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    TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. Malheiros Editores: So Paulo. 18. ed.2002. p. 15-28.

    Captulo IA CONSTITUIO.

    NORMAS CONSTITUCIONAIS.

    INTERPRETAO E APLICABILIDADE

    1. Conceito de Constituio. 2. A Constituio: seus sentidos sociolgico, poltico e jurdico. 3.Caractersticas do Direito. 4. Matria constitucional. 5. Interpretao da norma constitucional. 6.Aplicabilidade da norma constitucional. 7. Espcies de Constituio.

    1. Conceito de Constituio

    A Constituio o objeto do estudo do Direito Constitucional.

    O que a Constituio? Interessa-nos o seu conceito jurdico. Entretanto, para efeito didtico,examinemos os sentidos do "vocbulo" Constituio. Em significado comum todas as coisastm uma dada estrutura, um corpo, uma dada conformao. Uma constituio. Podemosexaminar a poltrona e descrever a sua estrutura, o seu ser. Ao faz-lo, indicaremos as peascomponentes daquela cadeira que, somadas, perfizeram a unidade.

    Em sentido mais restrito, Constituio significa o "corpo", a "estrutura" de um ser que seconvencionou denominar Estado. Por ser nela que podemos localizar as partes componentes doEstado, estamos autorizados a afirmar que somente pelo seu exame que conheceremos oEstado.

    A Constituio a particular maneira de ser do Estado, no dizer de Celso Bastos.11

    Mas, o que o Estado? Consiste na incidncia de determinada ordenao jurdica, ou seja, dedeterminado conjunto de preceitos sobre determinadas pessoas que esto em certo territrio.Tais preceitos imperativos encontram-se na Constituio. O Estado regula globalmente asrelaes sociais de um povo fixado estavelmente em um territrio, ensina o mestre Ataliba

    Nogueira.2

    1 Curso de Direito Constitucional, p. 38.2 Lies de Teoria Geral do Estado, p. 67.

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    A definio completa de Ataliba Nogueira a seguinte: "Estado a sociedade soberana, surgidacom a ordenao jurdica, cuja finalidade regular globalmente as relaes sociais dedeterminado povo fixo em dado territrio sob um poder".

    Entenda-se a expresso "povo" como domnio pessoal de vigncia da ordem jurdica estadual.3

    Territrio, por sua vez, o domnio espacial de vigncia de uma ordem jurdica estadual.4

    O Estado corpo social. Revela-o a Constituio. Como toda sociedade, pressupeorganizao. Esta, por sua vez, fornecida por conjunto de preceitos que imperam sobredeterminados indivduos em dado local e em certo tempo. H identidade, pois, entre o Estado ea Constituio. Toda sociedade uma ordem jurdica.5

    Na sociedade encontramos, sempre, a organizao. Podemos indicar cinco mil pessoas emestdio desportivo e dizer que no se trata de ncleo social. Estamos em sala onde se renemcinco pessoas e podemos dizer que estamos diante do ncleo social. Por que as cinco mil

    pessoas assentadas em estdio de futebol no constituem ncleo social e as cinco presentes nasala constituem-no? que, examinando a reunio de cinco pessoas, verificamos tratar-se decomerciantes (por exemplo) vinculados uns aos outros por um preceito que os rene imperativae cogentemente e distribui direitos e deveres. So os scios. Cada qual com funesdeterminadas naquela preceituao. Tudo isto aferiremos do exame do contrato social (so asregras constitutivas da sociedade).

    O mesmo no se pode dizer das cinco mil pessoas que, circunstancialmente, se reuniram paraassistir ao prlio esportivo. No h normas imperativas ligando-as umas s outras.

    O Estado, j dissemos, uma sociedade. Pressupe organizao. Os preceitos organizativos

    corporificam o instrumento denominado Constituio. Portanto, a Constituio o conjunto depreceitos imperativos fixadores de deveres e direitos e distribuidores de competncias, que doa estrutura social, ligando pessoas que se encontram em dado territrio em certa poca.6

    2. A Constituio: seus sentidos sociolgico, poltico e

    jurdico

    2.1 Sentido sociolgico

    3 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito, p. 387.4 Idem, ob. cit., p. 388.5 Idem, ob. cit., p. 385: "Como organizao poltica, o Estado uma ordem jurdica. Mas nem todaordem jurdica um Estado. Nem a ordem jurdica pr-estadual da sociedade primitiva, nem a ordemjurdica internacional supra-estadual (ou interestadual) representam um Estado. Para ser um Estado, aordem jurdica necessita de ter o carter de uma organizao no sentido estrito da palavra, quer dizer,tem de instituir rgos funcionando segundo o princpio da diviso do trabalho para criao e aplicaodas normas que a formam; tem de apresentar um certo grau de centralizao. O Estado uma ordem

    jurdica relativamente centralizada".6 Hans Kelsen lembra a hiptese da existncia temporal do Estado: a vigncia da ordem normativadurante certo perodo.

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    Representante mais expressivo do sociologismo jurdico Ferdinand Lassalle, que, em obraclssica,7sustentou que a Constituio pode representar o efetivo poder social ou distanciar-sedele; na primeira hiptese ela legtima; na segunda, ilegtima. Nada mais que uma "folha de

    papel". A sua efetividade derivaria dos fatores reais de poder. Espelha o poder. A Constituioefetiva o fato social que lhe d alicerce. Assim, a "folha de papel" a Constituio

    somente vale no momento ou at o momento em que entre ela e a Constituio efetiva (isto ,aquele somatrio de poderes gerador da "folha de papel") houver coincidncia; quando tal noocorrer, prevalecer sempre a vontade daqueles que titularizam o poder. Este no deriva da"folha de papel", da Constituio escrita, mas dosfatores reais de poder.

    Os que vem o Direito sob esse prisma sociolgico distinguem o instrumento formal,consubstanciado na Constituio, e o instrumento real, consubstanciado na efetiva deteno eexerccio do poder.

    2.2 Sentido polticoJos Afonso da Silva salienta que "a concepo poltica da Constituio revela certa faceta dosociologismo, segundo a formulao de Cari Schmitt, que a considera como deciso polticafundamental".8

    De fato, para Cari Schmitt h diferena entre a Constituio e a lei constitucional. Aquela adeciso concreta de conjunto sobre o modo e forma de existncia da unidade poltica. A esseautor importa que, em dado instante, verifica-se a manifestao de um poder (o constituinte) quedecida a respeito da forma de ser do Estado, de seus alicerces, de sua estrutura bsica, de suaconformao fundamental. Tudo como fruto da deciso poltica que tomada em certo

    momento.

    Assim, contedo prprio da Constituio aquilo que diga respeito forma de Estado, degoverno, aos rgos do poder e declarao dos direitos individuais. Tudo o mais embora

    possa estarescrito na Constituio lei constitucional. Significa: o constituinte noprecisaria tratar daquela matria porque no emanao necessria da deciso poltica fun-damental.

    A Constituio, segundo esse entender, encontra seu fundamento de validade, extrai o seu ser,de uma deciso poltica que a antecede. No da forma jri dica.

    Prximas dessas ideias esto as de Constituio material e formal.

    Aquilo que para Schmitt contedo prprio de Constituio caracteriza a matriaconstitucional; o mais, que assume forma constitucional, porque inserido na Constituio,

    formalmente constitucional(o que Schmitt chama de lei constitucional). Isto porque essa ltimaquesto poderia ser deixada para trato em nvel de legislao infraconstitucional.

    2.3 Sentido jurdico

    7 Que es una Constitucin?8 Aplicabilidade das Normas Constitucionais, p. 26.

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    E Hans Kelsen quem demonstra, sob esse foco, o que a Constituio. Ao faz-lo, evidencia oque o Direito. Ressalta a diferena entre o Direito e as demais cincias, sejam as naturais,sejam as sociais. Enfatiza que o jurista no precisa socorrer-se da Sociologia ou da Poltica parasustentar a Constituio. A sua sustentao encontra-se no plano jurdico. O socilogo, o

    politiclogo, podem estudar a Constituio sob tais ngulos. Mas as suas preocupaes sero

    outras (sociolgicas, polticas). O cientista do Direito busca solues no prprio sistemanormativo. Da por que buscar suporte para a Constituio num plano puramente jurdico.

    Para uma explicao singela da teoria kelseniana preciso fazer distino entre o mundo do sere o do dever-ser. O mundo do ser o das leis naturais. Decorrem da natureza. De nada vale avontade do homem na tentativa de modific-las mediante a formulao de leis racionais. Nomundo da natureza as coisas se passam mecanicamente. A um antecedente liga-seindispensavelmente dado consequente. Um corpo solto no espao (antecedente) cai(consequente). Se chover (antecedente) a terra ficar molhada (consequente).

    No mundo do dever-seras coisas se passam segundo a vontade racional do homem. K este que,

    a dado antecedente, liga determinado consequente.

    As cincias sociais pertencem a esse mundo do dever-ser. A Moral, a tica, o Direito, delefazem parte.

    Tomemos a tica. Norma tica poder formular o juzo seguinte: as pessoas devem trajar-seconvenientemente; se no o fizerem (antecedente) sofrero a reprovao social (consequente)que corresponde a uma sano.

    Note-se que quele antecedente (andar convenientemente trajado) o homem ligar oconsequente que quiser.

    Tomemos o Direito. Ao antecedente "tirar a vida de outrem", o homem poder ligarconsequentes diversos: ser crime, importando sano, se praticado por outrem sem norma queo autorize; ser execuo determinada pelo Estado se este abrigar apena de morte. Veja-se quea razo humana que confere consequncias diversas ao mesmo antecedente.

    3. Caractersticas do Direito

    Se Direito, Moral, tica, so cincias do mundo do dever-ser, como distinguir o Direito dasdemais cincias sociais? O que o peculiariza?

    Diferentemente dos demais sistemas normativos (tico, moral, religioso), em que os preceitos sealinham uns ao lado de outros, formando dezenas, centenas, milhares de normas, no Direitoverifica-se uma estrutura escalonada de normas que, a final, perfazem a unidade. Dezenas,centenas, milhares de preceptivos acabam por se reduzir a uma nica norma. Explica-se: noDireito uma norma indica a forma de produo de outra norma, bem como o seu contedo. Dao escalonamento normativo em que uma norma constitui o fundamento de validade de outra.9

    9 Hans Kelsen, Teoria Pura do Direito.

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    Figuremos exemplo esclarecedor: o Chefe de Seo de uma repartio pblica indefererequerimento por mim formulado. Expediu ele comando individual. Sendo assim, devo verificarse tal preceito firmado por aquele agente pblico consoante com normas superiores. Devocompati-bilizar aquela ordem com a Portaria do Diretor de Diviso; esta com a Resoluo doSecretrio de Estado; a Resoluo com o Decreto do Governador; este com a Lei Estadual; a Lei

    Estadual com a Constituio do Estado (se se tratar de Federao); esta com a ConstituioNacional. Tudo para verificar se os comandos expedidos pelas vrias autoridades, sejamexecutivas ou legislativas, encontram verticalmente suporte para a sua validade.

    Cada comando normativo encontra respaldo naquele que lhe superior. Se falhar essaverticalidade fundamentadora, posso insurgir-me contra a ordem expedida em funo do meurequerimento.

    V-se, portanto, que todos os comandos emanados do Estado so normas: umas individuais,outras gerais. Norma, nesse descrever, no apenas a lei.

    Assim, milhares de Ordens de Servio, Portarias, Resolues, Decretos, Leis, se reduzem apoucos artigos da Constituio.

    Dissemos, contudo, que o Direito sistema que se reduz unidade, norma nica. Comoalcan-la?

    Socorre-nos Hans Kelsen. Sustenta a existncia, no Direito, de dois planos distintos: o jurdico-positivo e o lgico-jurdico. Aquele corporifi-cado pelas normas postas, positivadas. O outro(lgico-jurdico) situa-se em nvel do suposto, do hipottico. Umas so normas postas; outra suposta.

    Com efeito, ao fazer-se o percurso da verticalidade fundamentadora das normas, abica-se naConstituio. Este o fundamento de validade de todo o sistema normativo infraconstitucional.Mas qual o fundamento que suporta a Constituio?

    Esta a norma nica a que alude o Professor de Viena, cujo enunciado pode assim resumir-se:"obedece a tudo que est na Constituio". E essa norma logicamente pensvel. Se todosobedecem a determinado sistema normativo, derivado da Constituio, porque existe, a dar-lhe validade, uma norma hipottica que o fundamento do sistema. E esse comando no escrito. De nada adiantaria que o fosse. Pode-se modificar radicalmente um sistema (novaConstituio, por exemplo) que a norma fundamental, situada no plano lgico e, por isso,hipottica, no se altera. A ordem suposta continua a ser a mesma: "obedea a tudo o que est

    na Constituio, a tudo que posto pelo Poder Constituinte".

    Com isso, Kelsen justifica o mundo jurdico dissociando-o do mundo poltico, do tico, domoral. Confere independncia ao Direito. Demonstra que o Direito uma unidade que se

    peculiariza pela estruturao escalonada de seus preceitos. No se socorre de elementosextrajurdicos.

    Nada impede que outros cientistas estudem o Direito. Historiadores, politiclogos, socilogos,podero faz-lo. Estaro fazendo Histria, Poltica, Sociologia.

    4. Matria constitucional

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    H, efetivamente, uma matria constitucional, como h uma civil, tributria, trabalhista, penal,eleitoral?

    H preceitos materiais que sejam os identificadores da Constituio? Mais ainda. necessrio,em face da Constituio vigente, fazer distino entre matria essencialmente constitucional eaquela que no o seja? Tem relevo jurdico essa distino?

    Indubitavelmente, existe um ncleo material nas Constituies sem o qual no se pode falar emEstado. Se este pressupe organizao e se esta fornecida por instrumentos normativoscogentes, imperativos, derivam eles do exerccio do poder. Assim, norma substancialmenteconstitucional aquela que identifica o titulardo poder.

    Na Constituio brasileira esse enunciado est no pargrafo nico do art. l2: "Todo o poderemana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos

    desta Constituio".Qual o grau de eficcia jurdica desse dispositivo? Ser um simples programa do legisladorconstituinte? No. Ao dizer que todo o poder emana do povo, o constituinte deixa claro que o

    poder no emana da divindade, de uma classe ou de uma famlia; emana do povo.

    E ao dizer "que o exerce por meio de representantes" houve a opo pelo sistema representativo.E mais: ao registrar o exerccio direto do poder, autorizou a democracia direta por meio deinstrumentos (que estudaremos mais adiante) como a iniciativa popular, o referendo, o

    plebiscito e a possibilidade de impugnao de contas municipais pelos prprios muncipes.

    O teor dessa norma identificadora da titularidade e do exerccio do poder que permite aorganizao. Antes do chamado Estado de Direito, que o mundo conheceu aps os movimentosde prestgio do indivduo, cor-porificados nas Revolues Inglesa, Americana e Francesa, nose pe em dvida a existncia de um Estado: aquele chamado Absoluto. Portanto, fundava-senuma Constituio que se assentava, muitas vezes, em norma nica: sempre aquela indicadorado titulardo poder. Seu enunciado: "todo o poder emana do Soberano" ou "emana da divindadede que o Soberano representante".

    De modo que o Constitucionalismo, como movimento, no se destinou a conferir"Constituies" aos Estados, mas, sim, a fazer com que as Constituies (os Estados)abrigassem preceitos asseguradores da triparti-o das funes estatais (executiva, legislativa e

    judiciria) e dos direitos individuais.

    Em face desse movimento, conhecido como Constitucionalismo, que se tornou inadmissvel,no plano poltico, a existncia de um Estado que no substitusse a vontade individual (doSoberano) pela vontade geral (do povo) e que no arrolasse e garantisse direitos inerentes

    prpria pessoa humana e que, ainda, no tripartisse o poder, entregando as funes estatais argos distintos e independentes.

    Por tudo isto que volta-se a insistir substancialmente constitucional a norma queproclama o titular do poder. Mas no se pode negar que certos princpios foram emboraontologicamente sugeridos como normas de adoo obrigatria pelos Estados modernos.

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    Finalmente, ressalvada a questo da identificao dos princpios, que examinaremos a seguir,anotamos que no relevante, juridicamente, a identificao de uma matria constitucional e deoutra que, embora na Constituio, no seria constitucional. Isto porque o critrio demodificao, gerador de preceitos de porte constitucional, o mesmo para todas as normas(com exceo daquelas que examinaremos nos prximos tpicos em que ocorre a

    impossibilidade de produo de norma constitucional sobre aquelas matrias).

    Essa distino s tem significado quando o processo de construo da norma constitucional diversificado. Tinha relevo, por exemplo, na Constituio Imperial de 1824, cujo art. 178

    prescrevia: " s constitucional o que diz respeito aos limites e atribuies respectivas dos poderes polticos, e aos direitos polticos e individuais dos cidados. Tudo o que no constitucional pode ser alterado sem as formalidades referidas pelas legislaturas ordinrias". As"formalidades referidas" eram aquelas atinentes criao de Emendas Constitucionais, cujo

    processo de produo era mais rduo e solene do que o da lei ordinria.

    Da o significado jurdico, naquela Constituio, da distino. Na vigente, tal inocorre.

    5. Interpretao da norma constitucional

    Para a boa interpretao constitucional preciso verificar, no interior do sistema, quais asnormas que foram prestigiadas pelo legislador constituinte ao ponto de convert-las em

    princpios regentes desse sistema de valorao. Impende examinar como o constituinteposicionou determinados preceitos constitucionais. Alcanada, exegeticamente, essa valorao que teremos osprincpios. Estes, como assinala Celso Antnio Bandeira de Mello, so mais doque normas, servindo como vetores para solues interpretativas. De modo que preciso, paratal, conhecer cada sistema normativo.

    No nosso, ressaltam o princpio federativo; o do voto direto, secreto, universal e peridico; aseparao dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Essa salincia extrada do art. 60, 4, do Texto Constitucional, que impede emenda tendente a abolir tais princpios.10

    Por isso, a interpretao de uma norma constitucional levar em conta todo o sistema, tal comopositivado, dando-se nfase, porm, para os princpios que foram valorizados pelo constituinte.Tambm no se pode deixar de verificar qual o sentido que o constituinte atribui s palavras dotexto constitucional, perquirio que s possvel pelo exame do todo normativo, aps a correiaapreenso da principiologia que ampara aquelas palavras.

    10 Jos Alfredo de Oliveira Baracho ensina que: "Os problemas da interpretao constitucional so maisamplos do que aqueles da lei comum, pois repercutem em todo o ordenamento jurdico". E, invocandoHector Fix Zamudio, lembra que "a interpretao dos dispositivos constitucionais requer, por parte dointrprete ou aplicador, particular sensibilidade que permite captar a essncia, penetrar naprofundidade e compreender a orientao das disposies fundamentais, tendo em conta as condiessociais, econmicas e polticas existentes no momento em que se pretende chegar ao sentido dospreceitos supremos... Os diversos conceitos de Constituio, a natureza especfica das disposies

    fundamentais que estabelecem regras de conduta de carter supremo e que servem de fundamento e basepara as outras normas do ordenamento jurdico, contribuem para as diferenas entre a interpretaojurdica ordinria e a constitucional" (Teoria da Constituio, p. 54).

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    6. Aplicabilidade da norma constitucional

    Todas as normas constitucionais so dotadas de eficcia. Algumas, eficcia jurdica e eficcia

    social; outras, apenas eficcia jurdica.

    Eficcia social se verifica na hiptese de a norma vigente, isto , com potencialidade pararegular determinadas relaes, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficcia jurdica,

    por sua vez, significa que a norma est apta a produzir efeitos na ocorrncia de relaesconcretas; mas j produz efeitos jurdicos na medida em que a sua simples edio resulta narevogao de todas as normas anteriores que com ela conflitam. Embora no aplicada a casosconcretos, aplicvel juridicamente no sentido negativo antes apontado. Isto : retira a eficciada normatividade anterior. eficaz juridicamente, embora no tenha sido aplicadaconcretamente.

    Por tudo isto que Jos Afonso da Silva, monografista do tema 11, salienta que aplicabilidade "a qualidade daquilo que aplicvel".

    So aplicveis, segundo esse dizer, todas as normas constitucionais, pois todas so dotadas deeficcia jurdica.

    Nesse tema Jos Afonso da Silva presta inegvel contribuio doutrinria ao sustentar aquelaeficcia, descrevendo os seus graus.

    Insurge-se, com Vezio Crisafulli12, contra a concepo da doutrina americana segundo a qualcertas normas, de natureza programtica, somente ganhariam eficcia aps a edio de lei

    integrativa daqueles preceitos.

    No seu trabalho o ilustre Professor agrupa as normas constitucionais, quanto sua eficcia, daseguinte forma:

    a) Normas constitucionais de eficcia plena: so aquelas de aplicabilidade imediata, direta,integral, independendo de legislao posterior para a sua inteira operatividade. Desse teor anorma do art. 1 da Carta Constitucional: "A Repblica Federativa do Brasil, formada pelaunio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em EstadoDemocrtico de Direito e tem como fundamentos (...)". Como a do art. 2: "So Poderes daUnio, independentes e harmnicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judicirio".

    So normas bastantes em si, que no necessitam da intermediao do legisladorinfraconstitucional.13

    11 Aplicabilidade das Normas Constitucionais.12 La Costituzione e le sue Disposizioni di Principio.13 Neste sentido, vide julgado publicado na RT 636/93 e 94: "Lei Norma constitucional Aplicabilidade imediata Emenda dispondo sobre a construo de acessos a deficientes fsicos emedifcios e logradouros pblicos Estabelecimento de comando certo e definido e presena de todos oselementos necessrios sua aplicabilidade, e no simples enunciao de princpios e programas a seremdesenvolvidos Eficcia plena, independentemente de regulamentao ulterior."A norma constitucional que estabelece comando certo e definido, dispondo sobre a construo de

    acessos a deficientes fsicos em edifcios e logradouros pblicos, contendo todos os elementosnecessrios sua aplicabilidade (hiptese de incidncia, contedo e destinatrio), difere das deprincpios programticos a serem desenvolvidos e, assim, tem aplicabilidade imediata, independendo de

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    b) Normas constitucionais de eficcia contida: so aquelas que tm aplicabilidade imediata,integral, plena, mas que podem ter reduzido seu alcance pela atividade do legisladorinfraconstitucional. Por isso mesmo, alis, preferimos denomin-las de normas constitucionaisde eficcia redutvel ou restringvel.14 Desse teor o preceito do art. 5, XIII: " livre oexerccio de qualquer trabalho, ofcio ou profisso, atendidas as qualificaes profissionais que

    a lei estabelecer".

    O dispositivo de aplicabilidade plena, mas sua eficcia pode ser reduzida, restringida, noscasos e na forma que a lei estabelecer. Enquanto no sobrevm a legislao restritiva, o

    princpio do livre exerccio profissional pleno.

    c)Normas constitucionais de eficcia limitada: so aquelas que dependem "da emisso de umanormatividade futura, em que o legislador ordinrio, integrando-lhes a eficcia, mediante leiordinria, lhes d capacidade de execuo em termos de regulamentao daqueles interessesvisados".15

    So divididas, pelo aludido monografista, em normas de princpio institutivo e normas deprincpio programtico. Ambas de eficcia limitada. As primeiras so as que dependem de leipara dar corpo a instituies, pessoas, rgos, previstos na norma constitucional. Desse teor aprescrio do art. 18, 32, da CF: "Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se oudesmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territrios Federais,mediante aprovao da populao diretamente interessada, atravs de plebiscito, e do Congresso

    Nacional, por lei complementar". As ltimas (programticas) so as que estabelecem um programa constitucional a ser desenvolvido mediante legislao integrativa da vontadeconstituinte. Desse teor a norma do art. 205: "A educao, direito de todos e dever do Estado eda famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno

    desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para otrabalho".

    So normas dotadas de eficcia jurdica porque tm o efeito de impedir que o legislador comumedite normas em sentido oposto ao direito assegurado pelo constituinte, antes mesmo da

    possvel legislao integrativa que lhes d plena aplicabilidade.16

    interessante notar que as normas constitucionais de eficcia limitada de princpioprogramtico trazem consigo, algumas, a ideia de instituio.

    Com efeito, no se pode pensar em educao seno mediante a instituio, a organizao, aformao de organismos ou rgos que realizem tais misteres.

    importante observar que os direitos e garantias fundamentais previstos no art. 52 tmaplicao imediata, segundo o comando expresso no 1 do aludido dispositivo.

    Significa, a nosso ver, que os princpios fundamentais ali estabelecidos podem ser invocados nasua plenitude, at que sobrevenha legislao regulamentadora, quando for o caso, de suautilizao. Caso tpico o do Mandado de Segurana Coletivo, o do Habeas Data e do

    regulamentao ulterior" (Ap. 106.872-1, 7 C., j. 28.9.88, Rel. Des. Rebouas de Carvalho).14 Concluses de discusso levada a efeito no curso de mestrado da PUCSP.15

    Ob. cit., p. 159.16 Fornecemos breves exemplos. O estudo pode ser aprofundado com a leitura da obra j citada do Prof.Jos Afonso da Silva.

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    Mandado de Injuno, que podem ser utilizados independentemente de qualquerregulamentao.

    7. Espcies de Constituio

    As Constituies so qualificveis quanto forma, origem, mutabilidade.

    Quanto forma podem ser escritas ou costumeiras.

    So escritas aquelas cuja preceituao estruturadora do Estado vem documentada em um texto.17

    Costumeiras so as que se fundamentam nos usos e nos costumes cristalizados pela passagemdo tempo e obedecidos por aqueles aos quais se dirigem. Exemplo nico, atualmente, o da

    Constituio inglesa, que, entretanto, se assenta tambm em textos escritos, como a MagnaCarta, oBill of Rights, oPetition of Rights e oAct of Habeas Corpus.

    Quanto origem, classificam-se em promulgadas e outorgadas.

    promulgada aquela que se origina de Assembleia popular eleita para exercer a atividadeconstituinte. outorgada aquela positivada por um indivduo ou por um grupo que no recebeudo povo, diretamente, o poder para exercer a funo constituinte.18

    Ao longo da histria constitucional brasileira, constata-se uma alternncia de Constituiesdecorrentes de um processo democrtico e outras decorrentes de um processo autoritrio. Foram

    constituies promulgadas, tambm denominadas populares ou democrticas, as CartasConstitucionais de 1891, 1934, 1946 e 1988.

    J as Constituies de 1824, 1937 e 1967 apresentaram uma origem autoritria.

    Quanto mutabilidade, as Constituies podem serrgidas,flexveis ousemi-rgidas.

    rgida aquela que demanda processo especial e qualificado para a sua modificao, da qualderiva a criao de norma constitucional.19

    flexvel aquela inexigente do aludido processo especial, sendo aplicvel procedimento

    legislativo comum para sua modificao.

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    17 "As Constituies escritas, em um corpo nico, nacionais e limitativas das competncias, sapareceram, de forma duradoura, com o advento das ideias que, no sculo XVIII, influram nasRevolues Americana e Francesa, espalhando-se, ento, por imitao desses pases, pelas Amricas eEuropa" (Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A Teoria das Constituies Rgidas, p. 35).18 Pode at ter-se verificado movimentao social que tenha levado quela outorga. O que se diz queno houve processo regular de escolha dos que positivaram a Constituio.19 "As vantagens das Constituies rgidas so magnficas. Capacitam-nos para definir, com algumaexatido, a competncia dos poderes governamentais; previnem a possibilidade de que caprichorepentino da opinio pblica transforme e desarraigue o que ao todo convm manter" (Oswaldo AranhaBandeira de Mello, A Teoria das Constituies Rgidas, p. 67).20 "Assim, nenhuma distino faz entre lei constitucional e lei ordinria, quer quanto formao, quer

    quanto validade das mesmas. Os rgos para a legislao ordinria estabelecem, por idnticosprocessos, aquela que tem carter constitucional. O Parlamento pode tudo fazer, exceto transformar ohomem em mulher, como diz o adgio popular, consagrando a frase jocosa de um jurista" (ob. cit, p. 51).

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    semi-rgida a que exige para modificao de parte de seus dispositivos processo especial emais difcil do que o comum e, em outra parte, procedimento legislativo comum.21

    A Constituio brasileira rgida. Revela essa rigidez o confronto do art. 60 com o art. 47 daCF. Aquele prev processo especial para a criao de Emenda Constituio. Exige: a) no

    tocante iniciativa, mediante proposta de um tero, no mnimo, dos membros da Cmara dosDeputados ou do Senado Federal; do Presidente da Repblica; de mais da metade dasAssembleias Legislativas das unidades da Federao, manifestando-se, cada uma delas, pelamaioria relativa de seus membros; b) no tocante discusso e votao, ser discutida e votadaem cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos; c) quanto ao quorum de votao,considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, 3/5 dos votos dos respectivos membros.22

    diferente o processo de elaborao da lei comum, previsto no art. 47. Este preceitua que,"salvo disposio constitucional em contrrio, as deliberaes de cada Casa e de suasComisses sero tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros".

    Por outro lado, a iniciativa de projeto de lei incumbe, dentre outros, a qualquer deputado ousenador, como preceitua o art. 61.

    Finalmente, a sua discusso e votao se fazem em um nico turno de votao.

    De tudo se v que mais fcildar incio a um projeto de lei do que a um projeto de EmendaConstitucional. mais simples discutir e aprovar o projeto de norma em um turno de votao doque em dois turnos; mais singelo obter a maioria simples para aprovao, a que alude o art. 47,do que a maioria de 3/5 exigida para aprovao de Emenda Constituio.23

    Observe-se que todas as Constituies brasileiras foram rgidas, com exceo da Constituio

    de 1824, que foi semi-rgida.

    21 Foi semi-rgida a Constituio Imperial de 1824. Veja-se seu art. 178: " s Constitucional o que dizrespeito aos limites, e atribuies respectivas dos Poderes Polticos, e aos Direitos Polticos, eindividuais dos cidados. Tudo, o que, no Constitucional, pode ser alterado sem as formalidadesreferidas, pelas legislaturas ordinrias".22 A Lei Complementar aprovvel por maioria absoluta. Difere da Emenda Constituio, no s emrazo do quorum para aprovao, como tambm porque no se submete s demais exigncias queasseguram a rigidez constitucional, como a iniciativa especial e a submisso a dois turnos de votao.23 Maioria absoluta significa mais da metade dos integrantes da Casa legislativa, maioria simplessignifica mais da metade dos presentes sesso, desde que presente se ache a maioria absoluta, ou seja,a maioria dos membros componentes da Casa. Exemplificando: se uma casa legislativa se compe de100 parlamentares, a maioria absoluta representada por 51 membros; a maioria simples

    representada por 26 membros. Nos termos constitucionais, o quorum exigido para instalao da sesso o da maioria absoluta, a fim de que se possa tomar deliberaes. A maioria de 3/5 maioria qualificada,exigvel para aprovao de Emenda Constitucional.

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