, ou baixado em PDF. Extras com vdeos
em "stop motion", videoclipe, debates de lanamento dos filmes e ler artigos sobre a pesquisa.
Os filmes L DO LESTE e A ARTE E A RUA, esto hospedados no Canal
Vimeo e podem ser assistidos sem sair da pgina. Eles seguem a vida e as transformaes da
arte de rua com a urbanizao do distrito. So reflexes das condies sociais das famlias,
cenas da vida cotidiana compartilhada pela experincia daqueles que cresceram e continuam a
viver no bairro.
Utilizando-se da tcnica do cinema de observao e participativo, a narrativa
explora a metodologia experimental da "cmera basto" onde alguns "atores sociais" registram
elementos do seu cotidiano sem a presena de uma equipe de gravao. Em um conceito de
etnografia compartilhada, a ideia era de que os personagens "criassem seus prprios vdeos sobre
eles mesmos, de passar o basto, passar a cmera e o poder de autodefinio sobre a sua cultura
no sentido de democratizao da produo do conhecimento" (CAFF7, 2014).
Localizado em uma pgina a parte o MAPA DAS ARTES DE CIDADE
TIRADENTES - www.cidadetiradentes.org.br/# - um mapa virtual interativo da comunidade
artstico-cultural do bairro. Organizado sobre um mapa fsico e geogrfico possvel localizar
pessoas, grupos, espaos e eventos relacionados s linguagens da msica, dana, audiovisual,
artes plsticas, literatura e teatro. Outras questes relacionadas vida cotidiana das pessoas do
bairro so apresentadas numa srie de temas como jovem, negro, mulher, trabalho, etc.
O mapa apresenta as informaes da comunidade por meio de vdeos, fotos,
msicas e textos e seu objetivo contribuir para o fortalecimento da cidadania cultural dos
moradores da Cidade Tiradentes e, revelar e potenciar os saberes, fazeres e poticas culturais do
7 Em entrevista concedida ao autor em 04/07/2014.
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bairro pela ampliao da viso dos prprios agentes locais, alm de favorecer a dinmica e
interlocuo entre diferentes grupos para criao de espaos comuns e potencializao de redes.
Como Perspectiva Virtual Etnogrfica e Colaborativa
O Webdocumentrio L DO LESTE enquanto ferramenta virtual etnogrfica
aborda diferentes iniciativas que consolidam o movimento artstico sociocultural da Cidade
Tiradentes. A mobilidade de navegao permite ao internauta um engajamento mais aberto e
criativo onde ele pode inferir a experincia vivida dentro da plataforma digital. Isso proporciona
um caminho que ele mesmo escolhe e elege. A etnografia, neste sentido, pode ser usada para
atingir diversos significados dentro daquilo que compem as culturas mais distantes.
O formato se concretiza como uma representatividade etnogrfica ao
explorar a linguagem do documentrio adaptado para a web. Atravs das construes de
espao-tempo ele torna possvel vivenciar novos elementos, novos enredos com diferentes
experincias subjetivas. Acerca dessa abordagem cabe, portanto, a reflexo de Hine 8:
"La aproximacin etnogrfica, en este sentido, abre el camino para
estudiar la configuracin de un contexto cultural significativo para
los participantes manteniendo la pretensin de ver lo que ellos ven a
travs de sus ojos, constituyendo un enfoque enraizado que busca una
comprensin profunda acerca dei sustrato cultural deI grupo como
tal." (HINE, 2004: p. 34).
A tecnologia virtual pode, assim, ser usada para atingir espaos significativos
que compem a cultura de determinada sociedade tornando possvel diversos nveis de
interaes na pesquisa antropolgica. Neste caso, alm de reproduzir as condies da vida
social no distrito e dos valores socialmente compartilhados por todos daquela regio, houve
uma mobilizao e intercmbio de vrios artistas locais na inteno de valorizar as produes e
os espaos culturais do prprio bairro e, a criao de espaos comuns potencializados pela rede.
Muniz Sodr (SODR, 2009, p. 17) evidencia que as formas tradicionais de
representao da realidade e novssimas (o virtual, espao simulativo ou telerreal da hipermdia)
interagem, expandindo a dimenso tecnocultural, onde se constituem e se movimentam novos
sujeitos sociais. No webdocumentrio as apropriaes etnogrficas podem ocorrer de diversas
maneiras, isso vai depender do nvel de interesse que o material desperta no internauta. Entretanto,
8 Livre traduo: "A abordagem etnogrfica, a este respeito, abre o caminho para estudar a configurao de um contexto cultural significativo para que os participantes mantenham a pretenso de ver o que eles veem atravs de seus olhos, proporcionando uma
abordagem fundamentada que busca um substrato profundo da compreenso de determinado grupo cultural como tal". (HINE, 2004: p.
78).
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esse engajamento virtual vai depender tambm do pesquisador interessando em ter uma relao
mais ativa com o objeto sua frente.
Mesmo longe de abarcar todo o universo de um movimento cultural e
impulsionado pelas constantes transformaes de uma tecnologia em construo, a tendncia
que se ampliem cada vez mais as possibilidades de informao. Surgem a todo o momento
novas formas de reunir, apresentar e divulgar contedos artsticos culturais. A Internet
impulsiona uma comunicao mais distribuda e potencializa trocas infinitas de conhecimentos.
O internauta deixa de ser apenas um observador e passa a contribuir para o enriquecimento
das relaes culturais locais. Quebram-se os paradigmas da estabilidade e insinuam-se novas
regras para o "jogo humano".
No caso do MAPA DAS ARTES, Rose Hikiji9 explica que a ferramenta foi
criada para que os artistas locais pudessem atravs de uma rede de artistas fortalecer o
conhecimento deles sobre si prprios, promover interaes e espaos de economia solidria
entre eles. A plataforma virtual pode envolver o internauta a desafiar novos espaos de
interao poltica e novas formas de pensar os modos de cultura de maneira mais democrtica,
na qual, todos podem trocar experincias entre si desempenhando um papel mais construtivo
de valores sociais. Tais desenvolvimentos permitem pensar a etnografia como uma forma de
conhecer atravs da experincia sem tentar produzir um estudo que abrange a totalidade de
uma dada cultura". (HINE10 2004, p. 20).
Mesmo sendo um produto inacabado, ou no, a plataforma pode facilitar as
relaes culturais, antes limitada e restrita, e fortalecer a ideia de sujeitos sociais em sujeitos
histricos donos de sua prpria memria sociocultural, como bem reflete Marilena Chau:
Uma definio dos sujeitos sociais como sujeitos histricos,
articulando o trabalho cultura e o trabalho da memria social,
particularmente como combate memria social una, indivisa,
linear e contnua, e como afirmao das contradies, das lutas e
dos conflitos que constituem a histria de uma sociedade (CHAU,
2006: p. 72).
Carolina Caff11 destaca que vivemos num momento histrico extremamente
rico em relao s potncias de transformao e comunicao da internet usando o
9 Em entrevista concedida ao autor em 02/07/2014. 10 Tales desarrollos permiten pensar en la etnografa como modo de conocer a travs de la experiencia sin pretender producir un estudia que abarque la totalidad de una cultura determinada. (Hine 2004, p. 20). 11 Em entrevista concedida ao autor em 04/07/2014.
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audiovisual como principal fomento. O que deixa claro tambm, que a reproduo imagtica
do webdocumentrio torna a experincia etnogrfica mais prxima e amplia a dinmica das
trocas culturais.
Como Preservao dos Espaos Pblicos e da Cidadania Cultural
A vida social tornou-se uma questo de "manifestaes verbais, smbolos,
textos e artefatos de vrios tipos e de sujeitos que se expressam atravs destes artefatos para
entender a si mesmo e aos outros" (THOMPSON. 2000). Desta forma, encontros que
partilham entre si suas experincias e crenas, ainda que parte destes indivduos possuam
recursos de poder e autoridade, possibilita a criao de novos posicionamentos e trajetrias.
O espao contemporneo criado pelo webdocumentrio fornece uma infinidade
de contextos socioculturais que facilitam a aceitao e participao dos indivduos no cenrio
social de uma comunidade. Torna possvel a criao e recriao de novos valores culturais, ou
excludos, ou esquecidos e nos d a oportunidade de fazermos nossa prpria leitura da
sociedade.
No webdocumentrio L DO LESTE possvel perceber o vnculo que os
artistas mais politizados tem com o movimento Hip Hop. A organizao das prticas culturais e
da sociabilidade dos espaos pblicos e as transformaes histricas do distrito so resultado
direto dessa relao com o movimento e em especial a arte de rua. O documentrio A ARTE E
A RUA, por exemplo, desperta para vrias coisas relacionadas ao espao, discute a questo da
ocupao da cidade, do fortalecimento da cultura local e mostra que enquanto o estado procura
inserir algo de fora, ao mesmo tempo, no percebe as manifestaes culturais da prpria
comunidade.
O filme resignifica os limites da cultura, dos muros, os limites invisveis que o
estado impe s periferias. O discurso o da resistncia, que com simplicidade vai
potencializando novos atores para um projeto mais inclusivo e poltico, onde os espaos de cultura
possam ser mantidos e entendidos sem a mediao de instituies governamentais.
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Como Forma de Subverter a Ideia de Controle e Dominao
Torna-se inegvel que o webdocumentrio tenha ultrapassado as questes da
mobilidade de comunicao como fomento das expresses culturais tanto da atualidade e,
porque no dizer, tambm do passado. A convergncia de meios tende a solidificar-se e
evoluir cada vez mais junto com as novas tecnologias digitais. A facilidade de navegao
permite assim, um engajamento mais aberto e criativo com o universo poltico e sociocultural
de uma comunidade onde atores sociais podem inferir a experincia vivida dentro da
plataforma digital.
Neste sentido, a Internet surge como um espao onde diversos nveis sociais
encontram-se de forma democrtica numa interatividade livre de uma homogeneizao cultural.
Os contedos socioculturais adaptados s novas formas de narrativa permitem atuar em certa
escala, sem a necessidade de instituies externas, mas como "instituies individuais" e, muito
mais livres. Marilena Chau nos lembra da importncia de se contrapor a histria oficial das
organizaes dominantes na seguinte reflexo:
Se contrapor histria oficial celebrativa dos dominantes, graas
histria que os trabalhadores criam a partir de sua prpria memria,
da crnica de seus valores, lutas, esperanas e tradies, inventando
outro calendrio e instigando seus prprios smbolos e espaos.
(CHAU, 2006: p. 9).
Com a Internet as diferentes dimenses de comunicao, principalmente na
produo audiovisual so totalmente possveis e com a democratizao das formas de
produo de imagens e sons, existe uma mudana completa de paradigma. Hoje se consegue
produzir narrativas caseiras, de forma bem experimental e difundir isso de uma forma
indita". (HIKIJI12, 2014). Um vdeo pode ser visto por milhes de pessoas sem precisar
passar pelos canais tradicionais de cinema e televiso.
"Quando os membros dos grupos oprimidos tem acesso cultura da mdia, suas
perspectivas muitas vezes articulam vises outras da sociedade e do voz a percepes mais
radicais" (KELLNER, 2001, p. 203). Com isso fica evidente, portanto, que o webdocumentrio
pode levar ao mundo as reivindicaes e expresses artsticas socioculturais para alm do espao
fsico. Pode oferecer algo novo na aventura humana, sem se conformar com os dogmas vigentes
na sociedade impostos por uma mdia vertical e hegemnica subvertendo a ideia de dominao e
controle que a ferramenta Internet costuma apresentar.
12 Em entrevista concedida ao autor em 02/07/2014.
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Consideraes Finais
Os cdigos, os modelos de produo evoluram vertiginosamente e nos
desafiam a cultivar novos espaos interao poltica e novas formas de pensar os modos de
cultura de maneira mais democrtica. Estes novos espaos em plataformas virtuais revelam que
a cultura no algo esttico, mas algo em constante construo e ressignificao e no uma
verdade mstica e oculta. Isso implica que a prpria cultura pode construir e destruir sentidos.
Diante deste ponto de vista, podemos perceber que atravs do webdocumentrio possvel
extrapolar as formas narrativas do contedo off-line e abraar todos os estilos de
documentrio envolvendo o espectador, ou no, na construo final do produto.
O Webdocumentrio L DO LESTE, participe dessa mudana de paradigmas
revela como a web um terreno imenso para a experimentao. Atravs dele possvel
conhecer os vastos espaos urbanos onde a arte e a cultura se encontram de forma menos
hegemnica e restrita e oferece ao o indivduo uma viso da realidade na qual ele se encontra
dentro do espao urbano. Rose Hikiji13 conta que a ideia do L DO LESTE era potencializar a
circulao, "divulgar o que foi produzido numa esfera mais qualitativa onde qualquer pessoa
poderia acessar o material, assistir e baixar o livro".
O que se percebe no Webdocumentrio que existe uma outra lgica vigente
na literatura, nas artes visuais, na dana, no rap, um movimento artstico forte saindo das
periferias e chegando aos grandes centros que no passam despercebidos. Por esta razo
importante que produes como esta permitam novas identidades, novas vises de mundo que
possam romper com velhos paradigmas e possibilitem explorar objetos etnogrficos para alm
do espao geogrfico.
Para Carolina Caff14 o webdocumentrio tem um grande desafio pela frente ao
romper com a forma tradicional de contar uma histria, de acessar as realidades, "no fcil
desconstruir e criar novas lgicas narrativas". Ela acredita que o projeto ideal aquele que
esteja sempre conectado com o mundo l fora, com uma produo "outside" que possa
extrapolar o espao virtual, se tornar mais dinmico e ganhar mais sentido.
13 Em entrevista concedida ao autor em 02/07/2014. 14 Em entrevista concedida ao autor em 04/07/2014.
14
Ainda que experimental, no se pode negar a capacidade do webdocumentrio
como possibilidade etnogrfica virtual de fruio no que diz respeito educao e cultura. Um
espao que contribui para o fortalecimento das culturas locais e, oferece ao sujeito condies para
que ele seja protagonista da sua prpria identidade cultural. Neste contexto podemos afirmar que
o Webdocumentrio L DO LESTE: Uma Etnografia Audiovisual Compartilhada, se apropriou
de maneira muito bem articulada desta plataforma virtual e revelou uma etnografia bem singular
do distrito Cidade Tiradentes.
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