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tradução de daniela rigon

Rio de Janeiro, 2018

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Título original: One Man’s ArtCopyright © 1985 by Nora Roberts

Todos os personagens neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência.

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora HR LTDA. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônico, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copyright.

Direitos exclusivos de publicação em língua portuguesa cedidos pela Harlequin Enterprises II B.V./ S.À.R.L para Editora HR Ltda.

A Harlequin é um selo da HarperCollins Brasil.

Contatos:Rua da Quitanda, 86, sala 218 — Centro — 20091-005Rio de Janeiro — RJTel.: (21) 3175-1030

cip-brasil. catalogação na publicaçãosindicato nacional dos editores de livros, rj

R549e Roberts, Nora Encanto da Luz / Nora Roberts ; [tradução Daniela Rigon]. – 1. ed. – Rio de Janeiro : Harlequin, 2018. 192 p. : il. ; 23 cm.

Tradução de: One man’s art ISBN: 978-85-398-2537-0

1. Romance americano. I. Rigon, Daniela. II. Título.

17-45593 CDD: 813CDU: 821.111(73)-3

23/10/2017 23/10/2017

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Capítulo 1

Gennie soube que havia encontrado o que procurava no mo-mento em que passou pelo primeiro edifício com ripa desbotada. A aldeia, pragmática e precisamente chamada Windy Point, finalmente excedeu suas expectativas sobre o que deveria ser uma cidade costeira do Maine. As ou-tras paradas ao longo da costa curvilínea eram cênicas e pitorescas, perfeitas como em um cartão-postal. Talvez a perfeição tivesse sido o problema. 

Quando decidiu tirar férias do trabalho, tinha feito isso por causa da vontade de explorar um aspecto diferente de seu talento. Era acostumada a pender para a perfeição e o místico, baseando-se em sua própria inclinação para ilusões, mas agora tomara a decisão consciente de ater-se ao realismo, não importando o quão drástico fosse. De fato, seu porta-malas estava carre-gado de impressões de pedra e mar e terra em telas e esboços, mas...

Havia algo mais sobre Windy Point. Ou talvez fosse algo menos. Não tinha exuberância ali, ou leveza. Era um local duro. Não havia árvores com sombras frondosas, mas alguns abetos atrofiados, enrugados e abatidos pelo tempo. A estrada tivera mais do que sua parcela justa de solavancos.

A vila em si, embora não fosse precisamente composta por ruínas, tinha ar de velhice, com todas as suas dores e aflições. O sal e o vento desgastaram os edifícios, descascando a pintura e arranhando as janelas. O resultado não era uma lavagem suave, mas uma dureza selvagem.

Gennie viu uma beleza funcional.  Não havia nenhum edifício frívolo ali, nenhuma casinha de biscoito. Cada local servia para fins específicos — mercado, correios, farmácia. As poucas casas ao longo da estrada principal

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ostentavam a implacável praticidade da Nova Inglaterra, em sua forma vi-gorosa e seu tamanho metódico. Havia flores ocasionais, adicionando uma cor surpreendentemente alegre contra a ripa austera, mas Gennie observou que quase todas as casas tinham uma plantação de vegetais bem cuidados na parte de trás ou na lateral. As petúnias eram permitidas a crescer um pouco indisciplinadamente, mas as cenouras eram cortadas com rigor.

Com a janela do carro aberta, ela sentiu o cheiro da vila. Cheirava sim-plesmente a peixes.

Primeiro Gennie seguiu reto, querendo uma impressão completa da rua principal. Parou perto de um cemitério, onde as lápides eram muito severas e a grama, alta e selvagem, depois deu a volta para retornar pelo mesmo caminho. Não era uma cidade grande e a estrada era estreita, mas dava uma sensação de amplitude. Você não daria de cara com seu vizinho ali, a menos que quisesse. Feliz, Gennie parou na frente do mercado, supondo que este seria o centro da rede de comunicações de Windy Point.

O homem sentado em uma velha cadeira de balanço na varanda não a encarou, embora Gennie soubesse que ele a tinha visto passar e fazer o re-torno. O homem continuou a balançar enquanto reparava uma armadilha de lagosta quebrada. Tinha o rosto castanho bronzeado da costa, olhos tí-midos, cabelos finos, mãos fortes e nodosas. Gennie prometeu a si mesma que o esboçaria assim. Ela saiu do carro, quase esqueceu de pegar a bolsa e aproximou-se dele.

— Olá. Ele assentiu com as mãos ainda ocupadas com as lâminas de madeira da

armadilha. — Precisa de alguma ajuda?— Sim. — Ela sorriu, curtindo o sotaque lento e grosso, que de alguma

forma passava a sensação de vigor. — Talvez possa me dizer onde é possível alugar um quarto ou chalé por algumas semanas?

O comerciante continuou a balançar a cadeira enquanto a estudava com olhos perspicazes e desbotados. Cidade, ele concluiu, não totalmente com des-dém. E do sul. Embora ele fosse um homem que considerava Boston como sul, supôs que a garota era alguém que pertencia às regiões úmidas abaixo da linha Mason-Dixon. Era bonita e arrumada o suficiente, embora a pele mo-rena e os olhos claros dessem a ela um aspecto bem estrangeiro. Mas, então,

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se você fosse muito mais ao sul do que Portland, já poderia ser considerado território estrangeiro. 

Enquanto ele se balançava e ponderava, Gennie esperou pacientemente. Seu rico cabelo preto se erguia de seus ombros com a brisa salgada. Sua expe-riência na Nova Inglaterra durante os últimos meses lhe ensinara que, embora a maioria das pessoas fosse justa e amigável, geralmente elas levavam o tempo que queriam para isso. 

Não parecia uma turista, pensou o comerciante — mais como uma da-quelas princesas de contos de fadas dos livros ilustrados de sua neta. O rosto delicado chegava a um ponto sutil no queixo, e a curva das maçãs nas faces lhe dava um ar de arrogância. Entretanto, ela sorriu, amenizando a expressão, e os olhos eram da cor do mar.

— Não recebemos muitas pessoas no verão — disse ele. — Todos já fo-ram embora, de qualquer forma.

Ele não perguntaria, Gennie sabia. Mas ela poderia ser extrovertida quan-do lhe interessava. 

— Não acho que me qualifico como turista, senhor...?— Fairfield. Joshua Fairfield.— Genviève Grandeau. — Ela ofereceu uma das mãos, que ele aper-

tou com firmeza com sua áspera mão de trabalhador. — Eu sou uma artis-ta. Gostaria de passar algum tempo pintando por aqui.

Uma artista, pensou Joshua. Não que ele não gostasse de pinturas, mas não tinha certeza de que confiava completamente nas pessoas que as pro-duziam. Desenho era um bom passatempo, mas para um trabalho... ainda assim, a garota tinha um bom sorriso e não parecia desleixada. 

— Pode ser que tenha um chalé a cerca de três quilômetros de distân-cia. A viúva Lawrence ainda não o vendeu. — A cadeira rangia enquanto ele se movia para a frente e para trás. — Pode ser que o alugue por um tempo.

— Parece bom. Onde posso encontrá-la? — Cruze a estrada, na agência dos correios. — Ele balançou por mais

alguns segundos. — Diga-lhe que eu a mandei.— Obrigado, sr. Fairfield. — Despediu-se Gennie com um sorriso.A agência de correios não era mais do que um balcão e quatro pare-

des. Uma das paredes estava repleta de compartimentos nos quais uma mu-lher com um vestido de algodão escuro separava o correio habilmente. Ela

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parecia mesmo uma viúva Lawrence, pensou Gennie, com um prazer interior ao notar a trança circular perfeita na parte de trás da cabeça da mulher.

— Com licença.A mulher virou-se, dando a Gennie um rápido olhar antes de entrar no balcão.— Posso ajudar? — Espero que sim, sra. Lawrence? — Ayah.— O sr. Fairfield me disse que você poderia ter um chalé para alugar.A pequena boca franziu – o único sinal de movimento facial. — Eu tenho um chalé à venda.— Sim, ele explicou isso. — Gennie tentou seu sorriso novamente. Ela

queria o vilarejo, e o chalé a três quilômetros de distância lhe daria isso. — Gostaria de saber se você consideraria alugá-lo por algumas semanas. Posso lhe dar referências, se quiser.

A sra. Lawrence estudou Gennie com frieza.  Ela fazia suas próprias referências.

— Por quanto tempo?— Um mês, talvez seis semanas.Ela olhou para as mãos de Gennie. Havia um anel dourado de desenho

intricado, mas estava no dedo errado. — Você está sozinha? — Sim. — Gennie sorriu de novo. — Eu não sou casada, sra. Lawrence. Es-

tou viajando pela Nova Inglaterra há vários meses, pintando. Gostaria de passar algum tempo aqui em Windy Point.

— Pintando? — A viúva indagou com outro olhar longo.— Sim.A sra. Lawrence decidiu que gostava da aparência de Gennie e que ela

era uma mulher jovem que não falava sem parar sobre si mesma. E fato era fato. Uma casa vazia era uma coisa inútil. 

— O lugar está limpo e o encanamento é bom. O telhado foi consertado há dois anos, mas o fogão funciona quando quer. Há dois quartos, mas um deles está vazio.

Isso era doloroso para ela, Gennie percebeu, embora a voz da viúva tenha se mantido uniforme e seus olhos estivessem firmes. Ela está pensando em todos os anos que morou lá.

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— Não tem vizinhos próximos, e o telefone foi retirado. Pode ser que você consiga instalar um, caso queira.

— Parece perfeito, sra. Lawrence.Algo no tom de Gennie fez a mulher limpar a garganta. Era simpatia e

compreensão oferecidas silenciosamente. Depois de um momento, nomeou uma soma para o aluguel do mês, muito mais razoável do que Gennie espe-rava. Como sempre, ela não hesitou, seguindo seus instintos.

— Aceito.O primeiro leve lampejo de surpresa apareceu no rosto da viúva. — Sem ver o chalé antes?— Não preciso vê-lo. — Com uma praticidade vigorosa que a sra. Lawren-

ce admirava, Gennie tirou um talão de cheques da bolsa e escreveu o valor. — Talvez você possa me dizer o que precisarei comprar para utilizar na casa.

A sra. Lawrence pegou o cheque e o estudou. — Genevieve — murmurou ela.— Genviève — corrigiu Gennie, falando em francês correto. — Igual a

minha avó. — Ela sorriu novamente, suavizando a aparência de fada cruel. — Todo mundo me chama de Gennie.

Uma hora depois, Gennie tinha as chaves do chalé em sua bolsa, duas caixas com provisões no banco traseiro de seu carro e as indicações para o local. Ha-via ignorado os olhares distantes e cautelosos dos moradores locais e conseguiu não rir da boca aberta de um jovem esquisito que entrou no mercado enquanto ela estava decidindo se compraria um conjunto de pratos de barro.

Já estava anoitecendo quando finalmente ficou pronta para partir. As nu-vens estavam baixas e hostis agora, e o vento ficara mais forte. Isso apenas aumentava a sensação de aventura. Gennie pegou a estrada estreita e cheia de curvas que levava ao mar com uma excitação interna e inquieta que pre-nunciava alguma coisa nova no horizonte.

Seu amor por aventuras era algo natural. Seu tataravô havia sido um pira-ta – um maroto do mar assumido. Seu navio era rápido e feroz, e ele tomava o que queria sem escrúpulos. Um dos tesouros de Gennie era seu diário de bor-do. Philippe Grandeau havia gravado seus crimes com charme e uma ironia a que ela nunca conseguira resistir. Talvez tivesse herdado uma forte característi-ca de praticidade dos aristocratas do lado de sua mãe, mas era sincera o suficien-te para saber que teria navegado com o pirata Philippe e adorado cada minuto.

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Enquanto seu carro sacolejava ao longo da estrada, ela apreciou a pai-sagem, tão distante da sua Nova Orleans natal, que poderia ser outro pla-neta.  Aquele não era um lugar para longos dias preguiçosos e noites de festa. Naquele mundo rochoso, varrido pelo vento, era preciso estar atento a todo instante. Erros não seriam facilmente perdoados ali.

Porém, Gennie viu mais do que apenas terra dura e pedras. Integrida-de. Sentiu isso na terra que competia com o mar. Uma terra que sabia que perdia centímetros por minuto, século após século, mas não iria ceder. Em-bora as sombras se alongassem com a noite, ela parou, obrigada a colocar algumas de suas impressões no papel.

Havia uma enseada a alguns metros da estrada, agitada com a aproxima-ção da tempestade. Enquanto tirava um caderno de desenhos e um lápis do carro, Gennie sentiu o cheiro de peixes e algas em decomposição. Não torceu o nariz. Entendeu que isso fazia parte do estranho chamariz que atraía ho-mens ao mar desde o início dos tempos.

O solo era fino e as rochas, desgastadas. Perto da estrada havia diversos arbustos de mirtilo selvagens, cheios com a última safra do verão. Ela podia ouvir o vento — um som distintamente feminino — suspirando e gemen-do. Ainda não podia ver o mar, mas sentia o cheiro e podia prová-lo no ar que girava em volta dela.

Gennie não precisava dar satisfações a ninguém, não tinha um horário para cumprir. Estava acostumada com essa liberdade há algum tempo, mas a solidão era outra coisa. Conseguia senti-la, perto da pequena enseada ex-posta ao vento, ao longo da estrada estreita e impossível. E agarrou-se a ela.

Quando voltasse a Nova Orleans, uma cidade que amava, e passasse por um daqueles dias cheios de vapor, que exalavam o cheiro do rio e da huma-nidade, ela lembraria de ter passado uma hora em um local frio e solitário onde poderia ter sido a única alma viva em quilômetros.

Relaxada, mas sentindo uma onda de excitação pulsando à flor da pele, Gennie desenhou, bem mais detalhadamente do que pretendia quando havia parado no local. A falta de ruídos humanos a agradava. Sim, definitivamente aproveitaria Windy Point e o pequeno chalé.

Terminando, jogou seu caderno de desenhos de volta no carro. Estava quase escuro agora, e, se não fosse por isso, ela poderia ter ficado mais tempo, andado mais perto da borda da água. Longos dias de pintura esticavam-se

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à frente... e quem sabia o que mais um mês poderia trazer? Com um meio sorriso, Gennie virou a chave na ignição.

Ao ter apenas um barulho de reclamação do motor, tentou novamen-te. Foi recompensada com um suspeito som metálico. O carro lhe dera um pouco de problema em Bath, mas o mecânico havia mexido em algumas coisas. Estava funcionando bem desde então. Pensando na estrada cheia de curvas, Gennie percebeu que o que havia sido consertado poderia facilmente ter se desajustado outra vez. Praguejando, saiu do carro para abrir o capô.

Mesmo se tivesse as ferramentas adequadas — e Gennie achava que isso não incluía a chave de fenda e a lanterna em seu porta-luvas —, dificilmente saberia o que fazer com elas. Fechando o capô, olhou para os dois lados da estrada. Deserta. O único som era o vento. Estava quase escuro e, por seus cálculos, ela estava no meio do caminho entre a cidade e o chalé. Se voltasse, talvez conseguisse uma carona, mas, se continuasse, provavelmente poderia chegar ao chalé em quinze minutos. Com um encolher de ombros, ela tirou a lanterna do porta-luvas e fez o que costumava fazer. Seguiu em frente.

Gennie precisou da lanterna quase que imediatamente.  A estrada não era melhor para caminhar do que para dirigir, mas teria que se manter nela a menos que quisesse acabar perdida ou cair em uma enseada. Os sulcos eram mais profundos naquela parte, e as pedras eram altas, então Gennie se perguntou com que frequência alguém realmente percorria aquele trecho.

A escuridão caiu rapidamente, mas não em silêncio. O vento forte batia em seus cabelos, assobiando baixo e de forma penetrante. Agora havia um pouco de neblina a seus pés, e ela torceu para que diminuísse até que esti-vesse dentro do chalé.  Mas esqueceu-se da neblina quando a tempestade chegou com toda a sua fúria.

Sob outras circunstâncias, Gennie não teria se importado com um ba-nho de chuva, mas até seu gosto por aventura estava em xeque na escuridão uivante, onde sua lanterna cortava um feixe ínfimo através da chuva inten-sa. Sua primeira reação foi ficar irritada, enquanto continuava a andar na estrada desigual com sapatos completamente molhados. Gradualmente, a irritação tornou-se desconforto, e o desconforto, apreensão. 

Um relâmpago iluminou um aglomerado de rochas e arbustos atrofiados, lançando sombras assustadoras. Mesmo uma mulher sem imaginação fértil teria ficado amedrontada naquela situação. Gennie tinha visões de pequenos

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elfos malvados sorrindo da escuridão. Cantarolando sem ritmo para evitar o pânico, ela se concentrou no feixe de sua lanterna.

Então, estou molhada, Gennie disse a si mesma ao tirar o cabelo ensopado de seus olhos. Isso não vai me matar. Deu um outro olhar desconfiado para o lado da estrada. Não havia escuridão como a escuridão do campo, concluiu. E onde estava o chalé? Certamente, já tinha andado mais de um quilômetro e meio até agora. Desanimada, girou a lanterna em um círculo. O trovão es-tourou sobre sua cabeça enquanto a chuva batia em seu rosto. Seria preciso um pequeno milagre para encontrar um chalé escuro e deserto com apenas a luz fraca de uma lanterna doméstica.

Estúpida, criticou a si mesma enquanto cruzava os braços e tentava pen-sar. Era sempre estúpido ir em direção ao desconhecido quando você tinha uma escolha. E, no entanto, ela sempre escolhia o errado. Parecia não haver mais nada a fazer além de encontrar o caminho de volta para o carro e espe-rar a tempestade passar. A perspectiva de uma longa e úmida noite dentro de um carro não era agradável, mas era melhor do que ficar vagando sem rumo pela tempestade. E havia biscoitos no carro, ela lembrou, ainda apontando a lanterna para a frente e para trás, apenas no caso de haver... algo lá fora. Com um suspiro, deu um último olhar pela estrada.

E então ela viu. Gennie piscou para limpar os olhos e observou novamen-te. Uma luz. Certamente havia uma luz à frente. Uma luz significava abrigo, calor, companhia. Sem hesitar, Gennie seguiu em direção a ela.

Precisou andar mais de um quilômetro outra vez, enquanto a tempestade e a estrada pioravam. Raios cortavam o céu com uma luz roxa e perversa, emitindo um brilho misterioso que apenas fazia a escuridão ficar mais pro-funda quando desaparecia. Para evitar tropeçar, Gennie foi obrigada a andar devagar e a manter os olhos no chão.  Começou a ter certeza de que nunca mais ficaria seca ou aquecida. A luz em frente manteve-se firme e verdadeira, ajudando-a a resistir a olhar por cima do ombro muitas vezes.

Podia ouvir o mar agora, batendo violentamente sobre rochas e xis-to. Uma vez, em um relâmpago, pensou ter visto uma crista de ondas irri-tadas, brancas e turbulentas a distância. Até mesmo a chuva passou a ter o aroma do mar, irritado e vingativo. Não poderia se permitir ter medo, embora seu coração estivesse batendo descompassado por mais do que a caminhada de três quilômetros. Se admitisse que estava assustada, cederia

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ao desejo de correr e acabaria em um penhasco, em uma vala ou em um abismo insondável.

A sensação de desnorteamento era tão intensa que Gennie poderia ter simplesmente sentado na estrada e chorado se não fosse o feixe de luz cons-tante que enviava a promessa de segurança.

Quando viu a silhueta do prédio por trás da cortina de chuva, quase riu alto. Um farol — uma daquelas estruturas resistentes que provaram que o ho-mem já tivera algum senso de altruísmo. A luz-guia não provinha da alta lente giratória, mas de uma janela. Gennie não questionou, mas acelerou seu ritmo o máximo que ousou. Alguém estava lá, um velho carrancudo talvez, ou um ex--marinheiro.  Ele teria uma garrafa de rum e conversaria em curtas frases salga-das. Quando um novo raio atravessou o céu, Gennie decidiu que já o adorava.

A estrutura parecia enorme para ela: um símbolo de segurança para qual-quer pessoa perdida e lançada na tempestade. Parecia incrivelmente branca sob o brincar de sua lanterna enquanto buscava por uma porta. A janela ilu-minada era alta, a mais alta das três janelas da parede do lado de que Gennie se aproximou.

Encontrou uma porta de madeira áspera e grossa. Bateu nela. A violên-cia da tempestade engoliu o som e jogou-o fora. Mais perto do pânico do que queria admitir, Gennie bateu de novo. Seria possível ter andado tanto e chegado tão perto para não ser ouvida? O velho estava lá, pensou enquanto batia na porta, provavelmente assobiando e entalhando algo, talvez passando a noite colocando um navio em uma garrafa.

Desesperada, Gennie se inclinou contra a porta, sentindo a madeira dura e úmida contra a bochecha, bem como o lado de seu punho, enquanto conti-nuava batendo contra ela. Quando a porta se abriu, ela se desequilibrou e foi junto. Os braços de Gennie foram segurados com força na queda.

— Graças a Deus! — Conseguiu dizer. — Eu estava com medo de você não me ouvir. — Com uma das mãos, tirou seu cabelo sujo do rosto e olhou para o homem que considerava seu salvador.

Mas não era velho, muito pelo contrário. Nem carrancudo. Em vez dis-so, era jovem e magro, o rosto fino e bronzeado de ângulos fortes podia ser de um homem que fazia alguma atividade marítima, na mesma linha do tataravô de Gennie.  O cabelo dele era tão preto e grosso quanto o dela, com aquele efeito desalinhado que um homem conseguia se ficasse parado

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no convés de um navio. A boca era carnuda e sensual; o nariz, um pouco aristocrático naquele rosto rústico. Os olhos eram de um castanho profundo sob sobrancelhas escuras. E nada amigáveis, percebeu Gennie. Nem mesmo curiosos. Expressavam apenas irritação.

— Como diabos você chegou aqui? Não era a recepção que esperava, mas sua caminhada pela tempestade a

deixara um pouco confusa. — Eu andei.— Andou? — repetiu ele. — Nesse tempo? De onde? — Alguns quilômetros atrás. Meu carro enguiçou. — Gennie começou a

tremer, não importava se de frio ou pela reação. O desconhecido ainda não soltara seus braços, e ela ainda não se recuperara o suficiente para exigir isso.

— O que você estava fazendo dirigindo em uma noite como essa?— Eu... eu aluguei o chalé da sra. Lawrence. Meu carro quebrou, então

devo ter perdido o retorno no escuro. Vi sua luz. — Ela respirou fundo e per-cebeu abruptamente que suas pernas estavam tremendo. — Posso me sentar?

Ele olhou-a por mais um minuto e, então, com algo como um grunhido, a empurrou em direção a um sofá. Gennie sentou-se, inclinou a cabeça para trás e concentrou-se em se recompor.

E o que diabos deveria fazer com ela?, Grant perguntou a si mesmo enquanto a estudava. No momento, ela parecia que iria desmaiar se ele respirasse mais fun-do. O cabelo estava grudado na cabeça, levemente encaracolado e preto como a noite. O rosto dela não era fino ou delicado, mas lindo ao estilo da realeza, com ossos longos e feições acentuadas. Uma princesa celta ou gaulesa com um pequeno corpo atlético que Grant podia ver claramente pelas roupas agarradas.

Considerou que o rosto e o corpo da mulher poderiam ser suficientemente atraentes, sob certas circunstâncias, mas foram os olhos que o haviam impressio-nado mais. Verdes da cor do mar, enormes e levemente inclinados. Olhos de sereia, pensou. Por um segundo, ou talvez apenas metade disso, Grant se perguntou se ela era uma criatura mítica que tinha sido jogada em terra durante a tempestade.

Sua voz suave fluía e, embora ele reconhecesse o sotaque do Sul, parecia quase uma língua estrangeira em relação à cadência costeira do Maine a que ele se acostumara. Não era um homem que ficaria satisfeito por ter uma flor de magnólia deixada em sua porta. Quando ela abriu os olhos e sorriu, Grant desejou fervorosamente que nunca tivesse aberto a porta.

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— Desculpe — começou Gennie. — Eu não fiz muito sentido, não é? Suponho que não tenha passado mais de uma hora lá fora, mas pareceram dias. Sou Gennie.

Grant enfiou os polegares nos bolsos de seu jeans e franziu o cenho para ela novamente. 

— Campbell. Grant Campbell. Vendo que ele não faria mais nada além de encará-la, Gennie fez o pos-

sível para continuar a conversa: — Senhor Campbell, não posso expressar o quão aliviada fiquei quando

vi sua luz. Grant a olhou novamente, pensando por um momento que o rosto da

mulher parecia familiar. — O retorno para o chalé de Lawrence é quase dois quilômetros para trás.Gennie ergueu uma sobrancelha em resposta ao tom. Ele realmente espe-

rava que ela voltasse para fora e tropeçasse até encontrar o retorno? Gennie se orgulhava de ser bastante calma para uma artista, mas estava molhada e com frio, e o rosto hostil e franzido de Grant foi a última gota. 

— Olha, vou te pagar por uma xícara de café e o uso dessa... — ela bateu uma mão no sofá e uma suave nuvem de poeira levantou-se — coisa por essa noite.

— Eu não aceito inquilinos.— E você provavelmente chutaria um cachorro doente se te atrapalhasse

— acrescentou ela. — Mas eu não vou voltar para a tempestade esta noite, sr. Campbell, e eu não recomendaria tentar me chutar para fora também.

Isso o divertiu, embora seu rosto não tenha demonstrado. Grant também não corrigiu a suposição de que ele tinha a intenção de empurrá-la de volta para a tempestade. A declaração tinha sido simplesmente destinada a trans-mitir o seu descontentamento e o fato de que não aceitaria o dinheiro. Se não tivesse sido irritado, poderia ter apreciado o fato de que, mesmo molhada e ligeiramente pálida, ela tinha se defendido.

Sem dizer uma palavra, ele caminhou até o outro lado da sala e aga-chou-se para revirar um armário de carvalho arranhado. Gennie continuou olhando diretamente para a frente, mesmo quando ouviu o som do líquido bater o copo.

— Você precisa de um conhaque mais do que de café, no momento — disse Grant a ela, e empurrou o copo sob o seu nariz.

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— Obrigada — agradeceu Gennie, com o tom gelado utilizado com lou-vor pelas mulheres do sul. 

Ela bebeu tudo em um gole, deixando o calor aquecer seu corpo até voltar ao normal. Com uma polidez distante, entregou o copo vazio de volta para ele. Grant olhou para baixo e quase sorriu: 

— Quer outro?— Não. Obrigada.Fui colocado no meu lugar, pensou Grant com ironia. Princesa contra cam-

ponês. Considerando sua opção, ele começou a andar de um lado para o outro. Através das paredes espessas do farol, a tempestade podia ser ouvi-da. Mesmo o passeio curto para o chalé de Lawrence seria selvagem e ter-rível, se não perigoso. Era mais fácil deixá-la dormir no sofá do que levá-la de carro até o local. Com um xingamento mais cansado do que bravo, ele se afastou.

— Bem, vamos... — ordenou ele sem olhar para trás — você não pode ficar sentada tremendo a noite toda.

Gennie considerou, seriamente, dar uma bolsada nele.A escada a atraiu. Ela quase fez um comentário sobre isso antes de se

deter. Era de ferro e circular, subindo e subindo pelo interior. Grant foi para o segundo andar que, pelos cálculos de Gennie, era quase seis metros acima do primeiro. Ele se moveu como um gato no escuro enquanto ela segurava o corrimão e esperava que Grant acendesse a luz. A claridade lançou um brilho fraco e muitas sombras sobre o chão de madeira. 

Grant atravessou uma porta à direita, no que ela descobriu que era seu quarto — pequeno, não particularmente elegante, mas com uma cama de latão antiga pela qual Gennie se apaixonou instantaneamente. Ele foi até um velho armário, que poderia ficar lindo se reformado. Murmurando para si mesmo, procurou e encontrou um robe atoalhado um pouco desbotado.

— O banheiro fica no outro lado do corredor — explicou brevemente, e largou o robe nos braços de Gennie antes de deixá-la sozinha.

— Muito obrigada — murmurou ela, enquanto os passos de Grant des-ceram de volta pela escada. Com o queixo erguido e olhos brilhantes, Gennie atravessou o corredor e se viu encantada novamente.

A banheira era de porcelana branca com pés de latão que ele obviamente gastara um tempo polindo. O banheiro era um pouco maior que um closet,

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mas, em algum lugar da história, tinha sido revestido de cedro lacado. Havia uma pia de pedestal e um espelho pequeno e estreito. A lâmpada ficava aci-ma dela, operada por uma corda de puxar.

Descartando com gratidão suas roupas frias e molhadas, Gennie entrou na banheira e fechou a fina cortina circular.  Em um instante, tinha água quente caindo do minúsculo chuveiro esquentando-lhe o corpo. Achou que o paraíso não podia ser mais doce, mesmo que fosse guardado pelo demônio.

Na cozinha, Grant fez café. Então, resolveu de última hora abrir uma lata de sopa. Supôs que teria que alimentá-la. Ali, na parte de trás da torre, o barulho do mar era mais alto. Era um som com o qual ele estava acostumado — não a ponto de deixar de ouvi-lo, mas geralmente o antecipava. Se o mar estava cruel e ameaçador, como o som demonstrava naquela noite, Grant tomava conhecimento e depois ia cuidar de suas coisas.

Ou o teria feito se não tivesse encontrado uma mulher encharcada do lado de fora de sua porta. Agora, calculou, teria que colocar uma hora extra naquela noite para compensar o tempo que ela estava custando-lhe. Após a primeira onda de irritação, Grant admitiu que não poderia ser diferente. Ele lhe daria a hospitalidade básica: uma refeição quente, um telhado sobre sua cabeça e só.

Um sorriso iluminou brevemente suas feições quando se lembrou do olhar da moça ao sentar pingando no sofá. A dama, ele percebeu, não era tola.  Grant tinha pouca paciência com tolos.  Quando queria companhia, escolhia pessoas que falavam o que pensavam e estavam dispostas a defender seu ponto de vista. De certa forma, era por isso que Grant havia saído de sua rotina autoimposta.

Fazia menos de uma semana desde seu retorno de Hyannis Port, onde fora o casamento de sua irmã, Shelby, com Alan MacGregor. E não lhe agradou muito descobrir que o casamento o deixara sentimental. Não foi difícil para os MacGregor persuadi-lo a ficar por mais alguns dias. Havia gostado deles, do velho Daniel em particular, e Grant não era um homem que gostava de pessoas com facilidade. Era cauteloso desde a infância, mas os MacGregor formavam um grupo irresistível. E, de alguma maneira, sentira-se enfraque-cido pelo casamento em si.

Entregar sua irmã ao noivo, algo que seria tarefa de seu pai se estivesse vivo, lhe causara um misto de dor e prazer, e Grant agradeceu a oportunidade

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de se distrair, passando alguns dias entre os MacGregor antes de retornar a Windy Point. Em um momento, até se entreteve com a intromissão nada sutil de Daniel em sua vida pessoal. Divertira-se o suficiente para aceitar um convite aberto para retornar. Uma visita que tinha a intenção de fazer, embora o sentimento surpreendesse a si mesmo.

Por enquanto, havia trabalho a ser feito. Mas acabou resignando-se, deci-dindo que uma breve interrupção não causaria danos irreparáveis. Contanto que fosse realmente breve. A moça podia dormir no quarto de hóspedes e, na manhã seguinte, ele a acompanharia até a porta. Estava quase de bom humor quando a sopa começou a ferver.

Grant a ouviu entrar, embora o barulho de fora ainda fosse feroz. Virou-se, preparado para fazer um comentário moderadamente amigável, quando a visão daquela mulher em seu robe o acertou em cheio.

Droga, ela era linda!  Bonita demais para sua paz mental.  O robe era grande no corpo pequeno, mesmo que ela tivesse enrolado as mangas quase até os cotovelos. O azul desbotado do tecido acentuava-lhe o tom dourado da pele. Havia escovado o cabelo úmido para trás, deixando o rosto limpo, exceto por alguns cachinhos que saíam perto das têmporas. Com os olhos verde-claros e os cílios escuros, ela parecia mais do que nunca a sereia que Grant imaginava que fosse.

— Sente-se — ordenou ele, bastante irritado pela onda de desejo nada bem-vinda. — Fiz sopa.

Gennie parou um momento, seus olhos percorrendo as costas largas antes de sentar na mesa de madeira rústica. 

— Nossa, obrigada. A resposta de Grant foi um murmúrio ininteligível antes de colocar uma

tigela na frente de Gennie. Ela pegou a colher, não disposta a deixar o orgu-lho entrar no caminho da fome. Embora surpresa, não disse nada quando ele se sentou com uma tigela própria.

A cozinha era pequena, iluminada e muito, muito silenciosa. O único som vinha do vento e da água agitada do lado de fora das paredes espessas. No começo, Gennie comeu com os olhos focados teimosamente na tigela em sua frente, mas, quando a fome aliviou, começou a observar a sala. Pequena, cer-tamente, mas sem espaço desperdiçado. Os gabinetes de carvalho rodeavam as paredes, dando um espaço generoso para suprimentos. Os balcões tam-

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bém eram de madeira, mas lixados e polidos. Viu as conveniências modernas de uma cafeteira elétrica e uma torradeira.

Ele cuidava melhor daquele cômodo, concluiu, do que do resto da casa. Sem pratos na pia, sem migalhas ou respingos. E os únicos aromas eram os da sopa e do café. Os aparelhos eram velhos e um pouco manchados, mas não eram sujos.

À medida que sua fome diminuía, a raiva também passava. Ela, afinal, havia invadido a privacidade do homem. Nem todo mundo ofereceria hos-pitalidade a um estranho com um sorriso e braços abertos. Ele havia olhado feio, mas não fechara a porta na sua cara. Dera-lhe algo seco para usar e comida, ela observou, esforçando-se para submergir o orgulho.

Com uma leve careta, ela deslizou o olhar sobre a mesa até descansar nas mãos masculinas. Bom Deus, pensou com surpresa, eram lindas. Os pulsos eram estreitos, dando uma sensação não de fraqueza, mas de força e capacida-de graciosas. As costas de suas mãos eram profundamente bronzeadas e lisas, longas e magras, assim como seus dedos. As unhas eram curtas e retas. Más-culas foi a primeira palavra que lhe veio à mente, seguida de delicadas. Gennie podia imaginar as mãos segurando uma flauta com a mesma facilidade que podia vê-las empunhando uma espada.

Por um momento, esqueceu o restante do homem de tão fascinada que ficara pelas mãos e por sua reação a elas. Sentiu a emoção, mas não a supri-miu. Estava certa de que qualquer mulher que visse aquelas mãos românticas e requintadas se perguntaria automaticamente como seria a sensação delas em sua pele. Mãos impacientes e hábeis. O tipo de mãos que poderia rasgar as roupas de uma mulher ou despi-la suavemente antes que ela tivesse algu-ma ideia do que estava acontecendo.

Quando Gennie reconheceu o sentimento de excitação correndo por seu corpo, conteve-se. O que estava pensando?! Nem mesmo sua imaginação podia seguir naquela direção. Um pouco atordoada com a sensação que se recusava a ir embora, Gennie ergueu o olhar para o rosto dele.

Grant estava observando-a friamente, como um cientista assistindo a um espécime. Quando ela parou de comer de repente, ele viu os olhos verdes irem para suas mãos e permanecerem lá, com cílios baixos o suficiente para escon-der sua expressão. Grant tinha esperado, sabendo que mais cedo ou mais tarde Gennie olharia para cima. Estava esperando uma raiva fria ou uma polidez gélida. A expressão de choque anestesiado no rosto feminino o deixou confu-

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so, ou melhor, o intrigou. Mas foi a vulnerabilidade que o fez desejá-la quase dolorosamente. Mesmo quando ela tinha tropeçado em sua casa, molhada e perdida, não parecera indefesa. Grant se perguntou o que Gennie faria se ele simplesmente levantasse, a pegasse no colo e a carregasse para a cama. Grant também se perguntou que merda estava acontecendo com ele.

Entreolharam-se, cada um abalado por sentimentos indesejados enquan-to a chuva e o vento batiam contra as paredes, separando-os do resto da civi-lização. Grant pensou novamente que ela parecia uma sereia. Gennie pensou que ele poderia deixar seu tataravô-pirata no chinelo.

As pernas da cadeira de Grant rasparam contra o chão quando ele se afastou da mesa. Gennie congelou.

— Há um quarto no segundo andar com um beliche. — Seus olhos estavam duros e escuros com raiva suprimida; seu estômago se contorcendo com o desejo reprimido.

Gennie se deu conta de que as palmas de suas mãos estavam úmidas de nervoso e ficou furiosa. Melhor ficar furiosa com ele. 

— O sofá já é o suficiente — afirmou friamente. Ele deu de ombros.— Como quiser. Sem outra palavra, Grant saiu da cozinha. Gennie esperou até ouvir os

passos dele na escada antes de apertar uma das mãos contra o estômago. Da próxima vez que visse uma luz no escuro, disse a si mesma, correria com todo afinco na direção oposta.