- 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO...

125
AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Transcript of - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO...

Page 1: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 1 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 2: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 2 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

IMPRESSÃO:

Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991

Av. das Itaúbas, 2062 – Jd. Botânico – Sinop MT

CAPA:

Sidinei Novais

EDITORAÇÃO:

Arte Design (66) 531-6097

E-mail: [email protected]

REVISÃO:

Renato Gomes Tapado

Cássia Regina Tomonim

REVISÃO FINAL:

Maria da Paz Sabino

PICOLI, FioreloAmazônia: do mel ao sangue - os extremos da expansãocapitalista. 2 ed.Sinop: Editora Fiorelo, 2005.125 p.1 – Amazônia. 2 – Expansão Capitalista. 3 – Capital.4 – Ditaduta Militar. 5 – Estado. 6 – Colonizadores.ISBN - 85-904199-1-6 / Prefixo Editorial N° 904199

Todos os Direitos Reservados. É proibida a reprodução total ou parcial, dequalquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos de autor (Lei n°5610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.

Page 3: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 3 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Este livro é dedicadoa todos aqueles que lutaram

pela conquista da terra naAmazônia, perdendo suas vidas

no silêncio e na clandestinidade, massua verdadeira história nunca foi contada.

Page 4: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 4 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 5: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 5 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

ORIENTAÇÃO

Prof. Dr. Nildo Domingos Ouriques

Departamento de Ciências Econômicas

Programa de Pós Graduação em Economia Industrial

Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. José Luiz Vázquez Burguete

Departamento de Direción y Economía de la Empresa

Programa de Doutorado em Gestión y Comercialización

Internacional de la Empresa

Universidad de León, España

Page 6: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 6 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 7: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 7 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, em especial minha querida e

sempre presente mãe Sibila L. Anghinoni Picoli, que consegue reunir

junto a si os filhos, os netos e os bisnetos, pois sem o apoio recebido

dos familiares não seria possível realizar este trabalho. O meu

sincero reconhecimento a todos os professores que ajudaram a

construir esta caminhada ao longo dos tempos, principalmente aos

do curso de doutorado da Universidade de León, Espanha.

Agradeço a oportunidade recebida através da Universidade

do Estado de Mato Grosso, por conceder licença para qualificação

em dedicação exclusiva. Obrigado a Universidade Federal de Santa

Catarina, pelo apoio recebido nos últimos três anos. A Universidade

de León por promover o curso e ter sempre dedicado o apoio

necessário.

O sincero reconhecimento aos orientadores, professor Dr.

Nildo. D. Ouriques, da Universidade Federal de Santa Catarina, e o

professor Dr. José L. Vázquez Burguete, da Universidade de León,

Espanha, que, juntos, conseguiram realizar um trabalho de

qualidade, demonstrando que é possível realizar trabalhos entre

duas Universidades, mesmo em centros diferentes.

A minha gratidão aos professores da Universidade do Estado

Page 8: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 8 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

de Mato Grosso pelo apoio recebido. O meu sincero obrigado aos

professores Almir Arantes, Jaqueline Pasuch, Sandro. B. Sguarez,

Laudemir L. Zart, Antonio Tadeu G. de Azevedo, Aumeri C. Bampi e

a jornalista Maria da Paz Sabino, destacando os professores

Josivaldo C. dos Santos e Milton Luiz N. Pereira pela colaboração

em pesquisa prévia, que determinou toda a trajetória dos trabalhos.

Agradeço também o apoio recebido dos professores Ana

Maria B. de Souza, Eliete A. Wolff, Idaleto Aved, Renato G. Tapado,

Páblo Gutiérrez Rodriguez e Dalva Barreto. Também a ajuda e apoio

de Maria P. Fernández, Mauro Ricardo M. Barreto, Maria das Neves

Souza, Marlea A. do Nascimento, Romeu B. da Silva e Ubiratan

Martins pela colaboração efetiva neste trabalho.

Page 9: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 9 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS .................................................................. 07

PREFÁCIO ................................................................................. 11

APRESENTAÇÃO ...................................................................... 13

A EXPANSÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA A Amazônia e o mercado mundial ........................................ 17 A política de colonização capitalista ..................................... 57

A EXPANSÃO E A COLONIZAÇÃO CAPITALISTAS A colonização promovida pelo Estado ................................. 69 A colonização promovida por empresas capitalistas ........... 79 A cidade planejada como centro do capital ......................... 91

RESUMO ..................................................................................103

CONCLUSÃO ........................................................................... 111

LISTA DE ABREVIATURAS ...................................................... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................... 117

Page 10: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 10 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 11: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 11 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

PREFÁCIO

A análise empreendida pelo autor nos chama a atenção

por duas questões: a primeira por ser uma obra contextualizada e

de fácil entendimento. Mesmo ao leigo em assuntos da Amazônia

é possível o acesso. A segunda característica é a de tratar o tema

pontualmente, dizendo com sinceridade a que, a quem e a quantos

têm servido a abertura e a exploração da Amazônia, nos moldes e

na forma predatória que tem sido desenvolvida, muitas vezes

incentivada pelo poder público das mais diversas esferas. É

predatória no sentido de usurpação de terras, de desastres

ambientais, no sentido humano e no sentido político.

Acreditamos também que é importante lembrar que o autor

reflete constantemente todo este processo de ocupação da

Amazônia como inserido no contexto mundial. Na Amazônia, a

globalização existiu já há muito tempo.

Da parte da análise sobre o aspecto humano retratado na

obra é preciso entender o significado “do mel ao sangue” como

uma expressão carregada de sentido de vida. Milhares e milhares

de pessoas que se deslocaram para a Amazônia (migrantes) não

conseguem “a terra prometida”, senão que se tornam agentes

desbravadores, de abrir a mata, muitas vezes perdendo a vida ou

tirando a vida, entrando em confronto com tribos indígenas,

Page 12: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 12 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

destruindo suas culturas e suas formas de organizações sociais,

destruindo o ambiente e morrendo neste ambiente às vezes hostil

ao alienígena. Nada ganham, quer sejam os povos amazônicos ou

os migrantes iludidos. Ganha o capital econômico que chega

posteriormente e encontra terreno fácil e aberto para ser explorado.

Repete-se na Amazônia, de maneira ainda pior a exploração,

a concentração de renda e terras. A violência, na terra sem lei,

sem Estado, cresce de maneira trágica. Há vencedores, os poucos

novos-ricos, mas há cada vez mais muitos e muitos empobrecidos

numa terra tão rica e generosa. Não houve o respeito aos seus

habitantes.

Não podemos, diz o autor, continuar a reprodução de

maneira ainda mais trágica do modelo sócio-econômico brasileiro

desigual e injusto na Amazônia. A Amazônia que significava

esperança de nova vida tem de continuar sendo esperança, não

pavor, medo, exploração e desilusão. Tem de ser sonho do mel e

não o pesadelo do sangue, pois esta última não é uma maneira

sábia de construir um país, uma nação e nem muito menos de tratar

um povo que busca em seu próprio território a Terra Prometida.

Sinop, janeiro de 2004.

Prof. Dr. Aumeri Carlos Bampi

Coordenador do Campus Universitário de Sinop – MT

Doutor em Filosofia e Ciências da Educação

Universidade de Santiago de Compostela, Espanha.

Page 13: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 13 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

APRESENTAÇÃO

Este livro é o primeiro de uma série de quatro volumes,resultado do estudo que concedeu-me o título de doutor emAdministração e Direção de Empresas, através da Universidade deLeón, Espanha. A obra trata dos espaços ocupados pelas diferentesclasses sociais que fazem a história da ocupação amazônicabrasileira ao longo dos tempos, destacando-se, nesta trajetória, operíodo pós-ditadura militar iniciado em 1964. O centro das atençõessão a expansão capitalista e as relações do homem e do meioambiente. O interesse pela região começou quando miramos estanova fronteira expansionista em 1987, passando a conviver comlimitações sociais, econômicas, políticas e culturais diferentes, sem,no entanto, entendê-las na sua profundidade. Havia a necessidadede criar o espaço social, visto que este nasceu dos entrelaçamentosdos diferentes figurantes que chegaram a esta terra, ainda poucoocupada pelos ditos “civilizados”. Ao mesmo tempo, passavam aconviver com um projeto arquitetado pelas estratégias do Estadoem conjunto com o capital expansionista na região. Foi necessárioadaptar-se aos novos limites geográficos da ocupação, bem comodistinguir a quem interessa o movimento de ocupação.

Esse projeto nasce com as vestimentas da lógica daexpansão capitalista, fruto da exploração da natureza e da força detrabalho. Aos migrantes fazia-se necessário entender o novo espaço,compreender as abrangências e os limites previamente elaboradospelo sistema capitalista. Desta maneira, as classes sociais

Page 14: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 14 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

envolvidas na nova dinâmica da ocupação do território amazônicoconfiguram-se em duas: uma representada por grupos econômicosque ali vão expandir seus negócios para reproduzir capitais; a outraformada, por marginalizados e despossuídos no processo históricocom sucessivas migrações ao longo de suas gerações, que fazemparte do exército industrial de reserva do País.

Os despossuídos e marginalizados chegaram em busca daterra e, como não tiveram acesso, tornaram-se proletários nestenovo espaço de ocupação, passando a exercer funções de suporteà lógica do sistema concentrador. Este lugar diferente nos permitequestionar os movimentos destes distintos atores, assim como ainterferência deste projeto de colonização capitalista e a convivênciado homem com os vários ecossistemas bem definidos na regiãoamazônica.

Ao passar a fazer parte da região geográfica sinopense etambém ao participar do quadro de educadores de uma das escolaspúblicas ligadas ao setor de transformação de madeiras, criamosas condições necessárias para o envolvimento com a classetrabalhadora deste setor industrial. Ao mesmo tempo, passamos aquestionar o papel de cada ator da nova investida capitalistaregional. Assim, o professor é visto como alguém que repassaconhecimentos, mas também aprende com a comunidade escolare com o meio no qual passa a viver. Ao formar novos conceitos e aomesmo tempo criar mais dúvidas sobre as indagações já existentes,formamos os elementos da investigação futura.

Para descobrir esta problemática são necessários algunsquestionamentos. Quem são estes atores, como vivem e qual oseu papel no novo espaço criado pelo capital e pelo Estado? Nestesentido, passamos a verificar como se efetiva a exploração da forçade trabalho e a acumulação capitalista na expansão da Amazôniabrasileira. Foi importante entender como estão posicionados osagentes sociais que fazem a história da última fronteira decolonização. Esta região passou a ter um papel importante para omodelo implantado pela ditadura de 1964 e recebeu os

Page 15: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 15 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

despossuídos e marginalizados do País juntamente com os gruposeconômicos.

Este trabalho é dividido em partes seqüenciais. Na primeiraparte discorremos sobre a expansão capitalista na Amazôniabrasileira. É necessário relacionar a Amazônia do extrativismo como mercado mundial, observando as várias fases do comércio mundiale a dependência da região a este mercado. Também utilizamos osfatos econômicos, históricos e estatísticos para explicar eexemplificar a interferência do capital nacional e internacional,impondo a ordem capitalista na região. Procuramos demonstrar quea produção brasileira e a amazônica são interligadas com asestratégias do mundo do capital e, consequentemente, àsnecessidades do mercado mundial.

Neste sentido, fez-se necessário nos fundamentarmos combases teóricas para transpor os tempos, vistos através das váriasintervenções realizadas no passado pelos grupos econômicosorganizados e, assim, verificar os fatos a partir da coleta de produtosnaturais e extrativistas, sendo estes proporcionados pelas riquezasminerais e oriundas das florestas. A interferência do homem tornou-se mais acentuada quando o mercado mundial se tornou maisefetivo na região e proporcionou a comercialização em determinadoespaço. Ao longo dos tempos a Amazônia brasileira voltou-se aomercado nacional com pouca intensidade, mas vocacionou-se aomercado externo de forma mais agressiva.

A política de colonização promovida pelo Estado nos anos60 fez parte da estratégia de unir os interesses da burguesia doPaís na Amazônia. Através da unificação dos interesses entre ocapital e o Estado nasceram as estratégias de colonização sob odomínio das empresas privadas, tendo em vista a especulaçãoimobiliária. Por outro lado, enquanto a expansão capitalistaprivilegiou os grandes conglomerados econômicos nacionais einternacionais, reprimiu as iniciativas da classe trabalhadora pormeio da ditadura.

Nesta lógica, é preciso verificar como se processou a

Page 16: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 16 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

1 A busca constante do “mel”, bem como o encontro com este doce dourado, é umametáfora usada ao longo do texto para demonstrar que as pessoas se deslocaram paraa Amazônia em busca de um sonho. Mesmo aos marginalizados e despossuídos noprocesso histórico a região apresentou-se como um novo “eldorado”, e este veioacompanhado de muito brilho e luz intensa. Assim, o “mel” representa o alimento, ariqueza e a esperança de uma nova vida a todos que chegaram com o firme propósito dever seus sonhos realizados.

concentração da terra na Amazônia. A estratégia adotada nadistribuição das terras devolutas beneficiou o grande capital,ignorando os proletariados. Isto se tornou possível através dosmecanismos financeiros oferecidos pelo Estado e colocados aserviço da burguesia, efetivando-se na prática a concentração daterra em mãos de poucos grupos econômicos para expansão eacumulação do capital de forma protecionista. Nesta perspectiva,foi colocada à disposição dos grandes projetos capitalistas umavasta região e os grupos foram apoiados pelos incentivos fiscaisdo Estado.

Também fez-se necessário entender qual o papel exercidopela colonização espontânea, que aconteceu paralelamente àcolonização do Estado e das empresas privadas, proporcionadapelas massas de marginalizados do País. Estes são osdespossuídos que migraram para esta região em busca da terra edo trabalho, juntamente com os detentores do poder econômico.Foi preciso entender quem são os atores que buscaram o “mel”1

prometido nesta vasta região brasileira.No processo de ocupação da região, verificamos a

necessidade de o capital planejar e implantar cidadesestrategicamente, sempre obedecendo aos locais de inserção dosgrupos econômicos. Estas cidades serviram para o fornecimentode toda a infra-estrutura necessária aos grupos nacionais eestrangeiros, principalmente para formação e concentração doexército industrial de reserva e toda estrutura necessária para darsuporte ao projeto. É assim que dar-se a história da Amazônia quevive a contradição dos extremos entre a riqueza e a pobreza.

Page 17: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 17 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A EXPANSÃO CAPITALISTA NA AMAZÔNIA

A Amazônia e o mercado mundial

Através das várias fases de sua ocupação, a Amazôniaoferece seus produtos naturais para satisfazer principalmente asnecessidades do mercado mundial. A região abre-se para o mundoatravés dos seus 50.000 km de rios navegáveis. Somente o rioAmazonas é formado por 1.100 rios afluentes até a foz. Tambémpodem ser encontradas na região 80% das variedades de vida doplaneta, constituindo-se na maior floresta tropical do mundo.

Os nove Estados que compõem a Amazônia brasileira sãoos seguintes: Acre, Rondônia, Amazonas, Pará, Mato Grosso,Roraima, Amapá, Tocantins e a porção a Oeste do meridiano 44º Wdo Estado do Maranhão (PASSOS, 1998: 15). Além do grandecomplexo brasileiro, a Amazônia sul-americana é formada por maisoito países, compreendendo: Bolívia, Peru, Equador, Colômbia,Venezuela, Guiana, Suriname e Guiana Francesa. Para demonstraro potencial e a capacidade da Amazônia brasileira, BECKER (1997:9) acrescenta sobre o potencial da região de forma ampliada1 .

Há cinco séculos passados, segundo MATTOS (1980: 31), “aAmazônia foi uma descoberta espanhola e uma conquistaportuguesa: ao contrário, o [rio] Prata foi uma descoberta portuguesae uma conquista espanhola”. Assim, historicamente a ocupação daregião foi no intuito de aproveitar o grande potencial de recursos

Page 18: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 18 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

florestais, minerais e introduzir projetos agropecuários com fins deacumulação de capitais. Contudo, a Amazônia brasileira vem sendoocupada ao longo dos tempos pela “cobiça internacional e pelapotencialidade econômica” (PASSOS, 1998: 52).

Neste sentido, o mundo volta-se para a região “amazônica,a terra cobiçada desde o século dezesseis” (ESPÍRITO SANTO, 1956:125). Com o objetivo de usufruir os seus recursos naturais, oseuropeus foram “os primeiros a entrar em contato com o antigo elegítimo povo da floresta” (MELLO, 1991: 26). Eles vinham atraídospelas vantagens econômicas oferecidas pela gama de produtos dafloresta. Os colonizadores da América visavam a aproveitar osrecursos da natureza ali existentes.

A ocupação do território amazônico iniciou-se no século XVI,sem, no entanto, apossar-se efetivamente da região. Somente noséculo XVII os “portugueses se instalam na foz do rio [Amazonas]em 1616, expulsando daí ingleses e holandeses, os primeirosocupantes” (PRADO JÚNIOR, 1973: 43). Neste mesmo ano foi fundadaa cidade de Belém, no Estado do Pará. A ocupação portuguesaocorreu mais por “motivos políticos que econômicos. Sua funçãodeu-se para afastar os holandeses e ingleses” (CHIAVENATO,1984:152).

Assim, em clima de incertezas ocorreram os primeirospovoamentos, acompanhados de disputas tumultuadas devido aofato de a região caracterizar-se por espaço de soberania duvidosa,e também pelo fácil acesso pelos rios navegáveis da região2 . Ofator que mais contribuiu com estreitas relações entre a Amazôniae a Europa no período colonial foram as técnicas do navio a vela,

1 “...vista a partir do cosmos, a Amazônia sul-americana corresponde a 1/20 da superfícieterrestre, 2/5 da América do Sul, 3/5 do Brasil, contém 1/5 da disponibilidade mundial deágua doce e 1/3 das reservas mundiais de florestas latifoliadas, mas somente 3,5milésimos da população mundial. A Amazônia sul-americana com 6.500.000 km², envolvealém do Brasil, sete países fronteiriços. O Brasil possui 63,4% da Amazônia sul-americana,sendo que a Amazônia brasileira corresponde a mais da metade do território nacional[59%]. Estende-se até os estados de Mato Grosso, Tocantins e parte do Maranhão. Elanão se confunde com a região Norte, que é uma divisão político-administrativa para finscensitários”.

Page 19: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 19 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

pois era mais prático ligar a região com a metrópole portuguesaque com a costa do Atlântico brasileiro. Neste sentido, “as condiçõesadversas diziam respeito ao regime de correntes marítimas etambém ao regime de ventos ao longo da costa” (SODRÉ, 2002:144). Contudo, “a conquista européia e a posse da Amazônia, nodecorrer dos séculos XVII e XVIII, se realizam sob um intensoprocesso de luta e disputa entre portugueses, espanhóis, franceses,ingleses e holandeses” (BENCHIMOL, 1992: 69).

Com o final destas disputas, os “portugueses acabaramdominando o delta e a maior parte da calha central do rio Amazonas”(BENCHIMOL, 1992: 69). Assim, impulsionados pela grandecapacidade econômica desta terra, “os homens sonham emencontrar o paraíso” (GONDIM, 1994: 9). Os portugueses buscaraminterferir na região através do extrativismo mineral e florestal, bemcomo produtos da caça e da pesca. O grande interesse na regiãofoi provocado pelo surto das drogas do sertão e, assim, “a Amazôniasubstitui o Oriente como fonte de especiarias” (SODRÉ, 2002: 150).Mas é a mineração de ouro que na metade do século XVIII, quandoas minas são descobertas “em Minas Gerais (último decênio doséculo XVII), Cuiabá, em 1719, e Goiás seis anos depois,desencadeia o movimento” (PRADO JÚNIOR, 1973: 39), e assim ocorreuma penetração na região de forma mais acentuada. Nestaperspectiva, as descobertas auríferas abriram um novo ciclomigratório europeu para o Brasil.

Foi através da entrada dos extrativistas e coletores dos

2 “Abre-se para o mar pelo delta do Amazonas, desembocadura de um imenso sistemahídrico, sem paralelo no mundo, que se estende sobre uma área de 6.400.000 km² (dosquais 3.800.000 em território brasileiro) e formando cursos d’água de grande volume, emboa parte perfeitamente navegáveis até por embarcações de vulto. A penetração foi,por isso, muito fácil. É a isto aliás que a colonização luso-brasileira deveu ao domíniosobre o vasto interior do continente sul-americano que de direito cabia aos hispano-americanos segundo os primeiros acordos ajustados entre as duas coroas ibéricas.(...)Mas se os rios da Amazônia oferecem esplêndida via de penetração e trânsito, e sãoaltamente favoráveis ao homem, doutro lado a floresta equatorial que os envolve, densae semi-aquática nas enchentes as águas fluviais, alagam extensões consideráveis dasmargens e representa grande obstáculo à instalação e progresso humano.” (PRADO

JÚNIOR, 1988: 11).

Page 20: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 20 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

produtos da região amazônica no século XIX que nasceu a Revoluçãodos Cabanos, entre 1823 a 1839, e ocorreram lutas envolvendoíndios, negros e brancos. No episódio, estes entraram em choquecontra as opressões que foram cometidas pelo Estado brasileiro eassumiram um caráter separatista, reivindicando o “País doAmazonas” (GONÇALVES, 2001: 19). A Revolta dos Cabanos, maisconhecida como Cabanagem, resulta em um massacre, “do qualas desencontradas estatísticas chegaram a falar de 30 mil mortosentre os cabanos e 12 mil entre os que os combatiam” (GONÇALVES,2001: 19). Para CHIAVENATO (1984: 147), “quando o estado do Parátinha 120 mil habitantes, morreram 30 mil pessoas”. Assim, parasufocar os revoltosos pelas condições impostas, foi travada “a maissangrenta guerra civil brasileira” (CHIAVENATO, 1984: 149).

Por outro lado, é importante conhecer os movimentos dacolonização do País através da interferência européia. A colonizaçãobrasileira começou a sair do espaço da costa do Atlântico, onde, apartir de 1500, concentrou-se na extração do pau-brasil – a primeiraforma econômica de exploração extrativa do território brasileiro. Estaatividade se concentrava basicamente no litoral brasileiro. ConformePRADO JÚNIOR (1988: 26), esta forma de extrativismo “não serviu emnada para fixar qualquer núcleo de povoamento no país”. Apenetração e o povoamento na região amazônica aconteceram sómais tarde, principalmente através da “mineração e dispersão dasfazendas de gado” (PRADO JÚNIOR, 1973:55).

A colonização brasileira e o povoamento das diferentesregiões foram formados pelos marginalizados no processo históricoe se justificavam pelos interesses dos colonizadores europeus nosprodutos brasileiros. Em princípio, quando o Brasil pertencia aPortugal, entraram os degredados, principalmente os vindos do paísportuguês (PRADO JÚNIOR, 1973: 87). Estes vinham para suprir asnecessidades de mão-de-obra.

Os povos originários em pouco contribuíram para a formaçãoda força de trabalho na costa litorânea brasileira. Mesmo que estesnão tenham se adaptado ao trabalho forçado nesta parte do País,

Page 21: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 21 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

na Amazônia foram muito úteis. O extrativismo fazia parte do seudia-a-dia. Nesta região em muito contribuirão para o processo decolonização. Contudo, verificou-se uma grande “dificuldade deorganizar a produção com base no escasso elemento indígena local”(FURTADO, 1999: 30-31). Assim, embora tímida a ocupação até ametade do século XX, a vida econômica era proporcionada,principalmente, pelos recursos naturais da floresta. PRADO JÚNIOR

(1973: 211) diz que:

encontram os colonos na floresta amazônica um grande número degêneros naturais aproveitáveis e utilizáveis no comércio: o cravo, acanela, a castanha, a salsaparrilha e sobretudo o cacau. Sem contara madeira e produtos abundantes do reino animal: destes últimos,são em particular a tartaruga, bem como seus ovos, e o manacuru(peixe-boi) que servirão em escala comercial. Sem estas fontes deriqueza teria sido impossível ocupar o vale. Os colonos não teriamprocurado, os missionários não encontrariam base material de

subsistência para manter seu trabalho de catequese dos indígenas.

Desta forma, “a coleta, a caça, a pesca, já são seus recursosno estado da natureza” (PRADO JÚNIOR, 1973: 212). Mas é atravésda “grande propriedade monocultural que se instala no Brasil otrabalho escravo” (PRADO JÚNIOR, 1988: 34). A pouca adaptação dospovos originários ao trabalho nos canaviais dificultou a prosperidadedo maior ciclo econômico da colônia portuguesa. Ao mesmo tempo,a “colonização preparava o surto do capitalismo mundial em que oPaís futuro iria ingressar na qualidade de nação dependente” (BOSI,1994: 378). Para que isto acontecesse fez-se necessário iniciar otráfico de escravos, mas “calcula-se que, em média, apenas 50%chegavam com vida ao Brasil, e destes, muitos estropiados einutilizados” (PRADO JÚNIOR, 1988: 37).

O tráfico de escravos era o mais importante comércio dasimportações no ciclo açucareiro e representava “mais de uma quartaparte do valor das importações” (PRADO JÚNIOR, 1988: 116) no períodocompreendido entre 1796-1804. Com a introdução do trabalho

Page 22: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 22 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

escravo importado, na “metade do século XVII o Brasil será o maiorprodutor mundial de açúcar” (PRADO JÚNIOR, 1988: 39). Nesteperíodo, as demais culturas alimentares ficavam restritas àsnecessidades de subsistência da população local, pois o objetivomaior de Portugal era a exportação de açúcar da colônia brasileirapara servir ao mercado mundial.

No período “de 1831 a 1856, cerca de 500.000 escravosentraram no Brasil, a maioria em navios dos Estados Unidos” (MONIZ

BANDEIRA, 1978: 76). Neste período o País já havia conquistado suaindependência, o interesse no tráfico negreiro era pelos altos lucrosna operação e fazia parte do ramo comercial “mais importante dafase mercantil” (SODRÉ, 2002: 126). Para a classe capitalista daépoca, “o escravo era, no fundo, um animal de serviço e, portanto,um desvalido. Mas era ao mesmo tempo um bem, uma mercadoria,imobilização de capital” (MARTINS, 1997: 67).

Também “as correntes migratórias se intensificam depoisde 1850; veremos coexistir, nas lavouras de café, trabalhadoresescravos e europeus livres” (PRADO JÚNIOR, 1988: 175). Com o fimda escravidão negra em 13 de maio de 1888, a força de trabalho étrazida da Europa. O crescimento da economia do açúcar e do cafétransforma os escravos livres e os trabalhadores vindos docontinente europeu em assalariados.

Neste sentido, pela emancipação política do País, em 1822,as correntes imigratórias ganharam um novo personagem e seintensificaram de forma bastante acentuada no final do século XVIII.Para SODRÉ (2002: 219), existem duas fases distintas no cenáriomundial: a primeira se iniciou no século XVI, era dominantementede capital comercial, e a classe dominante era a dos senhoresfeudais; a segunda ocorreu no século XVIII, quando se iniciou oprocesso de Independência brasileira: era dominantemente o capitalindustrial e a classe dominante era a burguesia.

Com o País independente de Portugal, o processo imigratóriopara o Brasil foi fruto de sérios problemas sociais na Europa e alonga agonia do feudalismo como sistema, também pela

Page 23: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 23 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

necessidade de força de trabalho à disposição da produção doscafezais e dos engenhos de açúcar, proporcionada pelo declíniogradativo do uso da mão-de-obra escrava. Além disso, no períodode 1864 até 1870 o País estava mergulhado em sangrenta guerracontra o Paraguai e grande parte da mão-de-obra estava envolvidanos combates (LOBO: 1972: 139). PRADO JÚNIOR (1988: 190-191)nos demonstra a evolução imigratória:

o progresso da imigração no último quartel do século será rápido.Ela começa a crescer depois de 1871, atingindo em 1886 poucomais de 30.000 indivíduos. No ano seguinte, quando a abolição doregime servil se mostra já eminente, salta bruscamente para 50.000;e no próprio ano da abolição (decretada como vimos em maio de1888) sobe para mais do dobro deste número (133.000). Daí pordiante, até o fim do século, a imigração conservar-se-á sempre num

nível médio anual largamente superior a 100.000.

No processo migratório, “desde 1870, o governo imperialtomou a si as despesas de viagem, desordenando delas o senhorde terras e o imigrante” (SODRÉ, 2002: 280). Para LOBO (1972: 137),a partir de 1876 a principal corrente migratória tinha como destinoo Estado de São Paulo. Também se formou próspero núcleo decolonos alemães e italianos nos Estados do Rio Grande do Sul ede Santa Catarina. Contudo, comparado com o desenvolvimentodas forças produtivas do País, a situação da Amazônia continuavaestagnada.

A população da região “em fins de séc. XVIII não alcançavauma centena de mil habitantes (incluindo índios domesticados)”(PRADO JÚNIOR, 1988: 72). Neste período, “a Amazônia ficou muitoatrás das demais regiões ocupadas e colonizadas no territóriobrasileiro” (PRADO JÚNIOR, 1988: 74). Este fato é proporcionado pelaeconomia cafeeira de São Paulo, sendo que na “última parte doséculo XVIII começa a ser cultivado em grande escala” (PRADO JÚNIOR,1988: 85).

O ciclo cafeeiro cresceu, mas o País enfrentou graves

Page 24: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 24 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

problemas na formação da força de trabalho, tendo poucadisponibilidade de mão-de-obra para oxigenar a produção,principalmente com o fim do regime escravocrata. A senzaladesaparece do cenário cafeeiro, pois “o trabalho livre amplia-separticularmente com a imigração” (SODRÉ, 2002: 271). Por outrolado, “a massa escrava evolui muito mais para a servidão do quepara o trabalho livre. Além disso, chegando no século XIX, pode seridentificada uma maior intensificação dos interesses dasmultinacionais, pois o “capital estrangeiro começara a fluir para oBrasil em proporções consideráveis” (PRADO JÚNIOR, 1988: 223). Estefato criou sérios problemas em seus objetivos expansionistas, pelajá existente falta de mão-de-obra no País.

Contudo, em 1889, o quadro brasileiro era traçado empoucas coordenadas: o Brasil dispõe de “14 milhões de habitantes,distribuídos em 916 municípios, com 348 cidades; conta com apenasdois portos aparelhados e apenas uma usina elétrica; com 8.000escolas, 533 jornais, 360 quilômetros de rodovias, 10.000quilômetros de ferrovias e 18.000 linhas telegráficas” (SODRÉ, 2002:316). Neste sentido, PRADO JÚNIOR (1988: 212) nos apresenta deforma clara como ocorreu o processo de exploração da força detrabalho brasileira no período expansionista.

Tal contingência, particular de pouca disponibilidade de mão-de-obra, forçará a adoção de um sistema de relações no trabalho queobrigasse o empregado, embora juridicamente livre, a conservar-seno seu lugar. O processo para chegar a este fim e que mais difundiuno Brasil será o de reter o trabalhador com dívidas. Pagando saláriosreduzidos, e vendendo-lhe ao mesmo tempo, por preços elevados,os gêneros necessários ao seu sustento, o empregador conseguirácom relativa facilidade manter seus trabalhadores sempreendividados e, portanto, impossibilitados de o deixarem. Este sistematornar-se-á regra geral em muitas regiões do país; em particular naindústria da extração da borracha. Torna-se fácil estabelecê-lo porcausa das distâncias que em regra separam as explorações ruraisdos centros urbanos e do comércio, o que faz o proprietário, quasesempre, um fornecedor obrigatório dos gêneros consumidos porseus trabalhadores. Doutro lado, o baixo nível cultural da massa

Page 25: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 25 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

trabalhadora do país, tão recentemente egressa da escravidão, facilita

o manejo arbitrário das contas sempre em prejuízo do empregado.

Nesta nova dinâmica de capitalismo de expansão, o Brasil,por possuir a maior reserva mundial de seringueiras nativas,projetou-se ao mercado mundial através do extrativismo, e “aexportação da borracha vem em contínuo aumento desde 1827”(PRADO JÚNIOR, 1988: 236). Há notícias de que os povos origináriostinham amplo conhecimento das propriedades da borracha em1720, pois “os índios da Amazônia já conheciam a elasticidade daborracha e faziam bolas com as quais praticavam originais esportes”(FERREIRA, 1980). Através do aprendizado com os povos da floresta,a Amazônia brasileira projetou-se ao mercado mundial de formamais acentuada a partir do ciclo da borracha3 . Este produtoamazônico, monoextrativista, aumentou sua produção a partir de1870, estendendo-se gloriosamente até 1912.

No mais acentuado período extrativista “a selva amazônicaé invadida por legiões de brasileiros do Nordeste, flagelados daseca” (FERREIRA, 1980: 34). Nesta fase da investida capitalista naAmazônia, e que compreende o decênio 1901-10, as exportaçõesda borracha atingiram o nível mais alto das exportações brasileiras.Contudo, este ciclo beneficiava “apenas as classes seringalistas,os grandes latifundiários, enquanto a mão-de-obra desse ciclo, oseringueiro, num quadro econômico escravagista, ficava à margemdessa participação” (MARTINS, 1981: 17).

Na passagem do século XIX para o século XX, a produção

3 “Ciclo da Borracha. Período da história econômica do Brasil marcado pela grandeatividade de extração do látex da borracha nos seringais da Amazônia, para exportação.Essa atividade atingiu seu apogeu na primeira década do século XX, quando o Brasil erao maior produtor mundial do látex, que respondia por 26% do valor das exportaçõesnacionais. A valorização da borracha no mercado internacional decorria do desempenhoda indústria automobilística na Europa e Estados Unidos, o que intensificou a procura damatéria-prima para a produção de pneus. O predomínio brasileiro na produção passou adeclinar depois que os ingleses iniciaram a cultura da seringueira no oriente, sobretudona Tailândia e em Cingapura. [com as primeiras sementes da Amazônia]. Em 1914, oBrasil respondia apenas com a metade da produção e, em 1930, contribuía somente com3%” (SANDRONI, 1994: 50).

Page 26: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 26 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

da borracha nativa mundial atingiu seu auge. O látex4 era quasena sua totalidade produzido na Amazônia brasileira, principalmentenos Estados do Pará, do Amazonas e do Acre, este último na divisacom os países vizinhos, o Peru e a Bolívia. O Brasil tornou-se o“maior exportador mundial do produto, chegando a contribuir com100% de toda a produção do mercado mundial” (MARTINS, 1981:25).A Amazônia no ciclo da borracha foi exclusivamente monoextrativista,sendo esta atividade a principal da região (IANNI, 1986: 57).

A procura do produto, principalmente pelos Estados Unidos,acentuou-se a partir de 1850, proporcionada pelos interesses daindústria automobilística. A borracha era usada principalmente na“fabricação de pneumáticos, provocando a corrida para a Amazônia”(MONIZ BANDEIRA, 1978: 155), e o produto extrativo passou a fazerparte do mercado mundial. Com esta nova alternativa econômica,“os Estados Unidos, desde o século passado [XIX], se tornaram apotência estrangeira mais interessada na Amazônia brasileira”(MENDONÇA, 2000: 33).

No entanto, neste período a região se apresentava como“a terra do crédito. Não há capital. O seringueiro deve ao patrão, opatrão deve à casa aviadora, a casa aviadora deve ao estrangeiro,e assim por diante” (WEINSTEIN, 1993: 38). Neste processo, peladispersão da coleta na vasta região amazônica, “o grande númerode intermediários que participavam de cada transação fragmentavaos lucros e gerava uma hierarquia de endividamento” (WEINSTEIN,1993: 298).

Na época, “Belém e Manaus transformam-se em doisgrandes centros do comércio exterior do Brasil” (MONIZ BANDEIRA,

4 “Látex, ou leite da seringueira, é o liquido branco que se obtém fazendo uma incisão nacasca da seringueira. O nome leite – ou látex – é bem apropriado, pois a sua cor ébranca como o leite. Um simples corte na casca da seringueira é suficiente para escorrero líquido branco, leite ou látex. Deixando-se esse líquido exposto no ar, ele coagula,adquirindo consistência e elasticidade. Este produto da coagulação natural é denominado‘sernambi’. Já não é mais látex. Coagulado em condições naturais, chama-se sernambi,que é consistente e elástico. Mas, se aquele látex é forçado a coagular sob a ação defumaça quente, adquire consistência e uma elasticidade maior do que o sernambi erecebe o nome de borracha” (FERREIRA, 1961: 248).

Page 27: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 27 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

1978: 155). Os reflexos desta fase podem ser avaliados pelofortalecimento destas duas cidades, “que acabaram por capitalizarde modo imperial a vida política, social e econômica da região”(TOCANTINS, 1982: 106). O governo brasileiro por outro lado nãoconseguia um razoável controle da região, e o contrabando“desviava considerável parcela da receita que a extração daborracha produzia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 156).

Assim, milhares de quilos da borracha eram desviados paraos Estados Unidos através da aduana de Puerto Alonso, na Bolívia(MONIZ BANDEIRA, 1978: 156). Ao mesmo tempo, acentuava-se apirataria de todos os produtos florestais e minerais desta vastaregião. Fatos desta natureza eram possíveis pelo fácil acesso porseus rios navegáveis e a facilidade da saída dos produtos pelo rioAmazonas direto ao mercado mundial.

Mesmo assim, o ciclo da borracha no Brasil representou umperíodo de muita prosperidade aos grupos econômicos aliinstalados. Para SOUZA (2002: 184), “a economia do látex quebrouo isolamento e buscou integrar a região ao mercado mundial”. Estefato proporcionou a entrada de grande contingente migratório detrabalhadores para oxigenar a produção extrativista da Amazônia.

QUADRO EVOLUTIVO DO AUMENTO POPULACIONAL

AMAZÔNICO, QUE COMPREENDE O PERÍODO ENTRE 1823 A 1920.

Para a região, no período de 1870-1910, “foram trazidosentre quinhentos e trezentos mil nordestinos” (PINTO, 1980: 103).Estes migraram para a região com a finalidade de servirem de forçade trabalho, principalmente na extração do látex. Concordando comos dados, GONÇALVES (2001: 86) admite que entre “300 a 500 mil

Período Núm ero de habitantes.Até 1823 127.000

De 1823 até 1872 340.000

De 1872 até 1900De 1900 até 1920

700.0001.400.000

Fonte: Elaboração própria com base em Martins (1981:26), e Cardoso e Müller (1977: 25).

Page 28: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 28 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

migrantes nordestinos deslocaram-se para a Amazônia durante operíodo de 1860 a 1912”. Para GALEANO (1987: 98), “em 1900, 40mil vítimas da seca abandonaram o Ceará. Tomaram o caminhohabitual por esta época: a rota do Norte rumo à selva”. Contudo, aprincipal força de trabalho utilizada na região foi a do caboclo dafloresta, por fazer parte de seu dia-a-dia o extrativismo.

Para facilitar a estratégia comercial e a exportação dosprodutos extrativos foi construída a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, conhecida como “estrada do diabo”, concluída em 1912.Este foi um dos mais importantes episódios da floresta. O presidentedos Estados Unidos da América, Theodore Roosevelt, chegou adizer na época que “as duas maiores obras realizadas até então naAmérica eram o canal de Panamá e a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré” (MELLO, 1991: 33), na Amazônia. A construção destaestrada deixou um saldo sinistro: “mais de trinta mil operáriosmorreram, vítimas de acidentes e de doenças tropicais” (MELLO,1991: 34). Contudo, “mal concluída em 1912, deixou de funcionarferida pelo fim do ciclo da borracha amazônica” (MELLO, 1991: 34).

No ciclo da borracha a força de trabalho era controlada pelosbarões da borracha, que faziam a conexão entre o mercado mundiale a região amazônica. Em 1912 os Estados Unidos absorviam 36%do total das exportações do Brasil. Na “mesma época 60% ou maisda borracha vendida em nova York procediam da Amazônia” (MONIZ

BANDEIRA, 1978: 190). Nesta época, a interferência dosestadunidenses não se limitava à região amazônica, ela se faziapresente em todo o território brasileiro. Assim, no começo do séculoXX o Brasil tornou-se área de livre acesso ao mercado mundial e aAmazônia brasileira começou a internacionalizar-se de forma maisefetiva.

Entretanto, segundo FERREIRA (1980: 35), a Amazôniaperdera o seu maior tesouro, as sementes tinham sido levadas paraLondres, e de lá as mudas foram transplantadas no Ceilão e depoisem Cingapura e na Malásia. Em 1910, somente a Malásia estavaproduzindo 160.000 hectares. Para SHOUMATOFF (1990: 36), as 70

Page 29: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 29 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

mil sementes do colapso foram embarcadas da Amazônia em 1876,com destino a Londres, por Henry Wickham. Apenas duas milsementes germinaram e deram origem a milhões de hectares naMalásia. HOMMA (1999: 97) também confirma a data da saída dassementes pirateadas em 1876. Assim, “o monopólio estava quebradopor plantações racionalizadas” (SOUZA, 2002: 190). E esta“disseminação das culturas de seringueiras no Oriente marcou obrusco final das décadas de prosperidade da Amazônia” (WEINSTEIN,1993: 301).

No final da década de 30 do século XX, o empresário HenriFord, o maior fabricante de carros do mundo, com um milhão deunidades produzidas por ano, escreveu uma nova história naAmazônia. Este norte-americano, não contente com o domínio inglêsna produção do produto na Malásia, veio para a região com o intuitode criar a cultura do plantio das seringueiras. Objetivava sair daextração nativa, para introduzir projetos florestais de extrativismona região, visto que as sementes eram originárias da própria região.Também era impulsionado pelo sucesso da produção dos seringaiscultivados no continente asiático. Neste sentido, “Ford fez um acordocom o governo do Pará, e no final de 1927 iniciaram-se os arrojadostrabalhos da chamada Fordlândia às margens do rio Tapajós”(MELLO, 1991: 32). Com esta atitude, o governo brasileiro passou aintensificar o processo de internacionalização da Amazônia.Segundo MONIZ BANDEIRA (1978: 213):

por volta de 1926, o governo de Efigênio Sales dividiu o Estado doAmazonas em oito zonas para a exportação de minérios, das quaisentregou seis à American Brasilian Co., Canadian Co. e The AmazonCo., todas pertencentes ao mesmo grupo financeiro. E em 1927, ogrupo Ford obteve do Governador Dionísio Bentes a concessão deum milhão de hectares de terra na Amazônia para estabelecimentode uma ou várias empresas, que exploram a borracha nativa comapenas a obrigação de plantar 1.200 seringueiras, ou seja, umaseringueira por mil hectares. Era verdadeiramente um logro. (...) E aFord não se obrigava a submeter à aprovação de qualquer autoridadebrasileira as plantas das edificações ou construções. Gozava de

Page 30: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 30 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

isenção de todos os impostos existentes ou que porventura viessem

a existir pelo espaço de 50 anos.

Contudo, o empreendimento multinacional de interessesdúbios, “a chamada Fordlândia, projeto faraônico e mal conduzidopor pessoas não adaptadas à terra terminou ingloriamente quandoo governo paraense retomou às glebas doadas, após a morte deHenry Ford” (CARNEIRO, 1988: 20). As experiências (1927-1945) nãoderam certo, “tendo o governo brasileiro comprado todos os haveresdos norte-americanos em mais uma socialização dos prejuízos”(PASSOS, 1998: 52).

O ciclo monoextrativista da borracha brasileira durou cemanos e, embora a partir de 1912 apresentasse declínio na produçãoe perda da hegemonia mundial sobre o produto, ele se faz presentena região até nossos dias. O declínio na procura do produto deve-se ao fato da substituição gradativa da borracha in natura pelosderivados de petróleo e pela concorrência mundial do produtoextraído da seringa por países que passaram cultivar a planta comsementes pirateadas da Amazônia. Mas foi através da PrimeiraGuerra Mundial que a indústria brasileira começou a desenvolver-se no País. PRADO JÚNIOR (1988: 261) demonstra de maneira clara ocrescimento industrial brasileiro neste período.

A Grande Guerra de 1914-18 dará grande impulso à indústriabrasileira. Não somente à importação dos países beligerantes, queeram nossos habituais fornecedores de manufaturas, declina emesmo se interrompe em muitos casos, mas a forte queda docâmbio reduz consideravelmente a concorrência estrangeira. Noprimeiro grande censo posterior à guerra, realizado em 1920, osestabelecimentos industriais arrolados somarão 13.336, com1.815.156 contos de capital e 275.515 operários. Destesestabelecimentos, 5.936 tinham sido fundados no qüinqüênio 1915-19, o que revela claramente a influência da guerra.

MARINI (2001: 12) nos apresenta a questão daindustrialização brasileira, também de forma que o Brasil tira proveitoda Primeira Guerra Mundial, retratando o seguinte quadro:

Page 31: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 31 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

a história política brasileira apresenta, neste século, duas fases bemcaracterizadas. A primeira, que vai de 1922 a 1937, é de grandeagitação social, marcada por várias rebeliões e uma revolução, a de1930. Suas causas podem ser buscadas na industrialização que seproduz no país na década de 1910, graças, sobretudo, à guerra de1914, que leva a economia brasileira a realizar um considerávelesforço de substituição de importações. A crise mundial de 1929 esuas repercussões sobre o mercado internacional vão manter numnível baixo a capacidade de importação do país e acelerar assim seu

processo de industrialização.

Se a Primeira Guerra Mundial nos impulsionou para aindustrialização, a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) nos tornoucada vez mais dependentes da interferência dos EUA. Porém, “osurto industrial ficou assinalado no contraste entre os 13 milestabelecimentos de 1920 e os 100 mil de 1957” (SODRÉ, 2002:392). Por outro lado, o governo dos Estados Unidos tratava os paísesda América Latina como um rebanho submisso, sem vontade eautonomia (MONIZ BANDEIRA, 1978: 377, e GALEANO, 1987: 167).Através do acordo militar firmado em 1952, os Estados Unidosobrigavam os brasileiros à obediência, pois vedava a venda deprodutos minerais estratégicos para os países da área socialista(SODRÉ, 2002: 419). Os reflexos do domínio mundial hegemônicodos americanos devem-se ao envolvimento dos países europeusnas duas grandes guerras e à conseqüente derrota de alguns. ParaSANTOS e RUESGA (1988: 42), o processo de acumulação a partir daSegunda Guerra Mundial recebeu forte influência das inovaçõestecnológicas. Segundo MONIZ BANDEIRA (1978: 309):

a segunda guerra mundial, como continuação, pelas armas daconcorrência entre os imperialistas, submeteu as nações mais fracasà hegemonia dos Estados Unidos. Ocorreu, internacionalmente, ofenômeno da concentração e centralização da riqueza, o processopelo qual a liberdade de competição, principal mola do progressocapitalista, engendrou o sistema de monopólios. A derrota militar daAlemanha, Itália e Japão completou-se com o debilitamento

econômico da Inglaterra e da França.

Page 32: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 32 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Para HAMILTON (1987: 68), a Segunda Guerra Mundial

demonstrou a importância crucial do petróleo. Neste sentido, noperíodo entre as guerras (1920-1940), já em pleno declínio daborracha, as indústrias concentravam-se fora da região amazônica,

e a região continuava estagnada. Enquanto isso, o extrativismodos demais produtos nativos tinha sido praticamente interrompidocom o ciclo da borracha na região, por esta ser mais lucrativa e ter

melhor aceitação no mercado mundial. Porém, com o declíniocrescente das exportações da borracha, a região partiu para outrasatividades, como o extrativismo florestal e mineral, bem como a

formação de núcleos agropecuários, com produção muitoinsignificante até os anos 40 do século XX.

Durante a Segunda Guerra Mundial aconteceu um novo

impulso na produção da borracha amazônica, pois “o Japão ocupourapidamente os seringais cultivados da Malásia e da Birmânia”(DERICKX, 1993: 109). O então presidente dos Estados Unidos,Franklin D. Roosevelt, deslocou-se ao Brasil para encontrar-se com

o Presidente brasileiro da época Getúlio Vargas. Do acordo entreos dois estadistas resultou a alternativa de a população nordestinadeslocar-se para a região Norte em busca da borracha, com o

objetivo de suprir as necessidades da indústria dos EUA (DERICKX,1993: 109).

Assim, os nordestinos optam entre ir à Itália para lutar na

Segunda Guerra Mundial ou deslocar-se para a região Norte etransformar-se em Soldados da Borracha. Para THOMÉ (1999: 39),“em 1942, com o estreitamento dos laços entre Brasil e Estados

Unidos, se realizou a denominada ‘Batalha da Borracha’”. Com otérmino do conflito mundial em 1945, “poucos retornaram, muitospermaneceram trabalhando na Amazônia, milhares e milhares

perderam a vida neste esforço e estão sepultados em covasanônimas nas barrancas dos rios, entre eles o Juruá” (DERICKX,1993: 109).

Em 1937, no período que antecede ao início da Segunda

Page 33: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 33 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Guerra Mundial, o governo brasileiro, devido as várias crises noPaís, organizou a chamada “Marcha para o Oeste”, no período emque Getúlio Vargas era o presidente da República. Esta estratégiadeslocou um grande contingente de pessoas para a região em buscada terra e trabalho, tanto no extrativismo, como na agropecuária.Na época a população da Amazônia continuava insignificante, maspassou a aumentar progressivamente ao longo dos anos.

QUADRO EVOLUTIVO DO AUMENTO POPULACIONAL NAAMAZÔNIA, NO PERÍODO ENTRE 1920 A 1970

Aliado ao aumento populacional e ao desenvolvimentoamazônico, o restante do País também evoluiu no campo daagropecuária e indústria. Em 1953 o cultivo do café brasileiroencontrava-se extremamente favorecido pela aceitação no mercadomundial, e as exportações do produto forneceram “divisas (naproporção de 60 a 70% na ocasião)” (PRADO JÚNIOR, 1988:312). Poroutro lado, também o rebanho bovino brasileiro passou “de 44,6milhões de cabeças em 1940 para 90 milhões em 1966” (PRADO

JÚNIOR, 1988: 339).O desenvolvimento econômico brasileiro, nas várias fases

do comércio mundial, limitou-se ao papel de fornecedor de produtosprimários aos países importadores. Este fato se evidencia a partirda metade do século XX, quando realmente se efetiva a dependênciae a subordinação da economia brasileira pelos “centros financeirosdo sistema: as matrizes dos velhos trustes conhecidos hoje pelaeufêmica designação de multinacionais” (PRADO JÚNIOR: 1988: 346).MONIZ BANDEIRA (1978: 392) afirma que:

Fonte: Elaboração própria com base em Cardoso e Müller (1977: 53).

Período Núm ero de habitantes.Até 1920 1.400.000

De 1920 até 1950 1.850.000

De 1950 até 1960De 1960 até 1970

2.600.0003.600.000

Page 34: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 34 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Em 1958, de 1.650 grupos estrangeiros, que tinham investimentosno Brasil, 591 firmas (pouco mais de 1/3) pertenciam aos EstadosUnidos. Nessa mesma época, 552 firmas (num total de 1.353registradas como brasileiras, mas com participação direta de capitaisestrangeiros) eram americanas, sem contar aquelas (cerca de 76)

onde havia triangulações.

Neste sentido, a economia capitalista mundial,historicamente, necessita de um centro de gravidade através deum Estado hegemônico. Este deve exercer “funções de liderança egoverno sobre um sistema de nações” (ARRIGHI, 1997: 27). Nestatrajetória, “um período sucede o outro, mas não podemos esquecerque os períodos são, também, antecedidos e sucedidos por crises”(SANTOS, 2001: 33). Em nossos dias é um pouco diferente, “oprocesso da crise é permanente, o que temos são crises sucessivas”(SANTOS, 2001: 35). Mesmo em crise cíclicas permanentes de formanão homogêneas, o centro do capital é determinado pelo podersuperior dos estadunidenses. Historicamente, as crises podemdeterminar a transferência de comando do capital mundial, maseste deslocamento é apenas geográfico, pois as estruturas sãodeterminadas pela vontade capitalista mundial, independentementedo local de comando.

É nesta perspectiva que, no final da terceira década doséculo XX, os Estados Unidos assumiram a representação capitalistamundial. O papel de país central o qualificava para interferir nasdecisões dos países periféricos, sempre que necessário, pararestabelecer a ordem capitalista. As hegemonias são representadaspor pólos controladores e centros do capital ao longo da história.Assim, BRAUDEL (1987: 69) determina que:

uma economia-mundo aceita sempre um pólo, um centro,representado por uma cidade dominante, outrora uma cidade-Estado,hoje uma capital, entende-se, uma capital econômica (nos EstadosUnidos, Nova Iorque, não Washington). Aliás, podem existir, inclusivede modo prolongado, dois centros simultâneos numa mesmaeconomia-mundo. Roma e Alexandria ao tempo de Augusto, Antônio

Page 35: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 35 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

e Cleópatra (1378-1381; Londres e Amsterdam no século XVIII, antesda eliminação definitiva da Holanda. Pois um desses dois centrosacaba sempre por ser eliminado. Em 1929, o centro do mundo, comum pouco de hesitação, passou assim, sem ambigüidade, de

Londres para Nova Iorque.

WALLERSTEIN (2001: 51) classifica de forma um poucodiferente, mas concorda com o deslocamento do centro hegemônicocapitalista mundial e acrescenta que cada período foi selado poruma guerra mundial. Assim, a “hegemonia das Províncias Unidas(Holanda) em meados do século XII, da Grã-Bretanha em meadosdo século XIX e dos Estados Unidos em meados do século XX”(WALLERSTEIN, 2001: 51). Estamos saindo de uma era hegemônicados Estados Unidos (1945-1990) e ingressamos numa era pós-hegemônica (WALLERSTEIN, 2002: 19). Mesmo assim, o fim dahegemonia não significa que os Estados Unidos não estejam nafrente do centro mundial do capital. Entretanto, enquanto o atualcentro mundial capitalista desmonta lentamente, apresentam-se deforma clara três centros: os Estados Unidos, a Europa Ocidental eo Japão (WALLERSTEIN, 2002: 39). Possivelmente, nas próximasdécadas, se sucederão acontecimentos que vão determinar novosrumos para a economia capitalista.

Para PÉREZ (1996: 185), na atualidade existe uma crise domodelo do Estado. Assim, faz-se necessário entender o sistemasocial histórico, para que possamos entender a interferência docapitalismo nos países periféricos hoje. Foi o que aconteceu naAmérica Latina, principalmente na década de 70. A ditadura brasileiraocorrida por ocasião do golpe militar em 1964 foi o reflexo dainterferência dos EUA para manter a ordem do sistema na região.O sistema capitalista estava ameaçado, pois “na América Latinaestava em marcha uma revolução política, impulsionada sobretudopelo triunfo do Movimento 26 de julho em Cuba em 1958”(WALLERSTEIN, 2002: 23).

O país centro da hegemonia capitalista mundial visava a

Page 36: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 36 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

manter a lógica imperialista mundial, enquanto que a introdução deditaduras foi a marca da última metade do século XX na AméricaLatina. O “capitalismo norte-americano consiste em manter ereproduzir as relações de produção capitalista, onde os agentesasseguram a hegemonia entre capitalistas” (TRAGTENBERG, 1980:186). Assim, o Brasil, a partir dos governos da ditadura, escreveuuma nova história através da expansão capitalista, principalmentena Amazônia brasileira. MARINI (1980: 26) nos explica como foi ogolpe promovido pelas forças armadas.

El golpe militar que depuso al presidente constitucional de Brasil,João Goulart, en abril de 1964, fue presentado por los militaresbrasileños como una revolución, y definido, un año después, por unode sus voceros, como una “contrarrevolución preventiva”. Por susrepercusiones internacionales, sobre todo en América Latina, y antelas concesiones económicas que tuvo para los capitalesnorteamericanos, muchos lo consideraron sencillamente como una

intervención disfrazada de Estados Unidos.

Assim, “o imperialismo norte-americano, àquela altura, jáestava convencido de que lhe impunha a tarefa de expelir Goulart,como contingência da contra-revolução para conter as massas e otransbordamento da democracia” (MONIZ BANDEIRA, 1978: 450). Osestadunidenses, ao determinar um estado de ditadura no Brasil ena América Latina, não controlaram somente as massas, masdeterminaram e estabeleceram a ordem do sistema capitalista naregião. Nesta perspectiva, “os agentes da CIA estabelecem no Brasilextensa rede, com apoio de latifundiários, comerciantes e industriais,amatilhando os radicais da direita, para atos de terror, sabotageme lutas de guerrilha” (MONIZ BANDEIRA, 1978).

O que levou os Estados Unidos a exigirem um golpe deEstado brasileiro foi a campanha contra o comunismo e amanutenção das estruturas do grande capital. É nesta lógica quese movimentou “a própria condição do imperialismo, que reside naexploração dos países dependentes” (SPILIMBERGO, 2002: 16). As

Page 37: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 37 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

estratégias e táticas na ação política se pautam em dois elementosbásicos: “seu caráter premeditado e sua intencionalidade planejada”(DREIFUSS, 1986: 23). Nesta ótica, as elites orgânicas seresponsabilizam pelo “discurso político-pedagógico para o conjuntodas classes dominantes, apresentando não só como de interessecoletivo do capital, mas até da própria nação” (DREIFUSS, 1986: 26).Nesta perspectiva, os vários setores da sociedade se envolveramnesta operação. Para MONIZ BANDEIRA (1978: 471):

a oposição pedia o impeachment de Goulart. As organizações dedireita, tendo à frente a Campanha da Mulher Democrática (CAMDE),articulam a realização em todo o país das chamadas Marchas daFamília, com Deus, pela liberdade, a fim de açular a fúriaanticomunista nas classes médias. O tom e a cadência mostravamque existia um regente invisível, orquestrando a campanha, dentrodo quadro dos conflitos internos e das lutas de classe, que seaguçavam e das quais o imperialismo norte-americano também

participava como empresário.

A grande meta desta regência invisível na América Latinafoi no sentido de orientar as táticas conservadoras, bem como“homogeneizar a integração do continente no processo produtivocapitalista, através da transnacionalização política, econômica, militare cultural de cada país” (DREIFUSS, 1986: 119). As estratégiasempregadas na dominação dos países de economia dependente,principalmente os do Cone Sul, ocorreram através do sepultamentoda soberania, pois não passava de um pacto de cooperação dasdiplomacias contra o comunismo e atingiram seu auge em 1976 e1977 através da Operação Condor5 (PROCÓPIO, 1999: 98).

A estratégia dos estadunidenses pautava-se no apoioideológico aos regimes autoritários, vindo a introduzir na práticasua política de dominação fora do território americano (HUGGINS,1998: 135). Neste sentido, brasileiros, argentinos, chilenos,paraguaios e uruguaios realizaram esquemas conjuntos de terror.A operação tinha como alvo “caça aos militares de esquerda,

Page 38: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 38 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

rotulados de terroristas em uma estratégia diplomático-policial queresultou em um saldo de centenas e mais centenas dedesaparecidos no continente” (PROCÓPIO, 1999: 99).

Para MONIZ BANDEIRA (1983: 126), os agentes da CIA teceramtoda a rede de conspiração contra as massas. Ao mesmo tempo,aglutinavam forças colaborando com os militares brasileiros, oslatifundiários, os comerciantes e os industriais com a finalidade desabotar as forças organizacionais da população, controlando asforças produtivas e consolidando o projeto proposto pela burguesia.Neste processo foi necessário intervir “nos sindicatos e demaisórgãos de classe, dissolvendo agrupamentos políticos de esquerdae calando a imprensa, prendendo e assassinando líderes operáriose camponeses, promulgando uma lei de greve que obstruiu oexercício desse direito laboral” (MARINI, 2000: 94).

O esforço das elites “latino-americanas visava à projeçãode um conjunto de interpelações ideológicas como ‘senso comum’,buscando a formação de consenso no interior das próprias classesdominantes” (DREIFUSS, 1986: 119). Através desta estruturaplanejada e arquitetada, a sanha capitalista promoveu o terror e aditadura, conseguindo mudar a correlação das forças políticas doPaís. A conseqüência imediata para a classe trabalhadora foi a

5 A Operação Condor foi um conjunto de repressão política aos cidadãos do Cone Sul efoi firmado entre os países que impunham ditaduras militares em cadeia. Foi idealizadapelo Coronel Manuel Contreras, chefe da DINA (Dirección de Inteligencia Nacional). Aaliança de cooperação mútua foi realizada no final de 1975 em Santiago através dosprincipais órgãos de inteligência da Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai etinha a DINA como sede no Chile. O pacto dava total liberdade de ação aos paísesmembros e tinha como principal objetivo a criação de um banco de dados sobre pessoase organizações envolvidas em atividades políticas de oposição aos governos da ditadura.Tinha como objetivo criar uma simular da Interpool na América do Sul, porém voltada aocombate à subversão. Através do acordo mútuo dos países, era possível identificarrevolucionários, criar códigos de informações secretas, trocar prisioneiros, criar táticasde tortura, execuções de prisioneiros e liberdade no combate aos inimigos entre ospaíses membros. A operação “Mercosul do Terror”, como ficou conhecida, teve seuauge nos anos de 1976 e 1977. O serviço de inteligência repressivo só foi possívelgraças à ausência de fronteiras ideológicas e ao fato de ter elegido o comunismo comoadversário, além da conivência e do apoio dos americanos, pois tinham interesses porestarem no auge do envolvimento com a Guerra Fria.

Page 39: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 39 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

“fixação do salário real debaixo do valor da força de trabalho” (MARINI,2000: 215). Neste sentido, MARINI (1980: 97-98) afirma que oaspecto mais evidente da ditadura.

ha sido la contención por la fuerza del movimiento reivindicativo delas masas. Interviniendo en los sindicatos y demás órganos de clase,disolviendo las agrupaciones políticas de izquierda, y acallando suprensa, encarcelando y asesinando líderes obreros y campesinos,promulgando una ley de huelga que obstaculiza el ejercicio de esederecho laboral, la dictadura logró promover, por el terror, un nuevoequilibrio entre las fuerzas productivas. Se dictaron normas fijandolímites a los reajustes salariales y reglamentando rígidamente lasnegociaciones colectivas entre sindicatos y empresarios, que

acarrearon una redución sensible en el valor de los salários.

Faz-se necessário entender as estratégias do centro docapital, bem como o papel dos militares na ditadura brasileira. Ogoverno militar, após efetivo controle das forças de oposição,transformou a região amazônica em área de expansão capitalistapara grupos capitalistas nacionais e internacionais, mesmo que estativesse que “se basear em uma maior exploração das massastrabalhadoras” (MARINI, 2000: 71).

Nesta perspectiva é necessário não perder os reais objetivosdo capital global em implantar as ditaduras em cadeia nos anos 60e 70 na América Latina. O modo ditatorial de o Estado conduzir oprocesso político e econômico foi a forma de interferência maisacentuada na expansão do capital internacional na região. Esta foia maneira encontrada para preservar a hegemonia capitalistamundial, na América Latina e no Brasil.

Na Amazônia acentuou-se a expansão de grandesconglomerados econômicos internacionais, vindo a estabelecerem-se no Brasil com a finalidade da acumulação através da imposiçãomilitar. As modalidades de ações táticas foram puramente ofensivas,e as mais conhecidas foram as de: “doutrinação geral e específica;ação ideológico-social; pressão e penetração política; guerrapsicológica geral e seletiva, pressão paramilitar e ação direta”(DREIFUSS, 1986: 120).

Page 40: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 40 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Para efetivar-se a estratégia de dominação, “a doutrinaçãogeral e específica visava a formação de quadros das classes

dominantes e a incorporação das lideranças das classessubalternas” (DREIFUSS, 1986: 120). Através da doutrinação,viabilizaram-se “as ações cívicas e comunitárias que funcionam

como uma espécie de tática de freio à politização, foramdesenvolvidas sob o título genérico de função social do capital”(DREIFUSS, 1986: 122). Estas ações táticas se formavam através do

cunho cívico-comunitário, e nasceram com o objetivo de demonstraralta visibilidade e impacto condicionante.

Uma das bandeiras mais importantes das elites foi a reforma

agrária capitalista. A intenção podia ser a de “aumentar aprodutividade e os lucros, de abrir novos espaços à penetração docomplexo agroindustrial de maquinário e fertilizante, ou simplesmente

a fixação do camponês na sua área, para esvaziar problemasdecorrentes da migração aos centros urbanos” (DREIFUSS, 1986:125). Através desta perspectiva, ocorreu uma nova dinâmica notratamento da Amazônia brasileira, principalmente a partir dos anos

60 do último século, via expansão capitalista.Neste sentido, “as ações de pressão e penetração política

tinham como alvos e arenas de luta a mídia, o Congresso, as Forças

Armadas, a burocracia do Estado, os partidos, a igreja, o governoetc.” (DREIFUSS, 1986: 126). Para atingir a mídia era relativamentefácil, pois esta pertencia à elite capitalista distribuída nos vários

setores da economia, e assim penetrava nos demais órgãos einstituições-alvo. Depois de efetivar as ações de pressão epenetração política, “as atividades de guerra psicológica consistiam

na persuasão geral (propaganda, informação e desinformação,manipulação, etc.)” (DREIFUSS, 1986: 128).

No último estágio, a atuação tática das elites orgânicas era

através de atividades de guerra psicológica, e esta visava àmobilização política, fornecendo subsídios e orquestração àscampanhas eleitorais, apoio econômico e político a militantes, bem

Page 41: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 41 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

como formação de grupos para militares. Neste nível, a interferênciafoi do “amedrontamento de sindicalistas, o apoio aos fura greve, aprovocação e atos de terrorismo, até a desestatização completa doregime e a sua derrubada por golpe de Estado” (DREIFUSS, 1986:131).

A América Latina foi transformada em um laboratório dadesestabilização, pois o objetivo principal era preservar o sistemacapitalista mundial. Fazia-se necessário usar as táticas maisavançadas para preservar o sistema, mesmo que fosse através dainterferência das forças militares, dotando os países periféricos comestratégias de submissão e violência com as massas para assegurara expansão do sistema capitalista mundial das elites. Todas estastáticas visavam restabelecer a lógica sistêmica e abrir caminhospara a entrada dos sobrinhos do “Tio Sam” na América Latina.Através da estratégia elaborada e engenhada por interesses além-pátria, o Estado brasileiro passou a beneficiar os grandes projetoseconômicos, dotando-os de estrutura financeira e do controle dasmassas pela ditadura.

Os militares no comando do Estado brasileiro, através dogolpe de Estado, serviram de instrumento para fixação de grandescapitais na região amazônica, bem como a concentração dapropriedade privada e expropriação dos povos da floresta. O realmotivo da tomada do poder por meio da ditadura foi beneficiar osgrupos econômicos, e estes passavam a controlar os movimentospolíticos e econômicos do País. Os projetos “Sudam e Basa criadosem 1966 marcam o início de uma nova fase de desenvolvimentoextensivo do capitalismo na Amazônia” (IANNI, 1986: 67). Assim, “oEstado é o penhor das condições, das relações sociais, docapitalismo, e o protetor da distribuição cada vez mais desigual dapropriedade que esse sistema enseja” (BRAVERMAN, 1981: 242).

Efetuou-se a estratégia de internacionalização da Amazônia,ocorrendo na prática a expansão capitalista com recursosprovenientes do Estado brasileiro através dos incentivos fiscais.Ao mesmo tempo, a forma expansionista criada na região tornou-

Page 42: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 42 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

se dependente do Estado brasileiro. Nesta perspectiva, criaram-seas condições necessárias para dar início a uma fase mais acelerada“das relações de produção e as forças produtivas no extrativismo,agricultura e pecuária da região” (IANNI, 1986: 66).

A proposta de ocupação da região, através da oferta devastas áreas e condições para expansão, veio acompanhada dosmecanismos necessários para as empresas passarem a usufruiros recursos minerais e florestais abundantes na região. O Estadobrasileiro colocou-se a serviço dos grandes conglomeradoscapitalistas nacionais e internacionais, visto ser a ditadura fruto deuma investida internacional de dominação econômica, militar, políticae territorial.

O controle efetivou-se através do comando da hegemoniacapitalista mundial, representada e controlada pelos Estados Unidos,pois o plano tinha objetivos claros: expandir o capital central nospaíses do Terceiro Mundo, bem como fortalecer o sistema dedominação capitalista mundial através das forças militares. Nesteaspecto, efetivara-se na Amazônia brasileira a instalação de formamais agressiva dos três fatores produtivos, “o capital, a terra e otrabalho” (ROSDOLSKY, 2001: 41).

No período pós-1964, o Estado brasileiro, sob domínioestrangeiro, através das estratégias mundiais, passou a servir aos“ianques” intensivamente, submetendo-se às metas do plano globalcapitalista. Os produtos da região amazônica, que já serviam aomercado mundial, passavam a se fazer cada vez mais presentesna região, mas agora a investida econômica pôde ser com recursosda nação brasileira em detrimento dos povos nacionais e os dafloresta tropical.

Os seringueiros passaram à condição de posseiros oufornecedores de força de trabalho na região. O governo federal,via Incra6 , em 1970, contestou o domínio de propriedade em grandeparte das áreas de extrativismo, promovendo a expansão de gruposeconômicos. Neste sentido, é bom lembrar, que com o quase extintociclo da borracha nos anos 70, “é inegável que o extrativismo

Page 43: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 43 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

continua um setor econômico importante na economia da Amazônia.Continuam importantes o setor extrativo e o comércio de borracha,castanha, babaçu, madeira, peles, etc., na região do Brasil e noexterior” (IANNI, 1986: 57-58).

Por outro lado, os capitalistas nacionais e internacionais,sempre atentos às riquezas minerais e florestais desta região, bemantes do início do ciclo da borracha, transformaram a Amazônia emfornecedora de produtos ao mercado mundial, mesmo não seinstalando definitivamente nesta região, mas interferindo na áreadentro da lógica do sistema. Conforme SANTOS (2001: 123), é estalógica que determina os movimentos, pois as “populações em seusdiferentes níveis, os pobres e os que vivem longe dos grandesmercados obrigam a combinações de formas e níveis docapitalismo”.

A região recebeu um grande contingente de empresasnacionais e multinacionais, com fins de constituírem seus negóciosvoltados para a concentração individual de capitais. O Estadobrasileiro facilitou a expansão capitalista na região, tendo comoestratégia os incentivos fiscais e o crédito. Segundo Marx7 , a suadefinição nos orienta sobre a lógica do crédito e as relações Estado/capital. Os conceitos podem ser vistos na obra O capital8 .

A análise histórica revela que “a reprodução do capital, emescala internacional, não se efetiva nem se desenvolve sem algumtipo de participação do Estado do país dependente” (IANNI, 1988;118). Na última fronteira de ocupação brasileira, desde que foiinstalada a ditadura militar brasileira, a penetração de formacapitalista foi intensificada com ampla organização do poder doEstado. O poder público, com a finalidade de dar “segurança” à

6 Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária. Órgão do governo federal,que teve sua criação através do Decreto Lei n. º 1.110, de nove de julho de 1970. Tinhacomo finalidade o levantamento cadastral das propriedades e a demarcação das terras,bem como a implantação de políticas de colonização no território brasileiro. Tendo sidoextinto em 1987, e substituído pelo Mirad, Ministério da Reforma e do DesenvolvimentoAgrário. No Mato Grosso, o órgão limitou-se à tarefa de regularizar títulos de posse eaprovar projetos de colonização da iniciativa privada, pois os governos militares davamtoda atenção ao projeto particular de colonização.

Page 44: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 44 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

sociedade burguesa, desencadeou um processo de “controle erepressão de toda a organização e atividades políticas das classesassalariadas, para que o capital monopolista tenha as mãos livrespara desenvolver a acumulação” (IANNI, 1981: 9). As várias formasde atuação e estratégias da ditadura ficam acentuadas em IANNI

(1981: 22):

a ditadura passou a atuar, de forma presente, sistemática, profundae generalizada, na questão da terra, na Amazônia Legal, na políticaeducacional, na indústria cultural, nas relações de produção, nasforças produtivas. O poder estatal passou a expressar, de formacada vez mais aberta, as exigências da economia política dareprodução monopolista. Ao mesmo tempo em que se desenvolviaa superexploração do proletariado e do campesinato, desenvolvia-se o poder estatal, como máquina de violência concentrada eorganizada. As mesmas relações e estruturas de apropriaçãoeconômica, determinadas pela reprodução do capital, desenvolviame apoiavam-se nas relações e estruturas de dominação política. Em

conjunto, conformava-se um Estado de cunho fascista.

Para facilitar e concretizar a realização dos objetivos doscapitalistas, o Estado adotou como estratégias a criação de órgãosfacilitadores, para legalizar a estrutura necessária e a transferênciade capitalistas para a região Amazônica. Desta forma, o Estado

7 “Se o sistema de crédito é o propulsor principal da super produção e da especulaçãoexcessiva no comércio, é só porque o processo de reprodução, elástico por natureza,se distende até o limite extremo, o que sucede em virtude de grande parte do capitalsocial ser aplicada por não proprietários dele, que empreendem de maneira bem diversado proprietário que opera considerando receosos os limites de seu capital. (...). Assimeste acelera o desenvolvimento material das forças produtivas e a formação do mercadomundial, e levar até certo nível esses fatores, bases materiais da nova forma de produção,é a tarefa histórica do modo capitalista de produção.(...) O sistema de crédito, pelanatureza dúplice que lhe é inerente, de um lado, desenvolve a força motriz da produçãocapitalista, o enriquecimento pela exploração do trabalho alheio, levando a um sistemapuro e gigantesco de especulação e jogo, e limita cada vez mais o número dos poucosque exploram a riqueza social; constitui a força de passagem para o novo modo deprodução” (MARX, 1981: 510).8 O capital: crítica da Economia Política. É considerada a obra mais importante de KarlMarx, e foi publicada em 1867 a primeira parte dos estudos, três anos após sua morte.A obra se constitui em três livros divididos em seis tomos e foi traduzida para a línguaportuguesa por Reginaldo Sant’ Anna pela Editora Civilização Brasileira.

Page 45: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 45 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

criou mecanismos que ofereciam as condições necessárias para aapropriação de terras devolutas, passando ao domínio de empresasnacionais e internacionais. Conforme PORTELA E OLIVEIRA (1991: 17),

terras devolutas – oficialmente não possuem dono. Trata-se de terrasvagas ou desocupadas do ponto de vista jurídico, ou seja, semtitulação de propriedade. Terras tribais – ocupadas por sociedadesindígenas e garantidas pelo governo federal. Não são terras tituladas,porque as leis do Brasil garantem aos índios apenas a posse daterra, pois é a União que detém a propriedade delas. Terras griladas– o “proprietário” possui títulos. Ou, então, são áreas não cobertaspor títulos legais, cujos “proprietários” – pessoas ou empresas –reivindicam extensões maiores do que as cobertas pelos títulos.Terras Tituladas – o proprietário possui o título emitido pelo governo

e registrado em cartório, que é o título legal de propriedade.

As empresas, sendo possuidoras de capital, ou com a faltadeste, mas com capacidade organizacional e poder político parainstalarem-se na região, passaram a ter livre acesso aos benefíciosoferecidos pelo Estado. Este exigia como troca dos gruposeconômicos beneficiados apoio para fortalecer-se politicamente noPaís e manter a forma repressiva de governo. As terras devolutasde comunidades indígenas e griladas passaram à condição de terrastituladas nas mãos de grupos organizados. A ditadura de 1964planejou a expansão do capital nacional e internacional na Amazônia,tornando a última fronteira muito mais integrada ao mercado mundiale pouco ao mercado interno.

Assim, “a expansão capitalista na mais recente fronteira doBrasil processa-se mediante a criação de empresas sob o incentivoe a direção do Estado Autoritário” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 8).Através desta perspectiva, foi colocado o “Estado em favor do capitalmonopolista” (SODRÉ, 1975:17). A tônica da “política econômicagovernamental concentra-se sobre o processo de acumulação decapital, que é selecionado como fulcro do desenvolvimento” (IANNI,1989: 12). Neste sentido, “o Estado moderno e a ordem reprodutivasociometabólica do capital são mutuamente correspondentes”(MÉSZÁROS, 2002: 127). IANNI (1986: 55) diz que:

Page 46: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 46 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

o que ocorreu na Amazônia, nos anos 1964-78, foi principalmenteum desenvolvimento extensivo do capitalismo. No extrativismo, naagricultura e na pecuária, desenvolveram-se as relações capitalistasde produção, juntamente com as forças produtivas. Este foi o quadrogeral no qual se integrou a política estatal de ocupação, inclusive acolonização dirigida, oficial e particular. A rigor a expansão da empresade extrativismo, agropecuária e mineração, da mesma forma que ademarcação e titulação de terras devolutas, tribais e ocupadas, aolado da colonização dirigida, tudo isso expressa o processo mais oumenos amplo e intenso de expansão das relações capitalistas na

região.

O Estado é decisivo, surge como mediador para facilitar aacumulação capitalista na região. Desta forma, “à medida que seacelera a concentração de capital, desenvolve-se a centralização”(IANNI, 1989: 19). Os diversos capitais transformam-se em um sóatravés da centralização, mas “a concentração é um processo queconsiste no aumento do capital das unidades empresariais, pelacapitalização da mais-valia ali produzida” (IANNI, 1989: 18). Oconceito sobre acumulação foi desenvolvido por MARX9 .

O processo capitalista desencadeia na região formas desujeição dos posseiros, dos indígenas e dos colonos ali residentes,ou os recém-chegados. O controle passa a efetivar-se “através dobinômio clássico, ou seja, monopólio da terra e controle do trabalho”(PROCÓPIO, 1992: 19). Desta maneira, a região passa de umaeconomia completamente dominada pelo setor primário à “umaeconomia de setor secundário, modificam-se os instrumentos e apolítica econômica do governo. Como mediação num sistema de

9 “com a acumulação do capital, desenvolve-se o modo de produção especificamentecapitalista, e, com o modo de produção especificamente capitalista, a acumulação docapital (...). Todo o capital individual é uma concentração maior ou menor dos meios deprodução, com o comando correspondente sobre um exército maior de trabalhadores.Cada acumulação se torna meio de nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de riquezaque funciona como capital, a acumulação aumenta a concentração dessa riqueza nasmãos de capitalistas individuais e, em conseqüência, a base da produção em grandeescala e dos métodos de produção especificamente capitalistas. O crescimento docapital social realiza-se através do crescimento de muitos capitais individuais e, comeles, a concentração dos meios de produção aumentam enquanto o capital social cresce.”(MARX, 1998: 729).

Page 47: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 47 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

relações de classes sociais, o poder público adquire relevânciaespecial na formação do capitalismo industrial” (IANNI, 1989: 46).

Com a criação de órgãos como Sudam e Basa10

concretizaram-se mudanças em todos os setores da economia local.A partir da criação destes dois órgãos financiadores, com finalidadede incentivar e atrair capitalistas para esta vasta região, iniciou-seuma nova fase para o desenvolvimento extensivo do capitalismodependente do Estado brasileiro. Neste sentido, a “política dosincentivos fiscais foi o instrumento que o Estado brasileiro beneficiouos monopólios estrangeiros instalados no país” (SODRÉ, 1975: 153).Portanto, efetivaram-se duas vias de integração: no primeiro estágiovinculou-se a região ao mercado mundial via exportação, e nosegundo a internacionalização dos produtos através da produção.IANNI (1986: 61-62) enfatiza as estratégias do capital na Amazônia:

em primeiro lugar, dinamizaram-se e diversificaram-se as atividadesprodutivas. Em segundo lugar, desenvolveu-se bastante o sistemade crédito, público e privado. Em terceiro, desenvolveu-se e ampliou-se a administração pública federal da região. Em quarto, desenvolveu-se e agravou-se a luta pela terra, luta essa que envolve, entre outroselementos: o poder público (federal, estadual, territorial e municipal);grandes e médias empresas agropecuárias e de mineração;posseiros, ou antigos sitiantes e grupos indígenas. Em quinto,recolocou-se a secular problemática indígena, seja quanto à defesada sua cultura e terra, seja no que se refere à proletarização da suamão-de-obra. Em sexto, criaram-se núcleos coloniais, com afinalidade de construir reservas de mão-de-obra paraempreendimentos públicos e privados. Em sétimo lugar, reformou-se amplamente a significação geopolítica da região amazônica, tantono que diz respeito à “defesa nacional”, como no que se refere aosproblemas da “segurança interna”.

10 Sudam – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, órgão criado em 27 deoutubro de 1966, pela Lei n.º 5.173, sendo considerado o principal instrumento nasmãos do capital nacional e estrangeiro, tendo como função criar incentivos fiscais efinanceiros, com planos de valoração, atraindo assim investidores privados. Os incentivosfiscais eram direcionados aos empreendimentos agropecuária, indústria e mineração.Basa – Banco de Crédito da Amazônia S.A, criado em 28 de outubro de 1966, conformeLei n.º 5.122, sendo que os dois órgãos passaram a atuar de forma articulada na regiãoamazônica.

Page 48: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 48 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Na região ocorreram grandes transformações econômicas,sociais e ambientais. O poder público adotou como estratégia doEstado contemplar as empresas privadas com grandes áreas deterras, vindo a beneficiar grandes conglomerados nacionais einternacionais. Isto foi possível por meio dos incentivos fiscais, poiso Projeto Sudam e o Basa canalizavam para a região uma novaproposta de ocupação, “com a finalidade de levar a empresa privadaa participar do desenvolvimento da Amazônia” (CARDOSO e MÜLLER,1977: 104) Assim, o binômio Estado-empresas privadas, nacionaise internacionais, conseguiu fazer a parceria certa com a finalidadede internacionalizar a Amazônia brasileira, bem como garantir asobrevivência do sistema capitalista através do Estado ditatorial.

Desta ocupação criaram-se grandes monopólios e uma novafase da história da expropriação dos recursos naturais da regiãose desencadeou. O então ministro da Justiça, Delfim Neto, um dosmentores do projeto econômico militar, não cansava de repetir aseguinte frase: “exportar é o que importa”. A filosofia de entrega dopatrimônio brasileiro e a internacionalização dos espaços deixaramgrandes sinais de “expropriação dos recursos naturais, minerais,florestais, dos solos, do suor dos trabalhadores e das naçõesindígenas” (OLIVEIRA, 1997: 15). HEGEMANN (1996: 61) acrescentaque:

na década de 70, a Amazônia atraía inúmeras empresas brasileirase internacionais que desejavam adquirir propriedades a preçosbaixos; fazer especulações rentáveis; utilizar subvenções do Estadoou conquistar partes do mercado e vantagens competitivas. Entre osatores, nem sempre sérios, estavam – além de várias empresasbrasileiras e firmas fantasmas – algumas empresas estrangeirascomo a Volkswagem, a Liquigás, a Nixdorf e até o Banco do Vaticano.O Banco Mundial também estava à frente em vários casos,

concedendo empréstimos ou como investidor.

Através das facilidades oferecidas pela ditadura, empresasnacionais e multinacionais instalaram-se nesta região, inclusiveobtendo recursos financeiros para estruturação. Várias empresasusufruíram dos recursos promovidos por mecanismos de incentivosfiscais, trazendo pouco retorno para a nação e quase nenhum paraa região Amazônica, cenário dos projetos. Alguns destes nasceram

Page 49: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 49 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

apenas com a finalidade de especulação imobiliária da terra. É ocaso das empresas de colonização privada, ou para extração dosrecursos minerais, florestais e da agropecuária. Podemos destacaralguns dos projetos gigantescos surgidos nesta época, com grandequantidade de hectares de terra11 .

GRANDES EMPRESAS INSTALADAS NA AMAZÔNIA BRASILEIRANO PERÍODO DA DITADURA MILITAR ENTRE 1964 E 1985.

Além dos projetos mencionados, outros grupos econômicosforam beneficiados com grandes quantidades de terras na região.Entre estes grupos estão: Bradesco, Atlântica-Boa Vista,Bamerindus, Swift, Supergasbrás e outros. Estes são apenas algunsdos exemplos de grandes áreas distribuídas aos grupos capitalistasna Amazônia. No período da ditadura, com aval do próprio governoe “usando slogans nacionalistas, mais de seiscentas empresastransnacionais passaram a investir maciçamente na região”(GONÇALVES, 2001: 14-15).

Com posse de grande quantidade de terra desmataram emritmo crescente a Amazônia, utilizando o “trabalho assalariado, quepossibilita rápido desmatamento, e nas operações seguintes deaviões que espalham desfolhantes e sementes de capim que emtrês dias realizam uma operação equivalente a um ano de trabalhovivo” (BECKER, 1997: 26). Para SHOUMATOFF (1990: 72), os aviõestornaram-se um verdadeiro achado. “Podia-se jogar agente laranja

Fonte: Elaboração própria com base em Becker (1997: 26), Cardoso e Müller (1977: 161) ePinto (1980: 215).

Nom e das em presas Tam anho das áreas em hectaresProjeto Jari S.A 1.500.000Suiá-M issu 678.000Codeara 600.000Georgia Pacific 500.000Bruynzeel 500.000Robim M ac Glolm 400.000Toyam nkaVolkswagen

300.000140.000

Page 50: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 50 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

ou bombas de napalm com eles, livrando-se das recalcitrantesculturas que habitavam a selva – índios, seringueiros e caboclos –e fazer o que precisava ser feito, sacrificando algumas milhares depessoas pelos elevados propósitos do progresso”.

Os desfolhantes são proibidos nos países de origem dasmultinacionais, mas utilizados na nova fronteira de colonização deforma extensiva. Este fato pode ser comprovado no “caso do rioMiranda – MS –, onde foi usado maciçamente o Tordon, o Dow-chemical, o Agente Branco da guerra do Vietnã nas fazendas decerrado para dessecar as florestas e capoeiras da região doPantanal” (PINHEIRO et al., 1998: 49). A estratégia capitalista para aregião não ficou somente em desfolhar as florestas para posteriorpenetração. Nesta estratégia “o uso destes desfolhantes, mais quedestruir a floresta, visa, muitas vezes, a destruir tribos indígenas;como são poderosos abortivos, provocam um verdadeiro genocídio”(PINHEIRO et al., 1998: 75).

Além disso, a região amazônica, por ser pouco habitada,serve de experimento científico em testes para posterior liberaçãodestes agrotóxicos por parte dos grupos econômicos internacionais.Usavam os países periféricos como experimento para avaliar acapacidade dos produtos tóxicos, pois “eles queriam que fóssemoscobaias, para terem maiores lucros” (PINHEIRO et al., 1998: 109).

Fatos desta natureza só acontecem quando o Estado éomisso e conivente. No caso brasileiro, o governo passou a sercolaborador, colocando-se sempre na retaguarda do sistemaimperialista e protetor dos grandes conglomerados internacionais.Assim, quando necessário, interferiu em nome do capital, mesmoque fosse através da repressão e submissão das massas, bemcomo financiador da destruição do meio ambiente. Além de incentivosfiscais e empréstimos em dinheiro, o governo cumpriu sua partecom estruturação de estradas, abastecimento de energia,

11 Hectare (ha), unidade de medida agrária com 10.000 m² cada unidade, ou o equivalentea um hectômetro. Esta unidade de medida é a mais usada dentro do território amazônicoe serve de referência para informar as medidas de área.

Page 51: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 51 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

construção de aeroportos, proporcionando a entrada e a saída daspessoas e o escoamento da produção na região.

As estradas federais serviram de propaganda para ogoverno atrair empresas e pessoas para a região, bem comosinônimo de estrutura. Figuram-se como os corredores maisimportantes as rodovias Cuiabá-Santarém, Cuiabá-Porto Velho,Belém-Brasília e Transamazônica12 .

Estes são exemplos de integração proporcionados peloEstado para a abertura desta vasta região. Além dos esforços dogoverno da ditadura para contribuir com o já avançado processode destruição, países centrais com interesse capitalista foramoportunos e decisivos no tocante à devastação e ao enxugamentodas riquezas naturais da região. HAGEMANN (1996: 61) certifica que:

a cooperação internacional para o desenvolvimento e, principalmente,o Banco Mundial são parte dos principais causadores da destruiçãodas florestas tropicais da Amazônia. Na Amazônia Oriental, o BancoMundial, a Comunidade Européia e também financiadores bilaterais,como o Instituto de Crédito para Reconstrução da Alemanha na áreade mineração e infra-estrutura, são co-responsáveis pordesmatamentos de muitos milhões de hectares e pelasconseqüentes violações de direitos humanos na ampla região de

influência de Carajás.

As novas oportunidades para o capital, através das “grandescorporações multinacionais, quando operam em áreassubdesenvolvidas, desnacionalizam essencialmente. O chamado

12 Foram construídas as rodovias federais, como estratégia de penetração na Amazônia.A rodovia Transamazônica, com projeto inicial de aproximadamente 5.500 quilômetrosde extensão, nasceu no Nordeste no Estado da Paraíba e penetra em sentido horizontalaté a Estado do Amazonas, ao norte. No projeto inicial, pretendia ser a ligação entre oOceano Atlântico brasileiro e o Oceano Pacífico no Peru. A rodovia Belém-Brasília nasceuna capital do País, em Brasília, e penetra em sentido diagonal até Belém (PA). A rodoviaPerimetral Norte tem 2.450 quilômetros de extensão. A rodovia Cuiabá-Santarém, com1.320 quilômetros, começa em Cuiabá, no Estado de Mato Grosso e penetra na horizontal,até a cidade Santarém, no Estado do Pará. Esta rodovia tem início no extremo oeste doEstado de Santa Catarina, no sul do País. Além de uma dezena de outras rodovias, commenor extensão.

Page 52: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 52 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

‘modelo brasileiro de desenvolvimento’ é criação específica daestrutura da fase do capitalismo monopolista do Estado, quedeforma as estruturas econômicas, quando as explora” (SODRÉ,1975: 181). Transformar o Estado em um formador das estruturaseconômicas, a serviço da elite dominante, proporciona “apauperização da maioria do povo; vai mais longe, porque impõe asformas autoritárias de Estado” (SODRÉ, 1975: 181). Em paísesperiféricos, semelhantes ao Brasil, “a dependência da situação desubdesenvolvimento implica socialmente uma forma de dominação”(CARDOSO e FOLETTO, 1970: 26).

Por conseqüência, “a política de incentivos fiscais significounão apenas o robustecimento da iniciativa privada na Amazônia,mas também atuou como uma medida ativadora da acumulaçãofinanceira no sul do país” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 165-66). Assim,os incentivos fiscais, através dos projetos não realizados na região,serviam para transferir recursos para outras partes do País, vindoa beneficiar os capitalistas.

O projeto de colonização da última fronteira brasileira,elaborado pela ditadura militar, não teve como objetivo assistir ocaboclo da região, os problemas da seca do Nordeste, os problemassociais do sul do País, muito menos beneficiar a grande maioria dapopulação brasileira marginalizada e despossuída. Este projeto foielaborado para beneficiar principalmente as grandes empresasnacionais e internacionais. Nasceu com a finalidade de colocar osprodutos da Amazônia no mercado mundial e, por intermédio dosmilitares, internacionalizar a região com a expansão de grandesconglomerados capitalistas.

Neste sentido, “o binômio Estado-empresa privada produziuresultados cada vez mais notáveis, em tempos de dinamização dasforças produtivas ou expansão do capitalismo na região” (IANNI,1986:75). Na concepção histórica, as mudanças são de tempo, maso tratamento efetuado pelo Estado reflete os antagonismos no modode tratar as classes. O conceito de Estado é amplamente tratadopor Engels13 .

Page 53: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 53 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

As várias formas que o capital encontra para tirar proveitopara si, sempre apoiado pelo Estado, torna a populaçãomarginalizada. O Estado, de forma repressiva, “atuando a níveisdiversos, termina por encontrar-se na senda batida da acumulaçãorápida através da espoliação dos trabalhadores” (CARDOSO e MÜLLER,1977: 202). Através desta concordância, ocorre “a acumulaçãoprivada beneficiada pelos incentivos do Estado e pela exploraçãode uma mão-de-obra carente de quase todas as condições capazesde fazer dela algo mais que o velho e sofrido instrumentum vocalisdos tempos da escravidão” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 205).

O projeto econômico militar implantado no Brasil em 1964foi a concretização do plano capitalista mundial de expansão eacumulação. A região Amazônica foi usada pelas esferas econômica,militar e política, transformando-se, assim, em área de livremovimento dos projetos econômicos com o objetivo de acumularriqueza, bem como atingir o mercado mundial através da produção.Neste sentido, a expansão capitalista teve como finalidade expandirseus interesses globais para atender ao mercado internacional.IANNI (1986: 79) escreve que:

estava em curso um amplo e intenso processo de formação delatifúndios, fazendas e empresas de extrativismo, agricultura epecuária, agroindústria e outras atividades, por meio do qual a terrase transforma em propriedade privada, mercadoria, em conformidadecom as exigências do desenvolvimento extensivo do capitalismo naAmazônia. Essa foi a forma pela qual o poder estatal foi levado a

13 “Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, ecomo, ao mesmo tempo, nasceu em meio ao conflito delas, é, por regra geral, o Estadoda classe mais poderosa, da classe economicamente dominante, classe que, porintermédio dele, se converte também em classe politicamente dominante e adquire novosmeios para a repressão e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado antigo foi,sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter os escravos subjugados;o Estado feudal foi o órgão de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dosservos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o instrumentode que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado.” (ENGELS, 1987: 193). Aorigem da família, da propriedade privada e do Estado é obra de Friedrich Engels. Osescritos foram publicados pela primeira vez em 1884 e traduzidos para a língua portuguesapor Leandro Konder.

Page 54: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 54 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

reativar, diversificar e desenvolver o vasto enclave econômico daAmazônia, para servir à acumulação capitalista nos centros

dominantes, no Centro-Sul e no Exterior.

O Estado passou a favorecer e a proteger gruposeconômicos e políticos, a grilagem, o latifúndio e a formação dagrande empresa agropecuária, de extrativismo agroindustrial ouindustrial. “É neste sentido que se colocam as atuações da SUDAM,BASA, INCRA e FUNAI14 , entre outros órgãos do poder públicofederal, estadual e municipal” (IANNI, 1986: 83). Impulsionada poresta estrutura protecionista, em toda a Amazônia ocorreu umaacentuada concentração da propriedade privada. Mesmo o Estadotendo distribuído algumas poucas terras para colonos, ou reservadoparte para os povos originários, a grande maioria das terras foipara grupos econômicos do Centro-Sul do País e para osestrangeiros. Nesta região, largas quantidades de terras foramcompradas, griladas ou ocupadas por latifúndios, grileiros,fazendeiros e empresários.

Se, por um lado, predominou a grande concentraçãofundiária, “ocorre progressiva proletarização de indígenas, caboclosamazonenses e posseiros, recém-chegados ou antigos no lugar”(IANNI, 1986: 86). Esta era a grande meta do capital, expropriar ospovos originários e os posseiros, deslocar as populações, tornando-as proletárias para servirem ao sistema ali implantado. Assim, duastendências se revelaram na Amazônia no período militar, iniciadoem 1964; primeiro modificou-se “rapidamente, e de forma violenta,o sistema de posse da terra. Segundo, tem sido reduzida acapacidade de absorção de trabalhadores rurais pelas fazendas eempresas de pecuárias” (IANNI, 1986:86).

A projeção da Amazônia brasileira ao mercado mundial,através da introdução de capitais públicos e privados, conseguiu

14 Funai – Fundação Nacional do Índio, criada pela Lei n.º 5.371, de 5 de dezembro de1967, tendo como papel fundamental proteger os interesses dos povos originários,servindo de ministério para esses povos.

Page 55: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 55 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

integrar mais a região com o mercado exterior e pouco com omercado brasileiro. Isto se tornou mais evidente com a ditadura,pois esta ajudou a projetar a região e integrá-la aos mercadosexternos, bem como estimulou a monopolização da propriedadeprivada na região.

Esta estratégia governamental, com fins de favorecer osgrupos econômicos, “implica na expulsão, ou subordinação, deíndios, sitiantes, caboclos, posseiros e colonos” (IANNI, 1986: 98).O deslocamento de grupos capitalistas teve como finalidade únicaconcentrar e centralizar capitais, para atuar nas metas capitalistasde acumulação na região. A escolha da Amazônia para realizar aexpansão capitalista não pode fugir dos princípios que o sistemalhe concebe. O processo histórico capitalista é amplamente tratadopor Braudel15 .

Para WALLERSTEIN (2001: 18), “o capitalismo histórico é olocus concreto - integrado e delimitado no tempo e no espaço – deatividades produtivas cujo objetivo econômico tem sido aacumulação incessante de capital”. Assim, a região amazônica,dentro do processo histórico, tornou-se gradativamente espaço decapitais nacionais e internacionais. Foi a estratégia política e militar“sobre o manto de um discurso nacionalista que, inclusive, dizia‘integrar para não entregar’, que mais se fez presente o capitalestrangeiro na Amazônia. Nunca a Amazônia foi tãointernacionalizada” (GONÇALVES, 2001: 15). Estes espaços passarama fazer parte do mercado mundial, dentro das perspectivascapitalistas de reprodução para acumulação.

15 “Só se disciplinará, só se definirá a palavra capitalismo, para colocá-lo a serviçoexclusivo da explicação histórica, se a enquadrarmos seriamente entre as duas palavrasque se submetem e lhe conferem seu sentido: capital e capitalista. O capital, realidadetangível, massa de meios facilmente identificáveis, permanentemente em ação; capitalista,o homem que preside ou procura presidir a inserção do capital no processo incessantede produção a que todas as sociedades estão condenadas; o capitalismo é grossomodo (mas só grosso modo), a forma como se conduz, para fins usualmente poucoaltruístas, esses jogos constante de inserção.” (BRAUDEL: 1987: 43). A dinâmica docapitalismo, obra de Fernand Braudel. É um dos mais importantes historiadorescontemporâneos, e sua obra foi traduzida para a língua portuguesa por Álvaro Cabral.

Page 56: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 56 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Para PIGOU (1982: 73), quando a propriedade privada e seucontrole estão unidos nas mesmas mãos, existe maior liberdade deação. Assim, a Amazônia é hoje o retrato da expansão de capitais,tendo como objetivo maior a formação da concentração individualpara, no processo final, poder atingir a centralização de capitais deforma socializada. Os recursos naturais, tanto os florestais quantoos minerais e os projetos agropecuários, servem de alavanca paraempresas capitalistas se instalarem nesta vasta região, sempre coma finalidade de agregar valor aos produtos e acumular riqueza. Nestesentido, a região, ao abrir-se ao mercado de grandes capitaisinternacionais, automaticamente fecha-se ao mercado interno depequenos capitais e à população brasileira de forma geral.Interiormente a Amazônia faz parte do mercado mundial e seenquadra na lógica do capital expansionista para acumulação.

*****

Page 57: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 57 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A política de colonização capitalista

O processo de ocupação da última fronteira brasileiratornou-se mais evidente a partir da década de 70 do século XX.Porém, “as primeiras experiências de colonização oficial no Norte eno Centro-Oeste ocorrem no Estado Novo. Em 1941, foi criada aColônia Agrícola de Goiás (GO) e, em 1943, a Colônia Agrícola deDourado, no município de Dourados (MS)” (PASSOS, 1998: 53-54).No entanto, através da ditadura instalada em 1964 é que a regiãofoi colocada à disposição dos grupos econômicos nacionais einternacionais. O Estado utilizou como estratégia de ocupação acriação dos incentivos fiscais, via encontrada para favorecer a elitecapitalista nacional e internacional.

Para tal, foram criados órgãos específicos com a finalidadede assistir os grupos organizados, tais como: Sudam, Basa, Incra,Pin1 e Funai. Estes órgãos tinham por objetivo fornecer a estruturanecessária para implantação e instalação dos projetos econômicosque buscavam a expansão na região. Esta estrutura foi possível,graças às ações dos militares e da “Doutrina de Segurança Nacionalque tomou o poder após o golpe que derruba João Goulart emmarço de 1964” (SABATINI, 1998: 56). A partir da tomada do poderpelos militares, “há uma redefinição capitalista que se caracterizapor uma dinâmica de reprodução de capitais em bases políticas einstitucionais bem definidas e expressa claramente nos planos dedesenvolvimento” (PASSOS, 1999: 61). Beneficiadas pelos militaresno comando, “as corporações multinacionais utilizam diretamenteo Estado para acumular, multiplicar e concentrar capitais...” (GALEANO,1987: 245).

É desta forma que nasceram as rodovias de integração daAmazônia com o restante do País, oferecendo as condições

1 Pin – Plano de Integração Nacional, criado por Decreto-Lei n.º 1.106 em junho de 1970,tendo como finalidade financiar obras de infra-estrutura nas áreas de atuação da Sudenee Sudam, promovendo a integração nacional.

Page 58: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 58 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

necessárias para penetração dos capitalistas, dos colonos, dosdesempregados e de todos os despossuídos e marginalizados doPaís. O acesso de empresas e pessoas à região aconteceu de trêsformas: com a colonização espontânea, com a dirigida pelo governoe com a promovida por empresas privadas2 . Antes da construçãoda rodovia Belém-Brasília, em 1956-60, a penetração na Amazôniabrasileira era feita quase exclusivamente por via fluvial. Mas oprocesso de deslocamento mais acentuado e amplo aconteceu “apartir de 1970 quando se intensificou e generalizou a migraçãopara o Sul do Pará, o norte do Mato Grosso, para o Amapá, Acre,Roraima e Rondônia” (IANNI, 1979: 12). Na região, a maior taxa decrescimento ocorreu entre 1980 e 1990. Neste período, “omovimento pioneiro se fez em direção do Pará, Rondônia, e MatoGrosso” (PASSOS, 1998: 59).

O Incra foi criado com a finalidade de realizar a reformaagrária no Brasil. O órgão orienta a colonização particular e acolonização oficial, tendo como função principal organizar e aprovarprojetos de ocupação. Mas somente a partir de “abril de 1971 foipossível à iniciativa privada a implantação de projetos de colonizaçãoem áreas consideradas prioritárias para a reforma agrária e nasterras devolutas da união na Amazônia” (CARDOSO e MÜLLER, 1977).Esta era uma exigência dos grupos econômicos, e o Estado cedeu,uma vez que o controle das massas pelos militares se processavaatravés do sufocamento e da repressão da classe trabalhadora noPaís. Assim, os capitalistas fizeram das várias áreas de terras da

2 Colonização espontânea: esta forma de ocupação ocorre sem a interferência do

Estado e da burocracia. É realizada por agricultores, camponeses e posseiros sem-terra, forma encontrada para realizar a reforma agrária de fato. Buscam terras devolutasou sem reivindicação de seus proprietários legalmente constituídos. Realizam oassentamento na terra através da posse da propriedade. A colonização dirigidaoficialmente é realizada via Incra e criada com objetivo de conter o fluxo natural dossem-terra. Esta política de colonização esteve presente na Amazônia brasileira até1973. Desta data em diante ficou a cargo do Estado apenas a colonização quando deinteresse da ditadura. A colonização particular ocorre principalmente a partir de 1974através da especulação imobiliária, representada por pessoa física ou jurídica, sendorealizada por grupos de empresários e cooperativas, recebendo incentivos do Estadopara estrutura e viabilização dos projetos.

Page 59: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 59 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Amazônia brasileira objeto de especulação imobiliária ou reservade valor.

O projeto de ocupação amazônica promovido pelo governoefetivou na prática a expansão capitalista na última fronteirabrasileira com fins de acumulação. A expansão foi feita através dasrodovias federais e da estrutura oferecida pelo Estado. O governoorganizou a distribuição das terras, mas os “sem-terra”, “osposseiros” em “muitos casos, chegam antes dos latifundiários,fazendeiros ou empresários nacionais e estrangeiros” (IANNI, 1979:11).

Assim, deslocou-se para esta região um grande contingentede desempregados, ou subempregados de todas as regiões doBrasil, surpreendendo as expectativas governamentais. Podemosafirmar que na Amazônia estava “em curso uma reforma agráriaespontânea, ou de fato, sem a interferência de governantes,burocratas ou técnicos” (IANNI, 1979: 14). Na região, em poucoespaço de tempo “havia um tremendo fluxo de migrantes pobres àprocura de terra e trabalho” (SHOUMATOFF, 1990: 79). Tornou-secotidiana a chegada de posseiros, conjuntamente “com a chegadade peões, vaqueiros, gatos, grileiros, latifundiários, fazendeiros,empresários, gerentes, técnicos, comerciantes, funcionários eoutros” (IANNI, 1979: 16).

A necessidade de novas opções para as classes oprimidase marginalizadas do País transformou a Amazônia em uma novaalternativa para esta parte da população brasileira. A colonizaçãoespontânea e a dirigida serviram para tirar excedentes populacionaisdo Nordeste, do Sul e de outras áreas do País, sendo consideradasuma nova alternativa para minimizar os problemas sociais (CARDOSO

e MÜLLER, 1977: 141; IANNI, 1979: 18). Além disso, foram colocadasà disposição dos grupos econômicos na região as reservas de mão-de-obra ociosa do País. Contudo, “o homem sem terra que migrapara a Amazônia vai geralmente pensando que finalmente será donodo que nunca teve na vida” (PROCÓPIO, 1992: 21), a terra. Nestesentido, enfatiza IANNI (1986: 141):

Page 60: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 60 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

sob vários aspectos, a colonização espontânea, ou as migraçõesespontâneas de trabalhadores rurais para a Amazônia, configuramuma espécie de reforma agrária de fato. Desde o término daconstrução da Belém-Brasília, em 1960, a criação da Sudam e aBasa, em 1966, a criação do Incra, em 1970, e a construção dasrodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e outras, em 1970-78,acelerou-se e estendeu-se a expansão do capitalismo na Amazônia.Ao mesmo tempo acentuou-se e generalizou-se a migraçãoespontânea de trabalhadores rurais, e seus familiares, para as áreasde terras, devolutas e indígenas. Desenvolveu-se uma corrida à terra,tanto por parte de grileiros, latifundiários, fazendeiros ou empresários,como por parte de camponeses e operários do campo. Estes, oscamponeses e operários do campo, em muitos lugares estavam na

prática realizando uma reforma agrária espontânea, de fato.

A terra da Amazônia representava uma nova alternativa paraos povos marginalizados e despossuídos de todo o País. Assim,ocorreu uma corrida desenfreada para a região, proporcionada pelabusca de uma nova opção de subsistência, principalmente das secasdo Nordeste brasileiro. Nesta busca de novas oportunidades,chegavam os trabalhadores “desempregados, subempregados ousuperexplorados, no Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste e dopróprio Norte, em busca de terras e emprego” (IANNI, 1979: 22).Neste episódio “o primeiro a ser expropriado é o índio; e o segundoé o posseiro” (IANNI, 1979:23).

No processo de ocupação, os grandes articuladores da terraforam os grileiros, os latifundiários e os empresários, tanto nosprojetos nacionais como multinacionais. Nesta investida capitalistaos verdadeiros representantes do capital venceram os caboclos,os indígenas, os posseiros e os sitiantes. A tática fundamentou-seno poder econômico, político e militar, bem como pela burocracia epela violência conjunta entre o capital e o Estado. Estes gruposeconômicos tinham interesse em procurar as condições favoráveispara desenvolver a expansão capitalista na Amazônia com auxíliodo Estado. Foram adotadas as mais variadas formas deexpropriação dos posseiros e dos povos originários, sempreapoiadas pelo Estado via golpe militar, impondo a ditadura.

Page 61: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 61 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Os grupos econômicos nacionais e internacionaisprocuravam “preferencialmente terras de boa qualidade, parapastagens ou lavouras; melhor ainda quando eram terras jádesmatadas por indígenas e posseiros” (IANNI, 1979: 34). Além dedetentores de poder econômico, os grupos capitalistas foramincentivados e protegidos pelo poder público, com isenção deimpostos, incentivos fiscais, juros simbólicos ou negativos, tendo àdisposição órgãos do governo como Sudam, Basa, entre outros.Neste sentido, “a política de incentivos fiscais foi a pílula dourada“(OLIVEIRA, 1997: 67), Por outro lado, os conflitos sociais em outrasregiões do Brasil passaram a preocupar o governo militar. Assim,IANNI (1979: 38-39) afirma que:

ao descobrir que as contradições sociais no Nordeste podiam tornar-se explosivas, pelo elevado índice de desemprego, subemprego epauperismo, o governo do General Médici (1969-74) decide criar eforçar as condições para que os excedentes populacionais doNordeste sejam encaminhados para a Amazônia. Ao mesmo tempo,ao descobrir que a luta dos posseiros pela terra poderia ser base demovimentos políticos organizados, fortes e combativos, trata dereprimir os focos guerrilheiros nascentes e devolver uma política deregularização das ocupações ou poses (...). A partir de setembro de1974, no entanto, com a criação do programa de DesenvolvimentoAgropecuário e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia), é acolonização oficial que passa a um segundo plano, ao passo que a

colonização particular ganha maior dinamismo.

A ditadura, para proteger-se dos possíveis movimentos dosdescontentes com a situação repressiva imposta pelos militares nocomando da nação, passou a agir. “As ligas, os sindicatos forampostos sob intervenção. Ao mesmo tempo, os líderes das ligascamponesas foram presos, tiveram que esconder-se, ou saírem dopaís” (IANNI, 1979: 42). O novo panorama imposto pelos militaresno poder “representou um ponto de ruptura na história política dopaís” (SINGER, 1985: 77).

Os grileiros, fazendeiros, latifundiários, pistoleiros e jagunços

Page 62: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 62 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

realizaram em terras dos povos originários, bem como dos posseirosuma série de desmandos, praticando terror e violência na região.Estes episódios, além de deixarem sérias conseqüências,geralmente terminaram por expropriar com violência posseiros eindígenas. Neste clima de terror, o projeto “político governamentalde colonização oficial e particular concretizou-se como uma contra-reforma agrária” (IANNI, 1979: 44). O processo de ocupação daAmazônia realizou-se através de uma revolução preventiva por parteda burguesia e do Estado, em detrimento dos interesses da classetrabalhadora do País, que buscava a terra.

O projeto de expansão capitalista para a região, estabelecidoem 1964 pela ditadura, estava repleto de grandes conflitos. Nogrande projeto de colonização era impossível contemplar osinteresses da maioria da população brasileira, caracterizando-secomo área de conflito social. Os posseiros, os colonos e os povosoriginários foram expropriados das terras e começaram a seorganizar, mas esta atitude voltou a preocupar o governo e,consequentemente, os interesses capitalistas. É o que aconteceuno Araguaia, na região amazônica, onde se instalou a famosaguerrilha dirigida pelos descontentes, com a finalidade de secontrapor ao projeto militar.

O governo – por meio da repressão – conseguiu conter osdescontentes através da força do exército, eliminando todas asiniciativas que viessem a se contrapor ao grande projeto capitalista,que contemplava a internacionalização do capital na Amazônia, ondehouve em dois anos a “mobilização de 10 a 20 mil soldados paracombater 69 guerrilheiros” (MARTINS, 1995: 134). Nesta região oque aconteceu na verdade foi “um foco de aspiração de liberdadee de trabalho” (MARTINS, 1995: 135) por parte dos descontentesque organizaram a guerrilha. Assim, “em 1974, a guerrilha estavaesmagada e quase todos os seus componentes mortos, na verdadeassassinados após a rendição” (SOUZA, 2002: 214).

Neste período, do golpe da “democracia” imposto pelosEstados Unidos, “temos notícias hoje de 90.000 desaparecidos

Page 63: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 63 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

políticos em toda a América Latina, dos quais 30.000 apenas naArgentina” (RIBEIRO, 2000: 27). O episódio brasileiro tinha comoobjetivo promover a ditadura através do Estado, sempre nopropósito de manter a lógica capitalista mundial, e assim fazia “areabilitação moral por meio da violência” (HUGGINS, 1998:141). OEstado dotava os grupos econômicos de toda a estrutura produtivae, assim, os detentores de posse e do poder recebiam todos osbenefícios para garantir a acumulação, em detrimento das massas,e promoviam a asfixia dos demais agentes sociais. Para CHIAVENATO

(1984: 156), referindo-se aos movimento das massas,

o que acontece, mais uma vez, é que as classes dominantes, quandoderrotam os revoltos populares, vencem duas vezes. Primeiro, porsufocar movimentos de massa que as ameaçam. Segundo – e nãomenos importante –, ao mitificar a história, negando ao povo aexperiência dos que morreram lutando pela liberdade, produzindodocumentos que alteram a realidade e condicionam-seideologicamente como ferramentas futuras para o poder político e

econômico continuar sua dominação.

Para OURIQUES (2000: 102), “entre os instrumentos dedomínio político sistematicamente utilizados pelas classesdominantes em nosso país, inscreve-se aquele que nega aosoprimidos o direito a contar sua própria história, ou maisprecisamente a história de suas lutas”. Assim, a história contada éaquela que interessa aos domínios do grande capital em conjuntocom o Estado, ou seja, a história que interessa aos vencedores.

Ao calar os movimentos sociais, que buscavam alternativaspara se contrapor às imposições arquitetadas pelo sistemacapitalista de expansão, e assim frustrar as tentativas de respostasaos anseios das massas despossuídas e marginalizadas do País,o Estado intensificou o projeto de colonização na Amazônia. Astáticas de ocupação foram intensificadas e acompanhadas deinstrumentos estratégicos que viessem a conter os ânimos dapopulação, bem como dar segurança ao projeto capitalista dos

Page 64: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 64 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

grandes conglomerados nacionais e internacionais na região. Paramelhor controle e intervenção, instalaram “a base militar doCachimbo, que fica no Sul do Pará, próximo da divisa com o MatoGrosso, no trecho da rodovia da Cuiabá-Santarém” (OLIVEIRA, 1997:126). Esta base repressiva nasceu para sufocar as iniciativas contraa ditadura, vindo a transformar o Estado e o capital como bemsucedidos no seu projeto.

Os resultados da intervenção militar foram vistosnegativamente pela população brasileira, tanto os grandes projetoscapitalistas, como o Estado com suas estratégias repressivas,proporcionando o desgaste de ambos perante a opinião públicanacional e internacional. A derrota da guerrilha coloca em xeque,“contraditoriamente, o vencedor, aprofunda, revelando maisabertamente os limites, os compromissos e os impasses do regime.É provável que a forma assumida pela vitória militar no espaço daguerra seja também, ao mesmo tempo, uma derrota política noespaço do país” (MARTINS, 1991: 127). Este fato vem aliado à criseeconômica do País em 1974, bem como as vitórias políticaseleitorais do MDB – Movimento Democrático Brasileiro. O projetoda ditadura foi perdendo o controle no País, e começaram a aberturae os protestos operários, principalmente a partir de 1980, atravésdo PT – Partido dos Trabalhadores, e da CUT – Central Única dosTrabalhadores.

O Estado continuou em seu propósito de expansão e controledas massas e, consequentemente, de proteção dos interesses daelite, criando também o projeto Calha Norte na Amazônia brasileira,como forma de militarização da política de ocupação da região. Oprojeto situou-se entre as calhas dos rios Solimões e do Amazonas,ao “longo das fronteiras com Colômbia, Venezuela, Guiana,Suriname e Guiana Francesa, correspondendo a 14% do territórionacional” (BECKER, 1997: 80-81). Trata-se de um projeto queobjetivava vasculhar a região, com aparato tecnológico, com afinalidade de manter “o controle sócio-econômico-militar da região,apaziguar conflitos e acelerar a produção hidroelétrica” (BECKER,

Page 65: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 65 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

1997: 82). O verdadeiro objetivo da criação deste projeto, segundoPROCÓPIO (1992: 255), pode ser visto da seguinte forma:

o governo Sarney [o primeiro presidente da república após a ditaduramilitar] criou, no primeiro semestre de 1985, o projeto Calha Norte. Ébom repetir que, através dele, menos de meia centena de quartéis epelotões de selva foram distribuídos na extensa parte setentrionalda Amazônia, pouco importando se em terras indígenas ou em terrasde missões católicas ou protestantes. A finalidade era deter gruposguerrilheiros, que seriam “apoiados por Cuba”, e com a capacidadede penetração através do Suriname (...). O projeto Calha Norte seriapara combater o narcotráfico, montando toda uma infra-estruturalogística para deter ação de grupos revolucionários colombianos,dispostos a agir nas fronteiras do Brasil. Deveria também o Calha

Norte combater o contrabando de ouro.

O governo passava à nação a imagem de preocupação como problema da “segurança nacional”. A construção de grandesrodovias, como a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, foi umaforma de garantir ao Estado duas coisas ao mesmo tempo, “terra esegurança interna” (IANNI, 1979: 47). Também “melhorar ascondições de vida do caboclo e do nordestino; atender à segurançanacional” (CARDOSO e MÜLLER, 1977: 173). A abertura de estradas,projetadas para cortar a Amazônia na horizontal, na vertical e nadiagonal, facilitava a entrada dos migrantes, vindos das demaisregiões do Brasil.

O grande projeto expansionista transmitia a sensação debem-estar, pois o governo passava à nação que, ao intensificar acolonização na Amazônia, estaria proporcionando oportunidades atodos os que realmente desejassem um pedaço de terra e, aomesmo tempo, demonstrava que a região estava sendo protegidade possíveis invasores. Com isto, posseiros e colonos jáexpropriados das terras da região, ou vindos de outras, instalavam-se e penetravam na mata, principalmente através das rodoviasfederais, bem como as rodovias estaduais e municipais secundárias.Neste processo, os colonos, os posseiros e os povos originários

Page 66: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 66 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

serviram na sua grande maioria de amansadores da terra, vistoque quem chegava depois eram os capitalistas, com a documentaçãodas terras, algumas vezes legal, outras forjada. As possíveisirregularidades na documentação das áreas eram oriundas daindústria da falsificação promovida pela grilagem da terra.

Para algumas regiões brasileiras, a abertura destas rodoviasera imprescindível. “Em 1970 o Nordeste se revelava, de novo, umaregião com problemas sociais insolúveis. E a solução mais cômodapara o governo nacional e as classes dominantes no Nordeste eratransferir para a Amazônia as populações famintas, angustiadas,desassistidas e flageladas” (IANNI, 1979: 48). Ao mesmo tempo emque se construíam as rodovias, objetivando a colonização de suasmargens, também se instalavam grandes latifúndios, com empresasde extrativismo e agropecuária, através da grilagem, ouincentivadas pelos órgãos governamentais. A construção destasrodovias, ao mesmo tempo em que concretiza o plano de expansãocapitalista, de forma acumulativa e originária, também deslocavagrande quantidade de força de trabalho para esses grandesprojetos.

Ao dominar as massas por meio da repressão, o Estadocalava toda e qualquer iniciativa que fosse contrária aos interessesdo grande projeto ali instalado. Assim, tornava-se perfeito paraconseguir os objetivos do Estado e do capital em conjunto na região.As metas se concretizavam e a expansão capitalista na Amazôniatornava-se real e bem-sucedida dentro da lógica da concentração,pois era vista apenas como estratégia do sistema capitalista globalacumulador. Através do Estado, o Brasil tornou-se “um país emque se pode falar em democracia, mas não se pode, de fato, falarem cidadania” (MARTINS, 1997: 95).

Contudo, “a expansão extensiva do capitalismo na Amazôniaera um modo de preservar intactas as estruturas de apropriaçãoeconômica e dominação política no Nordeste e no Centro-Sul, parabeneficiar a acumulação capitalista acelerada” (IANNI, 1979: 53). Àmedida que avançava a expansão dos grandes conglomerados

Page 67: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 67 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

nacionais e internacionais na região amazônica, percebia-se que aconstrução das rodovias se dava pela questão do aproveitamentoeconômico da terra e segurança nacional, e também para passar aimagem de grandeza como nação e potência emergente.

O Programa Nacional de Integração, “que envolve aTransamazônica e outras estradas, não é senão um ambicioso eefetivo programa de contra-reforma agrária na Amazônia, noNordeste e nas outras partes do Brasil”. (IANNI, 1979: 54). No iníciodos anos 80, segundo MARTINS (1981: 81): “o êxodo em massa paraa Amazônia, determinado pelos projetos de colonização adotadospelo Estado brasileiro a partir de 1964, tem-se revelado o maisdesastroso e incompetente [para as classes oprimidas] de que setem notícia em toda a história da região”. De forma mais contundente,IANNI (1979: 81) avalia desta forma a situação:

distribuir alguma terra, para não distribuir terras, esse acabou sendoo lema de fato da política governamental de colonização dirigida. Porisso, foi com bastante facilidade que o próprio governo estimulou aformação de empresas ou cooperativas de colonização. Tratava-sede ceder às pressões dos interesses do capital privado e, ao mesmotempo, obter a ajuda deste na política de contra-reforma agrária,mesmo porque esta política deveria servir (como de fato serviu eestá servindo) aos interesses do capital privado, nacional eestrangeiro.

*****

Page 68: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 68 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 69: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 69 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A EXPANSÃO E A COLONIZAÇÃOCAPITALISTA

A colonização promovida pelo Estado

Faz-se necessário conhecer certas peculiaridades doprocesso de colonização ocorrido no período pós-ditadura de 1964na Amazônia. Neste sentido, após o entendimento de forma maisampla da região, passaremos a conhecer mais especificamentecasos de colonização do Estado de Mato Grosso, pois este faz parteda Amazônia Legal brasileira. Sempre nos atendo à Amazônia deforma geral, o processo de colonização foi semelhante em todos osEstados da região. Através da distribuição de terras promovida pelogoverno da ditadura, e também com auxílio de empresas deespeculação imobiliária, efetivou-se a expansão capitalista na regiãoatravés da junção entre o Estado e o capital.

Por outro lado, enquanto se processou a colonizaçãoatravés do Estado e empresas de colonização privadas, acolonização espontânea aconteceu em toda a Amazônia. Na regiãoera comum a chegada dos marginalizados e dos despossuídos doPaís em busca de terra e trabalho, e estes passavam a usufruir onovo espaço juntamente com os grupos econômicos nacionais einternacionais. Para PASSOS (1998: 145), “o processo de colonizaçãodirigida tanto pelos poderes públicos como pela iniciativa privada,se dá à custa da marginalização dos pequenos proprietários e,

Page 70: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 70 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

sobretudo, dos trabalhadores sem terra”. SANTOS (1993: 48) afirma:

um complexo sistema de colonização foi proposto da seguintemaneira: as áreas de colonização; os órgãos responsáveis, oficiaisou particulares, no último caso empresas ou cooperativas; ofinanciamento das operações de venda dos lotes pelo crédito rural;a organização de espaços em núcleos de colonização, formadospor lotes rurais e urbanos; enfim os mecanismos de seleção e de

preferência dos colonos parceleiros.

Para efetivar-se o grande projeto planejado pelo Estado eo capital em conjunto, foram necessários planos estruturais para aexpansão. Nos projetos do norte do Estado mato-grossense, regiãofoco de nossa pesquisa, foi fundamental a construção da rodoviafederal Cuiabá-Santarém − BR-163 − pois era o corredor geral deentrada e saída. Mesmo assim, antes do surgimento deste corredorde penetração, os grandes projetos já tinham nascido, pois ogoverno militar distribuía as terras para grupos econômicosinstalarem empresas nos setores da agropecuária, indústria emineração, bem como de empresas de colonização com fins deespeculação imobiliária. Os núcleos de colonização objetivavamatender aos interesses capitalistas, tornando a terra uma formaapenas especulativa, nas mãos de verdadeiros barões da terra naregião. Em contrapartida, o Estado recebia em troca apoio políticopara sustentar o projeto econômico da burguesia na região.

Segundo PIAIA (1999:35-36) e OLIVEIRA (1997: 108-109),entre os projetos governamentais mais importantes podemosdestacar os seguintes: Projeto Peixoto de Azevedo, Projeto Braçodo Sul – Norte do Estado de Mato Grosso, Projeto AssentamentoRanchão – Nobres, Projeto Carlinda – Alta Floresta, Projeto Lucasdo Rio Verde, Projeto Canaã – Nova Canaã, Projeto Telles Pires –Colíder, Projeto Cerro Azul – Pontes Lacerda, Projeto Sete deSetembro – Aripuanã. Os projetos de colonização promovidos porempresas particulares foram em número superior a cinqüenta, sendoque, nestes, se fixaram a maior parte dos migrantes. Entre os

Page 71: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 71 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

projetos de colonização privada e cooperativas de colonização,podemos destacar os seguintes: Porto dos Gaúchos – ColonizadoraConamali, Canarana – Colonizadora Cooperativa 31 de Março Ltda.,Água Boa – Colonizadora Conagro, Nova Xavantina – ColonizadoraConagro, Vila Rica – Colonizadora Vila Rica, Nova Mutum –Colonizadora Nova Mutum S.A. Sorriso – Colonizadora Sorriso,Sinop e Vera – Colonizadora Sinop, Marcelândia – ColonizadoraMaiká, Alta Floresta, Paranaita e Apiacás – Colonizadora Indeco,Nova Bandeirantes – Colonizadora Bandeirantes, Colíder –Colonizadora Colíder, Terra Nova – Colonizadora Coopercana, TerraNova – Colonizadora Coopercool, Juara e Novo Horizonte –Colonizadora Zé Paraná, Tapurah e Eldorado – ColonizadoraTapurah, São José do Rio Claro – Colonizadora Incol, Brasnorte –Colonizadora Gravari, Juruena e Cotriguaçu – ColonizadoraCooperativa Paraná. Estes projetos de colonização foramcontemplados com vastas áreas de terras, e em poucos anos foramcriados vários novos municípios em cada projeto. Exemplo nestesentido é o caso da Colonizadora Sinop S.A., que deu origem aosmunicípios de Sinop, Vera, Cláudia, Santa Carmem, União do Sul eFeliz Natal.

Para OLIVEIRA (2001: 144), na década de 70,aproximadamente 90% dos projetos com empresas privadas decolonização foram realizados no Estado de Mato Grosso, e o Estadorecebeu 57% dos migrantes. Nos projetos de colonizaçãopromovidos pelo governo através do Incra os colonos “eramfundamentalmente homens e mulheres marginalizados no processohistórico” (ZART, 1998: 130). Para estes núcleos ou cidades foiencaminhada uma grande quantidade de lavradores expulsos deoutras regiões por latifúndios do País, em busca da terra e dotrabalho. Deste modo, a “sociedade capitalista desenraíza, exclui,para incluir, incluir de outro modo, segundo suas próprias regras,segundo sua própria lógica” (MARTINS, 1997: 32). A Amazôniarepresentava a busca do “mel”, e migrar era transformar-se embeija-flor e voar para a terra prometida.

Page 72: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 72 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A nova fronteira de colonização amazônica significava o “mel”para o colono sulista e nordestino. Era sinônimo de fartura, poisele era a esperança de adoçar e alimentar suas vidas. Seus projetosde vida sempre foram represados por meio das condições detrabalho e moradia, da vida simples e difícil por seguidas gerações.O processo de concentração fundiária fez do “campesinato umexcluído que jamais parou de tentar reingressar na terra” (RIBEIRO,2000: 27). Para os que migraram esta nova frente de expansão“seria uma das poucas ou inevitáveis estratégias de sobrevivênciabásica e para garantir sua posição na estrutura social” (ZANNUZZI,2000: 5). Por outro lado, “a condição de migrantes de geração emgeração demonstrava a necessidade dos grupos sociais, formadosessencialmente por trabalhadores braçais, de fugir por meio dalocomoção, de situações que intensificassem a exploração e adominação” (ZART, 1998: 130).

Zart refere-se ao projeto de assentamento de colonizaçãoda gleba Lucas do Rio Verde, realizado em 1976, ao longo daCuiabá-Santarém, próximo à BR-163, distante 355 km de Cuiabá,capital do Estado de Mato Grosso. Trata-se de um bom exemplo decolonização promovido pelo Estado. Este projeto nasceu com afinalidade principal de produzir produtos agropecuários, tendo umaárea de 270.000 ha, conseguindo assentar 203 famílias de colonosprovenientes de Encruzilhada Natalina, no Rio Grande do Sul, emparte da área. Os problemas encontrados para os novos colonos1

assentados, conforme ZART (1998: 135) nos demonstra, não forammenores:

para explicação desta problemática pode-se apontar três variáveisexplicativas. A primeira corresponde ao fenômeno da migração decolonos do Sul do Brasil para o cerrado, deparando-se com umambiente biofísico estranho que precisava ser decifrado (...). Asegunda diz respeito aos técnicos agrícolas e agrônomos queexerciam suas atividades profissionais, prestando serviços aosparceleiros. Estes tinham formação científica e técnica adquirida nasinstituições de ensino em Universidades nas regiões Sul e Sudeste

Page 73: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 73 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

do Brasil (...) A terceira situação refere-se ao processo de produção edifusão do conhecimento científico. Tem-se colocado nestaproblemática dois momentos diferentes. Por um lado, os órgãos depesquisas voltados para o cerrado que proporcionavam respostasàs diversas problemáticas específicas para desenvolvimentoagropecuário desta região. Por outro lado, o saber que os órgãos depesquisa detinham não havia sido popularizado, isto é, a ciênciasobre o cerrado, neste caso, continuava presa ao órgão pesquisador.Portanto, a difusão e a socialização não haviam ocorrido, criandoproblemas tanto para os técnicos quanto para os parceleiros recém

assentados.

Neste projeto em pouco tempo o sonho da terra viravapesadelo. A falta de conhecimento a respeito do solo e do climatransformava em dilema a vida dos assentados. Para o projeto daditadura bastava facilitar a aquisição da terra para os assentados,já que oferecer estrutura para fixação do homem na terra não sefazia necessário. Assim podemos entender “qual foi então o fatorpredominante que, das 203 famílias que saíram da EncruzilhadaNatalina – RS, somente 14 permaneceram em Lucas do Rio Verde,e as demais 189, [igual a] 93,10% dos parceleiros, abandonaramseu lote” (ZART, 1998: 162).

Este é apenas um exemplo de colonização promovida pelosmilitares, mas outros semelhantes ocorreram em Terra Nova do Nortee Canarana, também no Estado de Mato Grosso e outras dezenasna região amazônica. Nos projetos implantados pelo Estado “oscolonos instalados pelos poderes públicos ou a partir de movimentosorganizados recebem pouca ou nenhuma assistência técnico-financeira” (PASSOS, 1999: 122).

Segundo o estudo apresentado por Zart, devido àsdificuldades encontradas e a falta de apoio por parte do Incra, algunsdos assentados voltaram para sua terra natal, outros se transferirampara outras regiões, alguns ficaram para formar a força de trabalho

1 “Os colonos são pequenos agricultores ou trabalhadores de certos projetos

agropecuários. Vieram para a Amazônia normalmente do sul do país, levados porempresas particulares ou estatais” (PORTELA e OLIVEIRA, 1991: 15).

Page 74: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 74 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

nas novas cidades recém-criadas ou em outros projetos da região.Nestas condições vão formar e suprir a necessidade de força detrabalho para as empresas que objetivam agregar valor com seutrabalho, sejam elas de produção agropecuária, sejam de prestaçãode serviços, dos garimpos, ou das indústrias de transformação demadeiras. Para muitos restava a informalidade, a forma encontradapara sua subsistência e de seus familiares. O processo que envolvea terra, o trabalho e o sistema capitalista pode ser visto de formamais contundente em Marx2 .

No processo de ocupação amazônica existiu semelhançacom o movimento histórico mundial caracterizado pelo grandepensador Marx. Nesta região o governo assentou os colonos naterra esperando que a tornassem produtiva, ainda que semestrutura para tal. No entanto, transformá-la em terra fértil epermanecer na área sem as condições mínimas necessárias era ogrande desafio. Ao fracassar em suas tentativas, os colonospassaram a ser inimigos da própria classe trabalhadora, visto quea ditadura realizava poucos assentamentos, e estes tinham origemna pressão popular do “Movimento Sem-Terra”.

O fracasso dos colonos era a forma ideal para desmobilizaros movimentos que buscavam a terra através da reforma agrária.Com isto, desmoralizava-se o já forte movimento do sul do País

2 “A exploração da massa do povo, que fica assim sem terra, forma a base do modocapitalista de produção. Uma colônia livre se caracteriza por serem comuns grandesextensões de seus territórios, podendo cada colonizador transformar um pedaço deterra em sua propriedade e meio individual da produção, sem impedir o que vem depoisde fazer a mesma coisa. Este é o segredo tanto do florescimento das colônias quanto domal que as devora, sua resistência à colonização ao capital (...). A grande beleza daprodução capitalista reside não só em reproduzir constantemente o assalariado comoassalariado, mas também em produzir uma superpopulação relativa de assalariados,isto é, em relação à acumulação de capital. Assim, a lei da oferta e da procura detrabalho fica mantida nos trilhos certos; a oscilação salarial, confinada dentro dos limitesconvenientes à exploração capitalista; e, finalmente, garantida a imprescindíveldependência social do trabalhador para com o capitalista, uma relação de dependênciaabsoluta, que o economista político em casa, na mãe-pátria, pode metamorfosear emrelação contratual entre comprador e vendedor, entre dois possuidores igualmenteindependentes de mercadorias, o detentor da mercadoria capital e o detentor damercadoria trabalho” (MARX, 1998: 884).

Page 75: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 75 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

que, na década de 70, pedia mais agilidade por parte do governopara colocar à disposição mais terras para o assentamento doscolonos. Desta forma, a movimentação dos descontentes deixavao governo militar intranqüilo e preocupado com o projeto capitalistaem andamento no País. Ao mesmo tempo em que beneficiava osgrandes conglomerados econômicos, tentava desvalorizar osacampamentos dos “sem-terra”, principalmente nos Estados do RioGrande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde o movimento eramais forte.

Por outro lado, os colonos fracassados voltavamestrategicamente, no ponto de vista do Estado e do capital, comoderrotados, incompetentes e sem vontade de trabalhar. Assim, ahistória que devia ser contada à população era a de sucessodaqueles que ascenderam econômica, política e socialmente. Nãopôde ser contada a história dos demais, daqueles que foram caladose marginalizados, ou até mesmo dos milhares de trabalhadores esuas famílias que perderam suas vidas e não estão na história oficial.

Os militares no poder necessitavam passar para a opiniãopública histórias de sucesso, já que neste período detinham ocontrole das informações dos meios de comunicação. Nos 21 anosda ditadura, só se veiculavam informações de interesse do própriogoverno, que, por razões do projeto capitalista nacional, protegiaas elites dominantes. Nesta lógica, na região Norte mato-grossense“palavras como progresso, prosperidade, trabalho, união eram,repetidas seguidamente marcando fundo na mente da população”(SOUZA, 2001: 213). Chegar à mitificação das pessoas, através doimaginário, utilizando a fantasia como elemento de sujeição, era opropósito e o fim almejado pela elite dominante, representada peloEstado e o capital em conjunto.

Ocorreu a criação do mito, e este exerceu “inegávelinfluência sobre a mente dos homens que se empenham emcompreender a realidade social” (FURTADO, 1974: 15). Nestaperspectiva, “o mito congrega um conjunto de hipóteses que nãopodem ser testadas” (FURTADO, 1974: 15). Esta lógica passa a

Page 76: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 76 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

nortear a vida dos migrantes e estabelecer regras condicionadas àcomunidade. Na verdade, a fabricação do consenso é a forma idealpara condicionar as pessoas e a forma certa para produzir abestialização do homem com a finalidade de criar padrões dentrodos interesses dos grupos organizados, que objetivam a acumulaçãona região às custas do trabalho alheio.

Por outro lado, agravou-se a situação pelo fato de que ogoverno recebia forte pressão por parte da elite capitalista. Taisgrupos econômicos exigiam que o Estado não realizasseassentamentos, pois entendiam que a função de distribuir terrasdeveria dar-se através da iniciativa privada. Esta vontade dosgrupos organizados demonstra que o projeto instalado na regiãoera fruto apenas de interesses políticos e econômicos. Estesprojetos não contemplavam a população do País, que reivindicavanovas oportunidades, deixando claro que o Estado, em suas ações,beneficiava apenas a elite dominante.

O Estado, através dos militares, objetivava implantar umaagropecuária moderna na região. ZART (1998: 175-76) diz que:

com base na Doutrina de Segurança Nacional, não estabeleciarelação de diálogo com os seus oponentes, não aceitava areivindicação e a proposição do projeto de reforma agrária, que setornou uma exigência dos agricultores que estavam à margem doprocesso produtivo e que não tinham acesso à terra. (...) Espalhar omedo, o terror e as desavenças entre os acampados, foram asestratégias aplicadas pelo Estado que tinha no Major Curió seurepresentante mais expressivo e que com sua ação conseguiu“convencer” 203 famílias do acampamento da Encruzilhada Natalina

e transferi-los para o Mato Grosso.

Por intermédio do Serviço Nacional de Informação (SNI), o“Major Curió” faz o papel de agente secreto (BECKER, 1997: 78;SCHAEFER, 1985: 89). O Major Curió fazia parte do grupo de elitedos militares, tendo como função política estabelecer a ordem doEstado em regiões de conflitos sociais, bem como tornar viável o

Page 77: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 77 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

projeto capitalista no País. O projeto capitalista, para “se auto-reproduzir, oculta as reais condições de vida da população, comoproblemas de saúde, meio ambiente e trabalho, sendo estarealidade camuflada pelo discurso ufanista do progresso para todos”(SOUZA, 2001: 20-21). A tática implementada pela ditadura na regiãofoi a de proteger e expandir o capital, e também condicionar asmassas por meio do autoritarismo.

Mesmo com as táticas repressivas, os projetos decolonização promovidos pelo Estado na região nasceram porpressões dos movimentos de colonos despossuídos emarginalizados no processo histórico do País. A abertura da novafronteira e “o deslocamento progressivo das frentes de expansãotêm sido, na verdade, um dos modos pelos quais se dá o processode reprodução ampliada do capital, o da sua expansão territorial”(MARTINS, 1997:27). Neste caso, o interesse maior do Estado eracontemplar o capital nacional e internacional, como forma deexpandi-lo dentro dos ditames da estrutura capitalista mundial, eassim sujeitar os demais componentes da sociedade apenas comoforça de trabalho à disposição dos grupos organizados.

Este era o grande projeto para a região. De um lado osacumuladores de capital representados pelas elites dominantes e,por outro lado, os proletários representados pelos marginalizadose despossuídos. Neste sentido, o Incra transformou-se em órgão aserviço dos interesses da classe dominante e apresentava-se comocentro de manobra para realização dos objetivos políticos eeconômicos da burguesia. E era visto como omisso e incompetentepelos colonos, dada a conivência com os interesses econômicos eos vários problemas criados nos assentamentos e projetos por elepromovidos. Problemas criados por falta de gerenciamento,corrupção, políticas ineficientes e favorecimentos políticos eeconômicos. Além disso, “durante os seus 30 anos de existência, oIncra assentou menos de 7% das famílias rurais sem-terra, 331.276dentre 4 milhões” (PETRAS e VELTMEYER, 2001: 143).

Com o desgaste do órgão perante a opinião pública, a partir

Page 78: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 78 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

do início da década de 70, ficou de responsabilidade do Estadoapenas a realização de projetos oficiais, quando de interesse esegurança nacional. Os capitalistas apoiados pelo Estadoconseguiram dois feitos ao mesmo tempo: o primeiro era caracterizaro colono como preguiçoso e incapaz de ser dono de seu negócio; osegundo era desqualificar o Incra, órgão encarregado de organizara distribuição da terra, demonstrando que este era incompetente.Nesta nova perspectiva criada e engenhada pela elite econômica,política e militar do País, desqualificaram o órgão e determinaramque quem devia distribuir terras era a iniciativa privada através deempresas de especulação imobiliária.

Foram criados 15 pólos de colonização em 1974, podendoser identificados como o Programa de Pólos Agropecuário Mineraisda Amazônia – Polamazônia: Xingu-Araguaia, Carajás, Araguaia-Tocantins, Trombetas, Altamira, Pré-Amazônia Maranhense,Rondônia, Acre, Juruá-Solimões, Roraima, Tapajós, Amapá, Juruena,Aripuanã e Marajó (IANNI, 1979: 89). Assim, o processo decolonização governamental, ainda não consolidado na região,passou para as mãos de empresas de propriedade privada na formade pessoas físicas, jurídicas ou cooperativas.

A lógica dos sistema capitalista mundial se preservava e oEstado realizava sua verdadeira função pela sua concepção deexistir, pois as leis e distorções do mercado fundiário se caracterizamde forma protecionista. Como o PONTIFÍCIO CONSELHO “Justiça e Paz”(1998: 11-12) define:

entre estas distorções, merecem ser recordadas: uma distribuiçãodas terras realizada muitas vezes com métodos arbitrários eexclusivamente em favor de membros dos grupos dominantes edas classes abastadas; constituição de reservas para as populaçõesindígenas, muitas vezes em áreas pouco férteis ou situadas longedo mercado ou pobres em infra-estruturas (...). Adoção de sistemafiscal diferenciado em benefício de grandes proprietários. (...). Aconstituição de organização de mercado e a adoção de sistemas depreços tendentes a privilegiar os produtos das grandes propriedades.

Page 79: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 79 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A colonização promovida por empresas capitalistas

Após uma breve passagem pelos projetos de colonizaçãopromovidos pelo Estado, veremos agora outros exemplos decolonização: aquelas promovidas por empresas de colonizaçãoparticular1 , beneficiadas por incentivos governamentais, estruturagratuita e pagamento das áreas com valor simbólico, bem comoatravés da apropriação indevida (grilagem). No intuito de preencher“os chamados ‘espaços vazios’, que na verdade eram povoadospor índios, posseiros e garimpeiros, são loteados em mapas evendidos aos barbatões pelo mundo afora” (KOWARICK, 1995: 31).

É exatamente o que aconteceu com “Tucuruí, com um lagode 2.430 km², que desapropriou 4.300 famílias, na sua grandemaioria de pequenos proprietários rurais, posseiros, castanheiros;destas, 1.000 famílias foram ‘remanejadas’ para os vilarejos e paraa ‘cidade planejada’, 1.800 para áreas rurais e 1.500 famílias ficaramdesabrigadas” (KOWARICK, 1995: 246). Com o propósito de beneficiaros grupos econômicos, “a partir dos anos 70, a situaçãotransformou-se de maneira radical, como resultado da aplicação,por parte do governo federal, de políticas que objetivavamincorporar novas áreas ao processo produtivo do país” (ABREX JR.e OLIC, 1996: 36).

No processo de desapropriação das áreas para beneficiaros capitalistas, os posseiros e os indígenas ficaram abandonados,pois estes não sabiam para onde ir, se para novos locais de posse,formando os cinturões de pobreza nas cidades planejadas, ou servirde força de trabalho ao capital nos vários projetos de expansão naregião. O Estado, através da doutrina da ocupação dos espaçosvazios, denominada “de doutrina de esvaziamento dos espaçosocupados” (MARTINS, 1995: 136), transferiu boa parte das terras da

1 “Empresa particular de colonização é a pessoa física ou jurídica de direito privado, que

tenha por finalidade promover o acesso à propriedade privada da terra e o seuaproveitamento econômico, por meio da divisão em propriedades adequadas à regiãoconsiderada, ou no sistema cooperativo” (IANNI, 1979: 86).

Page 80: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 80 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

região para as mãos dos grandes conglomerados nacionais einternacionais. Através dos projetos agropecuários, estabeleceu a“doutrina de expulsão do homem para colocação do boi” (MARTINS,1995: 136).

A aquisição de terras por empresas de especulaçãoimobiliária realizou-se de maneira que veio beneficiar os interessesdos grandes projetos econômicos. Assim, a aquisição das áreasocorreu de três formas: a primeira através da compra das áreas deantigos posseiros ou proprietários; geralmente as ofertas eramfeitas em dinheiro e à vista; a segunda através da aquisiçãodiretamente do governo federal e estadual, geralmente comconivência de funcionários do departamento de terras, queforneciam a quantidade de lotes dentro das limitaçõesconstitucionais até cobrir toda a área cobiçada pelo projetoeconômico; a terceira, através da indústria da grilagem, via crimeorganizado, que atuava na região impunemente, com um aparatoque envolvia várias modalidades de fraudes, forjando escrituras eformando um verdadeiro aparato de documentos fraudulentos. Estesrealizaram a falsificação dos documentos com datas antigas, compoderes ao novo comprador para legalizar a área (PROCÓPIO, 1992:131-32).

Um fato que chama a atenção nesta análise é que nastransações de propriedade geralmente a empresa não compravaas áreas diretamente do Estado. Na maioria das transaçõesimobiliárias foram usados intermediários para burlar a legislaçãovigente e facilitar a legalização da propriedade. Esta estratégiaexplica as vastas áreas que passaram às mãos dos latifundiários,bem como a forma de burlar a legislação e a conivência do própriodepartamento de terras.

É neste contexto que, em 1972, nasceu no município deSinop, no Estado de Mato Grosso, o projeto da Colonizadora SinopS.A. – Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, com sede emMaringá e escritórios em São Paulo, Curitiba, Cuiabá e Sinop. Oprojeto se localiza a 505 km de Cuiabá, na BR-163, que liga Cuiabá

Page 81: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 81 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

a Santarém, com uma área de 3.142.06 km², tendo à frente doprojeto o comendador Enio Pepino. O empreendimento obedecia alógica da concentração da terra para especulação imobiliária. Assim,o município de “Sinop é um exemplo de colonização numa área defronteira de ocupação recente na Amazônia, estabelecida sob omanto do autoritarismo militar e da expansão do capitalismohegemônico no Centro-Sul do país” (SOUZA, 2001: 194).

O outro projeto, da Colonizadora Indeco, criado em 1973,tendo como beneficiário o Sr. Ariosto da Riva, “nos municípios deAlta Floresta (Alta Floresta e Apiacás) e Paranaita, situava-se emterras dos índios Apiaká, hoje na reserva próxima ao rio dos Peixes,em Juruena. Este projeto de colonização teve no garimpo de ouroa sua base de sustentação” (PIAIA, 1999: 36). O Sr. Riva traçouuma trajetória semelhante a do colonizador Enio Pepino, pois fundouas cidades de Naviraí, Carapó e Gloria de Dourados no extremosul de Mato Grosso do Sul e a fazenda Suiá-Missú, com 560 milhectares, próxima de Aripuanã, no extremo norte de Mato Grosso,que foi mais tarde vendida à multinacional italiana Liquifarm,representada no Brasil pela Liquigás (SCHAEFER, 1985: 74).

A Colonizadora Indeco, na região de Alta Floresta, tambémse apropriou das terras através da expropriação do território dosíndios Xavantes (OLIVEIRA, 1997: 71). A Colonizadora “adquiriu 400mil hectares no extremo norte de Mato Grosso” (SOUZA, 2001: 69).Para OLIVEIRA (2001: 147), a empresa adquiriu um milhão dehectares. Usaremos estes dois projetos de colonização comoexemplo de distribuição de terras promovida por empresas deespeculação imobiliária. Os projetos da Colonizadora Sinop S.A eda Colonizadora Indeco na região norte mato-grossense nasceramda perspectiva de ocupação militar.

A Colonizadora Sinop S.A. atuava “desde 1938 em vendasde terras para a colonização no Noroeste do Paraná” (SOUZA, 2001:109). O empresário colocou na cidade o mesmo nome da empresade colonização e, através de experiência em especulação imobiliáriada terra, foi autorizado a desenvolver o projeto, pois já “colonizou e

Page 82: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 82 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

fundou 18 cidades nos últimos vinte anos” (SCHAEFER, 1985: 60).Além das várias criadas posteriormente a 1985, outras vieram emconseqüência desta colonização. Nos projetos de colonização nonorte de Mato Grosso “a propriedade da terra perdeu sua funçãoprincipal de meio de produção para se transformar em meio deespeculação” (MARTINS, 1997: 51).

Este representante do capital, também amigo pessoal doentão presidente da República, o general João Batista Figueiredo,acompanhava as comitivas governamentais e recebeu a visitapresidencial no dia 03/07/1980, para que fosse verificado o projetode colonização sinopense e, consequentemente, dar credibilidadeao empresário. A visita presidencial facilitou-se a estrutura para anova cidade com energia elétrica, bancos, usina de álcool, serviçostelefônicos, rádio e TV (SCHAEFER, 1985: 66-67).

Os dois projetos que estamos usando como exemplo foramcontemplados com extensas áreas de terras. Também é o queaconteceu na “maioria dos projetos de colonização que se localizamno Mato Grosso, principalmente na área da rodovia Cuiabá-Santarém. As áreas da Indeco e da Sinop constituem mini-estadossob domínio dos colonizadores, que se assemelham a feudais, fiéis,contudo, ao governo federal” (BECKER, 1996: 37). Por serem fiéis,foram contemplados com todos os favores para dar a estruturanecessária aos projetos de especulação imobiliária, pois estes faziama ponte expansionista entre a terra e o capital. SCHAEFER (1985: 60-61) afirma que:

a área total da Gleba Celeste é de 5.344 km², área que compreendecerca de 400 mil hectares, ou 534.450, segundo outros, ou ainda600 mil hectares segundo versões de terceiros. Provavelmente todasas colonizadoras se apossem de áreas não discriminadas,incorporando-as posteriormente ao projeto, daí a dificuldade em sesaber exatamente a área de um projeto de colonização (...). A firmaSinop S/A procurou sensibilizar colonos dos três Estados do Extremo-Sul, com boa tradição agrícola. Cerca de 50% dos colonos são luso-brasileiros e os restantes são de origem alemã, italiana, polonesa ejaponesa etc. [conforme levantamento de 1985]. Cerca de 35% da

Page 83: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 83 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

população é proveniente do Paraná, 30% de Santa Catarina, 20% doRio Grande do Sul, 12% de São Paulo e os restantes 3% provêm deoutros Estados.

Para OLIVEIRA (2001: 149), a Colonizadora Sinop S.A.implantou a “gleba Celeste com 650 mil hectares no eixo da Cuiabá-Santarém”. O que chama a atenção é a grande quantidade de terrasque as empresas de especulação imobiliária conseguiram legalizar,pois, na verdade, não existem dados que certifiquem a quantidadeexata, e assim fica difícil apurar a veracidade dos fatos. Nesta lógica,a Constituição Federal do Brasil impede a venda sem préviaautorização do Senado de área superior a dez mil hectares (1946),três mil hectares (1967) e dois mil e quinhentos hectares (1988).No entanto, com a autorização do Estado, ou sem ela, vastas áreaspassaram a pertencer aos grupos organizados com a finalidade deespeculação imobiliária, e desta forma tinham a necessidade deburlar a legislação vigente.

Na implantação do projeto, para facilitar a especulaçãoimobiliária da terra, a Colonizadora Sinop S.A. tentou atrair osmigrantes através do plantio de café. Porém, este plano não deuresultados, pois o terreno é muito ácido, agravado pordesconhecimentos técnicos a respeito do solo. Outros fatores quecontribuíram para que os moradores não obtivessem bonsresultados foram a falta de tecnologia adequada e os poucosrecursos financeiros por parte dos assentados. Por outro lado, ascolonizadoras e o Estado não tinham interesse algum em colocartécnicos para orientação, muito menos produzir estudos sobre aregião.

O objetivo maior era a especulação imobiliária2 pelasempresas e o domínio político por parte do Estado, para consolidar

2 Sinop – Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, constituída por um grupo

econômico de origem paranaense. Seu maior acionista é o empresário Enio Pepino. Ogrupo possui seis empresas associadas, a saber: Colonizadora Sinop S.A.; Sinop TerrasS.A.; Sinop Agroquímica S.A.; Imobiliária e Construção Maringá S.A.; Agropastoril CelesteLtda. Beker Consultoria de Empreendimentos Industriais Ltda (OLIVEIRA, 1983: 85).

Page 84: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 84 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

3 A empresa Sinop Agroquímica S.A. é fruto da crise internacional do petróleo na décadade 70. O projeto nasceu com fins de receber recursos do Pró-Álcool. A empresa recebeuincentivos para implantação do projeto através da Sudam, com aprovação doempreendimento em maio de 1976. A usina possui capacidade produtiva para 150.000litros/dia, utilizando como matéria-prima a mandioca pelo fato de ser pouco exigentequanto à capacidade do solo e do clima propício na região. Este projeto deixa dúvidas

o projeto de ocupação do grande capital na região. Neste sentido,outro fator que chama a atenção é que, nos espaços de colonizaçãoprivada, “a compra do lote urbano está ligada à compra do loterural. A cidade é geralmente gerada pela sociedade de colonização.Os colonos não vivem, pois, sobre suas terras” (PASSOS, 1998: 76).Assim, a colonizadora, através da concentração capitalista, atuavaem nome do Estado, fazendo crescer o domínio político e econômiconas ações locais. OLIVEIRA (1983: 77-78) enfatiza que:

a colonizadora, como empresa representante do capital no campo,vai acumular as funções de vendedora de terras, a de intermediáriaentre o banco e o produtor ou ainda vai criar mecanismos em que elapoderá atuar controlando e dirigindo a produção, a circulação dosfrutos do trabalho camponês, mais de perto, isto é, além de jáextorquir o pequeno produtor com a venda de terras ela vai transformá-lo numa espécie de seu assalariado, expondo-o sobre outras vias econdições. Assim, o colono se reduz como tal com o mínimonecessário para repor a sua força de trabalho e a de sua família,pois que o sobre trabalho não se reverterá para si. (...) É dentrodesse contexto que se concedeu o estudo de caso sobre acolonizadora Sinop S. A., embora em Mato Grosso estejam 71,1%

das colonizadoras instaladas no país [1983].

Com o intuito de impedir o retorno dos pioneiros às suasterras de origem ou mudarem para outros locais de colonização, oscolonizadores instalaram uma usina de álcool de amido de mandiocaatravés do programa Pró-Álcool na região sinopense. Paraimplantação de tal usina eles utilizaram recursos da Sudam3 . Oprojeto implementado pelo grupo da Sinop Agroquímica S.A.também não decolou pelas mesmas dificuldades encontradas noplantio do café (SCHAEFER, 1985: 60-62).

Page 85: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 85 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A falta de estrutura dos recém-chegados, aliada aodesconhecimento do solo e do clima foram elementos fundamentaispara que a produção da mandioca, do café e de outros produtosagrícolas não prosperasse e, assim, as culturas fracassarem. Oobjetivo maior destes grandes empreendimentos era usufruir dosrecursos do Estado através de projetos fornecidos pelos órgãosincumbidos para este fim, bem como dominar e tirar proveito dosrecursos naturais abundantes na região, além da venda daespeculação imobiliária da terra.

Através dos incentivos oferecidos pela Sudam, as empresasse beneficiaram para instalarem principalmente a agropecuária e aindústria de transformação de madeiras na região. Assim, a atividademadeireira deu um novo impulso ao projeto, e representava nosanos 80 a base econômica de Sinop e região – como aliás continuasendo até hoje. Esta nova alternativa econômica explora os recursosflorestais e vem aliada a uma agropecuária em francodesenvolvimento, proporcionando um novo rumo na economia local,vindo a projetar a cidade e a região no cenário nacional de formaascendente.

A indústria do setor madeireiro sinopense é responsável“pelo aproveitamento da matéria-prima é extraída da floresta e temdemonstrado que a ocupação do Norte mato-grossense crioucondições, não somente para a produção de cereais, como tambémpara a exploração e industrialização da madeira” (SOUZA, 1999: 38).O desenvolvimento da região deve-se à farta área de florestasnaturais, com árvores exuberantes e madeira nobre, o queproporciona aos madeireiros altas taxas de lucratividade atravésda comercialização. Além disso, poderiam ainda contar comincentivos fiscais do Estado para instalarem os grandes projetosextrativistas.

quanto aos reais objetivos de sua criação. Podemos deduzir que nasceu da estratégiaem obter recursos do Estado e com a finalidade de atrair colonos para o plantio damandioca e venda das terras. No início da década de 90, a usina fechou as portas eencontra-se sem operação até hoje, engrossando as estatísticas dos projetos criadossem resultados na Amazônia, pois servem apenas de manobras com a finalidade dereceber recursos do Estado.

Page 86: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 86 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Sinop tornou-se uma cidade em franco desenvolvimentocapitalista e passou a ser um pólo na região norte do Estado mato-grossense, com várias indústrias, destacando-se no setor detransformação de madeireiras, e tendo ainda um forte comércio. Aeducação também é destaque em Sinop, posto que atualmenteabriga três universidades em funcionamento, sendo duas públicas(Unemat e UFMT) e uma privada, Unic – Universidade de Cuiabá, emais duas privadas estão se instalando na cidade.

Apesar das vantagens que a cidade oferecia, até metadede 2001 a população não era atendida por hospital público, poisainda se encontrava em construção um pequeno pronto-socorrono município. Embora a cidade seja uma das mais desenvolvidasem termos de saúde, contando com quatro hospitais e várias clínicasparticulares, Sinop se destaca em prestação de serviços em váriossetores. Atualmente está entre as quatro maiores cidades do Estadode Mato Grosso, sendo a maior do norte do Estado. A região nortemato-grossense hoje reivindica a criação de um novo Estado, o“Estado do Araguaia”.

DADOS REFERENTES AO AUMENTO POPULACIONAL E ÀTAXA DE CRESCIMENTO DAS CIDADES DE SINOP E ALTAFLORESTA NO ÚLTIMO QÜINQÜÊNIO (1996 A 2001).

As cidades foram criadas há apenas duas décadas e meia,mas ambas se destacaram em seu desenvolvimento. De acordocom dados do IBGE, Sinop em 1980 tinha uma população de 14.784habitantes, tendo sua economia com base no extrativismo florestal,enquanto que Alta Floresta, no extrativismo mineral. Qual aexplicação para diferentes taxas de crescimento anual nos últimoscinco anos? A explicação é simples, o garimpo de ouro quase seexauriu, enquanto a extração florestal continua sendo a mola

Fonte: Elaboração própria com base no IBGE (2001).

Cidades Habitantes em 1996 Habitantes em 2001 Crescim ento anual

54.30642.852

74.76146.956

8, 32%2,31%

SinopAlta Floresta

Page 87: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 87 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

propulsora da economia sinopense.O norte mato-grossense, por ser uma região nova,

apresenta uma cultura em formação. Desta forma, para estes novoscentros planejados vieram empresários, trabalhadores eprestadores de serviços. Assim, “esses migrantes que chegaram àregião há pouco tempo criaram uma sociedade nova, com padrõesbem diferenciados daqueles existentes em Mato Grosso” (ABREX

JR. e OLIC, 1996: 40), muitas vezes impondo costumes, introduzindona região o CTG – Centro de Tradição Gaúcha, aos moldes do RioGrande do Sul4 , exigindo dos seus freqüentadores, inclusive, usode trajes típicos. Ocorre ainda a festa do chope, ao estilo daOcktoberfest, realizada em Blumenau – Santa Catarina.

A nova ocupação conseguiu importar costumes, misturadoscom os já existentes na região, criou uma nova formação cultural,estando em constante transformação e ainda não definida. Nestascidades, a grande maioria das pessoas pouco conhecem dasmúsicas e das danças típicas do nativo mato-grossense, nem agrande variedade de pratos típicos da cozinha deste vasto Estado.Caracterizam-se por impor à região novos costumes, tendoagregado muito pouco das tradições do Estado onde passaram aviver. É possível que este seja um dos motivos da exigência daseparação do Estado, via criação do Estado do Araguaia, aliadoaos interesses econômicos e políticos, mas principalmente pelopreconceito com os povos da região.

Por outro lado, mesmo com o fato de o governo delegar aresponsabilidade dos projetos de ocupação da última fronteira paraempresas particulares, desistindo da colonização oficial, não deixoude existir a colonização espontânea através do fluxo natural daspessoas na região. Nesta busca desesperada estão as populações

4 Segundo KAISER (1999: 52), citando Olivem: “Em 1980, havia em torno de 900.000

gaúchos vivendo fora do Rio Grande do Sul, equivalente a 11,5% da população doestado. Mais de 50.000 deles estavam estabelecidos no Mato Grosso, indicando novafrente de expansão agrícola”.

Page 88: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 88 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

rurais desempregadas, subempregadas, ou superexploradas doCentro-Sul, do Nordeste e outras regiões à procura de terrasdevolutas ou de comunidades indígenas na Amazônia (IANNI, 1979:85). O Estado, além de bloquear a reforma agrária no País e nãoatender aos pequenos agricultores, delegou esta função e controlepara empresas de especulação na colonização. Nesta perspectiva,para beneficiar grandes propriedades, o Brasil é o único país detradição agrícola que não fez uma substancial reforma agrária aolongo de sua história (MARTINS, 1997: 52). IANNI (1979: 91) afirma:

nesta orientação, foram e continuam a ser preferencialmentefavorecidos os interesses dos grandes grileiros, latifundiários,fazendeiros ou empresários, em detrimento dos interesses dosindígenas e posseiros. A aliança entre o capital privado, nacional eestrangeiro, com poder estatal é, ao mesmo tempo, produção econdição da forma pela qual está ocorrendo na Amazônia odesenvolvimento extensivo do capitalismo. Esse tem sido o contextoeconômico e político no qual os indígenas e posseiros, sitiantes ecolonos, têm sido obrigados a abandonar as suas terras ou a

proletarizarem-se.

A empresa de colonização particular atingiu poucostrabalhadores rurais, pois ela organizou a distribuição da terra pelopoder de compra dos pretendentes. Na sua grande maioria foramoriundos do sul do País, por serem possuidores de alguns recursosfinanceiros, enquadrando-se nas exigências dos empreendimentos.Assim, a fronteira se fechou aos pequenos agricultores e aosposseiros, fortalecendo a ditadura por meio da política de colonizaçãopromovido por empresas privadas.

Aos despossuídos restou-lhes como única alternativacontinuar flutuando, ou transformar-se em força de trabalho paraos empreendimentos capitalistas e formar o exército industrial dereserva à disposição dos grupos econômicos. Se, para muitos dosdespossuídos, o “mel” não pôde ser conquistado através do acessoà terra, restou-lhes a alternativa de observá-lo através de suaproletarização.

Page 89: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 89 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Na Amazônia não se realizou, portanto, nenhuma reformaagrária5 , o que ocorreu é “que a política de colonização éapresentada como política de reforma agrária” (IANNI, 1979: 125).No entanto, com a concentração da terra e da riqueza na região,os trabalhadores foram reduzidos “à condição de sem-terra, de sem-teto, dos sem-emprego, dos sem-escola, dos sem-saúde, dos sem-transporte, dos que moram nas favelas” (GONÇALVES, 2001: 53).Desta forma, ocorreu a expansão das grandes empresas voltadas“à agricultura, pecuária, agropecuária, extrativismo, mineração,agroindústria e outras atividades” (IANNI, 1979: 125).

De um lado, “os grupos empresariais, como o nacionalBradesco, o alemão Volkswagen, a italiana Liquifarm, entre outros,descobriram sua vocação pecuária e, com incentivos fiscais, seestabeleceram na região” (GONÇALVES, 2001: 53). A promessa dogoverno federal em assentar “100 mil famílias ao longo dos 100quilômetros de cada lado das rodovias postos sob jurisdição federalnão conseguiu atingir mais de 10 mil famílias” (GONÇALVES, 2001:54).

A política de reforma agrária colocada em prática naqueles21 anos da ditadura não passou de uma política de contra-reformaagrária, que era praticada de forma arbitrária. No Brasil apenas 1%dos proprietários detêm 44% das terras, ou um único proprietáriodetém sozinho 10 milhões de hectares na Amazônia brasileira(GONÇALVES, 2001: 75). As leis destinadas à desapropriação de áreaspara reforma agrária ofereceram todas as garantias aoslatifundiários em caso de desapropriação, contemplavam estes comaltas indenizações e dificultaram a distribuição das terras no País.IANNI (1979: 137) conclui que:

5 “A reforma agrária visa a estabelecer um sistema de relações entre o homem, apropriedade e o uso da terra, capaz de promover a justiça social, o progresso e o bem-estar do trabalhador rural e o desenvolvimento econômico do país, com a gradualextinção do minifúndio e do latifúndio.” (IANNI, 1979: 133).

Page 90: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 90 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

desse modo, o Estado impediu que houvesse qualquer reformaagrária no Nordeste, no Sul, ou em outras regiões; e, inclusive,impediu que a Amazônia fosse o campo de uma reforma agráriaefetiva. Ao contrário, na Amazônia o Estado foi levado a atuar demaneira a reduzir ao mínimo a distribuição de terras, a fim depreservar as maiores proporções das terras aos latifundiários,fazendas e empresas. Em síntese, ao distribuir alguma terra naAmazônia, o Estado brasileiro foi levado a não distribuir as terras doNordeste, do Sul, de outras regiões e nem da própria Amazônia. Aolongo dos anos 1964-78, ele distribuiu alguma terra para nãodistribuir terras, conforme os próprios camponeses e operários rurais,das várias regiões do país, estavam realizando por seus própriosmeios. No campo, a contrapartida do apoio dado pela burguesiarural ao Golpe de Estado de 1964 foi a contra-reforma agrária,apresentando e executada a colonização dirigida.

O verdadeiro papel do Estado brasileiro na expansão maisacentuada do capitalismo na região amazônica, nos anos 60-80 doséculo XX, consistiu em proteger o capital e garantir a concentraçãoda riqueza. Para Marx e Engels6 , o Estado desempenha papeldeterminante na sociedade capitalista.

*****

6 “O Estado só existe por causa da propriedade privada, de tal forma que isto também

passou para a consciência comum. Assim, os indivíduos de uma classe dominantefazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de umaépoca” (MARX e ENGELS, 1999: 98). A ideologia alemã, foi escrita por Karl Marx e FriedrichEngels em 1846. Esta obra foi traduzida para a língua portuguesa por José Carlos Brunie Marcos Aurélio Nogueira.

Page 91: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 91 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

A cidade planejada como centro do capital

Para entender o processo migratório da Amazônia, bem comoa formação das cidades do norte mato-grossense, faz-se necessárioconhecer o processo evolutivo da formação das cidades comocentros do capital mundial. A urbanização faz parte do contextohistórico da forma capitalista e da concentração da riqueza. Nahistória da humanidade, “para muitas nações conquistadoras, aconstrução de cidades foi o mais decisivo instrumento de dominaçãoque conheceram” (HOLANDA, 1991: 61). É no processo de formaçãodas cidades que se desenvolve e organiza a reprodução do sistemacapitalista. LEFEBVRE (1999 a: 157-58) enfatiza que:

o urbano não produz à maneira da agricultura e da indústria.Entretanto, como ato que reúne e destrói, ele cria. Assim comoantigamente a manufatura converte-se em força produtiva e emcategoria econômica apenas por reunir os trabalhadores eferramentas (técnicas) antes dispersos. É assim que o fenômenourbano contém uma práxis (prática urbana). Sua forma, enquanto tal,manifesta-se irredutível às formas (não isomorfo às outras formas e

estruturas). Não obstante, ela as retoma; as transforma.

As diferentes fases do desenvolvimento, seja naAntigüidade, seja na Idade Média, nos feudos urbanos, ou nascidades fabricadas1 da Amazônia, retratam um processo evolutivoque se aperfeiçoa dentro das necessidades da aglomeração depessoas. Neste sentido, a “industrialização e a urbanização têmaparecido sempre associadas, como se tratasse de um duploprocesso, ou de um processo com duas facetas” (SPOSITO, 2000:42).

Nesta perspectiva, “o melhor exemplo da urbanização foi,sem dúvida, o da Inglaterra, primeiro espaço de desenvolvimento

1 Cidades fabricadas – Conceito construído por PASUCH (2000) em dissertação de

mestrado intitulada Entrelaçamento de vozes num mundo analfabetizado: o contexto daAmazônia, UFRG – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Page 92: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 92 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

pleno do capitalismo industrial” (SPOSITO, 2000: 49). Os reflexosdisso são que “no começo do século XIX a proporção de pessoasnas cidades de mais de cem mil habitantes era na ordem de 10%,sendo que quarenta anos depois era 20%” (SPOSITO, 2000: 49).SPOSITO (2000: 50) adverte:

a expressão da urbanização via industrialização não deve ser tomadaapenas pelo elevado número de pessoas que passam a viver emcidades, mas sobretudo porque o desenvolvimento do capitalismoindustrial provocou fortes transformações nos moldes daurbanização, no que se refere ao papel desempenhado pelascidades, e na estrutura interna destas cidades (...). Assim, nãodevemos apenas enxergar na urbanização que se dá viaindustrialização uma acentuação da proporção de pessoas dapredominância da produção artesanal para a predominância daprodução industrial (entendido aqui, no sentido mais restrito, pós-Revolução Industrial), ou seja, da passagem do capitalismo

comercial e bancário para o capitalismo industrial ou concorrencial.

A necessidade de criar cidades na Amazônia pode sercomparada em alguma medida com o período da industrializaçãoda Inglaterra. Para MARX e ENGELS (1999: 77), “a maior divisão entreo trabalho material e o intelectual é a separação entre a cidade e ocampo”. São espaços criados para o capital se reproduzir econcentrar o exército industrial de reserva. Assim, com odesenvolvimento do modo capitalista de produção “a rede urbanafoi se constituindo hierarquicamente, tendo à formação de grandesaglomerados urbanos - as metrópoles – espaços de concentraçãode capital, de meios de produção” (SPOSITO, 2000: 54). Mas o espaçoentre o urbano e o campo “compreende uma totalidade, com umaarticulação intensa entre estes dois espaços” (SPOSITO, 2000: 64).LEFEBVRE (1999: 49) afirma que:

o campo, em oposição à cidade, é a dispersão e o isolamento. Acidade, por outro lado, concentra não só a população, mas osinstrumentos de produção, o capital, as necessidades, os prazeres(...). Não há a menor dúvida de que a separação entre a cidade e o

Page 93: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 93 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

campo mutila e bloqueia a totalidade social; (...). Nesta separação,compete ao campo o trabalho material desprovido de inteligência; àcidade pertence o trabalho enriquecido e desenvolvido pelo intelecto,

compreendendo as funções de administração e comando.

Para que os agropecuaristas e as empresas de extrativismodo norte mato-grossense pudessem se expandir e reproduzircapitais, organizaram-se em centros administrativos, ou cidadesfabricadas. Embora a terra seja considerada “o suporte material dasociedade” (LEFEBVRE, 1999 b: 85), a cidade é o centro do capital.Desta forma, “a cidade se torna, em lugar da terra, o grandelaboratório das forças sociais” (LEFEBVRE b, 1999: 86). Nestecontexto, a terra faz parte das forças produtivas, “a cidaderepresenta uma força produtiva (mas não um meio de produção,um instrumento” (LEFEBVRE b, 1999: 91) e suporte do aparelhoprodutivo.

Estas forças são guiadas pelo processo capitalista,conduzidas de forma global, através do entrelaçamento dasnecessidades do capital, nas diferentes fases de seudesenvolvimento. Com base neste enfoque, a “cidade é a sede dopoder político que garante o poder econômico do capital que protegea propriedade (burguesa) dos meios de produção e organiza-oproibindo os excessos e a violência” (LEFEBVRE b, 110). No mesmodiapasão, SPOSITO (2000: 64) afirma que:

a cidade é, particularmente, o lugar onde se reúnem as melhorescondições para desenvolvimento do capitalismo. O seu caráter deconcentração, de densidade, viabiliza a relação com maior rapidezdo ciclo do capital, ou seja, diminui o tempo entre o primeiroinvestimento necessário à realização de uma determinada produçãoe o consumo do produto. A cidade reúne qualitativa e quantitativamenteas condições necessárias ao desenvolvimento do capitalismo, epor isso ocupa o papel de comando na divisão social do trabalho(...). A cidade é o lugar onde se concentra a força de trabalho e osmeios necessários à produção em larga escala – a industrial –, e,portanto, é o lugar da gestão, das decisões que orientam odesenvolvimento do próprio modo de produção, comandando a

Page 94: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 94 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

divisão territorial do trabalho, e articula a ligação entre as cidades darede urbana e entre as cidades e o campo. Determina o papel docampo neste processo e estimula a constituição da rede urbana.

Neste sentido, o “acentuado crescimento populacionalurbano e a super concentração de capital nacional e internacionalnas metrópoles para criação de infra-estrutura necessária àreprodução capitalista proveram um aumento crescente dapopulação não empregada” (SPOSITO, 2000: 70). Nesta dinâmica, acidade de Sinop nasceu da finalidade de servir ao sistema comocentro e sede do capital, bem como local de concentração da forçade trabalho ou depósito do exército industrial de reserva àdisposição dos projetos econômicos.

Esta força de trabalho, empregada ou não, de alguma formafoi marginalizada socialmente pelo modelo de expansão aliorganizado pelo Estado e o capital em conjunto. Assim, “o poderpúblico escolhe para seus investimentos em bens e serviçoscoletivos exatamente os lugares da cidade onde estão os segmentospopulacionais de maior poder aquisitivo” (SPOSITO, 2000: 74). Poroutro lado, a classe trabalhadora da região amazônica foi colocadana periferia das cidades e vista pelo poder público apenas comocomponente do processo produtivo, sendo peça necessária efundamental para expansão e concentração de capitais. Nestalógica, ao lado de grandes projetos econômicos nacionais einternacionais, “os espaços urbanos são acelerados e caoticamenteocupados e disputados. Formam-se as favelas e palafitas daAmazônia, com inúmeros cinturões de miséria e pobreza absolutaao lado de grandes projetos econômicos” (KOWARICK, 1995: 152).

Esta foi a forma de expansão da Amazônia brasileira. Noprocesso da formação capitalista foram necessários núcleos demoradia para oxigenar o aparelho produtivo e apurar o processode acumulação. Esta estratégia foi usada para organizar a produçãoe regular a força de trabalho ao longo da história, “tanto nos paísesde industrialização pioneira quanto nos países de desenvolvimento

Page 95: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 95 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

industrial tardio como o Brasil” (PIQUET, 1998: 3). Esta também foi atática usada na nova fronteira de expansão amazônica. Em algunspontos estratégicos de formação capitalista fez-se necessário osurgimento da cidade-empresa que não pôde ser “dissociada doprocesso social em curso, pois o comportamento empresarial édeterminado pelo conjunto das relações sociais de um dadomomento histórico e pelas condições gerais da produção” (PIQUET,1998: 4).

Nesta perspectiva, o “domínio exercido pela empresasubordina os moradores à sua influência e ao seu controle”(PIQUET,1998: 37). Além de empregadora, ela é proprietária dosequipamentos coletivos e das moradias. Com esta tática, ocapitalista controla a força de trabalho e assim passa a oprimir eexplorar com mais eficácia, “determinando as regras a seremcumpridas, tanto no trabalho como fora dele” (PIQUET, 1998: 37).Exemplos desta natureza são vistos nas madeireiras de Sinop eregião, onde foram criados núcleos de moradias subordinados aosetor produtivo que vive próximo ao local de trabalho. Este espaçocontrolado serve para concentrar a força de trabalho e facilita aproletarização que oxigena o processo produtivo na indústria detransformação de madeiras.

No Brasil podemos citar como exemplo clássico de cidade-empresa Volta Redonda, criada pela Companhia SiderúrgicaNacional. Também, o espaço urbano em Carajás, na “região ao suldo estado do Pará, [na Amazônia] por possuir uma das provínciasgeológicas mais ricas do mundo em minério metálico, a partir dosanos 70 torna-se palco de um intenso processo de ocupação”(PIQUET, 1998: 129). São locais nos quais a força de trabalho é“marcada por cerceamento à liberdade pessoal, como os namorosque eram vigiados pelos prepostos da empresa. Após as dez danoite as pessoas eram levadas pelos vigias de volta para suascasas”2 (LEONELLI, 2000: 196).

Estes são casos em que o poder público, além de dotar olocal de toda a infra-estrutura, “passa a aquinhoar, através da

Page 96: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 96 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

2 DOMINGOS LEONELLI, em seu livro Uma sustentável revolução na floresta, refere-se à

Icomi Empresa de mineração do Estado do Amapá, no extremo norte do Brasil. A empresasituava-se na Serra do Navio e explorava o manganês, jazida hoje totalmente esgotada.Na vila da Serra do Navio as pessoas eram cerceadas da liberdade pessoal, sendocontroladas e organizadas pela empresa.

doação ou venda simbólica de terras, sua clientela política, empresasconstrutoras e empresários amigos” (PIQUET, 1998: 129). Assim,nasceram cidades protegidas e criadas por empresas particularesde colonização na região da Amazônia brasileira, nos moldes doque ocorreu em Alta Floresta e Sinop, no norte do Estado de MatoGrosso. Neste sentido, “a cidade de Sinop exemplifica um espaçourbano decorrente da expansão da fronteira capitalista do Estadoque o viabilizou enquanto projeto originário de colonização” (SOUZA,2001: 14). Nasceu de forma planejada e com urbanização comtécnicas avançadas na organização, obedecendo a fins deespeculação imobiliária. Segundo PIQUET (1998: 144) há:

...isenção do Imposto de Renda e dos adicionais restituíveis peloprazo de 10 (dez) anos; isenção dos impostos de Importação e sobreProdutos Industrializados incidentes sobre importação de máquinas,de equipamentos e de instrumentos, sem similar nacional, a seremdestinados à implantação do projeto; isenção de IPI, bem comomanutenção do crédito do mesmo imposto referente a matéria-prima,e a produtos intermediários nas aquisições de máquinas e

equipamentos nacionais.

Os reflexos destes grandes empreendimentos, queconstituíram o aprimoramento do espaço urbano e não urbano parareprodução capitalista em grande escala, foram traduzidos de formaglobal dentro das perspectivas capitalistas de expansão. O Estado,por outro lado, preocupou-se em fornecer toda a infra-estruturanecessária ao desenvolvimento capitalista ali instalado. Assim,evidenciam-se dois lados, dois pólos distintos, um de privilegiados,e outro de marginalizados e despossuídos. Esta condição édemonstrada por PIQUET (1998: 151-52):

Page 97: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 97 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

a fragilidade das populações locais frente ao poder econômico epolítico das grandes empresas, associadas ao descompromissodo poder público em relação às grandes massas de despossuídos,não permite o alcance de ganhos sociais significativos (...).No casobrasileiro, o crescimento econômico mostrou-se perfeitamentecompatível com níveis crescentes da miséria. As políticas sociaiscompensatórias, ainda que não refletissem a superação dessequadro de desigualdades, poderiam atenuá-lo. Permanecem,contudo, ao nível do discurso político. Todos os recursos públicos eda Lei continuam sendo usados para perpetuar uma ordem socialnitidamente concentradora e excludente. Esta região reflete osproblemas econômicos e sociais gerados noutras regiões do país.Os fluxos migratórios que recebe são ínfimos se comparados comos que se destinam aos maiores centros urbanos do Centro-Sul. Noentanto, esta fronteira riquíssima em terras e minérios virou sinônimo

de super população e miséria.

A cidade-empresa do passado não serve como exemplo de“paz, harmonia, dentro das classes sociais, nem vistanostalgicamente como um paraíso perdido. As construídasposteriormente apenas retratam o processo de modernizaçãoexcludente no nosso país” (PIQUET, 1998: 158-59). As relações entrecapital e trabalho sofrem constantes alterações no sentido debeneficiar os grupos organizados, pois as mudanças ocorremconforme a necessidade sistêmica, e estas mudanças determinamos níveis de acumulação no processo produtivo. PIQUET (1998: 159-60) afirma:

a nova “filosofia” é não criar cidade-empresa, mesmo quando oempreendimento se localiza em regiões ínvias. O argumento é deque a permanência de empregados e seus familiares nasproximidades das instalações industriais obrigaria a implantaçãode uma infra-estrutura complexa, onerosa e de difícil administração.Assim, as propostas recentes são no sentido de que se reveze noregime de 21 dias de trabalho na fábrica (sendo garantida a folgasemanal), por sete dias de repouso, fora da área. Com isso, aspopulações permanentes nas instalações industriais ficam reduzidasem cerca de 1/3 daquelas que seriam, caso fossem implantadas

vilas residenciais.

Page 98: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 98 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Foi também para alcançar esta perspectiva que se efetuoua passagem da responsabilidade dos projetos de colonização paraempresas privadas. No processo de colonização dos militares criou-se uma forma diferente de fabricar cidades e desenvolver locaispara reprodução capitalista. Na Amazônia, a urbanização passou asustentar-se em “três papéis fundamentais exercidos pelos núcleosurbanos: a atração dos fluxos migratórios, a organização do mercadode trabalho e o controle social, que atribui à urbanização um novosignificado” (BECKER, 1996: 52).

Os núcleos dos quais fala Berker surgiram da necessidadedo processo produtivo que ali reproduz a formação e “concentraçãode mão-de-obra para abertura de matas, garimpos ou de apoiodireto à circulação – canteiro de obras, postos de gasolina –, efreqüentemente, desaparecem com a extinção das frentes detrabalho” (BECKER, 1996: 54). Os indicadores sociais desta regiãosão os piores do Brasil. Somente 4% da população amazônica éservida por serviços de esgotamento sanitário. Os serviços deabastecimento de água atendem apenas 70% da população urbanada região (GONÇALVES, 2001: 112). Além disso, “mais de 60% dapopulação estão abaixo da linha da pobreza3 , e a taxa deanalfabetismo alcança 24%” (VIANA, 2001: 277).

Na Amazônia brasileira o crescimento urbano foi muitosignificativo nas últimas décadas do século XX, vindo a caracterizarum alto grau de urbanização na região. Desta forma, “entre 1950 a1970 a taxa de urbanização da região elevou-se de 26% a 41%”(CARDOSO e MÜLLER, 1977: 55). Neste mesmo ritmo de crescimento,no período compreendido “entre 1970 e 1980, a população urbanapassou de 37,7% para 51,8% da população total, e isso semconsiderar os núcleos pioneiros não computados como urbanosnas estatísticas” (BECKER, 1996: 55). Comprovando os dados, “antes

3 Segundo dados da Fundação Getúlio Vargas, no início de 2002, dos 169 milhões de

brasileiros, 53 milhões viviam abaixo da linha da pobreza, e desses, mais de 20 milhõesem estado de miséria absoluta.

Page 99: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 99 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

do fluxo migração oficialmente incentivada, em 1960, a taxa deurbanização era de 30,5%, em 1996, atingiu a 61%” (CÂMARA DOS

DEPUTADOS, 1998: 163). Em 2001, conforme dados do IBGE, apopulação dos nove Estados da Amazônia brasileira era de 72,23%vivendo nas cidades. A população brasileira neste mesmo períodoatingiu 169.799.170 habitantes e, deste total, 81,25% era urbana.

Neste sentido, Cuiabá, a capital do Estado mato-grossense,cresceu entre 1970 e 1980, aproximadamente, 100%, e as cidadesde Rondonópolis e Várzea Grande, acima de 150% (BECKER, 1996:57). Estes pólos de transferência de força de trabalho, no últimoqüinqüênio, se estabilizaram.

DADOS REFERENTES AO AUMENTO POPULACIONAL E ÀTAXA DE CRESCIMENTO DAS CIDADES DE CUIABÁ,RONDONÓPOLIS E VÁRZEA GRANDE NO ÚLTIMO QÜINQÜÊNIO(1996 A 2001)

DADOS REFERENTES AO AUMENTO POPULACIONAL E ÀTAXA DE CRESCIMENTO DOS NOVE ESTADOS QUE FORMAM AAMAZÔNIA LEGAL BRASILEIRA E DO ESTADO DE MATO GROSSONO ÚLTIMO QÜINQÜÊNIO (1996 A 2001).

O crescimento populacional nos nove Estados não foi

Fonte: Elaboração própria com base no IBGE (2001)

CidadesHabitantes em

1996Habitantes em

2001Crescim ento

anual

Cuiabá 433.355 482.498 2,72%

Rondonópolis 142.524 150.049 1,29%

Várzea Grande 193.401 214.842 2,66%

Fonte: Elaboração própria com base no IBGE (2001).

Região/Estado Habitantes em 1996 Habitantes em 2001 Crescim ento anual

Am azôniaLegal 18.748.490 21.056.480 2,46%

M ato Grosso 2.235.832 2.498.150 2,85%

Page 100: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 100 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

homogêneo, em alguns deles o aumento populacional foi maior nesteúltimo qüinqüênio. Conforme dados do IBGE (2001), Roraima obteveum crescimento anual de 7,02%; Amapá - 5,82%; e Amazonas -4,42%. Os três formam o grupo de Estados amazônicos que maiscresceram.

As cidades amazônicas nasceram de um projeto queestruturou os limites e marcou os espaços do capital e doproletariado, e este foi definido através da formação das classessociais. Aos proletários foram reservados os cinturões de pobreza,locais onde a violência, a exclusão social e a fome estão semprepresentes. Este é o retrato de algumas das capitais amazônicascomo Cuiabá, Belém e Manaus. A exemplo da Revolução Industrial,as grandes cidades possuem hoje bairros de má reputação, locaisesses onde se concentram os operários.

É certo que a pobreza mora em vielas escondidas, bem pertodos ricos, mas “em geral designaram-lhe um lugar à parte, onde aoabrigo dos olhares das classes mais felizes, tem de se safar sozinha,melhor ou pior” (ENGELS4 , 1988: 38). Isto não aconteceu por acaso,foi um projeto arquitetado, dados a separação e o controle exercidospela elite dominante. Esta estabeleceu as relações de desigualdadee definiu as classes sociais nos diferentes locais, nas diferentesépocas, nas diferentes fases e níveis da produção. O processo deacumulação foi – e ainda é hoje – arquitetado pelos limites da lógicacapitalista.

As populações marginalizadas no processo histórico foramsempre transferidas para lugares onde existia a necessidade deoxigenar a produção capitalista. Na Amazônia brasileira nãoaconteceu de forma diferente, pois para lá deslocou-se a força detrabalho até então ociosa em outros pólos do País. Da mesma formaque se reproduz o capital, também se reproduz a marginalização

4 FRIEDRICH ENGELS, em 1945, produziu um extenso estudo sobre a força de trabalho na

Inglaterra, com o título A condição da classe trabalhadora na Inglaterra, que foi traduzidopara a língua portuguesa por Rosa Camargo Artigas e Reginaldo Forti.

Page 101: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 101 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

das classes oprimidas, pois uma é conseqüência da outra nestatrajetória. Os problemas mais graves da marginalização social depontos diferentes do País se refletiram na nova fronteira deocupação, visto ser uma nova opção para reproduzir a classetrabalhadora e a alternativa momentânea para subsistência.

As cidades se tornaram depósito do exército industrial, ou oprolongamento da exploração e marginalização dos que buscamrealizar um sonho ainda distante. Mesmo assim, as classes oprimidasnão cessam a busca do “mel” prometido. Se o acesso à terra lhes énegado, então o alimento doce pode ser encontrado nas frentesde trabalho. Se não é possível encontrá-lo nestes locais, resta aalternativa de buscá-lo nas cidades fabricadas. Mas o “mel” existe,pensam, ele deve estar em algum lugar da Amazônia brasileira,basta procurá-lo. Assim, a luta desesperada dos povos amazônicosque lá vivem, ou os recém-chegados, é no firme propósito deencontrar o “mel” e poder fazer dos seus sonhos a realidade.

*****

Page 102: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 102 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 103: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 103 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

RESUMO

A busca constante do “mel”, bem como o encontro com estedoce dourado, é uma metáfora usada ao longo do livro parademonstrar que as pessoas se deslocaram para a Amazônia embusca de um sonho. Mesmo aos marginalizados e despossuídosno processo histórico, a região apresentou-se como um novo“eldorado”, e este veio acompanhado de muito brilho e luz intensa.Assim, o “mel” representa o alimento, a riqueza e a esperança deuma nova vida a todos que chegaram com o firme propósito de verseus sonhos realizados.

Neste sentido, faz-se necessário conhecer o desenrolar dahistória da Amazônia e assim entender a sua ocupação, por meiodo processo de expansão ocorrido na virada do milênio. Noprocesso de colonização brasileira, através da interferência doscolonizadores europeus na Amazônia Legal, se iniciou a intervençãodo processo capitalista mundial na região, e este nasceu com afinalidade de fornecer seus produtos extrativistas para servirem omercado mundial. Nesta trajetória, após o descobrimento do Paísocorrido em 1500, a grande região amazônica passou a fornecerseus produtos da coleta florestal, da caça e da pesca. Estaestratégia de integração aconteceu através do comércio mundial,e assim ocorreu a princípio a inserção do trabalho dos povosoriginários, pois fazia parte de sua cultura tradicional.

Os silvícolas no primeiro período da interferência européiaserviram de mão-de-obra forçada e escravizada no trabalho. Maistarde transformaram-se em proletários depois de terem os primeiros

Page 104: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 104 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

contatos com os colonos e os padres jesuítas. Tornaram-se mão-de-obra no processo produtivo dos empreendimentos direcionadosà produção e comercialização de mercadorias para servir aomercado europeu e às estratégias do mercantilismo da primeirafase capitalista.

No século XVI, a região começava a receber os primeiroscolonos europeus e era território ainda não definido, porém apósgrandes conflitos ficou sobre domínio e posse de Portugal. Nestatrajetória, a região obedeceu às diferentes fases na integraçãocapitalista do País. No entanto, somente no início do século XVIII acolonização conseguiu sair da costa do Atlântico brasileiro atravésda penetração mais efetiva no centro do seu território e foiimpulsionada pela mineração aurífera.

Até o início do ciclo da borracha a região pouco representavaem termos econômicos. No período de 1850-1912 passou arepresentar a base econômica regional por meio deste produtoextraído dos seringais nativos e a receber um grande contingentede pessoas em busca de trabalho e terra. A borracha foi o principalproduto extrativista da região, servindo para a indústria mundial depneus, principalmente aos norte-americanos que detinham oprocesso da industrialização automobilística. Neste sentido, aprocura da borracha nos seringais dessa vasta região setransformou em importante produto da economia, pois em 1900 aborracha representava 25% das exportações do País.

A população Amazônica de 1500 até 1823 pouco cresceu eera formada por 127.000 habitantes distribuídos nos nove Estadosque formam a região. Na Amazônia encontram-se 59% da área doPaís. Com a grande quantidade de pessoas pobres concentradasna região Nordeste brasileira, estas foram transferidas para a regiãoNorte em busca de novas oportunidades, e em 1872 a populaçãopassa para 340.000 de habitantes na região, e chegando em 1900a 700.000 de habitantes. O declínio da borracha ocorre com assementes pirateadas pelos ingleses, que passam a cultivar o produtona Malásia e conseguem deter o monopólio deste mercado. Ocorreainda, gradativamente, a substituição da borracha pelos derivados

Page 105: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 105 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

do petróleo. A região amazônica sofre um profundo impacto aoperder este comércio.

Em 1920 a população regional passou a 1.400.000 dehabitantes. Com a Primeira Guerra Mundial, ocorrida entre 1914-1918, e a Segunda Guerra Mundial, entre 1939-1945, a região ficouestagnada, porém o restante do país neste período se desenvolveude forma gigantesca através da agropecuária e da industrialização.O extrativismo, a agropecuária e a mineração não pararam de existirna Amazônia. A região sempre voltou sua produção ao mercadocapitalista mundial e, a partir da inserção do homem na região,voltou-se ao mercado externo mais do que ao interno.

A intervenção mais contundente neste novo espaço deexpansão capitalista foi a dos grandes grupos econômicos noperíodo de 1964-1985, transformando a região na grande fronteirados projetos expansionistas nacionais e multinacionais. Os norte-americanos, com a finalidade de preservar as estruturas capitalistas,passaram a incentivar formas de governo via ditadura militar naAmérica Latina e fizeram isso por intermédio da Operação Condor,um conjunto de repressão política aos cidadãos do Cone Sul,firmado entre os países que impunham ditaduras militares emcadeia.

A repressão em cadeia foi idealizada pelo Coronel ManuelContreras, chefe da Dirección de Inteligencia Nacional do Chile -DINA. A aliança de cooperação mútua foi realizada no final de 1975em Santiago através dos principais órgãos de inteligência daArgentina, da Bolívia, do Brasil, do Chile, do Paraguai e do Uruguai,e a DINA, com sede no Chile. O pacto dava total liberdade de açãoaos países membros e tinha como principal objetivo a criação deum banco de dados sobre pessoas e organizações envolvidas ematividades políticas de oposição aos governos da ditadura.

O objetivo desse pacto era criar uma simular da Interpoolna América do Sul, voltada ao combate à subversão. Através doacordo mútuo dos países, era possível identificar revolucionários,criar códigos de informações secretas, trocar prisioneiros, criartáticas de tortura, execuções de prisioneiros e liberdade no combate

Page 106: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 106 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

aos inimigos entre os países membros. O serviço de inteligênciarepressivo só foi possível graças a ausência de fronteiras ideológicase ao fato de ter elegido o comunismo como adversário, além daconivência e do apoio dos estadunidenses, pois esses tinhaminteresses por estarem no auge do envolvimento com a GuerraFria.

Através das massas controladas, a ditadura brasileiratransformou a Amazônia em modelo expansionista dos grandesconglomerados nacionais e internacionais. Assim, com o processorepressivo foi possível conter os anseios dos despossuídos emarginalizados do País e passar proteger os grupos econômicosde forma direcionada. Neste período, grandes áreas de terraspassaram a pertencer às empresas nacionais e internacionais degrande porte, entre as quais o Projeto Jari S.A., que recebeu1.500.000 hectares de terras; a Suiá-Missu contemplada com678.000 ha; a Codeara com 600.000 hectares; a Georgia Pacificobteve 500.000 ha; e a Bruynzeel 500.000 hectares. Além destas,outras receberam grandes áreas, como: a Robim Mac Glolm, aToyamnka, a Volkswagen, a Liquigás, a Nixdorf, o Banco Bradescoe o Banco do Vaticano, entre outras.

Esta nova investida ocorreu por intermédio dos grandesconglomerados e foi viabilizada pelo poder público brasileiro. Aestratégia foi aplicada para facilitar a concentração econômicaatravés do extrativismo mineral e vegetal e da agropecuáriaextensiva. Com esta lógica movimentaram-se grandes projetoscapitalistas na região, com a finalidade de usufruir os recursos fiscaisoferecidos pela nação brasileira, bem como de toda a estruturafornecida pelo Estado de forma protecionista. Neste período daditadura foram criados vários órgãos com o objetivo de manter eproteger os interesses dos grupos econômicos, tais como o ProjetoSudam, o Banco Basa, o Incra, a Funai, entre outros. Esses órgãosforam de fundamental importância para a assistência aos grandesconglomerados, pois ofereciam os incentivos fiscais para empresasinteressadas em se expandirem na região.

É muito importante entender o processo de expansão

Page 107: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 107 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

capitalista ocorrido através da ditadura, e assim entender a Amazôniade hoje. No período da ditadura de 1964-1985, a grande massa demarginalizados e despossuídos no processo histórico brasileirotambém rumou para esta região em busca de novas alternativasde subsistência. Suas expectativas se fundamentavam no acessoà terra e na inserção ao trabalho nos grandes projetos econômicosali instalados. Seguindo esta lógica, muitos foram servir como forçade trabalho nas estruturas das cidades, centros do capital regional.Até o início dos anos 70 os projetos de colonização foram realizadospelo INCRA. A partir desta data o Estado delegou tal função aosgrupos econômicos organizados.

A expansão e a colonização deixaram de ser função somentedo Estado e passaram a ser feitas por empresas de especulaçãoimobiliária. A grande estratégia deste período foi abrir grandesrodovias de acesso à região. Dessa forma nasceram aTransamazônica, que corta a região na parte horizontal; a Cuiabá–Santarém, que corta a região no seu centro na vertical; e também arodovia Belém–Brasília, que corta a região na diagonal. O Estadose comprometeu em fornecer toda a estrutura necessária paraviabilizar a entrada dos grandes conglomerados na região, alémde vários órgãos para assistir financeiramente estes grupos.

Assim, implantaram-se muitos projetos voltados para aagropecuária, para a mineração e para a indústria extrativista. Ospoucos projetos voltados às pessoas de baixa renda, promovidospelo Estado, não tiveram êxito entre os colonos, pois estes nãoreceberam as mesmas estruturas necessárias para implantar ospequenos projetos na agropecuária. Além da dificuldade financeirae a falta de conhecimentos técnicos da formação do solo, haviarestrição de benefícios para os colonos. O Estado da ditadura tinhacomo meta o grande capital, que era amparado e tinha todos osbenefícios necessários ao seu desenvolvimento expansionista. Ocapital se desenvolveu na região em detrimento dos pequenosagropecuaristas.

Os projetos promovidos por empresas de especulaçãoimobiliária conseguiram maior sucesso, pois, nestes, somente tinham

Page 108: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 108 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

acesso às terras as pessoas e empresas com certa quantidade dedinheiro para comprar as áreas pretendidas. Podemos citar osprojetos de colonização promovidos pelas colonizadoras Sinop S.A.,com aproximadamente 600.000 hectares, e a Indeco, com 400.000hectares, somente na região norte do Estado mato-grossense, vistoque ambas as empresas têm tradição em criar cidades na Amazôniaatravés da especulação imobiliária.

A cidade de Sinop, que leva o mesmo nome da empresa decolonização, foi criada em 1972 em plena selva amazônica. Contavaem 2001 com 74.761 habitantes. A colonizadora criou também maisseis novas cidades na região, numa tradição empreendedora, poisjá foram criadas mais de 20 por meio dessa mesma empresa decolonização no Brasil. A cidade de Alta Floresta, criada pelacolonizadora Indeco, em 1973, contava em 2001 com 46.956habitantes. Essa empresa também tem tradição em criar cidadesatravés da especulação imobiliária. Atualmente, as cidades de Sinope Alta Floresta são as maiores do norte mato-grossense. Dentro daestrutura capitalista, estes dois projetos que nasceram da iniciativaprivada deram certo. Além destas duas empresas de colonização,outras centenas se instalaram na região amazônica, principalmenteao longo das rodovias de acesso.

As empresas de especulação imobiliária da Amazônia, aoreceberem a titulação das terras com procedência regular ouduvidosa, passaram necessariamente a criar centros urbanos coma finalidade de concentrar a força de trabalho, que vai servir desuporte às necessidades dos projetos ali instalados. Os primeirosmoradores que chegavam à região recebiam terrenos urbanos coma finalidade de oxigenar os serviços da cidade como as escolas, ocomércio, os bancos, os projetos na agropecuária, na mineração ena indústria de transformação de madeiras.

Através da articulação entre o Estado e o capital emconjunto, a Amazônia transformou-se em urbana, pois em 2001,segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 72,23%da população da Amazônia vivia nas cidades. O crescimentopopulacional da região também é muito significativo, já que sua

Page 109: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 109 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

população atual é de 21.056.460 habitantes. O desenvolvimentoda região, através da lógica capitalista, foi planejado e articuladopara expandir capitais de outras regiões do Brasil e do exterior. Afinalidade dos grandes conglomerados econômicos era transferircapitais para a região, por meio dos recursos oferecidos pelo Estadoem forma de incentivos fiscais.

A urbanização é fator fundamental para o desenvolvimentoe organização do sistema capitalista. Podemos usar como exemploo ocorrido na Inglaterra, principalmente no século XIX, primeiroespaço de desenvolvimento do capitalismo industrial. Neste sentido,a grande região da Amazônia cumpre seu ritual capitalista de criarcidades para servir aos grandes projetos ali instalados. Estesnúcleos surgem da necessidade produtiva dos empreendimentose objetivam a organização de mão-de-obra para instalação por meiodo desenvolvimento dos projetos econômicos, que visam aconcentração de capitais através da expansão.

No processo de ocupação da Amazônia, o principal objetivoentre o Estado e o capital foi instalar os projetos econômicos paraconcentrar capitais. Mesmo que estes projetos ofereçam aosmarginalizados e aos despossuídos do País apenas a alternativade servirem como força de trabalho aos empreendimentos, o homempobre também busca a terra. O Estado organiza a distribuição deterras em conjunto com as empresas de especulação imobiliária.Enquanto isso, os sem terra, os sem teto, os sem emprego e ossem esperança ou perspectiva alguma chegam à região em buscade alternativa de subsistência e reprodução da espécie, mas asestratégias capitalistas lhes negam esta possibilidade, tirando-lheso direito de sonhar e viver dignamente.

*****

Page 110: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 110 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 111: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 111 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

CONCLUSÃO DO ESTUDO REALIZADO

Ao concluir a exposição sobre o processo de expansãocapitalista na Amazônia brasileira, faz-se necessário entendê-locomo parte do movimento de acumulação capitalista mundial. Osmovimentos ali realizados são determinados pelo comércio mundialatravés das diferentes fases da ocupação e dos interesses docomplexo capitalista mundial. A ocupação da Amazônia está aliadaaos propósitos expansionistas para produzir excedentes aos grandesconglomerados nacionais/internacionais. A internacionalização daregião deve-se ao leque de alternativas disponíveis para osempreendimentos econômicos, através do extrativismo mineral eflorestal, por meio da inserção dos projetos agropecuários paraatender a elite política e econômica.

As diferentes fases de ocupação da região, por meio dainstalação dos grupos econômicos, estão determinadas pelosinteresses do capital e apoiadas pelo Estado brasileiro. Este fatofica evidente a partir do golpe militar ocorrido em 1964, quando aditadura passou a coordenar e orientar as ações de ocupação.Com os militares no poder, intensificou-se a ocupação dos “espaçosvazios”, amparada na disciplina de “segurança nacional”. As terrasda região amazônica foram distribuídas arbitrariamente aos gruposeconômicos nacionais e internacionais, em detrimento da grandemassa de despossuídos e marginalizados do País. Assim, osinteresses econômicos de expansão, apoiados pelo Estado por meioda ditadura passaram a formar o conjunto das estratégias de

Page 112: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 112 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

ocupação do novo espaço territorial.A ditadura – frente dos interesses burgueses – negou o

direito dos cidadãos marginalizados, no processo histórico, deacesso à terra, proporcionando a concentração nas mãos de poucosgrupos organizados. Os despossuídos que buscavam a terra foramconduzidos por determinações e influências dos grupos econômicos,nos quais o capital monopolista estabeleceu as relações de exclusãosocial. O plano de ocupação capitalista atingiu altos níveis deorganização e a efetivação dos objetivos propostos pela burguesia,pois o Estado é colocado a serviço dos grupos capitalistas. Nestadinâmica, o Estado e o capital passaram a determinar em conjuntoas organizações coletivas, utilizando-se de métodos autoritários eda violência contra as massas.

A ditadura forneceu incentivos fiscais aos gruposeconômicos, colocando à sua disposição uma leva de benefíciospara estruturar e viabilizar os projetos ali instalados. Isto se tornoupossível graças ao projeto Sudam e outros órgãos do governo aserviço do capital monopolista. A estratégia sistêmica entre o capitale o Estado objetivava asfixiar a luta da classe trabalhadora,prendendo e torturando os descontentes, o que permitiu aumentara taxa de mais-valia coletiva.

Além destes benefícios, foram oferecidos outros favores,tais como: terras a preços baixos; grilagem de terras da União, terrasindígenas e terras dos posseiros; abundância de recursos naturaise sonegação de impostos. Assim, canalizou-se a estruturanecessária para transformar a região em área de interesse dosgrupos econômicos, sendo estes de origem nacional e internacional.A região transformou-se em área de livre acesso dos gruposeconômicos, que adquiriram vastas áreas de terra para transformarem produção, ou para valorização e especulação imobiliária.

Conforme a CÂMARA DOS DEPUTADOS (1998), entre 1960 e1996 a população da região cresceu 229%, passando para18.748.490 habitantes. Para o IBGE, em 2001 a população daAmazônia Legal chegou a 21.056.480 de habitantes. O fenômeno

Page 113: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 113 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

proporcionado pelo aumento populacional denuncia a concentraçãoda terra, pois, conforme MARTINS (1995: 97), em 1975, em plenaditadura no País, apenas 0,2% das terras da região amazônicaforam para estabelecimentos com menos de 100 hectares, e 99,8%para estabelecimentos com mais de 100 hectares, e destes, 75%para estabelecimentos com mais de 1.000 hectares.

As terras foram distribuídas de três formas: pelo Incra; porempresas de especulação imobiliária e por posse espontânea. Dasterras fornecidas via Incra poucas foram aos pequenosagropecuaristas e, dentre os contemplados com pequenas áreas,muitos tiveram que abandoná-la por falta de estrutura, pois recebiamtratamento diferenciado dos grupos econômicos.

Os assentamentos realizados por empresas privadascontemplavam os que tinham alguma posse financeira, vistonecessitarem de certa quantia em dinheiro para adquirir a área. Oacesso à terra por via espontânea também acabou não produzindoos efeitos esperados, pois seus proprietários foram vítimas daviolência generalizada por parte dos grupos organizados, sendosempre apoiados pelo Estado ditatorial para expulsá-los da terra.

*****

Page 114: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 114 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Page 115: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 115 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

LISTA DE ABREVIATURAS

ADA – Agência de Desenvolvimento da Amazônia.

BASA – Banco de Crédito da Amazônia S. A.

CAMDE – Companhia da Mulher Democrática.

CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito.

CPT – Comissão Pastoral da Terra.

CUT – Central Única dos Trabalhadores.

CVRD – Companhia Vale do Rio Doce.

DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos

Socioeconômicos.

DINA – Dirección de Inteligencia Nacional.

GEBAM – Grupo Executivo para a Região do Baixo Amazonas.

FEMA – Fundação Nacional do Meio Ambiente.

FGV – Fundação Getúlio Vargas.

FUNAI – Fundação Nacional do Índio.

GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia.

IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos

Naturais Renováveis.

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

ICOMI – Indústria e Comércio de Minérios S.A.

Page 116: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 116 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social.

IPI – Imposto Sobre Produtos Industrializados.

MDB – Movimento Democrático Brasileiro.

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra.

MIRAD – Ministério da Reforma e Desenvolvimento Agrário.

NASA – National Aeronautics And Space Administration.

PGC – Programa Grande Carajás.

PCN – Projeto Calha Norte.

PC do B – Partido Comunista do Brasil.

PIN – Programa de Integração Nacional.

PND – Plano Nacional de Desenvolvimento.

PROÁLCOOL – Programa Nacional do Álcool.

PROTERRA – Programa de Redistribuição de Terras.

POLAMAZÔNIA – Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais

da Amazônia.

POLONOROESTE – Programa Integrado de Desenvolvimento Rural

do Noroeste do Brasil.

PT – Partido dos Trabalhadores.

SNI – Serviço Nacional de Informações.

SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da

Amazônia.

SUDAM – Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia.

SUDECO – Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste.

SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste.

SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus.

SIVAM – Sistema de Vigilância da Amazônia.

UDR – União Democrática Ruralista.

Page 117: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 117 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

BIBLIOGRAFIA

ARBEX JR, J. e OLIC, N. B. Rumo ao Centro-Oeste. O Brasil em regiões.2 ed. São Paulo: Moderna, 1996.

ARRIGHI, G. O longo século XX. Dinheiro, poder e as origens de nossotempo. Trad. Vera Ribeiro. São Paulo: Unesp, 1997.

BECKER, B. K. (1997): Amazônia. 5 ed. São Paulo: Ática, 1997.

BENCHIMOL, S. Amazônia: a guerra na floresta. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1992.

BOSI, A. Dialética da colonização. 2 ed. São Paulo: Companhia das Letras,1994.

BRAUDEL, F. A dinâmica do capitalismo. Trad. Álvaro Cabral. Rio deJaneiro: Rocco, 1987.

BRAUDEL, F. O tempo e o mundo. Civilização material, economia ecapitalismo, séculos XV – XVIII. Trad. Telma Costa. São Paulo: MartinsFontes, 1998.

BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. A degradação dotrabalho no século XX. Trad. Nathanael C. Caixeiro. 3 ed. Rio de Janeiro:Zahar, 1981.

CARDOSO, F. H. e FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento naAmérica Latina. Ensaio de interpretação sociológica. 7 ed. Rio de Janeiro:Livros Técnicos e Científicos, 1970.

DREIFUSS, R. A. A época das perplexidades. Mundialização, globalizaçãoe planetarização: novos desafios. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado.

Page 118: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 118 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

Trad. Leandro Konder. 11 ed. São Paulo: Civilização Brasileira, 1987.

ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Trad.Reginaldo Forti. 2 ed. São Paulo: Global, 1988.

ESPIRITO, S. A. O vale amazônico no futuro do mundo. 2 ed. São Paulo:Edigráf, 1956.

FELTRIN, M. (Org). Comissão Parlamentar de Inquérito da terra mato-grossense. Relatório final dos trabalhos. Cuiabá: Assembléia Legislativa,1995.

FERREIRA, A. Amazônia arrasada. São Paulo: Referência, 1980.

FERREIRA, E. C. Posse e propriedade territorial. A luta pela terra emMato Grosso. Campinas: Unicamp, 1986.

FERREIRA, M. R. Nas selvas amazônicas. São Paulo: Biblos, 1961.

FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 29 ed. São Paulo:Companhia Editora Nacional, 1999.

FURTADO, C. O Brasil pós-milagre. 6 ed. São Paulo: Paz Terra, 1981.

FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. 4 ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1974.

GONÇALVES, C. W. P. Amazônia, Amazônias. São Paulo: Contexto,2001.

GONÇALVES, R. e POMAR V. O Brasil endividado. Como nossa dívidaexterna aumentou mais de 100 bilhões de dólares nos anos 90. SãoPaulo: Fundação Perseu de Abreu, 2001. p.13-38.

GONDIM, N. A invenção da Amazônia. São Paulo: Marco Zero, 1994.

HAMILTON, A. Petróleo. El precio del poder. Espanha: Planeta, 1987.

HANDY, C. El papel de la empresa en la sociedad actual. In HarvardDeusto. Business Review. Nº 112 ene/fev. 2003. Espanha: Deusto, P. 38-44.

HECK, E. D. 500 anos de conquista e dominação. In: OURIQUES, N. D.e RAMPINELLI, W. J. (Org). Os 500 anos. A conquista internacional. 4ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 13-26.

HEGEMANN, H. Bancos, incendiários e floresta tropical. O papel da

Page 119: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 119 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

cooperação para o desenvolvimento na destruição das florestas tropicaisbrasileiras. Rio de Janeiro: Ibase, 1996.

HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. 23 ed. Rio de Janeiro: José Olympio,1982.

HOMMA, A. K. O. Patrimônio genético da Amazônia, como proteger dabiopirataria. SEMINÁRIO INTERNACIONAL SOBRE BIODIVERSIDADEE TRANSGÊNICOS – Anais... Brasília: Senado Federal, 1999.

HUGGINS, M. K. Política e política: relações Estados Unidos/AméricaLatina. Trad. Lólio Lourenço Oliveira. São Paulo: Cortez, 1998.

IANNI, O. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1981.

IANNI, O. Colonização e contra-reforma agrária na Amazônia. Petrópolis:Vozes, 1979.

IANNI, O. Ditadura e agricultura. O desenvolvimento do capitalismo naAmazônia: 1964-1978. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1986.

IANNI, O. Estado e capital monopolista 2 ed. São Paulo: Brasiliense,1999.

IANNI, O. Imperialismo na América Latina. 2 ed. Rio de Janeiro: CivilizaçãoBrasileira, 1988.

JANNUZZI, P. M. Migração e mobilidade social. Migrantes no mercado detrabalho paulista. São Paulo: Editora Autores Associados, 2000.

JUNGMANN, R. O livro branco da origem de terras no Brasil. Brasília:Ministério do Desenvolvimento Agrário, 2001.

KAISER, J. Ordem e progresso: o Brasil dos gaúchos. Etnografia sobre adiáspora gaúcha. Florianópolis: Insular, 1999.

KOWARICK, M. Amazonas/Carajás. Na trilha do saque. São Luiz: Anita,1995.

KURZ, R. O colapso da modernização. Da derrocada do socialismo decaserna à crise da economia mundial. Trad. Karen Elsabe Barbosa. 5 ed.São Paulo: Paz e Terra, 1999.

LEFEBVRE, H. A cidade do capital. Trad. Maria Helena Rauta Ramos eMarilena Jamur. Rio de Janeiro: DP&A, 1999b.

Page 120: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 120 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

LEFEBVRE, H. A revolução urbana. Trad. Sérgio Martins. Belo horizonte:UFMG, 1999a.

LEONELLI, D. Uma sustentável revolução na floresta. São Paulo:Viramundo, 2000.

LOBO, R. H. História econômica e administrativa do Brasil. 17 ed. SãoPaulo: Atlas, 1972.

LUXEMBURG, R. A acumulação do capital. Trad. Moniz Bandeira. 2 ed.Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

MARIN, J. O. O trabalho infanto-juvenil na agricultura de Goiás. In: Cadernodo Ceas. Salvador, n° 185, 2000. p. 52-70.

MARINI, R. M. Dialética da dependência. Trad. Emir Sader. Petrópolis:Vozes, 2001.

MARINI, R. M. Subdesarrollo y revolución. 10 ed. México: Siglo Veintiuno,1980.

MARTINS, E. Amazônia, a última fronteira. A saga dos oprimidos/asmultinacionais/ a iminência de um deserto. Rio de Janeiro: Codrecri, 1981.

MARTINS, J. S. A degradação do outro nos confins do humano. SãoPaulo: Hucitec, 1997.

MARTINS, J. S. Exclusão social e a nova desigualdade. São Paulo: Paulus,1997.

MARTINS, J. S. Expropriação e violência. A questão política no campo. 3ed. São Paulo: Hucitec, 1991.

MARTINS, J. S. Os camponeses e a política no Brasil. 5 ed. Rio deJaneiro: Vozes, 1995.

MARTINS, J. S. Reforma agrária o impossível diálogo. São Paulo: Edusp,2000.

MARTINS, M. A. A Amazônia e nós. 5 ed. Rio de Janeiro: Biblioteca doExército, 1971.

MARX, K. O 18 brumário de Luís Bonaparte. Trad. Maria Flor MarquesSimões. São Paulo: Biblioteca do Socialismo Científico, 1980.

MARX, K. O Capital. Crítica da economia política. Trad. ReginaldoSant’Anna. Livro 1. 15 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

Page 121: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 121 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

MARX, K. O Capital. Crítica da economia política. Trad. ReginaldoSant’Anna.Livro 2. 16 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

MARX, K. O Capital. Crítica da economia política. Trad. ReginaldoSant’Anna.Livro 3. 5 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998.

MARX, K. Salário, preço e lucro. Trad. Maria Clara. Faria. São Paulo:Moraes, 1985.

MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. Trad. José Carlos Bruni eMarcos Aurélio Nogueira. 11 ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. 9 ed. São Paulo:Global, 1993.

MATTOSO, J. O Brasil desempregado. Como formam destruídos mais de3 milhões de empregos nos anos 90. São Paulo: Fundação Perseu deAbreu, 2000.

MELLO, T. Amazônia. A menina dos olhos do mundo. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1991.

MENDONÇA, R. W. A Amazônia & a globalização. Uma proposta dedesenvolvimento sustentado. São Paulo: Loyola, 2000.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. Trad. Paulo César Castanheira eSérgio Lessa. São Paulo: Unicamp, 2002.

MONIZ BANDEIRA, L. A. A presença dos Estados Unidos no Brasil. Riode Janeiro: Civilização Brasileira, 1978.

MONIZ BANDERA, L. A. O governo João Goulart. As lutas sociais noBrasil 1961 – 1964. 6 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1983.

NETO, M. O dilema da Amazônia. O complexo Carajás, os grandesprojetos e a nova Amazônia. 2 ed. Belém: Cejup, 1986.

OHLWEILER, A O. Materialismo histórico e crise contemporânea. 2 ed.Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985.

OLIVEIRA, A E. Ocupação Humana. In: SALATI, E. (Org). Amazônia.Desenvolvimento-integração, ecologia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

OLIVEIRA, A. R. Marx e a liberdade. Porto Alegre: Edipucrs, 1997.

OLIVEIRA, A. U. A agricultura camponesa no Brasil. São Paulo: Contexto,2001.

Page 122: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 122 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

OLIVEIRA, A. U. Amazônia. monopólio, expropriação e conflitos. 5 ed.Campinas: Papirus, 1997.

OLIVEIRA, J. M. A esperança vem na frente. Contribuição ao estudo dapequena produção em Mato Grosso, o caso Sinop. (mimeo) São Paulo:Universidade de São Paulo, 1993.

OURIQUES, N. D. A sedução revolucionária e o plano real. OURIQUES,N. D. e RAMPINELLI, W. J. (Org). No fio da navalha. Crítica das reformasneoliberais de FHC. São Paulo: Xamã, 1997. p. 91-135.

OURIQUES, N. D. O significado da conquista: cinco séculos de domínioe exploração na América Latina. In: OURIQUES, N. D. e RAMPINELLI,W. J. (Org). Os 500 anos. A conquista internacional. 4 ed. Petrópolis:Vozes, 2000. p. 83-110.

PASSOS, M. M. Amazônia: teledetecção e colonização. São Paulo:Unesp, 1999.

PASUCH, J. Entrelaçamento de vozes num mundo analfabetizado: ocontexto da Amazônia. Dissertação de mestrado (mimeo). Porto Alegre:UFRGS, 2000.

PÉREZ, J. L. M. Derechos sociales de la ciudadania y ordenamientolaboral. Espanha: Consejo económico y social, 1996.

PETRAS, J. e VELTMEYER H. Brasil de Cardoso. A desapropriação doPaís. Trad. Jaime Clasen. Petrópolis: Vozes, 2001.

PIAIA, I. I. Geografia do Mato Grosso. 2 ed. Cuiabá: Edunic, 1999.

PIGOU, A. C. Socialismo y capitalismo comparados. La teoria general deKeynes. Trad. Manuel Sacristán y Alfredo Pastor. 6 ed. Espanha: Ariel,1982.

PINHEIRO, S.; NASR, N. Y. e LUZ, D. A agricultura ecológica e a máfiados agrotóxicos no Brasil. Rio de Janeiro: Fundação Juquira Candiru,1998.

PINTO, L. F. L. Amazônia: No rastro do saque. São Paulo: Hucitec, 1980.

PIQUET, R. (1998): Cidade-Empresa. Presença na paisagem urbanabrasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

POLANYI, K. A grande transformação. As origens da nossa época. Trad.Fanny Wrobel. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

Page 123: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 123 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

PONTIFÍCIO, Conselho Justiça e Paz. A fome no mundo. Um desafio paratodos: o desenvolvimento solidário. São Paulo: Paulus, 1997.

PONTIFÍCIO, Conselho Justiça e Paz. Para uma melhor distribuição daterra. O desafio da reforma agrária. São Paulo: Paulus, 1998.

PORTELA, F. e OLIVEIRA, A U. de. Amazônia. 5 ed. São Paulo: Ática,1991.

PRADO JR., C. Formação do Brasil contemporâneo. 13 ed. São Paulo:Brasiliense, 1973.

PRADO JR., C. História econômica do Brasil. 36 ed. São Paulo:Brasiliense, 1976.

PROCÓPIO, A. Amazônia. Ecologia e degradação social. São Paulo:Alfa-Omega, 1992.

PROCÓPIO, A. O Brasil no mundo das drogas. Petrópolis: Vozes, 1999.

PROCÓPIO, A. O narcotráfico no espaço social rural da Amazônia. In:RIBEIRO, A. M. M.; IULIANELLI, J. A. S. (Org). Narcotráfico e violência nocampo. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. 135-176.

REIS, E. A. Amazônia legal & ilegalidade. Rio de Janeiro: Revan, 1992.

RIBEIRO, A. M. M. Sociologia do narcotráfico na América Latina e aquestão camponesa. In: RIBEIRO, A. M. M.; IULIANELLI, J. A. S. (Org).Narcotráfico e violência no campo. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. p. 23-59.

RIBEIRO, S. A. O. Vida e morte no Amazonas. São Paulo: Loyola, 1991.

ROSDOLSKY, R. Gênese e estrutura de O capital de Karl Marx. Trad.César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

SABATINI, S. Massacre. São Paulo: Conselho Indigenista Missionário,1998.

SANDRONI, P. Novo dicionário de economia. 3 ed. São Paulo: Best-Seller,1994.

SANTOS, J. V. T. Matuchos. Exclusão e luta. Do Sul do Pará à Amazônia:Rio de Janeiro: Vozes, 1993.

SANTOS, M. e RUESGA, B. Al otro lado de la economía. Cómo funcionala economía sumergida en España: Espanha; Pirámide, 1988.

Page 124: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 124 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

SANTOS, M. e SILVEIRA, M. L. O Brasil. Território e sociedade no iníciodo século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SANTOS, M. Por uma globalização do pensamento único à consciênciauniversal. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SCHAEFER, J. R. As migrações rurais e implicações pastorais. São Paulo:Loyola, 1985.

SHOUMATOFF, A. O mundo em chamas. A devastação da Amazônia e atragédia de Chico Mendes. Trad. Luiz Fernando Martins Esteves. SãoPaulo: Best-Seller, 1990.

SINGER, P. A crise do “milagre”. 7 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1985.

SINGER, P. O Capitalismo. Sua evolução, sua lógica e sua dinâmica. 18ed.

SODRÉ, N. W. Formação histórica do Brasil. 14 ed. Rio de Janeiro:Graphia, 2002.

SODRÉ, N. W. Radiografia de um modelo. 7 ed. Petrópolis: Vozes, 1975.

SOUZA, E. A. Sinop: história, imagens e relatos. Um estudo sobre acolonização de Sinop. (mimeo) Cuiabá: UFMT, 2001.

SOUZA, E. L. P. S. A organização do setor madeireiro no município deSinop, Mato Grosso - Uma análise da estrutura de mercado. (mimeo).Belém: UFPA, 1999.

SOUZA, M. Breve história da Amazônia. Rio de Janeiro: Agir, 2002.

SPILIMBERGO, J. E. A questão nacional em Marx. Florianópolis: Insular,2002.

SPOSITO, M. E. B. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto,2000.

THOMAS-HOPE, E. Integración & comercio. Banco Interamericano deDesarrollo. Espanha: J&C, 2001.

THOMÉ, J. L. Um grande projeto na Amazônia: hidroelétrica de Balbinaum fato consumado. Manaus: Editora da Universidade da Amazonas, 1999.

TOCANTINS, L. Amazônia. Natureza, homem e tempo. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1982.

Page 125: - 1 -sinop.unemat.br/site/download/DO MEL AO SANGUE, 2 ed(2).pdf · - 2 - AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI IMPRESSÃO: Amazônia Gráfica e Editora (66) 531-6991 Av. das

- 125 -

AMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLIAMAZÔNIA: DO MEL AO SANGUE - FIORELO PICOLI

TRAGTENBERG, M. Administração, poder e ideologia. São Paulo: Moraes,1980.

VIANA G. Impactos ambientais da política de globalização na Amazônia.In: VIANA, G.; SILVA, M.; DINIZ, N. (Org). O desafio da sustentabilidade.Um debate socioambiental no Brasil. São Paulo: Fundação PerseuAbramo, 2001.

VIANA, G. (Org). (1998): Relatório da comissão externa destinada aaveriguar a aquisição de madeireiras, serrarias e extensas porções deterras brasileiras por grupos asiáticos. Brasília: Câmara dos Deputados,1998.

WALLERSTEIN, I. A reestruturação capitalista e o sistema-mundo. Trad.Ricardo Aníbal Rosenbusch. Petrópolis: Vozes, 2000.

WALLERSTEIN, I. Após o liberalismo. Em busca da reconstrução domundo. Trad. Ricardo Aníbal Rosenbusch. Petrópolis: Vozes, 2002.

WALLERSTEIN, I. Capitalismo histórico. Civilização capitalista. Trad.Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Contraponto, 2001.

WEINSTEIN, B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850–1920). Trad. Lólio Lourenço Oliveira. São Paulo: Hucitec-Edusp, 1993.

ZART, L. L. Desencanto na nova terra: assentamento do município deLucas do Rio Verde – MT na década de 80. (mimeo). Florianópolis:UFSC, 1998.