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CENTRO UNIVERSITARIO F IE0 - UNIFIEO
A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA COISA JULGADA
NAS LIDES INDIVIDUAIS
COMO DIREITO FUNDAMENTAL
- EFICÁCIA NATURAL DA SENTENÇA
ELAiNE CRISTINA BUENO ALVES
OSASCO - 2004
A GARAPJTiA m O M P & DA rI?O= MGAM NAS LIDES
INDIVIDUAIS COMO DIREIITI FUNDMEN"TAL - EFICÁCIA NATURAL DA SEmNEe\
Dissertação apresentada a Banra Examinadora do UNIAEO - Centro UnhrersltBrio FIEOI psra obtenç8o do titulo de meçàe em DireitaI tendo como 6rea +$e concenbação " e ~ z a ç l i o 3uridica dos Mreibs HurnaW, denbo do projeto (A Tutela da Mgnldade da Pesçoa Mimam perante a Ordem Política, Çoclal e E c d h i a ) inserido na Ilnha de pesquisa ( E W H Q J~rkdld~nal dos Direitos Fundamentais), sob a orienlaç%o do Rdf. Dr. Ant&iio Cláudio da Costa Machado
UNIRK) - Cem Universitário REO
A GARANTIA CONST'ITUCIONAL DA COISA JULGADA NAS LIDES
INDIVIDUAIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL - ERCACIA NATURAL
DA SENTENÇA
Banca Examinadora: r
RESUMO
A segurança e estabilidade das relações jurídicas definidas
jurisdicionalmente pelo Poder Judiciário dependem da coisa julgada,
garantida constitucionalmente.
Um dos pontos que mais despertam a atenção é o de que, para o
equilíbrio do sistema jurídico, a coisa julgada vincula apenas as partes
da relação processual, mas terceiros poderão eventualmente ser :
atingidos nas suas esferas jurídicas pela eficácia natural da sentença.
Para delineação adequada do instituto 6 imprescindível estudar
( 0s mais variados aspectos do proCeSS0-
ABSTRACT
The security and stability a bout the legal relationship determinad
and solved by the judicial element, that is so necessary in the every-
day relationships, been expressed by the judgement cases, that have
your guarantee in the Constituicion.
One of the most important questions, to the equilibriun of the
juridical system, is the f a d that the case that's been judged, afect both
sides, and once the things goes like this, a third people can eventualy
been afected by the natural efficiency of the sentence.
TO the appropriate outline of the subject, thatfs essencial to
make sure that you have the completely knowledge about ali the
relative faces in this case.
INTRODUÇÃO .................................................................. 07
.................................. . CAP~JLO 1 Breve Relato Histórico 09
......... . C A P ~ L O 2 Relação Jurídica Processual e Sentença 19
C A P ~ L O 3 . Partes e Terceiros em face da Relação Jurídica
................................................... processual 32
............................ CAPÍ-~JLO 4 . Conceito de Coisa Julgada 37
CAP~JLO 5 . Coisa Julgada Formal e Material ................... 45
C A P ~ ~ - ~ L O 6 . Limites Objetivos da Coisa Julgada ............... 57
.............. C A P ~ L O 7 . Limites Subjetivos da Coisa Julgada 62
C A P ~ L O 8 . Eficácia Natural da Sentença ........................ 70
CAPITULO g . A Garantia Constitucional da Coisa Julgada como
Direito Fundamental .................................. 102
................................................................. CONCLUÇ~ES 120
................................................................ BIBLIOGRAFIA 123
A coisa julgada é um dos temas mais inquietantes do
direito processual civil, pois consiste em instituto
intrinsecamente ligado ao fim do processo, qualificado pela
qualidade jurídica de imutabilidade que reveste as decisões
judiciais, conferindo segurança e estabilidade as relações
jurídicas que por meio delas são definidas.
Para delineação do instituto, mister se faz analisar os
mais variados temas de processo civil, posto que envolvidos
diretamente com o estudo que se pretende, dentre os quais se
destacam 0s limites objetivos e subjetivos da coisa julgada.
Desde o direito romano verificamos a incidência da
máxima de que a coisa julgada somente vincula as partes entre
as quais é dada. Deve-se salientar que as relações jurídicas não
são isoladas, elas interpenetram-se. Assim, os efeitos da
sentença proferida em dado processo termina por interferir na
esfera jurídica de terceiros, estranhos aquele processo, o que
leva muitos a concluir precipitadamente que a coisa julgada
7
poderia estender seus limites subjetivos, o que não
corresponde a mais aprimorada técnica processual e é um dos
temas que pretendemos desenvolver no presente estudo,
discorrendo acerca da eficácia natural da sentença.
Em relação aos seus limites objetivos, a coisa julgada
incide precisamente sobre a parte dispositiva da sentença de
mérito, porquanto nela reside a decisão propriamente dita da
lide, que acolhe ou rejeita o pedido do autor.
A importância do instituto da coisa julgada é tão grande
que o legislador incluiu a sua garantia no texto constitucional,
deflagrando expressamente tratar-se de direito fundamental e
impossibilitando que a edição de lei possa eliminá-la,
permitindo, no entanto, que a delineação do instituto fique na
dependência da legislação infraconstitucional.
CAPÍTULO 1 - BREVE RELATO HISTÓRICO
A teoria da coisa julgada e toda inspirada no Direito
romano, que apresenta basicamente a mesma idéia que temos
atualmente. Alias, cumpre observar, praticamente todos os
institutos de direito processual têm como ponto de partida o
Direito Romano, pois sua civilizaÇã0, em face do elevado grau
de desenvolvimento, nos deixou seu legado.
Chiovenda foi quem melhor contribuiu para o
delineamento histórico do instituto. Diz ele1: "Para os romanos,
a coisa julgada mais não e que a res in iudicim deducta, a
dizer, o bem da vida disputado por litigantes, depois que a res
foi iudicata, isto é, reconhecida ou negada ao autor: res
iudicata dicitur quae finem controversiarum pmnunciatione
iu&& acc@if/ quod vel condemnatione vel absolutione contingit
(fr. 1, Dig. de re iud 42, 1). É ainda o ato de vontade,
precedentemente manifestado na fórmula, que aqui se
reproduz, como ato incondicionado com a condemnatio ou com
1 Instituições de Direito Processual Civil vol. I, p. 182 a 184
a absolufio, ou mais genericamente com o recebimento ou com
a rejeiição da demanda, e que torna incontestável para o futuro
o bem disputado. O que se faz definitivo com a coisa julgada
não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou
desconhecimento de um bem".
Analisando a justificação para o instituto, continua o
auto*: 'E os romanos admitiram essa autoridade de res
iudicaata, ou seja, a indiscutibilidade ulterior do bem
reconhecido ou desconhecido pelo juiz, por uma razão
eminentemente pratica, e entre os limites dessa razão, quer
dizer: pela suprema exigência da vida social, de que haja
certeza e segurança no gozo dos bens da vida: ne aiiter modos
fitiium m~/t@kcatus summam a f i e i-cabilem, mmáxime si
djvem pronunciarentur (fr. 6 Dig. de except. rei iudicatae, 44,
2). Não que, de fato, pensassem os romanos em atribuir ao que
o juiz afirma, só porque o afirma o juiz, uma presunção de
verdade; e mesmo o texto famoso res iudicata pro veritate
acc@itur (fr 25 Dig. de statu hom. 1, 5 e fr. 207, Dig. de reg.
iuris, 50, 17) significa tão so que o pronunciamento do juiz, que
ob. cit., p. 183
10
reconhece ou desconhece um bem da vida, a dizer, que recebe
ou rejeita a demanda, soa não efetivamente como verdade,
mas em lugar da verdade. A não ser isso, prevalece o princípio:
nec vox omnis i u d i i iudiat continef auctoritatem (c. 7 Cod. de
sent. 7,45)".
E continua ate os seus dias3: 'Como, porém, a essa
concepção romana se veio contrapondo, através dos séculos,
por fatores históricos [...I, diferente concepção, que valorizou o
elemento lógico do processo, e vislumbrou no processo, acima
de tudo, questões a resolver e na sentença, antes de tudo, uma
definição de questões (sententia difinitiva est quae principalem
difinit quaestionem), da mesma forma se procurou a
explicação da coisa julgada fora da realidade, e houve quem
imaginasse (vimos supra, no. 32) um contrato entre as partes
pelo qual se aceita previamente a sentença mesmo injusta, e
houve quem atribuísse (e foi a maioria) a palavra do juiz um
caráter de verdade presumida, torcendo e treslendo, como
demonstramos, os textos romanos. Ainda nos primórdios do
século XD( o conceito de presunção da verdade triunfava; de
ob. cit., p. 513 e 514
1 1
um lado, adotava-o o Código Civil francês (do qual se
transmitiu, depois, aos Códigos derivados, como o nosso); de
outro, constituía o ponto de partida para as divagações
transcendentais com que certa doutrina inferia do conceito do
ofiéio do juk a justificação da coisa julgada. (...) Contra essa
orientação reagiu energicamente a escola histórica. Savigny
(Sidema, VI, pág. 259; tradução Scialoja, pág. 284), sem
embargo de não se haver podido emancipar de alguns modos
de sentir tradicionais, que se repetem na fórmula com que
exprimiu a autoridade do julgado: ficção de verdade, e em sua
doutrina sobre a extensão da coisa julgada aos motivos, teve,
entre outros merecimentos, o de reconduzir a justificação da
coisa julgada as razões práticas perfilhadas pelos Romanos, e
as agitadas polêmicas que se travaram sobre a sua doutrina
desfecharam num lento retorno as idéias romanas".
Encontramos, ainda, ~iebrnan~: 'Em direito romano
clássico, resumia-se o resultado do processo na res iudicata,
que vel condemnatione vel absolutione contingit ( Modest i no , D . 42, 1,1), o que não era senão a res de qua agitur, depois que
Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 12 e 13
13
se julgou devida ou não devida, isto e, qual saía transformada
da novação processual. A força criadora da sentença, por um
lado, e, por outro, a consumação da actio bastam por si sós
para configurar em todos OS seus aspectos a significação da res
iudcata, sem necessidade alguma de recorrer a qualquer
caráter seu especial. [...I E a impossibilidade de novamente
propor a mesma açã0 era a conseqüência natural da
consumação processual. Assim, para os clássicos era a res
iudjcata verdadeiramente o Único e exclusivo efeito do
iu&at.m, sem que, por isso, viesse a significar a atribuição
duma eficácia especial, visto como aquele não exorbitava do
campo das relações obrigatórias; ao passo que a inexistência
de recursos não fazia surgir o problema quando devida a
sentença produzir a res iudiaatd'.
Ressalta o referido autor que5: "Toda essa matéria sofreu
transformações profundas com Justiniano, que começa a
distinguir entre os efeitos da sentença e a sua auctoritas,.. .",
buscando extrair daí as premissas necessárias a sua conclusão6,
que acabou reformulando toda a teoria da coisa julgada: '. .. 5 ob. cit., p. 14 6 ob. cit., p. 16
que a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença,
mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos
seus efeitos, quaisquer que sejam os variados e diversos,
consoante as diferentes categorias das sentenças".
Celso ~eves~ , após exaustivo estudo, conclui que: \\NO
período da legis a W e s e no formular, que concernem ao ordo
iudiciorum privatorum, o princípio b& de eadem re ne siC amo
pertence a fase processual in iure, de que participa o
magistrado romano no exercício do ser poder de conceder ou
negar a ação. Passa, depois - quando a sententia se faz ato
estatal - a revestir a própria decisão final da causa, seja
absolutória, seja condenatoria, já sob a categoria consagrada
da exceptio rei iudcatae, resultante da anterior excepfio rei jn
iudicium deducta. A esta bastava a consumação da a&iq
àquela, a tutela jurisdicional prestada e insuscetível de repetir-
se.".
7 Coisa Julgada Civil, p. 497 e 498
Salienta ainda8 que 'A estatização - mitigada, nos
períodos do ordo iudiciorum privaforum, e plena, no período da
extraordinária cognitio - explica o caráter da vedação do bis in
idem jurisdicional, inconcebível fora do âmbito da autoridade do
poder público".
Verifica-se, assim, que a coisa julgada, desde o direito
romano, sempre esteve ligada a idéia de impossibilidade de
novo julgamento acerca de relações j urídicas já decididas.
Somente após a concepção do direito processual,
independente das teorias civilistas, se foi percebendo que a
coisa julgada constitui um dos Seus institutos, em face da sua
natureza eminentemente pública de conferir estabilidade às
relações jurídicas.
Essa estabilidade, não se pode olvidar, objetiva imprimir
ao cidadão segurança jurídica quanto a solução de dado caso
concreto, que lhe foi conferida pela atividade jurisdicional.
8 ob. cit., p. 498
Uma questão que diz respeito ao presente estudo e que
se verá mais de perto, merecendo destaque no enfoque
histórico, é definir, ao longo do tempo, quem era atingido pela
imutabilidade da coisa julgada, para o que se utilizará, no
desenvolvimento das próximas linhas, da prestimosa lição de
Vicente Greco ~ilho'.
No direito romano da ordo judiciorum privaforum -
período das legis actiones e formulário - o problema inexistia,
uma vez que a sentença era decorrente de um negócio jurídico
privado pelo qual os litigantes se comprometiam a se submeter
a decisão que viesse a ser proferida. Nesse contexto, nem se
cogitava de a coisa julgada atingir terceiros.
NO terceiro período do processo romano - cognitio ext/a
urdinem - a sentença passou a ser expressão do poder estatal,
em decorrência da oficialização da justiça, com o que terceiros
passaram a receber interferência daquilo que havia sido julgado
entre as partes em dado processo, sem que dele tivessem
participado. Ocorre, entretanto, que estes terceiros
' in Direito Processual Civil Brasileiro, vol. 2, p. 250 e 25 1
I6
permaneciam alheios aos efeitos da coisa julgada porque a
sentença não poderia revestir-se de valor absoluto, uma vez
que se restringia ao bem da vida relacionado entre as partes,
ewurgindo assim a máxima res inter alios acta nec nocet nec
prodest (a decisão proferida entre outros nem prejudica nem
beneficia).
No direito germânico, que vigorou na Europa após a
queda de Roma Ocidental, as decisões emanavam de uma
assembléia popular. Em período posterior, as decisões eram
tomadas pelos escabinos, que interpretavam a vontade divina
perante ao povo, por meio das ordálias ou juízos de Deus,
razão pela qual apresenta valor absoluto e para todos.
No final da Idade Média, os conflitos eram tratados
segundo situações casuísticas, admitindo-se que certos
terceiros que apresentassem interesses secundários, pudessem
ser atingidos pela coisa julgada.
Na modernidade, procura-se em primeiro lugar verificar
qual a posição dos terceiros em relação as partes e, após,
17
delimitar os efeitos produzidos pela sentença, com o que se
admite que tal eficácia sentencia1 atinja terceiros, mas
restringe-se o fenômeno da coisa julgada as partes.
O problema somente foi solucionado quando os
doutrinadores lograram êxito em distinguir a sentença da coisa
julgada, o que poderemos perceber no decorrer do presente
estudo.
CAPÍTULO 2 - RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL E
SENTENÇA
A relação jurídica processual é em uma relação jurídica
formada entre os sujeitos do processo: juiz e partes (autor -
réu), OU seja, entre autor e juiz, juiz e réu, e autor e réu,
constituindo, portanto, uma relação trilateral (ou tripolar).
Alguns autores discordam da assertiva de que a relação
jurídica processual e trilaterai. Entretanto, e o próprio Código
Civil que demonstra essa posição.
Pelo disposto no artigo 263 do Código de Processo Civil,
considera-se instaurado o processo OU a relação processua 1
entre o autor e o juiz, a partir do despacho inicial do juiz na
exordial ou por sua distribuição, onde houver mais de uma
vara. Mas, em relação ao réu, somente verifica-se a produção
dos efeitos contidos no artigo 219 do citado diploma legal, após
a citacão válida - momento em que ao réu e facultada a
19
apresentação de defesa - vale dizer, a relação jurídica
processual só se completara com a citação, integralizando-se.
Temos, então, dois momentos processuais distintos: a) a
primeira parte do artigo 263 do Estatuto Processual, quando se
inicia a formação da relação processual, estabelecendo ligação
entre o autor e o juiz; b) e a segunda parte do mesmo artigo
que impinge ao réu os efeitos do artigo 219, integrando-o na
relação jurídica processual.
A relação jurídica processual busca a solução de um
conflito de interesses por ela retratada, que e fornecida por
meio da sentença (art. 162 do Código de Processo Civil)
proferida no processo, que apreciando ou não o mérito, coloca
fim aquela.
AS sentenças que examinam o mérito, denominam-se
definitivas ou de mérito (art. 269 do CPC) e as que não
apreciam o mérito, terminativas ou processuais (267 do Cpc). A
distinção é relevante porque somente sobre as sentenças
definitivas incjdirá a coisa julgada material. Autorizando as
70
sentenças terminativas a repropositura da ação (art. 268 do
CPC), concluindo-se que tais só dão ensejo a coisa julgada
formal.
O processo se constitui por um conjunto de atos,
concatenados e coordenados, interligados entre si, que tendem
normalmente a obtenção da sentença, com a solução da lide.
Preciosa a lição de Humberto Theodoro 3Úniorlo acerca do
tema: "Como nem sempre se mostra evidente a norma a
observar na solução do conflito instalado entre os cidadãos, há
de ter o Estado um meio de previamente apurar e definir a
relação jurídica, para individualizar, perante OS contendores, a
vontade concreta da lei, como dizia Chiovenda. Esse
instrumento de atuação estatal 6 o processo, que se revela
como o conjunto de atos dirigidos a definição ou a aplicação
dos mandamentos jurídicos frente as situações litigiosas,
observa Carnelutti que, enquanto Se mostra um método ou
sistema para a definição OU a atuação do direito, o processo
serve ao direito, ou seja, Se revela Como um instrumento de
'O Nulidade, Inexjst&cia e Rescindibilidade da Sentença, RePro 19/23
7 1
realização do direito. Mas, sendo também o processo um
instituto de direito, que vincula as partes e o &do,
sujeitando-os a outras normas jurídicas criadas e aplicadas
apenas para regular o método de atuação e definição do
direito, força é reconhecer como faz o insuperável
processualista peninsular, que também o processo é servido
pelo direito, De modo que a relação que se estabelece entre o
processo e direito é dupla e recíproca (In~tiituciones~ i. n. 1, p.
22)".
A sentença constitui ato judicial decisório que, em regra,
define a lide com julgamento do mérito". 0 juiz, após análise
dos fatos e do conjunto probatorio, identificando a norma
aplicável ao caso apresentado, procede justaposição entre os
fatos e a lei, fazendo emergir O comando da norma, cumprindo
a atividade jurisdicional (afim 463, CPC).
A sentença há de observar certos elementos explicitados
no artigo 458, CPC: relatório, fundamentação e dispositivo.
11 isso porque as sentenças podem extinguir o processo sem análise do m&to (sentenças terminativas ou processuais - art. 267 do CPC)
3.2
Neste último reside a solução propriamente dita da lide, a
decisão do mérito da causa.
O relatório conterá os nomes das partes, um resumo do
pedido e da resposta do réu, bem como as principais
ocorrências havidas no andamento do processo (ait. 458, I,
CPC). Por meio do relatório, o juiz demonstra o conteúdo do
processo e suas ocorrências como premissa necessária ao
pronunciamento judicial.
Na fundamentação o juiz analisará as questões de fato de
direito (art. 458, 11, CPC). Objetiva esse elemento a
demonstração das razões pelas quais o juiz acolheu ou rejeitou
o pedido, valorando a prova. Por meio da fundamentação as
partes poderão entender os motivos pelos quais o juiz julgou de
determinada forma. Não basta estar O juiz convencido, é
imprescindível a demonstração das razões do seu
convencimento, viabilizando ao vencido interpor recurso onde
deverão ser debatidos 0s equívocos da sentença. Tudo isso
também como premissa necessária a0 pronunciamento judicial,
posto que a sentença nada mais é do que o resultado de um
7 3
raciocínio lógico que culmina na aplicação da lei ao caso
concreto.
Acerca desse inciso I1 do art. 458 ieciona Antônio Cláudio
da Costa ~achado'': '[ ...I são objeto da fundamentação as
questões (pontos controvertidos) de fato e de direito. A lei está
correta, devendo ser salientado que todas estas questões
compõem a causa de pedir ou o fundamento da defesa sob o
prisma fático (fatos e circunstâncias) ou sob o enfoque jurídico
(todas as qualificações simples e complexas que dão corpo ou
negam subsistência ao fundamento jurídico do pedido)".
A necessidade da fundamentação, além de
expressamente prevista no Código de Processo Civil, também
decorre do artigo 93, IX, da Constituição Federal.
Na parte dispositiva o juiz resolvera as questões que as
partes lhe submeteram (art. 458, 111, CPC), fornecendo a
resposta ao pedido feito pelo autor, com 0 seu acolhimento ou
rejeição, decidindo a controvér~ia. Esse ekmento assume
-
12 Código de Processo Civil Interpretado, p. 392
74
grande importância, pois 6 ele que será acobertado pela coisa
julgada, que confere ao cidadão segurança jurídica quanto à
solução que lhe foi dada.
Pela leitura dos incisos 11 e 111 do artigo 458 do Código de
Processo Civil percebe-se que encerram a mesma idéia. O inciso
I1 preceitua que o juiz analisará as questões de fato e de
direito. O inciso I11 que o juiz resolverá as questões a ele
submetidas pelas partes.
Na verdade, no dispositivo (inciso 111) o juiz decide ou
julga o mérito, que é constituído pelo pedido formulado pelo
autor, e não como consta do texto as questões que as partes
I he submeterem.
Percebe-se, assim, que a lei repetiu no inciso I11 o que já
havia consignado no inciso 11, ou seja, as questões de fato e de
direito que são exatamente aquelas que as partes submetem ao
juiz.
O inciso 111 apenas pode ser interpretado como sendo
mérito ou pedido deduzido pelo autor e nunca simplesmente
questões, que nada mais são do que pontos controvertidos de
fato ou de direito, que não se identificam com aquilo que o
autor exige do Órgão jurisdicional (pedido). l3
A sentenças são classificadas conforme os efeitos que I
I
produzirão, vale dizer, de acordo com a sua eficácia
preponderante, em conformidade com o tipo de pedido. Certo
que em todas encontramos cunho declaratório.
Na doutrina C I ~ S S ~ C ~ temos a classificação em sentença
declaratória, constitutiva e condenatória. Declaratória consiste
naquela em que há reconhecimento de existência ou
inexistência de uma relação jurídica (art. 4'., CPC). Nas
condenatóriaç há, além da declaração, a imposição ao réu de
uma ação ou omissão. Nas constitutivas, também além da
declaração, o juiz constitui ou desconstitui uma situação
jurídica, modificando a relação jurídica existente. Atualmente,
encontramos mais duas espécies: mandamentais e executivas
l3 conforme Antônio Cláudio da Costa Machado. ob. cit., p. 393
36
lato sensu. Segundo wambier14, as "sentenças mandamentais
são aquelas em que o Estado-juiz, ao sentenciar, desempenha
ato de autoridade, emitindo uma ordem para ser cumprida, e
não apenas substituindo-se as partes. As sentenças executivas
Iato sensu, por seu turno, contêm alem da condenação, aptidão
intrínseca para levar a efetiva satisfação do credor,
independentemente do processo de ~ X ~ C U Ç ~ O " .
Percebe-se que estas Últimas modalidades de sentença,
que ensejaram o surgimento da classificação quinária das
sentenças, imprimem como resultado a transformação direta no
mundo empírico: as sentenças mandamentais constituem ato
essencialmente estatal, um comando, uma ordem que deve ser
obedecida pelo destinatário, em regra sob pena de incidência
no crime de desobediência, sem prejuízo do pagamento de
multa (art. 14, CPC), convencendo o réu a observá-la; as
executivas Iato sensu trazem em seu bojo carga executiva,
possibilitando ao juiz que substitua a vontade do réu e
proporcione ao autor a realização do seu direito,
independentemente da instauração da ação de execução.
I J Curso Avançado de Processo Civil, p. 614 7.7
A relação processual tem desenvolvimento no exercício da
atividade jurisdicional. Cumpre observar que a jurisdição é
inerte, somente desenvolvendo-se mediante provocação da
parte interessada, o que 6 consagrado pelo principio da
demanda ou da iniciativa da parte, conforme artigos 2'. e 262,
do Código de Processo Civil. Entretanto, existem hipóteses,
expressamente previstas em lei, nas quais se admite o exercício
da atividade jurisdicional ex o f l ~ o pelo juiz, como ocorre na
declaração judicial da falência, quando denegado pedido de
concordata preventiva (art. 162, da Lei de Falências) e na
abertura de inventário, não 0 fazendo as pessoas legitimadas
(art. 989, CPC).
Cumpre observar que, proposta a ação, o impulso do
processo é oficial, é o que se depreende da segunda parte do
artigo 262 do Estatuto Processuai Civil.
percebe-se, então, que a instauração do processo
depende da manifestação de ato de vontade da parte
interessada, que e denominado de petição inicial. Dentre outros
requisitoç, a petição inicial deverá conter pedido (art. 282, do
7 8
CPC), que é expresso pela pretensão da parte, que faz
afirmação de um direito, dizendo-se seu titular.
O pedido é subdividido em duas categorias: imediato, que
consiçte no tipo de providência jurisdicional solicitada; mediato,
que nada mais é do que o bem jurídico reclamado.
Com o pedido, o autor delineia o objeto litigioso ou o
mérito, é o limite sobre o qual irá incidir a sentença. ISSO
significa dizer que o juiz fica adstrito aquela afirmação de
direito levado a termo, não podendo julgar além, aquém ou de
forma diversa da pretensão esboçada pelo autor, sob pena de
nulidade do ato decisorio (aft~. 128 e 460, do CPC).
~ ã o poderia ser diferente, pois a atividade jurisdicional,
em última análise, constitui um poder-dever de responder ao
pedido elaborado pela parte e o juiz que não analisa-lo como
um todo, não terá cumprido o seu mister.
Nesse sentido, e a lição de Pontes de Miranda15:
sentença interpreta-se com a petição e a contestação. Porque é
resposta as comunicações de vontade que nelas há; e
julgamento sobre as comunicações de conhecimento, em que
as comunicações de vontades e apóiam".
Será infra petita a sentença que não aprecie todos os
fundamentos ou questões e citra petita aquela que não aprecie
todos 0s pedidos formulados. Cumpre observar que a doutrina
não delineia essa distinção, tratando das expressões infra e
citra como sinônimas, entretanto, não se pode aceitar
pretendida isonomia, porquanto o juiz há de analisar 0s
fundamentos bem como O pedido que lhe é submetido, que
constituem coisas distintas, com O que afigura-se mais
adequada a distinção pro~osta~
E, por fim, a sentença será extra peOfi3 na hipótese de
conter algo que não tenha sido objeto do pedido, ou seja,
julgar coisa diversa daquela requerida. Ultra petita o decisório
que for além do pedido, extrapolando seus limites. Estas
1s Comentáios ao Código de Processo Civil, p. 60
hipóteses estão intrinsecamente ligadas a parte decisória da
sentença, uma vez que desrespeitam o princípio da congruência
da sentença ao pedido ou princípio da adstrição.
Entretanto, não se pode olvidar, que hipóteses existem
nas quais ainda que não haja expresso pedido do autor, o juiz
poderá concede-lo na sentença, Posto que há permissivo legal
que legitima essa conduta. É O caso do artigo 290 do CPC, que
trata das relações jurídicas de trato sucessivo; do artigo 293 do
mesmo diploma legal, que versa acerca dos juros legais; do
artigo 20 do CPC, que disciplina as verbas de sucumbência,
sendo a mesma disciplina dispensada a correção monetária,
pelo disposto no tj 1'. da lei 6899/81, dentre outros.
Conclui-se, portanto, que a relação jurídica processual
contém manifestações de vontade de todos os sujeitos do
processo: do autor ao demandar; do réu ao defender-se,
querendo; e do juiz ao conduzir 0s &OS processuais e julgar,
compondo a lide, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em
parte, o pedido formulado pelo autorg
CAPITULO 3 - PARTES E TERCEIROS EM FACE DA
RELAÇÃO JURÍDICA PROCESSUAL
Sujeitos principais da relação jurídica processual são o
juiz e as partes. Partes da relação jurídica processual são
aquelas situadas nos pólos ativo e passivo, são os chamados
sujeitos parciais do processo. Autor é aquele que reclama a
prestação jurisdicional para o acolhimento de dada pretensão, e
o réu é aquele contra ou em face de quem é dirigida tal
pretensão, ou prestação. Sucintamente, como corrente em
doutrina, pode-se afirmar que parte é aquela que pede ou
contra que se pede a tutela jurisdi~ional'~. Essa é a regra
geral.
Diz-se regra geral, porque nem sempre aquele que pede
e o titular do direito afirmado, 0 que ocorre nas hipóteses de
legitima@, extraordinária (art. 6'. , CPC).
16 Chiovenda, Instituiçdes, P. 64
3 3.
Leciona com precisão Antônio Cláudio da Com
Machadoi7: "Parte, em sentido estrito, portanto, e todo aquele
que desenvolve atividade processual perante o juiz no
contraditório, onde se insere aquele que pede em seu favor
(autor) ou em relação a quem se pede (réu) um provimento
jurisdicional.'', que perfilha O mesmo raciocínio de Vicente
Greco ~ i lho '~ : '[ ...I vemos dois sentidos na palavra "parte": o
primeiro está absolutamente desvinculado de qualquer relação
de direito material, revelando-se pelo simples fato de alguém
ingressar no processo, e cuja condicionalidade se esgota no
exame da capacidade de ser parte; O segundo vincula-se ao
exercício da ação e envolve a legitimidade para agir. [...I No
sentido o termo "parte" se vincula a formação e
requisitos do processo; em sentido restrito, ao direito
processual de ação".
traímos da lição de Moniz de Aragão19, fazendo
referência a Carnelutti, que "A palavra parte - diz ele - tem,
portanto I duplo significado; para evita r ~OnfusÕe~, o sujeito da
17 A InteWenCão do Ministério Público no Processo Civil Brasileiro, p 1 14 18 Da Intervenção de Terceiros, P. 27 'I Obsewagões sobre os limites subjetivos da coisa julgada RT 625/07, p. 10
3 3
lide (o integrante da relação material) chama-se parte no
sentido material; o sujeito do processo (o litigante), chama-se
parte em sentido processual". Disso decorre que poderá não
haver coincidência entre as partes da relação jurídica de direito
material e as partes da relação jurídica processual, posto que,
em casos expressamente autorizados por lei, quem deduz
afirmação de direito o faz em mme alheio.
Para fins de melhor equacionamento da problemática
proposta, cumpre fazer a distinção do que vem a ser terceiro.
Terceiros são aqueles que não figuram nos pólos, atjvo
ou passivo, da relação jurídica processual; aqueles que não
integram o processo, a quem diretamente não diz respeito o
processo; estranhos, portanto. Empregamos o termo
"diretamente" porque OS atos jurídicos por vezes
interpenetram-se e, em certa medida, a solução de dada
relação material acaba por atingir esses terceiros, do que surge
um interesse que, prescrito em lei, poderá autorizá-los a
ingressar na relação jurídica processual*
Segundo Athos Gusmão carneirozo: "No plano do direito
material, se examinarmos, V. g., um contrato de compra e
venda, terceiro será todo aquele que não for nem o comprador,
nem o vendedor, nem interveniente no mesmo negócio jurídico.
No plano do direito processua/, O conceito de terceiro terá
igualmente de ser encontrado por negaç30. Suposta uma
relação jurídica processual pendente entre A, como autor, e €3,
como réu, apresentam-se como terceiros C, D, E etc., ou seja,
todos 0s que não forem partes (nem coadjuvantes de parte) no
processo pendente".
Interessante e a distinção que Antônio Cláudio da Costa
~ a ~ h ~ d ~ ~ ~ tece acerca de terceiro, diferenciando este de parte
exatamente pela legitimação, ou seja, "[...I aquilo que a lei
autoriza alguém a fazer. Legitimatío ad causam e condição da
ação ou, como dissemos antes, a qualidade processual de
titularidade do direito de a ~ ã 0 OU exce~ão. Parte legítima, de tal
sorte, é o titular desse direito, o autorizado ao seu exercicio. Se
alguém recebe da lei autorização para ingressar num processo,
maç não para exercer a ~ ã o ou exceção, este e terceiro.
20 Intervenção de Terceiros, p. 45 2 1 ob. cit., p. i i6
3 5
Terceiro, não porque não exerça ou não possa exercer
atividade processual (está autorizado para tanto), mas porque
não vai exercer ação ou exceção; não vai formular pedido para
si ",
A distinção levada a termo pelo referido autor é a que
explica de forma metodológica OS conceitos de parte e terceiro,
pois de fato não satisfaz dizer que terceiro e aquele que não é
parte, é de rigor contrapor 0s institutos, verificando seus
delineamentos, com o que Se chega à conclusão de que a
tegitimação ad causam, uma das condições da ação, é o que
melhor traça a distinção entre referidos institutos.
CAPITULO 4 - CONCEITO DE COISA JULGADA
Impõe-se no presente estudo, discorrer acerca da coisa
julgada, observadas, primeiramente, as considerações
doutrinárias acerca do tema.
Para ~h iovenda~~, a coisa julgada é "[ ...I a eficácia
própria da sentença que acolhe ou rejeta a demanda, e
consiste em que, pela suprema exigência da ordem e da
segurança da vida social, a situação das partes fixada pelo juiz
com respeito ao bem da vida (res), e foi objeto de contestação,
não mais se pode, daí por diante, contestar; o autor que
venceu, não pode mais ver-se perturbado no gozo daquele
bem; o autor que perdeu, não lhe pode mais reclamar,
ulteriormente, o gozo. A eficácia OU autoridade da coisa
j u t ga da, é, podanto, por definição, destinada a agir no futuro,
com relação aos futum procemss. " Tem-se, porta nto, para
Chiovenda, que a autoridade da coisa Julgada e a eficácia da
22 Instituições de Direito Processual Civil, p. 5 18
37
sentença referem-se a imutabilidade do caso julgado, tratando-
se do mesmo fenômeno.
Para ~arnelutt i~~, a coisa julgada resulta da
imperatividade da decisão, reside precipuamente na
imperatividade do comando da sentença. Imperatividade que
decorre do fato de ser a sentença um ato estatal. O autor
promove uma interessante inversão entre coisa julgada material
e formal, aduzindo que na sentença que a coisa julgada produz
está a imperatividade que é justamente a coisa julgada
material, a qual, pela preclusão dos recursos, se transforma em
coisa julgada formal. Percebe-se que aqui reside uma alteração
nos fenômenos da coisa julgada material e formal,
diversamente do que sugere a doutrina moderna.
~ i ~ b ~ ~ ~ ~ ~ , procurando desvencilhar a eficácia da
sentença da autoridade da coisa julgada, com mestria Ieciona:
"[...I a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença,
como postula a doutrina unânime, fms sim modo de
manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, - p -
23 Sistema de Defecho Processual Civil, vol. I, p. 3 16 24
Eficácia e Autoridade da Sentença p. 36
algo que a esses efeitos se ajunta para qualificá-los e reforçá-
10s em sentido bem determinado." Com o que se pode
desmembrar dos efeitos da sentença, a autoridade da coisa
julgada como uma qualidade de imutabilidade insita ao
comando da sentença e não mais vista como um efeito
autônomo da própria sentença.
Celso ~ e v e s ~ ' conceitua coisa julgada como "fato jurídico
peculiar ao processo conten~ioso, resultante do juizo emitido
pelo órgão jurisdicional a respeito do pedido formulado na
ação, ao qual se vincula pelo princípio da congruência que
domina o processo dispositivo: nem0 i~dex sine actore; ne
procedat iudex ex umcio; ne eat iudex u/tra petita partium. Sçua
formação começa com a introdução da demanda em juízo
subordinando-se ao iter procedimental que tem remate na
sentensa definitiva sobre O mérito da causa, completando-se no
momento em que se torne ela imutável".
25 Coisa Julgada Civil, p. 469
3 9
Antônio Cláudio da Costa d achado^^, discorrendo acerca
das características da jurisdição, dentre elas justamente a de
definitividade, define coisa julgada: "Tal atributo, dentro da
técnica do direito processual, se identifica com o instituto
universalmente consagrado da coisa julgada, cuja melhor
doutrina é atribuída, reconhecidamente, ao gênio Liebman:
coisa julgada não é mais um efeito da sentença, como se
entendeu durante séculos, mas a qualidade de imutabilidade
que reveste a sentença (coisa julgada formal) e seus efeitos
(coisa julgada material)".
Já para Barbosa ore ira^': "Não Se expressa de modo
feliz a natureza da coisa julgada, ao nosso ver, afirmando que
ela é um efeito da sentença, OU um efeito da declaração nesta
contida. Mas tampouco se amolda a realidade, tal como a
enxergamos, a concepção da coisa julgada como uma
qualidade dos efeitos sentenciais, ou mesmo da própria
sentença. Mais exato parece dizer que a coisa julgada é uma
situação jurídica: precisamente a situação que se forma no
momento em que a sentença se converte de instável em
26 A Intervenção do ~ i~ i s tér io Público no Processo Civil Brasileiro, p. 72 27 Eficácia da Sentmç? e Autoridade da Coisa Julgada RePro 34R73
estável. É essa estabilidade, característica da nova situação
jurídica, que a linguagem jurídica se refere, segundo pensamos,
quando fala da 'autoridade da coisa julgada "'. Brilhantemente
logrou êxito o eminente processualista em colocar as coisas nos
seus devidos lugares, pois acertadamente concluiu que a
autoridade da coisa julgada nada mais e do que aquilo que
marca o início de uma nova situação jurídica peculiar da
sentença, caracterizada pela existência da coisa julgada, que
tem por termo a quo O trânsito em julgado.
Entendemos, portanto, que a coisa julgada e um p/& de
imutabilidade e indiscutibilidade a que tende naturalmente a
sentença por razões de ordem prática e política, para a
segurança das relações sociais e estabilidade da sociedade e
que não pode ser entendida como um efeito da sentença,
autonomo em relação aqueles que Ihes são inerentes, nem
tampouco qualidade especial daqueles efeitos, posto que a eles
sobrevêm, criando um novo quadro, que não pode ser
modificado, Afigurando-se-nos que defini-la como situação
jurídica nova, mais se coaduna Com nosso raci~~ínio.
A posição assumida decorre do fato de que não se pode
entender a coisa julgada como uma qualificação particular dos
efeitos da sentença, consistente na característica de
imutabilidade que se agrega ao comando da sentença. 0 s
efeitos do ato decisório têm fluência natural com o
encerramento da relação processual e não prescinde de
nenhuma qualidade especial para dar-lhes vida, Essa
imutabilidade, portanto, não 6 uma qualidade, mas sim um
outro acontecimento no processo, transmutando a sentença em
definitiva.
0 CpC, em seu artigo 467, procurou traçar a definição de
coisa julgada: "Denomina-se coisa julgada material a eficácia,
que torna imutável e indiscut;vel a sentença, não mais sujeita a
recurso ordinário ou extraordinário". Percebe-se que a intenção
do legislador foi a de estabelecer O fmmento do nascimento da
=oiça julgada, oportunidade em que o ato decisório irá revestir-
se de defin itividade, justamente porque nesse instante surge no
processo uma nova situação jurídica: a coisa julgada.
O instituto da coisa julgada é salutar em qualquer sistema
jurídico, pois dele depende o encerramento definitivo dos
litígios, devendo as partes acatar aquilo que foi decidido.
A coisa julgada e intrinsecamente ligada ao fim do
processo, que encerra a idéia de imutabilidade daquilo que
tenha sido decidido, objetivando imprimir segurança as relações
jurídicas.
NO parágrafo 3O do artigo 6O da Lei de Introdução ao
Código ~ i~ i l * ' o legislador procurou estabelecer uma definição
de coisa julgada: "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a
decisão judicial de que não caiba recurso", com o que acabou
delineando a coisa julgada formal.
O novo Código Civil manteve a sua disciplina nos artigos
850 e 935 I de forma idêntica aquela anterbJ'Inente estabelecida
pelos artigos 1.036 e 1.525, em redação idêntica. O artigo 850
disciplina ser nula a transação a respeito do litígio decidido por
'' o Código civil foi revogado pelo advento do novo Código Civil (Lei 10.406, de I O de janeiro de 20021, Sa]ienimdo-se que a Lei de Introdução do Código Civil Pemanece em vigor posto conforme leciona Sílvio de Sdvo Venosa, ''Novo Código Civil - texto Comparadon se restinge a meas nomas de aplicação do Código Civil, a todos 0s demis Códigos e demais disposiçdes leyislativas, seja qual for sua n a r e z a publica ou privada (p. 33)
43
sentença passado em julgado, se dela não tinha conhecimento
algum dos transatores, ou quando, por título posteriormente
descoberto, se verificar que nenhum deles efetivamente tinha
direito sobre o objeto da transação. O artigo 935 encerra a
idéia de independência entre a responsabilidade civil e criminal,
reforçando-a ao proibir o questionamento acerca da existência
de fato ou de sua autoria quando estas questões estiverem
decididas no crime.
CAPÍTULO 5 - COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
As decisões judiciais que resolvem a lide, em dado
momento, tornam-se imutáveis, o que impede a rediscussão
daquilo decidido. A questão que se coloca para distinção entre
coisa julgada formal e material é justamente se essa
indiscutibilidade da decisão ocorre na mesma relação jurídica
processual em que foi proferida ou em outra.
A doutrina subdivide a coisa julgada em duas espécies:
coisa julgada formal e material.
A coisa julgada formal impede a rediscussão da matéria
decidida no mesmo processo em que foi proferida e se
caracteriza pela preclusão das vias recursais.
A coisa julgada material, diferentemente, obsta a
tediscussão das questões decididas fora do processo, ou seja,
impinge a indiscutibilidade em relação a outros processos e
daqui é que se pode depreender a relevância do instituto.
Com precisão ensina couture2': ' ~ o y se pode
determinarse con relativa precisión que, cuando una sentencia
no puede ser ya objeto de recurso alguno, [...I se está em
presencia de una situación de cosa juzgada formal Y cuando a
Ia condición de inimpugnable em cualquier otro procedimento
posterior, se d ice que exiete cosa juzgada ~~bósfncia/ . . . lf.
Pontes de ir anda^', discorrendo acerca do tema, nos
ensina que: "A força, que tem a sentença, quando a solução da
questão pleiteada, para o caso de se querer pleiteá-la de novo,
é a co,ga julgada material A imutabilidade da sentença por
parte do juiz ou tribunal que a emitiu, ou Por via de recurso,
dá-se o nome de CO& julgada forma/. (a) A força formal da
coisa julgada começa no momento mesmo de ser publicada, se
dela não cabe recurs0, nem cabem embargos; ou se, sendo
embargável ou recorrível, de quando transcorreu prazo para o
recurso (arte 506) ou para 0s embargos, ou de quando se deu a
29
30 Fundamentos De1 Derecho Procesal Civil, P. 261 ComAtt&ioS ao Código de Processo C i d , P. 61 e 62
46
desistência do recurso que fora interposto (art. 501). (b)
Enquanto a força formal concerne a inirnpugnbi/ida& da
sentença como palavra final do Estado na frase que foi a vida
da relação jurídica processual, a força material liga-se à
indscutibi/idade, como ponto final a frase. Nem se pode
escrever depois daquele ponto final. Sempre que, dentro da
frase mesma, como se entre parênteses (e. g., sentenças
incidentes), se põe algum ponto final, há coisa julgada material.
O Estado, na coisa julgada material, fica preso aos julgamentos,
que o juiz formulou, nas conclusões da sentença. Não poderia,
depois de tantos cuidados, inclusive reexame em diferentes
graus da justiça, desmentir-se Sempre. Veda controverter-se de
novo, para que não se lhe impute a grave contradição de
julgar 1 a ele que evolveu num sentido da imparcialidade na
formação da jurisdicional e mais Se interessa, hoje,
pela do direito O objetivo".
Para alguns autores, a coisa julgada formal mais se
assemelha a uma modalidade de p r e c l ~ ~ ã ~ , pois a
impossibilidade de rediscussão da matéria decidida na mesma
processual, pelo exaurimento da possibilidade de recursos,
verificada internamente no processo.
Assim leciona Luiz Guilherme ~ar inoni~ l : "[ ...I a chamada
coisa julgada formal, em verdade, não se confunde com a
verdadeira coisa julgada. É, isto sim, uma modalidade de
preclusão, a última do processo de conhecimento, que torna
insubsistente a faculdade processual de rediscutir a sentença ali
prolatada".
Objetamos tal assertiva. A preclusão e a coisa julgada
formal apresentam afinidades, uma vez que são fenômenos
endoprocessuais, mas, enquanto a preclusão acompanha todos
0s atas processuais, a coisa j ulgada formal está intrinsecamente
ligada ao fim do processo e a necessária estabilidade que dele
decorre, o que não permite sua disciplina conjuntamente com a
preclusão.
31 Manual do Processo de Conhecimento, p. 608
4 8
Com mestria, leciona Cândido Rangel 'A
distinção entre coisa julgada material e formal consiste,
portanto, em que a) a primeira e a imunidade dos efeitos da
sentença, que os acompanha na vida das pessoas ainda depois
de extinto o processo, impedindo qualquer ato estatal,
processual OU não, que venha a negá-los; enquanto que b)
coisa julgada formal e fenômeno interno a0 processo e refere-
se à sentença como ato processual, imunizada contra qualquer
substituição por outra. Assim conceituada, a coisa julgada
formal é manifestação de um fenômeno processual de maior
amplitude e variada intensidade, que é a preclusão - e daí ser
ela tradicionalmente designada Como praec'usio máxima. Toda
preclusão é extinçã~ de uma faculdade OU poder no processo; e
a coisa julgada formal, Com0 precl U S ~ O qualificada que é,
caracteriza-se como extinção do poder de exigir novo
julgamento quando a sentença já tiver passado em julgado".
Na verdade, a coisa julgada é um único instituto, um
único fenômeno, admitindo-se a subdivisão para adequação
didática.
32 em anigo publicado wb o título "Relativkar a coisa jukada mateiai". na obra Coisa julgada
Inconstitucional, mordenação de Carios valder do Nascimento. p 38
Tanto assim é que o momento de formação da coisa
julgada é comum as duas espécies, ou seja, ambas surgem no
processo quando da sentença já não couber mais nenhum
recuno, quer porque não tenha sido utilizado, quer porque não
exista mais recurso a ser interposto*
O termo "coisa julgada" normalmente e empregado como
sinônimo de coisa julgada material, que, em Última análise,
consiste na jmutabilidade da parte dispositiva da sentença de
mérito, impedindo a sua rediscussão em qualquer relação
processual. Isso ocorre porque a autoridade da coisa julgada
emana justamente da coisa julgada material que torna
indiscutível O que foi decidido em face de qualquer processo.
AS sentenças terminativas, cujo conteúdo e apresentado
pelo art, 267 do Código de Processo Civil, revestem-se apenas
da coisa julgada formal, uma vez que essas decisões não
resolvem a lide, não solucionam 0 pedido feito pelo autor,
apenas verificam a inviabilidade da relação processual, quer
pela ausência dos p r e s s u p ~ ~ t o ~ processuais positivos, ou
mesmo pela presença dos pressupostos processuais negativos,
quer pela falta de uma das condições da ação.
O sistema jurídico não poderia permitir que uma
pretensão apresentada a atividade jurisdicional permanecesse
indefinidamente sem resposta simplesmente Porque 0 processo
apresenta alguma irregularidade que impede a análise do
mérito.
Deve-se ponderar que o processo não 6 um fim em si
mesmo, mas um meio para obtenção de um fim. Vale dizer, o
processo isolado, destituído da sua finalidade, é imprestável,
porquanto é apenas um amontoado de atos. Mas, se
pensarmos para que Serve - composição dos conflitos de
interesses - é que ele assume relevância.
Nesse contexto, e que as questões levadas a apreciação
judicial que tenham ensejado um Processo c ~ j a sorte tenha
sido a de extinção sem apreciação do mérito, poderão provocar
novamente a tutela ju risdicional, att'3vés da instauração de uma
outra relagão jurídica processual, conforme Permissivo do artigo
5 1
268, do citado diploma legal, e se revestem, apenas, da coisa
julgada formal.
Aliás, não se pode deixar de mencionar, a extinção do
processo que não resolva a lide, por irregularidade de seus atas
e termos, encerra a sua importância no âmbito do mesmo
processo em que a decisão foi proferida.33
As sentenças proferidas nos processos cautelares também
não produzem coisa julgada material, exceto se versarem
acerca da prescrição ou da decadência, conforme art. 810, do
CPC. ISSO ocorre porque O processo cautelar nada resolve
acerca da lide, serve apenas Com0 acessório de outra relação
processual, tutelando uma situação em carater provisório,
viabilizando a eficácia da decisão que será provocada em outro
processo (processo principal) -
AS decisões proferidas na jurisdição voluntária recebem
tratamento similar. É o que se verifica no art. 1.111, do CPC,
Saliente-se que isso não significa que Se possa requerer a
33 Conforme Liebman, ob. cit., P. 58 52
modificação da decisão judicial imotivadamente. Impõe-se para
tanto que tenha ocorrido alteração na situação fática que
legitime pretendida modificação. ISSO ocorre porque 0s
interesses tutelados pela jurisdição voluntária apresentam forte
carga de interesse publico e não se justificaria impor aos
envolvidos a manutenção de uma situação desnecessária. Por
exemplo, se algum legitimado requereu a interdição de outrem
e esta lhe foi concedida, desaparecendo as causas que
ensejaram a medida, e lícito requerer o seu levantamento, do
que decorre a necessidade de disciplina legal diferenciada.
O mesmo se pode dizer acerca das relações de trato
sucessivo ou continuativas, conforme prescrito no art. 471 do
Estatuto Processual Civil.
Entretanto, não se pode deixar de mencionar, tais
situações não ensejam menor rigidez da coisa j ~ l g a d a ~ ~ . O que
ocorre r na é que modificada a situação fática, outra é
a causa de pedir e como decorrência lógica outro e o pedido e
isso, então, autoriza a propositura de nova ~ÇSO, sem ofensa à
34 ver ~~i~ Guilherme ~ d ~ o n i , Manual do Processo de Conhecimento, p. 629 e 630
5 1
coisa julgada. Podendo-se afirmar que a coisa julgada protege
a decisão judicial enquanto e se as circunstâncias (fáticas e
jurídicas) da causa permanecerem inalteradas.
Outra não é a posição de ~ i e b m a n ~ ~ acerca do tema: "Mas
será verdade que isso signifique uma atenuação dos princípios
da coisa julgada? A mim me parece que não. De certo modo
todas as sentenças contem implicitamente a cláusula rebu, sjc
stantitiu.., enquanto a coisa julgada não impede a bs~lutament~
que se tenham em conta 0s fatos que intervem sucessivamente
a emanação da sentença: por exemplo, se 0 devedor para a
soma devida, perde a condenação todo 0 valor. Outra coisa não
acontece para os casos ora apresentados, nos quais, tratando-
se de uma relação que se prolonga no tempo, e devendo a
decisão çer determinada pelas circunstâncias concretas do
caso, a mudança deste justifica, sem mais, uma correspondente
adaptação da determinação feita precedentemente, o que será
uma aplicação, e nunca uma derroga~ão dos princípios gerais e
nenhum obstáculo encontrará na coisa julgada. Esta, pelo
contrário, fará sentir toda a sua força, neste como em todos 0s
35 ob. cit., p. 27 e 28 54
outros casos, no excluir totalmente uma apreciação diversa do
caso, enquanto permaneça inalterado. O que há de diverso
nestes casos não é a rigidez menor da coisa julgada, mas a
natureza da relação jurídica, que continua a viver no tempo
com conteúdo ou medida determinados por elementos
essencialmente variáveis, de maneira que os fatos que
sobrevenham podem influir nela, não só no sentido de extingui-
la, fazendo por isso extinguir o valor da sentença, mas também
no sentido de exigir mudança na determinação dela, feita
anteriormente".
Assim, podemos concluir que coisa julgada formal é o que
confere imutabilidade aos efeitos da sentença enquanto ato
processual de encerramento da relação jurídica processual e a
coisa julgada material transcende 0s limites da imutabilidade
para além do processo, como decorrência necessária de
estabilidade das rela~ões Jurídicas-
Daí decorre que a coisa julgada é instituto que objetiva a
seguranp jurídica e, sob essa análise, tranquilizando o ser
humano nas suas relações jurídicas, diz respeito, diretamente,
ao cidadão, resguardando e assegurando essas relações.
CAP~TULO 6 - LIMITES OBJETIVOS DA COISA JULGADA
É necessário delinear o objeto sobre o qual a coisa
julgada irá atuar, fixando OS seus exatos contornos, para que
seja possível definir o que exatamente se reveste da qualidade
de imutabilidade que lhe é imanente. ISSO é possível por meio
do estudo dos limites objetivos da coisa julgada.
Sabemos que a sentença é a resposta a uma pretensão
que tenha sido levada a aprecia~ã0 jurisdicional, passando a
regular uma determinada rela~ã0 jurídica, conforme dispõe o
artigo 468 do CPC: "A sentença que julgar total ou parcialmente
a lide tem força de lei nos limites da lide e das questões
decididas".
A questão que se coloca é a de se definir se a sentença
como um todo se torna imutável ou se essa característica
ficaria a uma de suas partes COmPonente~, vale dizer,
seus elementos. 5 7
É na parte dispositiva da sentença que reside a solu@o
do conflito de interesses, que se vincula inexoravelmente aquilo
que foi pedido pelo autor, pelo princ;pio da congruência entre a
sentença e o pedido.
Como decorrência lógica, é 0 comando emergente da
sentença contido na parte decisória, que reclama segurança
jurídica, objetivando que não mais seja questionado, surgindo a
necessidade de que a coisa Julgada 0 proteja.
O artigo 469 do CPC, nos direciona a essa mesma
conclusão, indicando que não fazem coisa julgada: I- 0s
motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da
parte dispositiva da sentença; 11- a verdade dos fatos,
estabelecida como fundamento da sentença; 111- a apreciação
da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo.
Percebe-se, assim, que não há de Se falar em coisa
julgada acerca de decisão sobre questão diversa daquela que
tenha sido objeto do pedidos
Barbosa ore ira^^, discorrendo acerca do artigo 469,
conclui que o texto legal poderia ser mais preciso, utilizando
apenas a expressão 'motivos", uma vez que tal termo,
constante do inciso I, compreende as situações dos demais
incisos: 'A análise dos três ~ ~ C ~ S O S revela com facilidade que o
texto é redundante. A rigor, bastaria a alusão aos "motivosM
(inc. I), em que tudo mais já está compreendido. Com efeito:
por "motivos" não se podem deixar de entender a i as razões de
decidir, 0s "fundamentos" da sentença, a que se refere o artigo
458, 11. Esses motivos, razões ou funCh"f'Ient0~ hão de resultar,
necessariamente, do exame das questões - suscitadas pelas
partes ou apreciadas ex oficio - cujo debate constitua
pressuposto lógico da solução do litígio: puras questões de
direito, puras questões de fato e questões que já envolvam a
aplicação do direito a fato OU fatos, mas situadas ainda no
campo das p&ssas, e não no da conclusão (prejudiciais).
Desde logo se vê, portanto, que 0s dois últimos incisos do art.
469 na se limitam a explicitar o conteúdo do inc. I, em
relação a duas classes de 'motivos' "*
36 Ternas de Direito processual Civil, P. 92 5 9
A decisão acerca de questão prejudicial também poderá
ser objeto da imutabilidade da coisa julgada desde que, no
curso do processo, tenha havido a propositura de ação
declaratória incidental O (artigos 5O., 325 e 470, CPC). Isso
porque, em face da ação proposta, O juiz devera decidir acerca
do pedido por essa via f ~ m ~ ~ l a d o ~
Acerca do tema, esclarece Cândido Rangel Dinamarc~~~:
"Ainda que nada dispusesse a lei de modo explícito, o
confinamento da autoridade da coisa julgada a parte dispositiva
da sentença é inerente a própria natureza do instituto e à sua
finalidade de evitar coh%0~ pfaf/cos de j u . o não meros
conflitos teóricos (Liebman)", viabilizando que O instituto da
coisa julgada atinja sua finalidade precjpua (estabilidade),
impedindo incertezas na vida das pessoas.
Para Humberto Theodoro ~Únior'~: 'É, pois, e daç
questões suscitadas em torno da lide que a lei identifica a
extensão objetiva da coisa julgada. Ressalte-se que do ponto
de v i m a res iudicata é 0 resultado do juizo emitido
.17 lIlstituiFões de Direito processual Civil, v01 111. P. 343
38 Sentença - Direito Processual ao Vivo. P 67
hO
pelo órgão judicial "a respeito do 'pedido' formulado na ação,
ao qual se vincula pelo princípio da congruência que domina o
processo dispositivo", como anota Celso ~eves~ ' "[ ...I Nesse
sentido, sobre a resposta à demanda do autor 6 que se
estabelecerá, ao final do iter procedimental, a res iudcaata,
capaz de impregná-la da força vinculativa e da imutabilidade".
Podemos então concluir que a imutabilidade, ínsita à
coisa julgada, não atinge o relatório ou a fundamentação da
sentença, restringe-se a parte dispositiva, de onde emerge a
lei aplicável ao caso concreto que foi levado à apreciação
jurisdicional.
39 op. cit., p. 469 6 1
C A P ~ L O 7 - LIMITES SlJBJE'T'IVOS DA COISA
JULGADA
Observe-se, primeiramente, breve panorama histórico do
instituto, o que nos remete ao direito romano, que nofieou
toda a ciência processual nwdernag
Nesse sentido, salientam José Rogério Lauria Tucci e Luiz
Carlos "desci piendo lembra r que toda essa
construção dogmatica, erigida ao tempo da cogntio clássica,
iria inspirar a ciência process~al moderna a traçar os limites
objetivos e subjetivos da coisa Julgada.
Desde 0s primórdios, a coisa julgada era vista como
fenômeno que lançava Seus efeitos apenas entre as partes de
dada relaqão jurídica processual, não podendo prejudicar
40 Lip5es de História do Processo Civil Romano. p 148
h?
terceiros (res inter ahos iudcata aaliis non praeiudiat - D.
42.1.63, Macro, /ibro Ilde appd/a0f7/5)~~~
Celso ~eves" reforça a tese: "NO plano da limitação
subjetiva, o sistema romano admitia extensões do julgado que,
entretanto, não infirmavam o princípio de que a res iudcata era
só inter parfes'.
Ainda, conforme Mara Sílvia ~ a z z i ~ ~ ao traçar escorço
histórico do instituto da coisa julgada, "Esse polêmico instituto
da coisa julgada, sofrendo, como vimos, sensíveis modificações
decorrentes de sua própria evolução, marcou sua presença no
Digesto, do Direito romano (D. 42.1.63, Da 44.2.1 etc ...), no
Direito medieval, nas Siees Paitidas da Espanha, nas
Ordena@& Afonçinas, Manuelinas e Filipinas de Portugal e, no
Brasil, no Regulamento 737 de 25.11.1850, na "Consolidação
das Leiç de processo Civil" de autoria de Antonio Joaquim
Ribas, que passou a ter força de lei pela Resolução Imperial de
--
41 Tucci, ob. cit., p. 148 42
43 Coisa Julgada Civil, P. 43 RePro 36, p. 79 e 80
21.12.1876, e nos códigos civis e processuais civis
subsequentes".
Ressalta Celso ~ e v e s ~ ~ a subsistência da máxima romana:
"Outro ponto que resistiu ao tempo e chegou até nossos dias,
provindo do direito romano, está na limitação da coisa julgada,
em seus aspectos subjetivo e objetivo. As exceções que hoje se
apontam ao princípio de que a res iudicata ~ U S facit inter pa/tes
e de que res inter alios iudiatí neque ffocet neque p rode~
são invariavelmente e na essência as mesmas referidas nos
textos romanos".
Embora o CPC de 1939 não contivesse regra alguma
explícita a respeito dos limites subjetivos da coisa julgada,
consagrava a máxima romana, com a admissão do recurso do
terceiro prejudicado, ainda que sem fazer expressa menção ao
tipo de prejuízo: l l ~ r t . 815 - O terceiro prejudicado poderá,
todavia, recorrer da decisão. O Prazo Para interposiçã~ do
recurso do terceiro prejudicado será 0 das partes, e da mesma
data se contará".
44 ob. cit., p. 498 h4
Nesse mesmo sentido, encontramos Ada Pellegrini
rin no ver^': 'O Art. 815 do Código de 1939 possibilitava ao
terceiro prejudicado, sem explicitar o tipo de prejuízo, o uso
desse recurso, mas não o obrigava a usa-lo. O terceiro poderia
deixar decorrer o prazo do recurso ''h a/.&'' e insurgir-se
contra a sentença a qualquer momento, mediante rescisória, ou
mesmo por ação própria. Diversa e a colocação do direito
italiano I onde a "oppo~0t7e ddi terzd: se não interposta, cria
preclusão impeditiva".
A problemática reside em saber a quem a extensão da
coisa julgada alcança. Se somente as Partes da relação jurídica
processual ou se também a terceiros- A regra consagrada desde
O direito romano, é a de que somente aos participantes da
relação processual é que haverá incidência da coisa julgada,
Terceiros que dela não participaram não poderão por essa
razão çer atingidos. ISSO foi adotado pelo Código de 1973 de
o recurso do terceiro prejudicado pelo artigo 499, desde que o
45 Direito Processual Civil, P. 96 h 5
E outra coisa não nos ensina Aureliano de G u ~ m ã ~ ~ ~ , ao
discorrer acerca da imutabilidade da coisa julgada, não
obstante reconhecê-la como própria da sentença, após a
produção da coisa julgada: 'Desde que a sentença tem
produzido a RES JUDICATA, adquire, na @rase de Cogliolo, ''A
MAIS SUBLIME DAS PRESUMÇÕES LEGAES", que se contem no
conhecido apophthegma de Ulpiniano - "RES JUDICATA PRO
VERUATE AcCIPITUR - (Dig., de reg* jurmr 1.207, presump~ão
JURIS DE JURE, que exclue toda e qualquer prova e,
contrario e da qual resultarão, além de outros que d 'ella em si
mesma decorrem directa e immediatamente, 0s três seguintes
efeitos: a) fazer direito entre as partes, e EM REGRA só entre
as partes ... It
Nem poderia ser diferente, Pois, tendo em vista a
finalidade eminentemente prática da coisa julgada, que é
justamente a de conferir segurança à sociedade, não se pode
olvidar que as relações humanas, como 0s at0s jurídicos em
geral, não Mo isolados, ao contrário, Se interpenetram.
46 Cousa Julgada, p. 2 1
> isso resulta que a sentença proferida em dada relação
processual - e a subsequente situação jurídica da coisa julgada
nela incidente - acabara repercutindo na esfera de terceiros.
O que se pretende, com o presente estudo, e saber-se
como é que isso pode se verificar no mundo empírico, sem
desmoronar a regra secular reS ifitef alios iudc'&', a& non
praeiudicat
Percebe-se, pelo que até então foi dito, que a coisa
julgada vincula somente as partes, pois terceiros não poderão
ser prejudicados. Essa regra fundamental encontra respaldo na
mais singela idéia de justiça , porquanto não se afigura coerente
que aquele que não tenha tido oportunidade de desenvolver
qualquer atividade no processo Possa ser atingido pela coisa
julgada decorrente da decisão nele proferida. Entendimento
contrário consistiria na admissão de absurdo jurídico, pois
impingiria a terceiro situação Por ele sequer conhecida, querida
ou pretendida.
Nesse contexto, é legítimo ao terceiro opor-se a coisa
julgada formada, na hipótese de se ver por ela prejudicado,
uma vez que não participe da relação processual que a
originou. E outra não foi a solu~ão adotada pela legislação
pátria, que consagra a limitação subjetiva da coisa julgada às
partes (art. 472, do CPC), ou seja, a quem a lide diz respeito.
Talvez fosse mais adequada uma redação diversa ao
artigo 472, a parte primeira, se assim dispusesse: "A coisa
julgada é restrita as partes da relação processual", pois se a
coisa julgada fica subjetivamente restrita as partes, por óbvio
não pode interferir na esfera jurídica de terceiros, não sendo
imperioso que haja qualquer referência àqueles, conferindo,
assim, maior precisão ao texto legal que não deve conter
palavras inúteis.
Verifica-se, portanto, a importância da discussão da exata
definição do instituto da coisa julgada, Porquanto identificar-se
a coisa julgada com a eficácia da sentença f o i ~ o s a m e ~ t ~ é
admitir sua a terceiros. - E o que se verifica em
chiovenda" que, para justificar "aparentes desvios da limitação
subjetiva da coisa julgada", faz referência a teoria da
representação. Sistematicamente, não se pode asseverar se
admitida a coisa julgada como qualidade de irnotabilidade da
decisão contida na sentença, segundo entendimento
liebmaniano, a situação jurídica nova, conforme Barbosa
Moreira, do que se pode com tranquilidade extrair a idéia de
restrição subjetiva da coisa julgada as Partes.
Mas, se a coisa julgada vincula Somente as partes da
relação processual, como se justifica que terceiros possam
sentir 0s reflexos do comando emergente da sentença,
revestido da qualidade de imutabilidade? Viu-se que não é
pela extensão subjetiva da coisa julgada, cuja limitação é afeta
as partes, A solução procuraremos encontrar no
desenvolvimento do item subsequente-
47 em sua obra Insfitujções de Direito procs~ual Civil. v01 I. P 572 h9
CAPITULO 8 - EFICÁCIA NATURAL DA SENTENÇA
Várias foram as teorias que buscaram justificar a
interferência de dada sentença na esfera jurídica de terceiros,
sempre em conformidade com O entendimento que tinham do
instituto da coisa julgada.
Na Idade Média, os juristas de então, a ausência de
critérios metodológicos que explicassem a extensão subjetiva
da sentença a terceiros que restavam prejudicados por ela,
catalogavam esses terceiros em grupos de interessados,
partindo da qualidade do interesse que pudessem ter.
Sobreveio Savigny com a teoria da representação,
segundo a qual a extensão da coisa julgada a terceiros operaria
em decorrência de vínculo de representação que aqueles
tivessem com uma das partes e também nas hipóteses em que
esses terceiros estivessem representados no Processo por uma
delas.
71)
Celso ~ e v e s ~ ~ , discorrendo sobre O tema, ressalta que:
"Passando ao exame da identidade de pessoas, indispensável à
aplicação da exceptio, assevera savigny que por efeito dessa
condição nenhum terceiro pode pretender direitos ou ser
submetido a obrigações, por força de julgado anterior. Res inter
alios iu&atae neque emolumentm afferre bis, qui iudicio non
intefiuerunt , neque pr-udcium solent irrogare. Essa regra
tem especial importância nas ações reais, em face do carater
absoluto do domínio que poderia levar a supor-se o contrário.
ISSO não obstante, há extensões naturais e postitias da
eficácia do julgado. Entre as primeiras está o caso dos
Suces~m das partes, a título singular OU universal. Nas
Últimas se encartam as a~Õe.5 de e-0 e, em especial, as
relativas a uma relação de direito de família, as decorrentes de
direito hereditáriof as ações relativas a relações interligadas".
~ ã o sobreviveu aludida teoria após a segunda metade do
século XD(, porquanto não acobertava as hipóteses da extensão
Subjetiva dos efeitos da sentença a contento, uma vez que
ficavam sem muitos Casos em que terceiros eram
48 ob. cit., p. 124 e 125
7 1
atingidos pelos efeitos da sentença ainda que não
apresentassem qualquer 'vínculo de representação".
Surgiu então outra teoria, com respaldo nas reflexões de
Ihering, na seara das relações do direito privado, denominada
de teoria dos efeitos reflexos da coisa julgada.
Salientou o referido jurista que 0s &OS jurídicos em geral
produzem efeitos diretos e efeitos indiretos. OS primeiros
pretendidos pelo agente, 0s segundos não, não obstante
inevitáveis, sendo portanto aqueles decorrentes da vontade do
agente em produzi-los, OS outros não, mas derivados da
influência maior ou menor que 0 ato Possa ter nas relações de
terceiros, Ihering a idéia, para elucidar o
entendimento, a um fenômeno físico: se atirarmos uma pedra
num lago, formar-se-ão, em torno do ponto atingido na água,
vagas concêntricas, a primeira mais volumosa e menos extensa
e, em seguida, outras cada vez menos ~ o ~ . J ~ o s ~ s e mais
extensas, até que desaparecem totalmente. Tal qual nos atoç
jurídicos I verifica-se então um efeito querido e previsto pelo
agente, ao lançar a pedra, e eis os efeitos diretos dos atoç 73.
jurídicos, e as demais vagas concêntricas, OS efeitos reflexos,
não previstos ou queridos, mas contingentes do ato.
Partindo daí, formou-se a teoria dos efeitos reflexos da
coisa julgada, segundo a qual a coisa julgada produz efeitos
diretos em relação as partes, mas também efeitos reflexos em
relação a terceiros, estes não queridos ou previstos, mas
inevitáveis. Para Adolph ~ a c h " : "quando tenha sido uma
Senten~a proferida entre OS legítimos contraditores, a coisa
julgada entre as partes Opera, enquanto tal, em relação a
todosff.
Muitos doutrinadores italianos acolheram referida teoria
como fundamento para desenvolvimento de suas próprias
teorias, dentre eles, chiovenda-
Para ele, a sentença, corno qualquer ato jurídico, existe
em relação a todos, mas afirmar que a sentença e, portanto, a
Coisa julgada, vale em relação a terceiros, não quer dizer que
possa prejudicar terceiros, mas tão somente que esses terceiros
49 a p d M~~~~~ dos Santos, primeiras Linhas de Direito Processual Civil, v01 3. p. 71
não poderão desconhecê-la. Por prejuízo não se pode
compreender um prejuízo jurídico, bem podendo existir um
prejuízo de mero fato. Cita então, para exemplificar o prejuízo
de fato, o exemplo de uma ação de reivindicação entre A e 6,
julgada procedente, onde Cr credor de Br teve sua garantia ao
crédito reduzida, pois o patrimônio de B foi diminuído, não
obstante haver permanecido íntegro O seu direito ao crédito. E,
como prejuízo jurídico, cita O exemplo de uma ação
reivindicatórja entre A e B, que declara direito incompatível ao
de um terceiro, C, que se intitula proprietário da coisa objeto da
reivindicação. Entre o direito declarado na sentença entre A e
6, seja quem for o vencedor, há incompatibilidade lógica com a
afirmação de C, justamente porque a sentença atribui a
propriedade a uma das partes e C tambkm Se diz proprietário
da mesma coisa, hipótese em que, não obstante estar obrigado
C a respeitar aquela sentença, não resta compelido a suportar
os seus efeitm, notadamente porque isso ensejaria a ele
prejuízo jurídico er em casos tais, a coisa julgada não pode
opor-se a terceirosm50
Formulou Betti sua teoria, que, segundo ~ucc i~ ' , 'Cuida,
então, de estabelecer a regência dos limites subjetivos da coim
julgada, assentando dois regramentos fundamentais, a saber:
a) um de carater negativo, no sentido de que 'a decisão
pronunciada entre as partes em causa é juridicamente
irrelevante a respeito de estranhos ao processo, como coisa
julgada, que se pode a eles referir? e 6) outro, de caráter
positivo, que integra o primeiro, estabelecendo que 'a decisão
pronunciada entre as partes tem valor também em relação a
determinados terceiros, como a coisa julgada que se formou
entre as partes". Justificando, ademais, a extensão da coisa
julgada a terceiros, quando entre eles e as partes haja uma
relação de subordinação ou de dependência, do ponto de vista
do direito material, passa a cogitar da analise de situações
diversas, consubstanciadas nas figuras da sucessão, da
substituição processual, da conexão mediante concorrência
alternativa e da conexão por dependência necessária. E, afinal,
da combinação das regras focadas, faz resultar a classificação
dos terceiros, também em três categorias, seguintes:
'' Curso de L)iieito Processual Civil, vol 3 , p 0.1
a) terceiros juridicamente indiferentes, estranhos a relação
jurídica litigiosa e sujeitos de relação compatível com o
decidido;
b) terceiros juridicamente interessados, não sujeitos a exceção
de coisa julgada, tais os titulares de relação incompatível com a
sentença; e
c) terceiros juridicamente interessados e sujeitos a exceção de
coisa julgada, que se encontram subordinados a parte com
referência a relação decidida e, por isso, sujeitos a suportar os
efeitos da coisa julgada, como se próprios Ihes fossem".
Segundo Carreira ~ lv im '~ , ao discorrer acerca da
teoria de Betti, '... o que justifica, do ponto de vista do direito,
a extensão da coisa julgada ao terceiro, estranho a lide, é a
condição de subordinação em que este se encontra em face dos
litigantes, considerada, para determinar essa condição, a
situação jurídica de um em relação ao outro. Dessa
subordinação, resulta a submissão do terceiro a coisa julgada
alheia".
52 Elementos de Teoria Geral do Processo, p. 298 e 299
76
Opôs-se, então, Liebman aduzindo que a sentença é
eficaz em relação a terceiros, entretanto, despida daquele
aspecto que constitui a autoridade da coisa julgada, esta
restrita as partes. Terceiros, então, seriam atingidos pela
eficácia natural da sentença, enquanto ato de autoridade
emanado do Estado, que espelha a vontade da lei para solução
do conflito de interesses levado ao seu conhecimento, daí não
surtir a sentença efeitos somente em relação aos litigantes, as
partes da relação processual. Propõe assim, Liebman, duas
máximas: a eficácia natural da sentença opera entre todos,
diversamente da autoridade da coisa julgada que se forma
somente para as partes. 53
Segundo nos ensina Carreira Alvim, discorrendo acerca da
teoria liebmaniana: 'A natureza dessa sujeição e para todos -
litigantes e terceiros - mas a sua medida e determinada pela
relação de cada um com o objeto da sentença. Só que há
entre os litigantes e terceiros uma grande diferença: para 0s
litigantes a sentença passa em julgado, isto e, os seus efeitos
tornam-se imutáveis; para os terceiros, isso não acontece.
53 Curso de Direito Processual Civil, vol. 03. p. 14 1 e 142
77
Distinguindo-se os efeitos da sentença, da imutabilidade deles,
vê-se que a coiM juígada (uma qualidade desses efeitos) é
limitada as partes, o que não ocorre com os próprios efeitos,
que alcançam mesmo terceiros, aos que se dá remédio para
evitá-los (através, por exemplo, da intervenção de terceiros ou
?r 54 do recurso do terceiro prejudicado) .
Liebman, aplicando sua teoria, distingue três categorias
de terceiros.
A primeira categoria (A) reúne os terceiros indiferentes,
ou seja, aqueles que nenhum prejuízo sofrem em decorrência
da sentença, a eles nada restando senão reconhecer a eficácia
natural da sentença.
A segunda categoria (B) reúne os terceiros interessados
praticamente, aqueles que serão atingidos pela sentença
mediante prejuízo prático OU econÔmic0, como na hipótese de
credor do vencido na ação de reivindicação, nada Ihes restando
senão respeitar a sentença, porquanto não há incompatibilidade
54 Elementos de Teoria Geral . . . , p 302
entre o seu direito de crédito e o direito de propriedade
declarado na sentença.
Na terceira categoria (C) estão os terceiros juridicamente
interessados, subdividindo-os em dois grupos.
Em um dos grupos (C1) reunem-se terceiros que têm
interesse igual aos das partes. Exemplificando: o interesse de
terceiro que se julgue proprietário de uma coisa reivindicada
entre A e B, o seu interesse e igual ao interesse destes. Aos
terceiros desse grupo resta a oposição a sentença, mas não
porque serão atingidos pela coisa julgada, mas sim porque
atingidos juridicamente nas suas esferas jurídicas.
Em outro grupo (C-2) reuniu os terceiros cujo interesse
jurídico e de categoria inferior aos das partes, porquanto
titulares de relações jurídicas dependentes da relação jurídica
julgada no processo. Exemplifica-se da seguinte maneira: a
sentença condenatória da Fazenda Pública por ato ilícito de
funcionário, que não é parte no processo, não produz coisa
julgada em relação ao mesmo. Do que resulta que o
79
funcionário, na ação de regresso que a Fazenda promova,
poderá insurgir-se contra a sentença demonstrando sua
ilegalidade ou injustiça.
É a tese de Liebman que abraçamos. A sentença, ato
jurídico emergente do Poder Estatal, não pode passar
desapercebida aos olhos da sociedade, porque reflete a
vontade da lei (comando genérico e abstrato) ao caso concreto.
Se a lei reclama de todos o respeito, o mesmo se pode afirmar
acerca desse acertamento no plano da realidade, do que
exsurge a necessidade de respeito de todos aquela, ao que
podemos denominar, segundo prestimosa colaboração de
Liebman, de eficácia natural da sentença.
Imaginemos ação reivindicatoria de imóvel entre (A) e
(B), sendo (A) vencedor. A ninguém é dado ingressar no imóvel
de (A) alegando desconhecer a sentença que lhe foi favorável,
posto que aquela lhe reconhece a propriedade. Todos serão
atingidos pela eficácia natural da sentença, ainda que
totalmente desinteressados, podendo, entretanto, impugnar a
propriedade reconhecida, uma vez que não afetados pela coisa
81)
julgada, ou seja, atestam a propriedade reconhecida, tanto que
para contradizê-la haverão de utilizar-se de outra ação.
Tem-se, portanto, que terceiros não são atingidos pela
coisa julgada, mas a eficácia natural da sentença surte reflexos
na esfera jurídica desses terceiros, incomodando-os, por vezes,
desde que apresentem alguma relação de interdependência ou
relação qualquer com uma ou ambas as partes envolvidas no
processo.
Para entendermos de que forma os terceiros podem ser
atingidos pela eficácia natural da sentença, devemos reunir
esses terceiros em categorias, de acordo com o interesse que
apresentem em face da relação jurídica material deduzida em
juízo: a) terceiros desinteressados; b) terceiros dotados de
interesse de fato; c) terceiros legitimamente interessados; d)
terceiros juridicamente interessados.
Os terceiros desinteressados são aqueles completamente
estranhos a relação jurídica material, pois não mantém
qualquer vínculo com as partes, desconhecendo-as no mais das
8 1
vezes. Como no exemplo que mencionamos acima, na ação
reivindicatória entre (A) e (B), tendo seu pedido julgado
procedente, (C), que com as partes não mantem nenhum
vínculo, fático ou jurídico, não poderá adentrar ao imóvel
alegando que não foi atingido pela coisa julgada; não poderá
desconhecer (A) como seu proprietário, porque é atingido pela
eficácia natural da decisão, devendo respeitá-la, mas nunca
porque foi de qualquer forma atingido pela coisa julgada, que
restrita é as partes.
Os terceiros dotados de interesse de fato, posto que as
relações que porventura puderem ter com uma ou ambas as
partes, em nada restara prejudicada ou modificada
juridicamente pela decisão proferida, também são estranhos à
relação de direito material. Como exemplo clássico,
encontramos o do credor que vê o patrimônio do seu devedor
, comprometido por ação reivindicatória. Ora, o seu direito de
crédito permanece íntegro, o que ocorreu e que a eventual
garantia que tinha não mais existe. Eventual, porque não lhe
era assegurada sequer contratualmente, e aí reside o seu
interesse de fato. Esse terceiro também será atingido pela
eficácia natural da sentença e tão somente por ela.
Quanto aos terceiros legitimamente interessados -
adotamos essa conceituação para a categoria de terceiros com
base no ensinamento de Thereza ~lvim'* - se pode dizer que
suas esferas jurídicas serão atingidas pela solução da relação
material discutida em juizo. O exemplo que nos dá a
mencionada processualista é O do '[ ...I usufrutuario que se
verá despojado de seus direitos, se aquele, que lhe deu o bem
em usufruto, o perder em ação reivindicatória contra ele
movida. O usufrutuário será, nesse caso, atingido, em sua
esfera jurídica pela decisão da lide alheia, pois sua relação
jurídica de usufruto se extinguira". E conclui dizendo que '[...]
não será a coisa julgada material que atingirá esse terceiro,
mas a decisão da lide em sua eficácia natural, e essa realidade
, proces~ual fica ainda mais clara, se for lembrado que mesmo
não ingressando no processo alheio, esse terceiro será, da
mesma forma, atingido pelo decidido. Essa decisão para ele
será imutável, não por ser alcançado pela coisa julgada material
'' O Direito Processual de Estar em Juizo. p. 188
X3
mas porque não poderá rediscuti-Ia em juízo, já que careceria
de legitimação, de interesse e de possibilidade jurídica, para
tanto. "6 Essa categoria de terceiros terá inexoravelmente sua
esfera jurídica, sua relação jurídica, atingida pela decisão, em
decorrência da eficacia natural da sentença, e não porque seja
atingida pela coisa julgada.
Terceiros juridicamente interessados são aqueles que
terão suas esferas jurídicas atingidas pela fundamentação
daquilo que for decidido. O exemplo clássico e aquele que em
uma ação de anulação de escritura pública, em decorrência de
dolo daquele que lavrou a escritura, precisamente aquele que
praticou o ato não importa em si a anulação do ato, mas o que
lhe diz respeito mais de perto 6 aquilo que for dito a respeito
do seu dolo, o que revestira a fundamentação da sentença.
Esse terceiro será atingido pela eficácia natural da sentença,
não pela coisa julgada.
Entendemos mais adequado pensar em quatro categorias
de terceiros, e não três como indicado por Liebman. Segundo
56 . idem, p. 188
84
Liebman a categoria (C): terceiros juridicamente interessados,
subdivide-se em duas subcategorias: (Cl) terceiros com
interesse igual aos das partes; e (C2) terceiros com interesse
jurídico de categoria inferior ao das partes. Em nosso sentir,
agrupa aludido processualista duas realidades distintas sob o
mesmo rótulo, o que metodologicamente, entendemos, não se
afigura exato. Uma coisa e apresentar interesse jurídico, outra
coisa é apresentar interesse igual aos partes. Para Liebman, os
primeiros, da categoria (Cl), poderão opor-se a coisa julgada,
porquanto atingidos pela eficácia natural da sentença; os da
categoria (C2), da mesma forma, desde que não tenham
intervindo no processo, mas e se porventura houverem
intervindo? Certamente solução diversa observar-se-ia, sendo,
nesse passo, atingidos pela fundamentação da decisão, tal
como abaixo discorreremos.
Às categorias de terceiro que têm suas esferas jurídicas
atingidas pela eficácia natural da decisão, mais precisamente as
duas últimas categorias de interessados, a lei confere especial
proteção, autorizando a intervenção naquela relação jurídica
processual, na qualidade de assistente.
85
A assistência constitui instituto que, não obstante a
sistemática do Código de Processo Civil que a disciplina no
capítulo afeto ao litisconsórcio, e não no capítulo referente a
intervenção de terceiros - quiçá pela bipartição do instituto em
simples e litisconsorcial, e em que pese a indignação da
doutrina5' - de intervenção de terceiros se trata, notadamente o
instituto da assistência simples.
É assim que o assistente simples, ou seja, aquele que
detiver interesse jurídico (para nós as categorias dos terceiros
legitimamente interessados e dos terceiros com interesse
jurídico) poderá ingressar em lide alheia, nos termos do art. 50
do CPC. O que justifica essa intervenção e o fato de que suas
esferas jurídicas serão afetadas pela eficácia natural da decisão,
a ser proferida em determinado processo.
O que reforça o exemplo do tabelião atingido pela
fundamentação da decisão, é 0 teor do artigo 55 do aludido
diploma legal que prescreve que, intervindo o terceiro e
'' entende a doutrina, dadas as peculiaridades e tlagrantes diferenças entre a assistència simples e litisconsorcial, que não 6 absolutamente correto alniPa1-se sob o mesmo rótulo realidades tão dispares, precipuamente porque assistência simples diz respeito ao terceiro, estranho à lide, e na assistência litisconsorciai de parte se trata, conforme demonstraremos
R6
transitada em julgado a sentença, é vedado ao terceiro discutir
a justiça da decisão (precisamente a sua fundamentação)
excetuadas duas hipóteses: a) tendo em vista o momento
processual da intervenção, a impossibilidade de produção de
provas que tivessem o condão de influenciar na decisão; b) a
existência de provas, das quais o assistido, por dolo ou culpa,
não tenha se utilizado.
Aqui, cumpre fazer um parênteses: e sabido que as
partes, ate mesmo após o trânsito em julgado, poderão
ingressar com outra ação, valendo-se de causa petendidiiversa,
o que equivale dizer que as partes somente não poderão
rediscutir a fundamentação da decisão em face daquele pedido
julgado. Entretanto, a fundamentação poderá ser rediscutida
em outra oportunidade (outra ação) desde que tenha a
qualidade de fundamento para outro pedido. Importante
. ressaltar-se que fundamentação e argumentação são coisas
diferentes e neste sentido é precisa a lição de Thereza Alvim:
"Aliás, consoante o previsto no art. 474, do estatuto processual
civil vigente, referentemente ao pedido já decidido, não podem
as partes invocar nem mesmo outra argumentação que, por
87
qualquer razão, deixaram de invocar quando da pendência da
ação (princípio do deduzido e do dedutível), em relação a lide.
Não se confunde argumentação com causa de pedir, porque se
esta for diversa, diversa será a lide, que poderá, por isso, ser
levada ao judi~iar io" .~~ O que autoriza a afirmar, em face do
artigo 55 do CPC, que OS terceiros são mais profundamente
atingidos pela decisão (fundamentação) do que as próprias
partes com a coisa julgada, desde que intervindo no processo e
na impossibilidade de opor as exceções do referido artigo,
restando claro que '[ ...I o envolvimento das partes é com o
pedido e com a solução a ele dada pelo Judiciário, enquanto
r1 59 desse terceiro e com as razões de decidir .
AO assistente litisconsorcial não se pode aplicar o mesmo
tratamento, porquanto de parte se trata, do que resulta que
será atingido pela coisa julgada. É o que se depreende do
artigo 54 do CPC, posto que aos litisconsortes também diz
respeito diretamente a relação jurídica material. Imaginemos a
seguinte hipótese: (A) e (6) são condôminos de um dado
imóvel. (A), sozinho, promove ação de reivindicatória contra
5 8 idem, p. 190 '9 idem, p. 100
(C). (B), posteriormente, ingressa no processo, na qualidade de
assistente litisconsorcial de (A), porquanto também detém
relação jurídica com (C). Claro que (B), tal qual (A) e (C),
também será atingido pela coisa julgada, porquanto de parte
se trata, pois a relação de direito material subjacente a ele
também pertence. E, ainda que não tenha participado da
relação processual, também será atingido pela coisa julgada,
em decorrência do fenômeno da substituição processual, posto
que presentes todos os requisitos para que assim entendamos:
há autorização legal - art. 46, I, do Estatuto Processual - para
que (A) peça em nome próprio direito alheio.
Em todas as espécies de IitisconsÓrcio, não há maiores
dificuldades quando analisamos a coisa julgada em relação a
eles.. Problema surge quando se cogita do litisconsórcio
facultativo unitário, conforme o exemplo que apresentamos.
, Senão vejamos.
Em se tratando de litisconsorcio necessário simples, muito
fácil, se nem todos os litisconsortes estiverem no processo, se
verificará a nulidade da relação jurídica processual, em face da
89
deficiência na integração do pólo ativo ou ausência de citação,
o que reclama a solução do art. 47 do CPC, e não há de se
falar em coisa julgada em relação aqueles que não integraram
um dos pólos do processo. Se todos estão presentes, mais fácil
ainda, pois todos serão atingidos pela coisa julgada.
Nada difícil também é examinar a hipótese de
litisconsórcio facultativo simples, que como o próprio nome
sugere, não torna obrigatória a presença de todos no processo,
cada um podendo propor, posteriormente, a ação que entender
conveniente. Somente aqueles que tenham participado da
relação processual serão atingidos pela coisa julgada.
No IitisconsÓrcio necessário unitário, a solução é idêntica
a do necessário simples, posto que imprescindível a presença
no processo de todos aqueles que figuram na relação jurídica
de direito material, seja por força de lei, seja pela natureza da
relação jurídica.
E, finalmente, toda a problemática reside no litisconsórcio
facultativo unitário. Para demonstrá-la nos utilizaremos do
91)
exemplo acima referido, do condomínio entre A e B, onde A,
promova ação reivindicatória em face de C. Intervindo B, na
qualidade de assistente litisconsorcial, de parte em sentido
substancial se trata e aplica-se a máxima romana6'. Mas, em
não intervindo B, parte não foi da relação processual, o que nos
leva a questionar em que medida a coisa julgada poderia
atingi-lo, posto que sua também é a relação jurídica de direito
material. Parece-nos que imaginar que a coisa julgada não o
alcança seria admitir que posteriormente B ingressasse com
nova ação com o mesmo objeto, porquanto de outra lide se
trataria, dada a diferença de parte, mas isso afronta toda a
sistemática do processo. O problema se resolve nessa hipótese
específica pelo instituto da substituição processual. O
litisconsorte não presente no processo será substituído
processualmente por aquele presente, ou seja, B compareceu
ao processo substituído por A, que também funcionou no
, processo na qualidade de parte, sendo então i3 atingido pela
coisa julgada.
-
" de que a coisa julgada atinge somente as partes do processo
9 1
Mas não se pode deixar de pensar em situações outras,
onde não há expressa previsão legal que autorize a substituição
processual de outrem, tal como ocorre, no exemplo classico de
Liebman, da ação objetivando anulação de assembléia
societária, para a qual cada um dos sócios detém legitimação
ordinária ou, então, em casos de ação objetivando anulação de
testamento, havendo vários herdeiros legítimos. Nessas
hipóteses, a procedência do pedido retiraria do mundo jurídico
o ato praticado e, por se tratar de litisconsórcio facultativo
unitário, será que aqueles que também participam da relação
jurídica de direito material e que não participaram do processo
seriam afetados pela coisa julgada a ser formada no processo ?
Ora, um ato só pode ser válido OU inválido, nulo ou eficaz para
todos os que dele participam. Nesse diapasão, afigura-se que a
decisão que decretar a anulação da assembléia societária ou do
testamento, retira do mundo jurídico aquele ato,
desconstituindo-o, não podendo as demais partes (no sentido
da jurídica de direito material) propor qualquer ação
acerca do mesmo, porquanto a elas faleceria interesse de agir.
Nesse sentido, Cândido Range1 ~inamarco~': "No caso dos
co-legitimados ordinários a demanda de desconstituição de um
ato (como no clássico exemplo dos sócios a demandar anulação
de ato de assembléia), a coisa julgada que se formar sobre
sentença julgando improcedente a pretensão de um não
atingirá o poder de ação dos demais (limitação subjetiva da
coisa juigada: v. CPC, art. 472): julgada procedente a demanda
de alguns deles, o ato se desconstitui e os outros carecerão de
interesse processual para o ajuizamento de novas demandas.".
Verifica-se, portanto, a incidência da máxima romana,
porquanto não foram elas atingidas pela coisa julgada, uma vez
que partes não foram da relação processual, mas como para
qualquer demanda haverão de atender as condições da ação, é
o que Ihes faltaria nas hipóteses vertentes. Confirma-se, assim,
a máxima romana.
Nas hipóteses de substituição processual6*, e aqui apenas
para ilustrar invocamos o exemplo clássico do bem dotal, quem
é atingido pela coisa julgada é o substituído, porque a relação
jurídica de direito material lhe pertence, e não ao substituto. E,
como prescreve a doutrina, o substituto será atingido pela
coisa julgada, porquanto é ele parte processual, e a realidade
prática nem admitiria solução diversa.
Esperamos ter demonstrado, indicando as categorias de
terceiros, e abordando de forma breve o instituto do
litisconsórcio, onde é válida a máxima romana de que somente
as partes são atingidas pela coisa julgada, e os terceiros
sempre pela eficácia natural da sentença. E, nas hipóteses em
que se pretende sejam alguns "terceiros" atingidos, não é
porque sejam terceiros propriamente dito, mas partes em
sentido substancial.
fenomeno atraves do qual Se confere a Outrem. que não O próprio titular da afirmação de direito material, o direito de agir em juizo (direito de ação), que consiste justamente. pela sistemática do CPC, na ~egitimação extraordinária - art. 6". - f i ~ r a n d o no processo o substituto (parte processual) e O substituído (parte material)
Nas demais hipóteses de intervenção de terceiros
consagradas pelo Estatuto Processual, temos em todos os casos
partes do processo, e não terceiros propriamente dito.
Na oposição (arts. 56 a 61, do CPC), que constitui uma
ação contra aquela discutida em juízo, formam as partes da
relação processual primitiva litisconsorcio passivo. Ora, se o
terceiro interveniente (opoente) deduz pretensão, forma-se
outra ação e esse terceiro e autor, parte ele será. Então, não
será ele atingido pela coisa julgada da outra ação, formada
entre autor e réu da ação primitiva, mas apenas pela eficácia
natural da sentença, tanto que, querendo, poderá ficar inerte, e
exercitar o seu direito de ação após O trânsito da sentença que
se forme no processo da ação primitiva.
Na nomeação a autoria, o que ocorre e que o nomeante é
parte e aceita a nomeação pelo nomeado, com o que o
nomeante se retira do processo, deixando de ser parte. Já no
caso de não ser aceita a nomeação pelo nomeado, parte
permanece o nomeante, sofrendo portanto a incidência da
coisa julgada.
95
O mesmo ocorre na hipótese de denunciação da lide, que
constitui instituto através do qual se insere em uma ação uma
nova ação. Se o denunciado integrar o processo, tornar-se-á
litisconsorte do denunciante, e, por conseguinte, parte na causa
e submetido a coisa julgada.
Com propriedade, leciona Thereza ~ l v im" que: "O artigo
74, incisos I1 e 111, em questão, significa em verdade, que o
denunciado, a despeito de assumir posição de litisconsorte na
ação principal, não tem disponibilidade em relação a ela,
estando seu agir, subordinado aquele do denunciante. A
natureza jurídica desse agir, portanto, e de assistente simples,
desde que ira auxiliar o denunciante, pois tem interesse em que
essa parte que lhe denunciou a lide seja vencedora da
demanda. Assim e, pois a S O ~ U Ç ~ O dessa lide influenciará o teor
da decisão da lide de denunciação contra ele proposta".
NO chamamento ao processo, tanto o chamante como 0
chamado são partes da relação material, sendo, identicamente,
atingidos pela coisa julgada.
63 O Direito Processual de Estar em Juízo. p. 200
96
Delineada a abrangência da primeira parte do artigo 472
do CPC, no item 7, é de rigor a analise da segunda parte do
artigo 472 do CPC.
Em que pese a forma da redação dessa segunda parte do
dispositivo legal mencionado, que em uma leitura apressada
poderia passar a impressão de que terceiros podem ser
atingidos pela coisa julgada, na verdade apenas reforça a
máxima romana.
Primeiramente, mister analisarmos o que vem a ser
"estado de pessoa", no texto do artigo 472 do CPC.
Encontramos interessante lição de Negi Calixto e Víctor A.
A. Bonfim ~ a r i n s ~ ~ , segundo os quais '[ ...I nas chamadas ações
de estado, a relação controvertida versa sobre o estado da
pessoa, seja status familiae (estado fam i l ia r) ou status civitatis
(estado de cidadania) ou, genericamente, como escreve Moniz
de ~ r a ~ ã o ~ ~ , "nele se identifica, em suas varias formas, a
capacidade jurídica su bjetiva, como conjunto de poderes e
deveres dos quais o sujeito e investido pelo ordenamento
jurídico".
Moacyr Amaral Santos enumera quais seriam as ações
relativas ao estado da pessoa '[ ...I compreendidas entre as
antigamente chamadas actiones praeiudicialis, as seguintes: a)
ação para pedir a posse em nome do nascituro; b) ação de
emancipação; c) ação de levantamento de impedimentos
matrimoniais; d) ação de suprimento de consentimento para
casamento; e) ação de separação conjugal; f) ação de anulação
ou nulidade de casamento; g) ação de filiação; h) ação de
contestação de paternidade; i) ação de impugnação de
reconhecimento de filho; I) ação reclamatória de filho; m) ação
suspensiva de pátrio poder; n) ação destitutória de pátrio
poder; o) ação de nulidade ou de anulação, ou impugnação de
rr 66 adoção .
Para Antônio Cláudio da Costa achado^': 'São, portanto,
'causas concernentes ao estado da pessoa' as 'ações de
estado ' (ou "prejudiciais" no dizer da doutrina mais antiga) que
66 Comentários ao Código de Processo Civil, p. 457 '' A Intervenção do Ministério Público no Direito Processual Civil Brasileiro, p. 289 e 230
98
versem sobre o posicionamento da pessoa dentro da família
(status familiae), o que abarca a especial relação entre os
cônjuges.". Continua o autor: ' [...I ainda no âmbito do status
fmiliae, vamos encontrar litígios envolvendo o chamado direito
parenta1 dos quais resultam alterações do posicionamento
jurídico da pessoa dentro do círculo familiar".
Quer pela conceituação, quer pelo rol acima transcrito,
verifica-se que se tratam de ações e, por conseqüente, de
sentenças de carater eminentemente constitutivo. O que se
traduz erga omnes não e a coisa julgada, como pode fazer crer
a segunda parte do aludido dispositivo, mas sim a eficácia
preponderantemente constitutiva da sentença, que pela sua
peculiaridade de criar, modificar ou extinguir dada relação
jurídica, não permite que terceiros fiquem imunes a ela,
verificando-se com isso, mais uma vez, que terceiros são
atingidos pela eficácia natural da sentença e não pela coisa
julgada, sendo que tais terceiros atingidos serão os mesmos
terceiros juridicamente interessados tal como anteriormente
apresentamos-
De fato, quando o referido dispositivo alude a citação, em
litisconsórcio necessário, de todos os interessados, o faz na
exata medida para integrar o processo com todos aqueles que
deverão ser partes, e não terceiros propriamente. Formar-se-á
então coisa julgada a todos os "interessados" que houverem
sido citados, em IitisconsÓrcio necessário, partes portanto,
operando a coisa julgada a todos os que houverem funcionado
no processo nessa qualidade - e eis a regra da primeira parte
do artigo - mesmo porque, na ausência de qualquer deles, a
relação processual é inválida, e isso se aplica a todas as
espécies de ação e não particularmente as ações de estado,
não sendo outra a regra do artigo 47 do CPC.
Percebe-se, portanto, que desnecessária é qualquer
referência as ações relativas ao estado das pessoas, porquanto
acomodam-se de forma contundente na primeira parte do
artigo 472 do CPC. O que se verifica e que a subsistência da
referência pode gerar problemas equivocados de
interpenetração, o que aconselha seu suprimento.
Outra não é a conclusão a que ~ i e b m a n ~ ~ chega: ' ... a
validade erga omnes da coisa julgada, nas questões de estado,
não é uma exceção a relatividade da coisa julgada, mas sim
uma aplicação, a natureza especial dessas questões, dos
princípios gerais que regem toda a matéria.".
(i R Eficácia e Autoridade da Sentença, p. 175
1 0 1
CAPÍTULO 9 - A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA
COISA JULGADA COMO DIREiTO FUNDAMENTAL
O Estado de Direito pressupõe, para convivência
harmônica dos (e com) seus cidadãos e para atingir suas
finalidades, a separação de seus poderes (Legislativo, Executivo
e ~udiciario), a legalidade (a lei acima de todos, governantes e
governados), com a clara delineação das suas atividades e de
seus limites de atuação.
A ordem jurídica, que se consubstancia no aparato que
permite a funcionabilidade em sentido amplo do Estado, lhe
fornece instrumentos para atuação e, em contrapartida, coricebe mecanismos para proteção dos interesses dos
rl -4 C,
Cidadf as. porque nao ~altaraa ç~tuaçoes nas sua& seus direitos
serão desrespeitados.
A Constituição Federal reúne as normas que fornecem
substância ao Estado, dando-lhe estrutura, definindo as
competências dos seus Órgãos e lhe impondo os limites de
atuação.
Como premissa impõe-se a analise do conceito de
garantia no contexto constitucional.
Leciona Manoel Gonçalves Ferreira ~ i l h o ~ ' que: "Seguindo
Rui Barbosa, pode-se dizer que, num sentido amplíssimo,
garantias constitucionais são 'as providências que, na
Constituição, se destinam a manter os poderes no jogo
harmônico da suas funções, no exercício contra balançado das
suas prerrogativas. Dizemos então garantias constitucionaiç no
mesmo sentido em que os ingleses falam nos freios e
contrapesos da Constituição". Poder-se-ia chamá-las de
garantias sistema, pois derivam do sistema constitucional. (. . .)
Em sentido restrito - e de novo Rui Barbosa quem ensina -
"garantias constitucionais se chamam, primeiramente, as
defesas impostas pela Constituição aos direitos especiais do
indivíduo. Consistem elas no sistema de proteção organizado
69 Direitos Humanos Fundamentais, p. 32
103
pelos autores da nossa lei fundamental em segurança da
pessoa humana, da vida humana, da liberdade humana"".
As garantias constitucionais estão inseridas na ordem
jurídica como mecanismos assecuratórios da eficácia dos
direitos, notadamente daqueles expressamente consignados na
Carta Magna.
Outro não e o ensinamento de Jose Afonso da silva70: "0
conjunto das garantias dos direitos fundamentais formam o
sistema de proteção deles: proteção social, proteção política e
proteção jurídica. As garantias constitucionais em conjunto
caracterizam-se como imposições, positivas ou negativas, aos
órgãos do Poder Público, limitativas de sua conduta, para
assegurar a obsetvância ou, no caso de violação, a reintegração
dos direitos fundamentais".
Para José Alfredo de Oliveira ar acho'^ a garantia
constitucional é uma exigência necessária para assegurar a
'" Curso de Direito Constitucional Positivo. p. 184 71 Teoria Geral da Cidadania, p. 09
integridade da Constituição enquanto regra suprema do poder
constitui princípio de liberdade e de democracia.
O referido autor, analisando o emprego do termo
"garantia" em nosso texto constitucional, assim conclui: "Na
Constituição da República Federativa do Brasil, o Título 11, que
elenca a pluralidade de direitos que se desdobram (direitos
fundamentais, direitos individuais e coletivos, direitos sociais,
direitos a nacionalidade, direitos políticos), abriga a expressão
"garantias fundamentais", na enumeração dos "direitos e
garantias são fundamentais", e, no artigo 5O,9 2'., fala em
direitos e garantias expressos na Constituição. A palavra
"garantia" aparece em outras oportunidades, com significado
diferente: "garantia da União em operações de crédito externo
e interno" (artigo 52, VIII); "avais e garantias" (artigo 74 , 111);
garantias dos magistrados (artigo 95); "concessão de garantias
pelas entidades publicas" (artigo 163, III)."~, o que significa
que nem sempre a expressão garantia vem empregada na
Constituição com o significado que lhe emprestamos.
Para nós interessa mais de perto - dado os limites dessa
dissertação - o Capítulo I, no Título 11, da Constituição Federal,
que disciplina os direitos e garantias fundamentais.
O artigo 5'., inciso XXXVI, da Carta Magna, assim dispõe:
"a lei não prejudicara o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada".
Pretendeu o legislador conferir segurança as relações
jurídicas, no sentido de imprimir estabilidade aos atos jurídicos,
considerados lato sensu, vedando a retroatividade das leis.
Observadas as Constituições anteriores, percebe-se que
praticamente todos textos - com exceção da Constituição de
1937 - consignavam expressamente a irretroatividade da lei,
assegurando o direito adquirido, O ato jurídico perfeito e a coisa
, j ~ l ~ a d a . ' ~
NO que tange a coisa julgada se busca salvaguardar as
decisões proferidas nos casos concretos, das quais não caibam
73 conforme Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, p. 216
106
mais recursos, de possíveis alterações decorrentes de leis
posteriores, assegurando estabilidade as relações jurídicas,
justamente para tranquilizar o cidadão e pacificar suas relações.
E outro não é o entendimento de José Afonso da
"Tutela-se a estabilidade dos casos julgados, para que o titular
do direito aí reconhecido tenha a certeza jurídica de que ele
ingressou definitivamente no seu patrimônio. A coisa julgada é,
em certo sentido, um ato jurídico perfeito; assim já estaria
contemplada na proteção deste, mas o constituinte a destacou
como um instituto de enorme relevância na teoria da segurança
jurídica".
Para Paulo Roberto de Oliveira irn na^': "É da tradição de
nossas Constituições trazer dispositivos relativos ao instituto da
coisa julgada, onde basicamente se coloca o conteúdo da
decisão a salvo da influência de modificações no sistema
jurídico".
'' Curso de Direito Constitucionai Positivo. p. 420 75 Cont&uição à Teoria da Coisa Julgada, p. 83
1117
A garantia constitucional da coisa julgada e, assim, um
mecanismo através do qual as decisões judiciais, dotadas de
imutabilidade, ficam protegidas do possível surgimento de leis
que potencialmente possam altera-las.
A intenção do legislador, com o dispositivo legal em
questão, foi a de impedir que a edição de leis prejudique a
coisa julgada, reforçando a necessidade de estabilidade das
relações jurídicas, para resguardar, em última análise, o
cidadão.
Entretanto, perceba-se, a coisa julgada, por sua natureza,
constitui instituto de direito processual - tanto que por ele
regulamentada dentro de cada um dos seus ramos de acordo
com as suas especialidades - intrinsecamente ligada a idéia de
segurança das relações jurídicas e a sua estabilidade decorre da
própria imutabilidade que lhe é ínsita.
A inserção no texto constitucional faz com que o instituto
assuma relevância jurídica ainda maior daquela que já possui,
mas não altera os seus contornos. Tem na verdade a finalidade
108
de alertar o legislador acerca da proibição de editar leis que
prejudiquem a coisa julgada, no sentido da impossibilidade de
lei posterior confrontar aquilo que foi decidido em determinado
caso concreto.
E outro não e o entendimento de Paulo Roberto de
Oliveira irn na'^: "A Constituição interditou o ataque ao comando
da sentença, protegendo a imutabilidade do julgado, tornando-
o imune a alterações legislativas subsequentes. A igual saiução
chega-se através da interpretação sistemática. É que a
proteção da coisa julgada foi estabelecida na Carta Política, em
dispositivo Único que trata cumulativamente da coisa julgada,
do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, prescrevendo-
Ihes idêntico regime jurídico. E é fora de questão que a
Constituição não visou defender o "instituto" do direito
adquirido, nem o do ato jurídico perfeito. Em qualquer dos
casos, o desejo do constituinte foi o de impedir que lei nova
tivesse o condão de alterar direito já adquirido ou ato jurídico já
celebrado. Trata-se, aqui, do principio da não surpresa e da
irretroatividade da lei".
76 ob. cit., p. 85 e 86
Deve ser ressaltado que a garantia constitucional da coisa
julgada é um direito fundamental. Sob o ponto de vista do
cidadão o instituto reflete a proibição de repropositura da ação,
a exigência de que o processo termine e, precipuamente, o
direito a segurança jurídica quanto a solução obtida em face de
determinado caso concreto. Assim, força concluir que a
garantia constitucional da coisa julgada é um direito
fundamental pois encerra em seus fundamentos a necessidade
de respeito a dignidade do ser humano.
Mais e mais percebe-se hodiurnamente a relevância dos
direitos fundamentais, como vigas mestras do Estado de Direito
- e a coisa julgada está inserida nesse contexto, seja pela sua
inserção na Constituição Federal, seja pela sua característica
insita (segurança jurídica e pacificação social).
ISSO vem estampado em vários julgados. Na ADIn
1.910/DF o STF asseverou a importância e relevância da coisa
julgada assegurando a necessidade da estrita observância das
decisões por ela acobertadas.
No caso citado trata-se de arguição de
inconstitucionalidade de medidas provisórias (MPr 1.703/98 e
1.7898-3/99), editadas e reeditadas para alterar o artigo 188, I,
CPC, duplicando o prazo para ajuizar ação rescisória quando
proposta pela União, Estados, DF, Municípios ou Ministério
Público, e para acrescentar o inciso X no artigo 485, CPC,
tornando rescindível a sentença quando a indenização fixada
em ação de desapropriação direta ou indireta for
flagrantemente superior ou manifestamente inferior ao preço
de mercado objeto da ação judicial. O julgado citado, do
Tribunal Pleno do STF, cujo relator foi o eminente ministro
Çepúlveda Pertence, rechaça a disciplina da matéria pretendida
por meio de medida provisória, inadvertidamente utilizada
despida dos seus necessários pressupostos (relevância e
urgência), ressaltando a inadequação da utilização de medidas
provisórias para alterar a disciplina legal da ação rescisória,
conferindo privilégios que comprometem o devido processo
legal, porque inexistem diferenças reais entre as partes que,
aliadas a outras prerrogativas do Estado, autorizem a disciplina
pretendida, tudo isso, a evidência, retarda sem limites a
satisfação do direito do particular já reconhecido em juízo. Por
I I I
fim, encerra a ementa: "4. No caminho da efetivação do due
process of law - que tem particular relevo na construção
sempre inacabada do Estado de direito democrático - a
tendência h6 de ser a da gradativa superação dos privilégios
processuais do Estado, a custa da melhoria de suas instituições
de defesa em juízo, e nunca a da ampliação deles ou a da
criação de outros, como - 6 preciso dize-lo - se tem observado
neste decênio no Brasil."
Resta claro, portanto, que os direitos fundamentais
assumiram feição ímpar no seio da sociedade, objetivando a
proteção do cidadão e o respeito da dignidade da pessoa
humana. Qualquer pretensão de supressão ou alteração dos
seus contornos encontra seria barreira, conforme verificado no
julgado acima citado.
Para alguns autores a garantia constitucional da coisa
julgada diz respeito exclusivamente a coisa julgada material e
não à coisa julgada formal, porquanto entendem que a
protegão que se busca imprimir e para aquela que resolve o
conflito de interesses. Nesse contexto, a coisa julgada formal
117
somente sofreria os reflexos da garantia constitucional de
forma indireta, na medida em que está contida na coisa julgada
material, posto que constitui seu pressup~sto.~~
Em nosso sentir, a garantia constitucional da coisa
julgada incide em ambas as modalidades de coisa julgada,
precipuamente porque a coisa julgada constitui um único
instituto e não dois institutos diferentes. É como se fosse uma
moeda de duas faces, não se podendo, então, negar a
aplicação do inciso XXXVI do art. 5'. da Constituição Federal
tanto a coisa julgada formal, como a coisa julgada material. E
mesmo porque, em termos práticos, afastar a garantia
constitucional citada da coisa julgada formal poderia ensejar a
"reabertura" de processos para continuidade do andamento,
após encerramento pela via do art. 267 do CPC, o que
confronta a lógica processual.
A coisa julgada, entretanto, não se deve emprestar valor
absoluto no sentido de se permitir que situações absurdas, ou
seja, flagrantemente injustas e evidentemente contrárias à
77 ver José Afonso da Silva, ob. cit., p. 434
113
Carta Magna prosperem. Salientando-se, que se deixe bem
claro, que situações tais que encerram graves equívocos são
excepcionais, uma vez que toda a atividade jurisdicional e a
coisa julgada dela emergente tende ao alcance da efetiva
justiça.
Surgiu, então, a teoria da relativização da coisa julgada,
também denominada de coisa julgada inconstitucional, pela
qual a atuação do Poder Judiciário deve guardar harmonia com
a realidade dos fatos de forma compatível com os ditames
constitucionais. Fora disso, a solução dos conflitos de interesses
não poderá admitir-se ser coberta com o manto da
imutabilidade da coisa julgada.
Nessas situações, a infringência a coisa julgada poderá
ser veiculada pela propositura de nova demanda igual à
primeira, desconsiderada a coisa julgada, pela resistência à
execução, por meio de embargos a ela ou mediante alegações
incidentes ao próprio processo executivo ou pela alegação
incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em tese
de defesa."
Leciona José Augusto ~elgado": 'O decisum judicial não
pode ter carga de vontade da pessoa que o emitiu. Ele deve
representar a finalidade determinada pela lei, por ser essa
configuração uma exigência da opção pelo regime democrático
que fez a Nação. O Estado, em sua dimensão ética, não
protege a sentença judicial, mesmo transitada em julgado, que
bate de frente, com os princípios da moralidade e da
legalidade, que espel he Única e exclusivamente vontade
pessoal do julgador e que vá de encontro a realidade dos fatos.
A moralidade esta ínsita em cada regra posta na Constituição e
em qualquer mensagem de cunho ordinário ou regulamentar.
Ela é comando com força maior e de cunho imperativo,
reinando de modo absoluto sobre qualquer outro princípio, até
mesmo sobre o da coisa julgada. A moralidade é da essência
do direito. A sua violação, quer pelo Estado, quer pelo cidadão,
não gera qualquer tipo de direito. Este inexiste, por mais
7 X confornie C:âridido Range1 Dinartiai-co. artigo e obra citados. p. 6') 7Y em artigo publicado na obra "Coisa Julgada Inconstitucional", sob o titulo "Efeitos da coisa julgada e 0s principias constitucionais", p. 8 1
perfeito que se encontre no campo formal, se for expresso de
modo contrário a moralidade" .
Concluindo ques0: 'Essas teorias sobre a coisa julgada
devem ser confrontadas, na época contemporânea, se a coisa
julgada ultrapassar os limites da moralidade, o círculo da
legalidade, transformar fatos não verdadeiros em reais e violar
princípios constitucionais, com as características do pleno
Estado de Direito que convive impelido pelas linhas do regime
democrático e que há de aprimorar as garantias e os anseios da
cidadania".
Verifica-se a pertinência da adequação do instituto da
coisa julgada, nos moldes propostos pela embrionária teoria,
não permitindo que a coisa julgada se sobreponha aos ditames
do Estado de Direito e sobremaneira afaste a finalidade da
atuação jurisdicional evitando-se flagrantes injustiças.
Nesse contexto, não podemos deixar de citar o disposto
no parágrafo Único do artigo 741 do CPC, que considera
'O idem, p. 92
116
inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo
havido como inconstitucional pela Corte Suprema ou no qual se
tenha adotado interpretação de lei ou ato normativo
incompatível com a Constituição Federal.
A inexigibilidade expressada pelo dispositivo legal, na
verdade, é empregada de forma imprópria, pois consagra a
eficácia sub conditione do titulo judicial, na medida que
depende da constitucionalidade da lei ou do ato normativo que,
preponderante ou exclusivamente, serviu de fundamento para a
resolução do juiza8'
Depreende-se da analise do dispositivo em questão que
se excepciona o instituto da coisa julgada, que, embora
protegido pelo texto constitucional, pela lei ordinária são
regulamentadas as hipóteses em que se verifica a incidência da
coisa julgada ou se poderá O instituto subsistir em face de
situações supervenientes a emissão do pronunciamento judicial,
que em princípio seria apto a ensejar o seu surgimento.
'' conforme Araken de Assis, Manual do Processo de Execução, p. 1208
117
A alteração trazida ao artigo 741 do CPC, pela Medida
Provisória no 2.180-35, de 24.08.2001, consistente na inserção
de um parágrafo Único, apresenta plena vigência, em face do
disposto na Emenda Constitucional no 32, de 11.09.2001, que
dispõe: 'Art. 2'. As medidas provisórias editadas em data
anterior a da publicação desta emenda continuam em vigor até
que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até
deliberação definitiva do Congresso Nacional".
O aludido dispositivo apresenta carater genérico ao
permitir ao juízo da execução reconheça a inexigibilidade da
sentença exequenda quando estiver em desacordo com as
regras e princípios constitucionais, viabilizando, assim, que ele
ultrapasse as regras escritas, podendo utilizar-se dos princípios
constitucionaiss2, o que poderá ensejar indesejável insegurança
nas relações jurídicas, dada a sua larga abrangência.
Sobre esse aspecto, manifesta-se a doutrinaa3: '[ ...I teria
andado melhor o legislador se, tratando-se de ofensa a
X2 conforme Teresa Amda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, "O Doglna da Coisa Julgada", p. 76 e 77 81 Teresa Arnida Alvirn e Jose Miguel Garcia Medina, "0 Dogma da Coisa Jiilgada", 11, 75
princípio, tivesse vinculado a decisão do juiz, pelo menos, a
existência de súmula ou jurisprudência pacífica de Tribunal
superior - ou critério semelhante - condição que traria as
partes - e também a 'sociedade, maior tranquilidade quanto a
qualidade e ao grau de acerto da decisão judicial produzida".
i. A vida em sociedade deve ser norteada no sentido de
convivência harmônica e pacifica, objetivando um fim comum;
felicidade. Ocorre que essa convivência nem sempre é
harrnônica pois, não raras vezes, as pessoas apresentam
interesses colidentes o que faz eclodir O conflito de interesses.
2. Ao Poder Judiciário, uma das expressões da soberania do
Estado, foi incumbida a função de solucionar os conflitos de
interesse, substituindo-se a vontade dos contendores, impondo
o seu querer, segundo as prescrições legais, o que faz por meio
de um processo que é desenvolvido na atividade jurisdicional.
3. A relação processual contem um pedido que é formulado por
uma das partes envolvidas e ira definir os exatos limites
daquela atividade jurisdicional . Para segurança das relações
jurídicas é absolutamente necessário que, após a solução a
dado caso concreto, não seja mais possível a alteração daquilo
que foi decidido, sob pena de gerar-se incertezas que não são
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boas para o equilíbrio da sociedade, em Última análise isso tudo
significa respeito a dignidade do ser humano.
4. A coisa julgada constitui instituto através do qual verifica-se
a imutabilidade daquilo que foi decidido em determinada
relação jurídica processual, decisão que exprime a vontade
concreta da lei, tornando indiscutível a questão decidida.
5. A coisa julgada constitui instituto ligado a segurança jurídica,
um dos valores intrínsecos ao Estado de Direito, e o legislador
inseriu no texto constitucional sua proteção, impedindo que a
retroatividade de lei possa atacar OS casos julgados e essa
garantia constitucional da coisa julgada, aliada aos seus
próprios fundamentos, nos faz analisa-la como direito
fundamental.
6. A coisa julgada é um direito fundamental, mas sua
regulamentação e afeta ao direito processual, que poderá
delinear seus contornos desde que não lhe retire a essência.
7. A coisa julgada não pode ser entendida como valor absoluto,
porquanto não poderá acobertar com seu manto de
imutabilidade e estabilidade a sentença judicial que contrarie
princípios constitucionais. Vale dizer, ainda que exista
formalmente, em tais circunstâncias, deverá pelas vias próprias,
ser obstada a produção de seus efeitos, pois em
desconformidade com as diretrizes do Estado de Direito.
8. A estabilidade atinge diretamente as partes envolvidas no
processo e jamais aquelas pessoas que não participaram da
relação jurídica processual, permanecendo inalterada até
nossos dias a máxima romana de que a coisa julgada produz
efeitos apenas entre as partes. O que autoriza terceiros, que
eventualmente sejam atingidos pela eficácia natural da
sentença, possam se insurgir contra a sentença que os
incomoda, harmonizando o sistema jurídico.
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