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Universidade Federal do Rio de Janeiro Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e concepções teórico-práticas Elíria Quaresma Fugazza Rio de Janeiro 2016

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Universidade Federal do Rio de Janeiro

Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol:

discursos e concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

Rio de Janeiro

2016

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Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e

concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Letras Neolatinas da Universidade

Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção

do Título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos

Lingüísticos Neolatinos)

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade

Júnior

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e

concepções teórico-práticas

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras Neolatinas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção do Título de Mestre em

Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos Neolatinos).

Examinada por:

_______________________________________________________

Presidente, Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior – PPGLEN, UFRJ

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Danielle de Almeida Menezes – UFRJ

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Dayala Paiva de Medeiros Vargens – UFF

______________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Ana Crelia Penha Dias – UFRJ, Suplente

______________________________________________________

Prof. Dr. William Soares dos Santos – UFRJ, Suplente

Rio de Janeiro

Fevereiro de 2016

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Para Grace, irmã de sangue e de alma.

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Ah, pede-se não enviar flores. Pois como eu ia dizendo, depois que

comecei a cuidar do jardim aprendi tanta coisa, uma delas é que não

se deve decretar a morte de um girassol antes do tempo, compreendeu?

Algumas pessoas acho que nunca. Mas não é para essas que escrevo.

Caio Fernando Abreu

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Antonio Andrade, cuja dedicação incansável à formação de professores

tem me inspirado, desde a graduação, a seguir a carreira docente, contribuindo, cada dia mais,

para o meu crescimento profissional e acadêmico.

Além disso, agradeço aos professores Marcos Pasche, Wilma Dexheimer, Mercedes

Sebold e Silvia Cárcamo, por me acompanharem em diferentes momentos da minha trajetória

como aprendiz e como profissional da área de Letras.

Quero agradecer à Priscila, amiga com quem dividi boa parte das experiências da

graduação, pela sua valiosa amizade.

Não posso deixar de agradecer às minhas queridas amigas Carolina Gandra, Renata

Rocha e Carolina Ecard, com quem tenho dividido momentos de alegria e de dificuldade

desde o nosso ingresso como monitoras do projeto CLAC.

Sou grata também aos monitores, funcionários e alunos do projeto CLAC, que sempre

me acolheram com carinho e generosidade.

Agradeço aos companheiros de Mestrado, Priscila Marinho, Júlia Pelajo, Jorge Luís

Rocha, Imara Silva, Cristina Lopes e Patricia Araujo, com quem pude compartilhar

aprendizagens e aflições no decorrer das disciplinas que cursamos juntos. Agradeço ainda à

Anne Katherine, que vem acompanhando minha atuação profissional e acadêmica desde o

nosso ingresso como instrutoras do Pré-vestibular Social do CEDERJ, e ao Felipe Diogo, pelo

espírito alegre e pelo convívio desde o primeiro período da graduação.

Agradeço aos professores Roberto Dias, Cinara Cortez e Alessandra González, por

contribuírem para o meu crescimento na profissão docente, e a Valquíria Maciel, pela amizade

sincera.

Agradeço aos professores e licenciandos que compartilharam suas visões de mundo,

suas esperanças e suas angústias nas entrevistas que fazem parte do corpus desta pesquisa.

Quero agradecer também aos professores Mário Martelotta, Luís Palladino, Marta

Alckmin, Jorge Fernandes, Vera Paredes, Ary Pimentel, Eline Rezende, Juliana Marins,

Consuelo Alfaro, Maria Lúcia Leitão e Elena Palmero, por fazerem a diferença na minha

formação acadêmica e profissional.

Gostaria de agradecer também à PR2 (Pró-reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa) da

UFRJ pela bolsa de estudos concedida que me permitiu desenvolver este trabalho. Sou grata

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ainda às professoras Danielle de Almeida Menezes, Dayala Vargens, Ana Crelia Dias e ao

professor William dos Santos Soares, que aceitaram gentilmente o convite para participar da

minha defesa.

E, finalmente, agradeço aos meus pais, Rosana e Paulo Sergio, meus irmãos, Grace,

Paulo e Victor, e meu noivo, Rafael, as pessoas mais importantes da minha vida, que

demonstraram amor, apoio e compreensão nos momentos mais difíceis.

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RESUMO

FORMAÇÕES LINGUÍSTICA E LITERÁRIA NA LICENCIATURA EM LETRAS

ESPANHOL: DISCURSOS E CONCEPÇÕES TEÓRICO-PRÁTICAS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos

Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

O nosso objetivo principal é demonstrar de que maneira se produzem movimentos de

separação, e/ou diálogo, entre as formações em língua e em literatura oferecidas aos

graduandos do curso de licenciatura em Letras Português/Espanhol de uma universidade

pública do Estado do Rio de Janeiro. Para tanto, analisamos o seguinte corpus: a) quatro dos

textos teóricos que compõem a bibliografia das disciplinas de Literatura Espanhola II e de

Produção de Texto em Espanhol; e b) entrevistas semiestruturadas com duas professoras

universitárias (uma de língua espanhola e uma de literaturas hispânicas), dois professores de

Espanhol como Língua Estrangeira atuantes na Educação Básica (um com formação em nível

de pós-graduação na área de estudos linguísticos e um na de estudos literários) e dois

licenciandos (um que se aproxima mais a projetos desenvolvidos na área de língua e a outra, a

projetos desenvolvidos na área de literatura). Além disso, catalogamos os textos

disponibilizados aos alunos da licenciatura nas disciplinas de língua espanhola e de literaturas

hispânicas através de pastas em fotocopiadoras ou pela Internet, chegando a um total de 122

textos, dentre os quais 96 correspondem às disciplinas de literaturas e 26, às disciplinas de

língua. Com referencial teórico advindo da Análise do Discurso (BAKHTIN, 2003;

AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al.,

2004; ARFUCH, 2010), examinamos as marcas da enunciação e da heterogeneidade presentes

nos discursos dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa. As análises das entrevistas e dos textos

teóricos indiciam tensões e imbricações entre formações discursivas cientificistas e formações

discursivas não cientificistas, percebendo-se assim, na licenciatura em Letras Espanhol, um

movimento simultâneo de reprodução da cisão língua vs. literatura e de diálogo entre esses

campos epistemológicos.

Palavras-chave: Análise do Discurso; formações discursivas; relação língua/literatura;

formação docente.

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RESUMEN

FORMACIONES LINGÜÍSTICA Y LITERARIA EN EL PROFESORADO EN LETRAS

ESPAÑOL: DISCURSOS Y CONCEPCIONES TEÓRICO-PRÁCTICAS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Resumen da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos

Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Nuestro objetivo principal es demostrar de qué manera se producen movimientos de

separación, y/o diálogo, entre las formaciones en lengua y en literatura ofrecidas a los

alumnos del curso de profesorado en Letras Portugués/Español de una universidad pública del

Estado de Río de Janeiro. Para tanto, analizamos el siguiente corpus: a) cuatro de los textos

teóricos que componen la bibliografía de las disciplinas de “Literatura Espanhola II” y de

“Produção de Texto em Espanhol”; y b) entrevistas semiestructuradas con dos profesoras

universitarias (una de lengua española y una de literaturas hispánicas), dos professores de

Español como Lengua Extranjera que actúan en la Enseñanza Básica (uno con formación a

nível de postgrado en el área de estudios lingüísticos y uno en el área de estudios literarios) y

dos alunos del profesorado (uno que se acerca más a proyectos desarrollados en el área de

lengua y la otra, a proyectos desarrollados en el área de literatura). Además, catalogamos los

textos disponibles a los alumnos del profesorado en las disciplinas de lengua española y de

literaturas hispánicas a través de carpetas en fotocopiadoras o por Internet, llegando a un total

de 122 textos, de los que 96 corresponden a las asignaturas de literaturas y 26, a las de lengua.

Con el aporte teórico del Análisis del Discurso (BAKHTIN, 2003; AUTHIER-REVUZ, 2004;

MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010),

examinamos las marcas de la enunciación y de la heterogeneidad presentes en los discursos de

los sujetos involucrados en esta investigación. Los análisis de las entrevistas y de los textos

teóricos indician tensiones e imbricaciones entre formaciones discursivas cientificistas y

formaciones discursivas no cientificistas, percibiéndose así, en el profesorado en Letras

Español, un movimiento simultáneo de reproducción de la cisión lengua vs. literatura y de

diálogo entre estos campos epistemológicos.

Palabras claves: Análisis del Discurso; formaciones discursivas; relación lengua/literatura;

formación docente.

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ABSTRACT

LINGUISTIC AND LITERARY TEACHER TRAINING IN BACHELOR IN EDUCATION

DEGREE (SPANISH LANGUAGE): SPEECHES AND

THEORETICAL-PRACTICAL CONCEPTIONS

Elíria Quaresma Fugazza

Orientador: Prof. Dr. Antonio Francisco de Andrade Júnior

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos

Neolatinos, opção: Língua Espanhola).

Our main goal is to demonstrate the movements of separation, and/or dialogue,

between the academic training in language and literature offered to the students of Language

courses of Portuguese/Spanish at a public university in the State of Rio de Janeiro. Therefore,

we analyze the following data: a) four of the theoretical texts that compose the bibliography

of the disciplines of “Literatura Espanhola II” and “Produção de Texto em Espanhol”; and b)

semi-structured interviews with two university professors (one of Spanish language and one

of Hispanic literature), two Spanish as foreign language teachers (one postgraduated in the

field of linguistic studies and one postgraduated in the field of literary studies) and two

university students (one who approaches projects developed in the field of language and one

who approaches projects developed in the field of literature). In addition, we catalogued the

texts offered to the university students in the disciplines of Spanish language and Hispanic

literature through folders at phocopier’s shops or via Internet, getting to the whole of 122

texts, of which 96 correspond to the disciplines of literature and 26 to the disciplines of

language. With theoretical basis provided by Discourse Analysis (BAKHTIN, 2003;

AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013; FOUCAULT, 2014; DAHER et al.,

2004; ARFUCH, 2010), we examined the cues of enunciation and the heterogeneity in the

speech of the subjects involved in this research. The analysis of the interviews and the

theoretical texts indicates tensions and interdependence between scientific discursive

formations and non scientific discursive formations, so that we perceive, in the graduation in

Spanish (foreign language), a simultaneous movement of reproduction of the dichotomy

language vs. literature and dialogue between these epistemological fields.

Keywords: Discourse Analysis; discursive formations; relation between language and

literature; teacher training.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………….. 14

1 LÍNGUA E LITERATURA: DISPUTAS DISCURSIVAS NOS CONTEXTOS

DE FORMAÇÃO DOCENTE………………………………

18

1.1 Concepções de língua e sujeito……………………………………………….. 18

1.2 Relação língua/literatura.....................................................................……….. 22

1.3 Currículo e interdisciplinaridade……………………………………………. 32

2 GÊNEROS ACADÊMICOS E ENTREVISTAS: ASPECTOS

METODOLÓGICOS………………………………………………………….

40

2.1 Sobre as instituições e os sujeitos ……………………………………………... 42

2.2 Gênero e interdiscurso............................................................………………. 43

2.3 Os textos teóricos, as entrevistas e as formações discursivas........................ 45

2.3.1 O ensaio e o artigo acadêmico…………………………………………………. 45

2.3.2 Uma perspectiva discursiva do gênero entrevista……………………………… 47

3 CATEGORIZAÇÃO DE TEXTOS DA LICENCIATURA: GÊNEROS E

FINALIDADES…………………...…………………………………………...

52

3.1 Textos de língua e de literatura……...………………………………………. 52

3.2 Ementas e diretrizes curriculares……………………………………………. 57

4 TEXTOS TEÓRICOS: HETEROGENEIDADE E DISPUTAS

DISCURSIVAS………………………………………………………………...

61

4.1 Textos de literatura: confluência entre o campo literário e outras esferas.. 61

4.2 Textos de língua: políticas linguísticas, pan-hispanismo e línguas

vernáculas……………………………………………………………………

67

5 ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS FORMADORAS: CONTROLE

E POLISSEMIA……………………………………………….

73

6 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA:

TESTAGEM E ETHOS PROFISSIONAL…………………………………..

85

7 ENTREVISTAS COM OS LICENCIANDOS: ESPAÇOS DE

PRESCRIÇÃO E PENSAMENTO ORGÂNICO…………………………...

94

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………… 102

REFERÊNCIAS………………………………………………………………... 107

APÊNDICE…………………………………………………………………….. 114

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ANEXO 1……………………………………………………………………… 115

ANEXO 2……………………………………………………………………… 116

ANEXO 3……………………………………………………………………… 122

ANEXO 4……………………………………………………………………… 126

ANEXO 5……………………………………………………………………… 139

ANEXO 6……………………………………………………………………… 149

ANEXO 7……………………………………………………………………… 161

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14

INTRODUÇÃO

Ao longo da licenciatura em Letras Espanhol, pude perceber a falta de diálogo entre os

saberes referentes à língua e à literatura que pode levar os licenciandos a reproduzirem a falsa

dicotomia1 que tradicionalmente se estabelece entre ambos os campos epistemológicos. Nesse

sentido, investigo, na presente pesquisa, o modo como se estabelecem as relações entre as

formações linguística e literária de licenciandos de Espanhol em uma instituição pública de

Ensino Superior do Estado do Rio de Janeiro.

O interesse pela problemática em questão me levou a desenvolver, como bolsista de

Iniciação Científica, um trabalho a respeito do processo de letramento literário no contexto da

formação docente, pesquisa esta realizada ao longo de 2012 e 2013.

Partindo do levantamento de dados realizado no PIBIC, considerou-se que existe uma

relação insuficiente entre os saberes e áreas do conhecimento que constituem as licenciaturas

em Letras de duas universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro. No mencionado

levantamento, pesquisei a formação literária dos licenciandos em Letras e, a partir das

entrevistas analisadas (realizadas com uma professora universitária, uma licencianda e um

professor da Educação Básica), foi possível perceber discursos que apontavam para a falta de

diálogo entre os estudos de linguagem e de literatura na formação de professores de Espanhol.

O corpus gerado e coletado no PIBIC, portanto, constitui-se como um ponto de partida

para este trabalho acerca da relação entre as formações linguística e literária na licenciatura

em Letras Espanhol. É relevante explicitar, a respeito da nomenclatura que utilizo para o

curso de licenciatura em questão, que a universidade pesquisada oferece habilitação dupla, ou

seja, tanto em língua materna quanto em língua estrangeira (Espanhol, especificamente).

Entretanto, meu foco aqui é a formação em língua espanhola e em literaturas hispânicas, por

isso opto pelo termo Letras Espanhol, e não por Letras – Português/Espanhol.

A partir das discussões fomentadas anteriormente, levanto o seguinte questionamento,

o qual norteará nossa pesquisa: em que medida é possível associar aos discursos em torno da

formação linguística uma formação discursiva cientificista e aos discursos em torno da

formação literária uma formação discursiva não cientificista?

Tomo como hipótese a premissa de que é possível associar diferentes processos

históricos aos discursos em torno das formações linguística e literária na medida em que

estudos de Linguística e de Literatura na licenciatura em Letras Espanhol implicam, na

1 Baseamo-nos nas noções de Lígia Chiappini (1986), segundo a qual a palavra é material de trabalho tanto da

língua quanto da literatura e, por isso, deve-se tentar superar a dicotomia entre ambas as áreas do saber.

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15

maioria das vezes, concepções diferenciadas de sujeito e de linguagem.

É importante ressaltar que a noção de formação discursiva cientificista aqui discutida

parte de determinados pressupostos hegemônicos em torno da concepção de ciência. Hilton

Japiassu, na obra O sonho transdisciplinar e as razões da filosofia, advoga pela aproximação

entre os dois grandes territórios do saber, isto é, as ciências naturais e as ciências humanas.

Segundo o autor, o que é verdadeiro destas

também se verifica nas ciências da vida ou nas da matéria, onde os progressos da

observação e da experiência deslocam e renovam incessantemente o campo da

pesquisa. Evoquemos apenas o inventário das ciências biológicas (fisiologia,

sociobiologia, bioenergética, psicobiologia etc.) ou o das ciências físicas (geofísica,

biofísica, física dos sólidos etc.). Tudo se passa como se, no interior de seu ferrenho

fechamento tradicional, o domínio da pesquisa se revelasse bastante móvel,

extremamente complexo e estranhamente descontínuo. (JAPIASSU, 2006, p. 51)

Podemos perceber, a partir das considerações de Japiassu, que mobilidade,

complexidade e descontinuidade não são características apenas das ciências humanas, mas

atravessam igualmente as ciências naturais. O que diferenciaria ambos os territórios, a nosso

ver, seria o trabalho realizado pelas humanidades no que diz respeito à formação intelectual

humanística dos sujeitos, o que se liga, por sua vez, ao que denominamos nesta pesquisa

como não cientificismo. Nesse sentido, Marcuschi (2004, p. 13) afirma que “intelectual não é

mais aquele que apenas domina um conhecimento, mas aquele que também constrói e até

subverte o conhecimento”. O autor advoga, assim, por uma relação mais intensa entre teoria e

ética e entre o racional e o emocional, o que poderia se constituir a partir da imbricação de

diferentes formações discursivas.

Assumimos como objetivo geral deste trabalho demonstrar de que maneira se

produzem movimentos de separação, e/ou diálogo, no âmbito das instituições acadêmicas,

entre as formações em língua e literatura oferecidas aos licenciandos de Língua Espanhola da

universidade investigada.

Tais questões ligam-se aos seguintes objetivos específicos:

- revisar fontes teóricas da Análise do Discurso de linha francesa com vistas a

delimitar e aprofundar conceitos produtivos para o exame das relações entre discurso,

letramento acadêmico e formação de professores;

- estabelecer os princípios fundamentais das linhas teóricas que se evidenciam com

maior força nas ementas e textos das disciplinas investigadas, a fim de compreender a

interação/tensão entre campos epistemológicos e discursos ligados a tradições acadêmico-

curriculares em disputa no âmbito específico da licenciatura em Letras Espanhol na

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16

atualidade;

- examinar pressupostos relacionados à concepção da entrevista enquanto gênero

discursivo, com o propósito de analisar a heterogeneidade e as disputas discursivas que

atravessam as falas dos sujeitos entrevistados.

Para tal, baseio-me no quadro teórico da Análise do Discurso (BAKHTIN, 2003,

2006[1929]; AUTHIER-REVUZ, 2004, 2011; MAINGUENEAU, 2000, 2012, 2013;

FOUCAULT, 2012[1971], 2013[1975], 2014[1969], 2014b[1976]), a fim de encontrar as

marcas da enunciação e da heterogeneidade enunciativa presentes nos discursos dos sujeitos

envolvidos nesta pesquisa. Apoiamo-nos também na teoria dos campos de Bourdieu (1976,

2002[1966], 2007[1974], 2011[1984]), na concepção de letramento acadêmico de Lillis

(2003), nas concepções de correntes teórico-literárias de Eagleton (2006), no compêndio de

correntes e linhas da Linguístia de Martelotta (2008) e nas teorias do currículo de Gimeno

Sacristán (2000) e de Lopes (2008). Além dos pressupostos já mencionados, acrescente-se a

concepção da entrevista como um gênero que se constrói na interação entre sujeitos situados e

atravessados por diferentes memórias discursivas (DAHER et al., 2004; ARFUCH, 2010;

CAMPOS, 2013).

Apresento, no primeiro capítulo, conceitos importantes referentes à Análise do

Discurso, tais como as concepções de enunciado, de dialogismo e de formação discursiva.

Ainda nesse capítulo, traço um breve histórico da cisão entre os campos epistemológicos

relacionados à língua e à literatura. Por fim, discuto determinados preceitos acerca da questão

do currículo, além de refletir sobre os discursos em torno da interdisciplinaridade,

considerando, a partir dessa abordagem, a possibilidade de aproximação dos saberes

linguísticos e literários.

No segundo capítulo, explicito os procedimentos metodológicos adotados para a

análise do corpus, além de apresentar os meios de geração e coleta dos dados a serem

analisados. Apresento, por fim, uma discussão acerca dos gêneros a que pertencem os textos

que analiso, isto é, ensaio, artigo acadêmico e entrevista.

Abordo, no terceiro capítulo, a categorização que realizei dos textos oferecidos aos

licenciandos em Letras Espanhol por meio de pastas em fotocopiadoras ou pela Internet.

Inicialmente, apresento um quantitativo dos textos coletados e, por fim, verifico em que

medida a seleção de tais textos realizada pelos professores formadores dialoga com as

orientações presentes nas ementas das disciplinas em questão e em determinados documentos

que legislam sobre a reforma das licenciaturas.

A análise do corpus, por sua vez, divide-se em quatro capítulos: primeiramente,

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analiso, no capítulo 4, textos teóricos que compõem a bibliografia de cursos ministrados pelas

professoras universitárias entrevistadas, buscando compreender as concepções de linguagem e

de sujeito que os atravessam; nos capítulos 5, 6 e 7, respectivamente, analiso entrevistas

realizadas com duas professoras formadoras (uma de língua espanhola e uma de literaturas

hispânicas), com dois professores da Educação Básica (um com formação em nível de pós-

graduação na área de estudos linguísticos e um na de estudos literários) e com dois

licenciandos (um que se aproxima mais a projetos desenvolvidos na área de língua e a outra, a

projetos desenvolvidos na área de literatura), a fim de verificar as tensões e/ou imbricações

entre as formações discursivas cientificista e não cientificista. É importante ressaltar ainda que

a escolha dos sujeitos entrevistados foi motivada pela noção de que os espaços de formação

dos futuros docentes de língua espanhola não se resumem à Universidade, mas se estendem ao

campo de estágio, lugar em que se tem um contato direto com a prática profissional.

Considero, desse modo, que a compreensão das práticas e discursividades relacionadas

aos cursos de licenciatura em Letras Espanhol é imprescindível para o estabelecimento de um

diálogo mais profundo entre os saberes acadêmicos e a Educação Básica, tal como proposto

por Candau & Moreira (2007, p. 37), que advogam pela relação entre os conteúdos

curriculares, as experiências dos(as) estudantes e o mundo concreto, de modo a “desafiar a

suposta neutralidade cultural da ciência”, visibilizando assim os processos de construção

histórica do conhecimento. Com isso, faz-se necessária a desconstrução de diferentes

dicotomias que ainda têm espaço no âmbito acadêmico e, consequentemente, em outros

espaços educacionais.

Pretendo, por fim, dar visibilidade aos múltiplos campos epistemológicos – e tensões

discursivas – em que a formação docente se encontra envolvida, contribuindo com uma

licenciatura mais crítica e comprometida com a prática profissional e abrindo espaço para

discussões acerca das relações de poder que atravessam as instituições de Ensino Superior.

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18

1 LÍNGUA E LITERATURA: DISPUTAS DISCURSIVAS NOS CONTEXTOS DE

FORMAÇÃO DOCENTE

Neste capítulo abordaremos o caráter dialógico e heterogêneo da língua e do discurso,

bem como a natureza fragmentada e contraditória dos sujeitos e sentidos. Além disso,

contemplaremos os movimentos de aproximação e/ou cisão entre os campos epistemológicos

relacionados à língua e à literatura, considerando a história dos processos de separação de

ambos os saberes nos contextos de formação docente. Por fim, refletiremos acerca dos

discursos em torno da interdisciplinaridade – que pode propiciar a produção e a aproximação

de conhecimentos relacionados aos estudos linguísticos e literários –, procurando

compreender as condições de produção e de circulação de tais discursos.

1.1 Concepções de língua e sujeito

De acordo com Mikhail Bakhtin (2006, p. 130), “a língua constitui um processo de

evolução ininterrupto, que se realiza através da interação verbal social dos locutores”. O

autor ainda afirma que o espaço semiótico e o “papel contínuo da comunicação social como

fator condicionante não aparecem em nenhum lugar de maneira mais clara e completa do que

na linguagem” (idem, p. 34) e considera, dentro do enfoque discursivo, a palavra enquanto

signo social que acompanha toda criação ideológica.

Em seu clássico ensaio sobre os gêneros discursivos, Bakhtin (2003, p. 298) defende

que o enunciado é constituído por tonalidades dialógicas, já que “nasce e se forma no

processo de interação e luta com os pensamentos dos outros, e isso não pode deixar de

encontrar o seu reflexo também nas formas de expressão verbalizada do nosso pensamento”.

Dessa maneira, o próprio objeto do discurso dos sujeitos torna-se um palco de encontro com

opiniões de coenunciadores (imediatos ou não) ou com pontos de vista, visões de mundo,

teorias etc. Isso refere-se à atitude responsiva que o sujeito assume diante de outro(s)

discurso(s), visto que todo enunciado responde “de uma forma ou de outra aos enunciados do

outro que o antecederam” (idem, p. 300).

Jacqueline Authier-Revuz (2004) define os enunciados como acontecimentos

concretos e únicos produzidos na interação da língua e portadores de um acento apreciativo.

Todos os enunciados, portanto, carregam consigo um julgamento de valor, o que se relaciona

diretamente à não neutralidade do discurso e à possibilidade de um enunciado responder aos

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outros enunciados, seja corroborando-os ou opondo-se a eles.

A autora ainda retoma as ideias de Bakhtin para defender que “o dialogismo é dado

como condição de constituição do sentido” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 36), o que significa

dizer que o sentido e a compreensão se formam necessariamente no e pelo entrecruzamento

de discursos. Nesse sentido, compreender é posicionar-se ativamente em relação a um

determinado discurso, pois a compreensão é concebida como um contradiscurso.

Para a autora, todo discurso é constitutivamente heterogêneo e esta heterogeneidade

pode ser mostrada ou não-mostrada. Em seu artigo “Dizer ao outro no já-dito: interferências

de alteridades – interlocutiva e interdiscursiva – no coração do dizer”, Authier-Revuz (2011,

p. 7) define a heterogeneidade mostrada como o plano no qual o dizer, pelas formas

observáveis, dá lugar nele mesmo ao interdiscurso e à interlocução. Já a heterogeneidade não-

mostrada refere-se ao modo como a produção do dizer é constitutivamente formada na relação

com o outro.

Na obra Bakhtin: outros conceitos-chave, Fiorin (2006, p. 191) define o interdiscurso

como “qualquer relação dialógica entre enunciados”, e tal relação determina o próprio

funcionamento discursivo na medida em que todo enunciado se dá no bojo de um

interdiscurso, pois mobiliza outros enunciados. O sujeito, portanto, produz seu dizer no e pelo

entrecruzamento de discursos prévios, embora não tenha consciência desse processo

enunciativo.

De modo semelhante, Dominique Maingueneau (2013, p. 60) afirma que toda

enunciação é perpassada por uma interatividade constitutiva, ou seja, é dialógica, pois “é uma

troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a

presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com relação à

qual constrói seu próprio discurso”.

O pensamento de Bakhtin é relevante na medida em que o autor reflete principalmente

acerca do nível do enunciado, levando em conta as condições de produção na abordagem de

um determinado texto. Para ele, “cada enunciado é um elo na corrente complexamente

organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 272). Desse modo, é preciso

considerar, no tratamento dos textos, as estruturas linguísticas enquanto elementos

dependentes do contexto extratextual que se coadunam para formar os enunciados. Estes, por

sua vez, têm uma relação direta com a realidade de que são produto e produtores,

simultaneamente.

Leonor Arfuch (2010, p. 65) também aborda tal questão, afirmando que é preciso

pensar nos gêneros discursivos como “configurações de enunciados nas quais são tecidos o

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discurso – todos os discursos – na sociedade e, consequentemente, a ação humana”, o que

significa dizer que é no fio do discurso que as atividades humanas são construídas e

transformadas.

Partindo igualmente de uma perspectiva discursiva, Roxane Rojo (2005) revê o

pensamento do Círculo de Bakhtin acerca dos gêneros. A autora afirma que as teorias de

gênero – de textos/do discurso – têm recebido grande atenção no Brasil, especialmente no

campo da linguística aplicada ao ensino de línguas. No entanto, a autora defende que os

estudos sobre gênero e enunciação deveriam receber um tratamento mais dialógico, “de tal

maneira que a noção bakhtiniana de gênero do discurso seja colocada, de uma vez por todas,

como um objeto discursivo ou enunciativo” (idem, p. 196), o que está relacionado à

importância de se considerar os gêneros como produtores e transformadores das diversas

atividades sociais, bem como o discurso como uma arena de lutas e disputas em torno da

hegemonia. É imprescindível nesta pesquisa, portanto, que se analisem dialogicamente as

marcas da enunciação e da heterogeneidade enunciativa presentes na formação dos futuros

docentes de Espanhol como língua estrangeira.

Rojo (2004) ainda aponta para a importância da interdiscursividade nas práticas de

letramento. A autora afirma que ler na vida, e como uma atividade cidadã, significa colocar o

texto em relação com outros textos e discursos que podem ser anteriores a ele, podem estar

emaranhados nele ou até mesmo ser posteriores a ele.

Tendo em vista que o foco de nossa pesquisa é o modo de relação dos sujeitos com os

discursos que constituem os campos teóricos dos estudos de língua e literatura na formação de

professores do curso de Letras Espanhol, podemos destacar que pesquisadores como Theresa

Lillis (2003) defendem uma abordagem dialógica para o letramento acadêmico. Para a autora,

o trabalho com a construção de sentido na escrita e na leitura nas universidades tem seguido

uma estrutura monológica. A reprodução de discursos oficiais do conhecimento permite a

hegemonia de práticas pedagógicas monológicas, que adotam um modelo de linguagem como

um meio transparente e uma única versão da verdade. Por outro lado, objetivos educacionais

dialogicamente orientados visibilizam o jogo entre discursos oficiais e não oficiais,

possibilitando assim novos modos de produção de sentido no contexto acadêmico, o que

implica a existência de múltiplas vozes, múltiplas verdades, múltiplas identidades. Dessa

maneira, tem-se o hibridismo, em que a atribuição de significados se configura como o

encontro entre as diferenças. No que tange à formação docente, consideramos que a tensão

entre os discursos oficiais e não oficiais se dá, por exemplo, na relação entre a cultura popular

e os saberes legitimados pelo currículo. Sendo assim, cabe salientar que a cultura popular não

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deve ser anulada pela legitimidade dos saberes acadêmicos.

Considerando-se tais questões, é interessante abordar a noção de conhecimento

pluriversitário, postulada por Boaventura Santos (2008), que se constitui como um saber

contextual na medida em que o princípio organizador da sua produção é a aplicação

que lhe pode ser dada. Como essa aplicação ocorre extra-muros, a iniciativa da

formulação dos problemas que se pretende resolver e a determinação dos critérios da

relevância destes é o resultado de uma partilha entre pesquisadores e utilizadores. É

um conhecimento transdisciplinar que, pela sua própria contextualização, obriga a

um diálogo ou confronto com outros tipos de conhecimento, o que o torna

internamente mais heterogéneo e mais adequado a ser produzido em sistemas

abertos menos perenes e de organização menos rígida e hierárquica. Todas as

distinções em que assenta o conhecimento universitário são postas em causa pelo

conhecimento pluriversitário e, no fundo, é a própria relação entre ciência e

sociedade que está em causa. A sociedade deixa de ser um objecto das interpelações

da ciência para ser ela própria sujeita de interpelações à ciência. (BOAVENTURA

SANTOS, op. cit., p. 41-42)

O saber pluriversitário, na visão do autor, seria assim mais amplo que o conhecimento

estritamente universitário, que é predominantemente disciplinar, homogêneo e

hierarquicamente organizado, uma vez que a cultura científica é compartilhada pelos

pesquisadores “segundo hierarquias organizacionais bem definidas” (idem, p. 40).

Contudo, retomando a temática do letramento, consideramos que as diretrizem que

orientam os processos formativos fundamenta os mais diversos contextos institucionais,

inclusive o acadêmico, mantendo uma relação intrínseca com o poder e com a autoridade. Por

isso, consideramos que a questão central que está em jogo na formação docente é a

configuração da licenciatura enquanto espaço que propicia ao licenciando a sua própria

constituição como sujeito do discurso. Além disso, tal produção da identidade do professor,

entendida como processo de subjetivação, se dá não apenas pela relação com os discursos

humanísticos e pela relação com a prática docente, mas também pela relação com os discursos

científicos.

Nesse sentido, Maria José Coracini (1990) problematiza a relação com a linguagem

que se estabelece a partir da leitura ao afirmar que todo recurso de expressão linguística é

constituído por uma subjetividade discursiva, inclusive o discurso científico. A autora,

portanto, defende que é preciso

criar condições para que o aluno não faça uma leitura ingênua do texto científico,

isto é, que não se deixe envolver pelas estratégias manipulatórias da linguagem, que

conferem ao texto a aparência de objetividade e imparcialidade, a serviço de uma

concepção igualmente objetiva das “descobertas” científicas, mas seja capaz de

perceber a subjetividade implícita. (CORACINI, op. cit, p. 14)

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Percebe-se, desse modo, a importância de se complexificar as concepções de língua e

de sujeito para que se tenha um olhar mais crítico em relação às condições de produção dos

diversos discursos e textos, de caráter cientificista ou não cientificista, que circulam no

ambiente universitário. Adotamos na presente pesquisa, portanto, uma concepção dialógica da

linguagem e do discurso, o que implica uma contemplação das disputas discursivas, tensões e

lutas entre os participantes da enunciação, abordagem esta que contribui para a compreensão

do processo de hegemonização dos significados, uma vez que os discursos que circulam nos

contextos em que se dá a formação docente implicam concepções diferentes de sujeito e de

linguagem.

1.2 Relação língua/literatura

O processo de inserção na esfera acadêmica, que constitui o nosso objeto de pesquisa

– além do mais, mediado por uma língua estrangeira –, produz deslocamentos discursivos e

subjetivos. No artigo “Formações discursivas e processos identificatórios na aquisição de

línguas”, Silvana Serrani (1997) indica a importância do estudo do desafio subjetivo que a

aquisição de uma língua estrangeira representa para o enunciador. Tal desafio se apresenta

também na necessidade que os sujeitos têm de articular os diversos domínios discursivos em

uma língua estrangeira. Segundo a autora, o sujeito da enunciação deve inscrever-se em

discursividades da L2, bem como lidar com o estranhamento, principalmente de si mesmo,

estabelecido no ensino/aprendizagem formal de uma língua estrangeira, e com as novas

possibilidades de atribuição de sentido. Serrani afirma, portanto, que questões como objetivos

de cursos (inclusive de formação de professores), motivações e interesses explícitos dos

alunos estão subordinadas às noções de formação discursiva (doravante FD) e de

interdiscurso. Para a autora, tais formações determinam o que pode ou não ser dito,

configurando-se como condensações de regularidades enunciativas da produção de sentidos

no e pelo discurso.

O conceito de formação discursiva tem, portanto, relevância para a compreensão do

processo de produção dos enunciados e dos sentidos. No pensamento foucaultiano, tal

conceito relaciona-se às “condições de existência (mas também de coexistência, de

manutenção, de modificação e de desaparecimento) em uma dada repartição discursiva”

(FOUCAULT, 2014a, p. 47).

No artigo “Singularidade discursiva na enunciação em segundas línguas”, Serrani

(2000, p. 117) reflete acerca da configuração do aspecto singular do sujeito fragmentado e

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desejante no contexto atual, em que ainda se sustentam formações ideológicas em relação à

ilusão de completude, considerando que o processo de enunciar significativamente em língua

estrangeira está “estreitamente ligado a inscrições identificatórias na discursividade da língua

alvo”, além de criticar a visão segundo a qual a língua preexiste ao discurso.

De modo semelhante, Eni Orlandi (2000, p. 52) afirma que “a condição da linguagem

é a incompletude”, já que os sujeitos e os sentidos funcionam e se constituem a partir da falta,

da contradição e da imbricação. É importante ressaltar que essa incompletude deveria levar à

abertura do campo acadêmico a diferentes relações e não ao seu engessamento.

A respeito das relações de imbricação em que se constitui o sentido, Orlandi (2000, p.

36) afirma que toda construção do significado se dá a partir da tensão entre processos

parafrásticos e processos polissêmicos: a paráfrase representa “o retorno aos mesmos espaços

do dizer. Produzem-se diferentes formulações do mesmo dizer sedimentado. A paráfrase está

do lado da estabilização. Ao passo que, na polissemia, o que temos é deslocamento, ruptura de

processos de significação. Ela joga com o equívoco”. Nesse sentido, a autora faz a distinção

entre três modos de funcionamento do discurso: a) o discurso autoritário, no qual a polissemia

é contida; b) o discurso polêmico, em que a polissemia é controlada; e c) o discurso lúdico, no

qual a polissemia está aberta. Orlandi ainda afirma que em nossa sociedade o discurso

autoritário tende a predominar, o lúdico se dá nas margens das práticas sociais e o discurso

polêmico configura-se como um enfretamento.

Na obra Discurso e leitura, em que se discute a respeito da leitura como a condição

básica do trabalho intelectual, a autora afirma que a Universidade estaria inserida em um

circuito no qual se tomaria a leitura em seu caráter técnico imediato, “apenas em termos de

estratégias, e de relações pedagógicas marcadas por um exagerado imediatismo” (ORLANDI,

2012, p. 38), o que corrobora a rigidez das relações acadêmicas. A partir das considerações de

Orlandi, portanto, acreditamos que as instituições de Ensino Superior devem se constituir

como espaços fomentadores do discurso polêmico, a partir do qual se consolidam práticas de

resistência e de abertura dos sentidos.

No que tange especificamente à constituição das faculdades de Letras, Bagno (2012)

denuncia o engessamento da formação universitária em relação às mudanças teóricas que se

dão nos estudos linguísticos. Segundo o autor, os cursos de Letras são ministrados no Brasil

desde o século XIX, originalmente privilegiando a literatura erudita e as línguas clássicas. A

formação oferecida pelos institutos e faculdades de Letras na atualidade, entretanto, não

condiz com os avanços da linguística moderna, pois não houve uma reestruturação efetiva dos

cursos. Desse modo, a grande maioria dos licenciados saem da universidade sem um

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conhecimento consistente de teorias importantes dos estudos da linguagem, tais como os

conceitos de letramento, gêneros discursivos, teorias da leitura, entre tantas outras.

O trabalho com as literaturas nos cursos de Letras, por sua vez, parece, de maneira

semelhante, não ser realizado de modo significativo. Costa et al. (2011), a partir da análise de

ementas de disciplinas de teoria literária e literaturas brasileira e portuguesa de uma

universidade estadual situada no Norte do Brasil, verificam, por exemplo, um tradicionalismo

da periodização literária ao longo de toda a grade curricular, o que indiciaria a falta de

reconhecimento da relação entre literatura e cultura.

Tais questões se ligam, de certo modo, à maneira como se dá a formação intelectual

dos futuros docentes de língua estrangeira. Nesse sentido, Marcuschi (2004), a partir da

análise de textos produzidos por pós-graduandos da área de Letras, aponta para a legitimação

atribuída por esses sujeitos aos conteúdos, que nem sempre dialogam com as reais demandas

do professor de línguas, em detrimento da reflexão crítica. O autor defende, em contrapartida,

uma formação que gere modelos de análise e interpretação crítica, isto é, pautada na

“autonomia para a busca de caminhos e na percepção do que é relevante” (idem, p. 15) ao

invés de propiciar a mera apropriação de conteúdos. Além disso, concordamos com o preceito

de que a formação intelectual dos futuros professores de línguas “deveria ser dotada de

sensibilidade para as manifestações linguísticas em todas as suas extensões – artística,

estética, científica, filosófica etc. (...)” (idem, p. 13).

No que concerne ao contexto europeu, de cujo modelo a formação em Letras no Brasil

é herdeira, Bourdieu (2011a) situa a faculdade de Letras ao mesmo tempo no campo científico

e no campo intelectual. O sociólogo a caracteriza como o lugar de poderes propriamente

sociais que participam das estruturas mais fundamentais da ordem social e afirma que

ela se divide segundo o próprio princípio por meio do qual se organiza o espaço das

faculdades em seu conjunto: a oposição entre os agentes e as instituições voltados

principalmente para a pesquisa e as apostas científicas ou para o campo intelectual e

as apostas propriamente culturais, e os que são orientados mais para a reprodução da

ordem cultural e do corpo dos reprodutores e para os interesses associados ao

exercício de um poder temporal na ordem cultural. (BOURDIEU, op. cit., p. 104)

Nesse sentido, o sociólogo situa a faculdade de Letras tanto no campo científico

quanto no campo intelectual em razão de, por um lado, ela ser o lugar de poderes que

participam das estruturas mais essenciais da ordem social e, por outro, ter a notoriedade

intelectual como a única espécie de capital que verdadeiramente lhe pertence.

De acordo com Bourdieu (2011b, p. 3), “um campo é um microcosmo autônomo no

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interior de um macrocosmo social”. Um campo, portanto, é autônomo por ter sua própria lei e

por ter em si mesmo a regra e o princípio de seu funcionamento, pressupondo uma

competência específica, bem como uma espécie particular de capital. Além disso, o sociólogo

afirma que “um campo é um campo de forças, e um campo de lutas para transformar as

relações de forças” (idem, p. 9). Por conseguinte, as condutas dos agentes de um determinado

campo são definidas por sua posição na estrutura da relação de forças e de lutas característica

desse campo num certo momento.

É importante, a partir de tais considerações, explicitar os desdobramentos que os

conceitos de campo científico e de campo intelectual possuem no pensamento de Bourdieu,

para quem o campo intelectual “constituye un sistema de líneas de fuerza: esto es, los agentes

o sistemas de agentes que forman parte de él pueden describirse como fuerzas que, al surgir

se oponen y se agregan, confiriéndole su estructura específica en un momento dado del

tiempo” (BOURDIEU, 2002, p. 9). O autor defende que o movimento romântico do século

XIX, decorrente da industrialização das sociedades europeias, propiciou o fortalecimento de

um mercado artístico, cuja produção específica passou a ser submetida às mesmas condições

que a produção em geral.

Em relação ao campo científico, Bourdieu (1976) o define como o lugar de uma

lutte de concurrence qui a pour enjeu spécifique le monopole de l'autorité

scientifique inséparablement définie comme capacité technique et comme pouvoir

social, ou si l'on préfère, le monopole de la compétence scientifique, entendue au

sens de capacité de parler et d'agir légitimement (c'est-à-dire de manière autorisée

et avec autorité) en matière de science, qui est socialement reconnue à un agent

déterminé.2 (BOURDIEU, op.cit., p. 89)

Caracterizar o campo científico como um lugar de lutas, portanto, implica a ruptura da

imagem pacífica de “comunidade científica”. Além disso, o sociólogo defende que cada um

dos agentes se compromete com a imposição do valor de seus produtos e da sua própria

autoridade enquanto um produtor legitimado, o que leva ao desafio de se impor a definição de

ciência.

A tensão que se verifica no contexto da formação docente em Letras Espanhol não se

dá apenas entre os campos linguístico e literário. Em relação à linguística, que adquiriu status

científico com a publicação do Curso de linguística geral de Saussure em 1916 (cf.

2 “(...) luta competitiva que tem por desafio específico o monopólio da autoridade científica,

inseparavelmente definida como capacidade técnica e como poder social, ou se se preferir, o monopólio da

competência científica, entendida no sentido de falar e intervir legitimamente (ou seja, de maneira autorizada

e com autoridade) em matéria de ciência, que é socialmente atribuída a um agente determinado.” (Tradução

livre)

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MARTELOTTA et al., 2008, p. 22), Bourdieu (2011a, p. 163) afirma que “as tomadas de

posição em matéria de teoria, de método, de técnica e até mesmo de estilo são sempre

estratégias sociais em que os poderes se afirmam e são reivindicados”. As linhas da

linguística, portanto, divergem entre si por deterem técnicas e métodos específicos, que, por

sua vez, encetam diferentes concepções de língua. O estruturalismo norte-americano, vigente

na primeira década do século XX, por exemplo, restringia-se “à classificação dos segmentos

que aparecem nos enunciados do corpus e à identificação das leis de combinação de tais

segmentos” (MARTELOTTA et al., op. cit., p. 125). Já a linguística gerativa “propõe-se a

analisar a linguagem humana de uma forma matemática e abstrata (formal), que se afasta

bastante do trabalho empírico da gramática tradicional, da linguística estrutural e da

sociolinguística, e se aproxima da linha interdisciplinar de estudos da mente humana

conhecida como ciências cognitivas” (idem, p. 130). Como mais um exemplo, podemos

mencionar a sociolinguística, que “estuda a língua em seu uso real, levando em consideração

as relações entre a estrutura linguística e os aspectos sociais e culturais da produção

linguística” (idem, p. 141).

Por outro lado, no campo literário, ao invés de disputas discursivas entre as diversas

linhas teóricas, percebe-se um maior apagamento nas fronteiras entre as diferentes

perspectivas teórico-críticas, o que o estudioso da literatura Terry Eagleton (2006, p. 299)

constata ao afirmar que “os críticos que se ufanam de seu pluralismo geralmente podem fazê-

lo porque os diferentes métodos que usam não são, afinal, tão diferentes assim”. Para o autor,

tal pluralismo teórico muitas vezes pretende revelar uma posição intermediária de

determinados sujeitos, que tentam harmonizar pontos de vista conflitantes em um consenso,

ignorando que isto “implica uma rejeição da verdade de que certos conflitos só podem ser

resolvidos unilateralmente” (idem, p. 300). Isso se liga à necessidade de que se assumam os

diferentes posicionamentos teóricos, admitindo-se assim as tensões e disputas entre as

distintas concepções que atravessam os estudos literários.

No que diz respeito à relação histórica entre estudos literários e linguísticos,

Maingueneau (2012, p. 16) afirma que a filologia, cujo corpus de referência era/é constituído

por textos literários, foi perdendo espaço em detrimento da autonomização crescente da

linguística, que não considerava os textos de literatura como mostras autênticas da língua e,

portanto, “tendia a isolar as obras literárias do resto da produção verbal”, privilegiando os

intercâmbios verbais cotidianos ao se constituir como uma disciplina científica.

A respeito da questão apontada acima, Bourdieu (2011a) considera, de modo

semelhante, que a irrupção da linguística nos domínios acadêmicos teve como consequência a

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desvalorização das disciplinas literárias.

Em relação ao contexto brasileiro, Brait (2000) afirma que a tendência maior aos

estudos das línguas ou a disciplinas voltadas para o estudo da língua tem a ver com as

mudanças na visão acerca desses estudos introduzidas no Brasil a partir da segunda metade do

século XIX pelos estudos comparativos, inaugurando-se assim o período científico da

filologia. Tal tendência, de acordo com a autora, liga-se a paradigmas cientificistas que

vigoram, tanto nas ciências gerais quanto nas ditas humanidades, entre o final do século XIX

e o começo do XX.

De acordo com Fiorin (2008), até por volta da década de 60 do século XX os estudos

linguísticos e literários não mantinham relações entre si, já que não se considerava necessário

recorrer a qualquer categoria linguística para a análise do texto literário. O estruturalismo dos

anos 60, porém, propiciou uma aproximação entre a literatura e as aquisições da linguística e,

mais especificamente, da semiologia para o desenvolvimento de uma teoria do texto literário.

Entre o final da década de 70 e o início dos anos 80, a linguística e a literatura novamente

rompem laços: os estudiosos de literatura, de um lado, voltam a utilizar a gramática

tradicional para justificar algum fato da língua que servisse de apoio a suas conclusões; os

linguistas, por sua vez, abandonam a perspectiva semiológica e voltam-se para os fatos de

língua. Em relação ao momento atual, Fiorin aponta para a necessidade de que os conceitos

linguísticos sejam um instrumento de investigação do texto literário, que, a partir de uma

concepção discursiva, seria estudado como processo enunciativo e totalidade textual. O autor

defende, além disso, que, a partir dos estudos literários, se pense “a natureza da linguagem

humana como um mecanismo que contém as regras de sua própria subversão” (idem, ibid, p.

50), a fim de se ampliar a compreensão da linguagem e dos recursos linguísticos. Nesse

sentido, as teorias do discurso são importantes na medida em que concebem toda e qualquer

manifestação da linguagem como uma prática discursiva e, portanto, questionam a

dicotomização que tradicionalmente se faz entre língua e literatura.

A partir dessa trajetória da relação entre os estudos linguísticos e literários, podemos

afirmar que os cursos de Letras e, consequentemente, a formação dos professores de línguas

são historicamente constituídos por lutas discursivas entre os distintos saberes que constituem

as licenciaturas. Isso significa que os campos epistemológicos ligados à língua e à literatura

que compõem os currículos das faculdades de Letras estão em constante tensão para ocupar

um lugar de poder nos âmbitos da formação docente.

Para explicitar a noção de formação literária na presente pesquisa, é preciso antes

definir a concepção de literatura aqui adotada. Eagleton (2006, p. 13) considera que se pode

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“pensar na literatura menos como uma qualidade inerente, ou como um conjunto de

qualidades evidenciadas por certos tipos de escritos (…) do que como as várias maneiras

pelas quais as pessoas se relacionam com a escrita”.

De acordo com Eagleton (op. cit., p. 304), os teóricos, críticos e professores de

literatura se colocam na posição de “guardiões de um discurso” que deve ser preservado,

ampliado, desenvolvido e defendido de outras formas de discurso. Esses “guardiões” também

teriam a função social de determinar aqueles que seriam capazes ou não de dominar o

“discurso literário” com êxito.

Para o autor, os julgamentos de valor contribuem muito para se decidir o que é e o que

não é considerado como literatura, fato que se relaciona aos interesses dos diversos grupos

sociais. Tais interesses são constitutivos do conhecimento humano e estão diretamente ligados

às diferentes ideologias, ou seja, “modos de sentir, avaliar, perceber e acreditar, que se

relacionam de alguma forma com a manutenção e reprodução do poder social” (EAGLETON,

op. cit., p. 23). Sendo assim, julga-se um discurso como literário ou como não literário não

pela “natureza” ou pelas características “intrínsecas” a esse discurso, e sim pelos juízos de

valor e pelas ideologias que estão em jogo para que se realize essa decisão. Desse modo, o

autor lança mão dos seguintes argumentos para defender a ideia de que não há uma linguagem

que seja intrinsecamente literária: a) pode-se pensar que o discurso literário torna estranha a

fala comum, mas deve-se levar em consideração o pressuposto de que não existe uma

linguagem “normal” que seria usada por todos os membros de uma sociedade; b) apesar de o

texto de literatura ser constituído por figuras de linguagem, não há nenhum artifício “literário”

que não seja empregado com frequência no discurso cotidiano; e c) pode-se considerar que o

discurso corrente é pragmático, diferentemente da literatura, mas na verdade não é possível

fazer uma distinção nítida entre as maneiras “práticas” e “não práticas” de nos relacionarmos

com as diversas linguagens.

Podemos corroborar a discussão levantada por Eagleton a partir das considerações de

Maingueneau (2012, p. 8), que afirma que a constituição do “objeto literário” sofre variações

“de acordo com o estatuto dos agentes, bem como dos lugares que estes ocupam na produção

e na circulação dos discursos”.

A disputa que se dá entre os grupos sociais pela decisão do que constitui a literatura

aproxima-se ao conceito foucaultiano de poder-saber. Segundo Foucault (2013, p. 30), poder e

saber são duas instâncias que estão diretamente ligadas, pois “não há relação de poder sem

constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não suponha e não constitua ao

mesmo tempo relações de poder”. Sendo assim, as diversas atividades humanas e as diferentes

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formas do conhecimento são determinadas pela relação poder-saber, pelos processos e lutas

que a atravessam e que a constituem.

É importante ressaltar que, para Foucault (2014c, p. 101), as relações de poder são

também produtivas, uma vez que ele não as entende como um sistema de dominação que um

grupo exerce sobre outro, mas sim como “o suporte móvel das correlações de força”. Segundo

o filósofo, o poder é produzido a cada instante e “se exerce a partir de inúmeros pontos e em

meio a relações desiguais e móveis” (idem, p. 102) ao invés de ser considerado como uma

potência que alguns grupos detêm. O princípio das relações de poder, portanto, não implica

uma oposição binária entre dominadores e dominados e, embora existam pontos de

resistência, estes representam não só o papel de adversário, mas também de apoio, estando

distribuídos de modo irregular.

Foucault (2012, p. 17) ainda afirma que a vontade de saber apoia-se sobre um suporte

e uma distribuição institucional e é reconduzida “pelo modo como o saber é aplicado em uma

sociedade, como é valorizado, distribuído, repartido e de certo modo atribuído”, além de

exercer sobre os outros discursos uma espécie de pressão e um poder de coerção. Dessa

maneira, vemos que os discursos relacionados aos diversos campos epistemológicos que

embasam a formação docente têm um poder coercitivo uns em relação aos outros, tendo em

vista que a questão da valorização de um certo conhecimento é essencial no processo de

interação de determinados posicionamentos discursivos. Tal relação de poder entre os

discursos, no entanto, é também produtiva na medida em que propicia o desenvolvimento de

diferentes disciplinas e áreas do saber.

Considerar tais questões, no entanto, não significa desconsiderar o valor da literatura

na sociedade. Para Rildo Cosson (2014, p. 16), por exemplo, “é no exercício da leitura e da

escrita dos textos literários que se desvela a arbitrariedade das regras impostas pelos discursos

padronizados da sociedade letrada”. Não obstante, é notório que o valor atribuído à literatura

vem sendo cada vez mais questionado. Nesse sentido, Regina Zilberman (1991) afirma que a

prática do ensino de literatura em sala de aula reage a transformações ocorridas no Brasil, tais

como a necessidade de escolarizar a população com rapidez, como maneira de acelerar a

modernização da sociedade. A autora defende que o ensino se converte em mercado de

trabalho, o que “coloca sob suspeita a inclinação democrática que a educação hipoteticamente

contém” (idem, p. 140).

Essa necessidade de aceleração do desenvolvimento também é verificada por Adrián

Fanjul (2008), que identifica em redações produzidas por graduados em Letras na habilitação

em Língua Espanhola ressonâncias de alguns discursos que vêm acompanhando a difusão do

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30

espanhol no Brasil por algumas décadas, ou seja, de uma discursividade de “urgência”

advinda do comunicativismo assimilado de maneira superficial. De acordo com Fanjul, isso

leva à desconsideração do lugar da subjetividade no aprendizado de segundas línguas.

Nas OCEM (2006, p. 132) de Língua Espanhola, faz-se igualmente uma crítica ao

comunicativismo por reduzir a língua à mera função da comunicação, o que levou à completa

desconsideração do papel da linguagem na vida humana e do “lugar da subjetividade na

aprendizagem de segundas línguas”. De acordo com as OCEM de Língua Espanhola deve-se

abordar e integrar as quatro habilidades (leitura, escrita, compreensão oral e produção oral),

mas com vistas ao desenvolvimento da consciência intercultural do aluno.

A disputa pela hegemonização de um determinado campo epistemológico, que se

manifesta tanto na organização curricular em vigor quanto nos próprios discursos que

circulam no contexto acadêmico, corrobora igualmente a dicotomização que tradicionalmente

se faz entre língua e literatura. A respeito das tensões discursivas entre as áreas do saber que

constituem a formação docente, é interessante refletir acerca da concepção de Maingueneau

(2012) a respeito dos discursos constituintes, tais como a literatura, a ciência, a filosofia e a

religião, que têm em comum propriedades relacionadas às suas condições de emergência,

circulação e funcionamento. Para o autor, cada discurso constituinte é ao mesmo tempo

interno e externo aos outros, ou seja, atravessa os outros discursos e é por eles atravessado.

Um exemplo disso é o modo como o jornalismo bebe das fontes literárias, o que provoca uma

interseção entre ambos os discursos.

No artigo “Analisando discursos constituintes”, Maingueneau (2000) afirma que um

discurso constituinte estabelece interações com outros discursos constituintes e também com

discursos não constituintes, mas faz parte de sua natureza pretender submetê-las a seus

princípios, e nisso consistem os processos de tensão e de luta pela hegemonia num

determinado contexto. No que concerne à questão da formação docente, o âmbito dos cursos

de licenciatura desvela igualmente essas tensões, na medida em que os saberes linguísticos e

literários vinculam-se a discursos constituintes distintos, mantendo entre si relações de

conflito e disputa.

O distanciamento entre a linguística e a literatura é também discutido por Fiorin

(2008), que denuncia a separação entre os estudos linguísticos e literários, afirmando que

Isso produziu uma consequência devastadora: de um lado, é constrangedor verificar a

ignorância literária dos linguistas e, mais ainda constatar que eles não dão à literatura

nenhuma importância; de outro, é ainda mais embaraçoso ouvir especialistas em

literatura enunciando, com a petulância dos sábios-ignorantes, banalidades do senso

comum, eivadas de preconceito e de falsidade, sobre a língua. (FIORIN, op. cit. p. 34)

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31

Ao final de seu artigo, Fiorin apresenta uma visão pessimista em relação à

possibilidade de uma renovação do diálogo entre a linguística e a literatura. Consideramos, no

entanto, que é preciso compreender os discursos que perpetuam tal cisão no âmbito da

formação de professores de línguas a fim de promover um agenciamento que propicie nos

meios acadêmicos uma interação maior entre os campos do conhecimento referentes aos

estudos linguísticos e literários.

As críticas de Fiorin se relacionam à reflexão de Foucault (2012, p. 34) a respeito da

noção de disciplina, que, para o filósofo, constitui “um princípio de controle da produção do

discurso”, um princípio de coerção dotado de uma função restritiva. Tal princípio faz com que

o sujeito, para encontrar-se dentro de um certo regime de verdade, obedeça às regras de uma

“polícia” discursiva que devem ser reativadas em cada discurso produzido.

A noção de disciplina, em Foucault, ganha a acepção dúplice de norma e de campo

epistemológico, evidenciando-se como mecanismo de controle dos corpos e do conhecimento.

Ambas as concepções que a palavra “disciplina” adquire estão relacionadas às tecnologias de

controle e ao conceito de biopoder (FOUCAULT, 2014c). Segundo o filósofo, os diferentes

modos de disciplina – enquanto técnicas de controle –, tais como o sistema escolar, tiveram

rápido desenvolvimento na era moderna, período de explosão de mecanismos diversos que

tinham como função a sujeição e o controle dos corpos das populações. O biopoder, portanto,

é um processo político de controle da vida através da disciplina, das normas e das instituições,

tornando os corpos produtivos e distribuindo-os em um domínio de valor e utilidade. Sendo

assim, Foucault (op. cit., p. 153-154) afirma que “os processos da vida são levados em conta

por procedimentos de poder e de saber que tentam controlá-los e modificá-los” e que a relação

poder-saber é um agente de transformação da vida.

Também é importante considerar as reflexões de Foucault (2014a) em relação ao

conceito de arquivo. Segundo o autor, o arquivo “faz aparecerem as regras de uma prática que

permite aos enunciados subsistirem e, ao mesmo tempo, se modificarem regularmente” (idem,

ibid, p. 159). O arquivo, portanto, é o sistema da formação e da transformação dos enunciados

e também o próprio conjunto de enunciados a partir dos quais não se tenta estabelecer uma

cronologia nem uma continuidade, mas sim uma regra de formação que tende à dispersão, ao

auto-ocultamento, mascarando assim as relações de poder. Tais relações, como já

mencionamos, não implicam somente processos coercitivos, como também produtivos, já que

é no interior das regras do arquivo que se produzem os discursos.

De acordo com Coracini (2007, p. 16), é o arquivo que “faz com que os discursos se

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modifiquem, que alguns dizeres, longínquos no tempo, permaneçam e outros, mais recentes,

se esfumem e até desapareçam”. A partir de tal afirmação podemos compreender que as

disputas discursivas que se dão não apenas entre os diversos campos epistemológicos, mas

também entre os diferentes posicionamentos assumidos dentro de uma mesma área do saber,

seguem a lógica do arquivo, que é “a lei do que pode ser dito, o sistema que rege o

aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares” (FOUCAULT, 2014a, p. 158).

A autora ainda considera que o lugar ou função discursiva do sujeito (constitutivamente

heterogêneo) é também alteridade, uma construção discursiva e social em constante

elaboração e mutação, carregando em si o outro, que o transforma e é transformado por ele.

Nesse sentido, os discursos que são produzidos a partir das relações interpessoais entre

licenciandos e professores (universitários e da Educação Básica) deixam rastros no

(in)consciente dos sujeitos, que, mesmo sem saber, incorporam fragmentos que farão parte de

sua constituição subjetiva. Tais discursos são, nos dizeres de Coracini (2007, p. 23), “imagens

que constituem o imaginário do sujeito – como ele se vê e acredita ser visto –, construindo,

assim, a sua identidade, ou melhor, os momentos de identificação que permitem a ilusão da

permanência de uma certa identidade”. Desse modo, a relação entre arquivo e processos de

subjetivação pode ser produtiva na medida em que nos dá aportes para a compreensão e

análise das regras de formação dos enunciados dos sujeitos da pesquisa, bem como dos modos

de representação dos mesmos.

Além disso, os conceitos abordados nesta seção nos possibilitarão refletir acerca dos

movimentos de cisão e de diálogo entre os campos epistemológicos referentes aos estudos

linguísticos e aos estudos literários, de modo a que se analise a relação entre as diferentes

formações discursivas que atravessam os discursos que circulam nos contextos em que se dá a

licenciatura em língua estrangeira, seja a partir dos textos trabalhados nas disciplinas de

língua e de literatura, seja a partir dos dizeres dos sujeitos envolvidos na formação docente,

tais como os licenciandos, os professores atuantes na Educação Básica que os orientam e os

recebem como estagiários e os professores universitários.

1.3 Currículo e interdisciplinaridade

Um elemento essencial a ser levado em conta na abordagem acerca da formação

docente é o currículo, que atravessa a Universidade e, consequentemente, a Educação Básica.

Segundo Gimeno Sacristán (2000), o currículo pode ser analisado a partir de uma atividade

discursiva acadêmica e de pesquisa sobre temas como a ponte que se estabelece entre a

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sociedade e a escola, o projeto educativo, a expressão formal e material desse projeto e o

campo prático pedagógico.

Para o autor, é preciso tratar o currículo no seu relativismo e provisoriedade, já que

este constitui “um processo no qual podemos realizar cortes transversais e ver como está

configurado num dado momento” (GIMENO SACRISTÁN, op. cit., p. 16). Dessa forma, o

educador espanhol critica o estabelecimento dos fins de um determinado projeto educativo

como algo dado, já que isso consiste na ocultação por parte das classes dominantes do

verdadeiro significado do ensino, que deve ser mais profundamente discutido pelos estudiosos

do currículo.

Gimeno Sacristán (2000, p. 21) aponta para a importância de se conceber o currículo

como uma práxis, ou seja, como um processo desencadeado a partir de operações diversas,

tais como as práticas políticas e administrativas, as condições estruturais, organizativas,

materiais, a dotação de professorado e a bagagem de ideias e significados que dão forma ao

currículo e que o “modelam em sucessivos passos de transformação”. Além disso, o autor

critica a perspectiva tecnológica ou eficientista, segundo a qual se considera o currículo como

um objeto gestionável. Para ele, a burocracia moderna e a tecnocracia dominante priorizam o

tratamento que evita em suas coordenadas o discurso filosófico, político, social e até

pedagógico sobre o currículo. O autor ainda afirma que o que define o currículo como terreno

político e não meramente pedagógico é o subsistema de participação e de controle, que

determina que todo currículo se insere num equilíbrio específico de “divisão de poderes de

decisão e determinação de seus conteúdos e formas” (idem, p. 24).

Giroux e McLaren (1995, p. 128) afirmam, a partir de uma vertente marxista, que a

formação docente “tem servido para reproduzir as ideologias tecnocráticas e corporativistas

características das sociedades dominantes”, o que tem contribuído para a falta de consciência

e de sensibilização social. Dessa maneira, as escolas de formação de professores devem ser

reconcebidas como espaços de contraesfera pública em que se ratifique e se pratique o

discurso da liberdade e da democracia.

A partir de discussões realizadas por estudiosos do currículo nas últimas décadas,

muitos documentos norteadores do ensino vêm sendo modificados. É nesse contexto também

que ocorre a reforma das licenciaturas das universidades brasileiras no início dos anos 2000. A

resolução do CNE/CP de 2002/1, por exemplo, decreta a necessidade de se integrar teoria e

prática. No seu artigo 3º, considera-se a coerência entre a formação oferecida e a prática

esperada do futuro docente como um dos princípios reguladores do preparo para o exercício

do magistério. De modo semelhante, no artigo 12 exige-se que a prática não se restrinja ao

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espaço do estágio, mas que esteja presente desde o início do curso, levando o futuro professor

a uma reflexão também menos tecnocrática e reprodutivista sobre sua atividade profissional.

Portanto, deve ser considerado na construção do projeto pedagógico de cursos de formação de

professores o comprometimento com valores vigentes na sociedade democrática, bem como

competências referentes à importância do papel social da escola.

Cabe mencionar também a resolução CNE/CP nº 2 de 1º de julho de 2015, que

apresenta as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial e continuada de

professores da educação básica. Nesse documento enfatiza-se, entre outras questões, a

necessidade de se articular a formação docente às políticas e diretrizes do ensino básico, como

por exemplo no parágrafo 6º do artigo 3º, que decreta que “o projeto de formação deve ser

elaborado e desenvolvido por meio da articulação entre a instituição de educação superior e o

sistema de Educação Básica, envolvendo a consolidação de fóruns estaduais e distrital

permanentes de apoio à formação docente, em regime de colaboração” (BRASIL. Resolução nº

2/2015, p. 5). Dessa maneira, dá-se relevância ao diálogo que deve ser estabelecido entre o âmbito

do ensino superior e da escola básica com vistas a fomentar cursos de licenciatura que incentivem

a construção “do respeito ao bem comum e à democracia” (idem, p. 2).

Com base na reflexão de Bourdieu (2007) sobre reprodução cultural e reprodução

social, podemos considerar o reprodutivismo como a lógica segundo a qual o capital cultural

concentra-se continuamente nas mãos das classes dominantes, que detêm os códigos

necessários para decifrar os bens simbólicos. O sistema de ensino em seus diferentes níveis,

por sua vez, corrobora a reprodução da estrutura de distribuição do capital cultural entre as

classes sociais. A partir da discussão de tais noções e do desenvolvimento de percepções que

permitam o reconhecimento dos diferentes modos de funcionamento de questões

educacionais, acreditamos ser um papel ético e político do intelectual assumir uma postura

crítica a fim de contribuir com uma distribuição mais igualitária dos bens simbólicos na

sociedade.

No que concerne à atividade profissional docente, muito se tem discutido a respeito da

concepção de uma formação menos tecnocrática e reprodutivista, o que levou, como

mencionado anteriormente, a muitas reformulações de documentos oficiais e de currículos.

No entanto, de acordo com Gimeno Sacristán (2000), a mera renovação do currículo ou de

documentos norteadores da educação não provoca mudanças substanciais na realidade. Isso

ocorre porque os diversos subsistemas que contextualizam o currículo permanecem muito

estáveis, e uma prática de ensino obsoleta se mantém muito ligada a esses subsistemas, ainda

que ideias potencialmente renovadoras tentem se impor nesse contexto. Tal incongruência

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também se deve ao fato de todo currículo ser “síntese de uma série de posições filosóficas,

epistemológicas, científicas, pedagógicas e de valores sociais” (idem, p. 35), o que o torna um

campo de lutas e tensões.

É importante considerar a distinção entre as duas vertentes da teoria do currículo, ou

seja, os estudos críticos e os pós-críticos. Ambas as linhas se diferenciam a partir das distintas

concepções que apresentam acerca das relações de poder: os estudiosos da abordagem crítica,

por sua filiação à teoria marxista, concebem o currículo como um espaço em que as relações

de poder são verticalizadas; os estudiosos da vertente pós-crítica, por sua vez, por se

aproximarem a uma abordagem discursiva, postulam que o currículo é atravessado por

relações horizontais de poder, levando em consideração os efeitos de sentido que se dão a

partir da proliferação discursiva e do modo como o currículo se recontextualiza no dizer dos

sujeitos.

A partir da vertente pós-crítica dos estudos sobre currículo, Alice Casimiro Lopes

(2008) afirma que muitas reformas educacionais privilegiam mudanças na organização

curricular em detrimento de uma problematização em torno dos conteúdos. Desse modo, dá-se

mais importância às formas de organizar os conteúdos de ensino do que ao debate sobre a

seleção dos mesmos. Segundo a autora, os discursos em torno da integração curricular vêm

ganhando ênfase na atualidade, e isso se deve ao “entendimento de que, no contexto do

paradigma pós-fordista, há necessidade de formação de habilidades e competências mais

complexas e superiores, as quais seriam mais facilmente desenvolvidas em uma perspectiva

integrada” (idem, p. 33).

Lopes, citando do trabalho de Bernstein (1996, 1998), afirma que tal orientação de se

integrar os conhecimentos escolares parte das agências multilaterais e é posteriormente

incorporada pelas propostas curriculares dos diversos países, sofrendo diferentes

recontextualizações. De acordo com a autora, o foco na integração curricular, no Brasil, está

presente nos níveis fundamental, por meio dos temas transversais, e médio, por meio da

interdisciplinaridade. Uma análise de documentos norteadores de cursos de licenciatura no

Ensino Superior, no entanto, revela que a questão da interdisciplinaridade também perpassa a

formação universitária. A resolução do CNE/CP de 2002/1, por exemplo, contempla tal

questão em diversos momentos:

Art. 6º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes,

serão consideradas:

(...)

III - as competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, aos

seus significados em diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar;

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(...)

Art. 11. Os critérios de organização da matriz curricular, bem como a alocação de

tempos e espaços curriculares se expressam em eixos em torno dos quais se

articulam dimensões a serem contempladas, na forma a seguir indicada:

(...)

III - eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;

(...)

Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão

prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das

diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar.

(...)

Art. 14. Nestas Diretrizes, é enfatizada a flexibilidade necessária, de modo que cada

instituição formadora construa projetos inovadores e próprios, integrando os eixos

articuladores nelas mencionados.

§ 1º A flexibilidade abrangerá as dimensões teóricas e práticas, de

interdisciplinaridade, dos conhecimentos a serem ensinados, dos que fundamentam a

ação pedagógica, da formação comum e específica, bem como dos diferentes

âmbitos do conhecimento e da autonomia intelectual e profissional. (BRASIL.

Resolução CNE/CP nº 1 de 2002)

Concordamos com a defesa de Lopes (2008, p. 38) de que as “interpretações restritas

do currículo integrado são decorrentes, em grande parte, de um apagamento da história das

proposições de integração curricular”, que pode ser identificado, segundo a autora, em

documentos como os parâmetros, tanto para o nível fundamental quanto para o médio de

ensino.

Ao nos depararmos com os enunciados da resolução destacados acima, também

verificamos tal apagamento, o que confere aos textos oficiais a “marca da novidade” (LOPES,

op. cit., p. 39), contribuindo, ao mesmo tempo, para legitimar esses textos e para que os

professores – tanto os formadores quanto os em formação, em se tratando da reforma das

licenciaturas – “se sintam desconsiderados por essas propostas”.

Além disso, Lopes critica a visão de que o currículo integrado é por si só uma forma

de organização curricular que garante o questionamento das perspectivas tradicionais de

conhecimento e das relações de poder. A autora considera, na verdade, que muitos “trabalhos

interdisciplinares nas ciências frequentemente geram novas disciplinas, mais especializadas,

com seus respectivos modelos teóricos e métodos, submetidos a avaliações pelos pares em

linhas de financiamento, congressos e periódicos próprios” (LOPES, op. cit., p. 45).

Apesar de tais considerações, Lopes (2008, p. 60) defende o questionamento dos

mecanismos sociais que impedem a integração do conhecimento, porém levando em conta as

múltiplas racionalidades que o constituem, incluindo, assim, “o entendimento das finalidades

sociais específicas que são atendidas pelas disciplinas”.

No que diz respeito à mencionada integração do conhecimento, Fiorin (2008, p. 39)

denuncia os danos da especialização não apenas no âmbito das Letras, mas em qualquer área,

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tendo em vista que a disciplinarização acarreta uma institucionalização nociva a todo e

qualquer fazer científico; o autor defende, portanto, que a interdisciplinaridade “é uma das

formas mais interessantes e produtivas de trabalho científico de nossa época”3 por supor a

interseção, a sobreposição e a reorganização de disciplinas, que podem buscar elementos em

outras áreas e ciências.

Contudo, acreditamos que, a partir dos pressupostos da interdisciplinaridade, muitas

políticas curriculares são fomentadas por agências internacionais e recontextualizadas nos

diversos níveis de ensino da educação brasileira de maneira acrítica. É necessária, portanto, “a

análise da história do pensamento sobre organização curricular (…), na medida em que os

processos de recontextualização se desenvolvem pelo hibridismo de diferentes discursos”

(LOPES, op. cit., p. 61).

Em relação especificamente às licenciaturas em Letras da universidade que

investigamos nesta pesquisa, verificamos em determinados momentos do documento

intitulado “Projeto Pedagógico e Organização Curricular do Curso de Licenciatura em Letras”

uma falta de problematização das perspectivas tradicionais de conhecimento e das relações de

poder entre os múltiplos campos epistemológicos que constituem o currículo. Observemos os

seguintes fragmentos:

Abrem-se agora perspectivas de uma aquisição de conhecimentos específicos mais

completa tanto na língua portuguesa quanto nas línguas estrangeiras e clássicas, um

perfil profissional mais consistente e uma sadia correlação interdisciplinar, em

consonância com a política de incentivo à formação acadêmica, profissional e à

iniciação científica.

(...)

Esse modelo, ao mesmo tempo que pretendia resgatar o regime de créditos, buscava

abrir aos estudantes a possibilidade de optar entre uma formação

predominantemente literária, uma formação predominantemente linguística e uma

formação equilibradamente linguística e literária.

(...)

Em nome da filosofia de trabalho acima enunciada, procuramos:

(1) repensar a distribuição de carga horária de conteúdo básico e específico – cujo total

de horas ultrapassa o mínimo obrigatório –, buscando cumprir a determinação da

Resolução CNE/CP/02/2002 e alcançar a excelência na formação do Licenciado do

Curso de Letras;

(...)

(5) atualizar o perfil das disciplinas eletivas, para possibilitar variedade e flexibilização de

3 Segundo Fiorin (2008, p. 38), a interdisciplinaridade “pressupõe uma convergência, uma

complementaridade, o que significa, de um lado, a transferência de conceitos teóricos e de metodologias e,

de outro, a combinação de áreas”. Já a multidisciplinaridade é caracterizada pelo autor como a análise de um

dado objeto por várias disciplinas, “sem que haja ligação necessária entre essas abordagens disciplinares”

(idem, ibid, p. 37). A transdisciplinaridade, por sua vez, consiste na fusão das fronteiras disciplinares, que se

tornam móveis e fluidas. Japiassu (2006, p. 23), diferentemente de Fiorin, defende a transdisciplinaridade e

define o “sonho transdisciplinar” (expressão usada por ele) como o projeto que comanda o “percurso

metodológico suscetível de dar conta da unidade das abordagens, das leis e conclusões enunciadas para que

o paradigma da disjunção das disciplinas seja ultrapassado pelo da convergência e complementaridade”.

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escolhas e contato interdisciplinar; (...) (Projeto Pedagógico e Organização

Curricular do Curso de Licenciatura em Letras4.)

Podemos ressaltar, a partir das passagens destacadas, uma certa tentativa de

silenciamento das disputas entre os diversos saberes que compõem os cursos de licenciatura

em Letras, bem como uma concepção de que a organização curricular garante por si só a

“correlação interdisciplinar”. Consideramos, em contrapartida, que além da estrutura do

currículo, há outros fatores relevantes para que se propicie o diálogo entre os campos

epistemológicos ligados à língua e à literatura. Serrani (2014), por exemplo, propõe

articulações entre língua e cultura que, no âmbito da formação docente, são possibilitadas

pelo componente entendido como língua-discurso. Para fazer tal aproximação, a autora

delimita parâmetros multidimensional-discursivos5 relativos à interculturalidade, à língua-

discurso e às práticas verbais, componentes que se relacionam de maneira interdependente

na progressão de conteúdos e atividades, abordando assim as noções pilares da concepção

discursiva da linguagem: o intradiscurso – que se dá a partir da relação de um determinado

discurso com outros discursos –, o interdiscurso – relativo a memórias sociohistóricas

constitutivas de todo sujeito e ao espaço discursivo, ou seja, o “conjunto de discursos (de um

mesmo campo discursivo ou de campos distintos) que mantêm relações de delimitação

recíproca uns com os outros” (MAINGUENEAU, 2014, p. 286) – e os gêneros discursivos.

Em seu artigo, Serrani demonstra que em um texto pertencente ao gênero poético,

como Ni colorín ni colorado de Mario Benedetti, poema analisado pela autora, pode ressoar

gêneros não somente literários, como os de narração de contos infantis, mas também gêneros

não literários, como o jornalístico e o institucional-burocrático. Isso se deve à

heterogeneidade discursiva dos textos e gêneros, que precisa ser considerada no “trabajo de

formación sobre diversidad enunciativa en clases de lengua y cultura” (SERRANI, op. cit.,

p. 25), de modo a problematizar a dicotomização que se faz entre língua e literatura.

Além da organização curricular, anteriormente mencionada, outros aspectos podem

propiciar ou dificultar o diálogo entre diferentes campos do conhecimento. Nesse sentido,

Moraes (2008, p. 20) afirma que, “historicamente, os Programas de Pós-Graduação da

Faculdade de Letras refletem a estrutura departamental da Faculdade, originalmente voltada

4 Por questões éticas do anonimato da pesquisa, a fonte de autoria do documento em questão não será

revelada nem constará das referências. 5 De acordo com Serrani (2014, p. 19), no planejamento multidimensional-discursivo “la progresión de

contenidos y actividades no sucede exclusivamente a partir de la dimensión lingüística, sea en la

perspectiva que fuere (tradicional, estructuralista, nocional-funcional, comunicativista, socio-interacionista,

semántico-discursiva, etc.)”, mas sim de forma interdependente entre os componentes intercultural, de

língua-discurso e de práticas verbais.

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para o ensino de graduação, que forma bacharéis em Letras e licenciados”. O autor ainda

denuncia a rigidez das fronteiras entre os diversos Programas, o que prejudica o intercâmbio

entre docentes e estudantes e a combinação de áreas distintas.

As reflexões feitas a respeito da concepção dialógica e heterogênea de sujeito e de

linguagem, do histórico da cisão entre os saberes linguísticos e literários e da questão da

interdisciplinaridade na organização curricular configuram um referencial teórico relevante

para a compreensão e problematização dos discursos que perpetuam as disputas discursivas

entre língua e literatura no âmbito da formação em Letras Espanhol. As questões levantadas

neste capítulo, portanto, nos dão embasamento para discutir e analisar os espaços em que se

dá a formação docente enquanto contextos atravessados por diferentes formações

discursivas, que mantêm entre si relações não apenas de tensão, mas também de imbricação,

constituindo assim movimentos simultâneos de diálogo e de reprodução da dicotomia entre

língua e literatura.

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40

2 GÊNEROS ACADÊMICOS E ENTREVISTAS: ASPECTOS

METODOLÓGICOS

Neste capítulo apresentaremos os procedimentos metodológicos ligados aos nossos

pressupostos teóricos, utilizados para a análise dos dados gerados e coletados na presente

pesquisa.

Em nossa metodologia, seguimos os seguintes passos: a) coletamos, em pastas

disponíveis em fotocopiadoras ou via Internet, os textos referentes às disciplinas de língua

espanhola e de literaturas hispânicas oferecidos aos licenciandos de Letras Espanhol da

universidade pesquisada no segundo semestre de 2014; b) categorizamos esses textos de

acordo com os gêneros, as finalidades e as linhas teóricas predominantes em cada um; e c)

realizamos entrevistas semiestruturadas com duas professoras universitárias (uma de língua

espanhola e uma de literaturas hispânicas), dois professores da Educação Básica (um com

formação em nível de pós-graduação na área de estudos linguísticos e um na de estudos

literários) e dois licenciandos (um que se aproxima mais a projetos desenvolvidos na área de

língua e a outra, a projetos desenvolvidos na área de literatura).

A partir do recorte, nosso corpus fica constituído por quatro textos (dois de literatura e

dois de língua que compõem, respectivamente, a bibliografia de cursos ministrados por uma

professora de literaturas hispânicas e por uma professora de língua espanhola, que são as

docentes universitárias entrevistadas) disponibilizados aos graduandos do curso de Letras

Espanhol da universidade investigada e pelas seis entrevistas, realizadas com os professores e

com os licenciandos. Escolhemos dois textos de cada área pelo fato de que, na mencionada

disciplina ministrada pela professora de língua, foram trabalhados apenas dois textos teóricos.

Isso parte da nossa intenção de analisar a mesma quantidade de textos oferecidos em

disciplinas de literaturas hispânicas e de língua espanhola. Além disso, os textos que

analisaremos compõem a bibliografia de cursos ministrados pelas professoras entrevistadas, o

que nos permite comparar os processos de subjetivação e as formações discursivas

predominantes e/ou imbricadas nos textos e nas entrevistas.

De acordo com Boni e Quaresma (2005), a entrevista semiestruturada possibilita maior

interação entre o entrevistado e o entrevistador, favorecendo respostas espontâneas. As

autoras ainda afirmam que “quanto menos estruturada a entrevista maior será o favorecimento

de uma troca mais afetiva entre as duas partes” (idem, p. 75).

Também confrontamos as perspectivas teóricas encontradas nos textos ao discurso dos

sujeitos entrevistados a partir da discussão de Eagleton (2006) em relação a linhas da teoria

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literária e do compêndio de linguística de Martelotta et al. (2008). Tal cotejo nos permitirá

realizar e adotar uma metodologia de caráter predominantemente qualitativo que, de acordo

com Martins (2004, p. 289), “privilegia a análise de microprocessos, através do estudo das

ações sociais individuais e grupais, realizando um exame intensivo dos dados, e caracterizada

pela heterodoxia no momento da análise”.

De acordo com Souza (2013, p. 137), documentos prescritivos das IES (Instituições de

Ensino Superior), como as ementas e os fluxogramas, regulamentam o trabalho dos

professores formadores e em formação e “participam de um conjunto de discursos que

concorrem, que estabelecem diferentes relações de poder, participando da construção de

subjetividades docentes, todas, de algum modo, tratando os embates entre discursos em defesa

do beletrismo e discursos em defesa da profissionalização”. A autora acrescenta, no entanto,

que os documentos reguladores não se constituem apenas como prescrições, mas também

como enunciados que “participam de uma visão de docência que, de certa maneira, participará

das relações que o futuro professor estabelecerá com sua atividade profissional” (idem, p.

138).

A partir de tais considerações, pretendemos oferecer um mapeamento e uma análise

discursiva do currículo em vigência na licenciatura em Letras Espanhol da universidade em

questão por meio do exame dos textos teóricos disponibilizados aos licenciandos e das

entrevistas com sujeitos que fazem parte desse processo de formação. Dessa maneira,

estabelece-se o caráter qualitativo da pesquisa a partir do cotejo dos discursos e tradições

acadêmicas em disputa no campo da formação de professores de espanhol como língua

estrangeira na instituição pesquisada.

Acrescentamos, por fim, que a análise do corpus será realizada ao longo dos capítulos

4, 5, 6 e 7. No capítulo 4, buscaremos compreender como se dá a questão do controle e da

heterogeneidade enunciativa nos textos teóricos, abordando ainda as possíveis relações

intergenéricas (CORRÊA, 2006) entre o ensaio e o artigo acadêmico suscitadas pelos textos

analisados. No capítulo 5, verificaremos de que maneira as entrevistas das professoras

universitárias encetam disputas em torno da formação docente na medida em que sugerem

diferentes concepções acerca do trabalho com a linguagem no âmbito acadêmico. No capítulo

6, enfatizaremos a relação entre língua e literatura estabelecida por docentes atuantes na

Educação Básica, procurando observar as diferenças e semelhanças no tratamento que os

entrevistados dão aos distintos saberes em sua prática. No capítulo 7, ressaltaremos a visão

dos licenciandos no que diz respeito às formações linguística e literária oferecidas pela

instituição pesquisada, além de perceber os distintos pontos de vista acerca de questões

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curriculares relevantes para a licenciatura em Letras Espanhol. Nas considerações finais,

faremos o cotejo entre os capítulos 4 e 5, observando os pontos de convergência e de

divergência entre as falas das entrevistadas e os textos teóricos (selecionados por elas como

parte da bibliografia de seus cursos da graduação) no que tange às formações discursivas que

atravessam ambos os discursos. Retomaremos ainda, de modo comparativo, a relação

língua/literatura tematizada nas entrevistas, procurando compreender de que forma se dá a

predominância de FD cientificistas ou não cientificistas no dizer de cada sujeito envolvido

nesta pesquisa.

2.1 Sobre as instituições e os sujeitos

Apresentaremos, nesta seção, um breve histórico do contexto acadêmico investigado

na presente pesquisa, bem como informações relevantes a respeito dos sujeitos entrevistados,

ou seja, duas professoras atuantes na universidade em questão, dois licenciandos dessa IES e

dois professores da Educação Básica que recebem estagiários dessa instituição.

De acordo com os dados6 disponibilizados na página virtual da universidade

pesquisada, a Faculdade de Letras da IES em questão, criada em 1968, conta atualmente com

um corpo discente de aproximadamente dois mil alunos de graduação, que se distribuem pelas

13 habilitações oferecidas, e com um corpo docente de 165 professores, dos quais mais da

metade possui doutorado.

A docente entrevistada com formação em estudos linguísticos atua desde 2005 como

professora adjunta na Faculdade de Letras da IES pesquisada, ministrando na graduação

disciplinas de Língua Espanhola e de Produção de Texto em Espanhol. Já a docente com

formação em estudos literários atua desde 1986 como professora associada, ministrando na

graduação, atualmente, as disciplinas de Literatura Espanhola.

A licencianda entrevistada ingressou, em 2008, no curso de bacharelado em Letras –

Português/Espanhol da IES investigada, iniciando posteriormente a licenciatura na mesma

instituição. Antes mesmo de se graduar, ela já atuava como docente na Educação Básica e em

cursos livres de ensino de idiomas. O licenciando entrevistado, por sua vez, ingressou na

licenciatura em Letras – Português/Espanhol em 2010, atuando, ao longo de sua formação,

como docente em pré-vestibulares e em outros espaços educacionais.

É importante mencionar que os professores da Educação Básica entrevistados são

6 Por questões éticas do anonimato da pesquisa, a fonte dos dados apresentados nesta seção não será revelada

nem constará das referências.

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colegas de trabalho. Os dados disponibilizados na página virtual do instituto em que eles

atuam o caracterizam como uma instituição pública de formação tecnológica responsável por

capacitar, no nível médio, profissionais das áreas de energia elétrica, eletrônica,

telecomunicações, entre outras.

O professor com formação em estudos literários realizou o Mestrado e o Doutorado na

IES pesquisada e terminou, em 2013, seu Pós-Doutorado em Linguística Aplicada. Já o

docente com formação em estudos linguísticos obteve em 2010 o título de mestre pela

universidade que investigamos e iniciou, em 2012, seu Doutorado em outra instituição.

2.2 Gênero e interdiscurso

Nos dizeres de Bakhtin (2003, p. 265), “a língua passa a integrar a vida através de

enunciados concretos (que a realizam); é igualmente através de enunciados concretos que a

vida entra na língua” e todo conjunto de enunciados se materializa em um determinado gênero

discursivo, que por sua vez é reflexo e produtor da atividade humana.

Rojo (2005) afirma que a apreciação valorativa sobre o tema e sobre a parceria entre

os sujeitos da enunciação determinam também, tanto nas esferas do cotidiano quanto nas

esferas dos sistemas ideológicos constituídos, o lugar social que o enunciador e o seu

coenunciador podem ocupar, as relações hierárquicas e interpessoais que serão estabelecidas,

os temas que serão abordados e as finalidades ou intenções comunicativas que serão adotadas.

Dessa maneira, o fluxo discursivo das esferas comunicativas “cristaliza historicamente um

conjunto de gêneros mais apropriados a esses lugares e relações, viabilizando regularidades

nas práticas sociais de linguagem” (idem, p. 197).

Maingueneau (2012) defende que cada texto pertencente a um dado gênero discursivo

e ligado a um certo posicionamento ideológico induz expectativas no tocante a um

determinado ethos. Segundo o autor, “a noção de ethos permite ainda refletir sobre o processo

mais geral de adesão dos sujeitos ao ponto de vista defendido por um discurso” (idem, p.

271), processo particularmente evidente no caso de discursos como a literatura e a ciência,

que devem conquistar um público que pode aderir a eles ou recusá-los. Cabe apontar,

contudo, as relações existentes entre ambos os discursos, relações estas que propiciaram o

desenvolvimento de disciplinas como a ciência da literatura. Tal questão é abordada por

Roberto Acízelo de Souza, quem, na obra Teoria da literatura, afirma que

privilegiar o método linguístico, tendência predominante na metade do século XX,

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resultou no mérito de superar tanto o impressionismo crítico quanto a

superficialidade das orientações positivistas do século XIX; mas o apego intransitivo

ao texto, consequência dessa atitude, acabou vedando o acesso a questões da maior

importância. Daí o desenvolvimento de novas atitudes metodológicas, cujas análises

não pretendem simplesmente desconsiderar o método linguístico, mas partir das

insuficiências que ele revela. Tais análises tornam a teoria da literatura permeável a

outros métodos de investigação, sobretudo os de base sociológica, antropológica,

psicanalítica e histórica. (SOUZA, 2007, p. 55-56)

Teorizar sobre a literatura, portanto, consiste em constituir um objeto e um método

apropriados, considerando ainda as possíveis relações entre esse objeto e diferentes campos

do saber.

Retomando a questão levantada por Maingueneau (2012), ressaltamos que os textos a

serem analisados, que constituem o recorte do nosso corpus, associam-se a ethos discursivos

múltiplos não apenas por pertencerem a gêneros distintos (entrevista, ensaio e artigo

acadêmico), mas também por denotarem posicionamentos ideológicos diversos, como por

exemplo concepções de sujeito divergentes.

Bakhtin (2003, p. 294) afirma que “a experiência discursiva individual de qualquer

pessoa se forma e se desenvolve em uma interação constante e contínua com os enunciados

individuais dos outros”. Todo enunciado, portanto, é pleno de um grau vário de alteridade, de

palavras dos outros, cujo tom valorativo é assimilado e posteriormente reelaborado e

reacentuado pelos sujeitos da enunciação.

Cada enunciado constitui-se de ecos de enunciados dos outros, que podem

corresponder a discursos da tradição, do que não é da ordem do individual, configurando-se

como o Outro num determinado discurso. Levar em conta, portanto, a relação do sujeito com

o outro e seus enunciados é essencial para a compreensão dos gêneros discursivos, de um

modo geral, e, especificamente nesta pesquisa, das entrevistas, dos ensaios e dos artigos

acadêmicos, uma vez que nos enunciados analisados, ou seja, na fala dos professores e dos

licenciandos e nos textos teóricos, ressoam vozes que mantêm relações conflituosas entre si,

visibilizando assim as disputas entre as formações em língua e em literatura no âmbito da

licenciatura em Letras Espanhol.

A respeito de tal questão, Arfuch (2010) afirma que

Essa consideração do outro como fazendo parte de meu enunciado (…) encontra seu

correlato na ideia de uma linguagem outra, habitada por vozes que deixaram seu

rastro com o uso de séculos, uma palavra alheia que expressa sentidos, tradições,

verdades, crenças, visões de mundo, e que o sujeito assume de forma natural, mas da

qual deverá se apropriar pelo uso combinatório peculiar que dela faça, pelos

gêneros discursivos que escolher e, sobretudo, pelas tonalidades de sua afetividade.

(ARFUCH, op. cit., p. 67)

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Nosso enunciado, por conseguinte, já está determinado por um outro, que também atua

na constituição de nossa subjetividade, pois estamos abertos a identificações múltiplas,

sempre em tensão com o outro, com o diferente. Há memórias discursivas associadas a cada

enunciado, memórias estas que se configuram como “o saber discursivo que torna possível

todo dizer e que retorna sob a forma do pré-construído, o já-dito que está na base do dizível”

(ORLANDI, 2000, p. 31), isto é, o interdiscurso.

De acordo com Orlandi (op. cit., p. 32), o que é dito não significa apenas numa

situação discursiva dada, mas também pode significar em outros contextos, pois o sujeito

“não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele”, e nesse

jogo se configuram o interdiscurso e a memória discursiva. Sendo assim, o sujeito acessa

apenas uma parte do dizível, pois “mesmo o que ele não diz (e que muitas vezes ele

desconhece) significa em suas palavras” (idem, p. 34), o que se liga à opacificação do

discurso (cf. AUTHIER-REVUZ, 1998, 2004) e à recusa da transparência da linguagem.

Veremos (cf. seção 2.2.2), portanto, o modo como as categorias enunciativas utilizadas na

análise dos textos teóricos e das entrevistas relacionam-se aos sentidos múltiplos instaurados a

partir dos discursos que atravessam a formação docente.

2.3 Os textos teóricos, as entrevistas e as formações discursivas

Nesta seção, discutiremos a respeito do modo como os gêneros ensaio e artigo

acadêmico se constituem a partir de diferentes ethos e formações discursivas, na medida em

que estabelecem relações distintas com a questão do conhecimento e da autoria. Além disso,

abordaremos a entrevista como um gênero discursivo que permite a produção de verdade(s) a

partir da interação entre os enunciadores e da “massa de textos” (DAHER et al., 2004)

viabilizada pela relação entrevistador/entrevistado.

2.3.1 O ensaio e o artigo acadêmico

Adorno (1986) afirma que o “ensaio como forma” não tem pretensões de completude e

continuidade, pois esta é, ao mesmo tempo, uma descontinuidade. Desse modo, o ensaio se

rebela esteticamente contra o método científico, uma vez que este não considera a realidade

como fragmentada e transitória. É preciso considerar, no entanto, que a ciência atual também

tem a potencialidade de abrir espaço para o singular, “a causalidade inter-relacional, o

dialógico, a não-disjunção, a relação entre observador e objeto, a teoria do sujeito, do ser e da

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existência” (MORIN, 2007, p. 63).

O procedimento científico, na concepção de Adorno (op. cit., p. 24), bem como o

empirismo e o racionalismo, são sistemáticos, “na medida em que definem condições para o

conhecimento, concebidas de um modo mais ou menos constante”. Já o ensaio constitui-se

como um gênero7 que se opõe ao sistema e que se aproxima de uma autonomia estética,

embora “se diferencie da arte tanto por seu meio específico, os conceitos, quanto por sua

pretensão à verdade desprovida de aparência estética” (idem, p. 18). O autor ainda afirma que

“a corporação acadêmica só tolera como filosofia o que se veste com a dignidade do

universal, do permanente” (idem, p. 16). Tal universalidade, bem como a rede de objetividade

dos conceitos, são, na visão do filósofo alemão, arranjos meramente subjetivos.

Além disso, Adorno (1986, p. 23) postula que a pretensão de que determinados

conhecimentos, como os que se constituem a partir da experiência humana individual, sejam

“capturados pela rede da ciência” liga-se a relações de produção enrijecidas, o que implica

uma paralisação do procedimento especializado diante de seus objetos específicos.

Foucault (2014b) também discute a questão do conhecimento ao examinar a atividade

genealógica por ele formulada. Segundo o autor, não se trata de “opor a unidade abstrata da

teoria à multiplicidade concreta dos fatos e de desclassificar o especulativo para lhe opor, em

forma de cientificismo, o rigor de um conhecimento sistemático” (idem, p. 268), mas sim de

uma oposição dos saberes em relação aos efeitos de poder centralizadores ligados à instituição

e ao funcionamento do discurso científico em vigor na nossa sociedade.

O filósofo ainda afirma que o projeto de sua genealogia é “libertar da sujeição os

saberes históricos, isto é, torná-los capazes de oposição e de luta contra a coerção de um

discurso teórico, unitário, formal e científico” (FOUCAULT, 2014b, p. 270). Para o autor,

seria preciso, portanto, reativar os saberes locais em contraposição à hierarquização científica

do conhecimento e seus efeitos de poder.

A partir de uma concepção discursiva dos gêneros e dos enunciados, García Negroni

(2008, p. 10) afirma que a escrita científica é “tradicionalmente caracterizada por las

propiedades de objetividad, neutralidad, impersonalidad y precisión” no que se refere à

realidade externa, que se manifestaria no texto como totalmente independente das

apreciações, emoções e sentimentos do autor. No entanto, García Negroni demonstra como,

apesar das estratégias de despersonalização presentes na esfera científico-acadêmica, tal

7 Embora a reflexão de Adorno não defina uma noção de gênero discursivo, ressaltamos a importância de

se considerar o ensaio e os gêneros de maior circulação nos âmbitos acadêmicos, tais como o artigo acadêmico e

o artigo científico, enquanto “tipos relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 262) que se

diferenciam pelo conteúdo temático, pela estrutura composicional e pelo estilo.

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discurso apresenta marcas da subjetividade e da heterogeneidade que podem estar

relacionadas à configuração de diferentes ethos discursivos, dependendo da disciplina em

questão.

É relevante apontar que as diversas esferas discursivas não implicam apenas ethos

distintos, mas também uma relação diferenciada no que tange à função autor. De acordo com

Foucault (2012), nos domínios em que a atribuição a um autor é regra, tais como a literatura e

a ciência, a questão da autoria não desempenha sempre o mesmo papel, visto que, desde o

século XVII, há um crescente apagamento da função autor no campo científico, cujos

discursos passaram a ser aceitos por eles mesmos, “no anonimato de uma verdade

estabelecida ou sempre demonstrável novamente; é sua vinculação a um conjunto sistemático

que lhes dá garantia, e de forma alguma a referência ao indivíduo que os produziu”

(FOUCAULT, 2006, p. 276). Na ordem do discurso literário, por outro lado, e a partir também

do século XVII, “a função autor não cessou de se reforçar: todas as narrativas, todos os

poemas, todos os dramas ou comédias que se deixava circular na Idade Média no anonimato

ao menos relativo, eis que, agora, se lhes pergunta (e exigem que respondam) de onde vêm,

quem os escreveu (…)” (FOUCAULT, 2012, p. 26). A respeito do cenário atual dos estudos

literários, Andrade Jr. (2011, p. 23), em sua tese de doutorado, afirma que há um movimento

sólido de celebração da autoria, ou seja, “da qualidade ímpar, esteticamente 'incontestável' de

um/a determinado/a autor/a cujas obras servem de legado para gerações mais novas”. A partir

de tais reflexões, podemos considerar que as “humanidades”, de um modo geral, ainda giram

em torno da figura do autor e da assinatura, diferentemente do domínio científico, no qual o

papel da autoria tem constantemente perdido relevância.

2.3.2 Uma perspectiva discursiva do gênero entrevista

Consideramos importante problematizar a entrevista enquanto um gênero discursivo

que permite a produção de verdade(s) através de dispositivo similar ao da confissão

(FOUCAULT, 2014c). A partir de um processo que teve início na época moderna e atinge seu

auge na contemporaneidade, os indivíduos são cada vez mais impelidos à produção discursiva

em torno de suas próprias subjetividades. Tal produção torna-se objeto de desejo dos sujeitos,

que, inconscientemente, a relacionam à noção de liberdade vinculada a princípios neoliberais.

Esse processo, no entanto, funciona como uma estratégia de ocultação do poder do Estado na

medida em que propicia o controle dos corpos, moldando, assim, comportamentos e

mentalidades.

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O gênero entrevista se constitui a partir de uma relação metonímica com a noção de

verdade, já que a confissão modifica a instância da subjetividade, instaurando assim uma

individuação: ao confessar, o sujeito constrói a verdade sobre si mesmo. Além disso, ao

construir discursivamente sua subjetividade, ou seja, ao se dizer, o sujeito é também

assujeitado pelo discurso e pelas coerções do poder.

A produção da verdade se dá ainda na relação estabelecida entre os participantes

envolvidos no ato da confissão. Desse modo, “a verdade não está unicamente no sujeito, que a

revelaria pronta e acabada ao confessá-la. Ela se constitui em dupla tarefa: presente, porém

incompleta e cega em relação a si própria, naquele que fala, só podendo completar-se naquele

que a recolhe” (FOUCAULT, 2014c, p. 75). O filósofo ainda afirma que “somos submetidos

pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo através da produção da verdade”

(idem, p. 279), cujo acesso também se daria por meio da confissão.

A respeito dos dispositivos que se aproximam ao da confissão, Norman Fairclough

(2008, p. 79), em uma releitura da obra de Foucault, afirma que a confissão é a técnica de

subjetivação do homem moderno e que, embora aparente “ser uma resistência liberadora para

a objetificação do biopoder”, a confissão na verdade expõe os sujeitos mais ainda ao domínio

do poder, como discutido anteriormente.

De modo semelhante, Daher et al. (2004) consideram a entrevista como um dispositivo

enunciativo e um gênero discursivo em que se constroem possíveis versões do real. Portanto,

não há uma correspondência entre o dito e a verdade. Para os autores, o texto resultante desse

gênero caracteriza-se como coconstrução do entrevistador e do entrevistado. Além disso, o

pesquisador, ao realizar uma entrevista, provoca, num dado momento/espaço, a atualização de

textos que foram regularmente produzidos na interação entre o(s) sujeito(s) da pesquisa e seus

interlocutores, o que implica uma determinada “massa de textos” cujo acesso é viabilizado no

evento discursivo da entrevista. O referido gênero, portanto, constitui um dispositivo de

produção/captação de textos que permite retomar/condensar diversas situações enunciativas

que ocorreram em momentos anteriores.

Sonia Isabel Fabris Campos (2013), no texto “A entrevista de pesquisa: um

empreendimento coletivo”, afirma que durante o evento discursivo da entrevista existe uma

constante negociação entre o sujeito da pesquisa e o entrevistador, e ambos têm como tarefa

produzir de maneira colaborativa os significados. A noção de polifonia do discurso também é

relevante, pois “o limite discursivo entre o que pertence ao falante ou à instituição que ele

representa pode ser muito tênue” (idem, p. 109).

Tal pensamento aproxima-se à abordagem discursiva de Leonor Arfuch (2010, p. 260),

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que afirma ser preciso ter uma “percepção ativa da palavra do outro”, sem interpretá-la como

fonte imediata de verdade, nem considerar o “caso” estudado como exemplo arquetípico para

uma generalização. Para a autora, a entrevista midiática e a entrevista utilizada na pesquisa

acadêmica têm uma genealogia comum, pois ambas “compartilham o imaginário da voz, da

presença, da proximidade, a ideia de uma 'verdade' – da vida, do acontecimento – que o

diálogo, em suas inúmeras acentuações, seria capaz de restituir” (idem, p. 242).

É interessante mencionar também a caracterização que a autora faz do “novo

jornalismo” norte-americano de meados da década de 1960 como um gênero “em que os

personagens ou acontecimentos 'verdadeiros' eram construídos numa trama de grande

liberdade narrativa e estilística, que dessacralizava a regra de objetividade e neutralidade”

(ARFUCH, 2010, p. 247). Tal dessacralização aproxima-se da interpretação da voz do outro

que queremos adotar por questionar a noção de discurso objetivo e neutro, inclusive no campo

científico. Concordamos com a crítica de Arfuch (op. cit., p. 258) acerca dessa “literalidade”,

por conseguinte, na medida em que adotamos a concepção de que a linguagem é “um

acontecimento de palavra que convoca uma complexidade dialógica e existencial”.

Podemos opor a “transparência” da linguagem, mencionada por Arfuch, ao conceito de

opacificação do discurso, postulado por Authier-Revuz (1998). Tal conceito liga-se à noção de

modalização autonímica, em que a enunciação é representada como uma não coincidência

consigo mesma, pois o enunciador distancia-se de suas palavras em um movimento de

autocomentário materializado no fio do discurso. Segundo Authier-Revuz (op. cit., p. 84),

“esse desdobramento aparece, na representação que a enunciação dá de si mesma, como

associado a uma junção, no âmbito do dizer, de fatos pontuais do 'não um', do desvio, da

heterogeneidade, da não coincidência”, que podem se manifestar em várias dimensões

enunciativas: a) não coincidência interlocutiva entre os participantes da interação; b) não

coincidência do discurso consigo mesmo, afetado por palavras pertencentes a um discurso

outro; c) não coincidência entre as palavras e as coisas; e d) não coincidência das palavras

consigo mesmas. As não coincidências do dizer são consideradas pela autora como formas da

heterogeneidade mostrada, apresentando-se como glosas ou em sinais tipográficos (aspas,

itálico) ou de entoação. Essas glosas podem apoiar-se explicitamente num exterior, marcando

um posicionamento no interdiscurso, o que, de acordo com Authier-Revuz, é muito comum

nos discursos teóricos. Veremos, a partir da análise dos ensaios, dos artigos acadêmicos e das

entrevistas, que cada palavra consiste em “um lugar 'compartilhado' onde se confrontam

discursos diferentes, portadores de sentidos diferentes para essa palavra” (idem, p. 41). Nesse

sentido, há um apelo explícito e um movimento de defesa contra um certo exterior no campo

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interdiscursivo de forças que o dizer atravessa e que se concretiza como um discurso-outro.

Tal questão, de certo modo, relaciona-se à concepção foucaultiana de sujeito como um

lugar ou função complexa e variável do discurso. Foucault (2006, p. 287), portanto,

desconsidera as referências biográficas ou psicológicas, bem como “o caráter absoluto e o

papel fundador do sujeito” e propõe que se retire do sujeito seu papel de fundamento

originário. Desse modo, o filósofo rejeita o humanismo tradicional, segundo o qual o homem

é o centro de tudo, e sustenta uma noção de sujeito fragmentado e desejante.

Serrani (2010) assume igualmente uma concepção de sujeito fragmentado ao analisar

as formações discursivas predominantes em três textos do gênero editorial publicados em

revistas de divulgação científica. Em seu estudo, a autora formula a hipótese de três

formações discursivas: a primeira, “quantitativista”; a segunda, “de enfoque qualitativo”; e a

terceira, “não cientificista”. A partir da análise de Serrani e da reflexão de Adorno,

buscaremos identificar nos discursos dos professores e licenciandos entrevistados e nos

textos que constituem parte do corpus desta pesquisa, ou seja, os ensaios e artigos

acadêmicos oferecidos na licenciatura em Letras Espanhol, formações discursivas

cientificistas ou não cientificistas. Faremos a distinção entre essas formações a partir da

tendência de um determinado discurso a se representar, “quanto ao seu modo de enunciação,

como discurso da Verdade, fora de qualquer especificidade histórica e individual”

(AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 75), eliminando traços mostrados de outros discursos.

Consideramos, portanto, que quanto maior for a pretensão de um discurso de apagar as

marcas de outras vozes, mais ele se aproximará a uma formação discursiva cientificista.

Além disso, diferenciaremos ambas as formações discursivas mencionadas a partir das

concepções de sujeito que elas encetam: uma formação discursiva não cientificista implica a

noção de que os sujeitos e os sentidos “constituem-se e funcionam sob o modo do

entremeio, da relação, da falta, do movimento” (ORLANDI, 2000, p. 52). Uma formação

discursiva cientificista, por outro lado, corrobora a ilusão da transparência dos sentidos, dos

sujeitos e da linguagem, cujo caráter material é silenciado. Não podemos desconsiderar, no

entanto, as possíveis imbricações entre as FD aqui delimitadas, tendo em vista que tais

formações “são constituídas pela contradição, são heterogêneas nelas mesmas e suas

fronteiras são fluidas, configurando-se e reconfigurando-se continuamente em suas relações”

(idem, p. 44).

Cabe ainda ressaltar a importância de que sejam seguidas as convenções de transcrição

(cf. ANEXO 1) no tratamento das entrevistas, tendo em vista uma maior aproximação da

fala dos sujeitos participantes da pesquisa, o que nos permitirá explorar características

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próprias da oralidade, tais como as hesitações, as repetições, as ênfases de volume, entre

outros traços relevantes para nossa análise.

Com base nas discussões levantadas neste capítulo, faremos o cotejo da análise dos

textos teóricos e das entrevistas, tendo em vista: a) as categorias enunciativas (como por

exemplo a modalização autonímica, a heterogeneidade discursiva e o não dito) adotadas no

tratamento dos dados; b) a “massa de textos” atualizados a partir da fala dos professores e

dos licenciandos; e c) as especificidades de cada gênero que constitui nosso corpus e sua

relação com o interdiscurso. Pretendemos depreender como resultado do cotejo a filiação

dos enunciados analisados a formações discursivas cientificistas ou não cientificistas, além

de possíveis imbricações entre as FD mencionadas.

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3 CATEGORIZAÇÃO DE TEXTOS DA LICENCIATURA: GÊNEROS E

FINALIDADES

Como uma parte preliminar da análise, discutirei a respeito da categorização realizada

dos textos, tanto teóricos quanto literários e/ou de análise, disponibilizados aos licenciandos

em Letras Espanhol no segundo semestre do ano de 2014 na universidade pesquisada.

Ressaltarei, ademais, a necessidade de verificar em que medida esses textos selecionados

pelos professores formadores correspondem às orientações presentes nas ementas das

disciplinas que compõem a formação em língua espanhola e em literaturas hispânicas dos

licenciandos, bem como às diretrizes de alguns documentos norteadores da reforma das

licenciaturas.

3.1 Textos de língua e de literatura

Inicialmente, minha coleta dos textos ocorreu por meio de buscas nas pastas dos

professores formadores; alguns dos docentes, no entanto, haviam disponibilizado em pastas

poucos ou nenhum material dos cursos ministrados, o que me levou a recorrer a alguns

licenciandos para que eles me encaminhassem o que houvessem recebido via Internet

referente às disciplinas de língua espanhola ou de literaturas hispânicas que estivessem

cursando naquele semestre. O intuito de coletar o máximo possível de textos partiu da

importância, para esta etapa da pesquisa, de se ter um olhar panorâmico acerca da formação

na licenciatura em Letras Espanhol. Os textos reunidos, portanto, compõem dez8 das

dezenove disciplinas de língua espanhola e de literaturas hispânicas, somando um total de 122

textos, dentre os quais 96 foram trabalhados em disciplinas de literaturas e 26, em disciplinas

de língua.

Desse modo, a primeira etapa da categorização consistiu em verificar quantos textos

correspondiam às disciplinas de língua e quantos correspondiam às disciplinas de literaturas.

Em seguida, verificamos a que gênero cada texto pertencia e qual era a finalidade de cada

texto. Delimitamos assim quatro finalidades para os textos trabalhados nas disciplinas de

8 É relevante esclarecer que, das dezenove disciplinas que compõem a formação em língua estrangeira da

licenciatura em Letras Espanhol, nove correspondem aos cursos de língua e dez correspondem aos cursos de

literatura. Categorizamos assim os textos referentes a quatro das disciplinas de língua e os textos referentes a

seis das disciplinas de literatura. Ressaltamos ainda a maior facilidade de coletar os textos de literaturas

hispânicas, uma vez que os professores que ministram essas disciplinas parecem preferir disponibilizar o

material das aulas em pastas, enquanto que os professores que ministram os cursos de língua parecem

preferir outros meios, tais como a Internet e/ou apostilas.

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literaturas hispânicas: textos de análise, que correspondem aos textos literários; textos

teóricos, que privilegiam a discussão de conceitos; textos críticos, que privilegiam a análise

crítica de uma determinada obra ou da produção literária de um determinado autor; e por fim

textos históricos, que apresentam historiograficamente um período literário ou a produção

estética de uma determinada época. Chegamos, portanto, a um total de 38 textos de análise, 24

críticos, 18 históricos e 15 teóricos.

É importante, além de identificar a finalidade de cada texto trabalhado nas disciplinas

de literaturas hispânicas, perceber uma interface entre certas finalidades, como por exemplo

entre a crítica e a teoria. Certamente alguns textos categorizados são predominantemente

críticos, como o ensaio “Lengua y estilo del ‘Buscón’”, de Leo Spitzer e Raimundo Lida,

texto trabalhado na disciplina de Literatura Espanhola II em que os autores se propõem a

analisar criticamente a linguagem e o estilo do clássico da picaresca espanhola La vida del

Buscón, de Francisco de Quevedo. Em outros textos, por outro lado, pode predominar a teoria,

como no ensaio “O conceito de Barroco”, de Arnold Hauser, texto trabalhado nas disciplinas

de Cultura e Civilização da América Hispânica e de Literatura Espanhola IV, no qual o autor

conceitua um estilo artístico, ou seja, o Barroco. Já a interface entre teoria e crítica pode ser

identificada, por exemplo, no ensaio “Los naipes del tahúr”, de Francisco Rico, trabalhado na

disciplina de Literatura Espanhola II. Nesse texto, o autor não só analisa criticamente o

clássico La vida de Lazarillo de Tormes y de sus fortunas y adversidades, mas também aborda

teoricamente questões como o pacto de leitura na ficção e o jogo entre realidade e falsidade na

obra analisada.

Os textos de língua, por sua vez, foram categorizados de acordo com três finalidades:

de análise (dos quais chegamos a um total de 18 textos), teóricos (dos quais obtivemos um

total de 5 textos) e conceituais não acadêmicos (dos quais chegamos a um total de 3 textos),

ou seja, verbetes disponíveis em páginas da Internet que tratam de conceitos, embora de modo

não acadêmico, tal como é possível visualizar no quadro abaixo:

Literatura Língua

Finalidade

- 38 textos de análise

- 24 textos críticos

- 18 textos históricos

- 15 textos teóricos

Finalidade

- 18 textos de análise

- 5 textos teóricos

- 3 textos conceituais (não acadêmicos)

Quadro 1: Finalidades dos textos de língua e de literatura.

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Em relação aos gêneros, dos 26 textos das disciplinas de língua espanhola, obtivemos

um total de 5 cartas do leitor, 3 artigos acadêmicos, 3 artigos de opinião, 3 verbetes, 2

resenhas críticas, 2 editoriais, 2 contos e 1 ensaio. Os demais textos pertenciam a gêneros

como filme9, resenha de filme, poema, letra de canção e gramática, tal como se visualiza no

quadro abaixo:

Literatura Língua

Gêneros

- 51 ensaios / textos de caráter ensaístico

- 25 poemas

- 3 romances

- 4 peças

- 3 verbetes

- 1 artigo

- 1 conto

- 1 filme

- 1 artigo de revista de divulgação científica

- 1 adaptação de obra literária aos quadrinhos

- 1 memorial

- 1 carta da Conquista

- 1 apresentação de tradução

- 1 resenha crítica

- 1 manual

Gêneros

- 5 cartas do leitor

- 3 artigos

- 3 artigos de opinião

- 3 verbetes

- 2 resenhas críticas

- 2 editoriais

- 2 contos

- 1 ensaio

- 1 gramática

- 1 filme

- 1 resenha de filme

- 1 poema

- 1 letra de canção

Quadro 2: Gêneros dos textos de língua e de literatura.

Dos 96 textos das disciplinas de literaturas hispânicas, chegamos a um total de: 51

ensaios ou textos de caráter ensaístico, como por exemplo prefácios, entre outros textos que se

aproximam à estrutura composicional, ao conteúdo temático e ao estilo do ensaio; 25 poemas;

3 romances; 4 peças; 3 verbetes; um conto; e um artigo. Os demais textos pertenciam a

gêneros como filme, resenha crítica, adaptação de obra literária aos quadrinhos, entre outros.

É relevante apontar que classificamos cada texto do corpus como pertencente a um

gênero específico para simplificar a categorização. Não desconsideramos, no entanto, as

relações intergenéricas (CORRÊA, 2006, p. 207) possíveis de se reconhecer nos textos, uma

vez que os gêneros discursivos são propícios a “novas configurações, ligadas às novas

vizinhanças entre diferentes atividades humanas”. A intergenericidade, portanto, liga-se a uma

reacentuação dos gêneros discursivos, na medida em que estes se configuram como “tipos

relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 2003, p. 262). Isto implica que um

9 É interessante observar a presença, ainda que pequena, dos textos multimodais, que, no semestre em que

realizamos a categorização, foram trabalhados tanto em disciplinas de língua, como no curso de Produção de

Texto em Espanhol, quanto em disciplinas de literatura, como no curso de Literatura Espanhola II.

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determinado gênero mantém relações “com as mais variadas práticas de linguagem em que o

autor se insere, repondo a dinâmica histórica de constituição e reconstituição daquele gênero”

(CORRÊA, op. cit., p. 219).

Veremos mais detalhadamente na análise dos textos acadêmicos o modo como se

configura o intergênero, principalmente entre o ensaio e o artigo. Convém refletir, ainda que

de maneira breve, acerca da possibilidade de a imbricação entre esses gêneros (considerando-

se especificamente a área dos estudos da linguagem, da qual os textos que compõem nosso

corpus fazem parte) se estabelecer em razão de fatores como os “desenganos teóricos e

políticos, a crise do pensamento totalizador e a perda de ingenuidade sobre a transparência da

linguagem” (ARFUCH, 2010, p. 250).

Podemos relacionar tais fatores a uma concepção contemporânea da própria ciência,

que, segundo Coracini (1991, p. 27), tem por objetivo “não 'descobrir', mas construir o

conhecimento humano com base na sistematização, na organização dos fatos que se

entrelaçam e se relacionam”. Desse modo, por mais que se advogue pela objetividade e

verdade da ciência, o fazer científico “pressupõe um sujeito, ativo, capaz de conferir

significado a um fenômeno natural” (idem, p. 36); o grau de veracidade e objetividade de uma

investigação, portanto, depende do momento de sua produção e dos paradigmas determinados

pela comunidade científica. É possível então que os sujeitos que produzem artigos

acadêmicos, apesar da pretensão de provocar “o efeito de sentido da verdade, buscado pela

ciência em geral e que reflete a forma arquitetônica que conduz o gênero” (SANCHES, 2009,

p. 178), considerem cada vez mais a sua prática de pesquisa como uma ação subjetiva de

construção do conhecimento. Tal posicionamento, ao nosso ver, pode constituir um dos

aspectos que levam à aproximação entre artigo científico e ensaio, gênero este que pretende

“desencavar, com os conceitos, aquilo que não cabe em conceitos, ou aquilo que, através das

contradições em que os conceitos se enredam, acaba revelando que a rede de objetividade

desses conceitos é meramente um arranjo subjetivo” (ADORNO, 1986, p. 44).

No que concerne ao processo de quantificar os textos categorizados, não podemos

deixar de comentar a diferença significativa do número de textos trabalhados nas disciplinas

de língua espanhola em relação ao número de textos trabalhados nas disciplinas de literaturas

hispânicas. A respeito de tal diferença, faremos algumas considerações. Em primeiro lugar, é

importante perceber os distintos modos de relação com a teoria nas formações em língua e em

literaturas estrangeiras no curso de licenciatura em Letras Espanhol da universidade

pesquisada. Na formação em língua, há um predomínio quase absoluto de textos de análise e

uma quantidade pequena de textos que fundamentam teoricamente os cursos, o que poderia

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indiciar que os professores responsáveis pela formação em língua se empenham em realizar

um trabalho de aquisição, possivelmente por se sentirem no papel de docentes que formam

usuários da língua estrangeira. Desse modo, a presença insuficiente da teoria pode ser

prejudicial, pois o licenciando precisa ter conhecimento das diversas linhas teóricas, tanto

linguísticas quanto literárias, que fundamentam a formação docente.

No tocante à formação em literatura, por outro lado, há um predomínio de textos que

fundamentam teoricamente os cursos. A diferença entre estes textos e os de análise, no

entanto, não é tão grande quanto na formação em língua espanhola. Considerando-se, assim, o

fato de que predominem os textos acadêmicos e a possibilidade de que os professores

formadores deem menos espaço ao texto literário devido à grande quantidade de textos

teóricos, podemos levantar a seguinte questão: é realizado, nas disciplinas de literaturas

hispânicas, um trabalho significativo de formação do leitor literário? É possível que esteja

imbricada na formação docente o que Lígia Chiappini (1983, p. 88) denomina como um

“discurso sobre”, na medida em que, na Universidade da década de 1970, “o contato primeiro,

afetivo e valorativo com os textos era pressuposto não tematizado. A produção e a fruição não

tinham espaço no interior da Universidade, ou se isso acontecia era quase por acaso, apesar

dela ou contra ela, explosão imprevisível e difícil de conter, talvez pela força do objeto”.

Nesse sentido, a arte literária, ainda hoje, dificilmente se constituiria como objeto de um fazer

ou de um fruir, uma vez que o potencial de desestabilização da literatura pode não receber a

devida importância em detrimento do foco nos textos acadêmicos. Apesar de tais textos

exercerem um importante papel como um dos mediadores – além do docente formador – na

leitura do texto literário, o professor em formação precisa ser um leitor autônomo de

literatura. Não desconsideramos, portanto, o caráter crítico da teoria, mas entendemos que o

licenciando também deve assumir um posicionamento crítico – como leitor e como futuro

docente – diante do texto literário. Esse processo, no entanto, pode ser prejudicado em razão

do predomínio de textos teórico-críticos10.

No que diz respeito ao lugar da crítica na contemporaneidade, Haquira Osakabe, no

ensaio “Ensino de gramática e ensino de literatura”, advoga por uma concepção de literatura

como um gesto contra o senso comum, criticando a noção de liberdade absoluta em relação à

arte literária e relacionando o valor estético à potencialidade desestabilizadora da literatura.

Dessa maneira, o autor defende o papel da crítica no que tange ao debate em torno da

10 Disponibilizamos, no Apêndice, a categorização das linhas teóricas predominantes nos textos teórico-

críticos de literatura e de língua, realizada, respectivamente, com base em Eagleton (2006) e em Martelotta

(2008). Cabe salientar que, dentre os textos referentes às disciplinas de literaturas hispânicas, encontram-se

textos pertencentes a áreas como Filosofia e Sociologia.

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produção contemporânea calcada em propostas de facilitação, de modo a propiciar uma

“escuta pertinente – aquela que sabe reconhecer diferenças de qualidade de elaboração e sabe

se reconhecer dentro delas” (OSAKABE, 1988, p. 61). A partir de tais considerações,

acreditamos que é preciso encontrar um equilíbrio entre a formação do leitor, que não é

realizada de modo significativo na Educação Básica nem na Universidade, e o lugar da

consciência crítica, fomentada pela relação com os textos que embasam teoricamente a

licenciatura em Letras Espanhol.

No tocante à formação em língua, observamos, a partir da categorização, uma

tendência a não se perceber que discursos fundamentam as práticas de ensino nas disciplinas

de língua espanhola. A respeito de tal questão, Bagno (2012) afirma que os currículos dos

cursos de Letras deixam de abarcar diversas teorias e práticas que são de suma importância

para a formação docente, tendo em vista o perfil que se espera dos professores de língua

atualmente (observe-se no Apêndice, por exemplo, as poucas linhas teóricas trabalhadas nas

disciplinas de língua espanhola). Entretanto, ao advogar pelo trabalho com determinadas

concepções e conceitos em detrimento de outros na Universidade, o autor reduz, de certo

modo, as possibilidades do pensamento crítico e intelectual na formação dos docentes de

línguas.

3.2 Ementas e diretrizes curriculares

Consideramos importante verificar em que medida a seleção dos textos de análise e

acadêmicos realizada pelos professores formadores condiz com as orientações presentes não

apenas nas ementas das diversas disciplinas de língua espanhola e de literaturas hispânicas,

mas também com as determinações de documentos que regulam a reforma das licenciaturas.

Esse cotejo parte da concepção de que as ementas se configuram como “enunciados

assumidos por um enunciador autorizado, direcionada a interlocutores como professores e

alunos de uma IES, materializada na forma de documento normativo e situada em contextos

específicos” (SOUZA, 2013, p. 114), fundamentando-se a partir de relações de poder que

constituem o âmbito acadêmico.

Como mencionado na seção anterior, não foi possível coletar os textos referentes a

todas as disciplinas da habilitação em língua estrangeira, embora seja pertinente ressaltar que

uma quantidade maior de textos coletados nos permitiria ter uma visão mais global do

currículo da licenciatura em Letras Espanhol na universidade pesquisada. Dessa maneira,

abordaremos apenas as disciplinas que concernem aos textos catalogados, procurando

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perceber pontos de convergência e divergência entre a seleção dos docentes formadores e as

ementas. Dentre os pontos divergentes podemos apontar a ênfase na produção literária

canônica, no que se refere aos cursos de literaturas hispânicas, e a falta de interesse em

relação aos procedimentos de ensino dos conteúdos específicos de cada disciplina, perceptível

tanto nos cursos de literatura quanto nos de língua, além do foco na escrita em detrimento da

oralidade no que diz respeito aos cursos de língua espanhola.

Encontramos alguns pontos de divergência primeiramente no curso de Literatura

Espanhola I, cujo foco, segundo a ementa, é o teatro espanhol desde a idade média até a

contemporaneidade. Percebe-se, entretanto, que os textos categorizados referentes a essa

disciplina dão relevância ou à tradição do teatro na Espanha, ou à configuração do texto

dramático de um modo geral, sem abordar o contexto do teatro contemporâneo. Os textos de

análise selecionados, ou seja, os literários, corroboram essa ênfase na tradição, pois fazem

parte do cânone (são peças de autores como Lope de Vega, Calderón de la Barca e Tirso de

Molina).

O mesmo ocorre na disciplina de Literatura Hispano-americana I, que, de acordo com

a ementa, contempla a poesia hispano-americana modernista, as vanguardas e a poesia

contemporânea. A partir da categorização, no entanto, observamos uma ênfase no

Modernismo e nas vanguardas hispano-americanas. Novamente, relega-se a produção estética

contemporânea a segundo plano.

Dentre os cursos que compõem a formação literária dos licenciandos em Letras

Espanhol, a seleção de textos que parece fugir, ainda que parcialmente, à “regra” do foco no

cânone refere-se à disciplina de Literatura Espanhola II, que, segundo a ementa, deve

contemplar os sistemas literários e os modelos narrativos da pré-modernidade, da

modernidade e da pós-modernidade. Verificamos na categorização dos textos referentes a essa

disciplina a presença de um romance contemporâneo, intitulado Soldados de Salamina, escrito

por Javier Cercas. Os demais textos selecionados, porém, pertencem à tradição literária

canônica.

Outra divergência entre a seleção de textos realizada pelos professores formadores e as

ementas diz respeito ao trabalho com determinados autores, obras e gêneros. A categorização

dos textos referentes à disciplina de Cultura e Civilização da América Hispânica11 nos mostra

que alguns autores e obras indicados na ementa não foram contemplados, tais como o poeta

Caviedes, a poesia gauchesca e o romance Facundo, embora tenha sido selecionado um

11 Embora a disciplina em questão apresente um caráter cultural, percebe-se uma tendência a que funcione

como base para a literatura Hispano-americana.

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ensaio crítico sobre o autor desta obra.

Percebemos uma discrepância semelhante em relação aos textos categorizados

referentes ao curso de Literatura Hispano-americana III, cujo foco, segundo a ementa, é o

ensaio e gêneros como cartas, relatos de viagem, entre outros. Os textos escolhidos para essa

disciplina, no entanto, pertencem majoritariamente ao gênero ensaio e têm por finalidade a

crítica, a teoria, a historiografia e a análise da própria tradição ensaística hispano-americana.

Entretanto percebe-se a ausência de outros textos de análise pertencentes a outros gêneros,

além da ênfase na adoção de textos que abordam os ensaios clássicos, sem disponibilizá-los à

leitura do aluno. Isso reforça nossa discussão a respeito do espaço insuficiente que se dá à

formação do leitor literário nas disciplinas de literaturas hispânicas.

Convém ainda ressaltar a discrepância entre os textos categorizados e a orientação de

algumas ementas em torno do trabalho de transposição didática dos conhecimentos

específicos trabalhados na formação em língua e literaturas estrangeiras para a Educação

Básica e de preparação de material didático para esse nível de ensino. Percebemos, a partir da

categorização, uma falta de preocupação no que diz respeito ao trabalho com a linguagem

(seja literária ou não literária) no ensino fundamental e médio, visto que em nenhum dos

textos selecionados pelos professores formadores (tanto de língua quanto de literatura) há um

comprometimento sólido em relação à formação docente. As ementas das disciplinas de

Literatura Espanhola II, III, IV e V, por exemplo, apresentam a diretriz de trabalho com

transposição didática e com preparação de materiais didáticos, modificando-se apenas o foco

de cada uma dessas disciplinas, que dão ênfase, respectivamente, à narrativa, aos estudos

sobre Cervantes, à poesia medieval até o século XVII e à poesia do Romantismo até a

contemporaneidade. Em relação à formação em língua, as disciplinas de Língua Espanhola IV,

V e VIII também expressam a importância de se transpor os distintos conteúdos específicos

para a Educação Básica. Apesar disso, o trabalho de preparação de material didático parece

não ser realizado pelos professores formadores, tendo em vista a ausência de textos que

abordem esse aspecto da prática docente.

Tais questões são abordadas no Parecer CNE/CP nº 9 de 2001, que apresenta diretrizes

curriculares para a formação de professores da Educação Básica. Segundo esse documento,

“os currículos de formação de professores devem contemplar espaços, tempos e atividades

adequadas que facilitem a seus alunos fazer permanentemente a transposição didática12, isto é,

12

A respeito do conceito em questão, Dolz & Schneuwly (1999, p. 10) afirmam que os gêneros devem ser

trabalhados na escola a partir de modelos didáticos, uma vez que “toda introdução de um gênero na escola é o

resultado de uma decisão didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de dois tipos:

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60

a transformação dos objetos de conhecimento em objetos de ensino” (BRASIL, Parecer

CNE/CP 9/2001, p. 56). Isso implica, de acordo com o Parecer, o envolvimento do conjunto

de docentes formadores a fim de que sejam integrados os conhecimentos práticos e

pedagógicos e os conhecimentos específicos, uma vez que

Todas as disciplinas que constituem o currículo de formação e não apenas as

disciplinas pedagógicas têm sua dimensão prática. É essa dimensão prática que deve

estar sendo permanentemente trabalhada tanto na perspectiva da sua aplicação no

mundo social e natural quanto na perspectiva da sua didática. (BRASIL, Parecer

CNE/CP 9/2001, p. 57)

No documento de apresentação do projeto pedagógico da licenciatura em Letras da

universidade pesquisada, intitulado “Projeto Pedagógico e Organização Curricular do Curso

de Licenciatura em Letras”, é igualmente possível perceber um interesse em relação às

questões anteriormente apontadas. Na seção do documento intitulada “A proposta curricular”,

por exemplo, advoga-se pelo envolvimento dos licenciandos em ações educativas que lhes

possibilitem transformar objetos específicos de pesquisa em objetos de ensino. Convém

perceber também a defesa da formação “científico-pedagógica” do futuro docente, o que é

corroborado pela expressão “professor-pesquisador”13 em mais de um momento do texto.

Retomando os pontos de divergência entre a seleção de textos realizada pelos docentes

formadores e as orientações presentes nas ementas, podemos perceber que o curso de

Produção de Texto em Espanhol tem como foco a produção de diferentes gêneros, tanto

orais quanto escritos. A categorização dos textos referentes a essa disciplina revela,

entretanto, a presença de gêneros estritamente escritos, o que indicia que, mesmo na

habilitação em língua estrangeira, a oralidade é por vezes desconsiderada em detrimento da

escrita na medida em que os professores formadores parecem trabalhar majoritariamente a

produção e a compreensão de textos escritos.

trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber

compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela e, em segundo lugar, para desenvolver capacidades

que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes. Isso implica uma

transformação, pelo menos parcial, do gênero para que estes objetivos sejam atingidos e atingíveis com o

máximo de eficácia: simplificação do gênero, ênfase em certas dimensões etc.”. Dessa maneira, temos, no

contexto escolar, uma redução dos gêneros, que não são produzidos nem circulam da mesma forma como ocorre

em outros espaços. 13 Tal conceito é discutido por Pimenta (1996), para quem o professor-pesquisador ou professor reflexivo é um

profissional em um processo contínuo de formação intelectual. A autora ainda afirma que a “formação passa

sempre pela mobilização de vários tipos de saberes: saberes de uma prática reflexiva, saberes de uma teoria

especializada, saberes de uma militância pedagógica” (idem, p. 85).

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4 TEXTOS TEÓRICOS: HETEROGENEIDADE E DISPUTAS DISCURSIVAS

Com base nos pressupostos discutidos no capítulo 1, referente à fundamentação

teórica, analisaremos os textos trabalhados nos cursos da graduação, que compõem parte do

nosso corpus, buscando perceber a heterogeneidade constitutiva dos discursos e as disputas

em torno das formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol.

Abordaremos quatro textos14 teóricos: dois textos selecionados pela professora de

língua espanhola que compõem a bibliografia da disciplina de Produção de Texto em

Espanhol e dois dos textos selecionados pela professora de literaturas hispânicas como parte

da bibliografia do curso de Literatura Espanhola II. No desenvolvimento das análises,

buscaremos perceber nos textos15 enfocados possíveis disputas e convergências entre os

campos de língua e de literatura. Nesse sentido, focalizaremos: a) em que medida se

estabelecem, nos textos de literatura, relações entre a linguagem literária e a não literária; e b)

de que modo é tratada, nos textos de língua, a questão do controle e das relações de poder,

além de abordar a visibilidade ou o silenciamento em torno da literatura nas discussões sobre

aspectos linguísticos.

4.1 Textos de literatura: confluência entre o campo literário e outras esferas

Dos textos trabalhados pela professora de literaturas hispânicas, selecionamos dois que

abordassem temas similares. Ambos os textos, portanto, tratam da relação entre o gênero

crônica, o jornalismo e a literatura. Nesse sentido, os textos em questão apoiam-se em três

esferas: a acadêmica, a jornalística e a literária. Sheila Grillo (2006, p. 143), na obra Bakhtin:

14 Os textos analisados podem ser lidos na íntegra nos links referidos abaixo, de acordo com a ordem em que

aparecem neste capítulo:

YANES MESA, R. La crónica, un género del periodismo literario equidistante entre la información y

la interpretación. Disponível em:

https://pendientedemigracion.ucm.es/info/especulo/numero32/cronica.html.

GUTIÉRREZ, J. I. Manuel Gutiérrez Nájera y la crónica como género de transición o la confluencia

del periodismo y la literatura. Disponível em:

http://www.iifilologicas.unam.mx/litermex/uploads/volumenes/volumen-8-

2/7.%20Jos%C3%A9%20Ismael%20Guti%C3%A9rrez.pdf.

SENZ, S. Diversidad lingüística hispanoamericana, español como recurso económico y políticas

lingüísticas institucionales. Disponível em: http://addendaetcorrigenda.blogia.com/2006/042101-

diversidad-ling-stica-hispanoamericana-espa-ol-como-recurso-econ-mico-y-pol-ti.php.

ALBARRACÍN, L. & ALDERETES, J. Lengua propia y exclusión social: los dialectos regionales y las

lenguas vernáculas. Disponível em: http://www.adilq.com.ar/ponencia14.html.

15 Não podemos deixar de salientar que, em sala de aula, o uso que o professor formador faz dos textos teórico-

críticos influenciam na leitura dos mesmos, ou seja, os textos são ressignificados na interação

docente/licenciando.

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outros conceitos-chave, afirma que a noção de esfera discursiva “é compreendida como um

nível específico de coerções que, sem desconsiderar a influência da instância socioeconômica,

constitui as produções ideológicas, segundo a lógica particular de cada esfera/campo”. Desse

modo, o meio social mais amplo é determinado pelas especificidades de cada esfera da

comunicação, que se relacionam à realidade plural da atividade humana. Tal pluralidade está

relacionada ao modo como se apreende e se transmite o discurso alheio, além de definir os

enunciados e gêneros.

No texto “La crónica, un género del periodismo literario equidistante entre la

información y la interpretación”, Rafael Yanes Mesa (2006) considera a crônica como um

gênero híbrido, isto é, pertencente tanto à esfera literária quanto à jornalística, ou ao dito

jornalismo literário. Observemos o segundo parágrafo do texto:

En el periodismo en sentido estricto destaca la función informativa con un lenguaje

asequible para el lector medio, y donde lo importante es que lo escrito sea

entendido con inmediatez por el consumidor de prensa. En la literatura, sin

embargo, lo que importa es la forma, la belleza de expresión, y no que se comprenda

desde una primera lectura. La obra literaria está dirigida a un público concreto,

mientras que el periodismo es para toda la sociedad. Se podría afirmar que el lector

de periódicos busca información veraz sobre la actualidad, y la quiere conseguir en

un corto espacio de tiempo, mientras que el lector de libros lee sin prisas por el

placer de la lectura, para disfrutar de la forma con la que está escrito y sin buscar

ninguna novedad. (YANES MESA, 200616)

O autor, no parágrafo destacado, diferencia a linguagem literária da não literária, que,

no texto, corresponderia à linguagem jornalística. Desse modo, Yanes Mesa distingue, por

exemplo, o leitor de gêneros jornalísticos do leitor de gêneros literários, afirmando que este

realiza sua leitura “sin buscar ninguna novedad”, enquanto aquele busca “información veraz

sobre la actualidad”.

Podemos perceber, além disso, que o autor utiliza a construção condicional antecedida

pelo modalizador “se podría”, que marca impessoalidade – por meio da passiva com “se” –,

configurando assim uma estratégia de despersonalização do discurso (GARCÍA NEGRONI,

2008, p. 21), tendo em vista que há uma “suspensión del compromiso enunciativo del locutor”

e um certo distanciamento em relação ao que está sendo dito. Além disso, as marcas de

primeira pessoa no texto são percebidas a partir: a) do nosotros de modéstia ou “nosotros de

autor” (idem, p. 14), que se refere ao próprio autor do texto; b) da primeira pessoa do plural

16 Os textos analisados neste capítulo, com exceção do ensaio intitulado “Manuel Gutiérrez Nájera y la crónica

como género de transición o la confluencia del periodismo y la literatura”, não têm numeração de página,

pois foram extraídos de sites da Internet.

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com referência genérica (idem, p. 13), que se refere a um grupo amplo no qual o autor se

inclui, assumindo um papel de representante, como é possível observar na seguinte citação:

Si quisiéramos delimitar el estilo de la crónica, por tanto, llegaríamos a la

conclusión de que es fundamentalmente libre. Los elementos creativos que le dan la

autoria del cronista conforman su esencia como texto diferenciado. Por ello, la

firma es un dato importante para el lector por su triple función noticiosa-

informativa-valorativa, aunque esa libertad está condicionada por el hecho que se

narra, y que consiste en el núcleo informativo que la origina. (YANES MESA,

2006)

O que prepondera no texto, além da primeira pessoa do plural, é a terceira pessoa ou a

“não pessoa”, uma vez que

É preciso ter no espírito que a "terceira pessoa" é a forma do paradigma verbal (ou

pronominal) que não remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto

colocado fora da alocução. Entretanto existe e só se caracteriza por oposição à

pessoa eu do locutor que, enunciando-a, a situa como "não-pessoa". Esse é o seu

status. A forma ele... tira o seu valor do fato de que faz necessariamente parte de um

discurso enunciado por "eu". (BENVENISTE, 1976, p. 292)

O predomínio da terceira pessoa, portanto, liga-se à pretensão da “objetividade e a

verdade científica como valores fundamentais” (SANCHES, 2009, p. 172), o que aproximaria

o texto de Yanes Mesa ao gênero artigo acadêmico, construído com vistas à revisão

bibliográfica, na medida em que o autor se apropria de diferentes teóricos que abordam a

relação entre literatura e jornalismo.

Apesar de iniciar seu texto diferenciando a linguagem literária da não literária, Yanes

Mesa afirma em seguida que

Las diferencias entre ambos se difuminan en el periodismo literario. Son trabajos

periodísticos con elementos propios de la literatura, o, dicho de otra forma, escritos

literarios con una función informativa. Los lectores de los artículos que hoy

proliferan en la prensa diaria buscan el placer de leer trabajos creativos en los que

abundan recursos lingüísticos propios de una obra literaria, aunque informan sobre

asuntos de candente actualidad. (YANES MESA, 2006)

Note-se que, para o autor, o gênero crônica se dá na interface entre o jornalismo e a

literatura, uma vez que faz parte do denominado “periodismo literario”. Nesse sentido, Yanes

Mesa considera que ambas as esferas discursivas se constituem como

Dos disciplinas que hoy se solapan, pues la literatura es, o debería ser, un mensaje

comprometido, un reflejo fiel del mundo en que se vive, y el periodismo supone,

además de comunicación, revelación, descubrimiento de esa realidade. (YANES

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MESA, 2006)

É interessante observar que a literatura, no fragmento em questão, é priorizada no

tocante ao seu caráter de representação, na medida em que Yanes Mesa a caracteriza como

“un reflejo fiel del mundo en que se vive”. Podemos relacionar tal concepção da literatura ao

regime representativo da arte, que se

desenvolve em forma de normatividade que definem as condições segundo as quais

as imitações podem ser reconhecidas como pertencendo propriamente a uma arte e

apreciadas, nos limites dessa arte, como boas ou ruins, adequadas ou inadequadas:

separação do representável e do irrepresentável, distinção de gêneros em função do

que é representado, princípios de adaptação das formas de expressão aos gêneros,

logo, aos temas representados, distribuição das semelhanças segundo princípios de

verossimilhança, conveniência ou correspondência, critérios de distinção e de

comparação entre as artes etc. (RANCIÈRE, 2009, p. 31)

Na seção 4, intitulada “Un modelo estructural libre”, o autor afirma:

La crónica es un género informativo-narrativo con absoluta libertad expresiva, por

lo que permite no ceñirse a la estructura formal de la pirámide invertida, que es una

característica del periodismo exclusivamente informativo. No obstante, como en

todo trabajo periodístico, la titulación es el principal medio para atraer al lector.

En el título debe quedar claro que no es una noticia. Para ello es necesario que la

titulación tenga elementos interpretativos. Un titular frío e imparcial hace que el

lector se acerque a su texto sin percibir que se trata de una valoración de lo que ha

sucedido. Nunca debe comenzarse con una titulación eminentemente informativa.

(YANES MESA, 2006, grifos nossos)

Apesar de o autor considerar que a crônica possui “absoluta libertad expresiva”,

percebe-se na citação que o autor, contraditoriamente, utiliza diferentes formulações

prescritivas acerca do modelo estrutural do referido gênero. Tais formulações referem-se à

modalidade deôntica, cujos “modalizadores indicam que o falante considera o conteúdo da

proposição como algo que deve ou precisa ocorrer obrigatoriamente” (NASCIMENTO, 2010,

p. 33). Além do título, que é abordado por Yanes Mesa no fragmento destacado, o autor elenca

ainda os seguintes elementos que compõem o modelo estrutural descrito: o primeiro

parágrafo, cuja função é captar o interesse do leitor; o lead, que se encontra no corpo do texto,

devendo apresentar “recursos literarios originales”; a valorização, que pode ser feita no início

ou no final, ou inclusive no título; e a argumentação, que normalmente se percebe ao longo de

toda a crônica.

Há no texto de Yanes Mesa, portanto, uma tendência racionalizante, ligada ao legado

da formação discursiva preponderantemente cientificista, na medida em que o autor advoga

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por um controle em relação à linguagem, inclusive a literária, embora sua enunciação

constitua um certo arquivo (FOUCAULT, 2014a) da crítica literária, ligado à FD do campo

intelectual.

Passemos para a análise do segundo texto a ser discutido. Em “Manuel Gutiérrez

Nájera y la crónica como género de transición o la confluencia del periodismo y la literatura”,

José Ismael Gutiérrez (1997, p. 597) aborda o trabalho do cronista Manuel Gutiérrez Nájera,

analisando “las bases históricas que sustentan a la crónica como un discurso literario y

periodístico”. O autor, portanto, defende que a crônica ocupa uma posição limítrofe entre o

jornalismo e a literatura e opõe-se a discursos segundo os quais a crônica seria um gênero

predominantemente jornalístico, fazendo ressoar no texto tona outras vozes, seja para

desqualificá-las, seja para corroborar sua tese. Nesse sentido, o autor utiliza aspas ou glosas

para afastar-se dessas vozes outras, indicando no discurso uma presença estranha de palavras

marcadas como pertencentes a outros.

Verificamos a heterogeneidade ainda na medida em que Gutiérrez confronta o

pensamento de alguns autores citados, o que aproximaria o texto ao gênero ensaio, que,

segundo Adorno (1986), se configura como um campo de forças. Dessa forma, ao trazer à

tona diferentes vozes que abordam temas similares, Gutiérrez visibiliza a heterogeneidade

discursiva, dando espaço para as relações de disputa em torno do sentido.

Percebe-se que o autor considera que não há uma separação rígida entre linguagem

literária e linguagem não literária, na medida em que

Las fronteras entre lo literario y lo no literario son cada vez más borrosas, sin duda.

Y no siempre porque el periodismo – en concreto – pretenda acercarse a la

literatura, sino porque la literatura se ha ido aproximando en sus géneros

“mayores” (como la novela) a otros discursos, entre ellos el discurso periodístico

(GUTIÉRREZ, 1997, p. 602).

O autor, no fragmento destacado e em diversos outros momentos do texto, utiliza a

modalização autonímica (AUTHIER-REVUZ, 1998)17, que se refere às formas, linguísticas

ou discursivas, através das quais se realiza o desdobramento enunciativo próprio à

configuração da reflexividade metaenunciativa. Desse modo, a enunciação de um

determinado signo desdobra-se como um comentário de si mesma; este modo enunciativo

17 De acordo com o Dicionário de Análise do Discurso (2014, p. 84), a modalização autonímica se manifesta

“sempre que o enunciador comenta seu próprio dizer ao pronunciá-lo; o ‘comentário’ testemunha um

desdobramento da enunciação e pode, em sua forma mais reduzida, resumir-se à presença de aspas ou

exprimir-se por enunciados metadiscursivos do tipo ‘se você me permite...’, ‘como diz X’, ‘no sentido

original’”.

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desdobrado é marcado por uma distância interna e implica manifestações de “'posições

enunciativas' particulares a discursos, gêneros, sujeitos” (idem, p. 14). Na citação de

Gutiérrez, as aspas que acompanham o vocábulo mayores funcionam como operadores

metaenunciativos, tendo em vista que indicam um distanciamento do autor em relação a

discursos que pretendem classificar a literatura em gêneros principais e gêneros secundários

ou menores. A modalização autonímica pode se dar também a partir das glosas, que, no trecho

em questão, são marcadas pelos travessões. Com a expressão en concreto, o autor comenta

seu próprio dizer, restringindo o sentido da palavra comentada (periodismo) ao stricto sensu.

O uso das aspas e das glosas, portanto, indiciam uma não coincidência do discurso consigo

mesmo, uma vez que “assinalando entre as suas a presença estrangeira de palavras marcadas

como pertencendo a um outro discurso, um discurso desenha nele mesmo o traçado –

relacionado a uma ‘interdiscursividade representada’ – de uma fronteira interior/exterior”

(AUTHIER-REVUZ, 1998, p. 193).

Em um momento posterior do texto, Gutiérrez afirma que a integração de um

determinado texto ao cânone se dá a partir de certos processos institucionais, pois

Tanto semántica, narrativa como pragmaticamente parece haber escasas diferencias

empíricas entre literatura y no literatura. La literatura pertenece a un tipo de actos

verbales “rituales” al que también pertenecen discursos cotidianos como los chistes

y las anécdotas. La función estética se basa en efectos comunicativos y en sistemas

institucionalizados de normas y valores que son social, cultural e históricamente

variables. (GUTIÉRREZ, op. cit., p. 613)

Note-se que o autor advoga por um continuum entre língua e literatura; há, portanto,

uma tentativa de desconstruir a fronteira entre uma formação discursiva cientificista e uma

formação discursiva não cientificista, embora se perceba aí uma estratégia de protagonização

do campo intelectual no contexto acadêmico. Podemos relacionar tal posicionamento à teoria

semiótica de Yuri Lotman, que “não considera que a poesia ou a literatura possam ser

definidas pelas suas propriedades linguísticas inerentes” (EAGLETON, 2006, p. 155), uma

vez que o significado do texto mantém relações com diferentes sistemas de significação. Além

disso, a literatura, por vezes, se vale de recursos presentes também no uso cotidiano da

linguagem.

Percebemos, além disso, que Gutiérrez traz à tona diferentes categorias linguísticas,

como a semântica, a narrativa e a pragmática, para problematizar a dicotomia entre língua e

literatura, fazendo ainda referência em nota à teoria pragmática de van Dijk. O texto

analisado, portanto, é atravessado por vozes que advêm não apenas dos estudos literários, mas

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também dos estudos linguísticos, o que corrobora a defesa do autor em torno do rompimento

de barreiras entre as diferentes áreas do saber.

Observamos, enfim, que no texto predomina a formação discursiva não cientificista,

além de um diálogo com a FD cientificista que Gutiérrez estabelece ao afirmar que a

linguagem própria da esfera jornalística utiliza recursos como a objetividade, uma vez que “la

reciente modalidad de periodistas prefiere expresarse a través de las técnicas del realismo

porque éste está más acorde con las tendencias cientificistas y le permite diferenciarse de los

literatos que le anteceden” (GUTIÉRREZ, 1997, p. 607). Com isso, é possível considerar que

a crônica também engloba, ainda que parcialmente, a FD cientificista na medida em que há

cronistas que, ao utilizarem determinadas técnicas, reproduzem e legitimam a fronteira entre

linguagem literária e não literária.

4.2 Textos de língua: políticas linguísticas, pan-hispanismo e línguas vernáculas

Os textos teóricos correspondentes à formação em língua espanhola a ser analisados

integraram, no segundo semestre de 2014, a bibliografia do curso de Produção de Texto em

Espanhol. Analisaremos, em primeiro lugar, o texto de autoria de Silvia Senz intitulado

“Diversidad lingüística hispanoamericana, español como recurso económico y políticas

lingüísticas institucionales”, que trata a respeito das políticas linguísticas pan-hispânicas18 e

sua relação com o interesse econômico acerca do ensino de Espanhol como língua estrangeira.

No segundo parágrafo a autora justifica seu interesse pelo tema que aborda no texto,

afirmando: “Como profesional de la lengua española y de la edición, hace tiempo que me

interesa analizar el escollo que supone la variedad lingüística del español a quienes explotan

el ERE (español como recurso económico19)” (SENZ, 2006). Note-se que a autora faz

referência à sua atuação profissional na área de língua espanhola como um todo e na área de

edição, sem mencionar sua prática como professora universitária. Percebemos, com isso, um

certo silenciamento das questões educacionais que se relacionam ao pan-hispanismo e ao

interesse econômico acerca do Espanhol como língua estrangeira.

18 De acordo com Lagares (2010, p. 94), a política linguística “pan-hispânica” consiste em promover a ideia da

unidade da língua, a fim de que os falantes das “variedades fronteiriças se reconheçam também nos construtos

normativos que lhes são impostos, isto é, na esperança de que esses falantes coloquem a sua lealdade linguística

a serviço do projeto ideológico da correspondente fonia”. O autor afirma, no entanto, que o pan-hispanismo

adquire uma nova dimensão ao se combinar com a ideologia liberal imposta pelo mercado globalizado. 19 O texto analisado foi extraído de uma página da Internet. Os fragmentos que aparecem sublinhados são

hiperlinks no suporte original.

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O trecho destacado acima permite entrever uma forte presença do “eu”, que atravessa

todo o texto, configurando a primeira pessoa do singular coincidente (GARCÍA NEGRONI,

2008, p. 14). Desse modo, o texto de Silvia Senz aproxima-se ao gênero ensaio por visibilizar

os processos de subjetivação da autora.

Observemos agora o seguinte parágrafo:

Estos esfuerzos de adecuación lingüístico-cultural al consumidor suponen al

productor no sólo una mayor inversión de recursos, sino —lo que es más grave en

un mundo globalizado— la imposibilidad de crear empresas transnacionales con

mercados amplios. (SENZ, 2006)

Podemos perceber no fragmento destacado que, com os vocábulos consumidor e

productor, a autora mobiliza um interdiscurso (ORLANDI, 2000, 2012) em consonância com

a lógica do mercado, atribuindo-o aos discursos defensores do Espanhol como recurso

econômico.

Note-se também que, embora a autora mencione os “esfuerzos de adecuación

lingüístico-cultural”, percebe-se, ao longo de todo o texto, um silenciamento da questão da

literatura e da relação entre o pan-hispanismo e o mercado literário. Nesse sentido, Josefina

Ludmer (2011) afirma que o Espanhol, como língua global e recurso econômico, produz 15%

do PIB da Espanha, uma vez que a língua é vendida e comprada em forma de rádios, jornais,

editoras e livros, entre outros “produtos”. Em relação às editoras, Ludmer considera que a

internacionalização do mercado editorial espanhol e hispano-americano afetou o modo como

circulam as obras literárias em língua espanhola, assim como os prêmios concedidos a autores

e obras.

Vislumbra-se no último parágrafo uma forma explícita da heterogeneidade, que é

constitutiva de todo e qualquer enunciado:

Precisamente —siendo esta una bitácora de correctores y editores de texto— esa

dejación tan jipi de la labor normativa de la RAE («Dejemos que la lengua fluya»)

no sólo tienen parte de responsabilidad en la caída en desgracia de la tarea de

corrección lingüística — siendo como es sumamente necesaria por muchas razones

que en otra ocasión comentaré —, sino que pone en entredicho la necesidad misma

de una academia de la lengua. (SENZ, 2006)

No fragmento “Dejemos que la lengua fluya”, a presença das aspas, que podem

funcionar como operadores metalinguísticos (AUTHIER-REVUZ, 2004), indicia tanto uma

atribuição de tal enunciado à Real Academia Española quanto uma ironização desse

enunciado. Desse modo, os discursos irônicos, segundo Authier-Revuz (op.cit., p. 18),

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colocam a presença do outro em evidência, instaurando a “presença diluída do outro no

discurso”. Maingueneau (2013, p. 225), de modo semelhante, afirma que a enunciação irônica

se mantém na fronteira entre o que é rejeitado e o que é assumido, podendo, simuladamente,

“imputar ao adversário a responsabilidade pelo texto, de maneira que ele se autodestrua”.

Dessa maneira, podemos pontuar a preponderância da formação discursiva não

cientificista no texto, embora tal preponderância se constitua ainda dentro da tensão entre

diferentes FD na medida em que Senz se opõe aos discursos que defendem o Espanhol como

recurso econômico, por um lado, mas advoga pelo papel das academias em relação à

regulamentação da língua, por outro.

Passemos para a análise do último texto teórico do corpus. Destacaremos o primeiro

parágrafo do texto intitulado “Lengua propia y exclusión social: los dialectos regionales y las

lenguas vernáculas”, de Albarracín & Alderetes (2003), que trata sobre os dialetos regionais e

as línguas vernáculas20 que vêm sofrendo interdição, principalmente a partir da reforma

educacional argentina:

La opresión cultural, social y económica iniciada con la conquista española

continúa intacta cinco siglos después. Son múltiples las formas bajo las que se

manifiesta. Una de ellas, tiene que ver con la unidireccionalidad lingüística que en

nuestro país privilegia –de manera excluyente– el desarrollo de la lengua oficial

estándar, debilitando las lenguas vernáculas y desconociendo las variedades

regionales del español, que tienen indudables influencias de nuestras lenguas

ancestrales. (ALBARRACÍN & ALDERETES, 2003)

Note-se que, para os autores, a noção de correção e de censura está vinculada à ideia

de interdição ao uso da língua materna, interdição esta fomentada principalmente pelas

instituições de ensino. No entanto, adota-se no texto uma visão normativa de poder, pois se

afirma que “la opresión cultural, social y económica iniciada con la conquista española

continúa intacta cinco siglos después” (grifo nosso). Nesse sentido, atribui-se uma certa

pureza aos povos anteriores à conquista, como se não mantivessem entre si relações por vezes

conflituosas. Tal visão normativa implica uma concepção verticalizada de poder, ou seja, uma

noção de que existe “um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo

sobre outro” (FOUCAULT, 2014c, p. 100). É preciso considerar, no entanto, que as relações

de poder se constituem como “correlações de forças múltiplas que se formam e atuam nos

aparelhos de produção, nas famílias, nos grupos restritos e nas instituições” (idem, p. 102-

20 Martelotta et al. (2008, p. 149) definem o vernáculo como a “língua falada em situações naturais,

espontâneas, em que supostamente o falante se preocupa mais com o que dizer do que com o como dizer”.

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103), atravessando todo o corpo social.

É interessante apontar também o silenciamento, ao longo de todo o texto de Albarracín

& Alderetes, da literatura, sobretudo da literatura oral, dentro da questão cultural abordada

pelos autores, desconsiderando-a como um elemento importante na constituição das

identidades culturais.

Note-se ainda, na seção intitulada “Lenguas vernáculas y derechos colectivos”, o

diálogo que os autores estabelecem com a esfera legislativa ao citar documentos norteadores

das políticas linguísticas, como por exemplo a Declaración Universal de Derechos

Lingüísticos, além de leis e resoluções.

Destacaremos também dois parágrafos em que é possível verificar a heterogeneidade

mostrada a partir das aspas – que acompanham os vocábulos corrupciones e bien –, que

podem funcionar como operadores metalinguísticos:

Obviamente, para el análisis del español de esta área lingüística resulta de

gran importancia el conocimiento del quechua; sin embargo, el estudio de dicha

lengua no forma parte de la currícula formal de las carreras pertinentes ni

constituye objeto de investigación en las Universidades. Los escasos estudios

realizados en la provincia de Tucumán acerca de las influencias de la lengua

quechua en la configuración de las modalidades del español regional, en su

mayoría han estado orientados a negar o minimizar dicha influencia y a considerar

las manifestaciones del dialecto local como meras desviaciones o ‘corrupciones’ del

español académico normativo en boca de bilingües de extracción quechua.

No debe extrañar, en consecuencia, que en los niveles educativos oficiales se

actúe como si la lengua fuese homogénea en todo el territorio nacional. Así, la

escuela censura el uso de la variedad regional y estigmatiza a quienes no hablan

“bien” la lengua oficial, vulnerando de este modo el derecho al uso de la lengua

propia. En el Noroeste argentino, numerosas expresiones usuales llevan a la

inmediata corrección por parte del maestro, que no está preparado para entender

que detrás de las mismas, operan complejos procesos de transferencia lingüística.

Cuando corrige está arrasando con un código cuya presencia ni siquiera sospecha.

(ALBARRACÍN & ALDERETES, 2003)

García Negroni (2008, p. 22) afirma que, com o uso das aspas, o enunciador “desdobla

su discurso para comentar, al mismo tiempo que las utiliza, las palabras que emplea”. Dessa

forma, as aspas empregadas nos itens lexicais corrupciones e bien indiciam uma atitude de

distanciamento dos enunciadores diante de outras vozes, bem como um forte questionamento

em relação ao discurso que estigmatiza as línguas vernáculas e os dialetos regionais. Tal

questionamento é reforçado no segundo parágrafo destacado por uma ideia desqualificadora,

verificada no gerúndio vulnerando, o que demonstra a denúncia dos autores do texto em

relação a uma visão segundo a qual a língua seria homogênea e desprovida de variedades

regionais. É interessante notar também, nesse mesmo parágrafo, o uso da passiva com se em

se actúe, que, de acordo com a autora, “permite dejar indeterminado a quien se considera

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responsable de la acción” (idem, p. 13) e se constitui como uma estratégia de

despersonalização do discurso. Ainda em relação a esse parágrafo, é possível verificar

novamente uma concepção muito verticalizada das relações de poder no fragmento de

enunciado “cuando corrige está arrasando con un código cuya presencia ni siquiera

sospecha” (grifo nosso). Tal concepção conduz não somente a uma análise simplificada dos

autores no que diz respeito aos processos de transcodificação, ou seja, de transferência

linguística de um código a outro, mas também a uma vitimização dos sujeitos por parte dos

enunciadores, que parecem desconsiderar os possíveis atos de resistência em relação ao

controle e à interdição das línguas vernáculas.

Consideramos que as estratégias de despersonalização e a noção verticalizada de poder

se ligam, de certo modo, a uma FD que consideramos cientificista por corroborarem uma

pretensão de neutralidade, supostamente própria ao discurso científico-acadêmico. Nesse

sentido, observemos o seguinte fragmento:

No nos interesa efectuar aquí un análisis desde la perspectiva de la lingüística de

contacto, remitimos para ello a los estudios de Anna María Escobar (2000),

Germán de Granda (2001) y R.Cerrón-Palomino (2002), pero sí nos importa

señalar el derecho de este niño a utilizar “su” español. (ALBARRACÍN &

ALDERETES, 2003)

Podemos perceber que os autores procuram estabelecer uma fronteira entre a natureza

do estudo realizado por eles e outras linhas teóricas, separando assim a subárea de políticas

linguísticas e a de línguas em contato, o que caracteriza uma formação discursiva cientificista

devido à pretensão de se delimitar as áreas do conhecimento, inclusive dentro de um mesmo

campo.

É possível verificar a FD cientificista ainda em dois outros parágrafos, destacados

abaixo:

A título de ejemplo, reproducimos dos testimonios representativos del modo

de habla en la región. En primer término, un fragmento del relato de un niño de 12

años de edad, residente en el departamento Figueroa, en la Provincia de Santiago

del Estero: (…)

El otro ejemplo fue tomado en una escuela secundaria de manualidades,

ubicada en pleno centro de San Miguel de Tucumán, a la que concurren jóvenes

provenientes de barrios de la periferia. A través de la ventana de un aula, dos

profesoras de Lengua observan la clase de cocina y escuchan el siguiente diálogo

entre la docente y las alumnas:

Docente: - Marita, ilo21 poniendo al agua hasta que terminés de hacer la masa.

(ALBARRACÍN & ALDERETES, 2003)

21 De acordo com Albarracín & Alderetes (2003), ‘ilo’ é um clítico advindo do quéchua que “se utiliza para

indicar que la acción puede realizarse simultáneamente con otra”.

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Note-se que os autores do texto propõem-se a dar exemplos de produção oral realizada

em determinadas regiões da Argentina. Entretanto, o relato e o diálogo escolhidos são

introduzidos sem que se mencionem os nomes dos participantes dessas interações, o que nos

leva a considerar que os autores atribuem a esses sujeitos um papel de meros informantes.

Isso, de certo modo, coloca em evidência a configuração de um ethos preocupado com a

“objetividade” dos dados linguísticos da pesquisa.

Observemos, por fim, o seguinte fragmento: “Los usos tan particulares de estos

clíticos al parecer resultan inaudibles para los oídos de nuestros lingüistas a pesar de que en

las casas y en las calles se los escucha a toda hora” (ibidem). Consideramos, a partir do

trecho destacado, que, embora pareça predominar no texto a formação discursiva cientificista,

há, na verdade, uma tensão entre as FD, na medida em que os autores criticam os linguistas

que desconsideram as línguas vernáculas em sua prática. Desse modo, configura-se também o

discurso irônico (AUTHIER-REVUZ, 2004; MAINGUENEAU, 2013), uma vez que os

autores apresentam uma imagem caricaturizada dos linguistas em questão (“nuestros

lingüistas”).

A mencionada confluência entre as FD que perpassam o texto pode ligar-se às relações

intergenéricas (CORRÊA, 2006) entre artigo e ensaio. Além disso, tal confluência se dá na

medida em que, por um lado, os autores adotam uma concepção verticalizada das relações de

poder, mas, por outro, denunciam os atos de discriminação às línguas vernáculas que partem,

muitas vezes, de instituições que se empenham em defender a hegemonia da língua nacional,

como por exemplo, a Universidade.

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73

5 ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS FORMADORAS: CONTROLE E

POLISSEMIA

Antes de iniciar a análise das entrevistas, faremos algumas considerações acerca da

construção dos roteiros, que foram elaborados a partir das orientações delineadas por Daher et

al. (2004). Segundo os autores, é preciso definir um roteiro de entrevista que atenda às

necessidades de uma situação de pesquisa acadêmica. A definição do roteiro, portanto,

corresponde ao momento em que o pesquisador prepara a entrevista, projetando uma

“interação antecipada” com o(s) sujeito(s) a ser(em) entrevistado(s).

Comentarei em primeiro lugar as perguntas que compõem o roteiro das entrevistas às

professoras universitárias. Com o propósito de verificar as proximidades, ou seja, as

regularidades enunciativas, e as diferenças entre os sujeitos, considerei importante que as

perguntas do roteiro fossem basicamente as mesmas tanto para a professora de língua

espanhola quanto para a de literaturas hispânicas. O mesmo procedimento foi realizado na

elaboração dos roteiros utilizados nas entrevistas com os professores da Educação Básica e

com os licenciandos. Convém ainda mencionar que duas das seis entrevistas analisadas já

haviam sido realizadas na minha pesquisa referente ao PIBIC, cujo propósito era a

investigação acerca do letramento literário nas disciplinas de literaturas hispânicas de duas

universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro. Apesar de os objetivos da minha pesquisa

do PIBIC e da minha pesquisa atual serem diferentes, as falas do professor da Educação

Básica e da professora universitária já revelavam disputas entre os campos epistemológicos

relacionados à língua e à literatura no âmbito da formação docente.

Dessa maneira, procuramos seguir, para esta pesquisa, os roteiros que havíamos

elaborado para as entrevistas com o professor da Educação Básica com formação em estudos

literários e com a professora de literaturas hispânicas, apenas acrescentando, no roteiro

estabelecido para a entrevista com a professora de língua espanhola, uma pergunta adequada

ao perfil específico da docente.

É importante lembrar que, apesar da escolha de formular um roteiro, realizei

entrevistas semiestruturadas, o que me permitiu não apenas interagir mais livremente com os

participantes da pesquisa, mas também elaborar, ao longo da interação, perguntas diferentes

das que estavam previstas no roteiro.

Tendo em vista os tópicos que pretendíamos discutir nas entrevistas, elaboramos um

roteiro com cinco perguntas que abordavam diferentes aspectos da prática docente dos

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sujeitos entrevistados, mais especificamente dos professores da Educação Básica e das

professoras universitárias. As perguntas que compunham o roteiro das entrevistas dos

licenciandos abordavam a atuação dos mesmos em estágios ou em outros âmbitos da prática

docente, além da percepção dos entrevistados em relação às disciplinas referentes à formação

em língua estrangeira, aos trabalhos desenvolvidos na Universidade e ao currículo como um

todo.

Para uma melhor compreensão da análise das entrevistas, explicaremos cada pergunta

que compõe os roteiros, reproduzidos abaixo:

1. Perguntas para as professoras universitárias:

a) Apesar de a universidade oferecer formação dupla em língua estrangeira, é muito

comum que em sua prática docente o licenciado privilegie o ensino de língua em

detrimento do ensino de literatura estrageira. Na sua opinião, que fatores levam a essa

preferência?

b) Você orientou algumas dissertações de Mestrado que tratavam sobre o trabalho com

gêneros literários em aulas de Espanhol como língua estrangeira da Educação Básica.

Tendo em vista a experiência de orientar essas pesquisas, que fatores impediriam os

professores da Educação Básica de realizar um trabalho produtivo com a literatura nas

aulas de Espanhol, ou dificultariam esse trabalho? (Pergunta dirigida especificamente

para Lúcia.)

c) Você considera que a reforma da licenciatura nesta universidade contribui para uma

maior integração entre as perspectivas teóricas e a futura prática docente dos

licenciandos?

d) Qual é o espaço do letramento acadêmico nas aulas de língua e literaturas estrangeiras

na universidade e de que maneira ele contribui para a formação do professor de língua

estrangeira?

e) Qual critério você utiliza para a seleção dos textos a serem trabalhados nos seus

cursos?

2. Perguntas para os professores da Educação Básica:

a) Você procura articular na sua prática docente língua e literatura estrangeiras? De que

maneira?

b) Na sua prática docente, você orienta licenciandos da sua universidade de formação. De

que modo esses sujeitos articulam os saberes teóricos adquiridos à prática como

estagiários?

c) Na sua opinião, qual é a importância da pesquisa em literatura? (Pergunta dirigida

especificamente para Marcos)

d) Você considera que os currículos das licenciaturas em Letras contribuem para um

maior diálogo entre as perspectivas teórico-críticas e a prática docente? (Pergunta

dirigida especificamente para Eduardo.)

e) Você pode me dar um exemplo de um trabalho que você tenha feito em sala de aula

que tenha sensibilizado os alunos para uma relação mais significativa com os diversos

textos e gêneros, literários ou não, que circulam na sociedade?

f) Você pode falar um pouco sobre a sua pesquisa atual? De que maneira ela tem

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contribuído para a sua prática docente?

3. Perguntas para os licenciandos:

a) Você procura articular os conceitos teóricos trabalhados na licenciatura à sua prática

docente? De que maneira?

b) Você percebe alguma articulação entre os saberes adquiridos nas aulas de língua e de

literaturas estrangeiras? De que maneira?

c) Você já teve experiências em sala de aula, em cursos ou como estagiário(a) de língua

estrangeira? Nessas experiências, você se preocupou em levar a literatura para a aula

de língua? De que maneira?

d) Quais conteúdos, textos ou trabalhos na universidade ou nas suas experiências

docentes contribuíram para modificar a sua relação com a linguagem?

e) Você poderia destacar pontos positivos e negativos do currículo em que você está

sendo formado(a)?

Primeiramente, perguntamos às professoras universitárias acerca dos fatores que levam os

licenciados a privilegiar o ensino de língua em detrimento do ensino de literaturas

estrangeiras. Com isso, pretendemos visibilizar as tensões e disputas em torno das formações

linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol. Com a segunda pergunta do roteiro,

que foi dirigida especificamente à professora de língua espanhola, procuramos evidenciar os

debates acerca do trabalho realizado com a literatura nas aulas de língua estrangeira na

Educação Básica.

Com a terceira questão, intencionamos suscitar comparações entre o currículo novo e

o currículo antigo do curso de Espanhol da universidade pesquisada no tocante ao diálogo

entre as perspectivas teóricas trabalhadas nas disciplinas de língua espanhola e de literaturas

hispânicas e a futura prática docente dos licenciandos. Com a quarta pergunta, pretendemos

verificar em que medida a questão do letramento acadêmico contribui para a formação do

professor de Espanhol, tendo em vista o trabalho realizado com os diferentes gêneros que

circulam na universidade.

Por fim, questionamos acerca do critério utilizado pelas professoras para a seleção dos

textos trabalhados na licenciatura. Com essa pergunta, visamos estabelecer uma relação entre

os textos selecionados e a fala das docentes entrevistadas.

No que diz respeito ao roteiro seguido na entrevista com os professores atuantes na

Educação Básica, perguntamos, em primeiro lugar, se eles procuram articular língua e

literatura nas aulas de Espanhol. Com isso, procuramos dar visibilidade às relações

conflitantes entre os saberes linguísticos e literários no trabalho com a linguagem. Com a

segunda questão, pretendemos trazer à tona diferentes visões acerca do modo como os

licenciandos articulam os saberes teóricos adquiridos na universidade à sua prática nos

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diversos espaços educacionais.

Com a terceira pergunta, que foi dirigida especificamente ao professor com formação

em língua, intencionamos identificar em que medida os currículos das licenciaturas propiciam

um diálogo entre a teoria e a prática docente, tendo em vista a própria experiência do

entrevistado como um licenciando da universidade pesquisada.

Em seguida, pedimos aos professores que relatassem um trabalho realizado nas aulas

de Espanhol que houvesse contribuído para uma relação mais significativa dos alunos com a

linguagem com vistas a perceber de que modo os entrevistados trabalham os conhecimentos

linguísticos e/ou literários na Educação Básica. Por fim, pedimos aos docentes que falassem a

respeito da pesquisa que estavam desenvolvendo no momento da entrevista a fim de observar

a relação que eles estabelecem entre o seu papel como pesquisadores e como professores

atuantes na Educação Básica.

Começamos a entrevista com os licenciandos perguntando se eles procuram articular

os conceitos teóricos trabalhados na universidade à sua prática docente com vistas a verificar

em que medida a teoria se liga à prática dos entrevistados em diferentes espaços educacionais.

Na sequência, perguntamos se eles percebem um diálogo entre os saberes adquiridos nas aulas

de língua e de literaturas estrangeiras a fim de reconhecer os possíveis conflitos entre as

formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol.

Com a terceira questão, pretendemos verificar se os entrevistados relacionam língua e

literatura em suas aulas com o objetivo de observar se os licenciandos reproduzem a cisão

entre os conhecimentos linguísticos e literários em sua própria prática. Com a quarta pergunta,

visamos identificar o papel da universidade no que diz respeito ao modo como os licenciandos

se relacionam com a linguagem, tendo em vista os conteúdos, textos e trabalhos realizados no

espaço acadêmico.

Finalmente, pedimos aos licenciandos que destacassem pontos positivos e negativos

do currículo em que estivessem sendo formados no momento da entrevista com o objetivo de

constatar a percepção dos futuros docentes acerca do curso de Letras Espanhol da

universidade pesquisada.

Antes de passar para a análise propriamente dita, queremos ressaltar que não

analisaremos trechos referentes a todas as perguntas, pois daremos preferência aos fragmentos

mais centrais aos debates levantados. Lembramos, porém, que todas as entrevistas podem ser

lidas integralmente nos anexos. Para a realização de tal recorte, baseamo-nos na noção de

tópico discursivo, ou seja, “aquilo acerca do que se está falando” (BROWN e YULE, 1983, p.

73 apud FÁVERO, 1999), tendo em vista que a delimitação dos segmentos tópicos se dá a

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partir da manutenção e da relevância do tema.

No fragmento transcrito abaixo a professora de língua espanhola (doravante Lúcia22),

ao ser questionada a respeito da preferência dos licenciados em Letras Espanhol em relação

ao ensino de língua estrangeira em detrimento do ensino de literaturas hispânicas, afirma:

Lúcia: (...) e e acho que que a faculda- AS faculdades de letras os cursos de letras

continuam ainda muito com essa visão (.) de que fazer um curso de letras é você

receber conhecimen↑to (.) e depois você não necessariamente ou (.) na maioria das

vezes você não você não tem uma visão prática de aplicação daquilo (.) você sabe

você tem muita informação mas o que que você faz com aquela informação (.)

quando você tem que (.) planejar um cu::rso ou quando você tem que dar uma aula

(.) e aí acaba sendo parece que acaba sendo mais fácil (.) e você controla melhor (.) a

questão do ensino da língua e não da literatura

No trecho em questão, Lúcia modaliza seu discurso ao dizer que “parece que acaba

sendo mais fácil (...) a questão do ensino da língua”, deixando entrever que a língua também

não é totalmente controlável. No tocante à questão do controle em torno do conhecimento,

Richard (2001) diferencia o saber controlado e o descontrole do pensar. De acordo com a

autora, tal descontrole mantém relações com os saberes fragmentários que deslizam

en la superficie de los dispositivos institucionales para experimentar, en sus bordes,

una libertad de movimientos que es generalmente censurada por la cartografia de

hablas sedentarias fijada por la especialización del conocimiento a través de reglas

pedagógicas que sólo se fijan en la utilidad social del saber. (RICHARD, op. cit., p.

139)

Note-se ainda que as entidades “faculdades e cursos de letras” são personificados na

fala da professora, ou seja, atuam como sujeitos do verbo “continuam” (“AS faculdades de

letras os cursos de letras continuam ainda muito com essa visão”), o que provoca um efeito de

sentido de totalização, como se a academia fosse constituída por um grupo homogêneo de

sujeitos. Desse modo, a personificação liga-se a estratégias de despersonalização do discurso

(GARCÍA NEGRONI, 2008), na medida em que possibilita ao enunciador a omissão dos

sujeitos que seriam considerados responsáveis pela ação.

No fragmento destacado abaixo, Lúcia, ao falar a respeito de sua experiência

orientando uma dissertação de Mestrado que tratava sobre o trabalho com gêneros literários

em aulas de Espanhol como língua estrangeira, advoga novamente pelo controle no trabalho

com a linguagem:

22 Com o objetivo de proteger a identidade dos sujeitos envolvidos nesta pesquisa, foram modificados não só

os nomes dos professores e licenciandos, mas também os de outras pessoas mencionadas por eles nas

entrevistas, como é possível verificar nos anexos.

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Lúcia: é (.) eu acho que:: que que o eh (.) nessa (.) dissertação específica (.) o grande

problema era esse era que a:: não (.) os professores não recebiam eles mesmos

diziam que (.) não havia uma relação entre o conteú↑do que eles aprenderam em

literatura (.) e a aplicação disso:: na sala de aula então havia essa distância (.) e de

fato é o que a gente vê↑ (.) hoje (.) eh nas escolas (.) públicas e particulares ainda há

essa distância (.) o professor ele ele ele não ensina (.) a ler (.) ensinar a ler continua

ficando SÓ lá naquele momento da alfabetização depois não se ensina (.) a ler (.) um

co::nto (.) não se ensina a ler um roma::nce não se ensina a ler (.) eh eh e eh

pensando em todos os (.) os passos pra i↑sso (…)

É interessante notar que, em sua fala, Lúcia enfatiza uma concepção de letramento

literário vinculada a uma visão de ensino/aprendizagem de literatura que contemple “todos os

passos” para se chegar à leitura efetiva. Tal perspectiva se liga a uma noção de que o aluno,

em relação à leitura, está no “grau zero” e o professor no “grau dez” (ORLANDI, 2012).

Pensar, portanto, em “todos os passos” implicaria um silenciamento da relação com o

múltiplo, o inesperado, o diferente, ratificando-se assim o controle exercido pela autoridade

escolar.

Além disso, a ênfase de volume que Lúcia realiza nos vocábulos “hoje” e “ainda”

aponta para a distância que “ainda hoje” se verifica entre a teoria aprendida nos cursos de

Letras e a prática de ensino/aprendizagem da literatura na Educação Básica, demonstrando

assim a existência de debates e polêmicas que circulam na academia e que são anteriores ao

momento da entrevista (DAHER et al., 2004).

Também percebemos a presença de uma “massa de textos” a partir das marcas do

discurso relatado observáveis no fragmento destacado. De acordo com Daher et al. (op. cit.), o

relato desenvolvido pelo entrevistado pode recuperar sua própria voz em momentos de

interação com diferentes sujeitos, bem como as vozes desses outros enunciadores. Na fala da

professora universitária, especificamente, atualizam-se discursos de professores da Educação

Básica em relação aos conteúdos trabalhados nas aulas de literatura na academia e à aplicação

desses conteúdos nas suas próprias aulas. Além disso, a fala de Lúcia assume um caráter de

cunho constatativo na medida em que os debates e polêmicas mencionados acima se inserem

em um determinado regime de verdade (FOUCAULT, 2014c), o que é possível verificar a

partir dos fragmentos de enunciado “eles mesmos diziam” e “é o que a gente vê”.

No fragmento destacado a seguir, Lúcia, ao ser indagada a respeito do espaço do

letramento acadêmico nas aulas de língua espanhola nos cursos de licenciatura em Letras

Espanhol, questiona:

Lúcia: eu não sei exatamente (.) se eu tô entendendo letramento acadêmico do

mesmo:: jeito que vocês pensaram mas (.) se o letramento acadêmico diz respeito (.)

eh a uma questão (.) eh o que que cês tão definindo que que cês pensaram nessa

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pergunta pra letramento acadêmico?

Elíria: eh:: (.) a própria inserção do:: aluno né e e o (.) uso que ele faz dos gêneros

acadêmicos né

Lúcia: acho que não (.) acho que:: eh essa questão eh eh a universidade em si e aí eu

não vou falar só das aulas de língua espanhola

Elíria: ãh-hã

Lúcia: ela TRABALHA (.) quando ela trabalha com o gênero ela trabalha (.) eh

numa dimensão de (.) o gênero PRA... aula (.) e ela esquece de todos os gêneros que

fazem parte do nosso dia a dia e que no↑ espaço acadêmico têm MARCAS (.)

específicas (.) então eu tenho o gênero aula (.) eu tenho o gênero:: apresentação de

trabalho (.) eu tenho (.) e os gêneros escritos (.) né (.) eu me dei conta quer dizer eu

já tinha um pouco essa intuição mas por exemplo esse semestre que eu dei uma

disciplina de:: (.) produção escrita (.) eu me dei conta que os problemas que eles têm

com os gêneros (.) nós trabalhamos com vários gêneros na linha dos gêneros

argumentativos (.) os problemas que eles têm se- eh são problemas que eles trazem

da língua materna (.) então (.) eh parece que os gêneros eles começaram produzindo

textos (.) embora (.) eles sempre o o o procedimento foi sempre o mesmo (.) eles a

gente eh escolhia um gênero (.) carta do leitor (.) eh lia dois três comparava com

uma carta do leitor em português e aí na semana seguinte eles tinham que produzir

(.) e eles produziam (.) eh (.) textos (.) eh:: neutros (.) que não tinham marca de

nenhum gênero (.) e eu comecei a chamar a atenção deles olha só↑ (.) cadê a marca

da carta do leitor aqui↓(...)

Podemos observar que Lúcia, ao utilizar o pronome “vocês/cês”, faz referência aos

enunciadores das perguntas e ao campo a que pertencem, além de sinalizar o próprio contexto

de enunciação, isto é, uma entrevista de pesquisa assumida por uma pós-graduanda e por seu

orientador. Note-se também que a professora novamente personifica a universidade,

silenciando assim a responsabilidade dos sujeitos pelo trabalho com os gêneros acadêmicos na

formação docente.

É interessante perceber ainda que, ao falar da escolha do gênero a ser trabalhado nas

aulas, Lúcia realiza uma alternância e hesitação entre os pronomes “eles” e “a gente”,

indiciando que cabe predominantemente ao professor selecionar os materiais e os conteúdos.

Além disso, uma nova “massa de textos” (DAHER et al., 2004) é atualizada no final do trecho

citado, em que a docente recupera momentos da interação com os licenciandos no trabalho

que realizam com o letramento acadêmico nas aulas de língua espanhola.

Destacaremos em seguida um fragmento em que Lúcia fala mais especificamente a

respeito do critério utilizado por ela para a seleção dos textos trabalhados nos cursos que

ministra na licenciatura em Letras Espanhol:

Lúcia: (...) tinha o gê↑nero (.) mas ao mesmo tempo trazendo alguma ques- alguma

questão que tava lá↑ que era importante (.) e e com os pr'as resenhas acadêmicas (.)

eh textos (.) eh:: mais teóricos (.) eh mas relaciona↑dos (.) a ques- a questões do

Espanhol então sobre variaçã::o (.) sobre a questão do:: eh:: (.) um deles foi sobre a

questão do Espanhol como recurso econômico quer dizer era uma (.) é um (.) são

textos de Silvia Senz (.) que escreve (.) se colocando um pouco CONTRA essa (.)

essa questão muito comercial do do Espanho::l (.) então (.) ALÉM (.) da forma (.)

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tem conteúdo também então que seja algum tema que contribua pra (.) um pouco pra

porque (.) isso eu também tenho visto parece que os profe- a gente (.) a gente tá

forma::ndo o o eh aqui na faculdade a gente não toca nesses temas que são temas

importantes (.) e parece que eles saem ainda muito inocentes com relação a isso (.)

então se você pergunta eu tenho começado a tentar introduzir isso no:: Espanhol 2

que é o curso de graduação que eu tenho dado (.) eh:: o que que eles sabem de

variaçã::o (.) e eles ainda acreditam na coisa do Castellano e Espanhol da Amé::rica

(.) e acreditam que (.) que um é melhor que o o::utro então é preciso que eles

comecem a ler esses textos que estão circulando (…)

É interessante perceber que Lúcia posiciona-se enfaticamente (observe-se o aumento

de volume realizado no vocábulo “além”) como uma professora que contempla não só a

forma, mas também o conteúdo, configurando assim uma atitude responsiva (BAKHTIN,

2003) em relação às vozes que relacionam o cientificismo à docente e ao campo ao qual ela

pertence. Tal posicionamento, além disso, liga-se ao não dito, que constitui “igualmente o

sentido do que é dito” (ORLANDI, 2000, p. 85). Pelo não dito, portanto, Lúcia coloca o outro

no lugar da simplificação, como se os sujeitos que criticam o cientificismo se preocupassem

apenas com o “conteúdo”.

Note-se também que Lúcia realiza um corte abrupto no vocábulo “professores”,

enunciando logo em seguida a forma “a gente”, o que revela um movimento de inclusão por

parte da entrevistada, que toma também para si a responsabilidade de seu dizer e de seu papel

como professora formadora.

Podemos observar ainda uma certa vitimização dos licenciandos do curso de Letras (“e

parece que eles saem ainda muito inocentes com relação a isso”), que parte, de certo modo, de

uma subestimação no que diz respeito aos saberes e conteúdos com os quais os alunos teriam

contato na graduação. Tal questão implica também uma visão verticalizada das relações de

poder, tal como é possível perceber no texto de Albarracín e Alderetes (2003), utilizado pela

docente em seu curso na graduação, como se viu no capítulo anterior.

Vimos, portanto, que Lúcia, de uma certa maneira, advoga pelo controle em relação

aos saberes linguísticos e literários tanto na Educação Básica quanto na Universidade, o que

se percebe principalmente a partir das negações na fala da docente, tal como vimos, por

exemplo, na análise do segundo fragmento destacado (“o professor ele ele ele não ensina (.) a

ler (...) não se ensina (.) a ler (.) um co::nto (.) não se ensina a ler um roma::nce (...) e eh

pensando em todos os (.) os passos pra i↑sso”). Nesse trecho especificamente, a negação está

relacionada a um certo mecanismo de pressuposição, pois, ao dizer que o professor não ensina

a ler, a entrevistada pressupõe um método de ensino/aprendizagem de leitura que contemple

“todos os passos”, deixando entrever assim as formas de domínio que atravessam seu dizer.

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Passemos para a análise da entrevista com a professora de literaturas hispânicas

(doravante Marta). Ao ser questionada a respeito dos fatores que poderiam levar o licenciado

em Letras Espanhol a privilegiar o ensino de língua em detrimento do ensino de literaturas

estrangeiras, a docente afirma:

Marta: (...) eu acho que cada vez mais não podemos eh para mim (.) eh:: tomar duas

posições OU eh (.) fechamos e e defendemos (.) a exclusividade da literatura erudita

do do cânone (.) OU (.) eh podemos pensar que o:: devemos provocar uma uma (.)

extensão da literatura a outras áreas incluir o cinema incluir (.) enfim a a a música

popular↑ enfim são são (.) eh discursos e que que (.) que DIALOGAM sem dúvida

com a literatura

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [quer dizer] que não anulam a literatura (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Marta: então por que não provocar eh CONTATOS né que eu acho que esse é o que

que o desafio dos nossos cursos de literatura (.) deve ser provocar esses contatos (.)

né de poder passar↑ de um de um nível a outro de poder passar de de de cultura

popular à cultura erudita do do eh da da do do da cultura de massa a a ao cânone

enfim isso é o (.) o que o que nós e e e o que eu digo sempre é que (.) nos- eh:: que

não podemos perder eh de vista que nosso aluno é um aluno que é um cu- de um

curso de Português-Espanhol interessado na língua e tal (.) também a literatura

permite entrar (.) em considerações de tipo linguístico (.) né?

Percebe-se, a partir do fragmento destacado, que Marta questiona a dicotomia entre

língua e literatura, advogando pela existência de um continuum. Considero, portanto, que há

uma tentativa de desconstruir a fronteira entre as formações discursivas cientificista e não

cientificista, o que, de certo modo, funciona como uma estratégia de protagonização do

campo intelectual no contexto acadêmico, ao qual correspondem os saberes literários, na

medida em que a docente discursivamente tenta reduzir o peso das tensões existentes entre os

saberes referentes à língua e à literatura que atravessam a formação dos professores de

Espanhol.

Observe-se tal questão ainda no trecho a seguir, no qual Marta é questionada a respeito

do diálogo estabelecido pela universidade entre língua e literatura:

Elíria: (...) mas você acha que a universidade (.) eh:: (.) dialoga (.) satisfatoriamente

lín↑gua e literatu::ra (.) hoje em dia?

Marta: [dentro dos cursos?]

Elíria: [ou você acha que ainda] (.) ainda é muito separado?

Marta: NÃO eu acho que a síntese hmm eh:: se dá:: no próprio alu↑no o aluno é::

quem recebe quem digamos é uma unida↑de

Elíria: [hmm]

Marta: [então] ele vai ter cursos (.) de lín↑gua (.) cursos de literatura↑ (.) cursos de

de:: de língua também entra em questões que são culturais (.) que não somente

linguísticas né (.) não são somente linguísticas quando eu discuto ou quando o

professor entra em problemas de identidade (.) eh não é identidade linguística (.) né

não existe uma identidade linguística existe uma base (.) para pensar problemas de

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identidade

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [então] o a referência é a cultura↓ (.) quando o professor de literatura (.) eh

discute o texto literá↑rio tem como referência (.) a↑ (.) eh:: a língua↑ né (.) e também

a cultura então eu acho (.) creio que essa formação é boa para o aluno (.) e é o aluno

quem tem que provocar (.) a síntese

Considero que se configura, no fragmento em questão, o eixo polissêmico

(ORLANDI, 2000, 2012), ou seja, um deslocamento do significado, na medida em que a

professora não concebe a separação entre língua e literatura como algo negativo na formação

dos licenciandos em Espanhol. Tal posicionamento da docente é percebido a partir da negação

que inicia a resposta (grafada em maiúsculas para indicar um volume mais alto) e a partir da

ênfase de entoação realizada em “creio”, o que indicia, de certo modo, que Marta parte de um

pressuposto diferente do meu na entrevista, uma vez que ela não ratifica meu juízo de valor

em torno da cisão língua/literatura.

Destacarei em seguida um fragmento em que a professora, ao ser questionada a

respeito do espaço da alfabetização acadêmica nas aulas de literaturas estrangeiras, menciona

a proposta delineada por Paula Carlino na obra Escribir, leer y aprender en la Universidad:

una introducción a la alfabetización académica, afirmando que:

Marta: (...) muitas vezes sim nós (.) eh temos um problema (.) os os cursos são

muito curtos porque na realidade são semestrais mas não é semestre:: são (.) eh

poucas horas o tempo (.) vai muito rápido então esse (.) eh essa proposta que essa

professora (.) que se chama Carlino (.) eh (.) apresenta no livro é praticamente (.)

irrealizável porque você deveria (.) eh eh trabalhar e devolver o trabalho o aluno (.)

teria que reescrever e voltar a reescrever e discutir a reescritu::ra (.) bom isso (.) é é

um pouco (.) utópico porque o:: não não se:: (.) eh digamos que não está↑ (.) eh

adequado ao tempo que nós temos

Elíria: [hmm]

Marta: [né] mas como ideal↑ (.) é algo que (.) que sim é interessante

Elíria: ãh-hã

Marta: né (como) ideal quer dizer que o trabalho nunca é conclusivo (.) né que há

avanços é é difícil eh (.) fazer essa essa conexão de pensar através de conceitos de

aplicar noções ( ) essas noções (.) de que os cursos (.) eh tenham que ser

verdadeiramente integrados né

Elíria: ãh-hã (...)

No trecho destacado, a professora qualifica a universidade como o espaço do

conhecimento não controlado ao afirmar que “o trabalho nunca é conclusivo”. À escola, em

contrapartida, é atribuído o lugar do saber controlado, como é possível observar no fragmento

abaixo, no qual a professora corrobora a proposta de Carlino (2005):

Marta: (...) exatamente em todos os cursos mas isso é com a consciência de que (.)

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eh evitar a a queixa de u::m um (.) um discurso:: muito frequente na universidade

(esse) aluno é burro o aluno não sabe vem analfabeto não aprende na::da (.) e é o

olhar ( ) dos alunos é o contrário gostam mais do (.) têm como uma melhor imagem

do (.) eh:: do ensino de literatura no segundo grau↓ (.) porque aqui acham claro

acham (.) percebem que existe um salto (.) eh porque no no (.) no segundo grau

existe como (.) a:: (.) a:: segu- se- se- segurança que dá o livro↓ (.) então eh depois

na universidade você tem que (.) eh combater essa cre::nça que é uma crença pensar

que porque algo está no livro está organizado (.) eh >está bem<

Elíria: ãh-hã

Marta: e é e aí você aprende tudo↓ (.) então o que ele (.) percebe aqui é que tem que

ir à biblioteca tem que aprender (.) tem que ler um artigo e esse artigo (.) não está

dentro de um livro (.) (ele) é a integração↑ isso é é uma (.) é uma dificuldade do

aluno né↑

Elíria: ãh-hã

Marta: é mas é (.) eh digamos que a universidade (.) provoca o:: (.) uma espécie de

questionamento (.) do modo que o aluno aprendeu (.) [né]

Elíria: [sim]

Marta: então por exemplo a história literária ( ) o Romantismo bom (.) é e não é↑ (.)

eh as características desta universidade (.) começam a quebrar com essas normas ou

seja o Romantismo é isto isto e isto são quatro característica o Romantismo não é↑

(.) então (.) isso (.) essa é a:: eu acho que é que acho que a ruptura ou a:: diferença

que faz com o que o aluno se sinta diante da literatura muito:: (.) eh muito inseguro↓

Elíria: ãh-hã...

A professora, em sua fala, atribui à escola não apenas o espaço do conhecimento

controlado, mas também o lugar da simplificação em torno dos saberes literários, que sofrem

uma redução nos materiais didáticos.

Destacaremos ainda um fragmento no qual a professora é questionada a respeito da

reforma das licenciaturas:

Elíria: (...) você acha que:: essa:: reforma que o currículo novo permite (.) essa

maior integração entre os conceitos crí↑ticos e:: a prática (.) no caso do futuro

docente né (.) a prática do licenciando

Marta: deveria ser mas ainda não dá para avaliar (.) né (.) ou seja eh no (.) programa

deveria existir uma maior (.) eh ( ) preocupação co::m (.) a prática docente do aluno↓

(.) mas també::m eh você não pode acelerar os processos (.) né então nós

encontramos um aluno que não fala espanhol não é não fala espanhol (.) então nós

não podemos (.) eh obrigar a que esse aluno se coloque no lugar do professor porque

ele não é professor (.) não tem o conhecimento então (.) justamente a universidade é

um momento em que você se prepa::ra para algo se fo::rma para algo (.) né↑

Elíria: ãh-hã

Marta: então não posso fazer de conta que aqui todo mundo (.) eh sabe literatura

sabe língua então vamos ver como você ensinaria tal (.) tal (.) eh período como

você:: ensinaria um autor primeiro tem que aprender↑ não é (...)

Apesar de a professora trazer à tona argumentos que advogam pelo não controle,

percebemos, na citação destacada, o uso da modalidade deôntica de proibição

(NASCIMENTO, 2010, p. 35), que “expressa que o conteúdo da proposição é algo proibido e

deve ser considerado como tal pelo provável interlocutor”, como nos trechos “você não pode

acelerar os processos”, “nós não podemos (.) eh obrigar a que esse aluno se coloque no lugar

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do professor” e “não posso fazer de conta que aqui todo mundo (.) eh sabe literatura sabe

língua”. Consideramos que tais passagens indiciam uma prescrição e uma defesa em relação

ao estado atual da formação docente. Além disso, podemos observar que Marta questiona, em

diferentes momentos da entrevista analisados neste capítulo, a separação entre língua e

literatura, desestabilizando, de certo maneira, a fronteira entre o campo científico e o campo

intelectual.

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6 ENTREVISTAS COM OS PROFESSORES DA EDUCAÇÃO BÁSICA: TESTAGEM

E ETHOS PROFISSIONAL

Iniciaremos este capítulo com a análise da entrevista com o professor que atua na

Educação Básica em um instituto tecnológico federal do Estado do Rio de Janeiro com

formação em nível de pós-graduação – Mestrado e Doutorado – na área de estudos literários

(doravante Marcos). Lembramos novamente que iremos utilizar apenas os fragmentos mais

relevantes para as discussões aqui levantadas. Todas as entrevistas, porém, podem ser lidas

integralmente nos anexos.

Ao ser questionado a respeito da integração entre língua e literaturas estrangeiras em

suas aulas de Espanhol, o docente afirma:

Marcos: (...) então eles já chegam achando que uma disciplina não se relaciona com

a o::utra (.) que:: (.) por ser língua estrangeira você não pode discutir temas do do::

da realidade do mundo social do que tá fo::ra (.) que só as disciplinas sei lá de

história (.) de filosofia e de sociologia discutem questões do mundo socia::l que a

literatura só tá presente na aula de língua portugue::sa então (.) num primeiro

momento é quebra::r essas imagens esse esse próprio:: (.) estereótipo sim que os

alunos já chegam com (.) uma visã::o (.) um pré-conceito né pra pra cada disciplina

(.) então no primeiro momento do da da minha prática e também já mais uma vez

representando os outros (.) eh:: antes de começar essa integração nas aulas é (.) é

mostrar↑ qual é a nossa proposta (.) de trabalho (.) né (.) seja de língua espanho::la e

como essa essa proposta de trabalho se insere no contexto da instituição↓ (.) eh::

isso é muito rápido (.) né claro que a gente tem algumas resistências por parte dos

alunos (.) eh:: que acham que lí- eh au- aula de língua espanhola tem que ser só

aquela visão tradiciona::l de ter primeiro o alfabe::to o arti::go (.) pra lá:: na frente

ele conseguir ler um texto literário (.) assim depois que a gente um pouco

desconstrói o que eles viram na na na etapa do ensino fundamental pra pra ter uma

mente um pouco mais aberta (.) inclusive numa instituição tecnológica que às vezes

eles acham que todos nós somos muito positivistas (.) é tentar apresentar nossa

propo::sta e mostrar que língua sim vai caminhar de cultura (.) a todo momento (.) e

todas as discussões das aulas a gente procura promover isso mediante a seleção dos

textos (...)

Podemos perceber que o professor atribui à Educação Básica, mais especificamente ao

ensino médio, o espaço do saber não controlado, ou seja, o lugar em que é possível

desconstruir visões tradicionais de ensino de língua estrangeira. Note-se ainda que Marcos

menciona o seu contexto de atuação, isto é, uma instituição tecnológica, afirmando que “eles

acham que todos nós somos muito positivistas”. Nesse momento, o docente se distancia dos

demais professores com os quais atua, dialogando responsivamente (BAKHTIN, 2003) com o

cientificismo dos institutos tecnológicos e posicionando-se criticamente em relação à

hegemonia da formação discursiva cientificista nesses âmbitos de ensino.

Em outros trechos da entrevista, podemos observar que Marcos dá ênfase ao trabalho

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que realiza a partir dos gêneros discursivos, o que, de certo modo, funciona como um modelo

didático, tal como aponta Fanjul (2012). Vejamos, como exemplo, o seguinte fragmento, no

qual o docente fala a respeito dos licenciandos que orienta e da relação que eles estabelecem

entre os saberes teóricos e sua prática no estágio:

Marcos: mas eu observo que eh dos últimos a::nos dos últimos anos pra cá (.) os

alunos assim já trazem (.) eh conceitos ou leituras que são (.) eh já:: (.) interessantes

pra pra entende::r eh a nossa proposta (.) de trabalho (.) né então assim conceitos

que:: dialogam muito com a proposta de trabalho que a gente (.) desenvolve aqui

como as tipologias textua::is (.) da questão dos gêneros discursi::vos (.) na verdade

são são são conceitos que fundamentam a nossa nossa concepção de linguagem↓ (.)

eh então é um aluno que já chega (.) sabendo reconhecendo a importância dos

gêneros das tipologias (.) da questão do mundo social da da língua estrangeira como

papel educacional (...)

Em sua fala, o professor, mesclando as abordagens discursiva e textualista da questão

dos gêneros, relaciona o tema dos gêneros discursivos e das tipologias textuais ao papel

educacional da língua estrangeira, o que se liga a algumas questões apontadas por Fanjul no

texto “Os gêneros 'desgenerizados'”. O autor defende, por exemplo, que a repetição quase

automática de conceitos como “multiplicidade de vozes”, “polifonia” e discursos “outros”

pode torná-los meras fórmulas de inscrição em uma determinada discursividade, afirmando

ainda que

Com efeito, “dialogismo”, “pluralidade de vozes” ou “palavra do outro” são

ressignificados como possíveis qualidades do cenário de ensino/aprendizagem e suas

práticas: que o aluno tenha a possibilidade de expressar-se criticamente, de contestar,

ou de conhecer diferentes visões e perspectivas em torno de algum assunto. E os

termos são transferidos para essa carga axiológica positiva sem qualquer marca que

advirta que se estaria realizando um deslocamento de seu valor e de seu

funcionamento, como se de fato continuasse falando-se da mesma coisa. A

heterogeneidade do discurso deixa de ser constitutiva de todo enunciado para passar

a ser vista como um traço distintivo de certas práticas que precisariam ser

estimuladas em prol de um modelo de ensino ou, inclusive, de formação cidadã.

(FANJUL, 2012, p. 57)

Note-se, assim, que Marcos, em sua fala, inverte a visão tradicional que concebe o

espaço da escola como o lugar do conhecimento controlado. Contudo, o fato de ele ressaltar o

trabalho com os gêneros discursivos, nesse âmbito, seria também uma tentativa de didatizar e,

portanto, controlar os saberes linguísticos e literários. Além disso, é preciso considerar que a

abordagem a partir dos gêneros é corrente no ensino não só de língua materna, mas também

de segundas línguas. Percebemos, por exemplo, nas OCEM (2006) de Línguas Estrangeiras,

uma proposta de desenvolvimento de atividades com textos multimodais a partir da

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exploração de gêneros que se constituem na junção de escrita e fala, tal como o blog. A

discussão a respeito do trabalho realizado a partir dos gêneros nas aulas de Espanhol, desse

modo, implica que, embora o docente assuma um posicionamento crítico em relação ao

“positivismo”, é possível perceber que ele também reflete, em determinados momentos de sua

fala, a identidade do professor de instituto tecnológico, marcado pela hegemonia da FD

cientificista. Isso se percebe mais claramente no seguinte trecho, em que o entrevistado relata

uma experiência com textos literários em sala de aula:

Marcos: (...) né:: então eram era::m basicamente oito ou nove possibilidades de

autores (.) e contos (.) desses desses autores mas contos extensos não eram (.)

micronarrativas então (.) eram contos de mais ou menos quatro páginas até:: (.)

alguns por exemplo do Julio Cortázar que se- que não era::m (.) tranquilos pr'um

aluno de segundo ano o aluno que:: (.) eh não tá no nível avançado mas era↑ (.)

proposital né (.) eh:: então (.) o trabalho inicial era a partir desses contos mas assim

claro que o:: segundo bimestre era (.) eh contos em alguns gêneros (.) quer dizer

narrativa em alguns gêneros conto fábula lenda (.) mas eles já tinham lido no

primeiro bimestre no finalzinho (.) um pouco de conto de fa::das né que

possibilitaria aí fazer a ponte com um texto maior (...)

É importante explicitar nessa citação a ideia de evolução dos conteúdos na medida em

que o trabalho do professor com textos literários parte de textos menores que funcionam como

“ponte” para os textos maiores. Nesse sentido, tem-se o controle em torno do conhecimento,

que precisaria ser organizado e didatizado.

Com isso, ressaltamos que a concepção de Marcos acerca da escola se dá a partir da

tensão entre o controle e o não controle. Ademais, o professor considera que o trabalho

docente é influenciado e cerceado por diferentes agentes, como é possível perceber no

fragmento a seguir:

Marcos: (...) tem relatos de estagiários que já passaram por aqui↓ (.) que vão que que

acabam indo (.) eh pra outro contexto de trabalho ou pra outras experiências e aí

ficam um pouco:: (.) eh tristes ou tendo uma visão novamente pessimista do ensino

porque↑ (.) tais questões que são aplicadas aqui mais um vez eu tenho a sorte (.) de

ter autonomia e também alunos muito bons (.) eh então alunos que vão estagiários

que foram estagiários que vão pra outro con- outros contextos e não têm (.)

autonomia no seu trabalho pra propor pra cria::r (.) ficam presos a um cronograma

ou talvez os alunos não respondem (.) ou não correspondem (.) àquelas expectativas

iniciais mas é como eu falei é uma questão de:: (.) testagem (.) né testagem pra

pensar novas estratégias cla::ro (.) que depende també::m né de gestã::o de

coordenaçã::o que são fatores (.) outras comunidades (.) eh que acabam

influenciando a comunidade docente a comunidade do nosso trabalho (...)

Podemos observar, no trecho em destaque, a atualização de textos regularmente

produzidos na interação do entrevistado com outros sujeitos (DAHER et al., 2004), mais

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especificamente os licenciandos que recebe e orienta. É possível recuperar essa “massa de

textos” a partir das marcas do discurso relatado presentes no fragmento destacado (“tem

relatos de estagiários”), além dos dêiticos (“que já passaram por aqui↓”), que “organizam as

relações espaciais e temporais em torno do ‘sujeito’ tomado como ponto de referência”

(BENVENISTE, 1976, p. 288).

É interessante ressaltar ainda que o descontrole do conhecimento, na fala de Marcos,

se dá por meio da “testagem” (experimentação) e da interdisciplinaridade, uma vez que o

trabalho com a língua estrangeira permite uma articulação entre língua, literatura e cultura, tal

como vimos no primeiro fragmento destacado.

Se a escola, na visão de Marcos, é o espaço do saber pouco controlado, a universidade

é, em contrapartida, o espaço do conhecimento controlado, como é possível observar no

trecho a seguir:

Marcos: (...) eu eu tenho uma eu eu venho de uma formação em literatura (.) eu

venho de uma de uma universidade de uma formação que acredita sim que os

conhecimentos estão em caixinhas↓ (.) que quem pesquisa da área de literatura não

pode se interessar por questões de língua (.) ou quem é de língua também não pode

se interessar por questões de literatura↓ (.) então eu venho de uma formação↑ (.) que

pensa assim (...)

Note-se que Marcos personifica a entidade “universidade”, que funciona como sujeito

do verbo “acredita”, configurando assim uma tentativa de indeterminar aqueles que creem

“que os conhecimentos estão em caixinhas↓” e provocando um efeito de sentido de

totalização, como se o âmbito acadêmico não fosse composto por um grupo heterogêneo de

indivíduos. Além disso, podemos perceber que o professor advoga pelo continuum

língua/literatura, embora silencie questões literárias específicas, uma vez que o docente

relaciona a literatura a outros campos do saber, como por exemplo a sociologia, a filosofia e a

história (tal como se percebe no primeiro fragmento analisado), mas não explicita de que

modo a literatura se configura como uma área do conhecimento autônoma. Isso, de certo

modo, implica um silenciamento das tensões entre a literatura e outras esferas discursivas,

bem como das disputas entre os sujeitos nos diferentes contextos acadêmicos, tal como se

percebe na seguinte citação, na qual o professor fala a respeito de sua pesquisa de pós-

doutorado:

Marcos: (...) e aí eu acabei pesquisa::ndo as licenciaturas em espanhol que que que

nascem nessa rede profissional de educação tecnológica (.) que são ainda:: (.) elas

nasceram em 2006 eu acabei (.) fazendo a pesquisa de do- de dois mil e doze a dois

mil e tre::ze (.) mas ainda são muito apagadas ou não são bem (.) reconhecidas pela

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academia tradicional (.) e são cursos excelentes com projetos inovado::res que os

alunos vão pra sala de aula desde o primeiro mome::nto (.) com professores

engajados e tudo então ela elas são apagadas (.) né por conta de uma academia

tradicional (.) que não reconhece (.) esses saberes, essa vivência essa experiência e

isso me incomodava↓ (...)

Podemos observar que o entrevistado, além de personificar e totalizar novamente a

academia, utiliza a voz passiva duas vezes ao se referir às licenciaturas das redes de educação

tecnológica, opondo, num certo movimento de vitimização, tais licenciaturas à “academia

tradicional”. Note-se, por fim, a ênfase de volume realizada na preposição “pela”, que indica

o agente da passiva (a academia tradicional, responsável, na visão de Marcos, por apagar as

licenciaturas em questão) e a própria forma passiva “apagadas”, que endossa a concepção do

professor em torno das relações desiguais de poder em relação aos diferentes contextos de

formação docente.

Passemos para a análise da entrevista do professor da Educação Básica com formação

em nível de pós-graduação na área de estudos linguísticos (doravante Eduardo). Ao ser

questionado a respeito da articulação entre língua e literatura em sua prática docente, o

professor afirma:

Eduardo: (...) o meu trabalho (.) com os alunos certamente tem uma uma

aproximação que é mais linguística que literária devido à minha formação (.) né (.)

então a minha formaçã::o posterior à primeira né (.) ela é é uma formação em

estudos linguísticos (.) então o o o meu trabalho (.) quando a quando de junção

desses dois elementos (.) não é porque eu eu por exemplo traba- eh a eu interpreto

literariamente (.) não mas é porque eu esco::lho um texto literário e talvez com ele

eu abor- nele eu aborde questões (.) que são de natureza (.) eu não diria linguísticas

mas que são de natureza discursiva [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: é é claro que de repente uma uma mesma (.) então sei lá se a gente for

houve um determinado momento em que a gente ficou interpretando as

METÁFORAS produzidas num determinado texto literário (.) metáfora é u::m é

u::m conceito que pode ser entendido tanto (.) a por uma literatura linguística quanto

por uma literatura:: literária (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: eh e eu acho que se eu ( ) se eu tivesse que analisar (.) a minha aula sobre

metáfora (.) ela deve ter sido muito mais uma interpretação de metáforas (.) pelo

viés... a dos estudos linguísticos

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [do que] pelo viés dos estudos literários (.) né (.) eh então eu não sei eu

acho que tal- essa minha junção se deve talvez pela esco::lha de alguns textos

literários (.) mas se::m se::m porque eu não não sei fazer isso né (.) se::m trabalha::r

(.) eh o que talvez um professor que tem uma formação (.) teórica (.) né em literatura

(.) faria né

A partir do trecho destacado, percebe-se que Eduardo mantém, de certo modo, a

dicotomia entre língua e literatura na medida em que desconsidera que o campo do discurso

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também se relaciona aos estudos literários. O professor, no final do fragmento em destaque,

afirma que “eu não não sei fazer isso”, o que se configura como uma atitude responsiva

(BAKHTIN, 2003) a uma voz de cobrança que exige que ele trabalhe “literariamente” os

textos literários nas aulas de Espanhol. Note-se que, apesar de Eduardo reconhecer a literatura

como uma área do conhecimento, a esfera literária constitui-se, em sua fala, como o espaço do

não saber. Isso é reforçado pela hesitação no dizer do entrevistado (“se::m se::m porque eu

não não sei fazer isso né (.) se::m trabalha::r”), marcada pelo alongamento das vogais e pelas

negações. Podemos observar, ainda, a tensão entre as FD cientificista e não cientificista, o que

se revela na maneira como o professor liga linguística e Análise do Discurso, embora negue o

campo literário.

Ao ser questionado a respeito de sua percepção acerca do diálogo que os currículos de

licenciatura em Letras Espanhol estabelecem entre as perspectivas teóricas e a prática

docente, o entrevistado afirma:

Eduardo: (...) eh eu acho que eu não tive formação teórica (.) na:: minha formação

como professor de espanhol (.) eu acho que:: eh (.) a minha graduação (.) ela

teoricamente eu devo (.) a::o que eu tive em língua portuguesa e porque eu tive:: a

grande sorte de ter sido bolsista de iniciação científica (.) né então (.) o que eu

aprendi teoricamente sobre (.) a... e aí que eu vou falar do que me interessa mais né

hh sobre (.) eh sei lá (.) eh sobre escolas linguí::sticas sobre co- modelos de análise

linguí::stica (.) sobre enfim entre outras coisas (.) eh eu não aprendi na formação em

espanhol (.) as aulas de espanhol não evidenciavam isso (.) talvez em u::m semestre

eu percebi isso eu não vou dizer aqui o nome da professora (.) porque acho não acho

legal (.) né mas se- talvez em u::m semestre (.) eu perceba assim bom o que ela me

dá (.) o que ela me dá de aula (.) é fruto do trabalho dela como pesquisadora é fruto

do trabalho dela como (.) algué::m que tem uma bagage::m de formação teórica↓ (.)

nas outras aulas eu achava que (.) eh não tinha eu não eu talvez tivesse mas eu não

consegui ver (.) ali como aluno (.) eh que ali um uma uma (.) um um um ar teórico

(.) fazia aparecer pareciam aulas (.) eh que talvez o::s meus alunos aqui têm (.)

pareciam aulas em que ( ) ah o que eu tô fazendo aqui é aprender a falar em

espanhol aprender a escrever em espanhol (.) né (...)

No trecho destacado, Eduardo traz à tona suas impressões em torno de sua formação

inicial, ressaltando o trabalho de aquisição da língua estrangeira realizado pelos professores

formadores. Tal discussão é igualmente levantada por Fanjul (2014), que denuncia a recusa

das metalinguagens na formação inicial em línguas estrangeiras, como se coubesse aos cursos

de Letras Espanhol apenas o papel de “ensinar a língua” e as metodologias para seu ensino na

Educação Básica.

No fragmento destacado a seguir, Eduardo explicita seu ponto de vista a respeito de tal

aspecto em relação aos cursos de Letras Espanhol:

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Eduardo: (...) mas as aulas de formaçã::o por exemplo as aulas de um dois três qua-

nã nã nã (.) elas me parecem que continuam ainda (.) com aquilo de assim (.) ali é

pra aprende::r espanhol né ali é pra aprender a ºfalar a ler escreverº

Elíria: ãh-hã

Eduardo: e eu acho eu acho muito ruim (.) isso (.) eu acho que a gente se torna

especialista muito tarde (.) eu acho

Elíria: [ºsimº]

Eduardo: [que] a gente tem condições de falar teoricamente sobre o que a gente faz

(.) depois que você já termino::u o mestrado (.) sabe (.) ou então quando você tá

fazendo o mestrado (.) e eu acho ruim (.) né eu acho muito ruim (.) eh:: porque

enfim nem todo mundo faz mestrado↓ (.) né nem todo mundo po::de fazer mestrado

nem todo mundo (.) tem condições nem todo mundo tem dinhe::iro pra fazer mes-

você ganha bolsa mas você precisa de dinheiro pra participar de congresso e a bolsa

(.) não dá (.) né (.) não dá pra pagar isso tudo (.) e aí eu acho que a gente precisaria

se::r a gente precisaria ser especialista (.) lá (.) depois que:: depois que saiu da

graduação ah agora eu sei fala::r (.) sobre isso:: eh se alguém me perguntar (.) se

alguém quiser saber alguma coisa né (.) eh diferente daquilo que o meu irmão diria

(.) eu tenho condições de de falar sobre isso (...)

Note-se que o professor se posiciona contra o caráter de aquisição linguística que

atravessa as disciplinas que compõem a formação em língua estrangeira nos cursos de

graduação em Letras Espanhol devido à falta de espaço que se dá à reflexão teórica em torno

do funcionamento linguístico e discursivo. Em sua avaliação do contexto formativo que ele

vivenciou, Eduardo, apesar de reconhecer que “nem todo mundo po::de fazer mestrado”,

entende essa continuidade dos estudos como fundamental, pois sua abordagem dos textos

literários em sala de aula é, por exemplo, predominantemente linguística/discursiva devido à

sua formação posterior à inicial. Além disso, o docente, de certo modo, ratifica a separação

dicotômica das áreas ao afirmar que um professor com formação continuada em estudos

literários abordaria os textos de literatura de uma maneira diferente, reforçando assim a cisão

entre língua e literatura. Nesse sentido, o docente atribui à formação continuada, no âmbito da

pós-graduação, a responsabilidade pelo tipo de trabalho a ser realizado na Educação Básica.

Em outro momento da entrevista, Eduardo fala sobre sua prática didática em diferentes

disciplinas escolares:

Eduardo: (...) mas eu eu eh eu sempre dei aula de tudo sempre dei aula de

portuguê::s de:: de literatu::ra de:: espanho::l né (.) eh:: e até hoje (.) não mais de

literatura mas de português e de espanhol até hoje:: aqui na escola:: de vez em

quando eu preciso (.) eu tenho que:: e gosto (.) muito de dar aula de português (.) né

(...)

Podemos observar que, mesmo sempre dando “aula de tudo”, Eduardo, no início da

entrevista, afirma não saber trabalhar “literariamente” um texto literário. Além disso, o

professor mantém a dicotomia entre língua e literatura não apenas em relação à língua

estrangeira, mas também em relação à língua materna, como se dar aula de português não

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implicasse também trabalhar conhecimentos literários. Um indício disso é o fato de o

professor afirmar que hoje dá aula de português mas não mais de literatura, ratificando, dessa

maneira, a separação dessas disciplinas no currículo escolar.

É importante ressaltar, no entanto, que Eduardo, apesar de reproduzir certas

dicotomias, entende a sua prática docente também como processo de subjetivação e diálogo

com a alteridade, o que é possível perceber a partir da experiência relatada pelo professor ao

ser questionado a respeito de algum trabalho realizado em sala de aula que tenha contribuído

para uma relação mais produtiva dos alunos com a linguagem:

Eduardo: eh:: e isso já tem e a gente então ficou conversando sobre (.) eh a a

importância e a simbologia que tem esse te- pode ser que ninguém leia a

constituição mas se alguém um dia se interessar (.) ele tem um retrato (.) eh do de do

Equador de 2008 e:: do Brasil lá da década de 80 (.) então a gente ficou conversando

como é que seria hoje (.) uma constituição brasileira se a gente manteri::a por

exemplo as mesmas escolhas linguí::sticas (.) tem um outro dado linguístico que é

(.) eh o:: o:: (.) eh o:: no texto do Equador (.) a:: a:: (.) começa da seguinte maneira

(.) nosotras (.) y nosotros (.) el pueblo ecuato- el pueblo de Ecuador (.) a e aí a gente

conversou então sobre como há um há um há um apelo feminista também né assim

não só de diferenciar mas de começa::r com (.) o pronome a feminino (.) an-antes do

pronome masculino então a gente foi escolhen- vendo e e de que forma isso (.) eh (.)

eh reconfigura o que é um texto constituicional (.) né

Elíria: ãh-hã (.) e os alunos se [envolve::ram nesse trabalho]

Eduardo: [e aí assim] essa era uma turma muito:: de uma for- de uma forma gera::l

eh os alunos que participavam participam participavam me::smo [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: não é toda a turma que participava dos debates (.) mas a os poucos que

participavam não participava::m (.) burocraticamente então (.) coloca::vam

colocavam achavam que era uma babo- uma bobagem esse negócio de nosotras e

noso::tros (.) e a gente começou a conversar sobre como que hoje (.) fi- da saímos

do nosotras e saímos da constituição e a gente começou a conversar como é que (.)

as pessoas hoje (.) eh:: expressam essa luta feminista no nas palavras então ( ) do

arro::ba (.) do:: famoso xis (...)

Se por um lado Eduardo vê a Universidade e a formação feita por ela como o espaço

em que o conhecimento é fronteirizado e, dessa forma, controlado, por outro podemos

observar que o entrevistado, no fragmento em destaque, considera a escola como o espaço do

conhecimento não controlado, uma vez que as aulas de língua estrangeira se pautam, segundo

o professor, em “conversas” e “debates”. Note-se, além disso, que o trecho destacado atualiza

interações prévias ao momento da entrevista (DAHER et al., 2004), tendo como interactantes

o docente e seus alunos da Educação Básica. A fala de Eduardo, portanto, revela uma “massa

de textos” regularmente produzidos a partir da interação do professor com outros sujeitos.

É interessante ressaltar ainda que, de acordo com Eduardo, a ideia que embasou a

experiência relatada surgiu em uma aula que o docente teve em seu curso de doutorado.

Podemos perceber, portanto, que o entrevistado estabelece não só uma relação entre a

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pesquisa discursiva e a sua prática como professor de língua estrangeira, mas também entre o

seu fazer como pesquisador e a sua vida privada. No final da entrevista, Eduardo aborda mais

a fundo tal questão:

Eduardo: (...) então como a minha pesquisa é sobre um dado (.) que me informa (.)

né (.) ela não ela sempre aparece no meu no meu trabalho (.) né (.) porque eu não

deixo de me informar (.) ali [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: eu não dei- eu eu eu fico tentando ao máximo (.) eh me distancia::r da do

da figura profissiona::l que nã- que separa o profissional e o pessoa::l (.) né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh:: (.) mesmo que eu quisesse isso não não não poderia mas eu poderia (.)

né poderia ser a minha intenção (.) dife- distanciar esses dois (.) papéis (.) né (.) eu

me coloco exatamente o:: o desafio contrário (.) que é de tentar aproximar (.) né

Nesse momento, configura-se, na fala de Eduardo, um ethos profissional que não se

distancia da vida particular do entrevistado, o que indicia que sua fala está atravessada por

uma FD predominantemente não cientificista, embora haja uma tensão entre esta FD e a FD

cientificista. Tal tensão se dá, por exemplo, na medida em que o professor enfatiza o âmbito

da pós-graduação como um espaço de delimitação teórico-metodológica das abordagens,

delimitação esta que, na visão do entrevistado, deveria ser reproduzida no trabalho com os

textos, literários ou não, na Educação Básica. O docente parece desconsiderar, no entanto, a

possibilidade de o próprio texto suscitar questões específicas que independem de abordagens

fixas e pré-estabelecidas.

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7 ENTREVISTAS COM OS LICENCIANDOS: ESPAÇOS DE PRESCRIÇÃO E

PENSAMENTO (IN)ORGÂNICO

Analisaremos inicialmente, neste capítulo, a entrevista com a licencianda que se

aproximou mais a projetos – tais como iniciação científica e outros trabalhos realizados na

universidade – desenvolvidos na área de literatura (doravante Paula) em sua formação. Ao ser

questionada a respeito do modo como articula os conceitos teóricos trabalhados na graduação

à sua prática docente23, ela afirma:

Paula: (...) uma coisa que eu sempre gostei de trabalha::r na aula (.) que não é muito

contemplado no livro (.) eh também não dá pra usar só o livro porque usando só o

livro fica uma coisa muito reduzida (.) o livro é muito direto muito:: específico (.) e

às vezes traz uns assuntos que parece que surgem do nada assim umas coisas que (.)

são meio descontextualizadas (.) mas (.) por e- eu sempre gostei de trabalhar alguma

coisa de texto literário por exemplo↓ (...)

Podemos perceber, no trecho em questão, que a licencianda advoga pelo continuum

entre língua e literatura, o que indicia uma não prevalência da formação discursiva

cientificista em sua fala.

A licencianda, além disso, qualifica a universidade como o espaço do saber teórico que

não se reduziria inclusive ao âmbito do conhecimento controlado, mas que, por não enfatizar

a reflexão sobre o campo das práticas, deixa de desconstruir os modos prescritivos de ensino,

tal como podemos observar no trecho destacado abaixo:

Paula: (...) eh tem umas coisas que a gente aprendeu (.) que a gente aprendeu só de

forma teórica assim a gente não aprendeu como como eh eh (.) eh:: (.) focalizar isso

com o alu::no de uma maneira que não seja só assim (.) né prescritiva tipo ah você

tem que fazer assim e não assado e tal↓ (.) e aí foram coisas que eu fui pegando... na

vida assim eu fui pesquisa::ndo e fui vendo algumas estraté::gias (…)

Note-se que na fala da entrevistada a universidade é considerada como o lugar do

saber não controlado, contudo, o próprio contexto acadêmico pode dar lugar à prescrição em

outros espaços educacionais, como a escola, justamente por ratificar a dicotomia entre teoria e

prática. Ademais, a questão da experiência abordada pela licencianda nos permite

problematizar a mencionada dicotomia, tendo em vista que, por um lado, poderíamos assumir

que é na prática que o próprio sujeito faz a ligação com a teoria, mas, por outro, isso

funcionaria como uma estratégia para suprir uma carência.

23 É importante ressaltar que a entrevistada, antes mesmo de terminar a licenciatura, já atuava como docente

na Educação Básica, em cursos livres e em outros espaços educacionais, tal como mencionado no capítulo 2.

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Vejamos no fragmento a seguir que, apesar de posicionar-se contra a prescrição, a

entrevistada trabalha com textos literários a partir de certas fórmulas didáticas, que, por sua

vez, podem funcionar como um tipo de normatividade:

Paula: (…) é porque assim (.) eu não sei eu divido eu faço a divisão em pré-textual

textual e pós-textual (.) a gente viu aí algumas outras divisões de (.) sei lá motivação

introdução e não sei mais o quê mas eu ( ) eu penso mais como pré (.) textual e pós-

textual (.) eh nas atividades pré-textuais (.) eu normalmente eu faço essa eu acho que

tá incluído a questão da motivação aí (…)

No trecho em destaque, podemos observar que a licencianda orienta seu trabalho com

os textos literários a partir de uma divisão denominada por ela como “pré-textual”, “textual” e

“pós-textual”, o que se configura, de certa forma, como um modelo pedagógico controlado

que advém dos estudos cognitivistas. Ao ser questionada acerca do modo específico como

trabalha os textos de Literatura, a entrevistada afirma:

Paula: (...) com esses textos literários eu procuro não fazer atividade de com-

preencher lacu::na (.) esse tipo de coisa eu procuro fazer outro tipo de atividade por

exemplo (.) eh quando a gente trabalha:: (.) questão de:: (.) de catáfora né ou de

anáfora (.) eh eh (.) com os alunos ah esse pronome aqui:: (.) eh esse pronome eu

nem ( ) às vezes eu tento fazer estilo prova sem coloca::r exatamente a nomenclatura

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [e às vezes] eu coloco a nomenclatura depende (.) coloco assim ah tal termo

ou este pronome se refere a a que:: (.) outra:: passagem já:: eh eh outra passagem do

texto

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [e aí eles] vão ver se é antes se é depois o que que (.) aí a gente trabalha essa

questão (.) eh (.) também trabalha com outras questões gramaticais que não seja isso

de preencher lacuna mas às vezes é com relação a verbo por exemplo (.) em relação

a aspecto verbal que eu acho um negócio difícil pra caramba

Elíria: hh

Paula: mas eu tento:: abordar de algum forma (.) e::... porque a gente tem essa coisa

assim o os alunos ficam com esse negócio dos verbos eles têm dificuldade com as

conjugações então assim ficar o tempo todo só mandando conjugar verbo é chato (.)

é uma coisa que acaba e não só chato eu acho que não é produtivo (.) eu acho que (.)

eu (.) tem que ter a parte estrutural sim↓ (.) mas só a parte estrutural não dá (...)

Note-se que a entrevistada adota visões linguísticas para trabalhar a linguagem,

mantendo assim um diálogo responsivo com a FD cientificista. A fala de Paula, além disso, é

perpassada pela tensão entre o trabalho com a linguagem e a normatividade, o que é

evidenciado a partir da hesitação da licencianda (“mas eu tento:: abordar de algum forma (.)

e::...”). Tal hesitação indicia a rejeição de Paula em torno do normativo, embora ela afirme

que “tem que ter a parte estrutural sim↓”, o que se liga, de certo modo, à concepção da escola

como o espaço do conhecimento controlado. É possível perceber esse aspecto mais

claramente no trecho a seguir:

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Paula: (...) eu acho que algumas coisas (.) eh:: (.) que a gente viu aqui... porque

assim também eu acho que foi pro outro lado né gen- eu eu a gente do currículo

antigo (.) então (.) eh (.) no no 1 (.) né no português 1 me lembro bem (.) que ficou

aquela coisa de diferenciar sistema norma e fa::la (.) e aí já começaram alguns

conceitos linguísticos que já (.) de::ram pra gente um direcionamento bom então (.)

pera aí (.) nã::- não é bem isso o que a gente vai fazer aqui (.) e:: aí (.) em em (.) port

2 que eu me lembro muito bem era morfologia... era um negócio assim de louco tipo

assim

Elíria: hh

Paula: vamo desconstruir tu::do o que você conhece até hoje sobre morfologia e a

gente vai discutir a visão de (.) 10 pessoas diferentes (.) são dez visões diferentes

Elíria: hh

Paula: sobre a mesma coisa isso aqui é um morfema ou não é um morfema (.) isso

aqui é é um um (.) um indicador de plural (.) ou não (.) de de singular ou não não sei

o quê e e aí... eu me lembro que eu fiquei meio assim eu fiquei assim cara na boa... (

) o que é que eu como é que eu vou fazer isso entendeu como é que eu vo::u (.) levar

isso pra prática o que que é que eu tenho que adotar pra mim (.) porque se tem mil

pessoas falando sobre (.) mil coisas eu preciso escolher um ponto de vista pra

pode::r direcionar (.) e aí (.) rapidinho a gente entendeu né depois que eu comecei a

trabalhar então (.) que... não (.) não é bem isso aí porque tem uma exigência né você

exigem de você que você ensine determinadas coisas (.) pro aluno (.) porque:: é

assim e assim tem que ser

Podemos observar que, enquanto a universidade é vista pela licencianda como um

espaço plural e dinâmico de produção do conhecimento, a escola e outros espaços

educacionais, por outro lado, são concebidos como o lugar de controle sobre o saber, na

medida em que existem “exigências”/prescrições que coagem o profissional em seu espaço de

trabalho. Note-se ainda, na penúltima linha do fragmento em destaque, a indeterminação do

agente do verbo “exigir”, que é atribuído a uma terceira pessoa do plural. Tal indeterminação

se liga a uma memória das práticas e um indício de tensões que atravessam o fazer docente,

funcionando como uma estratégia de despersonalização do discurso (GARCÍA NEGRONI,

2008), o que permite a omissão dos sujeitos responsáveis por ditar o que “deve” ser ensinado.

Além disso, a forma “você” também despersonaliza o discurso por indicar impessoalidade,

uma vez que se refere a “qualquer um”.

No trecho destacado a seguir, Paula corrobora sua percepção em torno do espaço

escolar, deixando ver que os alunos da Educação Básica também têm um imaginário acerca

do que seria preciso ensinar:

Paula: (...) eu também fazia isso de:: de fazia tipo uma uma motivaçãozinha às vezes

eu trazia algu::m uma cha::rge (.) ou então (.) u::m... sei lá uma ima::gem (.) e a

gente discutia essa ima::gem e tal e tal ou então às vezes um parágrafo pequini::nho

(.) e:: a partir daquilo ali:: e do tema pedia pra eles escreverem uma crônica (.) sei lá

(.) aí eles (falavam) assim ué professora (.) ma::s (.) você não disse que ia pa- você

você (.) não vai passar redação não eu falava assim gente... redação é uma coisa

assim abstrata e ampla uma uma crônica pode ser u- uma redação (.) (falei) assim

eles dissociam eles acham que são coisas diferentes (.) eles acham que assim

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redação (.) é redação (.) uma crônica um conto nã- não pode eu não posso pedir pra

eles fazerem isso porque isso aí é coisa que eles não fazem eles fazem redação (...)

Note-se que, no fragmento em destaque, as marcas do discurso relatado atualizam uma

“massa de textos” (DAHER et al., 2004) produzidos a partir das interações entre Paula e seus

alunos da Educação Básica, atualizadas no momento da entrevista. Percebemos assim que se

configura, no discurso da licencianda, um ethos (MAINGUENEAU, 2012) na fronteira entre

o professor em formação e o professor em atuação.

Na parte final da entrevista, em que Paula fala a respeito dos pontos negativos do

currículo em que foi formada, podemos observar uma angústia da licencianda por mais

disciplinas:

Paula: (…) a gente tem (.) três literaturas hispano-americana não eh eh (.) um

fundam né (.) e duas hispano-americanas meu Deus a América Latina é eno::rme

Elíria: hh

Paula: os períodos são (.) mú::ltiplos assim muita coisa e você vê em dois↑...

semestres... entendeu é uma coisa assim aí em teoria é pra ser um de prosa um de

poesia como assim

Elíria: hh

Paula: você vai aba- abarcar um período de tempo tão grande e uma quantidade de

terri- eh uma quantidade territorial de produção (.) tão grande (.) em dois semestres

hh (…)

É interessante ressaltar que a entrevistada parte do discurso da falta e de um desejo por

um currículo mais organizado. Na citação, por exemplo, denuncia-se o espaço reduzido que

determinadas disciplinas têm na formação em literaturas estrangeiras, o que implica, no

âmbito do não dito, a probabilidade de se privilegiar os textos canônicos em detrimento dos

demais textos. Isso, de certo modo, assinala que tanto na FD cientificista quanto na não

cientificista existem espaços de prescrição e controle. Dessa maneira, predomina na fala de

Paula a FD não cientificista, embora responsivamente haja um diálogo com a FD cientificista,

e/ou dizeres que advêm da pressão por atitudes normativas na prática docente.

Passemos para a análise da entrevista com o licenciando que se aproximou mais a

projetos desenvolvidos na área de língua (doravante Daniel) em sua formação. Ao ser

questionado a respeito da articulação entre os conceitos teóricos trabalhados na licenciatura e

sua prática docente24, ele afirma:

24 Durante a licenciatura, o entrevistado atuou como docente em cursos preparatórios e em outros espaços

educacionais, tal como mencionado no capítulo 2.

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Daniel: (…) quer dizer (.) não há crime maio::r (.) do que você fazer com que o

aluno se sinta (.) um estrangeiro na sua própria língua↓ (.) né (.) o aluno ele precisa

se inserir se engajar (.) subjetivamente (.) na sua língua no espaço público de uso da

linguagem que é a própria sala de aula (.) e dentro daqueles conteúdos que o

professor tá trabalhando (.) então... por aí (.) toda a minha prática (.) é guiada (.) a

tornar o aluno (.) primeiro (.) consciente da sua fala consciente do seu vernáculo (.)

mais importante do que saber (.) eh a posição sintática do sujeito (.) é que ele

enxergue (.) que ele é um sujeito (.) do discurso (.) né (.) e não é um sujeito puro (.)

né é um sujeito atravessado por outros discursos (.) né (.) e que (.) esses discursos

eles (.) legitimam ou deslegitimam uma série de representações (.) e é CLARO que

toda atividade discursivo-enunciativa ela tá calcada na materialidade da língua (.)

então você também pode aprovei- apro- se aproveitar de materiais... eh:: reais vivos

de uso linguístico (.) né (.) pra você trabalhar (.) eh:: quais são as estratégias

linguísticas pra criar por exemplo determinados efeitos de sentido (.) ou usos

retó::ricos (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Daniel: então o que eu posso dizer pra você Elíria (.) eh (.) em síntese (.) é que a

visão de lín- é que o professor precisa ter uma visão de língua e a visão de língua

com a qual eu trabalho (.) é uma perspectiva de que a língua se dá na sociointeração

(.) ela também é uma atividade cognitiva (.) e que (.) ela também é uma instâ::ncia

de subjetividade na medida em que o aluno precisa se sentir sujeito da linguagem... e

precisa se sentir um explorado::r dessa linguagem e não um sujei- e não (.) um

sujeito assujeitado oprimido por um conjunto de regras (.) eh de um padrão que

inexiste (.) eh:: ou então eh uma aula que (.) que transborda regras fossilizadas então

a língua não tem (.) a língua linguagem (.) não tem nenhum sentido (.) porque ela

não está vinculada à vida (.) ºnéº (.) então eu sempre tento articular... linguagem e

vida (.) vamos dizer assim

O trecho em destaque indicia uma defesa de Daniel em torno da produtividade do

pensamento plural, na medida em que o entrevistado compõe a fala do “eu” com fragmentos

de enunciados que partem de diferentes lugares teóricos. Podemos perceber, além disso, que o

licenciando posiciona-se contra o controle exercido na Educação Básica em torno da língua, o

que se liga à concepção da escola como o espaço do conhecimento controlado, em que a

linguagem é desvinculada das experiências de vida dos sujeitos. Tal posicionamento é

reforçado pela ênfase de volume nos vocábulos “público”, “sujeito” (do discurso, e não de

uma sentença descontextualizada) e “vivos”.

No que diz respeito à relação com o conhecimento na universidade, podemos perceber,

no fragmento destacado abaixo, o desejo de Daniel pelo saber organizado no contexto

acadêmico, que se vincula, na fala do licenciando, a uma preocupação pedagógica:

Daniel: (...) eu acho que são aulas... bagunçadas descontextualizadas e que também

bagun- bagunçam a cabeça do graduando... então com relação↑ (.) à disciplina de

espanhol e das literaturas (.) na minha opinião (.) não há preocupação... do docente

de ensino superior em articular (.) o tecido literário (.) com a prática docente que

virá... após a formação (.) ou que já inclusive já faz parte da vida da formação (.) que

é da da que já faz parte da vida do aluno (.) do estudante do graduando (.) porque o

professor ele não se dá conta de que ele leciona também pra professores... né

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Note-se, no trecho em destaque, que Daniel advoga por uma organização mais intensa

dos cursos que fazem parte da formação em língua estrangeira da universidade em questão. O

licenciando, no entanto, pelo ato falho25, menciona apenas os saberes literários (“tecido

literário”), esquecendo-se dos saberes linguísticos que também compõem a licenciatura em

Letras Espanhol. Ainda em relação ao segmento em destaque, note-se como Daniel assume

um ethos docente ao afirmar que “o professor ele não se dá conta de que ele leciona também

pra professores...”.

Ao falar sobre o trabalho que realiza com textos literários nas aulas de língua, Daniel

critica a tradição do ensino de literatura na escola:

Daniel: (...) e::... trabalhar o texto apenas quanto ao aspecto histórico (.) histori-

historiográfico e (.) estrutural (.) né ah esse texto é româ::ntico porque ele tem essas

caracterí::sticas (.) né (.) essa coisa bo::ba (.) e que é feita há tanto tempo (.) ao invés

de trabalhar nesse sentido... eh:: eu busquei dialogar com eles (.) como eh

determinados aspectos do enredo (.) colocavam e::m (.) e::m em proeminência (.)

uma representação por exemplo da figura feminina↓... então (.) a maior a melhor

forma na minha opinião naquele momento tô falando de um de um momento

específico de uma aula que eu dei (.) de por exemplo pensar (.) a PEGADA

naturalista (.) ou a pegada (.) romântica (.) ou a pegada barroca (.) o que também já

seria incorrer... de alguma forma (.) na historiografia (.) mas já mas já bem distante

dela (.) né (.) eh::... seria por exemplo (.) eh (.) criar um eixo temático né (...)

Note-se como o licenciando se distancia dos aspectos historiográfico e estrutural do

ensino de literatura, os quais são ironizados em sua fala, uma vez que Daniel traz para seu

dizer enunciados atribuídos ironicamente à tradição de ensino de literatura. Em contraposição

a isso, o entrevistado valoriza uma experiência sua realizada a partir da criação de eixos

temáticos que orientaram seu trabalho com os textos literários.

Embora o licenciando valorize a pluralidade e a polimorfia do saber no espaço

universitário, sua entrevista nos leva a vislumbrar uma oposição entre as noções de

‘descontrole’ e desorganização do conhecimento, que se diferenciam na medida em que esta

se relaciona à distribuição descontextualizada e sem conexão entre os conteúdos, enquanto

que aquele se refere aos saberes heterogêneos e múltiplos. No fragmento a seguir, por

exemplo, ele corrobora sua crítica à universidade como um espaço de ensino desorganizado:

Daniel: (…) o que como trabalhar a língua senão liga- (.) ligando-a à vida... e esse

tipo de questionamento não tem espaço na faculdade no sentido de que... você saber

(.) que (.) na oralidade (.) a gente suprime um segmento fônico (.) como o r de

25 Walkiria Helena Grant (2013, p. 13), a partir da leitura de Lacan, afirma que “o ato falho é um ato bem

sucedido à medida que a palavra que carregava uma intenção consciente é curto-circuitada por uma força

inconsciente e apresenta-se como outra. O ato falho é bem sucedido à medida que o ouvinte privilegiado

possa escutar a verdade do que o sujeito queria dizer”.

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infinitivo (.) eu vou cantá pra você... em que medida eu tenho esse fo- essa

informação (.) vai fazer com que eu construa (.) um significado (.) pra pra pra pra

essa informação (.) dentro de uma prática pedagógica↓... então informação ainda não

é conhecimento (.) e esse conhecimento que eu adquiri eu adquiri de forma muito

autônoma

Elíria: ãh-hã

Daniel: por meio das minhas angústias que ainda estão presentes (.) angústias no

sentido inclusive de entrar em atrito com essa inorganicidade do da do pensamento

acadêmico... eh:: (.) porque a teoria linguística (.) ela é extremamente rica (.) e:: (.)

só que↑ (.) eu acho que por uma questão ideoló::gica de políticas de conhecimento

(.) esse s- esse conhecimento (.) fica circunscrito... ele não sai da da da da torre de

marfim (.) então a ciência evoluiu (.) mas parece que (.) a ciência linguística (.) mas

parece que isso não penetra a sociedade (.) e os linguistas são muito pouco

engajados... né (.) então como é que um jornalista vai à TV (.) e desqualifica (.) o

livro didático (.) porque finalmente se tem um livro didático (.) que diz que dizer os

livro tá na mesa pode claro que PODE (.) o que não pode é você dizer o livros tá na

mesa

Percebe-se, no trecho destacado, a rejeição de Daniel em relação ao poder e ao

controle em torno da língua, que não ocorre apenas nos espaços escolares, mas também em

outras instâncias, como por exemplo a midiática e a acadêmica. Podemos observar, além

disso, a “massa de textos” que demonstram a existência de polêmicas e debates prévios ao

momento da entrevista (DAHER et al., 2004), tais como a questão da variação linguística

abordada pelos livros didáticos de língua materna da Educação Básica.

Note-se, ainda, o posicionamento crítico do licenciando no que diz respeito ao trabalho

com a linguagem desvinculado da prática pedagógica e das experiências de vida. Em sua fala,

Daniel atribui a “inorganicidade do pensamento acadêmico” a determinados sujeitos que, por

não se engajarem ideologicamente, deixam de explorar a riqueza da teoria linguística e sua

relação com questões sociais, que deveriam transpor a “torre de marfim”. É possível perceber,

além disso, um eco intertextual com o conceito de intelectual orgânico26, a partir do qual o

entrevistado faz sua crítica à dissociação entre as pesquisas em linguagem e as experiências

concretas no espaço universitário.

No momento final da entrevista, ao ser questionado a respeito dos pontos positivos e

negativos do currículo em que foi formado, o licenciando afirma:

Daniel: (…) então eh (.) como ponto negativo... o excesso de disciplinas (.) sem uma

conexão sem uma conectividade sem um um um um um significado você não conse-

(.) é caótico (.) é um currículo caleidoscópico... eh... uma ausência (.) quase que

absoluta de preocupação pedagógica... né (…)

26 Semeraro (2006, p. 377-378) afirma que o conceito de intelectuais “orgânicos”, postulado por Gramsci, refere-

se aos “intelectuais que fazem parte de um organismo vivo e em expansão. Por isso, estão ao mesmo tempo

conectados ao mundo do trabalho, às organizações políticas e culturais mais avançadas que o seu grupo

social desenvolve para dirigir a sociedade. Ao fazer parte ativa dessa trama, os intelectuais ‘orgânicos’ se

interligam a um projeto global de sociedade e a um tipo de Estado capaz de operar a ‘conformação das

massas no nível de produção’ material e cultural exigido pela classe no poder”.

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Podemos observar que, apesar de construir sua fala a partir de diferentes concepções

de linguagem e de sujeito, Daniel rejeita a formação “caleidoscópica”, relacionando-a à

ausência de preocupação pedagógica e à desorganização do currículo da licenciatura em

Letras Espanhol, desconsiderando, porém, que tal formação poderia propiciar também a

pluralidade do pensamento no contexto acadêmico.

Vimos, portanto, que Daniel advoga pelo continuum língua/literatura, criticando tanto

as tradições de ensino da literatura, que privilegiam o enfoque historiográfico, quanto as

tradições de pesquisa linguística, que, apesar dos avanços científicos, ainda são inorgânicas,

ou seja, dissociadas da experiência de vida. Desse modo, a fala do licenciando é atravessada

por uma FD predominantemente não cientificista, embora tenha sido bolsista de iniciação

científica da área de Linguística Cognitiva durante vários anos, o que o faz estabelecer,

responsivamente (BAKHTIN, 2003), forte diálogo – muitas vezes crítico, inclusive – com

certos pressupostos da FD cientificista.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa proposta, nesta dissertação, foi analisar determinados discursos que circulam

em contextos nos quais se formam os futuros professores de língua espanhola a fim de

perceber possíveis relações entre a formação em língua e em literatura em um curso de

licenciatura em Letras Espanhol de uma universidade pública do Estado do Rio de Janeiro.

Partimos do objetivo, portanto, de verificar em que medida são produzidos movimentos de

diálogo, e/ou de separação, entre as formações linguística e literária oferecidas aos

licenciandos da universidade pesquisada.

Nesse sentido, após apresentar e discutir alguns conceitos que fundamentam as

concepções de sujeito e de linguagem a que nos filiamos, tais como as noções de enunciado,

dialogismo, heterogeneidade enunciativa e formação discursiva, traçamos um breve histórico

da cisão entre os saberes linguísticos e literários, partindo do século XIX e chegando à

contemporaneidade, levando em conta as considerações apontadas por Maingueneau (2012),

Brait (2000) e Fiorin (2008). Vimos como tal cisão liga-se, historicamente, à constituição da

filologia como uma disciplina científica, o que levou filólogos e posteriormente linguistas a se

voltarem para os fatos da língua, desconsiderando de suas análises a produção literária com o

passar do tempo.

Traçado o mencionado histórico da separação entre língua e literatura, abordamos duas

teorias do currículo, as quais julgamos relevantes para a compreensão do espaço curricular

como um campo de forças e disputas. Discutimos, desse modo, a teoria de Gimeno Sacristán

(2000), que se aproxima a uma vertente crítica, ou seja, uma linha filiada aos estudos

marxistas que concebe o espaço curricular como uma arena de lutas entre o discurso das

classes dominantes e o discurso das classes populares, e a teoria pós-crítica de Lopes (2008),

que ressalta o caráter fluido e móvel das relações de poder nos contextos educacionais.

Em termos metodológicos, apresentamos, inicialmente, uma categorização dos textos

referentes às disciplinas de língua espanhola e de literaturas hispânicas na licenciatura em

Letras Espanhol, verificando uma grande quantidade de textos relativos à formação literária e

uma quantidade baixa de textos pertencentes à formação linguística. No que diz respeito aos

cursos de língua espanhola, identificamos uma predominância de textos de análise27, o que

indicia a aposta dos professores responsáveis pela formação em língua no trabalho de

aquisição linguística, em detrimento da formação científica dos licenciandos. Tal formação, a

27 É importante ressaltar que optamos por investigar de modo mais profundo os textos teórico-críticos e não os

de análise, embora consideremos que estes também aportam sentidos para as FD delimitadas nesta pesquisa.

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nosso ver, dá-se de maneira mais significativa em projetos que incentivam a pesquisa na

graduação, tais como a iniciação científica e a iniciação à docência. Além disso, a formação

em língua materna seria igualmente responsável por fomentar a cientificidade na licenciatura

em Espanhol.

Em relação aos cursos de literaturas hispânicas, por outro lado, obtivemos uma

quantidade maior de textos teóricos em comparação à quantidade de textos de análise, ou seja,

os literários, o que se liga ao espaço reduzido que se atribui ao trabalho de letramento literário

na formação em língua estrangeira. Tal fato estaria ligado a uma possível convicção de que os

licenciandos, ao chegarem à universidade, já seriam leitores de literatura, o que poderia

justificar o trabalho mais intenso com os textos teóricos. Sabemos, no entanto, que o leitor de

textos literários tampouco é formado na Educação Básica (tal como foi apontado em diversos

momentos das entrevistas), o que torna a literatura na universidade, de certo modo, o lugar do

vazio.

Ao fazer a comparação entre a seleção dos textos realizada pelos professores

formadores, as ementas dos cursos em questão e as diretrizes que norteiam as reformas da

licenciatura, observamos que se desconsideram as orientações acerca do trabalho com

procedimentos de ensino dos conteúdos específicos de cada disciplina para a Educação

Básica, o que evidencia uma falta de preocupação em torno da formação docente.

Iniciamos a análise propriamente dita com a discussão de quatro dos textos teóricos

categorizados anteriormente. Os textos analisados compõem a bibliografia de cursos

ministrados pelas professoras universitárias entrevistadas, o que nos permite cotejar o

discurso subjacente a esses textos e a falas das docentes formadoras, buscando perceber os

pontos convergentes e divergentes.

No que tange à entrevista da professora de literaturas hispânicas e aos textos

analisados referentes a uma das disciplinas ministradas por ela, percebemos uma defesa em

torno da relação entre a literatura e outros discursos. Em sua fala, por exemplo, a docente

advoga pela inclusão da cultura de massa nos cursos de Letras, afirmando que tal discurso não

anula o literário. Os autores dos textos teóricos, por sua vez, abordam a questão da

confluência entre a literatura e o jornalismo, a partir da qual se dá a crônica, gênero que se

constitui no entrecruzamento de ambas as esferas discursivas. Note-se, assim, que tanto o

dizer da professora quanto os textos selecionados são atravessados pela ideia do continuum

língua/literatura, o que pode estar relacionado, de certo modo, à protagonização do campo

intelectual, ao qual os saberes literários se referem.

Podemos ressaltar o modo como a questão do controle atravessa tanto a fala da

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professora de língua espanhola quanto os textos selecionados por ela como parte da

bibliografia de um dos cursos que ministra. Não à toa, um dos textos utilizados em seu curso

na graduação qualifica a escola como um espaço de controle e interdição da produção

linguística. Com isso, embora desvele questões relacionadas a certas tensões decorrentes de

políticas linguísticas locais, corrobora certa visão tradicional e verticalizada das relações de

poder. A docente entrevistada, por outro lado, caracteriza e ratifica a Educação Básica como o

lugar do conhecimento controlado, na medida em que, segundo ela, é necessário seguir

determinados passos para que se realize um trabalho efetivo com a leitura. Considerando-se a

análise do outro texto selecionado pela professora e alguns momentos da entrevista, podemos

perceber uma aposta na transdisciplinarização do ensino de Espanhol, tendo em vista que a

docente discute a língua em sala de aula a partir de diferentes abordagens, tais como as

políticas linguísticas (eixo comum a ambos os textos teóricos selecionados pela professora) e

os gêneros discursivos.

No que diz respeito à relação língua/literatura, observamos que a entrevistada ratifica,

de certo modo, a dicotomia entre ambos os campos epistemológicos na medida em que parte

da fronteira entre as áreas e advoga pelo controle, inclusive, em torno dos saberes literários.

Em relação à entrevista com os docentes atuantes na Educação Básica, vimos que

tanto a fala do professor com formação em língua quanto a do professor com formação em

literatura é atravessada por determinados pressupostos que dialogam com a formação

discursiva cientificista, tais como a projeção da identidade e do ethos de professor de instituto

tecnológico (como é possível observar no dizer do docente formado em literatura) e a

separação sistemática das abordagens metodológicas no tratamento dos diversos textos que

circulam na sociedade (como pode-se perceber na fala do professor formado em língua).

Observamos, na fala do professor com formação literária, uma defesa em torno do

continuum língua/literatura, embora o docente silencie as questões literárias específicas. Além

disso, percebe-se que ele reflete, em certos momentos da entrevista, a identidade do professor

de instituto tecnológico – pela ênfase no trabalho realizado a partir dos gêneros e pela

organização dos saberes de acordo com a “evolução de conteúdos” –, no qual predominam

pressupostos da FD cientificista, apesar de o docente posicionar-se contra o positivismo.

Já o docente com formação linguística reproduz a dicotomia entre língua e literatura,

uma vez que situa o campo literário num lugar, para ele, do não saber, embora reconheça a

esfera literária como uma área do conhecimento. Observa-se ainda em sua fala uma tensão

entre as FD, na medida em que o entrevistado advoga por uma delimitação teórico-

metodológica das diferentes abordagens com as quais é possível trabalhar no ensino básico.

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É interessante ressaltar, além disso, que, se por um lado a fala das professoras

formadoras indicia uma concepção da escola como um lugar do conhecimento controlado, o

dizer dos professores que atuam no ensino médio, por outro, corrobora uma noção do

contexto escolar como um espaço em que o saber é múltiplo e heterogênero. Tal diferença

indica, de certa forma, que quem vivencia o campo em questão o considera como um âmbito

que propicia o não controle, enquanto que o olhar externo, como o das docentes universitárias,

seria uma visão redutora que generalizaria a realidade multifacetada e complexa da Educação

Básica.

Em relação às formações discursivas delimitadas nesta pesquisa, salientamos, uma vez

mais, que a concepção de FD cientificista que adotamos refere-se a noções hegemônicas em

torno do conceito de ciência, embora consideremos que a cientificidade seja constituída por

pressupostos que também atravessam as ditas humanidades. A análise da fala do licenciando

que se aproximou mais a projetos desenvolvidos na área de língua em sua formação, por

exemplo, corrobora esta discussão. O licenciando a que nos referimos identifica-se, na

entrevista, como um pesquisador da subárea de Linguística Cognitiva, que, apesar de

configurar-se a partir dos pressupostos da interação, tem sua origem nos estudos em

Semântica Gerativa, adotando uma perspectiva empirista e alinhando-se a tradições filosóficas

e psicológicas (cf. FERRARI, 2011). Observamos, contudo, que, além de prevalecer no

discurso desse licenciando a FD não cientificista, ele critica fortemente a “inorganicidade” do

pensamento científico de determinados sujeitos da academia, que, segundo o entrevistado, não

assumem um posicionamento ativo diante de certas questões ideológicas relevantes no

contexto acadêmico.

Além disso, percebemos que, na entrevista, o licenciando defende o continuum

língua/literatura, criticando não apenas as tradições de ensino dos saberes literários na

Educação Básica e na universidade, mas também as tradições da pesquisa e dos estudos

linguísticos, configurando assim um discurso de desconstrução de ambas as formações

discursivas.

É interessante apontar que a fala da licencianda que se aproximou mais a projetos

desenvolvidos na área de literatura, por fim, é construída, por vezes, a partir do discurso da

falta, na medida em que ela advoga por uma quantidade maior de conteúdos na graduação em

Letras Espanhol, principalmente no que diz respeito às disciplinas de literaturas hispânicas. A

entrevistada, de modo semelhante ao licenciando, assume o continuum língua/literatura,

apesar de, em sua prática docente, seguir determinados modelos pedagógicos derivados de

estudos cognitivistas no trabalho com textos literários nas aulas de língua estrangeira, o que

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evidencia, de certo modo, a coexistência em seu dizer de uma FD cientificista e uma FD não

cientificista.

Podemos perceber que a relação entre as formações linguística e literária no contexto

da licenciatura em Letras Espanhol se dá a partir das tensões e das imbricações entre as

distintas FDs, o que corrobora não apenas a cisão entre os diferentes campos epistemológicos,

mas também o diálogo que os sujeitos estabelecem entre as distintas áreas do conhecimento.

Observe-se ainda que tal diálogo não é totalmente produtivo, tendo em vista que desvela, por

vezes, relações conflitantes entre as áreas do saber e as formações discursivas.

Ressaltamos, assim, que as reflexões e discussões levantadas ao longo desta pesquisa

nos ajudam a argumentar e a fomentar a relação entre os saberes referentes aos campos da

língua e da literatura na formação dos futuros docentes de Espanhol no contexto brasileiro, a

fim de que se desconstruam dicotomias que ainda têm espaço nas diversas instituições de

Ensino Superior que oferecem cursos de licenciatura em língua estrangeira.

Consideramos que a desconstrução de ambas as FD abordadas neste trabalho poderia

contribuir para uma relação mais produtiva do diálogo tenso entre as áreas do saber de modo a

desestabilizar pulsões de fechamento de cada formação discursiva. Tal fechamento se liga, de

certo modo, à noção de immunitas, postulada por Roberto Esposito. A partir do pensamento

do mencionado autor, Andrade Jr. (2013, p. 39) afirma que o impulso imunitário se associa

“aos projetos de (auto)proteção, gregarismo e consequente isolamento dos distintos grupos

sociais, bem como aos discursos que, ao longo da história, tentam justificar a prevalência ou a

posição desses grupos no terreno de disputas pela hegemonia”. A abertura à alteridade do

pensamento dentro da formação, portanto, poderia favorecer a prática docente na medida em

que propicia a confluência dos campos do conhecimento, legitimando, assim, discursos que

advogam pelo diálogo entre diferentes formações discursivas.

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APÊNDICE

Linhas teóricas predominantes nos textos categorizados

Literatura Língua

Linhas teóricas

- 18 de historiografia

- 14 de Estudos Culturais

- 7 de estruturalismo

- 3 de teoria da recepção

- 2 de semiótica

- 2 de estilística

- 3 de narratologia

- 2 de Análise do Discurso

- 1 de hermenêutica

- 1 de crítica psicanalítica

- 1 de dramatologia

- 1 de filosofia estética

- 1 de sociologia estrutural

Linhas teóricas

- 2 de políticas linguísticas

- 1 de sociolinguística

- 1 de funcionalismo

- 1 de teoria da enunciação

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ANEXO 1

Convenções de transcrição28

Símbolos Especificações

... pausa não medida

(.) micropausa

- corte abrupo da fala

? entonação ascendente

:: duração mais longa do alongamento da vogal

↑ subida de entonação

↓ descida de entonação

Sublinhado acento ou ênfase de volume

MAIÚSCULA fala alta ou ênfase acentuada

>palavra< fala acelerada

<palavra> fala desacelerada

ºpalavraº trecho falado mais baixo

( ) palavra/fala não compreendida – transcrição impossível

(palavra) transcrição duvidosa

(( )) comentário do analista, descrição de atividade não verbal

hh aspirações audíveis ou riso

[ ] fala sobreposta

28 Adaptadas de Gail Jefferson apud Bastos & Santos (2013).

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ANEXO 2

Transcrição da entrevista com Lúcia

Elíria: então Lúcia (.) eh:: apesar de a universidade (.) ela:: (.) formar né (.) ter essa formação

dupla em língua estrangeira (.) eh:: ou seja tanto língua quanto literatura (.) eh o licenciado ele

acaba privilegiando o ensino de:: eh língua né em detrimento de literatura (.) estrangeira (.) e::

você acha que quais fatores levam a essa preferência?

Lúcia: é eu não sei se de FATO (.) é uma preferência (.) eh:: o que eu tenho visto (.) eh

considerando a minha formação (.) eh na graduação (.) e:: depois o meu trabalho aqui como

formadora (.) é que:: eh na verda::de (.) eh o trabalho que se faz com literatura na

universidade (.) ele não tem uma perspectiva voltada pro ensino↓ (.) eh:: o que o o tanto na

minha formação quanto (.) eh:: o que eu vejo (.) eh na minha prática com os colegas de

literatura (.) eh:: é uma visão do de conhecer obras (.) eh:: e às vezes nem (.) eh eh pensar

então pensar em obras específicas como se (.) aquela obra específica não fizesse parte de um

movimento (.) então eu acho que esse tipo de:: (.) perspectiva ela não favorece (.) e:: eh:: eu

eu tive por exemplo eu tive uma orientação específica de (.) de mestrado (.) eh:: que se falava

dessa questão da do (.) do (.) TRABALHO com a literatura (.) e como o professor (.) eh (.)

fazia isso em sala de aula (.) e o que a gente viu tanto por parte da mestranda quanto por parte

da realidade que ela (.) que ela observou↑ (.) é que o professor não tá preparado (.) e não tá

preparado pra ensinar literatura porque ele não é ensina::do a ensinar literatura (.) ele só::

conhece (.) né na minha época por exemplo a gente falava do (.) a gente lia o livro do Vitor

Manuel sobre os gêneros literários a gente fazia fichamento (.) mas daí a levar isso pra sala de

aula (.) eh:: isso não foi feito nem (.) eu lembro da minha experiência como leito- como (.)

ALUNA de escola do ensino fundamental (.) eh:: eu lembro que a minha primeira experiência

com literatura foi↑ (.) eh ler (.) eh Iracema↑ (.) e era uma época em que você você o professor

(.) e hoje continua a mesma coisa que eu vejo que com a minha filha [na escola]

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: o trabalho é o mesmo [não mudou]

Elíria: [é]

Lúcia: então (.) eh eu lembro dela no segundo ano do ensino médio ela (.) ela tinha um livro

ótimo de contos do Machado de Assis (.) a tarefa foi leia os contos (.) e depois ela teve que (.)

eh:: ela teve que estudar resumos dos contos que eram sobre isso eram perguntas específicas

pra checar↑ (.) então é ainda é leitu::ra de literatura (.) sem nenhum traba::lho (.) trabalho

sobre o conte::xto trabalho sobre aquele auto::r trabalho sobre (.) aque↑le movimento onda tá

aquele livro por que que (.) escreve dessa maneira ou por que que (.) o o Machado de Assis

por exemplo usa essas pala::vras então eu acho que (.) eh (.) eh como não tem essa parte (.)

eh:: talvez (.) eh:: a dificuldade seja essa (.) MAS por outro la::do eu não sei também se:: (.) a

universidade ensina↓ (.) ela tá foca::da (.) pro ensino de língua↓ (.) eh e aí a gente teria que

pensar (.) se não tá pros dois (.) por que que (.) acaba a tendência acaba sen- (.) é maior pra

ensinar língua (.) e não literatura né?

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [eh::] n-não saberia te dizer (.) talvez na universidade se to::que em alguns temas (.)

sobre ensino (.) eh principalmente no que diz respeito ao ensino de:: língua materna (.) né?

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: a questão

Elíria: [sim]

Lúcia: da [no::rma] (.) a questão do preconceito linguí::stico são temas (.) mas eu não sei de

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fato (.) se há um traba::lho (.) voltado pra ensinar língua (.) que não seja na perspectiva

tradicional de classificaçã::o (.) de orações que é também um problema porque a escola

continua trabalhando numa visão normativa (.) da de ensino de língua

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [então] (.) mas no caso específico da literatu::ra (.) isso é fato (.) a universidade ela

trabalha (.) que na verdade é:: o problema do curso de letras (.) o curso de letras ele vem duma

visão (.) ele vem duma:: (.) duma:: ele foi concebido (.) num momento em que quem fazia

letras? (.) quem fazia letras eram quer dizer na verdade estudavam línguas↑ (.) eram as

mulhe::res (.) né (.) com uma perspectiva de que (.) de ter alguma formação que naquela

época se considerava intelectual (.) mas o a função delas não era trabalhar com aquilo↓ (.) elas

sabiam línguas↑ no máximo elas podiam (.) eh eh ensinar os filhos né mas era pra↑ (.) como

um (.) um requisito importante pra valorizar o:: (.) o dote (.) delas

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [né] e e acho que que a faculda- AS faculdades de letras os cursos de letras continuam

ainda muito com essa visão (.) de que fazer um curso de letras é você receber conhecimen↑to

(.) e depois você não necessariamente ou (.) na maioria das vezes você não você não tem uma

visão prática de aplicação daquilo (.) você sabe você tem muita informação mas o que que

você faz com aquela informação (.) quando você tem que (.) planejar um cu::rso ou quando

você tem que dar uma aula (.) e aí acaba sendo parece que acaba sendo mais fácil (.) e você

controla melhor (.) a questão do ensino da língua e não da literatura

Elíria: ãh-hã... a dois você acabou respondendo né (.) você quer fazer mais algum comentário

em relação a isso?

Lúcia: é (.) eu acho que:: que que o eh (.) nessa (.) dissertação específica (.) o grande

problema era esse era que a:: não (.) os professores não recebiam eles mesmos diziam que (.)

não havia uma relação entre o conteú↑do que eles aprenderam em literatura (.) e a aplicação

disso:: na sala de aula então havia essa distância (.) e de fato é o que a gente vê↑ (.) hoje (.) eh

nas escolas (.) públicas e particulares ainda há essa distância (.) o professor ele ele ele não

ensina (.) a ler (.) ensinar a ler continua ficando SÓ lá naquele momento da alfabetização

depois não se ensina (.) a ler (.) um co::nto (.) não se ensina a ler um roma::nce não se ensina

a ler (.) eh eh e eh pensando em todos os (.) os passos pra i↑sso seja (.) trabalhar o gênero seja

trabalhar (.) o contexto (.) trabalhar (.) o autor quer dizer ficam no máximo (.) na biografia do

autor (.) que↑ DÁ algumas pistas mas que não mostra (.) eh sei lá (.) algum tipo de:: tendência

que aparece na obra dele isso (.) fatalmente vai tá relacionado a alguma:: questão daquele

contexto histórico daquele contexto literário (.) essa conversa não existe (.) e e por exemplo

quando (.) se começa a ver essas questões dos movimentos literá↑rios (.) é alguma coisa já

dada pronta↑ (.) pra DECORAR (.) pra fazer enem por exemplo então ah (.) as características

desse gê- desse movimento literário ( ) essa essa e essa [e poucas vezes]

Elíria: [(isso)]

Lúcia: [se vai] à obra (.) pra olhar (.) [o que que é aquilo]

Elíria: [se realmente se aplica]

Lúcia: [e às vezes você] decora aquilo o o aluno decora aquilo sem nem entender

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [eh] pra que que serve (.) °né°

Elíria: ãh-hã... então eh você acha que:: a reforma da licenciatura né aqui na universidade ela

contribui pra:: (.) uma maior integração (.) entre (.) eh as perspectivas teóricas né e a prática

desse futuro docente?

Lúcia: não (.) por várias razões (.) primei↑ro porque essa reforma (.) ela foi feita se::m uma

orientação (.) então os todos eu participei fui uma das professoras que participou (.) nós

participamos usando alguns critérios particulares (.) então por exemplo (.) eh com relação às

disciplinas de língua espanho↑la (.) a gente entendia que tinha que aumentar a carga horária a

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gente queria aumentar a carga horária (.) conteú::dos alguns a gente mexeu outros não (.) mas

a gente (.) não tinha primeiro que nem todos (.) estavam (.) eh:: nem todos tinham essa mesma

leitura dessa questão de o que era (.) o que é a fo- eh o que é o curso de letras e que esse curso

de letras tem essa tradiçã::o beletri::sta (.) então isso continua (.) então o que a gente tem o

que a gente tentou fazer foi inserir algumas disciplinas (.) voltadas pra essa realidade do:: (.)

do do nosso aluno eh:: (.) por exemplo (.) espanhol com fins pra ensino de leitu::ra (.) eh (.)

espanho::l sei lá pra traduçã::o eh:: e aí é que aparece a prática (.) mas nas disciplinas e

naquele momento também a orientação que se recebia era (.) tem que ter uma parte de

conteú↑do e tem que ter uma dimensão prática (.) e mas isso continuou separado continuou

polarizado (.) né (.) então não não resolveu não resolveu eh (.) porque de verdade verdade a

gente precisaria (.) como em outros (.) em outras instâncias das políticas linguísticas (.) a

gente precisaria de um especialista em currí::culo conversando com os professores (.) né (.) a

gente precisaria (.) eh:: (.) não sei↑ alguém que (.) orientasse e dissesse não só em termos de

funcionalidade do trabalho que a gente fez que ficou um (.) um currículo enorme impossível

de (.) impossível pro aluno impossível pro professor (.) mas também em termos de (.) que

antes a gente conversasse e pensasse o que que eu quero desse aluno (.) isso não foi feito (.) e

isso não reflete realmente continua sendo (.) eh um curso (.) eh teórico que tem pequenos

momentos (.) em que a prática vai aparecer lá

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [então] (.) não resolveu o problema

Elíria: ãh-hã... ma::s (.) se está pensando numa outra reforma né

Lúcia: mas ainda não é↑ (.) pra resolver esse [problema]

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: o pro- nesse momento (.) eh o que tem se tentado fazer é resolver essa questão da

carga horária

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [que] ficou eno::rme

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [né] (.) mas (.) eh eh ainda não se conversou sobre [isso]

Elíria: [hmm]

Lúcia: sobre essa questão teoria e prática isso (.) a essa conversa ainda não aconteceu (.) eh a

aqueles que trabalham mais diretamente com essa (.) com essa (.) perspectiva teórica é que (.)

tão cientes de que há essa distância mas muitos dos professores não porque muitos

professores eles consideram que os cursos (.) eh que eles DÃO (.) são têm que ser cursos pra

fornecer teoria (.) a prática vem depois

Elíria: hh

Lúcia: entã::o isso não vai mudar

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [°infelizmente] (.) pra mudar precisa muito mais°

Elíria: °é°

Lúcia: °do que só esse movimento né°

Elíria: °ãh-hã (.) verdade°... bom eh na sua opinião qual é o espaço do letramento acadêmico

né nas aulas de língua espanhola aqui na universidade e de que maneira ele contribui pra

formação do professor de língua estrangeira?

Lúcia: eu não sei exatamente (.) se eu tô entendendo letramento acadêmico do mesmo:: jeito

que vocês pensaram mas (.) se o letramento acadêmico diz respeito (.) eh a uma questão (.) eh

o que que cês tão definindo que que cês pensaram nessa pergunta pra letramento acadêmico?

Elíria: eh:: (.) a própria inserção do:: aluno né e e o (.) uso que ele faz dos gêneros

acadêmicos né

Lúcia: acho que não (.) acho que:: eh essa questão eh eh a universidade em si e aí eu não vou

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falar só das aulas de língua espanhola

Elíria: ãh-hã

Lúcia: ela TRABALHA (.) quando ela trabalha com o gênero ela trabalha (.) eh numa

dimensão de (.) o gênero PRA... aula (.) e ela esquece de todos os gêneros que fazem parte do

nosso dia a dia e que no↑ espaço acadêmico têm MARCAS (.) específicas (.) então eu tenho o

gênero aula (.) eu tenho o gênero:: apresentação de trabalho (.) eu tenho (.) e os gêneros

escritos (.) né (.) eu me dei conta quer dizer eu já tinha um pouco essa intuição mas por

exemplo esse semestre que eu dei uma disciplina de:: (.) produção escrita (.) eu me dei conta

que os problemas que eles têm com os gêneros (.) nós trabalhamos com vários gêneros na

linha dos gêneros argumentativos (.) os problemas que eles têm se- eh são problemas que eles

trazem da língua materna (.) então (.) eh parece que os gêneros eles começaram produzindo

textos (.) embora (.) eles sempre o o o procedimento foi sempre o mesmo (.) eles a gente eh

escolhia um gênero (.) carta do leitor (.) eh lia dois três comparava com uma carta do leitor

em português e aí na semana seguinte eles tinham que produzir (.) e eles produziam (.) eh (.)

textos (.) eh:: neutros (.) que não tinham marca de nenhum gênero (.) e eu comecei a chamar a

atenção deles olha só↑ (.) cadê a marca da carta do leitor aqui↓ (.) eh:: (.) o máximo talvez que

eles coloca- (.) que eles colocavam era a DATA (.) mas eh o corpo continuava não sendo de

uma carta do leitor (.) e aos poucos eles foram vendo que pra ter uma carta do leitor↑ (.) eu

tenho que ter uma motivação isso tem que aparecer eu tenho que falar a partir de algum fa::to

ou de algum texto de alguma co::isa (.) e no final do processo a gente conseguiu alguns

progressos (.) mas eu acho que isso é reflexo desse (.) a escola não faz isso↓ (.) a escola eles

chegam sem noção do gênero:: (.) eh dos GÊNEROS (.) dentro do espaço escolar (.) os

gêneros parece que são neutros lá também (.) né [eles são treinados]

Elíria: [( ) redação né]

Lúcia: tu↑do mas eles são treinados pra fazer esse texto meio artificial↑

Elíria: ãh-hã

Lúcia: o tema da redação de ontem você soube o que que foi na uerj↓

Elíria: não

Lúcia: qual a importância da literatura que- como é que a literatura pode mudar a vida de uma

pessoa... que gênero você vai e aí não é um gênero

Elíria: [é::]

Lúcia: [porque] nem pro enem nem pro:: nem pra prova da uerj você tem um gênero

(específico) então escreva uma carta do leitor conside- não tem

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [ele tem] que ter a cumprir aquelas regras (.) ele faz um gênero que eles chamam de

dissertativo↑ (.) né (.) mas que é (.) eh ele não tem cara (.) de nada

Elíria: ãh-hã

Lúcia: ele não guarda essa relação (.) com os gêneros acadêmicos é a mesma coisa a gente vê

isso na hora de escrever uma dissertação de mestrado (.) e uma dis- e uma tese de doutorado↓

(.) eles não não circu- isso isso eles não conhe::cem eles não (.) e aos e eles vão aprendendo à

medida que eles têm que produzir

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [então] tem que produzir um artigo (.) eh:: qual é a característica daquele artigo o que

que ele e é um e- é o exercício que vai fazer com que isso mude (.) MAS eh acaba sendo

iniciativa dos do orientador com seus orienta::ndos (.) não é uma prática constante DE (.) eh

por exemplo seria muito interessante a gente ter uma disciplina aqui (.) eh escrita de artigo

acadêmico

Elíria: ãh-hã

Lúcia: não é↑

Elíria: é

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Lúcia: seria muito interessante (.) mas a impressão que eu tenho (.) é que se toma como isso

tudo é:: inato (.) >todo mundo nasceu pra escrever um artigo uma dissertação uma tese< (.) °e

a gente sabe que não é isso°

Elíria: ãh-hã

Lúcia: então o espaço acadêmico não tá preparado também pra esses gêneros acadêmicos (.)

em língua estrangeira eles começaram a fazer um pouco isso também o ensino de língua

estrangeira (.) pra:: tem um um nome isso (.) francês já tem já teve algumas turmas (.) [e aí

você começa a]

Elíria: [fins específicos?]

Lúcia: não é pra fins específicos tem outro nome (.) é pra... ((a professora bate os dedos na

mesa)) não sei se é francês acadêmico tem alguma coisa do acadêmico (.) então (.)

[considerando essa situação]

Elíria: [ah:: sim]

Lúcia: você vai pr'um intercâmbio [tem um nome isso]

Elíria: [o professor João Vitor ( )]

Lúcia: [pois é] (.) você você vai pr'u::m intercâmbio (.) né

Elíria: ãh-hã

Lúcia: numa universidade (.) e aí você trabalha SÓ com aquelas situações (.) gêneros (.) orais

e escritos que você vai precisar pra (.) eh:: pra essa situação específica

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [né] (.) entã::o não é necessariamente ir no restaurante ou ir num bar

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [mas] por exemplo fazer uma apresentação↑ (.) em francês (.) né↑ (.) uma

apresentação oral em francês escrever (.) um uma carta em francês (.) então eh essa questão

dos gêneros acadêmicos aparece um pouco por aí mas (.) na universidade isso é (.)

desconsiderado (.) ac- acaba ficando um pouco por (.) eh FAÇA um fichamento (.) mas

alguém disse pra vocês o que que é fazer um fichamento↓ (.) AH não isso tinha que aprender

lá:: na escola mas aqui (.) não aprendeu vai lá olha na interne::t vê o mode::lo e tal (.) mas o

trabalho efetivo não [não existe]

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: °também com os gêneros acadêmicos°

Elíria: é... e você falou do curso que você deu nesse semes↑tre né eu queria saber qual é o

critério que você utiliza pra:: (.) escolher esses textos né que você trabalha nos cursos

Lúcia: a experiência esse seme::stre a ideia é que a que que que eles passassem por diferentes

(.) gêneros (.) então a gente fez uma progressão eu não lembro exa- não sei se eu vou

lembra::r a progressão exata (.) mas a gente começou co::m... °carta do leitor não foi com

carta do leitor↑° (.) acho que foi acho que foi carta do leitor (.) eh:: (.) °agora não tô

lembrando° mas os da linha de argumentação então (.) o primeiro critério foi o gênero (.) e aí

eh:: (.) que tratasse temas da atualida::de (.) né eh:: a última uma das últimas que eu trouxe

pra eles foi (.) uma:: (.) foi um ah (.) carta do leitor artigo de opinião (.) eh:: editorial (.) e no

final↑ eh:: artigo acadêmico pra trabalhar resenha acadêmica

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [né] com um modelo específico que foi eh definido pela Raquel até (.) eh:: (.) e:: um

dos últimos por exemplo era (.) u::m (.) e aí resenha de fi::lme resenha de li::vro (.) um dos

últimos que a gente levou foi (.) u::m °era um arti- era uma era uma carta do leitor não esse

era um (.) era u::m editorial (.) editorial↑ acho que era um editorial° (.) do:: El País ou do El

Mundo não lembro agora sobre esse evento do México

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [então] quer dizer tinha o gê↑nero (.) mas ao mesmo tempo trazendo alguma ques-

alguma questão que tava lá↑ que era importante (.) e e com os pr'as resenhas acadêmicas (.) eh

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textos (.) eh:: mais teóricos (.) eh mas relaciona↑dos (.) a ques- a questões do Espanhol então

sobre variaçã::o (.) sobre a questão do:: eh:: (.) um deles foi sobre a questão do Espanhol

como recurso econômico quer dizer era uma (.) é um (.) são textos de Silvia Senz (.) que

escreve (.) se colocando um pouco CONTRA essa (.) essa questão muito comercial do do

Espanho::l (.) então (.) ALÉM (.) da forma (.) tem conteúdo também então que seja algum

tema que contribua pra (.) um pouco pra porque (.) isso eu também tenho visto parece que os

profe- a gente (.) a gente tá forma::ndo o o eh aqui na faculdade a gente não toca nesses temas

que são temas importantes (.) e parece que eles saem ainda muito inocen↑tes com relação a

isso (.) então se você pergunta eu tenho começado a tentar introduzir isso no:: Espanhol 2 que

é o curso de graduação que eu tenho dado (.) eh:: o que que eles sabem de variaçã::o (.) e eles

ainda acreditam na coisa do castellano e Espanhol da Amé::rica (.) e acreditam que (.) que um

é melhor que o o::utro então é preciso que eles come↑cem a ler esses textos que estão

circulando (.) pra se dar conta que:: (.) essa questã::o tem leituras diferentes eles precisam

conhecer essas leituras então (.) a o critério foi (.) os gê::neros (.) mas eh:: depois dos gêneros

essa questão do:: (.) de textos mais eh textos teóricos comprometidos que trouxessem um

pouco da:: (.) da realidade que eles vão encontrar aí fora e que vão ter que se colocar sobre ela

(.) na:: (.) pra dar a::ula

Elíria: [ãh-hã]

Lúcia: [né] na esco::la

Elíria: ãh-hã

Lúcia: essas questões

Elíria: ãh-hã (.) °acho que tá bom (.) tá ótimo°

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ANEXO 3

Transcrição da entrevista com Marta

Elíria: (tá) °vou deixar aqui°

Marta: perfeito

Elíria: então eh... essa universidade (.) como a maioria das universidades (.) oferece uma

formação dupla↑ (.) em língua estrangeira ou seja (.) a pessoa sai com formação tanto em

língua quanto em literatura (.) mas mesmo assim muita muitos professores (.) eh:: de língua

espanhola (.) ele::s (.) privilegiam o ensino de:: língua né (.) e deixam o ensino de literatura

um pouco de lado (.) você acredita que isso acontece devido a que fatores?

Marta: eu acho que:: eh:: digamos tem um impacto nos cursos de de Letras (.) da nossa área a

própria crise da literatura↓ (.) então eh:: (.) ninguém há:: cinquenta anos duvidava da:: do

prestígio do discurso literário (.) eh considerava que eh uma pessoa culta era uma ideia:: eh

generalizada pessoa culta era a pessoa que (.) conhecia literatura então era o:: (.) discurso

privilegiado e claro que em uma faculdade de Letras (.) era lógico que ninguém discutia (.) a

importância da literatura (.) eh:: bom (.) eh:: vivemos outros momentos os os (.) eh:: digamos

(.) novos conceitos que são muito válidos sobre o que é a cultura popular o que é a literatura

(.) eh a cultura erudita:: como (.) a literatura erudita como nós vivemos eh para mim é

fundamental no no contexto de uma cultura de ma↑ssa (.) eh de uma:: de uma literatura de

massa todos (.) acho que somos consumidores de cultura de massa todos eh não vivemos eh

digamos alheios à televisã::o ao rádio à comunicaçã::o então (.) eu acho que eh isso não para

mim não não (.) eh não anula a literatura ao contrário↓ (.) obriga a redefinir a literatura

redefinir (.) o:: o:: a cultura (.) eh que deve estar presente nos cursos de Le↑tras mas eh (.) eu

acho que cada vez mais não podemos eh para mim (.) eh:: tomar duas posições OU eh (.)

fechamos e e defendemos (.) a exclusividade da literatura erudita do do cânone (.) OU (.) eh

podemos pensar que o:: devemos provocar uma uma (.) extensão da literatura a outras áreas

incluir o cinema incluir (.) enfim a a a música popular↑ enfim são são (.) eh discursos e que

que (.) que DIALOGAM sem dúvida com a literatura

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [quer dizer] que não anulam a literatura (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Marta: então porque não provocar eh CONTATOS né que eu acho que esse é o que que o

desafio dos nossos cursos de literatura (.) deve ser provocar esses contatos (.) né de poder

passar↑ de um de um nível a outro de poder passar de de de cultura popular à cultura erudita

do do eh da da do do da cultura de massa a a ao cânone enfim isso é o (.) o que o que nós e e e

o que eu digo sempre é que (.) nos- eh:: que não podemos perder eh de vista que nosso aluno é

um aluno que é um cu- de um curso de Português-Espanhol interessado na língua e tal (.)

também a literatura permite entrar (.) em considerações de tipo linguístico (.) né?

Elíria: sim claro

Marta: não é↑ (.) essa é nossa especificidade [né]

Elíria: [ãh-hã] (.) mas você acha que a universidade (.) eh:: (.) dialoga (.) satisfatoriamente

lín↑gua e literatu::ra (.) hoje em dia?

Marta: [dentro dos cursos?]

Elíria: [ou você acha que ainda] (.) ainda é muito separado?

Marta: NÃO eu acho que a síntese hmm eh:: se dá:: no próprio alu↑no o aluno é:: quem

recebe quem digamos é uma unida↑de

Elíria: [hmm]

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Marta: [então] ele vai ter cursos (.) de lín↑gua (.) cursos de literatura↑ (.) cursos de de:: de

língua também entra em questões que são culturais (.) que não somente linguísticas né (.) não

são somente linguísticas quando eu discuto ou quando o professor entra em problemas de

identidade (.) eh não é identidade linguística (.) né não existe uma identidade linguística existe

uma base (.) para pensar problemas de identidade

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [então] o a referência é a cultura↓ (.) quando o professor de literatura (.) eh discute o

texto literá↑rio tem como referência (.) a↑ (.) eh:: a língua↑ né (.) e também a cultura então eu

acho (.) creio que essa formação é boa para o aluno (.) e é o aluno quem tem que provocar (.)

a síntese

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [né] ou seja eu estou de acordo com que existam cursos de literatura e cursos eh nesse

sentido (.) de literatura no sentido ampliado↑ e cursos de língua que cada vez são (.) menos

gramática e mais também estudos culturais↓

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [tá] quando (até) eu vejo que muitos temas e muitas dissertações de mestra↑do porque

(.) claro que a graduação está (.) diretamente (.) vinculada a:: a graduação à pós-graduação↑

(.) né então por que porque a os professores são os mes↑mos (.) então muitos temas são (.)

não sã::o de base linguística (.) né são de base cultural↑

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [ou seja] o o candidato ou o autor de uma tese sobre identidade e fronteira tem que

estudar (.) eh não exclusivamente linguística↓

Elíria: ãh-hã (.) e:: (.) você acha que existe espaço nas aulas de:: literaturas estrangeiras (.) eh

pra alfabetização acadêmica?

Marta: teria que existir (.) teria que existir eu acho que é uma consciência aí sim o professor

(.) o professor tem que ter consciência que (.) eh eu sempre cito u::m (.) um livro que:: se

intitula eh:: eh (.) Escrever (.) e ler na universidade (.) para uma↑ (.) eh alfabetização

acadêmica (.) e o princípio é muito interessante diz bom (.) o professor tem que ter ser

consciente de que (.) eh o os gêneros (.) quer dizer a crítica por exemplo o trabalho

acadê↑mico (.) precisa de u::m de um entrenamiento de um conhecimento (.) eh você tem que

guiar o aluno (.) a esse sobre esse porque pode ser que ele nunca tenha escrito (.) eh um texto

acadêmico↓

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [né] então é esse o:: (.) o desafi↑o (.) muitas vezes sim nós (.) eh temos um problema

(.) os os cursos são muito curtos porque na realidade são semestrais mas não é semestre:: são

(.) eh poucas horas o tempo (.) vai muito rápido então esse (.) eh essa proposta que essa

professora (.) que se chama Carlino (.) eh (.) apresenta no livro é praticamente (.) irrealizável

porque você deveria (.) eh eh trabalhar e devolver o trabalho o aluno (.) teria que reescrever e

voltar a reescrever e discutir a reescritu::ra (.) bom isso (.) é é um pouco (.) utópico porque o::

não não se:: (.) eh digamos que não está↑ (.) eh adequado ao tempo que nós temos

Elíria: [hmm]

Marta: [né] mas como ideal↑ (.) é algo que (.) que sim é interessante

Elíria: ãh-hã

Marta: né (como) ideal quer dizer que o trabalho nunca é conclusivo (.) né que há avanços é

é difícil eh (.) fazer essa essa conexão de pensar através de conceitos de aplicar noções ( )

essas noções (.) de que os cursos (.) eh tenham que ser verdadeiramente integrados né

Elíria: ãh-hã (.) então a proposta dessa autora é que:: (.) eh (.) e- exista esse espaço em to↑dos

os cursos né? [em todas as disciplinas]

Marta: [em to↑dos os cursos] (.) exatamente em todos os cursos mas isso é com a consciência

de que (.) eh evitar a a queixa de u::m um (.) um discurso:: muito frequente na universidade

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(esse) aluno é burro o aluno não sabe vem analfabeto não aprende na::da (.) e é o olhar ( ) dos

alunos é o contrário gostam mais do (.) têm como uma melhor imagem do (.) eh:: do ensino

de literatura no segundo grau↓ (.) porque aqui acham claro acham (.) percebem que existe um

salto (.) eh porque no no (.) no segundo grau existe como (.) a:: (.) a:: segu- se- se- segurança

que dá o livro↓ (.) então eh depois na universidade você tem que (.) eh combater essa cre::nça

que é uma crença pensar que porque algo está no livro está organizado (.) eh >está bem<

Elíria: ãh-hã

Marta: e é e aí você aprende tudo↓ (.) então o que ele (.) percebe aqui é que tem que ir à

biblioteca tem que aprender (.) tem que ler um artigo e esse artigo (.) não está dentro de um

livro (.) (ele) é a integração↑ isso é é uma (.) é uma dificuldade do aluno né↑

Elíria: ãh-hã

Marta: é mas é (.) eh digamos que a universidade (.) provoca o:: (.) uma espécie de

questionamento (.) do modo que o aluno aprendeu (.) [né]

Elíria: [sim]

Marta: então por exemplo a história literária ( ) o Romantismo bom (.) é e não é↑ (.) eh as

características desta universidade (.) começam a quebrar com essas normas ou seja o

Romantismo é isto isto e isto são quatro características o Romantismo não é↑ (.) então (.) isso

(.) essa é a:: eu acho que é que acho que a ruptura ou a:: diferença que faz com o que o aluno

se sinta diante da literatura muito:: (.) eh muito inseguro↓

Elíria: ãh-hã... ma::s (.) eh:: (.) existe u::m modo de contornar isso ou↑ tem que partir do

aluno na sua opinião?

Marta: NÃO NÃO do profe- do professor dos programas eh da integração é muito difícil...

integrar o conhecimento (.) eh ou seja provocar essa essa integraçã::o eh idealmente (.) seria

(.) eh (.) eh (.) necessária uma:: maior (.) eh integração até (.) entre os cursos

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [né] que isso é:: que queremos que o aluno eh saiba (.) que que (.) eh que ele está

avança::ndo que ele pode aproveitar conceitos (.) eh críticos noções críticas de um curso e

levar para o ou↑tro né ou seja isso é (.) algo (.) difícil de conseguir né

Elíria: ãh-hã (.) e:: bom desde 2010 (.) você e os outros professores daqui vêm trabalhando

com a reforma (.) da licenciatura↓ (.) você acha que:: essa:: reforma que o currículo novo

permite (.) essa maior integração entre os conceitos crí↑ticos e:: a prática (.) no caso do futuro

docente né (.) a prática do licenciando?

Marta: deveria ser mas ainda não dá para avaliar (.) né (.) ou seja eh no (.) programa deveria

existir uma maior (.) eh ( ) preocupação co::m (.) a prática docente do aluno↓ (.) mas

també::m eh você não pode acelerar os processos (.) né então nós encontramos um aluno que

não fala espanhol não é não fala espanhol (.) então nós não podemos (.) eh obrigar a que esse

aluno se coloque no lugar do professor porque ele não é professor (.) não tem o conhecimento

então (.) justamente a universidade é um momento em que você se prepa::ra para algo se

fo::rma para algo (.) né↑

Elíria: ãh-hã

Marta: então não posso fazer de conta que aqui todo mundo (.) eh sabe literatura sabe língua

então vamos ver como você ensinaria tal (.) tal (.) eh período como você:: ensinaria um autor

primeiro tem que aprender↑ não é ou seja eu acho que:: (.) eh nós (.) estamos um pouco

contaminados com essa aceleração do tempo (.) né como se (.) tivéssemos que produzir (.)

produtos (.) cada vez mais aceleradamente↓ (.) existe o tempo

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [de] (.) de formação

Elíria: [ãh-hã]

Marta: [né] (.) e isso é importante

Elíria: bom (.) eh... quais critérios você utili::za (.) pra escolher os textos dos seus cursos?

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Marta: eh eu acho que:: (.) que... eu parto do programa↓ né o programa são os as grandes

transformações (.) eh nossos programas são (.) e eu concordo com esse modo de organização↑

(.) eh:: (.) tendo em conta uma organização por gêneros↓ (.) né tendo em conta↑ (.) levando

em conta que (.) os os (.) os gêneros definem tradições↓ então (.) eh são tradições poéticas

tradições dentro do teatro:: está o curso de:: (.) eh de Cervantes que é um curso monográfico

(.) então (.) em primeiro lugar↑ (.) eh são textos que são relati- são importantes↑ (.) eh:: (.) que

permitam relações né provocar relações entre os períodos (.) né (.) e eh aplicar noções

també::m de eh crítica literária de análise de texto que possam (.) eh eh (.) ao aluno ( ) levar↑

a um melhor conhecimento de (.) qualquer texto né

Elíria: ãh-hã

Marta: então são as grandes tradiçõ::es eh a picaresca por exemplo é importa::nte porque (.)

enfim aí entramos eh bom (.) que conceito o aluno sabe (.) eh sobre que noções eh teóricas

o::u (fundamentais) vai trabalhar vai trabalhar com um tempo (.) na narrativa vai trabalhar

com um discurso autobiográfico vai entender o que é um discurso (.) autobiográfico o que é a

narração retrospecti::va (.) eh qual é o ponto o que significa o ponto de vi::sta (.) eh (.) enfim

(.) são (.) noções de eh (.) estudos literários

Elíria: ãh-hã

Marta: que não são diferentes aos (.) estudos (.) de (.) texto (.) não literário (.) né (.) então e

prova- e e e (.) provocando sempre relações

Elíria: ãh-hã

Marta: né ou seja (.) eh praticamente também (.) eh é verdade que você acaba (.) por

eliminar↑ (.) eh a leitura de grandes romances porque não tem tempo (.) né:: então... aí:: (.) é a

necessidade de trabalhar com (.) fragme::ntos enfim com (.) fragmentos que sejam

representati::vos

Elíria: ãh-hã

Marta: e e bom... a facilidade e e:: e bom sabendo que há necessidade de atravessa::r a

dificuldade da língua↓ (.) né ou seja que que (.) no século XVI vai existir uma sintaxe que é

diferente mas eu digo sempre aos meus alunos que (.) eles não teriam na língua portuguesa

dificuldades menores↓ (.) né (.) é tão difícil ler Camões como:: (.) ler Lazarillo (.) né (.) ou

seja que há (.) um imaginário que funciona bom estou↑ (.) na língua estrangeira (.) me custa

ler nessa língua então é porque:: é uma língua antiga (.) não é porque outra sim (.) é verdade

mas se fosse na tua língua também teria dificuldades↓ (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Marta: ( )

Elíria: acho que é isso hh

Marta: isso mesmo↑ ( ) hh

Eĺíria: ótimo

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ANEXO 4

Transcrição da entrevista com Marcos

Elíria: então Marcos (.) eh eu queria saber qual a importância (.) eh:: pra você... da:: (.) de

integrar literatura↑ (.) e:: literatura estrangeira né (.) e as [literaturas]

Marcos: [ãh-hã]

Elíria: estrangeiras (.) especificamente [na educação básica né]

Marcos: [ãh-hã (.) ºeducação básicaº]

Elíria: que é sua área de atuaçã::o

Marcos: ãh-hã

Elíria: e tendo em vista essa dicotomia que (.) tradicionalmente se faz né

Marcos: é (.) então assim eh... no caso primeiro acho eu sou muito feliz de trabalhar numa

instituição↑ (.) em que (.) claro (.) há um programa↑ (.) eh:: que fo- (.) que já existia quando

eu cheguei eu tive a oportunidade de modificá-lo (.) mas eu sou muito feliz de trabalhar numa

instituição em que:: isso é uma constante esse planejamento ele pode se::r (.) eh modificado

(.) eh:: a todo o momento (.) pra:: atender (.) eh:: certas crenças que são minhas ou ou certas

questões ideológicas que (.) quando a gente fala de professor de língua isso tá muito presente

né ideologias que são (.) eh diferentes e às vezes a gente trabalha (.) eh num contexto com

outros colegas que podem ter outras ideologias (.) mas até que nesse ponto (.) eh:: como

docente do ((nome da instituição)) a gente tem (.) eh o princípio de que não há esse:: esse

binômio essa separação entre (.) eh língua literatura e também cultura né (.) na verdade (.)

pensando que a a literatura é uma das manifestações (.) eh:: culturais possíveis né então (.)

eh:: e- eu como um professor de de língua espanhola da instituição acho que nesse momento

eu posso representar o todo (.) eh todos os outros eh professores todo o coletivo de língua

espanhola da daqui da instituição↑ (.) e mencionar que a gente não não não separa (.) né (.) então não há uma uma aula que seja mais voltada pra língua outra (.) eh:: pra pra só cultura ou

especificamente pra literatura↓ (.) o que pode acontecer↑ é dependendo do planejame::nto (.)

de um determinado bimestre acabar que uma manifestação (.) eh artística acaba se destacando

em relação às outras né (.) mas a gente tem que fazer esco::lhas até pelo número de de horas e

tudo↓ (.) mas a:: o primeiro ponto de integrar↑ eu acho que que já é pra quebrar um pouco

estereótipos né primeiro (.) quando a gente recebe aqui os alunos na instituição↑ (.) eh em

turmas de primeiro a::no realmente pra eles o conhecimento é todo em em qua- em caixinhas

né (.) eh... então eles já chegam achando que uma disciplina não se relaciona com a o::utra (.)

que:: (.) por ser língua estrangeira você não pode discutir temas do do:: da realidade do

mundo social do que tá fo::ra (.) que só as disciplinas sei lá de história (.) de filosofia e de

sociologia discutem questões do mundo socia::l que a literatura só tá presente na aula de

língua portugue::sa então (.) num primeiro momento é quebra::r essas imagens esse esse

próprio:: (.) estereótipo sim que os alunos já chegam com (.) uma visã::o (.) um pré-conceito

né pra pra cada disciplina (.) então no primeiro momento do da da minha prática e também já

mais uma vez representando os outros (.) eh:: antes de começar essa integração nas aulas é (.)

é mostrar↑ qual é a nossa proposta (.) de trabalho (.) né (.) seja de língua espanho::la e como

essa essa proposta de trabalho se insere no contexto da instituição↓ (.) eh:: isso é muito rápido

(.) né claro que a gente tem algumas resistências por parte dos alunos (.) eh:: que acham que

lí- eh au- aula de língua espanhola tem que ser só aquela visão tradiciona::l de ter primeiro o

alfabe::to o arti::go (.) pra lá:: na frente ele conseguir ler um texto literário (.) assim depois

que a gente um pouco desconstrói o que eles viram na na na etapa do ensino fundamental pra

pra ter uma mente um pouco mais aberta (.) inclusive numa instituição tecnológica que às

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vezes eles acham que todos nós somos muito positivistas (.) é tentar apresentar nossa

propo::sta e mostrar que língua sim vai caminhar de cultura (.) a todo momento (.) e todas as

discussões das aulas a gente procura promover isso mediante a seleção dos textos (.) né::

então (.) a:: o planejame::nto das ativida::des a seleção do material ela é↑ também proposital

pra pra provocar↑ (.) esse esse:: diálogo (.) eh no que pra algumas pessoas seria muito::

estrutural língua de um lado cultura do outro e literatura (.) ou como separada da cultura ou

literatura dentro da:: (.) da cultura↓ (.) claro que assim eh é uma aprendizagem então (.) talvez

( ) relatos que eu vou fazer aqui de experiência (.) não que na primeira ve::z no primeiro

contexto que eu tive que eu que eu tenha (.) eh colocado em prática (.) que aquilo funcionou

muito bem↑ mas eu acho que essa é a mesma proposta da escola né de testar com os alunos (.)

e ter um feedback pra pode::r (.) ressignificar aqui::lo e aplicar novame::nte e ter novas

experiências né

Elíria: ãh-hã

Marcos: eh:: da integraçã::o eh mais uma vez voltando a esse ponto de mostrar que não há

essa separação (.) eu acho que isso eh eh eh:: primeiro enriquece (.) a:: a prática né a o contato

do professor e aluno (.) a a bagagem cultural do do do aluno né o conhecimento de de língua

como um todo já tô falando língua (.) pensando que na língua (.) se inserem estas

manifestações eu acho que:: eh (.) é muito importante pro aluno porque acaba atrai::ndo esse

aluno pra pra língua estrangeira↓ (.) então a eh eh (.) num primeiro momento (.) já que aqui

nós temos um problema (.) eh ou tínhamos de que o aluno não tinha opção de escolher uma

língua estrangeira (.) então ele acabava caindo numa turma ou de inglês ou de espanhol sem

possibilidade de mudar (.) e alguns normalmente os alunos que chegam isso dava até uma

pesquisa que chegam no espanhol eles têm (.) aqui no ensino médio eles têm um um passado

um olhar muito negativo (.) pro espanhol eu não sei se por conta dessas experiências ainda

muito tradiciona::is na escola de ensino fundamental (.) então eles chegam com um olhar

no::ssa de no::vo eu vou ter que aprender aquilo que já aprendi:: só são as ditongaçõ::es os

ve::rbos (.) tudo que é muito difícil então fica aquela imagem que o espanhol é uma língua

difí::cil (.) e uma disciplina cha::ta a gente consegue (.) mais uma vez desconstruir mudar essa

visão (.) claro no decorrer de três a::nos eu acho que no final no meio do primeiro ano eles já

mudam um pouco essa visão (.) então essa a a forma como as aulas são ministradas tentando

integrar aí (.) eh língua e cultura (.) acaba eh atrai::ndo esse aluno (.) pra nossa disciplina

Elíria: [ãh-hã]

Marcos: [né] (.) a pontos a ponto de de uma é até uma pesquisa que desenvolvi não tenho

aqui o os dados (.) assim de ter relatos de alunos que passaram os três anos (.) eh da disciplina

tinham uma visão muito rui::m (.) e no final assim fizeram Le::tras eh mesmo aqueles que não

fizeram Letras (.) mas que mostraram que sim entenderam a propo::sta e por que↑ que (.) tais

atividades tais debates em sala (.) eh foram importantes pra pra pra sua formação como

cidadão então ter essa resposta dos alunos (.) já é:: muito gratificante né já compensa o

trabalho que que:: (.) nós realizamos aqui (.) ºeu acho que::º

Elíria: ºãh-h㺠(.) eh... os alu- eu não entendi muito bem os alunos a- (.) aqui no ensino médio

eles têm que fazer inglês e espanhol [obrigatoriamente ou eles escolhem?]

Marcos: [não assim a- agora a gente] tá num ano de de mudança né esse ano de 2013 foi um

ano de mudança (.) mas assim até entã::o (.) eh o ensino médio daqui dura três a::nos (.) eh

por ter (.) historicamente um número maior de professores de inglês que de espanhol↑ (.) né

agora no es- no Maracanã somos quatro de espanho::l (.) eh e de inglês são s- são nove

atualmente (.) então historicamente o inglês sempre teve (.) um número de turmas maior (.) eh

e o espanhol (.) eh entrou em 2005 no currículo então aos pouquinhos foi aumentando o

número de turmas (.) mas (.) nada muito:: eh extravagante uma presença maior (.) porque os

docentes não dariam conta então (.) por essa:: questão histórica de presença de (.) eh maior de

professores de inglês (.) eh a gente nunca pô::de atender eh o ensino médio com as duas

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línguas (.) então eh no primeiro a::no acaba que assim a a a até então nesse médio (.) que

acabou (.) a entrada de alunos no ano passado em 2012 (.) o aluno eh não não não tinha direito

de escolha de língua estrangeira (.) ele acabava caindo numa grade (.) eh:: de horário (.) a

partir da da da opção dos dos docentes então os docentes (.) eh discutiam previamente a partir

das suas (.) eh:: da sua disponibilidade de horá::rio que qual turma ficaria com qual língua↓ (.)

claro uma proporção muito maio::r de:: então só um exemplo são sempre:: eram doze turmas

de primeiro (.) do primeiro ano doze do segundo e dez de terceiro↓ (.) dessas doze que

começam aí doze turmas que começam o ensino mé::dio (.) digamos que no má::ximo três

eram de espanhol (.) né então a probabilidade maior sempre foi a de turma de inglês (.) eh:: e

por incrível que pareça os que os que acabavam caindo pelo destino na de espanhol↑ (.) eh

não tem dados precisos mas assim no levantamento inicia::l não sei de quarenta alunos eram

sempre uns dez que queriam tá ali:: (.) os outros não e esses que não queriam é é legal ter no

fim no meio (.) do meio pro final um retorno nossa que baca::na (.) eu tava muito fechado mas

goste::i (.) né (.) eh quero continuar fazendo a partir do momento que se eles fazem no

primeiro eles têm que levar o estudo daquela língua (.) até o terceiro ano a menos que fique

reprova::do que aí (.) tem a oportunidade de cair numa outra turma (.) em que seja oferecido::

outra língua (.) a partir agora de dois mil e (.) e tre::ze (.) eh to::dos os alunos vão ter (.) inglês

(.) né (.) e o:: espanhol vai ser oferecido a partir do segundo a::no do aluno (.) eh no

contraturno (.) eh com matrícula:: facultativa (.) opcional (.) no primeiro momento (.) isso pro

corpo docente foi uma:: um choque (.) que a gente saiu de uma disciplina que já era (.)

digamos oficial do currículo mas oficial nesse esquema que nem todos os alunos tinham

acesso (.) e seria uma disciplina optativa (.) mas em contraparti↑da (.) eh (.) a pa- o projeto

que nós desenhamos e estamos ainda desenvolvendo esse ano (.) eh:: essa saída brusca do

currículo até possibilitou pensar um ensino diferenciado↓ (.) eh e a proposta já pro início de

2014 né já que vai ser o segundo ano dos alunos que entraram em 2013 (.) vai ser uma

proposta bem bacana (.) pro ensino do espanhol aqui na instituição (.) eh talvez assim

trabalhos pontuais ou temáticos que eram feitos em cada bime::stre (.) vão virar disciplinas (.)

então o aluno vai ter direito a a a optar por um leque (.) de projetos oficinas de espanhol um

de::les (.) é:: é mais visível volta- só voltado pra pra cultura e literatu::ra mas mais uma vez

pensando (.) nessa questão que a lí::ngua vai aparecer mediante essas discussões né↑ (.) eh a

mesma coisa em outras que talvez tenha:: uma vai ter um projeto oficina de música:: música

em língua espanhola mas não é só música letra (.) eh solta pra cantar músicas em espanhol na

verdade (.) é ma::is uma manifesta- quer dizer é um gênero textual que possibilita pensar uma

ma- uma manifestação uma expressão artística↑ (.) só que essa manifestação artística ela não

tá↑ solta isolada do mundo né ela traz ali (.) uma questão de lí::ngua um contexto sócia::l uma

preocupação daquele mome::nto (.) e sempre fazendo ponte↓ (.) então eu acho que essa essa

saída brusca (.) mas ao mesmo tempo um reto::rno (.) agora do espanhol↑ (.) vai possibilitar o

que a gente já vem fazendo (.) mas talvez em grupos menores (.) então na minha avaliação é

se já dá certo (.) eh com turmas de quarenta trinta e cinco eu acho que a tendência de ter

grupos não sei que (.) eh a partir a a a podendo atender a interesses específicos de alunos em

grupos de vinte vinte e cinco (.) vai se::r eh eu acho que a proposta o retorno vai ser muito

mais significante (.) né

Elíria: [ãh-hã]

Marcos: [que a gente] vai poder atender a interesses eh pessoa::is cada aluno opta por uma::

oficina projeto de seu intere::sse com grupos menores (.) né

Elíria: então acho que você já respondeu a minha segunda pergunta (.) hh

Marcos: da:: tá só falar assim de outras manifestações de linguagem que (.) eh:: (.) claro que

mais uma vez dependendo da da da:: das ideologias e crenças do corpo docente (.) alguns

podem até enfocar (.) mais eh a questão da cultura (.) algumas manifestações então (.) eh e::u

por exemplo como eu tenho uma formação em literatura no primeiro mome::nto (.) a gente vai

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crescendo vai modificando eu eu acabava trabalhando só com com a literatura um pouco

isolada (.) né então só o texto literá::rio só um co::nto (.) ou fragmento do:: de uma de um

roma::nce e tal↓ (.) depois que a gente vai testa::ndo e vai vendo também vai quebrando

alguns preconceitos né ah eu (.) esse conto vai ser muito complica::do então não adianta levar

um documentário não adianta levar u::m (.) u::m um filme que já é uma releitura da obra e

tal↓ (.) o::u (.) não vai da::r por conta do tempo são poucas aulas mas então assim no primeiro

momento eu tinha essa preocupação depois eu fui testando (.) né (.) e aí essas outras (.) eh

manifestações na minha prática aparecem muito né de de (.) e como a gente trabalha muito a

partir da da perspectiva dos gêneros (.) eh textuais é muito interessante brincar com esses

gêneros né (.) eh:: possibilitar que um exemplo de um (.) co::nto o aluno transforme (.) eh

numa peça de teatro (.) que de um co::nto ou de fragmento de um roma::nce ele observe como

determinado diretor conduziu isso num num num filme na linguagem (.) cinematográfica e

pedir que elaborem um outro final (.) ou uma outra leitura então a gente brinca muito com a

retextualização (.) que é esse conceito de:: (.) mudar os gêneros mantendo (.) eh digamos a

temá::tica né as configurações de formatação são diferentes (.) e essas ma- outras

manifestações de linguagem assim eh acabam (.) sendo:: diferentes a partir ( ) como eu falei

das crenças ou ideologias de cada docente↓ (.) eu gosto muito de de de inovar (.) né de não

repetir então se em determinado ano (.) eu trabalhei muito:: o diálogo entre literatura e cinema

no outro eu tento fazer literatura e fotografi::a (.) mas outros docentes que talvez peguem a

mesma série talvez não não trabalhem com literatura (.) ou ou o::u... [ou talvez ( ) gênero]

Elíria: [tem um pouco também] da formação né

Marcos: [depende um pouco da formação]

Elíria: [( )]

Marcos: mas assim normalmente aqui somos todos muito ecléticos (.) né:: eh ou talvez é o

que eu falei talvez um filme puxe↑ (.) eh talvez um gênero:: (.) primeiro eh eh o o o filme a

questão da do cinema que vai acabar puxando (.) eh:: a literatura né (.) eh mas isso depende

muito eh como você falou (.) eh:: do professor se sentir à vontade (.) porque o que eu observo

muito (.) até porque assim eu também aí trazendo o o relato dos alunos da da lato sensu que

nós temos aqui↑ (.) claro tem professores que têm um histórico já de eh deficiência ou de

leitura na sua formação de educação (.) básica fundamental médio chegam na Letras e saem

da Letras ainda com deficiência de (.) principalmente no letramento literário (.) ou talvez

assim a formação (.) da escola já foi uma formação uma formação muito:: (.) eh de literatura

como cobra::nça como cobrança de:: (.) saber as caracterí::sticas o momento que começa e

termi::na (.) e aí chega na faculdade alguns professores mantêm essa visão (.) e (.) logo a sua

prática ou↑ vai reproduzir isso ou↑ o total afastamento então não vai querer trabalhar de fato

com literatura↓ (.) eh ou tem medo de não não dar conta (.) numa língua estrangeira às vezes

muito pelo léxico pelo vocabulário ou talvez se o aluno perguntar alguma coisa (.) eh:: e o

professor não não vai conseguir (.) eh interpreta::r ou dar uma resposta ou às vezes tem medo

(.) de:: não sei de de ser também uma experiência negativa pro aluno (.) então eu acho que a

pessoa tem que se sentir muito à vontade porque até dizem né que (.) eh:: o professo::r que às

vezes trabalha com literatura mas não se sente muito:: (.) eh capaz de trabalhar com texto

literário pode acabar eh prejudica::ndo (.) a formação da:: daquele aluno eu acho que isso

claro precisa de (.) de pesquisa ma- mas a gente tem eh inúmeros casos assim de experiências

negativas na esco::la (.) que resultaram que resultam sim num afastamento do:: do aluno né (.)

eh da leitura seja do texto literário ou de qualquer outro:: gênero↓ Elíria: [ãh-hã]

Marcos: [né] (.) mas aqui nós somos bem ecléticos em relação a:: (.) diferentes formas de

trabalhar linguagem né↑

Elíria: hmm (.) em relação ao::s licenciandos que você orienta↓

Marcos: ãh-hã

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Elíria: eh você... você acha que eles (.) como você acha que eles articulam os saberes teóricos

co::m essa prática (.) de estagiários?

Antonio: ãh-hã (.) é eu acho que assim eh... na na verdade eu tô aqui há seis anos então eu já

pude acompanhar em alguns momentos assim diferente::s (.) eh tipos (.) de:: de licenciandos

né (.) então assim no hmm agora eu tô eu eu reparo que:: (.) eles tão conseguindo já chegam

aqui:: no início do:: do ano assi- eu falo assim início do ano (.) pelo menos eles começam a

fazer estágio quando a gente não tá em período de greve em março (.) então acredito que já

tiveram pelo menos um mês de aula né na faculdade de educaçã::o ou Letras (.) que já (.) já

têm uma formação maior (.) mas eu observo que eh dos últimos a::nos dos últimos anos pra cá

(.) os alunos assim já trazem (.) eh conceitos ou leituras que são (.) eh já:: (.) interessantes pra

pra entende::r eh a nossa proposta (.) de trabalho (.) né então assim conceitos que:: dialogam

muito com a proposta de trabalho que a gente (.) desenvolve aqui como as tipologias textua::is

(.) da questão dos gêneros discursi::vos (.) na verdade são são são conceitos que fundamentam

a nossa nossa concepção de linguagem↓ (.) eh então é um aluno que já chega (.) sabendo

reconhecendo a importância dos gêneros das tipologias (.) da questão do mundo social da da

língua estrangeira como papel educacional então (.) são conceitos que talvez pro pro pro

licenciando (.) podem ser soltos ou não (.) mas que de uma forma ou outra (.) já acho que no

primeiro bimestre que acompanham (.) eles já observam que aquilo tudo dali faz sentido (.) eh

pelo menos aqui (.) nesse contexto já que eu também já (.) já trabalhei em outros contextos em

que essa proposta (.) eh mais (.) crítica reflexiva de aprender língua e cultura de pensar língua

não era possível (.) porque cada instituição (.) tem os seus tratos os seus conteúdos então em

outras instituições↑ (.) era uma questão muito:: (.) sistemática (.) tem que fazer isso porque

tem o livro (.) aqui não a gente até tem um livro adotado pelo PNLD mas (.) eh tem uma

liberdade uma autonomia daquele professor e o livro fica como u::m objeto de estudo dirigido

(.) de apoio pr'aquele aluno↓ (.) então eu observo que:: é é legal pro pro pro aluno acho que é

até uma mudança também da (.) da formação inicial↑ (.) trabalhar alguns conce::itos (.) tudo

bem que:: (.) esses alunos que eu recebo (.) eles não aprendem o o conceito e ao mesmo

tempo vão pra sala de aula então eles já trazem uma formação sei lá (.) de de quatro ou cinco

anos e aí no final↑ (.) vão ver aquilo tudo o ideal fosse↑ (.) se fosse articulado↓ (.) mas eh eh

eh é interessante porque eu vejo que para ele faz sentido (.) né então quando eu falo ah o

nosso programa é assim assim assim eu pensei (.) esse eh esse planejamento de bimestre por

isso por isso e por isso (.) o aluno já:: (.) faz a a relação (.) eh:: (.) então pro aluno é muito

interessante e pro professor também (.) né no caso o o pro- o o supervisor (.) hmm a minha

figura (.) o próprio estagiário quando prepara as aulas ele já sabe que:: (.) eh tudo que é feito

na sala de aula (.) tem uma uma uma explicação uma fundamentação (.) eh por detrá::s então a

própria o próprio planejame::nto (.) eh já tá muito fundamentado então a gente não não não

tem mais aulas como no iní::cio (.) muito soltas ou descontextualiza::das ou que uma

atividade não não (.) não relaciona- não era relacionada com a o::utra (.) ou talvez assim uma

aula que não tivesse uma preocupação em integra::r (.) eh:: essas visões que pra pra alguns no

início eram separadas entre língua e cultura (.) ou uma aula que não fazia ponte nenhuma com

o momento que o aluno tá vivendo ou com o momento que nós estamos vivendo então era

uma aula (.) muito ainda presa a modelos de:: de ensino de língua materna ou estrangeira do

passado↓ (.) eh e aqui eu acho que a gente tem uma facilidade maior↑ (.) eh normalmente os

alunos que eu também recebo eles fazem prática de português e de língua estrangeira aqui↑ (.)

o trabalho é muito parecido com o trabalho da da equipe de língua materna↓ (.) então isso pro

aluno é muito importante né:: é uma vivência:: comum (.) apesar de ser (.) são são

coordenações diferentes mas o:: o o trabalho é muito semelhante (.) então isso:: faz mais

sentido ainda pra pr'aquele aluno que percorre aqui↓ (.) claro que isso gera eu também já tive

retornos de aluno (.) a oportunidade de vivenciar nesse contexto que eu que eu atuo (.) é uma

experiência tão positiva pro aluno tã::o (.) instigante à pesqui::sa a a continuar que às vezes

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assim (.) tem relatos de estagiários que já passaram por aqui↓ (.) que vão que que acabam indo

(.) eh pra outro contexto de trabalho ou pra outras experiências e aí ficam um pouco:: (.) eh

tristes ou tendo uma visão novamente pessimista do ensino porque↑ (.) tais questões que são

aplicadas aqui mais um vez eu tenho a sorte (.) de ter autonomia e também alunos muito bons

(.) eh então alunos que vão estagiários que foram estagiários que vão pra outro con- outros

contextos e não têm (.) autonomia no seu trabalho pra propor pra cria::r (.) ficam presos a um

cronograma ou talvez os alunos não respondem (.) ou não correspondem (.) àquelas

expectativas iniciais mas é como eu falei é uma questão de:: (.) testagem (.) né testagem pra

pensar novas estratégias cla::ro (.) que depende també::m né de gestã::o de coordenaçã::o que

são fatores (.) outras comunidades (.) eh que acabam influenciando a comunidade docente a

comunidade do nosso trabalho (.) [né↑] Elíria: [ãh-hã]... eh você pode me dar um exemplo (.) de um tra- algum trabalho que você

tenha feito com os seus alunos (.) que tenha contribuído pra:: (.) sensibilizá-los (.) em relação

à produção estética ou até mesmo pra:: emancipação deles?

Marcos: ãh-hã (.) eh tem tem assim tem dois que eu que eu (.) que eu gosto muito um que::

(.) primeiro foi motivado de fato pelo pelo texto literário eh por literatura (.) e aí relacionava

outras linguagens e o outro na verdade o foco não era muito chegar ao texto literário mas

acabou chega::ndo (.) eh por conta de uma mudança aí no no meio do processo do percurso do

planejamento um deles (.) eh:: (.) então passo a relatar agora um deles então era numa série de

segundo a- numa:: no segundo ano do ensino médio (.) o foco aqui do do segundo ano do

ensino médio é narração (.) então é um eixo eh:: tipológico que orienta (.) no decorrer no ano

(.) eh o trabalho e a seleção com alguns gêneros (.) eh textuais então era uma uma turma do

segundo a::no segundo bimestre então (.) o:: eles já tinham estudado no no primeiro bimestre

(.) eh o que é a narração na verdade ( ) fizeram uma revisão né porque:: (.) é engraçado que os

alunos assim já:: passaram pela escola e conhecem (.) alguns gêneros e conhecem as

tipologias↓ (.) mas quando a gente fala (.) dessas tipologias numa aula de língua estrangeira

em que eles não esperam discutir isso (.) eh:: parece que às vezes eles esquecem coisas

básicas como os eleme::ntos (.) eh de um de um texto narrativo então era um segundo

bimestre segundo a::no cu- cujo foco era a narração↓ (.) e aí o gênero:: ou (.) o gênero que

encabeçava aí o bimestre (.) era a questão do:: (.) da narração em contos (.) eh fábulas e

lendas e aí eu resolvi começar pelo:: pelo conto (.) eh discutindo o que que é conto as

possibilidades de conto contos que são (.) eh maiores que levam aí a um possíve::l (.) eh:: a

uma po- a um possível roma::nce a micronarrativa e tal e aí eu acabei selecionando (.) eh

alguns escritores (.) eh... no caso:: da América Latina (.) na verdade tinha até um um um do

Brasil mas era só pra não não (.) saber que o Brasil também participa ali da América Latina né

(.) ou seja ao mesmo tempo que a gente (.) lê algo e aprende algo sobre a cultura do outro não

esquecer que somos daqui (.) né (.) e tinha um também um ou dois eh:: (.) da Espanha↓ da

Espanha mesmo no caso aí foi be::m de Madri (.) né:: então eram era::m basicamente oito ou

nove possibilidades de autores (.) e contos (.) desses desses autores mas contos extensos não

eram (.) micronarrativas então (.) eram contos de mais ou menos quatro páginas até:: (.)

alguns por exemplo do Julio Cortázar que se- que não era::m (.) tranquilos pr'um aluno de

segundo ano o aluno que:: (.) eh não tá no nível avançado mas era↑ (.) proposital né (.) eh::

então (.) o trabalho inicial era a partir desses contos mas assim claro que o:: segundo bimestre

era (.) eh contos em alguns gêneros (.) quer dizer narrativa em alguns gêneros conto fábula

lenda (.) mas eles já tinham lido no primeiro bimestre no finalzinho (.) um pouco de conto de

fa::das né que possibilitaria aí fazer a ponte com um texto maior (.) mas assim esse tipo de

atividade (.) é uma atividade (.) é um projeto realmente né é um bimestre falando sobre isso

então no primeiro momento antes de entregar pra eles os autores (.) eu acabei trabalhando em

sala um conto (.) né do:: Horacio Quiroga↓ (.) eh:: (.) no caso era o:: Anaconda (.) então eh

primeiro explora::ndo como aparece a narração (.) eh quais são os elementos na narração

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como eh como ( ) aparecem todos eles né o espaço os personagens o tempo nã nã nã nã nã nã

nã (.) até apresentar a proposta então (.) eu não gosto muito de apresentar a propo::sta logo de

imediato do projeto daquele bimestre porque aí você já pode gerar um pânico (.) nesses alunos

(.) então foi possível ler o conto em sa::la leitura silenciosa leitura em voz alta pra esse conto

inicial do Horacio Quiroga umas duas aulas (.) era um bimestre até que:: eh eh nós tínhamos

nove aulas (.) até numa terceira aula que eu expliquei a proposta então que eles teriam que

escolher (.) um conto um daqueles contos e to- a cópia já estava ali (.) porque alguns (.) já

estavam em coletânea (.) (desculpa) não tem na internet às vezes pode ser uma versão (.) eh

diferente o aluno pode buscar os resumos né que isso (.) a gente sabe que pode acontece::r (.)

eh:: então acabei entregando a có::pia eles eles decidiram então de fato o trabalho seria

primeiro apresentar pro grupo (.) como se apresentam (.) os elementos da narrativa naquele

conto↓ (.) apresentar a tra::ma (.) principalmente a trama narrativa (.) então apresentar o

momento do:: qual é a ação inicial o momento de clímax (.) de nudo de problema e como

termina (.) aquela narrativa (.) e eles tinham que fazer uma transposição daquela linguagem

do conto pr'uma outra (.) eh:: (.) dessa primeira vez que eu apre- apresentei a atividade sim (.)

era só:: dramatização↓ (.) numa segunda eh momento eu já abri (.) a possibilidade então podia

ser uma peça (.) em sala ao vivo como foi esse relato que eu tô faze::ndo (.) podia se::r (.) eh

um videoclipe (.) numa outra linguagem que aí já:: num outro grupo num outro momento

apresentou uma coisa muito mais moderna (.) muito mais século vinte e um (.) eh podia ser

um documentá::rio então às vezes é bom abrir também porque isso possibilita (.) a

criatividade dos alunos (.) mas a primeira vez foi (.) eh fazer uma uma leitura um teatro (.) em

sala (.) não necessariamente de todo o conto (.) mas como o grupo faria eh eh a leitura

principalmente da da da das cenas (.) principais mantendo sim (.) a:: ou seja não tava aberto

pra pensar um outro fina::l ou mudar a história então (.) como numa peça de teatro que aí sim

você tem outros elementos da narrativa né uma outra linguagem (.) você transformaria aquela

história↓ (.) né (.) mas assim até chega::r (.) a essa apresentação dos alunos (.) eh:: (.) do de

como se estrutura a narrativa nesse conto e até chegar também a a apresentação da peça de

teatro a gente (.) eh nós tivemos alguns encontros né tudo isso tinha que a- acabar

acontecendo em um bimestre aconteceu em um bimestre acredito que uma ou outra aula (.) do

bimestre seguinte que era o terce::iro (.) mas com alguns encontros então não foi uma

atividade ah tá (.) eh vou vou vou dar um mês pra você::s e aí daqui a um mês vocês voltam

aqui pra apresentar primeiro eu tinha que ter certeza (.) se todo mundo entendeu o conto né e

aí eram discussões que não não (.) não podiam ser em sala tinha que ser com grupos menores

(.) então nesse bime::stre (.) eh foi passado esse trabalho mas ao longo desse bimestre eu fui

trabalhando:: (.) eh outros contos curtos fábulas e lendas e dando um suporte em outro horário

(.) pra esses alunos pra que o grupo tivesse presente então é uma avaliação também do

processo e não só (.) daquele produto final então normalmente os alunos (.) fizeram (.) alguns

traduziam (.) pra entender melhor o conto pra depois criar assim um roteiro pra dramatização

(.) não que eu ache que:: que isso é bom ou ruim (.) mas alguns grupos tinham a necessidade

de buscar resumos daquele conto (.) ou porque não entenderam nada (.) que tinha:: um

exemplo (não) entendeu Julio Cortázar (.) quando aparece elementos do fantástico é difícil né

você tem que (.) mostrar também pro aluno que (.) o a linguagem os sentidos são múltiplos (.)

então a todo momento ele tem que ter essa sensibilidade alguns mais outros menos (.) né (.)

eh:: então alguns alunos buscavam recursos da internet resumos ou fa- fazer quase uma uma

tradução de uma leitura co- eh coletiva isso que é legal né de ter uma leitura coletiva dos

alunos (.) pra criação↑ (.) primeiro pra pra atender a esse roteiro que eu pedi de apresentar

aquele conto ( ) enquanto estrutura narrativa (.) e depois pra fazer uma uma uma leitura né de

eh de um teatro↓ (.) e e é legal no produto final que assim que eles conseguem (.) deram conta

(.) e de como eles transformam (.) aquele:: (.) aquele texto literário aquele conto num teatro (.)

né e aí sim eles sabem que tem que ter a importância (.) de recursos sono::ros da da da da

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vestime::nta e eles se comprometem (.) né isso que que é mais gratificante né do do do

trabalho como eles conseguem fazer também (.) a dramatização na língua estrangeira uns com

dificuldades outros menos (.) só que isso é o de me::nos pra mim (.) né então (.) é claro que eu

sou professor de espanhol trabalho com os textos em espanhol mas se um aluno (.) comete um

erro ali de espanhol numa apresentação pra mim vale o conjunto (.) vale de fato ele ter tido

esse contato (.) com um texto que até então talvez se ele tivesse num outro momento ele

nunca ia ler (.) né (.) eh também dando certas liberdades né um exemplo (.) há contos como::

Casa tomada que (.) eh (.) alguns grupos chegam no final eh muito:: (.) eh primeiro do texto

acham que:: tem fantasmas no espaço (.) outros já com uma linguagem uma leitura muito

subjeti::va (.) dependendo do do grupo se se se fosse (.) eh:: um grupo talvez eh pensando

essa prática numa formação de professores (.) talvez si::m entrar com um texto teó::rico que

pudesse mostrar leituras possíveis (.) pr'aquele conto só que não DÁ (.) pra pra pra fazer tudo

isso na sala sim que é um debate de apresentar olha (.) algumas pessoas fazem tal leitura desse

co::nto tã tã tã tã tã tã outra pena é que nem todo mundo pode ler todos os textos (.) né então

(.) essa estratégia de trabalhar texto literário co::m (.) o:: (.) a representação a dramatização (.)

possibilita isso né que o grupo conheça tal autor↑ (.) já que eles acabavam apresentando o

auto::r onde viveu o auto::r o momento de produção do texto (.) através de outros amigos

outros companheiros↓ (.) e melhor ainda quando a gente tem estrutura né pra isso então eh (.)

aqui nós temos (.) a essa atividade não foi na sala de aula normal tradicional de::les que aqui

por sinal é muito barulhenta (.) né que é ao lado da radial oeste (de um grupo) do outro é aqui

da general canabarro então (.) nós a eh os alunos apresentaram na época um grupo apresentou

alguns grupos apresentaram no laboratório de lí::nguas (.) outros apresentaram muitos no

PALCO no teatro que aqui nós temos (.) eh:: eh a disciplina de educação artística que tem

algumas modalidades uma delas é teatro assim (.) não foi feito nenhum trabalho da minha

parte com a professora de artes cênicas (.) que poderia também ter sido pensado né (.) eh uma

próxima alternativa ainda não tive essa possibilidade mas é algo que que fica (.) caso eu repita

essa (.) essa atividade mas e- (.) eu lembro que do- eh dois dias duas apresentações aí foram

no palco (.) e aí eh (.) o registro de foto (.) foi muito mais simbólico pr'os alunos faze::r (.) a

a:: aquilo (.) num palco (.) né:: claro que assim todas as experiências aqui (.) do do ((nome da

instituição)) (.) foram muito positivas com essa proposta de atividade eu já tive (.) a

oportunidade de fazer isso numa escola privada que isso não foi:: (.) mil maravilhas foi muito

complicado (.) tanto porque pra alguns professores (.) a as apresentações (ou) acabava

atrapalhando (.) porque era muito baru::lho eram alunos que batiam pa::lma (.) eh outra ou

seja fui chamado atenção de professores em instituição↑ (.) e por outro lado até isso foi num

contexto priva::do os alunos não se entregavam↓ (.) não se envolviam↓ (.) e aí (.) que cada

contexto de trabalho vai mostrando pra gente né então se os alunos não se envo::lvem (.) eh

que são alunos que (.) eh até por conta da própria estrutura né talvez na instituição privada

aquela específico (.) de ser muito:: (.) tradicional ou de tá fazendo aquilo por uma mera nota

(.) diferente desse contexto que eu trabalho que os alunos se envolvem isso que eu que eu

acho que (.) eh o retorno está por aí de vivenciar uma experiê::ncia (.) em que eles acabam

valorizando↓ (.) essa foi uma não sei se eu fui muito claro pra relatar

Elíria: ºsim [sim]º

Marcos: [e] assim além disso o uma parte que era fundamental era no final (.) u::m

questionário de autoavaliação↓ (.) eh:: quer dizer (.) autoavaliação e uma avaliação do grupo

(.) também (.) e até teve uma uma menina (.) a última vez que eu apliquei essa atividade acho

que foi em 2011 até uma uma das estagiárias do do Márcio (.) que fez o seu trabalho de::

estágio sobre essa:: essa experiência↓ (.) né (.) e a outra atividade na verdade começou com

cinema (.) eh começou com um filme eh (.) Todo sobre mi madre (.) do Almodóvar (.) que era

pra:: (.) desenvolver um trabalho também era (.) eh um segundo a::no (.) narrativa eu gosto

muito hh de segundo ano aqui porque (.) eu acho que a narração possibilita:: ter contato com a

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descriçã::o com as outras (.) tipologias... não sei mas eu eu tenho uma uma uma uma

criatividade maior pra pra trabalhar aí com gênero::s (.) mais narrativos então era também no

segundo ano último bimestre quarto bime::stre (.) em que era um bimestre pra discuti::r (.)

eh:: personagens co- construção de identidade (.) dos persona::gens (.) eh como se- aparecem

os personagens (.) nas narrativas cinematográficas do Almodóvar↓ (.) porque eu queira

trabalha::r também a autobiografia né deles né (.) e aí eu acabei selecionando Todo sobre mi

madre↓ (.) e aí dividi depois da exposição do filme de duas aulas os alunos em e::m filmes (.)

do Almodóvar↓ (.) mas aí depois que eu passei essa atividade na semana segui::nte eu já fui

chamado (.) pela:: pelo apoio pedagógico↓ (.) da escola (.) em que:: alguns pais eh::

contestaram reclamaram da proposta (.) eh de tá discutindo e- essa questão dos persona::gens

por conta dos filmes do Almodóvar↓ (.) eh eu confesso que assim eu não tinha me preocupado

em ver a ca- a:: classificação etária (.) de todos os filmes (.) eu acho que eu errei por aí (.) mas

assim a gente tá pensando de alunos que estão indo pro terceiro a::no (.) que discute temas

como (.) sexualida::de religiã::o (.) questões políticas seja da Espanha em determinado

momento (.) são questões importantes pra construção de um sujeito na verdade eu já já faço

isso na minha prática (.) talvez não mostrando um filme de Almodóvar (.) né na verdade e- era

pra discutir isso e bus- e dialogava (.) um pouco co::m (.) com o texto literá::rio e também

com a própria autobiografia do:: do Pedro Almodóvar↓ (.) e aí no meio do processo ou seja

nessa quarta aula eu falei bem o que eu vou fazer agora né não vou mais pode::r (.) quer dizer

os alunos alguns se empolgaram também gostaram do Al- do do do filme Todo sobre mi

madre alguns já tinham até assistido (.) os seus filmes pegado nas locadoras e tudo mas eu não

podia (.) eh já que o tra- o trabalho era esse né eh selecionar trechos do dos filmes (.) eh pra

apresentar pr'os alunos como se dá a construção desse personagem (.) pra depois fazer a ponte

com esse:: texto literário com a autobiografia do Almodó::var (.) eu tive que mudar todo o

todo o todo o:: a proposta porque:: (.) eh eu fui logo informado a sorte foi essa né que eu não

poderia (.) eh desenvolver o traba::lho e aí eu acabei mudando (.) eh:: tive que me inspirar

então (.) no Todo sobre mi madre pra que cada um criasse (.) uma autobiografia sua (.) da sua

história de vida da história de vida da sua famí::lia (.) eh numa fotonovela (.) em que então

eles tinham teriam que fazer uma uma fotonovela só com imagens de:: de si (.) e narrando em

espanhol a sua história de vida↓ (.) mas até chegar a essa produção também a gente leu (.) eh

leu e a a:: (.) fragmentos da autobiografia do Almodóvar↓ (.) assistiu alguns documentários

que o próprio Almodóvar falava da construção dos seus persona::gens que que (.) todos esses

documentários estava::m ainda estão né eu acredito disponíveis no Youtube (.) eh discutiu

principalmente essa questão por que:: as mulheres estão tão presentes em Almodóvar da

música:: (.) eh Yo quiero ser una chica de Almodóvar ou seja discutiu muito sobre:: (.)

continuou a proposta um pouco inicial de discutir a questão das mulheres (.) das personagens

ou dos homens que são mulheres no Almodóvar↓ (.) eh confesso que descartei depois o texto

literá::rio (.) pra que desse tempo (.) dessa produção da:: da fotonovela↓ (.) por outro lado um

outro problema surgiu (.) que nem todos os alunos queriam (.) expor a sua vida porque os pais

também não deixavam então a todo momento (.) a gente tem que apresentar as propostas mas

saber (.) eh modificar caso aconteça algum problema então alguns alunos acabaram (.) eu dei

essa liberdade de de de ir criando (.) uma:: (.) uma:: história possível pr'os personagens do

filme (.) né então alguns buscavam a história de um determinado ator do mundo real (.) que

fez aquele filme mas eu não queria totalmente isso porque (.) tinha que ter a sua a a o seu

trabalho individual (.) eh de produção textual do espanhol né então eles tinham que escrever

uma história mesmo que fictícia pr'um personagem tal (.) não só copia::r a história do ator tal

da internet e ler em voz alta (.) pr'um pr'um trabalho de imagens↓ (.) eles tinham que que ter

uma produção e depois gravariam↓ (.) e deu muito certo também foi uma experiência muito

positiva (.) principalmente assim na troca de experiências né do no à medida que os alunos

iam apresentando as suas fotonovelas (.) de deles observarem que já estavam convivendo dois

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a::nos (.) era o final de um segundo ano era mais ou menos novembro dezembro (.) em que

eles acabaram aprende::ndo vendo como como aqueles como aqueles sujeitos se construíam

né (.) e por outro lado um grupo (.) muito revoltado que trouxe isso pr'as discussões (.) eh:: de

por que que a a proposta dos Almodóvar de discutir a a questão dos personagens o foco era (.)

basicamente ne- nessa proposta discutir (.) a questão do do universo femini::no (.) ou da

sexualidade↓ (.) em sala de aula e como isso aparece um pouco no texto literário↓ (.) então

alguns alunos (.) apresentavam seus trabalhos ou (.) nessa de um conhecer a história de vida

do outro ainda (.) a incompreensão de (.) por que:: que numa escola (.) eh pública que os

professores têm autonomi::a nã- não continuamos com tal (.) proposta por que que alguns pais

pensam assim nã nã nã nã nã nã (.) eh:: ma::s assim a gente não chegou a discutir (.) o texto

literário (.) eh que era um relato em primeira pessoa (.) eh de um de um de um personagem

que tinha uma problemática:: (.) identitária (.) em relação à sexualida::de família tudo isso (.)

por conta dessa mudança de proposta então falei assim ah pela primeira vez eu fiquei com

receio (.) de fato de gerar mais problema (.) [né:]:

Elíria: [mas qual é] qual é o nome do texto?

Marcos: agora eu assim não é nenhum escritor canônico agora eu de cabeça eu não não tenho

foi um pouco um achado (.) mas assim tem inúmeros outros que que a gente poderia fazer isso

assim se tivesse um tempo maior O:: beijo da mulher ara::nha então (.) eh mas não era um

canônico foi um achado assim é um escritor bem contemporâneo eh:: mas assim (.) alguns

alunos até pediram↓ (.) né depois a a referência era um blog e eu acabei passando (.) mas

assim já era final de bimestre eu também de ano de bimestre eu já tava um pouco (.) fiquei

chateado com a mudança de proposta falei não vou mais (.) eh provocar nada eh mas assim

acabou que a proposta ficou continuou sendo rica (.) principalmente eu acho assim (.) eh por

conhecer mais os alunos (.) né nos seus relatos nas suas histórias de vida (.) verificar também

que eles atenderam num primeiro momento a proposta de de de uso da língua espanhola de

escreve::r em espanhol e depois colocar (.) na sua voz de de de tá (.) conjugando muito bem

de fazer uma narrativa (.) com início meio e fim ou alguns acabavam colocando de trás pra

frente (.) né in media rex (.) mas isso foi muito interessante assim por↑ (.) possibilitar

conhecer os meus alunos (.) então assim mesmo que a proposta inicial tenha sido:: (.) eh

desconstruída (.) mas eu acho que a experiência foi boa↓ (.) o produto final (.) né (.) eu acho

que de relato esses dois (.) bastam né hh

Elíria: hh e:: qual é a importância pra você da pesquisa (.) em literatura?

Marcos: aonde na:: (.) na ca- na:: (.) na universidade ou na::

Elíria: sim

Marcos: é o que eu acho assim eu é o que eu falei eh... eu eu tenho uma eu eu venho de uma

formação em literatura (.) eu venho de uma de uma universidade de uma formação que

acredita sim que os conhecimentos estão em caixinhas↓ (.) que quem pesquisa da área de

literatura não pode se interessar por questões de língua (.) ou quem é de língua também não

pode se interessar por questões de literatura↓ (.) então eu venho de uma formação↑ (.) que

pensa assim (.) mas isso não é só nesse contexto que eu me formei eu acho que é uma questão

muito nacional eu acho que (.) um grupo (.) eh:: da nossa área vem desde aí um pouquinho

dos anos noven- eh dois mil pra cá quebrando (.) eh:: (.) essa visão né que eu acho até que é

uma visão preconceituosa nós vivemos num momento de globalização de trocas de saberes (.)

em que a gente tem sim que dialoga::r saberes (.) eh pessoas que sabem um pouco de uma

área (.) eh podem sim ter um conhecimento de outra então (.) eh eu acho que no universo da

academia ainda tá muito:: estanque separado pesquisas (.) de literatura e a literatura não

como:: (.) ensino de literatura literatura como ainda muito:: (.) eh:: SÓ (.) a expressã::o de um

determinado escritor de um determinado momen- de um mome::nto (.) eh então são pesquisas

de literatura que não são aplicadas↓ (.) então por um lado a academia tá muito fechada na

literatura↓ (.) ainda muito nos nos escritores canônicos↓ (.) eh nas pesquisas de:: eh lí::ngua e

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aí falando língua bem bruto mesmo (.) pode ser só de linguística ou de linguística aplicada↓

(.) e pouco (.) eh relacionando linguística aplicada a essa literatura↓ (.) né o::u questões de

pensar sim o professor que está na universidade (.) dando aula de literatura porque ele acha

que não é papel dele (.) fazer essa transposição daquilo que ele tá ensinando pra como o

professor pode (.) usar talvez aqueles conceitos pra:: usar na sala de aula↓ (.) então acho que o

universo (.) atual ainda é dessa forma↓ (.) por outro lado eu (.) como sempre:: não não aceitei

isso (.) e eu acho até que paguei na na pele por (.) ser de eh taxado como de literatura mas tá

falando sobre:: (.) eh linguística aplicada eu acho que eu vivi isso na pele e talvez ainda:: eh::

viva (.) né ainda sinta (.) eh esse olhar da academia ué parece que ele não sabe o que quer (.)

né parece que assim como você ficou rotu- rotulado (.) você faz pesquisa de literatura e você

só sabe aquilo você só pode falar sobre aqui::lo (.) eh:: a sala de aula é um outro universo

então eu eu fico feliz quando eu ve::jo (.) quer dizer eu faço isso constantemente (.) até:: aqui

quando:: eu acabei o doutorado fui pro pós-doutorado (.) eu quis buscar uma outra área pra de

fato mostra::r (.) ou legitimar mais o meu discurso mostrar que sim eu sou capaz (.) de pensar

em questões de sala de aula mesmo sendo taxado (.) como da:: Literatura mais

especificamente Literatura (.) Letras Neolati::nas Literatura Hispanoamericana Literatura

Mexicana

Elíria: hh

Marcos: né tanto campo de especialização (.) então eu acho que:: depende muito do dos

sujeitos então eu acho que:: (.) quem é (.) taxado como da literatura mas (.) eh como dizem al

fin y al cabo somos professores de língua e eu entendo língua como li- eh lí::ngua e cultura (.)

logo eu represento diferentes manifestações da linguagem (.) de um povo ou de diferentes

povos que falam espanhol então (.) eh e ainda mais eu sendo professor da educação básica

assim (.) se eu penso a literatura como aquele saber ainda muito tradiciona::l (.) eu ficaria

muito:: não sei eu acho que triste em não poder levar aquele saber tradicional (.) pra minha

sala de aula de educação básica que também não é possível levar daquela forma tradicional

então (.) eu acabo sendo professor de língua (.) eh:: (.) onde as questões de identida::de de

literatura e de sujeito aparecem na minha fala na minha prática na minha forma de conduzir (.)

lo::go (.) eu desenvolvo questões pesquisas aplicadas seja com literatura ou com outros temas

na sala de aula (.) e tenho o desejo de falar sobre elas na academia (.) eh:: e cada vez mais

esse número de professores que eu acho como eu (.) que têm uma formação tradiciona::l e que

falam sobre questões de literatu::ra e ensino de línguas (.) tá cada vez maior (.) então isso

tende a no futuro (.) eh mo::dificar (.) o olhar da academia ou não (.) né (.) porque eu acho

que enquanto os sujeitos que estão na academia (.) eh:: como ainda são os mesmos (.) aos

poucos a gente tá tendo uma (.) uma muda::nça até por questões... de de aposentadori::a de

novos cu::rsos de um de um novo pensar↑ (.) eu acredito (.) eh:: que isso (.) eh se modifique↓

(.) mas claro não é porque eu acho que o professor (.) professor sim tem que saber um pouco

de tudo (.) que não exi- não não existam as a:: as especializações de um determinado campo

do saber (.) sim (.) eu acho que a gente passa todo o momento aí da nossa vida na academia

querendo encontrar um grande tema (.) pra ser citado (.) né em algum lugar ou descobrir

alguma coisa nova↓ (.) mas eu acho que sim é possível que um professor se dedique a a (.) a à

área (.) como um todo de Letras né claro que há subdivisões mas a a gente tá pensando num

professor que é um professor de linguagem (.) né língua e linguagem já é um conceito tã::o (.)

eh:: polêmico então eu vejo a literatura como uma linguagem (.) eh porque:: a gente não não

pode mais pensar só a mera língua como estrutura como alguns pensam né (.) então eu acho

que:: tem um olhar muito preconceituoso (.) né da academia e a gente tem que batalhar pra

que isso:: diminua

Elíria: ãh-hã

Marcos: né:: no decorrer aí do tempo

Elíria: eh... você já falou um pouquinho mas você quer falar um pouco mais sobre (.) essas

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experiências desde a conclusão do seu pós-doutorado?

Marcos: é assim a questão do do do do meu pós-doutorado assim não foi em relação (.) foi

um tema que que tá relacionado ao contexto em que eu trabalho que é a rede federal de

educação profissional e tecnológica (.) só que não não não foi uma pesquisa relacionada à

minha sala de aula↓ (.) e eu também não quis (.) eh... fazer nenhuma pesquisa em que

pudesse:: envolver (.) questões de língua e literatura porque também um outro preconceito é

achar que quem é de literatura como eu né (.) s- eh quando vai pro terreno da linguística

aplicada ou quando vai pro terreno (.) da da língua como as pessoas pensam só pode fazer

pesquisa sobre (.) formação do professor (.) de literatura (.) ou letramento literá::rio como

ensinar literatura na aula de língua estrangeira e em relação há inú::meras produções (.) de

como ensinar literatura (.) eh ou poucas ainda de como pensar a formação do professor de

literatura ou o papel do professor de literatura na universidade↓ (.) na formação do professor

da educação básica↓ (.) então eu também não que- não é que não queria eu acho que já falei

um pouco sobre isso no artigo dois (.) mas eh eu eu não estava nesse momento que entrei pro

doutorado motivado a pesquisar sobre isso (.) talvez até (.) por tá orientando uma alu::na ou

duas na na lato sensu daqui sobre isso (.) eu tinha um o::utro interesse maior (.) relacionado a

esse contexto que eu pesquiso (.) mais late::nte de querer logo divulgar de querer falar até por

conta (.) eh:: desse olhar ainda muito fechado da academia (.) pro contexto em que eu atuo

então eu vivo um pouco isso né de (.) querer que a academia a universidade tradicional

conheça (.) a rede profissional e tecnológica conheça os ((nome da instituição)) conheça os

institutos (.) eh (.) e aí eu acabei pesquisa::ndo as licenciaturas em espanhol que que que

nascem nessa rede profissional de educação tecnológica (.) que são ainda:: (.) elas nasceram

em 2006 eu acabei (.) fazendo a pesquisa de do- de dois mil e doze a dois mil e tre::ze (.) mas

ainda são muito apagadas ou não são bem (.) reconhecidas pela academia tradicional (.) e são

cursos excelentes com projetos inovado::res que os alunos vão pra sala de aula desde o

primeiro mome::nto (.) com professores engajados e tudo então ela elas são apagadas (.) né

por conta de uma academia tradicional (.) que não reconhece (.) esses saberes, essa vivência

essa experiência e isso me incomodava↓ (.) assim como como um professor que representa

essa rede que é uma rede nacional (.) eh que que alguns até desconhecem que é essa rede do

izinho verde dos institutos né não sei se você conhece... e que tá sendo cada vez mais sendo

falada no:: na mídia aí né (.) claro que assim a instituição onde trabalho não vira um instituto

mas ela pertence a essa rede (.) e era um assunto que me incomodava profundamente (.)

desse:: apagamento eu acho que começou tudo (.) com a minha chegada aqui né (.) ou seja eu

cheguei numa instituiçã::o (.) que é centená::ria (.) em que o primeiro professor de espanhol

entrou em 2005 eu entrei em 2007 (.) mas assim ela já a a primeira professora tem um

trabalho excele::nte e desenvolvia muito bem o seu trabalho e o no::me da disciplina na

instituição (.) só que os colegas de outras áreas (.) simplesmente↑... talvez uns a- uns acham

até hoje que as disciplinas ou de humanas ou de linguagens não existem ou não têm por que tá

aqui↓ (.) e aí e- essa inquietaçã::o esse mal-esta::r essa essa junção aí de (.) disputa de

pode::res né começou a me incomodar desde o momento que eu entrei (.) e aí sabendo que (.)

cursos de Letras foram aprovados↓ (.) ne::sse contexto de trabalho antes da mudança pra essa

nova identidade institucional dos institutos federais (.) cursos que começam em dois mil e

se::is (.) de Letras nascem nesse universo mais de exatas como isso é possível né (.) como

esses docentes (.) que se inscrevem aí nessa história da instituição conseguiram isso↓ (.) como

se dá (.) essa aceitação↓ (.) e aí:: (.) esse é o meu interesse de pesquisa então eu fiz isso no pós

no pós-doutorado (.) eh:: (.) acabou que assim não era o foco mas eu pesquisei um pouco (.)

da literatura nesses cursos (.) de co::mo se dá o ensino (.) da literatura assim esse não era (.) o

foco da minha pesquisa (.) mas assim dessa pesquisa de pós-doc daria pra desenvolver mais

umas dez (.) né e pr'um um um trabalho que eu apresentei sim eu verifiquei como se dava a

questão (.) do ensino da literatura e do texto literário (.) né (.) pra verificar que são cursos

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apagados mas por outro lado assim são (.) muito mais a à frente muito mais preocupado já

com o ensino da literatura (.) na educação básica né então a literatura não é:: só aquela visão

tradicional da minha formação talvez da sua (.) e de inúmeros outros é uma literatura (.) sim

que tem a sua parcela lá (.) eh dita tradicional mas a (.) quem ministra aquela a::ula (.) é o

professor que também está na educação básica então ele sabe dos desafios da educação

bá::sica (.) ele sabe talvez a dificuldade que os o::utros professores têm de trabalhar com o

texto literário do aluno então ele é muito mais (.) pé ((Marcos bate as mãos)) no chão (.) então

ele tem um outro conhecimento da estrutura universitá::ria da da estrutura escola::r (.) e esse

olhar dessa experiência aparece muito no no discurso dele (.) e no projeto de curso (.) então

assim não não tá muito relacionado ao meu trabalho↓ (.) que eu dese- que eu desenvolvo aqui

na instituiçã::o (.) mas eu acho que:: (.) pelo menos assim eu consegui (.) legitimar e aos

poucos eu tô venho sempre falando agora disso (.) pra que de fato as pessoas conheçam (.) né

hh um pouco do meu universo aí de trabalho

Elíria: [ãh-hã]

Marcos: [foi] sobre isso que eu fiz

Elíria: tá ótimo hh

Marcos: atendeu? hh

Elíria: muito

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ANEXO 5

Transcrição da entrevista com Eduardo

Elíria: então Eduardo (.) eu queria saber assim na:: sua prática docente se você procura

articula::r (.) eh língua e literatura estrangeiras

Eduardo: no meu como:: na na no meu trabalho né

Elíria: ºéº

Eduardo: ah↑ (.) não sei (.) não sei se::... bom tem que pensar (.) pelo menos alguns

segundos hh

Elíria: hh

Eduardo: eu acho que sim (.) eu acho que sim eu não eh:: aqui no eu acho que é importante

antes de responder (.) eh dizer que:: eh atualmente no ((nome da instituição)) as aulas de:: de

espanhol têm uma dupla configura- no (.) pras turmas do ensino médio né na educação básica

porque aqui a gente tem curso te::m (.) e- essa insti- essa é uma instituição verticalizada né a

gente tem turmas de ensino mé::dio e tem turmas de doutorado (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: então vou falar especificamente (.) das turmas de nível médio que acho que é o::

contexto que mais te interessa (.) [né]

Elíria: [sim]

Eduardo: entã::o eh a gente tem uma dupla:: (.) tem duas escolas d-dois tipos de:: de aula de

espanhol que funcionam ao mesmo tempo (.) né (.) entã::o eh:: (.) a gente tem as aulas tem

algum tem turmas que têm espanhol na grade (.) né que é esse é um modelo de turma antigo

(.) né (.) é um modelo de turma em que a formação (.) essa é uma escola técnica né então a

formação (.) eh geral (.) ela é:: acontece paralelamente (.) à formação técnica os alunos

estudam em tempo integral (.) num turno é a formação geral↑ (.) em outro turno é a formação

técnica (.) tá (.) entã::o eh:: em turmas desse modelo eu tenho uma turma nesse modelo de:: (.)

de:: de organização (.) né (.) e te::m o:: modelo que é o que vai ficar↑ porque desse último

modelo a última turma vai acabar agora (.) eles tão se formando agora em 2014... e a gente só

vai ter turmas (.) no modelo novo que é o modelo de ensino médio integrado (.) né (.) então os

alunos têm a eles têm uma formação geral (.) hmm a... PARTICULAR (.) né eh nessa

formação geral (.) inclui-se a formação técnica (.) né (.) e o que que aconteceu (.) a no durante

o ano passado (.) eh foram feitas algumas comissões eh:: internas de trabalho pra decidir (.)

que disciplinas entram em que formação (.) então sei lá se o aluno de construção civil (.) vai

ter mais matemática ou vai ter mais história o aluno de turismo vai ter mais história ou mais

química né (.) e nisso nessas eh:: nas reuniões que aconteceram pra fazer essas discussões (.)

o espanhol (.) eh ficou fora da grade↓ (.) né então a:: língua estrangeira de todos os alunos

independentemente do curso (.) é o inglês né e como a gente tem um número:: a nós somos

qua- atualmente quatro professores de espanhol↑ (.) esses professores precisam ter carga

horária hh

Elíria: hh

Eduardo: né (.) então a gente trabalha em forma de oficina↓ (.) então atualmen- eh esse ano

de 2014 eu tive uma turma↑ (.) no modelo antigo (.) ou seja o a a o espanhol é uma disciplina

(.) eh curricula::r com reprovação::o que participa do conselho de cla::sse (.) que se integra (.)

no projeto político pedagógico como uma disciplina obrigatória né (.) e tem e eu tenho uma

turma no outro modelo (.) que é:: então pra essa turma eu dou (.) a eh eh eles eles estudam

comigo no contraturno (.) né eh em forma de:: de oficina↓ (.) e aí é uma aula que talvez a

gente identifique com uma aula parecida com aquela que (.) que eles teriam num curso de

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línguas (.) né (.) eh eu acho que pra responder essa pergunta (.) eh:: eu me sinto mais à

vontade pra falar do primeiro modelo (.) né que é a turma eh quando (.) que é o que eu

gostaria que continuasse a ser né (.) com o o espanhol (.) eh funcionando como mais uma

disciplina da grade deles né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: nesse:: ne- nesse então nessa com essa turma... eu acho que:: eh de uma forma::

geral (.) né sem me ater (.) a um dia ou outro dia né eu tenho eu tento né aí eu acho que eu eu

tenho uma tentativa de de (.) unir (.) esses dois elementos que você trouxe na sua pergunta né

(.) os os elementos (.) linguísticos e os elementos eh:: literários né (.) eh:: mas↑ (.) eh essa

essa junção ela não se dá porque eu trabalho com ques- com questões que são linguísticas ou

com questões que são literárias né (.) o meu trabalho (.) com os alunos certamente tem uma

uma aproximação que é mais linguística que literária devido à minha formação (.) né (.) então

a minha formaçã::o posterior à primeira né (.) ela é é uma formação em estudos linguísticos

(.) então o o o meu trabalho (.) quando a quando de junção desses dois elementos (.) não é

porque eu eu por exemplo traba- eh a eu interpreto literariamente (.) não mas é porque eu

esco::lho um texto literário e talvez com ele eu abor- nele eu aborde questões (.) que são de

natureza (.) eu não diria linguísticas mas que são de natureza discursiva (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: é é claro que de repente uma uma mesma (.) então sei lá se a gente for houve um

determinado momento em que a gente ficou interpretando as METÁFORAS produzidas num

determinado texto literário (.) metáfora é u::m é u::m conceito que pode ser entendido tanto (.)

a por uma literatura linguística quanto por uma literatura:: literária (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: eh e eu acho que se eu ( ) se eu tivesse que analisar (.) a minha aula sobre metáfora

(.) ela deve ter sido muito mais uma interpretação de metáforas (.) pelo viés... a dos estudos

linguísticos

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [do que] pelo viés dos estudos literários (.) né (.) eh então eu não sei eu acho que

tal- essa minha junção se deve talvez pela esco::lha de alguns textos literários (.) mas se::m

se::m porque eu não não sei fazer isso né (.) se::m trabalha::r (.) eh o que talvez um professor

que tem uma formação (.) teórica (.) né em literatura (.) faria né

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [ºéº]

Elíria: eh então... eh em relação à sua prática docente também (.) eh em relação aos o- os

licenciandos né que você rece::be e orienta (.) eh eu queria saber assim na sua percepção (.) de

que mo::do eles articulam né a (.) os saberes teóricos adquiridos (.) à prática deles como

estagiários

Eduardo: a minha experiência com licenciandos é muito recente foi nesse ano que tá

acabando ainda né então eu eu não sei (.) eu acho que eu ainda não eu preciso de tempo pra

pensar sobre o que acontece então hh

Elíria: hh

Eduardo: eu acho que da pró::xima leva de licenciandos eu talvez consiga tirar conclusões

sobre esses que acabaram sobre essas (.) que acabaram de (.) eh:: que eu acabei de::

acompanhar (.) né (.) eh e eu não sei talvez tenha si- tenha acontecido por conta das

licenciandas que eu recebi (.) né (.) eh:: eu a- eh:: o:: (.) o que aconteceu foi que eu não sei se

por por conta da minha inexperiência com licenciandos (.) né (.) o::u ou porque (.) elas

particularmente eram muito tímidas né a gente não tinha (.) eh:: a gente não teve (.) muita eu

não tive muita oportunidade de no decorrer (.) do ano (.) né (.) conhecer o que elas traziam

como:: (.) como:: como:: (.) como pressuposto teórico (.) por exemplo (.) né (.) eu não sei se

fui eu que não promovi:: esse diálogo (.) ou se talvez eu tenha promovido e eu não recebi

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porque elas não se sentiam à vontade pra falar (.) né eu ainda não consigo (.) saber o que que

aconteceu

Elíria: ãh-hã

Eduardo: mas eu fiquei até:: o momento em dela delas darem a aula dela (.) eh delas né (.) eu

fiquei um pouco:: sem saber (.) o que que elas traziam de:: referên- de de aporte né então elas

têm uma formação (.) ãh que é (.) discursiva (.) elas têm uma formação que é:: (.) eh pautada

na eh eh é sistê::mica (.) elas trazem por exemplo bagagem relacionada (.) à literatu::ra (.) ela

eu não se- eu fiquei sem saber (.) esse período todo SÓ quando eu cheguei quando elas foram

foram dar (.) eh as aulas delas né (.) eh aula de:: como é que chama isso [aula]

Elíria: [regência]

Eduardo: a regência (.) né (.) eh:: é que aí efetivamente eu talvez tenha começa::do ah então

realmente a Fulana (.) parece ter uma:: uma tendência maior a isso ou aquilo né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: entã::o (.) eu não sei te dizer (.) assim eh a eh... eu não sei se elas se elas

conseguem fa- se elas trazem os a- porque eu não eu não consegui enxergar isso durante (.) o

processo

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [né] (.) isso pode ter acontecido porque eu não não soube (.) eh promover (.) esses

esse diálogo né não sei (.) eh

Elíria: então mas você pensa em (.) tratar [isso de outro mo::do]

Eduardo: [ah sim (.) sim] (.) eu tenho muita vontade de fazer um trabalho (.) eh diferente

com as próximas licenciandas mas eu não sei↑ (.) se o ((nome da instituição)) vai ser uma

escola (.) eh:: de interesse das universidades

Elíria: [pois é]

Eduardo: [né] (.) uma vez que a o:: espanhol não faz mais parte da grade (.) o que que

signifi- o que que significa dizer que o espanhol não faz mais parte da grade né (.) eh eu posso

oferecer a aula que eu quiser↑ (.) a oficina pode ser temática eu posso da::r a-a-aula de eu

posso ficar o ano inteiro falando sobre mú::sicas (.) eu posso fazer uma uma disci- uma

oficina de cine::ma (.) eu posso fazer uma oficina de gramá::tica o que eu quiser (.) né (.) eh

então e eu não sei se isso intere- se esse modelo interessa (.) dizer que ele tá fora da grade (.) é

é dizer que ele não participa dos conselhos de cla::sse (.) que não necessariamente (.) a:: os

professores das e- eles eles precisam dialogar comigo porque eu não vou tá no cotidiano (.) né

eh dos eh deles (.) a gente não vai mais ter reuniões em conju::nto (.) então eu não sei (.) se eu

nem sei se eu vou receber licenciandas da no ano que vem (.) né (.) porque eu não sei se o

((nome da instituição)) tá dentro do do perfil que interessa (.) às universidades

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [mas] se por acaso isso acontecer (.) eh:: eu tenho algumas ideias né eu tenho (.) ( )

estabeleci pequenos diálogos por exemplo com algumas colegas do ((nome da instituição)) (.)

que é uma escola que tem uma tradição grande em recepção de (.) de licenciandos né (.) e:: e e

aí eles têm ideias muito bacanas (.) né e que me pareceram muito interessantes então uma

delas que eu consigo lembrar agora (.) é que a a a regência não é o dia da regência (.) não é::

(.) o dia da regência o dia da regência é mais um dia em que a estagiária participa (.) do eh eh

das aulas [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: entã::o eles têm o costume de (.) eh sei lá o o professor regente inicia a aula (.) as a

estagiária corrige o exercício e a próxima deixa a atividade pra aula que vem então a aula que

vem vai começar com a estagiária (.) então tem mini regências durante todo o semestre (.) e

não fica então (.) como ficou aqui por exemplo (.) o dia em que elas deram a aula (.) né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh então isso é uma proposta que talvez eu queira fazer né (.) eh eu gostaria por

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exemplo nas (.) eh (.) eh eu gostaria de te::r alguns encontros (.) em que a gente pudesse fazer

mini conselhos de classe (.) sabe assim (.) eu com elas três (.) eh:: conversar sobre como que

as coisas estão acontecendo como é que as aulas estão acontecendo (.) isso demanda um

monte de coisa (.) né isso demanda uma organização minha (.) isso demanda uma

disponibilidade que talvez as estagiárias não tenham (.) né porque a gente precisaria fazer isso

fora do horário das aulas (.) e:: eu não sei como é que fi- como é que são as vidas particulares

da delas né (.) eh:: enfim isso també::m demanda um quase um trabalho de orientador

Elíria: [é]

Eduardo: [né] (.) que eu já tenho com as minhas orientandas de pós-graduaçã::o então eu não

sei também se eu mesmo vou ter (.) como organizar essas [ideias]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: todas (.) mas eu tenho muita vontade de que:: seja dessa maneira (.) [né]

Elíria: [ãh-hã] (.) eh:: em relação ao currículo você acredita que:: ou você perce::be que os

currículos né (.) das licenciaturas em le::tras eh:: elas (.) eles contribuem pra um maior

diálogo (.) entre as perspectivas teóricas e:: a prática docente?

Eduardo: mas você quer que eu fale do que eu tive como [alu::no]

Elíria: [pode ser]

Eduardo: ou do que eu percebo agora porque eu não percebo nada agora porque hh

Elíria: não não pode falar [da sua experiência↑]

Eduardo: [porque eu não estudo] currí- eu não estudo sobre formação de [professores]

Elíria: [ãh-hã::]

Eduardo: e (.) o que eu acho que posso fazer assim uma (.) eh eh talvez eu consiga fazer uma

comparação do que eu tive como:: aluno de graduação (.) e do que aqui no ((nome da

instituição)) a gente tem um curso de especialização em línguas estrangeiras

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [e a] gente recebe (.) eh muita gente:: recém-formada [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: tem uma galera que chega depois de muito tempo afa- afastada mas (.)

majoritariamente são alunos que se formaram no ano anterior (.) à à à chegada aqui [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: entã::o eh::... sobre i- a a eh a pergunta é pra que eu fale do do currículo::↑

Elíria: é em relação se você percebe um diálogo entre as pers- perspectivas teóricas e::

Eduardo: ah tá

Elíria: a prática docente

Eduardo: tá (.) o que que eu não sei se eu consigo responder isso eh (.) não sei se o que eu

vou dizer é o que te interessa Elíria mas assim o que eu acho (.) é que eh:: (.) no luga::r onde

eu me formei... e eu não sei se continua dessa forma parece que sim (.) pelo que eu ouço

parece que sim (.) eh... eh e- eh e- eu também não sei se isso é bom ou ruim mas há:: uma

uma há uma heterogeneidade muito grande (.) na formaçã- no no no na fo- no em termos

teóricos daquele corpo docente (.) né então (.) aqueles formadores de professores (.) são

formados eh eles têm o conjunto é muito heterogêneo (.) né (.) há uma há há algumas (.)

discrepâncias de orientação ali (.) né (.) eh que isso eh pode ser muito positivo (.) mas eh

essas heteroge- e- essa hetero- essas (.) diferenças entre aqueles formadores (.) pelo eu percebi

(.) depois de algum tempo que saí de lá (.) eh que não eh aquilo não é um a- não é um

problema (.) pr'aquele grupo de formadores de professores né (.) que um fale um que te- que

um tenha uma perspectiva::... A e o outro tenha uma perspectiva H (.) sabe isso não é um

problema os alunos vão conhece::ndo (.) né (.) eh:: dessa maneira↓ (.) eh mas o o que mais do

que isso o que que eu (.) percebi (.) eh eu acho que eu não tive formação teórica (.) na:: minha

formação como professor de espanhol (.) eu acho que:: eh (.) a minha graduação (.) ela

teoricamente eu devo (.) a::o que eu tive em língua portuguesa e porque eu tive:: a grande

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sorte de ter sido bolsista de iniciação científica (.) né então (.) o que eu aprendi teoricamente

sobre (.) a... e aí que eu vou falar do que me interessa mais né hh sobre (.) eh sei lá (.) eh sobre

escolas linguí::sticas sobre co- modelos de análise linguí::stica (.) sobre enfim entre outras

coisas (.) eh eu não aprendi na formação em espanhol (.) as aulas de espanhol não

evidenciavam isso (.) talvez em u::m semestre eu percebi isso eu não vou dizer aqui o nome

da professora (.) porque acho não acho legal (.) né mas se- talvez em u::m semestre (.) eu

perceba assim bom o que ela me dá (.) o que ela me dá de aula (.) é fruto do trabalho dela

como pesquisadora é fruto do trabalho dela como (.) algué::m que tem uma bagage::m de

formação teórica↓ (.) nas outras aulas eu achava que (.) eh não tinha eu não eu talvez tivesse

mas eu não consegui ver (.) ali como aluno (.) eh que ali um uma uma (.) um um um ar teórico

(.) fazia aparecer pareciam aulas (.) eh que talvez o::s meus alunos aqui têm (.) pareciam aulas

em que ( ) ah o que eu tô fazendo aqui é aprender a falar em espanhol aprender a escrever em

espanhol (.) né (.) eu fui saber (.) algu::m tempo depois (.) que (.) a professora que me deu

aula no espanhol tal (.) era gerativista (.) a::h uma o::utra professora tem uma abordagem

discursiva a::h uma outra profe- um o::utro professor (.) e aí eu falei poxa então tem aí é que

eu che- volto à heterogeneidade existe uma heterogeneidade de formação teórica ali naquele

corpo docente (.) mas isso não chega nas aulas da graduação (.) né (.) isso chega (.) na aula

nas aulas da pós-graduação porque as aulas da pós-graduação são temáticas a professora dá

um curso de aquisição em língua (.) a outra professora dá aquisição de dá um curso de sei lá

do quê (.) né (.) e aí isso chega na pós-graduação (.) >na graduação não chega então< (.) eh

como não chega (.) eu não sei lá:: não houve nenhuma articulação teórico-prática (.) né o

currículo era formado de um jeito mas as nossas aulas (.) eh majoritariamente eram aulas de::

aprender a falar e escrever (.) né... bom tô falando também de eu não posso agora acabei de

lembrar que teve uma o::utra professora mas eu

Elíria: hh

Eduardo: de uma maneira geral foi isso que ficou

Elíria: ºahº

Eduardo: o que que eu acho que acontece agora assim pela pelo que eu recebo dos meus

estagiários do dos alunos da pós-graduação (.) né (.) eu acho que não mudou muita coisa (.) eu

acho que a formação do p- eu acho que a gente sai da graduação (.) como pessoas que nã::o

sabem falar teoricamente sobre o que fazem↓ (.) de uma maneira geral (.) né (.) eu acho se a

gente pergunta pr'um professor de espanhol ah↑ o que que é aprender língua estrangeira (.) o

que ele vai falar (.) é muito parecido co::m o que:: o meu irmão vai falar (.) né (.) e eu acho

péssimo (.) eu acho péssimo (.) eu acho péssimo péssimo péssimo péssimo péssimo que a

gente não saia da graduação (.) com um vocabulário (.) eh de de com com formações para

além (.) do falan- do do do do cidadão comum (.) né (.) eu acho que a gente tem que ter na

minha opinião a gente precisaria sair da gradu- do do do da graduação (.) como especialistas

em (.) em no que você quiser hh

Elíria: hmm hh

Eduardo: e::m (.) em ensino de lí::nguas em ensino de língua portuguesa com um

vocabulário que (.) evidencie (.) que você é u::m especialista nisso (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: e aí eu percebo:: nas aulas da pós-graduação que os alunos têm saído (.) muito de

forma muito parecida (.) né (.) qua::ndo eu vejo alguma diferença é assim ah eu já tive uma

AULA em que a professora falava sobre Análise do Discurso né (.) na minha licenciatura eu

acho que isso tem começado pela licenciatura (.) na minha licenciatura (.) a gente fala::va um

pouco sobre (.) né (.) mas as aulas de formaçã::o por exemplo as aulas de um dois três qua- nã

nã nã (.) elas me parecem que continuam ainda (.) com aquilo de assim (.) ali é pra aprende::r

espanhol né ali é pra aprender a ºfalar a ler escreverº

Elíria: ãh-hã

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144

Eduardo: e eu acho eu acho muito ruim (.) isso (.) eu acho que a gente se torna especialista

muito tarde (.) eu acho

Elíria: [ºsimº]

Eduardo: [que] a gente tem condições de falar teoricamente sobre o que a gente faz (.) depois

que você já termino::u o mestrado (.) sabe (.) ou então quando você tá fazendo o mestrado (.)

e eu acho ruim (.) né eu acho muito ruim (.) eh:: porque enfim nem todo mundo faz mestrado↓

(.) né nem todo mundo po::de fazer mestrado nem todo mundo (.) tem condições nem todo

mundo tem dinhe::iro pra fazer mes- você ganha bolsa mas você precisa de dinheiro pra

participar de congresso e a bolsa (.) não dá (.) né (.) não dá pra pagar isso tudo (.) e aí eu acho

que a gente precisaria se::r a gente precisaria ser especialista (.) lá (.) depois que:: depois que

saiu da graduação ah agora eu sei fala::r (.) sobre isso:: eh se alguém me perguntar (.) se

alguém quiser saber alguma coisa né (.) eh diferente daquilo que o meu irmão diria (.) eu

tenho condições de de falar sobre isso (.) [né]

Elíria: [ãh-hã] (.) e por que↑ você foi pra neolati::nas e não pra vernáculas?

Eduardo: por que que eu fui pra neolatinas

Elíria: hh

Eduardo: e não pra vernáculas (.) porque:: eh:: boa pergunta hh

Elíria: hh

Eduardo: eu fui eu fiz ( ) mestrado em letras neolatinas algum tempo depois de me formar (.)

eu me formei em dois mil e:: quatro (.) né (.) eu terminei tudo eu primeiro eu terminei o

bacharelado depois de um ano eu terminei a gra- a:: licenciatura né (.) então bacharelado eu

terminei em 2003 e a licenciatura em 2004↓ (.) eu voltei pro programa de letras neolatinas em

2008 (.) então fora::m quatro quatro (.) foram quatro anos aí de intervalo (.) nesse meio tempo

eu fiz uma especialização (.) na ((nome da instituição)) (.) que:: é muito responsável pela

minha:: pela minha pelo que eu entendo do que é ser professor (.) né o que eu não tive (.)

teoricamente eu acho que muito foi suprido pela por essa (.) por essa:: pós-graduação por essa

especialização (.) né (.) eh e aí eu fui pra pra neolatinas assim em dúvida (.) né ainda eu

escolhi fazer mestrado e::m em letras neolatinas (.) sem saber de fato se era aquilo que e::u (.)

que eu queria fazer (.) mas eu eu eh eu sempre dei aula de tudo sempre dei aula de portuguê::s

de:: de literatu::ra de:: espanho::l né (.) eh:: e até hoje (.) não mais de literatura mas de

português e de espanhol até hoje:: aqui na escola:: de vez em quando eu preciso (.) eu tenho

que:: e gosto (.) muito de dar aula de português (.) né (.) eh mas eu fui porque:: ainda e na

dúvida eu (falei) assim bom (.) mesmo que eu dê aula de tudo (.) eh eu eh eu acho que a

mi::nha projeção acadêmica ela vai se dar (.) no ciclo de professores de espanhol (.) né (.) ela

vai aco- se ela ti- e eu gos- e naquele momento eu já queria muito (.) eh e continuo querendo

né (.) eh ter uma projeção acadêmica grande (.) né (.) eh eu eu quero enfim quero como todos

nós queremos (.) eh publica::r em grandes revi::stas e participa::r de congressos

internaciona::is ( ) né (.) eh a minha:: a minha vaidade é essa (.) hh

Elíria: hh

Eduardo: né então eu sempre e naquele momento ficou claro pra mim (.) que eu que se isso

acontecesse aconteceria (.) no ciclo de professores de espanhol (.) e aí então (.) por esse moti-

por esse motivo (.) eu (.) escolhi fazer isso (.) né eu escolhi:: eh prestar o mestrado pra:: eh...

letras neolatinas né (.) eh:: ( ) (.) mas mesmo assim ainda sem com algumas reticências

porque eu já tinha críticas muito grandes àqueles professores (.) e àquele:: corpo docente

porque é o mesmo (.) né ( ) não todo mas

Elíria: hh

Eduardo: quem tá lá tá tá na graduação também (.) né (.) e aí foi uma uma uma uma puta

surpresa chegar lá (.) e:: (falar) poxa a-a-aquela professora (.) tem uma uma uma bagagem

teórica excelente de co- de pô é uma pena que a gente não tenha tido (.) ainda que eu esteja

teoricamente muito (.) desalinhado com o gerativismo (.) é uma pena que eu não tenha tido

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uma aula (.) onde isso estivesse evidente na graduação (.) né (.) onde eu não pude- é uma pena

que eu não tenha feito uma árvore (.) hh

Elíria: hh

Eduardo: sabe (.) em sintaxe (.) co::m com o espanhol e só fiz em linguística (.) ºsabe (.) e::

então acho que foi por issoº

Elíria: ãh-hã (.) e:: você pode me dar um exemplo de um trabalho que você tenha feito né em

sala de aula (.) que tenha sensibilizado os alunos pra:: uma relação (.) mais produti::va com os

textos e gêneros (.) sejam literá::rios ou não-literá::rios?

((O professor fica em silêncio e suspira.))

Eduardo: ºnão sei (.) bomº (.) ((Alguma coisa cai no chão.)) ºdeixa que eu pegoº... como tem

você quer que eu fale de:: de de de uma aula eh... em que a ideia dos gêneros dos gêneros

textuais esteja mais evidente (.) [ou você quer que eu fale]

Elíria: [ou trabalho] com algum texto

((O professor fica em silêncio))

Eduardo: olha eu não sei se é o que você quer ouvir mas eu vou falar hh

Elíria: hh

Eduardo: de uma coisa que eu vou falar de duas coisas (.) né (.) eh o eu dividi o:: (.) o (.) o

ano letivo (.) em quatro temáticas (.) né eh:: ou melhor (.) em quatro momentos e eu falei bom

ca- em cada um quatro bimestres né (.) em cada bimestre eu quero trabalhar com um tema o

único tema que tava previa- do-dois temas estavam previamente:: eh agendados ou melhor

previamente estabelecidos mas não agendados eu falei bom (.) tem um tem um eu quero

trabalhar sobre contemporaneidade (.) em um momento (.) e relacionar e pensar sobre como a

tecnologia chega (.) na nossa vida cotidiana esse é um tema que:: já tava (.) pré-estabelecido

(.) e como aqui:: aqui na escola a gente tem uma (.) uma uma recente história (.) de

aproximação com os estudos étnico-raciais (.) eh não sei se você sabe a gente tem um

mestrado em relações étnico-raciais ( ) uma história muito recente nessa escola

Elíria: ãh-hã

Eduardo: e eu falei bom eu quero de alguma forma (.) trabalhar co::m (.) a a com um com

um pouco das histórias das negritudes latino-americanas (.) né então esses dois temas estavam

(pré) eu falei eu quero só que eu não sei se isso vai ser no primeiro no segundo no terceiro

tive que escolhi um pro primeiro (.) e eu vou deixar os outros dois aparecerem (.) eh::

conforme o a aula conforme a:: carruagem fo::r andando (.) né (.) eh... no ter- eu vou falar

então do terceiro bimestre (.) né (.) eh no terceiro bimestre (.) eu escolhi (.) eh eu eh a o a

minha:: o meu tema de pesquisa individual (.) tem a ver co::m co::m identidades de gênero e

sexualidade↓ (.) né (.) eh então antes de chegar tematicamente ao gênero e sexualidade eu leio

muito e me interesso bastante sobre autores (.) do::s estudos discursivos (.) que falam sobre (.)

a construção discursiva das identidades como é que discursivamente a gente constrói (.) eh:: a

quem a gente é (.) [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: eh:: então eu resolvi:: dedicar um semestre pra falar sobre essa palavra (.)

identidade (.) né (.) fa- falar sobre identidade é uma coisa muito:: muito ampla muito ainda

mais pra uma turma de ensino médio eu não ia ficar lendo Stuart Ha::ll e etcétera com eles né

(.) eh eu falei bom então a gente vai começar de um jeito (.) eh a fa- então eu vou falar sobre

identidade pensa::ndo em identidade nacional em construçã::o de identidade nacional (.) e aí o

que que a gente fez o que que eu fiz com eles né o que que eu propus fazer (.) eh isso foi eh eh

essa ideia surgiu de uma aula que eu tive no doutorado (.) eh:: na universidade onde eu estudo

(.) né eu fiz um curso com uma professora chamada Vera Candau (.) não sei se você já ouviu

falar

Elíria: sim

Eduardo: que é uma professora que trabalha com (.) com (.) com identidade com

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multiculturalismo (.) e a gen- e a Vera Candau tem uma aproximação (.) co::m um grupo (.)

eh:: que um grupo:: intelectual da América Latina chamado eh o grupo discu- eh que discute a

colonialidade:: as colonialidades do poder (.) né (.) então entre outros nomes tem a Katherine

Wa::lsh tem o o o Migno::lo entre outros nomes né (.) e aí então eh um exemplo pra falar

sobre esse grupo (.) né sobre essa produção intelectual (.) que estuda a colo- a decolonialidade

e a colonialidade do poder (.) HÁ um contexto muito:: estudado que é o contexto do Equador

(.) né (.) eh então o que se estu- o que que se qual o que que se fala do Equador (.) milhares de

coisas mas há uma coisa que é muito (.) interessante que é (.) em 2008 (.) me parece muito

interessante (.) em 2008 o:: Estado equatoriano resolveu (.) refazer (.) a sua carta

constitucional (.) eles resolveram fazer uma no::va constituição... é muito recente né a nossa é

da década de oitenta a deles é de a nova é de 2008↓ (.) e aí eh essa essa constituiçã- essa nova

constituição ela foi uma um ela foi produto (.) ela foi resultado de um de um de muitas lutas

(.) sociais (.) principalmente (.) das alteridades (.) né (.) e:: no caso do contexto:: equatoriano

das da das identidades indígenas↓ (.) então há:: uma (.) um essa reformulação constitucional

ela se deu por conta da luta social (.) das identidades indígenas ali (.) então a carta equatoria-

a o:: texto constitucional equatoriano (.) ele é ma::rcadamente (.) ele é mar- e essa marcação

ela se dá (.) na escolha das pala::vras (.) nas cores que são usadas pra pro texto oficial as cores

da capa (.) né (.) e aí então eu resolvi fazer o seguinte bom isso foi discutido teoricamente lá

com a Vera Candau eu vou fazer (.) uma comparação então das cons- das constituições a gente

vai trabalhar com esse gênero constituição (.) né (.) isso pra falar de identidade

especificamente identidade nacional (.) então a gente vai fazer uma análise comparativa entre

a constituição de 2008 do Equador↑ (.) e a constituição brasileira (.) de oitenta e::

Elíria: hh

Eduardo: de oitenta e alguma coisa

Elíria: hh

Eduardo: que agora eu esqueci oitenta e::... bom de oitenta (.) e alguma coisa da década de

oitenta né (.) pós eh dita- pós momen- eh período ditatorial

Elíria: ºéº

Eduardo: eh e aí então a gente fez uma análise (.) né (.) eh de como por exemplo aquela

como que como é que o po::vo equatoriano aparece e como é que o po::vo equatoria- o povo

brasileiro aparece (.) eh então a gente e ficou mar- olhando essas diferenças discursivamente

tanto no tanto na materialidade linguística quanto (.) no no discurso expresso de outras

maneiras eu falei por exemplo da cor da capa né (.) tem um elemento que eu me lembro bem

(.) a ca- a constituição brasileira tem a bandeira do Brasil no texto né que tá lá disponível na

internet (.) e no equato- no Equador não é a bandeira do Equador é um cocar (.) né (.) então a

primeira capa é um cocar indígena que aparece lá em cima e na bandeira do Equador não tem

(.) não tem um cocar (.) na no né lá

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh:: e isso já tem e a gente então ficou conversando sobre (.) eh a a importância e a

simbologia que tem esse te- pode ser que ninguém leia a constituição mas se alguém um dia

se interessar (.) ele tem um retrato (.) eh do de do Equador de 2008 e:: do Brasil lá da década

de 80 (.) então a gente ficou conversando como é que seria hoje (.) uma constituição brasileira

se a gente manteri::a por exemplo as mesmas escolhas linguí::sticas (.) tem um outro dado

linguístico que é (.) eh o:: o:: (.) eh o:: no texto do Equador (.) a:: a:: (.) começa da seguinte

maneira (.) nosotras (.) y nosotros (.) el pueblo ecuato- el pueblo de Ecuador (.) a e aí a gente

conversou então sobre como há um há um há um apelo feminista também né assim não só de

diferenciar mas de começa::r com (.) o pronome a feminino (.) an-antes do pronome

masculino então a gente foi escolhen- vendo e e de que forma isso (.) eh (.) eh reconfigura o

que é um texto constituicional (.) né

Elíria: ãh-hã (.) e os alunos se [envolve::ram nesse trabalho]

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Eduardo: [e aí assim] essa era uma turma muito:: de uma for- de uma forma gera::l eh os

alunos que participavam participam participavam me::smo [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: não é toda a turma que participava dos debates (.) mas a os poucos que

participavam não participava::m (.) burocraticamente então (.) coloca::vam colocavam

achavam que era uma babo- uma bobagem esse negócio de nosotras e noso::tros (.) e a gente

começou a conversar sobre como que hoje (.) fi- da saímos do nosotras e saímos da

constituição e a gente começou a conversar como é que (.) as pessoas hoje (.) eh:: expressam

essa luta feminista no nas palavras então ( ) do arro::ba (.) do:: famoso xis você deve

Elíria: sim sim

Eduardo: conhecer também né (.) e aí como eu estudo e acabou caindo na na minha temática

de mais interesse né (.) e:: pessoal (.) e entã::o eh (.) e aí eu não sei se eu respondo assim foi

[uma::]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: foi um trabalho com gênero que e eu não não pre- não (.) eh não (.) não tinha

pensado lá no início do ah eu vou trabalhar com texto constitucional (.) surgiu a:: (.) a o tema

apareceu e aí então eu lembrei (.) e trouxe (.) eh o trabalho eles não escreveram uma co-

poderia agora eu tô pensando eu poderia ter pedido pra que eles escrevessem (.) né uma:: (.)

eh form- pensassem um novo texto constitucional poderia ser (.) mas não foi o que a gente fez

Elíria: ãh-hã

Eduardo: e::... não sei se respondi [o que você quis hh]

Elíria: [sim sim]... você:: comentou sobre a sua pesquisa [né]

Eduardo: [ãh-hã]

Elíria: eu queria saber eh de que mo::do a sua pesquisa contribui pra sua prática docente [eu

sei que você falou um pouqui::nho]

Eduardo: [a minha pesquisa atual (.) né]

Elíria: é (.) mas se puder falar mais

Eduardo: eh... ah:: ela contribu- é porque na verdade Elíria assim a minha pesquisa ela ela

eh:: (.) ela é muito:: ela tem uma relação direta com a minha vida (.) profissional e particular

Elíria: ãh-hã

Eduardo: então (.) eh eu me identifico como um indivíduo homossexual e essa e esse é u::m

esse é u::m um essa é uma questão que aparece (.) explicitamente no texto

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: [né] (.) e eu quero que ela apareça explicitamente no texto porque ela aparece

explicitamente em todos os lugares (.) pelos quais eu passei (.) né (.) eh:: então eh o então

aparece na minha família aparece na rua aparece (.) em casa com o meu marido aparece na

escola aparece com os meus alunos (.) então como que a minha pesquisa aparece lá ela

aparece lá porque eu apareço lá

Elíria: hh

Eduardo: né (.) então o que eu discuto na minha pesquisa (.) né (.) é o é como que eu como é

que eu ela é quase uma pesquisa eu não não digo que ela é uma pesquisa narrativa (.) né eu

não fico (.) fazendo u::m trabalho autobiográfico né (.) mas eu apareço muito no nas minhas

análises né quando eu vou analisar as minhas interações com os meus participantes (.) eu

também me analiso né (.) então eh e eles são e os participantes são meus alunos né então nós

dois eu converso com (.) ex-alunos né (.) e com alguns colegas de trabalho (.) sobre como eh

como é isso como é que a como é que a sexualidade aparece no nosso:: dia a dia (.) né (.) eh::

então a a minha pesquisa aparece na sala de aula porque eu apareço na sala de aula (.) né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh então (.) e eu fico muito interessado em saber (.) eu me colo- eu me coloco em

algumas saias justas também (.) pra que eu me:: me:: (.) pra que eu f- eh faça de mim o me::u

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me::u participante né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: de de observação então de vez em quando eu estimu::lo algumas conversas (.) pra

que talvez eles me perguntem professor↑ você é gay (.) né e como é e aí o que isso tem a ver

com aula de espanhol me é outra pergunta hh

Elíria: hh

Eduardo: mas eu fico querendo provocar essas coisas pra saber como eu vou reagir né (.)

então como a minha pesquisa é sobre um dado (.) que me informa (.) né (.) ela não ela sempre

aparece no meu no meu trabalho (.) né (.) porque eu não deixo de me informar (.) ali [né]

Elíria: [ãh-hã]

Eduardo: eu não dei- eu eu eu fico tentando ao máximo (.) eh me distancia::r da do da figura

profissiona::l que nã- que separa o profissional e o pessoa::l (.) né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh:: (.) mesmo que eu quisesse isso não não não poderia mas eu poderia (.) né

poderia ser a minha intenção (.) dife- distanciar esses dois (.) papéis (.) né (.) eu me coloco

exatamente o:: o desafio contrário (.) que é de tentar aproximar (.) né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: eh não obviamente ficar contando todas as minhas histórias de vida mas hh

Elíria: hh

Eduardo: eh se por acaso essas questões aparecerem que eu então (.) que elas se tornem eh

(.) eh relevantes ali ºna na (.) na nas discussões néº (.) como a minha aula era uma aula (.) a

minha aula de espanhol ela era pautada muito (.) no que a gente chama de formação cidadã (.)

né (.) como eu tinha um interesse muito grande na discussão de alguns temas (.) eh:: (.) era

mais fácil que esses é mais fácil que eu discuta isso (.) né (.) eh a aula de:: então a aula de

espanhol era um espaço de de co- de conversa né

Elíria: ãh-hã

Eduardo: em alguns momentos a gente conversou sobre essas (.) sobre essas coisas né sobre

sexualidade sobre gênero sobre enfim ºentre outrasº (.) eh e aí o fato de poder teoricamente

pensar sobre isso pra mim é:: muito (.) é divertido hh

Elíria: hh

Eduardo: eu acho divertidíssimo

Elíria: que bom hh... ah eu acho que tá bom

Eduardo: é isso?

Elíria: tá ótimo

Eduardo: ºéº

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ANEXO 6

Transcrição da entrevista com Paula

Elíria: então Paula (.) eu queria saber assim se você procura articula::r (.) os conceitos

teóricos né trabalha::dos (.) aqui na (.) letras (.) à sua prática:: (.) docente↓

Paula: então (.) eu tento sim (.) porque:: (.) porque quando a gente trabalha (.) eh:: com a

questão gramatical... é porque na verdade assim o que eu o que a gente viu eu eu es- fiz as

matérias de educação (.) eh cada uma tinha um foco diferente né (.) quando você faz as

matérias gerais que não são específicas pro espanhol por exemplo (.) ou pra português (.) a

gente não tem um direcionamento a gente vê práticas que podem ser aplicadas em qualque::r

disciplina↓ (.) tanto é que por exemplo a minha disciplina de didática eu fiz com muita gente

de educação fí::sica muita gente de um monte de outras (.) disciplinas que não tinha nada a

ver (.) mas aí a professora (era) mu::ito boa (.) muito boa então assim ela deu pra gente

também vário::s (.) eh (.) recursos que a gente podia usar em sala de aula (.) que me ajudaram

muito (.) e depois quando a gente foi fazer também (.) quando eu comecei a fazer (.) prática

de ensino na minha área né (.) na minha área do português e do espanhol↑ (.) foi mais legal

ainda (.) porque eu comecei a:: poder a a aprender a articular↑ (.) com (.) com conhecimentos

específicos da minha área (.) então por exemplo↓ (.) uma coisa que eu sempre gostei de

trabalha::r na aula (.) que não é muito contemplado no livro (.) eh também não dá pra usar só

o livro porque usando só o livro fica uma coisa muito reduzida (.) o livro é muito direto

muito:: específico (.) e às vezes traz uns assuntos que parece que surgem do nada assim umas

coisas que (.) são meio descontextualizadas (.) mas (.) por e- eu sempre gostei de trabalhar

alguma coisa de texto literário por exemplo↓ (.) e:: (.) eu (.) juntamente com as aulas da pós

porque (.) calhou de ser na mesma época quando o Márcio tava falan- na verdade o Márcio

falou antes (.) daquelas questões com a:: com a:: (.) Isabel Solé (.) da:: das estratégias de

leitu::ra como fazer leitura (.) a gente viu isso de novo agora (.) né só que com outros teóricos

na pós eu também tava vendo então foi muita coincidência (.) porque essas atividades de pré-

leitura de leitura e pós-leitura↓ (.) à primeira vista a gente olha e acha que não dá pra usar isso

numa aula de:: de curso né de línguas↓ (.) mas dá porque às vezes trabalhando com textos

menores ou com co::nto ou com algum outro tipo de algum outro gênero que seja mais (.)

mais curto↓ (.) dá pra trabalhar (.) então assim eu acho que si::m (.) dá pra relaciona::r (.) o:: o

que a gente:: (.) eh estuda na faculdade né (.) fo- eu acho que é essa a pergunta né o que a

gente estuda (.) com a prática (.) eh o o a teoria com a:: com a prática do:: do ensino em si↓ (.)

eh:: (.) deixa eu pensar (.) se tem algum outro aspecto (.) porque eu tô falando de literatura

mas tem outras coisas também (.) eh eu aprendi (.) eh algumas práticas por exemplo... com

relação a mas é a maioria das vezes é com relação à leitura↓ (.) mas com relação à gramática

também tra- trabalhar com a gramática:: (.) isso eu aprendi:: (.) bem legal na faculdade que

era a questão (.) dessa coisa do de não ter o texto como prete::xto (.) de fazer o::utros tipos de

atividade com o texto que não sejam só as atividades focadas na gramática

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [de] conjugação de ve::rbo (.) de:: sei lá de prono::me ou de qualquer outro aspecto

que não seja só:: (.) só a parte gramatical↓ (.) eh e eu acho que esse foi o ganho mais

significativo mas eu aprendi o::utras (.) outras eh práticas que eu também uso no meu

cotidiano↓ (.) eh (.) ( ) da da aula em si né (.) pra da prática↓ (.) mas eu tô tentando pensar em

outros exemplos porque tem tem várias coisas tem várias coisas legais eu aprendi também por

exemplo... eh (.) ºé mas é tão engraçadoº eu consigo sempre eu penso direto na questão da:: da

leitura eu acho que é porque a gente ficou falando tanto de leitura↓

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Elíria: ãh-hã

Paula: né (.) mas assim e e eu engraçado eu não vejo (.) as au- por exemplo a parte de de

fonética e fonologia↓... eu acho porque você tá falando de fo- forma ampla né do que eu

aprendi [na]

Elíria: [é]

Paula: tá falando da parte de educação só

Elíria: [nã::o]

Paula: [ou a parte] da:: (.) no geral

Elíria: na sua formação

Paula: na minha formação tá (.) a parte de fonética e fonologia por exemplo↓ (.) eh tem umas

coisas que a gente aprendeu (.) que a gente aprendeu só de forma teórica assim a gente não

aprendeu como como eh eh (.) eh:: (.) focalizar isso com o alu::no de uma maneira que não

seja só assim (.) né prescritiva tipo ah você tem que fazer assim e não assado e tal↓ (.) e aí

foram coisas que eu fui pegando... na vida assim eu fui pesquisa::ndo e fui vendo algumas

estraté::gias al- (.) a questão do do trava-lí::ngua que eu também gosto de usa::r pra poder

focar (.) na na diferença por exemplo de coger e corre::r essas coisas e ta::l (.) de jamón e

Ramó::n (assim) esse tipo de coisa mas assim a gente não vê (.) a gente e::u pelo menos não

não vi (.) na minha:: na mi- no meu trajeto eh (.) alguma coisa direcionada a isso↓

Elíria: ãh-hã

Paula: a gente a gen- estudou muito essa questão da da leitu::ra... eh:: (.) a parte gramatical

mais ou menos assim de como trabalhar a gramática (.) de uma forma diferente mas assim

muita coisa foi (.) foi (.) estudando mesmo assim por fora tem tem coisa que eu senti falta (.)

por exemplo de como trabalhar a parte fonética com o aluno a gente não vê isso aqui (.) tipo é

chegar e falar assim não é assim é assim mas isso é:: muito:: (.) simplista né

Elíria: ãh-hã

Paula: e aí:: (.) eu acho que isso eh realmente acho que faltou um pouco eu não sei (.)

ºtambém a gente não tive aula com a Raquel néº

Elíria: [hh]

Paula: [não sei como seria] se tivesse tido aula com ela porque:: ela tava lá no pós-doutorado

e aí a gente não não passou por ela (.) mas não sei (.) de forma geral acho que contribuiu

muito na parte de leitura↓ (.) nessa parte de de (.) não trabalhar o texto (.) como pre- não usar

o texto como pretexto e trabalhar a questão da interpretação junto com a questão gramatical

(.) questões gramaticais melhor (.) mais bem trabalhadas (.) eu aprendi isso↓... que assim eh

(.) ºcomo que eu vou explicarº... que não se- fique no plano superficial

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [não seja] tão tão óbvio (.) eu acho que isso:: eh (.) colaborou colaborou também com

algumas técnicas (.) por exemplo algumas técnicas assim às vezes eu dividia a turma (.) e aí

eu pedia pra metade da turma ler um texto e a outra metade ler outro↓ (.) e aí:: eles tinham que

contar o que eles tinham lido depois eles trocavam esse tipo de coisa [né]

Elíria: [ãh-hã]

Paula: mas aí sempre recai na parte da leitura↓ (.) e outras estraté::gias outra- algumas coisas

o livro didático também traz pra gente algum- algumas sugestões do livro são boas↓ (.) nem

todas eu consigo aproveitar (.) mas algumas são boas também então assim foi

complementa::ndo (.) não sei acho que eu tô fugindo um pouco do tema né você me

perguntou especificamente da minha prática da da faculdade eu acho que colaborou si::m (.)

mas eu acho que alguns aspectos ficaram não fora::m (.) eh muito contemplados [assim]

Elíria: [ãh-hã]

Paula: como por exemplo a questão da foné::tica (.) e:: ºsei láº

Elíria: e você falou do texto literário né (.) você leva algu::ns pra sala de aula (.) eu queria

saber como é que você faz essa pré::... leitura a leitura em si e a pós-leitura assim

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especificamente com o texto literário↓

Paula: tá (.) então por exemplo (.) em algu::ns em algu::ns (.) eh quando o livro dá (.) uma::

(.) um como é que se fa- uma deixa (.) pra eu poder trabalhar alguma coisa nesse sentido (.) eu

aproveito (.) quando o livro não dá deixa nenhuma aí eu (.) tento:: articular com o conteúdo

que tá ali:: e trazer algum (.) algum eh eh (.) eh:: texto literário que se adeque vou dar um

exemplo... eh agora mesmo no espanho::l↑ (.) ºfoi no seis ou foi no doisº (.) no espanho::l

dois... eles têm u::m momento em que (.) é pra falar de passados né se não me engano é na

parte do pretérito:: imperfeito (.) que começa a falar sobre a questão da guerra civil

espanhola↓ (.) e aí ele fala de:: não só de escritores mas ele fala também por exemplo (.) de::

de artistas ele ele fala de do do Luis Buñuel↑ que é o cineasta né (.) aí fala sobre:: (.) o Dalí (.)

que inclusive assim também vem a calhar porque foi recente a exposição né (.) fala sobre::

outras pessoas e um uma das pessoas era o García Lorca por exemplo... dá pra pegar a deixa

(.) e aí trazer textos e trabalhar com esses textos na aula (.) porque (.) já tá tratando disso

mesmo aí e- muitas vezes eu não (.) não trabalho só com texto literário (.) eu numa turma eu

já fiz um trabalho que era com (.) co::m com pintura↓ (.) que era uma turma de espanhol 2

também se não me engano (.) e:: era o 2? (.) acho que era... eu não me lembro por que mas eu

sei que eu ti- ah eu acho que não sei por que mas eu direcionei alguma coisa (.) pega-

pegamos o Dalí aí fomos trabalhar Goya aí trabalhamos um monte de:: de artistas ao mesmo

tempo (.) inclusive foi o tema da da feira cultural↓ (.) mas por exemplo aí com a atividade (.)

vamo pegar aí um u::m (.) se eu se eu trago um texto literário nã::o importa se é um poema ou

se é um... um texto em prosa... normalmente (.) as nossas atividades eh pré-textuais é porque

assim (.) eu não sei eu divido eu faço a divisão em pré-textual textual e pós-textual (.) a gente

viu aí algumas outras divisões de (.) sei lá motivação introdução e não sei mais o quê mas eu (

) eu penso mais como pré (.) textual e pós-textual (.) eh nas atividades pré-textuais (.) eu

normalmente eu faço essa eu acho que tá incluído a questão da motivação aí (.) que é essa::

essa coisa de por exemplo... dependendo do artista que eu vou tratar (.) eu trato do contexto

histórico (.) ao qual ele pertence que nesse caso por exemplo eu podia trabalhar com a (.)

questão da guerra civil... eh:: (.) muitas vezes eu trago alguma coisa que faça por exemplo às

vezes eu trago uma música ou então se é um poeta (.) às vezes eu trago uma:: poesia

declamada por ele mesmo já trabalhei com o Neruda assim também (.) e:: com o Neruda e

com o:: Benedetti (.) também já trabalhei ne- nesse sentido↓ (.) que eu tenho u::m CD (.)

co::m um aluno me deu (.) achei o máximo me deu já tem um tempo (.) que era um CD só

com essa::s com essas com os poemas (.) declamados↓ (.) e:: trabalho com essa questão (.) né

que prévia à:: leitura de um outro texto que não seja esse (.) eh que mais às vezes eu trabalho

co::m imagens também (.) trago imagens que tenham que estejam relacionadas com o

contexto histórico pra dar a deixa do contexto histórico e do contexto histórico partir pro

artista (.) ou entã::o é muitas vezes trabalho com imagem música e outros textos (.) às vezes

de outros autores mas assim textos menores eu procuro trabalhar com textos menores porque

a gente não tem muito tempo (.) e também porque dependendo do grau de complexidade é é

(.) complicado

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [se for] aluno do espanhol 2 por exemplo eu não tenho como trabalhar com algumas

coisas muito teóricas (.) aí eu na parte do trabalho com o texto... que eu foram isso foram

coisas que eu fui aprendendo assim esse ano me acrescentou muito porque esse ano eu

aprendi muito com relação a isso antes eu não (.) não fazia um trabalho tão consolidado assim

não eu acho (.) eu tinha a tentativa

Elíria: hh

Paula: mas eu não tinha a:: a:: (.) a experiência de ter feito alguma coisa na prática (.) e aí na

parte textual (.) do a parte do texto aí eu trabalho (.) a questão da interpretação (.) e além da

interpretaçã- e aí eu deixo eles livres pra falarem o que eles (.) tiverem pensando (.) e aí claro

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se o cara falar alguma coisa que fugir assim absurdamente do:: do né porque às vezes

acontece da pessoa falar uma coisa assim que não não não tem mesmo (.) como (.) de maneira

nenhuma chegar àquilo ali (.) aí tudo bem mas (.) eu vou aceitando as as sugestões que eles

dão muitas vezes eu coloco no quadro (.) vou fazendo uma pa- assim como se fosse u::m (.)

uma lluvia de ideas né (.) um torbellino de ideas vou colocando no quadro (.) e a gente vai

discutindo os conceitos (.) e:: também faço atividades (.) gramaticais sim↓ (.) só que:: eu (.)

com esses textos literários eu procuro não fazer atividade de com- preencher lacu::na (.) esse

tipo de coisa eu procuro fazer outro tipo de atividade por exemplo (.) eh quando a gente

trabalha:: (.) questão de:: (.) de catáfora né ou de anáfora (.) eh eh (.) com os alunos ah esse

pronome aqui:: (.) eh esse pronome eu nem ( ) às vezes eu tento fazer estilo prova sem

coloca::r exatamente a nomenclatura

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [e às vezes] eu coloco a nomenclatura depende (.) coloco assim ah tal termo ou este

pronome se refere a a que:: (.) outra:: passagem já:: eh eh outra passagem do texto

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [e aí eles] vão ver se é antes se é depois o que que (.) aí a gente trabalha essa questão

(.) eh (.) também trabalha com outras questões gramaticais que não seja isso de preencher

lacuna mas às vezes é com relação a verbo por exemplo (.) em relação a aspecto verbal que eu

acho um negócio difícil pra caramba

Elíria: hh

Paula: mas eu tento:: abordar de algum forma (.) e::... porque a gente tem essa coisa assim o

os alunos ficam com esse negócio dos verbos eles têm dificuldade com as conjugações então

assim ficar o tempo todo só mandando conjugar verbo é chato (.) é uma coisa que acaba e não

só chato eu acho que não é produtivo (.) eu acho que (.) eu (.) tem que ter a parte estrutural

sim↓ (.) mas só a parte estrutural não dá (.) e aí:: (.) na pós-textual muitas vezes eu pego o

ga::ncho desse autor pra poder falar de algum outro autor da mesma época (.) ou então (.) pra

poder relacionar com (.) o gênero às vezes é dentro do gênero↓ (.) se eu tô trabalhando tipo

com poemas aí eu pego o::utro autor que tenha poemas com o tema relacionado e aí a gente

faz (.) um um trabalho a respeito disso (.) eh (.) com relação a isso da ditadura militar por

exemplo (.) da ditadura militar não do da guerra civil (.) eh:: (.) depois da gente ter trabalhado

por exemplo alguns textos do Lorca (.) a gente (.) eh... eu levei pra eles era uma outra outro

registro outra coisa não era u::m u::m (.) não eram textos literários era::... ( ) uma↑ (.) não

eram textos literários eram (.) testemunhos [né]

Elíria: [ãh-hã]

Paula: de:: eh tem um site muito maneiro que:: que... reúne (.) eh:: relatos de:: de

testemunhas da guerra civil alguns (.) já falecidos outros não (.) outros vivos↓... e::... e conta a

história deles conta pelo que eles passaram e aí cada um com uma história mais (escabrosa)

que a outra né várias coisas bizarras que aconteceram com eles (.) e a partir daquilo ali (.) a

gente relaciona com o que eles viram né do no autor ah o autor retratou quais aspectos e tal (.)

o que que aqui faz eco com o que os textos que a gente leu do autor (.) e a partir da- e aí eu fi-

divido também às vezes em grupos (dessa) vez eu fiz em grupos eu peguei 4 (.) deles tem

muitos eu peguei 4 deles (.) eh:: separei em 4 grupos e cada grupo ficou com um e aí eles

tinham que conta::r (.) e a partir daí eles também usam o pretérito imperfeito

Elíria: ãh-hã

Paula: eh:: o indefinido... e:: relacionando com o texto que eles tinham visto do (.) autor

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [então] (.) fazendo mais ou menos um link entre tudo e aí mais ou menos fechando o

(.) tema que aí acaba o capítulo acabo::u e aí a gente (.) passa pro outro

Elíria: ãh-hã

Paula: ºfalei pra ca::ramba néº

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Elíria: hh

Paula: vai dar tipo [assim]

Elíria: [ºdeixa eu verº]

Paula: vai dar duas horas de gravação Paula depois coitada [de você]

Elíria: [hh]

Paula: [( )] [hmm]

Elíria: [então] (.) eu queria saber também se você percebe assim na sua formação né (.) eh::

(.) alguma articulação entre os saberes (.) adquiridos na:: nas aulas de língua espanhola

Paula: hmm

Elíria: e os saberes adquiridos na:: nas aulas de lín- literaturas hispânicas

Paula: hmm tá... se peraí (.) se eu ve::jo (.) a relação entre os dois?

Elíria: i::sso

Paula: assim se durante a minha graduação eu senti relação é [isso]

Elíria: [i::sso]

Paula: se não (é assim) dissociados (.) eh::... vou te mandar a real nã::o acho não (.) porque o

que que acontece (.) eu a pra mim (.) primeiro que eu acho assim é uma coisa que a gente

percebe que rola uma:: uma:: uma coisa meio complicada aí entre a parte de literatura e a

parte de língua né (.) parece que não são coisas unidas dentro da universidade o o os setores

né (.) e não acho nem por por não é não tô falando isso por questão dos professores não tô

falando por questão de que mesmo assim parece que não tem um um diálogo muito muito

bom (.) com relação a isso... e assim o que eu vi em literatura (.) eh:: (.) tanto na parte de

literatura hispânica quanto na parte de literatura espanhola (.) a hispano-americana e a

espanhola (.) eu achei o seguinte eu vi várias coisas muito interessantes muito importantes (.)

eh::... vários eh gêneros (.) interessantes e tudo mais mas assim (.) nã- isso não não era

aplica::do nas aulas de língua nas aulas de língua (.) a gente até tinha al- por exemplo eu me

lembro que em espanhol 2 se não me engano (.) eu acho que era o 2 a gente trabalhava a

questão do da narração↓ (.) era:: narrativa alguma coisa nesse sentido (.) então assim a gente

trabalhou com alguns textos literários sim↓ (.) eu me lembro que eu tive aula acho que era

com a Mariana se não me engano e a gente trabalhou com a questão do co::nto e tudo mais

acho que você tava nessa turma não [tava?]

Elíria: [tava]

Paula: então... eu me lembro disso (.) então assim tá ali a gente teve sim (.) a questão da::...

de trabalhar textos... literários (.) e eu me lembro que em espanhol (.) 4... foi com a Cátia que

eu fiz que assim eu não... sem comentários hh

Elíria: hh

Paula: eu achei assim uma coisa muito (.) né (.) não (.) não acrescentou assim tanto (.) mas (.)

eu lembro que de alguma forma a gente também trabalhou alguma coisa de texto literário (.)

ma- (.) AH a Celeste também trabalha::va (.) com textos literários mas assim (.) eu não não

não via muita articulação entre:: ve- eu não acho que a gente aproveitasse (.) a alguma coisa

que tivesse a ver (.) com a parte da interpretação por exemplo a gente não trabalhava muito a

interpretação não (.) a gente trabalhava mais em prol da:: da questão gramatical (.) eu tenho

essa:: essa coisa na minha cabeça assim (.) sabe eu não sei eu também (.) f- vou te confessar

faz um tempo né

Elíria: hh

Paula: que eu tô aqui hh (.) tem um tempo então assim eu me lembro mas eu nã::o não me

lembro de atividades em específico (.) eu acho que a articulação podia ser maior (.) eu acho

que assim... tem muita coisa interessante que os professores eh:: (.) que a gente trabalha com

os professores na parte de literatura também (.) mas eu acho que a articulação podia ser maior

(.) e eu acho que dentro das disciplinas de literatura↓ (.) algu::mas vezes a questão (.) do:: da

interpretação e a questão (.) do f- do fazer literário se perde (.) pela questão do tema (.) eu

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acho que é mais uma análise de tema (.) do que uma análise da questão do fazer literá::rio ou

do que é literatu- assim o que é literatura é uma discussão muito ampla

Elíria: hh

Paula: né mas assim (.) do eh eh (.) de de:: mesmo ca- eh eh da da obra em si (.) se perde um

pouco pela questão do tema você fica trabalhando o tema (.) e... não aconteceu isso comigo

em todas as minhas disciplinas de literatura não mas algumas eu senti principalmente em

hispano-americana (.) eu acho que a gente ficava muito em torno de um tema um tema e aí a

gente só trabalhava (.) eh obras que que falassem sobre esse tema e a gente ficava discutindo

o tema e a questão da da literatura em si de (.) em que condições aquilo ali foi produzi::do (.)

eh:: (.) eh:: (.) qual o trabalho formal do auto::r (.) né pra com relação a:: a (.) eu sei que não é

teoria literária eu sei que é outra disciplina que é outro esquema (.) mas eu acho que:: (.) fica

se dando muita importâ::ncia (.) pra questão do tema e às vezes a questão da do trabalho

literá::rio que é uma coisa interessantíssima se perde um pouco

Elíria: ãh-hã

Paula: então... se dentro da disciplina de literatura já acontece isso eu acho que então (.)

relacionando a disciplina de literatura com a disciplina de língua a a (.) a conexão é um é um

pouco fraca [assim]

Elíria: [ãh-hã]

Paula: ºeu tenho um pouco essa:: impressãoº

Elíria: ãh-hã

Paula: ºnão sei é minha impressão assim... sei lẠ(.) eu respondi a pergunta? hh

Elíria: ãh-hã hh (.) eh:: eu queria saber também (.) eh assim (.) geralmente né (.) não ( )... as

pessoas quando chegam na faculdade de letras elas têm uma visã::o meio:: normativa né da

lí::ngua (.) da linguagem e tal não tem uma reflexão muito grande (.) então eu queria saber

assim (.) eh:: (.) da sua (própria) prática docente mesmo ou então de te::xtos ou trabalhos que

você tenha feito aqui na universidade (.) eh (.) qua::is desses conteúdos ou textos ou trabalhos

(.) eh contribuíram pra:: mudar a sua relação com a linguagem

Paula: hmm tá (.) então eu a::cho que:: é verdade a gente entra com uma:: com uma ideia

meio:: (.) eh (.) na verdade a gente entra eu eu acho que eu entrei sem muita assim muita

expectativa eu não sabia muito bem o que eu ia encontrar (.) porque:: (.) a gente pensa assim

ah de repente eu vou aprofundar tudo que eu aprendi no ensino médio mas eu não sei como

que eu vou ver isso né as aulas de literatura por exemplo eu achei que ia ser uma coisa (.)

complementamente diferente assim eu achei que eu ia (.) sei lá estudar tudo dividido por

escolas também né e aí mudou muito o meu pensamento nesse sentido (.) com relação à

língua... mudou também mas por exemplo (.) eu acho que algumas coisas (.) hh (.) ºé porque

elas tão esquecendo a porta abertaº (.) eu acho que algumas coisas (.) eh:: (.) que a gente viu

aqui... porque assim também eu acho que foi pro outro lado né gen- eu eu a gente do currículo

antigo (.) então (.) eh (.) no no 1 (.) né no português 1 me lembro bem (.) que ficou aquela

coisa de diferenciar sistema norma e fa::la (.) e aí já começaram alguns conceitos linguísticos

que já (.) de::ram pra gente um direcionamento bom então (.) pera aí (.) nã::- não é bem isso o

que a gente vai fazer aqui (.) e:: aí (.) em em (.) port 2 que eu me lembro muito bem era

morfologia... era um negócio assim de louco tipo assim

Elíria: hh

Paula: vamo desconstruir tu::do o que você conhece até hoje sobre morfologia e a gente vai

discutir a visão de (.) dez pessoas diferentes (.) são dez visões diferentes

Elíria: hh

Paula: sobre a mesma coisa isso aqui é um morfema ou não é um morfema (.) isso aqui é é

um um (.) um indicador de plural (.) ou não (.) de de singular ou não não sei o quê e e aí... eu

me lembro que eu fiquei meio assim eu fiquei assim cara na boa... ( ) o que é que eu como é

que eu vou fazer isso entendeu como é que eu vo::u (.) levar isso pra prática o que que é que

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eu tenho que adotar pra mim (.) porque se tem mil pessoas falando sobre (.) mil coisas eu

preciso escolher um ponto de vista pra pode::r direcionar (.) e aí (.) rapidinho a gente

entendeu né depois que eu comecei a trabalhar então (.) que... não (.) não é bem isso aí porque

tem uma exigência né você exigem de você que você ensine determinadas coisas (.) pro aluno

(.) porque:: é assim e assim tem que ser

Elíria: hh

Paula: só que (.) me- mas aí é que tá eu acho que todas essas discussões contribuíram num

sentido por mais que (.) a gente fique meio perdido tipo assim meu Deus (.) o que que é

realmente que eu tenho que adotar então porque se (.) se tem mil visões se tem lá o Celso

Cunha Rocha Lima Bechara todo mundo falando coisas (.) assim às vezes diferentes (.) o que

que eu o que que eu vou fazer da vida

Elíria: hh

Paula: como é o que que eu vou adotar né (.) ao mesmo tempo (.) eu eu ao ter o choque de

realidade e perceber assim não eu preciso infelizmente eu preciso ensinar o que tá ali no livro

(.) pro meu aluno lá na escola ao mesmo tempo (.) eh:: abriu um pouco o nosso:: o pelo

menos no meu caso abriu um pouco o meu o meu campo assim de entre aspas aceitação (.) eh

por exemplo... eu chegar eu poder dizer pro aluno olha (.) aqui tá escrito isso mas tem outros

teóricos que não pensam dessa fo::rma (.) pensam assim assim e assim (.) então (.) eu acho

que é válido nesse sentido (.) mas a gente não consegue fugir totalmente da:: da gramática::

normativa né... eh:: daquela que:: que tá por exemplo eu não posso fugir totalmente do que tá

ali no no livro (.) mas eu posso trazer informações novas e coisas novas eu acho que isso

nisso eu (.) foi proveitoso pra mim (.) também (.) aí eu não sei se se tá dentro do:: do eu acho

que tá né porque a questão de gênero é uma questão que atravessa tudo na nossa vida (.) então

assim (.) por exemplo (.) quando eu trabalhava com aulas de literatu- de:: redação... eu fazia

questão (.) de:: ensinar pra eles o eh a diferença entre gênero e tipo (.) o que que é um gênero

textual por que que a gente tá trabalhando (.) tal gênero textual por que que que::... por

exemplo ah nós tamos trabalhando aqui co::m sei lá o gênero:: crônica (.) não só quais são as

características da crônica (.) mas assim... eh (.) trabalhar outras questões de interpretação que

passam pelo gênero (.) e:: isso é legal é uma é o tipo da coisa que nunca fizeram comigo e eu

vejo que muita gente não faz (.) o aluno ( ) assim ah vamo estudar aí sei lá notícia (.) mas ele

não tem noção de que a notícia (.) é um gênero que possui algu::mas características e que (.)

além das características tem eh eh (.) a questão né das prá::ticas sociais ( ) você joga fala aí (.)

tanto é:: (.) que eles falavam assim pra mim se eu (.) pedia eh (.) eu percebi que tinha a

necessidade de explicar também porque vamo supor se você pede (.) pro aluno (.) ah eh ( ) sei

lá (.) pe- uma produção textual pra casa né... cê dá lá um u::m... eu também fazia isso de:: de

fazia tipo uma uma motivaçãozinha às vezes eu trazia algu::m uma cha::rge (.) ou então (.)

u::m... sei lá uma ima::gem (.) e a gente discutia essa ima::gem e tal e tal ou então às vezes

um parágrafo pequini::nho (.) e:: a partir daquilo ali:: e do tema pedia pra eles escreverem

uma crônica (.) sei lá (.) aí eles (falavam) assim ué professora (.) ma::s (.) você não disse que

ia pa- você você (.) não vai passar redação não eu falava assim gente... redação é uma coisa

assim abstrata e ampla uma uma crônica pode ser u- uma redação (.) (falei) assim eles

dissociam eles acham que são coisas diferentes (.) eles acham que assim redação (.) é redação

(.) uma crônica um conto nã- não pode eu não posso pedir pra eles fazerem isso porque isso aí

é coisa que eles não fazem eles fazem redação (.) então (.) é:: uma coisa que eu senti

necessidade e isso (.) foi através da faculdade se não fosse através da universidade eu nunca

teria (.) talvez (.) né não sei mas talvez (.) e- essa essa (.) coisa né de:: de falar sobre o tipo

sobre o gênero (.) eh de expandir também meu conceito essa questão de:: (.) de:: a questão do

preconceito linguí::stico (.) que é uma coisa que eu... eu acho importante a gente (.) explica::r

e explicar pro aluno por que (.) que ele precisa estudar aquilo ali (.) se na vida rea::l na vida

real entre aspas tá porque isso é meio complicado né mas assim (.) não é vida real mas vamos

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supor se:: ele tem outras situações na vida dele em que ele não precisa se expressar daquela

forma... então assim (.) eu acho que:: eh traz u::m sentido assim por por que que eu tô aqui

estudando isso (.) né (.) então eu acho que:: (.) sei lá:: eh eu realmente acredito que eu tô

meio:: dispersa assim

Elíria: [hh]

Paula: [( )] mil coisas ao mesmo tempo (.) mas é porque (.) em algu::ns aspectos realmente eu

acho que que:: (.) que colaborou pra mudar a minha visão↓ (.) mas (.) com relação a eh eu

acho que você a pergunta inicial que eu me perdi mas a é porque ºeu sou assimº ( )

Elíria: hh

Paula: eu faço digressões mas (.) a pergunta inicial com relação ao normativo né (.) e:: e o

que que a a universidade mudou né no meu no modo mudou... [bastante]

Elíria: [é]

Paula: mas mais no sentido da eu acho que mais (.) linguisticamente falando acho que (.)

assim por uma ques- por essa questão né (.) sei lá

Elíria: então foi mais os conteúdos trabalhados né na universidade

Paula: os conteúdos trabalha::dos (.) eh:: por exemplo tem muita coisa que eu vi que eu não

me lembro assim na boa essas coisa assim de discussão se (.) se:: (.) sei lá isso por exemplo

do eu me lembro sempre dessa da morfologia que me marcou

Elíria: hh

Paula: mas teve várias tiveram várias outras (.) eh:: eu não me lembro mais o que que

fulaninho falou que que Laroca falou a respeito de:: de tal (.) sabe de morfe ou morfema e não

sei das quantas eu não me lembro (.) mas assim algumas coisas eh eu acho que (.) que fizeram

diferença (.) por exemplo essa questão eh:: (.) eu me lembro (.) sempre da questão lá do verbo

intransitivo que o verbo intransitivo às vezes ele tem um adjunto (.) adverbial (.) que pro

aluno ele é essencial ele olha e fala assim mas professora mas por que que (.) eh eu não tô

entendendo não é um objeto por que (.) aí tem tem toda essa questão eu me lembro que eu

estu- que a gente estudava isso e tal só que eram umas coisas super complexas tem algumas

coisas que eu não me lembro não (.) mas assim eu eu às vezes eu me utilizo de algumas coisas

e eu volto porque eu eu guardo todos os meus papéis↓ (.) to::dos os meus papéis (.) e:: os

livros que eu comprei também né fui fazendo mi- minha biblioteca então (.) eu volto lá porque

eu lembro ah não eu vi alguma coisa em algum momento da vida que falava sobre isso então

eu vou voltar pra poder dar (.) eh e- esse feedback pro pro aluno (.) eu acho que mudou nesse

sentido assim eu estudei coisas que eu nunca imaginava ter estudado e al- e algumas (.) pra

mim passaram a a algumas ficaram na memória então isso:: ampliou (.) também dar um

exemplo assim besta mas algumas coisas por exemplo do latim (.) que a gente aprendeu que

(.) sei lá o que que uma palavra (.) a etimologia da palavra né essa palavra aqui significava tal

coisa (.) eh eu uso isso é que agora eu não consigo lembrar de um exemplo mas às vezes

surgem algumas palavras que eles falam assim pô nada a ver essa palavra (.) eu falo assim

tem sim porque olha só no latim isso aqui era isso isso aqui era isso e aí tem (.) tem a ver

Elíria: ãh-hã

Paula: então assim são coisas que:: que no dia a dia é até legal (.) eu acho interessante amplia

mesmo a nossa visão (.) ºmas é:: isso (.) eu achoº

Elíria: então (.) eh em relação à minha última pergunta

Paula: hmm

Elíria: eu sei que você já falou falando algu- eh algumas coisas (.) durante:: (.) a sua fala (.)

mas eu queria que você destacasse assim os principais po::ntos positivos na sua opinião na

sua visão

Paula: ãh-hã

Elíria: e os principais pontos negativos do currículo em que você (.) tá sendo formada

Paula: tá (.) deixa eu pensar... bom (.) uma coisa que eu considerei muito positiva não sei se

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se mantém até hoje (.) mas assim (.) quando eu entrei na faculdade (.) eu:: tinha (.)

conhecimento de espanhol porque eu eu estudava eu tive no ensino mé::dio e eu estudava

sozinha em casa porque eu sabia que eu queria fazer isso então eu comecei a estudar (.) mas

assim (.) de qualquer forma (.) era uma coisa assim muito né inicial e tal (.) e logo de cara a

gente ter aula com professor eh ledor né que fala não professor leitor né (.) é porque ledor é

Elíria: hh

Paula: prova de vestibular pra pra pessoa com deficiência visual (.) eh professor leito::r eu

achei legal (.) achei uma coisa muito interessante (.) porque parecia mesmo uma aula de

conversação (.) pra e assim eu eu considerei um ponto superpositivo porque além da gente ter

o espanhol (.) né:: que não era nesse esquema que era um espanhol assim mais sistemático

duas vezes na semana ainda tinha mais uma vez na semana (.) eh a aula com o professor leitor

e eu achei muito legal eu achei um diferencial porque eu falei pô realmente é uma

preocupação (.) com o cara nativo né com professor nativo (.) de:: assim pra pra gente ir se

aperfeiçoando né (.) eu achei isso legal (.) outra coisa que:: (.) que eu acho que eu achei

positiva (.) foi:: eu achei algumas disciplinas assim be::m... interessantes (.) por exemplo eu

eu acho que linguística (.) foi (.) be::m... a maior parte (.) é a maior parte de linguística eu

acho que me me ajudou muito (.) eh até com relação a::... tanto com relação a essas coisas de

eh esses conceitos né essas coisas de variação linguí::stica e tudo mais (.) quanto com re- eu

eu acho realmente que contribuiu essa coisa de:: de (.) de fazer as transcrições fonéti- eu

realmente acho que contribuiu (.) porque hoje em dia por exemplo na prova oral dos alunos a

gente sabe identificar qual foi a:: (.) a questão por conta disso então eu acho que foi legal foi

um conhecimento assim que o que eu nunca tinha (.) tido e eu acho que valeu a pena (.) eu

acho positivo... além disso que mais eu tive algumas disciplinas de literatura que eu achei

be::m (.) que acrescentaram mu::ito... eh mas (.) né com a ressalva de que eu acho que (.) que

poderia de repente ser uma coisa menos temática e mais focada na questão (.) eh d- da

literatura em si... eh:: deixa eu pensar que mais... eu acho que a gente tem bons professores (.)

eu acho assim (.) tá eu acho que há exceções porque teve alguns professores no meio do

caminho né tiveram alguns professores (.) que:: eu achei que nã::o (.) não es- não estavam

assim de acordo com o:: com o que eu esperava mas tudo bem que isso aí também é subjetivo

né (.) eu esperava uma coisa e::... mas de forma geral eu acho que os professores são bons

assim (.) eu acho que:: realmente eles são bons... e no assim do ponto de vi- do que eu

considero negativo (.) bom essa falta de conexão entre os (.) não sei nem se a gente pode

chamar de setores né dentro do setor de espanhol não sei:: (.) a as den- (.) sei lá... [não sei

explicar]

Elíria: [porque o departamento é um só né]

Paula: o departamento é um só

Elíria: hh

Paula: departamento de neolatinas não é isso (.) aí divide o setor de espanhol dentro do setor

de espanhol ainda tem uma divisão (.) é uma coisa meio:: (.) meio tensa e assim (.) eu acho

que podia ter uma:: (.) uma::... eh (.) uma contribuição né entre os dois... eh::... eu acho

que::... ºtem que pensar pera aíº... eu acho que::... em algumas é isso é algumas coisas que a

gente vê aqui são (.) por exemplo (.) e de forma geral agora não é é do espanhol

especificamente não de forma geral

Elíria: não do currículo

Paula: do currículo (.) tem professor que simplesmente não segue a ementa... isso pode ser

um problema desde que o mundo é mundo tudo bem o problema não é um problema só da

((nome da instituição)) deve ter em vários outros lugares eu não tô dizendo que é:: (.) a

faculdade de letras em si mas isso é uma coisa que eu considero meio problemática porque (.)

você faz com um professor uma disci- uma são eh tem uma progressão né você faz um

negócio lá sei lá (.) um exemplo teoria literária 1 2 3 e 4 (.) aí se você não teve (.) a base (.) no

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um (.) quando você chega no dois o professor já tem o pressuposto (.) de que você já sabe

alguns conceitos que de repente você não sabe (.) então isso me gero::u alguns problemas em

alguns momentos e isso me levou (.) a procurar estar sempre com os mesmos professores (.)

naquela época de AGF então era um negócio incrível porque eu ia atrás sempre do (.) dos

mesmos professores assim se eles tivessem dando as a a disciplina assim da tava dando a

disciplina 2 e 3 eu tava lá com ele na 3 de novo (.) porque eu sei que ia fazer um trabalho

continua::do (.) e (.) eu acha- eu lia lá a ementa falava bom tá de acordo isso aqui vai me

ajudar muito então eu vou... mas isso eu acho que (.) prejudica um pouco cria uma quebra né

no no (.) na progressão do trabalho (.) eh::... isso de forma geral eu acho que (.) prejudicou↓...

um ponto de vista negativo eu acho que às vezes também eu não sei se is- isso eu acho que é

um pode ser uma coisa também que não seja só da letras ou só (.) do da do da nossa (.)

carreira né isso acontece (.) de forma geral mas (.) em muitos momentos o que a gente vê

parece assim inaplicável (.) tem algumas coisas que você olha cê fala assim meu Deus (.) se

você não for trabalhar com aquilo como pesquisador (.) aquilo ali se torna uma coisa

totalmente↑ (.) sem... propósito em al- algumas né não tô falando de tudo mas em al- algu::m

alguns concei- alguma::s (.) eh::... ºnão sei nem qual o nome que eu dou pra isso não é

matérias mas assim algumasº (.) alguns aspectos que a gente vê aqui às vezes parecem que

não têm uma aplicação prática... porque a gente não vê tem é dissociado a parte de educação e

a parte de bacharelado elas são (.) dissociadas então assim você aprende às vezes várias coisas

na teoria (.) por exemplo você tá lá vendo (.) sintaxe do período composto... só que assim

ninguém↑ te diz como trabalhar com aquilo você e você não vai descobrir e na matéria de

educação (.) porque (.) é totalmente (.) dissociado (.) claro (.) por exemplo ah você faz prática

de ensino pra isso tudo bem... mas a gente aborda outros aspectos às vezes não esse (.) e e:: a

fica também aí passa entendeu o negócio passa porque você já tá lá na frente você já fez

aquela disciplina no segundo período da faculdade você já tá lá no sei lá no décimo (.) e aí um

negócio você já não faz muito mais não tem muita mais conexão

Elíria: ãh-hã

Paula: no currículo novo eu não sei como é (.) porque o pessoal do currículo novo tem umas

matérias diferentes agora eles tê::m e eles fazem (.) eles optam e fazem junto né (.) parece a

gradua- a:: licenciatura e o bacharelado (.) a minha visão com relação ao antigo (.) é essa que

fica um pouco distanciado... e:: por mais que a gente aprenda em didática sim muita coisa a

gente aprende técnicas aprende muita coisa muitas vezes são coisas gera::is (.) que a gen- não

tão direcionadas à nossa disciplina em específico então fica aquela (.) dúvida né

Elíria: ãh-hã

Paula: eh::... eu acho que é isso... com relação ao ao currículo de forma geral eu acho que é

isso (.) tem tem (.) eh aprendi muita coi- AH tem também eh por exemplo na parte de é isso é

Elíria: hh

Paula: é porque assim vai vai recair pro me- pra mesma:: pro mesmo assunto (.) que é por

exemplo vou te dar um exemplo (.) em literatura hispano-americana gostei muito (.) eu

aprendi muita coisa mas eu aprendi muita coisa com relação ao tema que o professor

trabalhava (.) entendeu eu acho que algu::ns algumas coisas ficaram sem ser explora-

simplesmente (.) e assim também tem essa questão agora aumentou (.) eu acho né pelo que eu

fiquei sabendo eu tô meio:: (.) meio afastada disso mas (.) >aumentou mas assim< (.) a gente

tem (.) três literaturas hispano-americana- não eh eh (.) um fundam né (.) e duas hispano-

americanas meu Deus a América Latina é eno::rme

Elíria: hh

Paula: os períodos são (.) mú::ltiplos assim muita coisa e você vê em dois↑... semestres...

entendeu é uma coisa assim aí em teoria é pra ser um de prosa um de poesia como assim

Elíria: hh

Paula: você vai aba- abarcar um período de tempo tão grande e uma quantidade de terri- eh

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uma quantidade territorial de produção (.) tão grande (.) em dois semestres hh (.) enquanto

que em e::m literatura espanhola a gente tem cinco (.) que assim eu não tô dizendo que tenha

que ter menos eu acho até que:: que tem que ter mesmo (.) mas a gente em lithisp tem (.)

dois↑ agora eu acho que tem 3 não sei

Elíria: são 3

Paula: né (.) mas assim mesmo assim eu ainda acho muito reduzido acho que tinha que ter

cinco também (.) porque assim é é... eu não sei eu fico isso (é) uma coisa que (.) foi séria pra

mim sabe eu fiquei pensando porque a impressão que eu tenho é que eu tô que eu tô (.)

deixando de ver muita coisa claro que a gente pode ver por conta própria a internet tá aí:: os

livros estão aí a gente pode sair e pesquisar tudo bem (.) mas assim o que o professor tem a

dizer é sempre muito interessante (.) porque ele tem muito mais leitura do que a gente ele tem

muito mais bagagem do que a gente e ele afinal de contas é uma autoridade naquele assunto

(.) então assim (.) eu eu (.) pelo menos acho (.) tô falando isso assim de boa

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [sério] mesmo eu acho que... é importante a mediação do professor (.) então (.) se o

professor tem ali dois semestres pra trabalhar um negócio que é eno::rme (.) e que não e assim

ainda é dividido em (.) poe- hh e::m

Elíria: hh

Paula: poesia (.) e prosa (.) tipo assim como (.) como não dá:: gente é um negócio assim

humanamente impossível (.) e:: (.) ainda teve essa esse caso de que no meu eu goste::i das

minhas aulas de:: de lithisp mas a gente trabalhou basicamente a parte de tema↓ (.) só (.) e aí

também eu acho que fica restritivo da mesma forma

Elíria: [ãh-hã]

Paula: [eu acho] que é:: a mesma coisa... e:: as aulas de fundam e de fundesp são a coisa mais

ampla e e abstrata possíveis assim... eu não sei o que era... até hoje eu não sei a gente tá hh

Elíria: hh

Paula: eu não sei (.) vou te falar

Elíria: hh

Paula: fundesp eu acho que a gente trabalhou história (.) da Espanha (.) e fundam (.) assim

porque fundesp não tinha nada de literatura [tá]

Elíria: [não hh]

Paula: não tinha nada de literatura (.) eu ( ) assim a gente estudou os períodos... e funda::m (.)

fundam a gen- eu não sei o que a gente fez em fundam (.) em fundam a gente estudou acho

que... vári- a gente estudou através de textos literários beleza↓ (.) ma::s... eu não sei (.) eu não

me lembro (.) e assim e ao mesmo tempo também s- é uma loucura porque... de novo... é é da

onde que a gente tá falando porque a América meu Deus é um negócio assim a::

absurdamente (.) sei lá (.) e aí impressão que dá é essa (.) que isso tá ºé um ponto negativoº (.)

porque a gente sai cla::ro que nunca a faculdade vai dar conta de (.) de (.) abarcar

absolutamente tudo que envolve:: né o eh... a carreira né o que a gente escolheu (.) mas eu

acho que (.) eh algu::mas coisas primordiais ficam de fora (.) e assim claro que o aluno pode

ser autodidata ir lá e procurar mas a mediação do professor é importante então acaba que (.)

eu acho que fica um déficit de algumas (.) eh eh:: (.) de alguns aspectos aí (.) principalmente

então na área de literatura agora eu já:: (.) foquei

Elíria: hh

Paula: principalmente na área de literatura (.) na área de língua eu acho que a gente abarca

mais... con- eh mais conceitos mais (.) mais contex- porque a gente tem mais tempo também

(.) pra trabalhar isso

Elíria: ãh-hã

Paula: né a gente tem oito períodos (.) pra:: pra trabalhar com relação a isso (.) e::... e:: eu

acho que fica um pouco defasado nesse sentido... também a gente tem e e agora falando na

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parte de:: de:: de língua (.) a gente tem muito pouco tempo pra trabalhar variação também

acaba ficando assim a gente vai elenca::ndo (.) eh o que que cada lugar fa::la de que cada jeito

fa::la mas a gente não não aborda a questão social não aborda nada disso é só assim fazer uma

lista (.) e eu acho também que de repente sei lá↑ parece que eu tô eu tô querendo um negócio

assim (.) que não existe né hh

Elíria: hh

Paula: mas assim (.) é eu sei que isso é totalmente utópico mas eu acho que sei lá pensando

num num modelo ideal (.) eu acho a gente que poderia trabalhar isso também (.) mas (.) que

fique claro que eu não detesto a faculdade

Elíria: hh

Paula: que eu não acho que eu nã::o (.) que eu nã::o acrescentou nada não pelo contrário acho

que acrescentou muita coisa (.) mas assim se a gente vai parar pra pensar no que a gente

sentiu falta né a gente acaba (.) que cada um é um também eu às vezes tô achando isso de

repente outra pessoa acha que não que foi supercompleto (.) perfeito e tal (.) mas a minha::

ideia de forma geral é essa... ºeu acho... assim néº

Elíria: ah então tá ótimo

Paula: tá↑... então tá bom

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ANEXO 7

Transcrição da entrevista com Daniel

Elíria: Daniel eu queria saber (.) em primeiro lugar (.) se você procurar articular os conceitos

teóricos trabalhados na:: licenciatura (.) à sua prática docente↓

Daniel: eu acho que na medida em que você participa de uma formação (.) também docente

na licenciatura (.) o ideal é que você vise articular (.) né (.) todos os pressupostos teóricos

trabalhados durante a a a a graduação (.) eh (.) quer dizer (.) a licenciatura ela tem mesmo essa

função (.) de EQUIPAR o graduando pra uma posterior atividade docente (.) quando ele está

(.) dentro de uma licenciatura... como eu fiz (.) formação de professores antes de entrar (.) na

graduação em letras (.) eu já tinha (.) né a preocupação pedagógica (.) com os conteú::dos

mesmo da minha área né

Elíria: hmm

Daniel: entã::o nã- pra mim não há nada mais natural do que pensar (.) a relevância teórica e

o e os ganhos teóricos das ciências da linguagem (.) trazendo esses avanços (.) pra aspectos

mais práticos da sala de aula eu não vejo di- dissociação entre teoria e prática docente

Elíria: ãh-hã (.) e você pode falar um pouco sobre:: de que maneira você faz isso?

Daniel: bom no momento eu não estou lecionando (.) né (.) no momento eu tenho atuado eh

(.) basicamente em atividades de pesquisa e monitoria dentro da ((nome da instituição))... e (.)

levando-se em conta que eu trabalho com língua portuguesa né linguística ºlíngua

portuguesaº... eh::... eu acho que grosso modo (.) eu poderia dizer pra você (.) é que (.) um

professor ele precisa ter conscientemente (.) uma visão de língua (.) uma visão de língua bem

delimitada (.) porque a partir dessa premissa (.) é que ele vai conseguir elaborar (.) práticas

efetivas... né↑

Elíria: ãh-hã

Daniel: é claro que a prática vai depender de de de uma conjuntura material né quer dizer (.)

quais são os materiais que esse professor vai ter acesso na esco::la (.) eh:: o o nível de

investimento que a instituição (.) né recebe ou dos empresá::rios do ensino no caso de uma

escola privada (.) ou do do Estado (.) ou de órgãos federais enfim... mas no que concerne à

relação professor e do- e e e discente (.) e estudante (.) primeiro ele precisa ter uma visão de

língua↓ (.) e a visão de língua que eu compartilho (.) é que a língua é eminentemente calcada

(.) na (.) interação então eu compartilho de uma visão interacionista (.) e não só

interacionista... como também cognitiva (.) né e não tô falando de um (.) de uma cognição

modular gerativa (.) né eu tô falando de uma (.) de uma cognição que é (.) culturalmente

situada (.) então não existe nenhum processo discursivo (.) ou sociointerativo sem uma âncora

conceptual (.) né o estudante também é um sujeito conceptualizador (.) INCLUSIVE (.) em

termos (.) inconscientes (.) né (.) quer dizer (.) não há crime maio::r (.) do que você fazer com

que o aluno se sinta (.) um estrangeiro na sua própria língua↓ (.) né (.) o aluno ele precisa se

inserir se engajar (.) subjetivamente (.) na sua língua no espaço público de uso da linguagem

que é a própria sala de aula (.) e dentro daqueles conteúdos que o professor tá trabalhando (.)

então... por aí (.) toda a minha prática (.) é guiada (.) a tornar o aluno (.) primeiro (.)

consciente da sua fala consciente do seu vernáculo (.) mais importante do que saber (.) eh a

posição sintática do sujeito (.) é que ele enxergue (.) que ele é um sujeito (.) do discurso (.) né

(.) e não é um sujeito puro (.) né é um sujeito atravessado por outros discursos (.) né (.) e que

(.) esses discursos eles (.) legitimam ou deslegitimam uma série de representações (.) e é

CLARO que toda atividade discursivo-enunciativa ela tá calcada na materialidade da língua

(.) então você também pode aprovei- apro- se aproveitar de materiais... eh:: reais vivos de uso

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linguístico (.) né (.) pra você trabalhar (.) eh:: quais são as estratégias linguísticas pra criar por

exemplo determinados efeitos de sentido (.) ou usos retó::ricos (.) [né]

Elíria: [ºãh-hãº]

Daniel: então o que eu posso dizer pra você Elíria (.) eh (.) em síntese (.) é que a visão de lín-

é que o professor precisa ter uma visão de língua e a visão de língua com a qual eu trabalho (.)

é uma perspectiva de que a língua se dá na sociointeração (.) ela também é uma atividade

cognitiva (.) e que (.) ela também é uma instâ::ncia de subjetividade na medida em que o

aluno precisa se sentir sujeito da linguagem... e precisa se sentir um explorado::r dessa

linguagem e não um sujei- e não (.) um sujeito assujeitado oprimido por um conjunto de

regras (.) eh de um padrão que inexiste (.) eh:: ou então eh uma aula que (.) que transborda

regras fossilizadas então a língua não tem (.) a língua linguagem (.) não tem nenhum sentido

(.) porque ela não está vinculada à vida (.) ºnéº (.) então eu sempre tento articular... linguagem

e vida (.) vamos dizer assim

Elíria: [ãh-hã]

Daniel: [em síntese]

Elíria: ãh-hã (.) e:: em relação à formação e::m língua estrangeira e literatura (.) literaturas

estrangeiras né (.) você percebe alguma articulação eh na licenciatura entre essas duas (.)

instâncias (.) digamos

Daniel: não... em relação à língua estrangeira e literatura estrangeira... absolutamente não

Elíria: hh

Daniel: quer dizer eu acho que:: (.) há uma dificuldade no curso de espanhol da ((nome da

instituição)) de encarar (.) de encarar não (.) de construir um enquadre pedagógico (.) pra cada

espanhol pra cada disciplina de espanhol e pra cada disciplina de literatura (.) eu acho que são

aulas... bagunçadas descontextualizadas e que também bagun- bagunçam a cabeça do

graduando... então com relação↑ (.) à disciplina de espanhol e das literaturas (.) na minha

opinião (.) não há preocupação... do docente de ensino superior em articular (.) o tecido

literário (.) com a prática docente que virá... após a formação (.) ou que já inclusive já faz

parte da vida da formação (.) que é da da que já faz parte da vida do aluno (.) do estudante do

graduando (.) porque o professor ele não se dá conta de que ele leciona também pra

professores... né

Elíria: ºãh-hãº

Daniel: então (.) Elíria eu sinto isso (.) não há articulação

Elíria: ºãh-hãº

Daniel: há uma... há uma::... uma confusão mesmo a a (.) o cu- o curso de espanhol ainda não

sabe... pra que caminho seguir... tanto de língua (.) quanto de literatura↓

Elíria: ãh-hã

Daniel: eu tive eu tive uma abordagem pedagógica (.) com relação a língua estrangeira e com

literatura (.) a partir da disciplina específica da prática de ensino com o Márcio... ele foi (.)

única e exclusivamente o professor que tra- que teve a preocupação ÉTICA (.) e didática (.) de

fazer esse link... o resto é resto

Elíria: hh

Daniel: paciência

Elíria: ãh-hã (.) e:: assim (.) pensando (.) nos momentos (.) da sua prática docente né não só

ago::ra mas (.) toda a sua prática docente (.) eh você procuro::u (.) trazer pra aula de língua (.)

alguma coisa de literatura?

Daniel: sem dúvida... ao invés de por exemplo trabalhar a literatura (.) como::.. dentro de uma

perspectiva historiográfica (.) então primeiro eu dou (.) barro- (.) barro::co (.) depois eu vou

sei lá (.) pro romanti::smo (.) aí do romantismo de repente eu dou um salto (.) e vou pro

moderni::smo (.) eu não consigo ver a literatura como pedaços de uma pizza (.) até faze- hh

Elíria: hh

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Daniel: porque literatura não é i::sso (.) literatura é experiência estética... e é uma experiência

estética completamente situa::da (.) então o sujeito que LÊ (.) e a- e tem uma experiência

estética com o texto literário (.) ele não está apenas tendo acesso ao texto literário ele está

tendo acesso (.) a todo um espaço de representação simbólica (.) que o liga não só ao texto

mas ao que cruza o texto que é a própria sociedade a cultura e a própria história (.) então por

exemplo eu lembro de uma aula... que nós eh ao invés de focalizarmos um determinado texto

(.) e::... trabalhar o texto apenas quanto ao aspecto histórico (.) histori- historiográfico e (.)

estrutural (.) né ah esse texto é româ::ntico porque ele tem essas caracterí::sticas (.) né (.) essa

coisa bo::ba (.) e que é feita há tanto tempo (.) ao invés de trabalhar nesse sentido... eh:: eu

busquei dialogar com eles (.) como eh determinados aspectos do enredo (.) colocavam e::m (.)

e::m em proeminência (.) uma representação por exemplo da figura feminina↓... então (.) a

maior a melhor forma na minha opinião naquele momento tô falando de um de um momento

específico de uma aula que eu dei (.) de por exemplo pensar (.) a PEGADA naturalista (.) ou a

pegada (.) romântica (.) ou a pegada barroca (.) o que também já seria incorrer... de alguma

forma (.) na historiografia (.) mas já mas já bem distante dela (.) né (.) eh::... seria por

exemplo (.) eh (.) criar um eixo temático né (.) quer dizer (.) essa literatura... seja o Gregório

de Ma::tos ou seja uma literatura (.) eh de cunho narrativo como Senhora do José de Alenca::r

(.) ou seja um Aluísio de Azevedo (.) eles vão representar a figura feminina de formas bem

distintas (.) porque existem (.) porque existem vo::zes ali ((Daniel bate as mãos no corpo))

cruzando aquele texto (.) e que fazem parte de toda uma representação simbólica (.) que é (.)

inclusive maior que o próprio texto... e foi uma aula bastante gostosa eles aproveitaram

bastante fiquei bem feliz

Elíria: que bom (.) eh:: (.) e:: bom (.) no geral (.) os alunos que:: ingressam na letras né (.)

eles têm uma relação com a linguagem que vem da educação básica né que é um tanto

normativa

Daniel: ºãh-hãº

Elíria: né (.) e:: eu queria saber (.) qual con- quais conteúdos ou quais traba::lhos aqui na::

universidade (.) eh:: contribuíram pra que você mudasse (.) um pouco a relação com a

linguagem né... hh

Daniel: nenhum

Elíria: nenhum?

Daniel: Elíria eh... existem intelectuais que são inorgânicos (.) ou seja eles estabelecem uma

relação com o saber (.) eh:: que é completamente dessituado da vida da existência da história

de uma conjuntura política↓ (.) e eu acho que (.) a linguística que tem um papel protagonista

nas nas questões de norma e variação (.) ela ainda é muito pouco material (.) eu acho que

FALTA à linguística enquanto ciência materialidade (.) eh:: (.) por que eu tô dizendo isso (.)

porque como você pode perceber (.) hh (.) eu tenho uma uma pegada mais materialista

me::smo mais politiza::da mais voltada pras questões (.) eh que ligam a a linguagem a a uma

vida e o que chamo de vida senão (.) eh justamente uma construção (.) histórica fomentada

por sujeitos (.) no coletivo (.) ºnéº (.) então (.) eh (.) eu sempre me questionei muito (.) sobre::

(.) o que como trabalhar a língua senão liga- (.) ligando-a à vida... e esse tipo de

questionamento não tem espaço na faculdade no sentido de que... você saber (.) que (.) na

oralidade (.) a gente suprime um segmento fônico (.) como o r de infinitivo (.) eu vou cantá

pra você... em que medida eu tenho esse fo- essa informação (.) vai fazer com que eu construa

(.) um significado (.) pra pra pra pra essa informação (.) dentro de uma prática pedagógica↓...

então informação ainda não é conhecimento (.) e esse conhecimento que eu adquiri eu adquiri

de forma muito autônoma

Elíria: ãh-hã

Daniel: por meio das minhas angústias que ainda estão presentes (.) angústias no sentido

inclusive de entrar em atrito com essa inorganicidade do da do pensamento acadêmico... eh::

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(.) porque a teoria linguística (.) ela é extremamente rica (.) e:: (.) só que↑ (.) eu acho que por

uma questão ideoló::gica de políticas de conhecimento (.) esse s- esse conhecimento (.) fica

circunscrito... ele não sai da da da da torre de marfim (.) então a ciência evoluiu (.) mas parece

que (.) a ciência linguística (.) mas parece que isso não penetra a sociedade (.) e os linguistas

são muito pouco engajados... né (.) então como é que um jornalista vai à TV (.) e desqualifica

(.) o livro didático (.) porque finalmente se tem um livro didático (.) que diz que dizer os livro

tá na mesa pode claro que PODE (.) o que não pode é você dizer o livros tá na mesa

Elíria: hh

Daniel: né (.) quer dizer (.) variação não é caótica... né a variabilidade da língua tem uma uma

regularidade própria (.) né (.) ela também TÁ na no sistema linguístico... o que há↑ (.) é (.) se

a língua é uma moeda de troca (.) e moeda é um valor de capital (.) a minha prática linguística

vai receber da mesma fo::rma (.) uma representação (.) como se (.) fosse (.) um comércio (.)

né (.) um comércio linguístico vamos dizer assim né (.) eu digo x ou y (.) isso pode ser bem

valorado ou não↓... então a-a-assim a minha crítica fundamental (.) à linguística (.) e aos

linguistas (.) é o engessamento político (.) o engessamento intelectual (.) todo mundo sabe que

a língua varia... a língua varia (.) ponto acabou (.) o que a gente vai fazer com isso?... o

melhor de tudo é que não há receita (.) isso é ótimo isso é maravilho::so (.) não há receita...

mas falta engajamento (.) falta ir pra socieda::de (.) e desconstrui::r (.) uma uma u-uma

representação perversa de língua... não [é]

Elíria: [ãh-hã]

Daniel: porque como a línguagem é de domínio público (.) um pouco paralelo ao futebol (.)

como todo mundo acha que pode elege- eh (.) montar um time de futebol (.) todo mundo acha

s- (.) se acha legislador da língua (.) então é uma coisa meio Vigiar e punir... né (.) aquele cara

(.) que tra- que que produz uma linguagem dentro digamos (.) de uma norma popular (.) ELE

mesmo vai corrigir o outro (.) sendo que o outro fala errado (.) então você vê como é que é

uma ideologia (.) de séculos e séculos e séculos amém (.) hh

Elíria: hh

Daniel: tá é tão enraizada e como isso precisa ser desconstruído (.) mu::ito (.) além (.) apenas

(.) de um discurso científico (.) não adianta nada (.) eu quantitativizar (.) criar aqueles

grá::ficos monumentais (.) pra dizer que há um processo de variação e mudança (.) dentro de

uma determina- sei lá (.) uso das pré-tônicas no norte fluminense... TÁ e aí?... e aí↑... eu acho

que até por isso (.) que eu optei por por por pesquisar (.) dentro da linguística (.) a área de

semântica e pragmática (.) porque:: ou eu ligo a coisa à vida ou a coisa não se liga entendeu

Elíria: ãh-hã

Daniel: eu não consigo... eu não consigo dessituar o meu objeto de estudo (.) dentro de um

questionamento que (.) EU esteja implicado e que o sujeito humano esteja implicado também

(.) acho que eu já falei demais né hh

Elíria: eh (.) por último (.) eu queria que você:: (.) eh apontasse ponto negativos e pontos

positivos do currículo (.) em que você tá sendo formado

Daniel: Elíria como ponto positivo... eu diria que das merdas a ((nome da instituição)) é a

menos mal-cheirosa

Elíria: ãh-hã

Daniel: no sentido de que (.) ela ainda oferece uma informa- uma formação (.) que dentro de

um enquadre maior (.) ainda é de ponta... só que quem tá dentro (.) dessa formação da ((nome

da instituição)) (.) naturalmente vai ter cabedal (.) pra falar sobre ela inclusive criticá-la (.)

então (.) o ponto positivo é ainda oferecer uma in- uma formação de ponta (.) porque aqui se

produz ciência de ponta (.) aqui (.) se produz informação eh eh… eh se EXPORTA se produz

e se exporta informação né... agora como ponto negativo... eu diria que... todos (.) todos

possíveis... você vai dizer mas Daniel que radical... não é radicalismo (.) embora o cu- embora

a ((nome da instituição)) ofereça uma infor- uma formação de ponta (.) ela criou por exemplo

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um currículo (.) possíve- impossível (.) uma grade curricular impossível (.) quer dizer já

dissera Montaigne mais vale uma cabeça bem feita que uma cabeça cheia (.) então o que

acontece é um estupro (.) de informação (.) e não uma preocupação a prio::ri (.) de (.) o que

queremos formar e para que queremos formar nossos alunos (.) parece que há uma uma falta

de preocupação ÉTICA (.) e afetiva (.) com o público (.) que é fundamento dessa universidade

(.) que somos nós... né (.) quer dizer (.) o fundamento na universidade não é o sujeito

pesquisador doutor (.) é o gradua::ndo... sabe sem ele não acontece... então eh (.) como ponto

negativo... o excesso de disciplinas (.) sem uma conexão sem uma conectividade sem um um

um um um significado você não conse- (.) é caótico (.) é um currículo caleidoscópico... eh...

uma ausência (.) quase que absoluta de preocupação pedagógica... né (.) eh e isso não

significa que quando um professor de educação vem (.) dar uma aula de licenciatura (.) na

letras por exemplo (.) que pelo fato dele ser de educação (.) que ele vai eh ter essa

preocupação que ele vai dar uma puta aula... muito pelo contrário... né (.) eu tenho um

professor por e- eu tive um professor por exemplo (.) de educação brasile::ira (.) que enquanto

o professor (.) estava na rua tomando porrada (.) ELE (.) discutia lei sabe como (.) sentado (.)

olhando pro slide (.) e lendo o slide (.) isso às oito horas da noite... isso forma alguém?

Elíria: não

Daniel: então eh eh eh eh o que que é tudo isso aqui um fingimento?... então eh:: é frustrante

é frustrante ver que o currículo é é essa coisa caleidoscó- caleidoscópica que você não

consegue eh eh eh (.) apreender um significado pra sua formação o significado é você que

atribui (.) COM autonomia... fora as outras questões éticas que eu não preciso pontuar aqui

porque fogem ao escopo da discussão (.) mas que também são sinistras (.) né (.) há um

coronialismo (.) um um um (.) uma opressão a ((nome da instituição)) oprime... oprime

muito... e se você tem uma universidade que se pretende universalista no sentido democrático

da coisa que oprime... não há nada mais hipócrita do que isso né (.) então talvez seja isso nós

temos uma formação muito hipócrita (.) esse é o ponto negativo

Elíria: ãh-hã... hh é isso... então Daniel você que- gostaria de falar mais al- a respeito de mais

alguma coisa (.) que também tenha marcado a sua formaçã::o?

Jorge: Elíria (.) eh:: eu entrei na na universidade (.) querendo pesquisar linguística... eh eu

achei fenomenal... a ideia de:: tornar a língua::gem um objeto (.) empí::rico (.) eh f- (.)

investigativo (.) e a riqueza interdisciplinar a que a linguística se propõe né (.) e aí o barco foi

correndo ao longo da graduação (.) e a vida (.) ela produz grandes encontros (.) não só (.)

desencontros [né]

Elíria: [ãh-hã]

Daniel: e aí foi então que eu tive contato com a linguística cognitiva (.) eh e com a minha

orientadora de hoje (.) e de sempre vamos dizer assim né hh (.) e que foi que foi e é um

grande encontro na medida em que (.) eh (.) se eu já tinha uma identidade (.) como professor

eu ganhei uma identidade como cientista como pesquisador (.) e isso influi (.) mu::ito (.) na

carreira docente (.) eh eu o o o professor ele precisa ser (.) pesquisador (.) ele precisa ter a

curiosidade (.) de um cientista (.) e como não é e como eh eu tô ime::rso na linguística na

linguística cognitiva (.) isso cria uma amplitude de visão (.) tanto do fazer docente quanto do

do do do... do dos estudantes que estão compartilhando né (.) da intersubjetividade que é uma

aula (.) que:: eh (.) chega a me emocionar porque... de fato fazer ciência (.) assim como eh (.)

ter uma experiência filosófica (.) na minha concepção é essencial a qualquer sujeito que (.)

queira pensar (.) e não é (.) um pensar (.) que fica apenas no cogito (.) não é um pensar

cartesiano (.) é um pensar (.) que consegue (.) tocar no humano (.) é um pensamento

corporificado como uma uma das premissas da linguística cognitiva (.) não existe mente sem

corpo (.) ºnéº... então eu acho que é isso (.) o que me eu diria que o que me marcou na

graduação (.) foi o meu encontro com a ciência (.) essa ciência que é a linguística que é uma

ciência tão (.) maravilhosa (.) e que me agrada (.) justamente por ser (.) trans... transgressiva

Page 166: avataresantenados.com.bravataresantenados.com.br/formsnl/FugazzaEQ.pdf · Formações linguística e literária na licenciatura em Letras Espanhol: discursos e concepções teórico-práticas

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(.) porque é interdisciplinar (.) né (.) eu posso trabalhar (.) eu posso ver a linguagem pela ótica

do social (.) eu posso ver a linguagem pela ótica da cognição (.) eu posso ver o a a linguagem

pela ótica da sociointeração de n formas (.) inclusive conjugando por exemplo sociointeração

(.) e cognição (.) que é o que faço (.) não é... eh (.) eu acho que é isso (.) viva a ciência mas

uma ciência... que olha pra materialidade das coisas não se perde (.) nas suas próprias

abstrações