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III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares 1
HISTÓRIA, CARACTERÍSTICAS SOCIOLINGUÍSTICAS E ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Gislany de Lima Aguiar
RESUMO
A Variação Linguística ainda não é um tema abordado com ênfase satisfatória no ensino da
Língua Portuguesa. Deste modo, esteartigo fundamenta-se em pressupostos teóricos
preconizados pela Sociolinguística que sugerem novas orientações para o ensino de Língua
Portuguesa nas escolas. Tendo em vista a irrefreável mudança linguística, é necessário
reformular também os objetivos, métodos e práticas de ensino da língua, por isso a
importância de se lançar um olhar mais atento sobre os livros didáticos e trabalhá-los de
modo a favorecer o ensino das variedades linguísticas.
Palavras-chave: Língua Portuguesa, História, Características Sociolinguísticas.
ABSTRACT
Linguistic variation is not a subject addressed with satisfactorily emphasis on teaching the
Portuguese Language. In this manner, this proposal is based on theoretical assumptions
recommended by Social Linguistics suggesting new guidelines for teaching Portuguese in
school. Given the unstoppable change of language, it is necessary to reformulate the goals,
methods, and practices of teaching language, so the importance of initiating a closer look at
textbooks and working them in order to promote the teaching of various languages.
Tags: English language, history, Sociolinguísticas Features.
III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares 2
1. INTRODUÇÃO
Todas as esferas do conhecimento humano vêm sofrendo mudanças no
decorrer do tempo por conta de fatores de ordem social, cultural, geográfica, econômica
e etc., tudo mudou em volta do homem e continua mudando, em sua própria maneira de
ser e de se relacionar com os demais, inclusive, quanto à utilização da linguagem.
A língua falada surgiu bem antes da escrita, todavia, muitas regras foram
criadas posteriormente por indivíduos com intuito de moldar a linguagem, essa marca
singular de liberdade e expressão.
Essas regras organizadas no manual que denominamos gramática tradicional
têm, ao longo de muitos séculos, restringido a língua a apenas uma das suas variedades
– a norma padrão. E ainda na atualidade são responsáveis por fomentar uma postura
discriminatória em nossa sociedade em relação aos usos da língua diferentes dessas
normas prescritas pela gramática tradicional.
Consideramos que o ensino de Língua Materna não poderá continuar a ser
realizado de forma superficial, isto é, sem considerar a realidade linguística em que
vivemos. Sobre isso comenta SILVA (2004, p. 304-305):
O desvendar de nossa realidade lingüística, vem sendo feito vigorosamente nessas três últimas décadas, primeiro pelos dialectólogos depois pelos sociolinguístas; o reajuste da norma pedagógica se faz na prática da sala de aula, no quotidiano de muitos, não de todos os professores, sobretudo daqueles com uma boa formaçãolingüística, mas os instrumentos pedagógicos re-ajustados estão por vir.
As escolas brasileiras necessitam desenvolver um trabalho fundamentado na
reeducação linguística e a partir de então construir uma nova concepção do uso crítico
da língua que impulsione professores e alunos à reflexão sobre o preconceito atribuído a
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maioria das variedades linguísticas e, por conseguinte, sejam capazes de desempenhar o
uso da língua com competência e dinamicidade.
Marcos Bagno (BAGNO, 2007, p.167), em paráfrase aos comentários de
linguístas brasileiros entrevistados em diferentes regiões do país pela revista
Superinteressante (Abril, 2000, p. 46-49), afirma “no Brasil se fala definitivamente uma
língua diferente da falada em Portugal.” As escolas devem, portanto, abrir suas portas
para uma nova concepção do ensino de Língua Portuguesa que seja capaz de efetivar o
uso pleno da língua.
Os avanços dos estudos sociolinguísticos no Brasil iniciados na década de 1970
não permitem ainda que se possa traçar um perfil definitivo da comunidade de fala
brasileira na sua globalidade (SILVA,2007), no entanto, já podemos encontrar subsídios
que tratam da variação linguística no português brasileiro e sua relação com o aspecto
social dos seus falantes.
Rangel (2007) ressalta a necessidade do estudo a respeito das irregularidades
dos fatos de linguagem, seja para entender algo fundamental do modo de ser próprio
da(s) língua(s), seja para afastar os julgamentos equivocados e discriminatórios da
diversidade linguística, essas que estão presentes em muitos contextos, sendo a escola, o
ambiente confrontador dessas diversidades.
Todo indivíduo é fortemente influenciado pelo meio social em que vive, por
conta desse fato, a linguagem constitui-se a priori no seio da família, instituição social
primeira da qual todos participam e onde cada elemento cumpre o papel social que lhe
cabe, seja pai, mãe, filho, tio, avó e nesse exercício de linguagem emprega traços
próprios do papel que desempenha, de modo que o nível de linguagem utilizado é
facilmente absorvido por todos os membros da família.
A língua constitui um instrumento indispensável para a vida em comunidade e
ainda para a ascensão social de um indivíduo, devido a essa relevância é imperativo
desenvolvê-la de modo abrangente e não apenas sob um aspecto reduzido, a língua
escrita clássica.
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Conhecer a origem da língua, em especial da Língua Portuguesa, a sociedade
da época e suas relações é um fator necessário para a construção de uma consciência
esclarecida acerca do nível de evolução em que a mesma se encontra, bem como os
processos que proporcionaram essa transformação.
A história da Língua Portuguesa nos mostra que sempre existiu uma questão
social de opressão em torno da língua.
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2. CONTEXTO HISTÓRICO DA LÍNGUA PORTUGUESA
A sociedade brasileira contemporânea passa por situações semelhantes onde a
língua tem sido utilizada como objeto de discriminação e consequente domínio social
em relação a determinadas variedades linguísticas. Tão diversa quanto o próprio ser
humano é a linguagem, somos diferentes, sentimos diferente, pensamos diferente,
portanto falamos diferente também. A linguagem constitui a identidade de um povo, de
uma sociedade, portanto a variação linguística é inerente ao ser humano e é determinada
por diversificados fatores que influenciam na vida de uma pessoa, condicionando o seu
modo de ser e de se expressar.
Durante muito tempo e ainda atualmente pessoas que fazem uso da língua de
forma diferente das regras previstas pela gramática normativa sofrem preconceitos,
principalmente e especialmente em se tratando de pessoas que já sejam taxadas por
outras razões, o preconceito linguístico é fundamentalmente social, ou seja, somente as
variedades utilizadas por pessoas pobres, analfabetas, marginalizadas por qualquer
motivo é que são estigmatizadas.
É necessário compreender que mudanças inevitáveis ocorreram na Língua
Portuguesa falada no Brasil e que é imprescindível adaptarmo-nos a elas.
( BAGNO,2007, p. 22)esclarece:
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O que é preciso, sim, é deixar de ver a Gramática Tradicional como uma doutrina ‘sagrada’ e ‘infalível’ para que os estudos gramaticais possam voltar ao seu lugar de origem: o da investigação do fenômeno da linguagem, o da tentativa de compreender a relação entre língua e pensamento, o do exame das relações que as pessoas estabelecem entre si por meio da linguagem, etc.
É no cotidiano, através de conversas e diálogos, que percebemos como o falar
das pessoas modifica-se constantemente. Como é o caso do nosso país: o Brasil, antiga
colônia portuguesa que auferiu ao longo de sua história não apenas a herança linguística
(idioma), como muitos outros costumes europeus e que sofreu influências culturais de
outros países. Poderemos compreender um pouco melhor esse nível de influência a
partir de uma contextualização histórica do Português Brasileiro.
A Língua Portuguesa é oriunda do Latim, cuja origem remonta o século VII
a.C. período em que reinava sobre todo o mundo romanizado. O Latim possuía
subdivisões: Latim Clássico, Vulgar e outros. A Língua Portuguesa constituiu-se a partir
do Latim Vulgar bem como as demais línguas românicas, pois essa era a língua
utilizada pelos soldados, pelos camponeses, pelo povo. Em decorrência desse fato, a
cada região dominada se impunha a nova língua que por sua vez mesclava-se à língua
nativa.
O Condado Portucalense pertencia à Península Ibérica, que fora invadida pelos
romanos no século II a.C, os quais implantaram nas regiões conquistadas sua cultura e
sua língua, no caso, o Latim. No século V a.C o Condado Portucalense também fora
invadido pelos povos bárbaros e no século VII d.C pelos árabes.
Durante a invasão árabe, começaram as cruzadas cristãs. Afonso VI rei de Leão
e Castela, encarregou D. Henrique a retiradas dos árabes da península. Por seus muitos
serviços prestados à Coroa e à Religião, a D. Henrique foi concedida a mão de D.
Tereza, filha do rei Afonso VI, e o Condado Portucalense, região oeste da Península
Ibérica. Dessa união nasceu Afonso Henriques.
Quando D. Henrique morre, D. Tereza planeja casar-se com D. Fernando,
nobre galego, passando assim, o território do Condado à Espanha. Afonso Henriques
rebela-se contra a mãe e vence-a. Expande os limites de seu território e funda Portugal,
proclama-se rei, o primeiro rei de Portugal.
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A primeira língua utilizada nesse território é o galego-português. A Língua
Portuguesa surge no ano de 1189, com a canção “A Ribeirinha”, de Paio Soares
Taveirós.
A partir de então a Língua Portuguesa espalha-se pelo mundo assim como o
Latim, conquistando várias regiões e sofrendo, portanto, alterações em cada uma delas.
Ao conjunto dessas regiões ocupadas pela Língua Portuguesa denomina-se
Lusitânia, essa que se desmembra em cinco faces: Lusitânia Antiga, Lusitânia Nova,
Lusitânia Novíssima e Lusitânia Perdida. Cada uma delas corresponde às nações onde o
Português ocupa diferentes espaços.
A Lusitânia Nova é o Brasil. Em nosso país o Português se apresenta sob
influência de vários traços sociolinguísticos: Língua Materna, Língua Oficial, Língua
Nacional, Língua Padrão, Língua de Cultura, Língua transplanta de Portugal. No Brasil,
O Português só não recebe o traço de Língua-berço devido à existência em suas terras
de muitas tribos indígenas que na época do descobrimento falavam cerca de trezentos e
cinquenta línguas diferentes, das quais algumas perduram até hoje.
Além disso, o Brasil também recebeu influências linguísticas dos negros por
conta da escravização dos mesmos e posteriormente com a imigração de europeus.
Povos que enriqueceram o nosso país com sua cultura e trabalho e, que adotaram a
Língua Portuguesa. BAGNO (2007, p. 36) ao refletir sobre a imaterialidade da língua
ressalta:
A língua é um produto de um tipo diferente, produto sociocultural, elaborado ao longo de muito tempo, pelo esforço de muita gente- por isso ela é uma grande abstração ou, como se diz hoje em dia, um patrimônio imaterial.
Em razão dessas influências e outros fatores sociais, a Língua Portuguesa
embora seja a língua oficial e nacional do nosso país, não é pronunciada e nem escrita
exatamente igual em todo o território brasileiro. Por conta desses fatos o Português
apresenta inúmeras variações que podem ser classificadas como: diacrônicas (mudança
de uma época para outra), diatópicas (mudança na língua de um lugar para outro), de
registro e outras.
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No entanto a língua é um bem comum a todos, não se deve considerar um
dialeto superior a outro. A maneira de falar paulista não é melhor ou mais bonita que a
maranhense e vice-versa, ambas são diferentes. A diversidade linguística do nosso país
é imensa. BAGNO (2007, p. 44-45) diz a esse respeito:
A variação linguística não ocorre somente no modo de falar das diferentes comunidades, dos grupos sociais, quando a gente compara uns com os outros. Ela também se mostra no comportamento lingüístico de cada indivíduo, de cada falante da língua. Nós variamos o nosso modo de fala, individualmente, de maneira mais consciente ou menos consciente, conforme a situação de interação em que nos encontramos.
Cada variedade linguística corresponde à realização de uma escolha entre as
várias possibilidades linguísticas. As pessoas não falam do mesmo modo e até mesmo
uma única pessoa altera o estilo de linguagem, em decorrência de situações e interesses
específicos. Portanto, podemos compreender assim o dinamismo da língua que evolui
constantemente conforme as necessidades dos seus falantes e a partir de então, redefinir
conceitos sobre o que é certo e o que é errado no uso da Língua Portuguesa falada no
Brasil.
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3. ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DA LÍNGUAPORTUGUESA
A variação linguística é a língua em seu estado contínuo de mudança, de
transformação, de instabilidade, tendo em vista que um indivíduo mesmo não é igual ao
outro em vários aspectos e quanto à linguagem, não poderia ser diferente. Muitos
fatores incorrem para o surgimento das variedades linguísticas: origem geográfica,
condição financeira, idade, sexo, mercado de trabalho, convívio social, nível de
escolaridade e entre todos esses fatores, o último associado à condição financeira, são
determinantes para a incidência de variações linguísticas como também do preconceito
linguístico, ou seja, do julgamento negativo que se faz a respeito do uso da língua fora
da norma padrão.
A língua, na concepção dos sociolinguístas, é intrinsecamente heterogênea,
múltipla, variável, instável e está sempre em desconstrução e em reconstrução
(BAGNO, 2007, p. 36). Portanto, a escola não deve continuar de ouvidos fechados para
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as variedades linguísticas que existem no uso da língua nas várias regiões do nosso país,
como existem em outras línguas no mundo.
A noção discriminatória em relação à língua utilizada à revelia das regras
gramaticais impostas pela norma-padrão é bastante antiga. E mesmo em nossos dias
quando convivemos com uma variedade linguística bem maior que há trezentos anos
a.C., esse preconceito perdura e, nas escolas a estigmatização é ainda mais humilhante.
A língua tal como qualquer outra instituição cultural, sofreu mudanças com o decorrer
do tempo, está mudando e vai mudar mais ainda. Todavia, o olhar sobre os usos da
língua continua o mesmo, aponta-se como “erro” qualquer forma diferente da norma
padrão de expressão oral/escrita.
A concepção de gramática normativa tem perpetuado essa discriminação e,
portanto a exclusão sociolinguística que ela causa. E mesmo com o surgimento de
estudos linguísticos que contestam essa padronização do uso da língua, o preconceito
linguístico está entranhado na cultura de nossa época.
O surgimento da Sociolinguística, linha de pesquisa científica em meados da
década de 60 nos Estados Unidos, que se caracteriza pelo reconhecimento da variação
linguística como constitutiva das línguas humanas e por assumir essa heterogeneidade
natural como objeto de estudo (CALVET, 2002, p. 170) ocorreu quando cientistas e
estudiosos da linguagem perceberam que já não era possível estudar a língua sem
agregá-la ao contexto social dos seus falantes, a partir de então surgiu uma nova ciência
dentro dos estudos de linguagem, William Labov foi o grande precursor da
Sociolinguística na defesa da relação existente entre língua e sociedade para a análise
dos conceitos de mudança e variação na língua.
Os estudos linguísticos, a partir da Sociolinguística, nos apontam uma
nova visão da dinamicidade de usos da língua totalmente opostos ao tradicionalismo
gramatical que impõe a norma padrão inviável de realização nos dias de hoje. As
pessoas mudam, as ciências mudam, a língua mudou também e mudou em decorrência
de vários fatores que merecem ser considerados na avaliação que fazemos da
linguagem. Não se pode simplesmente ridicularizar a linguagem dos analfabetos,
pobres, caipiras visto que na linguagem de pessoas alfabetizadas e socialmente
favorecidas também ocorrem variações linguísticas.
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A sociolinguística tem por objetivo, entre outros, promover a transformação do
preconceito linguístico em ampliação do conhecimento e potencial linguístico de cada
falante, pois vivemos em constante interação social através do uso mesmo da língua.
Também por conta de sua extensão territorial, das circunstâncias de vida da
população é que evidenciamos como a variação linguística é um fenômeno social
presente não somente em nosso país, mas no mundo. É nesse sentido que a
sociolinguística tem suma importância, pois para compreender os fatos da língua leva
em conta a análise do contexto social no qual seus falantes estão inseridos e busca
esclarecer como funcionam essas variedades dialetais.
A escola tem um papel importantíssimo na orientação contra o preconceito
linguístico em prol do respeito às variações do Português Brasileiro, tendo em vista que
por vezes muitos alunos são coibidos de expressar-se devido à postura inibente do
professor, que corrige o uso da variedade linguística, mas não a explica, menosprezando
a contribuição ou questionamento do aluno. Em outros casos o preconceito está entre os
próprios alunos, ou entre estes e outras pessoas. A escola deveria incumbir-se
exatamente de promover o contrário no ensino da língua, favorecendo a expressão livre
do aluno e em consequência disso, a valorização das variações que ocorrem em nossa
língua materna desde sua origem.
Surge então a necessidade de um ensino de língua materna que não esteja
enraizado nos conceitos gramaticais que poucos praticam, pois há um grande
preconceito linguístico entre professores e alunos, ou melhor, entre os que pensam
conhecer a língua e aqueles que a utilizam a sua maneira, de acordo com suas
necessidades. A língua não pode ser reprimida ou modelada, a minha maneira de falar
mostra quem eu sou.
As variações ocorridas na língua caracterizam e conferem identidade ao povo
que as utiliza, cada pessoa fala, pronuncia e dialoga a partir dos recursos linguísticos
que aprendeu desde sua infância, dentro do meio social no qual está inserido. Recursos
estes que se solidificaram ao longo de sua existência. Apesar da rejeição à variação
linguística, somos envolvidos por sua existência e prática, é como o progresso, nos
envolve e temos que nos adequar.
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Essa adequação deve ser disseminada principalmente na sala de aula, ambiente
no qual o conhecimento é despertado e, por meio da escola é que se deve compreender
que a variação linguística é um processo contínuo.
À escola atribui-se o relevante papel de garantir ao estudante o
desenvolvimento linguístico que o faça expressar-se por meio da linguagem oral ou
verbal com adequabilidade e competência. Para tanto esta não deve abrir mão de um
ensino de língua materna completo: língua falada e escrita.
Ao longo de dois mil anos a.C. o estudo sobre a língua falada tem sido
esquecido em favor exclusivo do estudo da língua escrita, da língua escrita clássica mais
especificamente, que deu origem à gramática tradicional. Esse fato, segundo Lyons
(apud BAGNO, 2007, p.16) tem contribuído para a existência de dois equívocos: “o
primeiro, na separação rígida entre língua escrita e língua falada; o segundo, na forma
de encarar a mudança das línguas que é simplesmente mudança, e não ‘corrupção’,
‘ruína’ ou ‘decadência’ (...).”
Esse erro perdurou durante muito tempo criando um abismo profundo entre
linguagem oral e escrita, ou seja, entre milhões de analfabetos e pessoas letradas que
pertenciam às classes altas, porém, entre o final do século XIX e início do século XX, a
língua passou a ser vislumbrada sob uma perspectiva mais ampla: a perspectiva da
Linguística.
A Gramática, isto é, a arte de escrever bem, no entanto, se solidificou como um
conjunto de leis sagradas à cerca do uso da língua que deveria ser seguido à risca.
Observemos no comentário de BAGNO (2007, p.17):
Ao longo do tempo foi acontecendo um fenômeno bastante curioso. A gramática, que, por opção consciente de seus fundadores, só cuidava da língua escrita literária, começou a ser usada como um código de leis, como uma régua para medir todo e qualquer uso oral ou escrito da língua.
Por conta do alto grau de subserviência à gramática tradicional é que ainda em
nossos dias costuma-se criticar usos linguísticos que não estejam enquadrados em seus
moldes.
A Linguística, ciência da linguagem, no entanto, tem como objeto de estudo a
língua e suas diferenças, desenvolve uma abordagem científica do uso da língua, isto é,
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busca abranger a língua como um todo, desde sua origem aos processos de mudança e
características atuais.
A língua falada também está ligada a regras gramaticais, o que ocorre,
entretanto, é que a gramática tradicional não mais corresponde ao Português falado no
Brasil, por isso o vernáculo brasileiro é regido sob regras gramaticais não-padrão.
O brasileiro culto ao falar utiliza-se dessas regras porque correspondem mais
eficazmente às suas necessidades de comunicação. De tal modo como existem
variedades da língua escrita há também variações na língua falada que são perfeitamente
explicáveis através de estudos linguísticos da Gramática do Português Brasileiro.
Assim como a Linguística, a Sociolinguística é uma ciência nova a estudar os
fenômenos da linguagem, preocupada em compreender a diversidade linguística, admite
que língua e sociedade mantem relações entre si. Ao contrário da Linguística que
descreve as línguas sem o comprometimento social, a Sociolinguística busca esclarecer
os aspectos sociais que exercem influência sobre a língua.
Esta disciplina empenha-se em estudar as ações dos falantes num determinado
contexto social. A língua, como fato social está intimamente ligada aos acontecimentos
da sociedade em que é utilizada, ela não é simplesmente um meio para comunicar ou
informar sobre algo, mas um instrumento de interação social. A esse respeito relata
MONTEIRO (2002, p.16):
Sob uma perspectiva social: a função da língua de estabelecer contatos sociais e o papel social por ela desempenhado, de transmitir informações sobre o falante, constitui uma prova cabal de que existe uma íntima relação entre língua e sociedade.
Ao estudar a língua, a Sociolinguística percebe que a mesma influencia a visão
de mundo dos falantes, pois é através da língua em contato com o meio social que
adquirimos um método de perceber aquilo que nos cerca. Não existe ou perdura uma
língua sem os falantes que a vivificam, as variações ou as inclinações que aparecem na
língua é fruto do diálogo entre as pessoas, é por isso que se torna necessário
compreender a língua em sua concepção social.
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É com e através da linguagem que nos comunicamos, informamos, dialogamos
sobre as ações cotidianas. Um indivíduo se dá a conhecer através da língua que ele
compartilha.
Conceitua-se a língua como um sistema de signos linguísticos, dotados de
sentido, utilizado pelos falantes no ato da comunicação. É, pois, veículo de linguagem
para a interação social. De natureza concreta em relação à fala, a língua funciona como
um código na qual recorremos para nos comunicar com as outras pessoas.
A língua possui um caráter social, já que está intimamente introduzida no seio
da sociedade, e a mesma funciona como um acordo entre os usuários. Dotada de regras
que procuram estabelecer o correto ou o errôneo. É vista muitas vezes como método de
exclusão, pois aqueles que a praticam segundo a norma padrão são valorizados em
relação aos que desconhecem tais normas.
Apesar de normativa, a língua está em pleno processo de evolução por meio de
elementos linguísticos que estão em desuso, de palavras acrescidas ao vocabulário, pela
intervenção de outras culturas, que fazem da instituição lingüística algo tão complexo e
variado.
A variação linguística ainda é uma questão pouco discutida nos estudos da
língua, compreender essa diferença requer antes de tudo, reconhecê-la como uma
particularidade própria da história e da cultura humana e a escola/universidade é um
ambiente propício a esse trabalho de valorização da língua.
Como fora mencionado anteriormente, a sociedade brasileira apresenta
características linguísticas diferentes a partir do enfoque que pode ser dado a muitos
fatores sociais, isto implica afirmar que o estudo da variação linguística é complexo e
está ligado à própria vida do falante, ou seja, o uso de um determinado padrão de
linguagem é resultado da competência única que o falante adquiriu ao longo de sua
vida.
O nosso país é composto por uma diversidade demográfica incrível, nossa
sociedade é constituída por pessoas de diferentes raças, crenças, profissões, opiniões
sexuais, políticas e etc. Essa variedade que constitui a nossa sociedade contribui para a
existência de vários fatores que condicionam a variação linguística, ora se somos
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diferentes sob vários aspectos porque então a nossa linguagem seria homogênea.
BAGNO (2007, p.37) afirma sem dúvida, a nossa sociedade é, sob os mais diversos
pontos de vista, uma das mais heterogêneas do mundo.
Para auxiliar no trabalho de identificação dos fenômenos que condicionam a
variação linguística, os sociolinguístas distinguem um conjunto de fatores sociais que
modificam a língua. Os mais importantes são:
• Origem geográfica – a língua varia de uma região para outra.
• Status social – as pessoas de baixo poder aquisitivo não falam do mesmo
modo das pessoas de classe social elevada.
• Nível de escolaridade – quanto menor for o tempo de permanência de um
indivíduo na escola, menor será o seu desenvolvimento, isto é, menor será o seu
repertório linguístico, este é um fator que influi bastante para a ocorrência de variações
linguísticas.
• Idade – pessoas com idades muito diferentes não falam do mesmo modo,
o vocabulário dos jovens muda, isto é, se amplia com bastante frequência, enquanto o
dos idosos está ficando cada vez mais defasado.
• Sexo – pessoas de ambos os sexos utilizam a língua de modo
diferenciado.
• Mercado de trabalho – as diversas profissões influenciam na fala das
pessoas.
• Redes sociais – o meio social em que as pessoas convivem exerce uma
forte influência sobre elas, estas adotam comportamentos do grupo, entre estes o
linguístico.
O fator de maior impacto sobre a variação linguística é, sem dúvida, a pouca
escolaridade de milhares de brasileiros, fato estreitamente ligado ao status social.
Muitas pessoas não podem frequentar escolas de qualidade ou mesmo por um longo
período de anos devido ao seu baixo poder aquisitivo, muitos optam por dedicar-se
exclusivamente ao trabalho, por questões de sobrevivência.
A escola de qualidade é oferecida àqueles que podem pagar por ela, a estes
estão reservadas as melhores profissões, os melhores empregos. Os filhos dos pobres se
evadem cedo das escolas para trabalhar e auxiliar no sustento da família, enquanto os
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filhos dos ricos estudam por mais tempo e, consequentemente, são bem sucedidos
quanto a sua formação integral.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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Há muito tempo a Língua Portuguesa é considerada difícil de ser aprendida não
apenas por muitos professores e alunos, mas ainda por pessoas altamente instruídas
nessa área, no entanto esse mito alimenta até hoje a sua existência no confronto entre o
ensino uniformizante da língua limitado ao enfoque dado à norma padrão e a dinâmica
da linguagem. Sobre o ensino de Língua Portuguesa de antigamente afirma
(MARTINS,2001,5):
Era um tempo bem mais devagar, um espaço bem maior: as limitações de cada um pareciam pouco perceptíveis; muitos sabiam o mínimo. Havia mais certezas que dúvidas entre os professores; os alunos não tinham senão que aprender. Já a linguagem seguia- como alías segue- correndo solta, à revelia das “poucas letras” de seus usuários e das determinações dos manuais.
A linguagem, portanto, deve ser compreendida como um processo realizado e
revitalizado constantemente por todo e qualquer sujeito, daí a necessidade de que os
professores de Língua Portuguesa se preocupem em elaborar um planejamento de
ensino mais amplo, que além dos conteúdos gramaticais, contemplem também o
letramento, o estudo de gêneros textuais diversos e, principalmente, a prática da
reflexão linguística e o estudo da variação linguística. Só assim a escola, quanto ao
ensino da Língua Materna, através de uma abordagem mais significativa e
contextualizada da linguagem, cumprirá o seu papel que é (BAGNO, 2003,80).
(...) formar cidadãos capazes de se exprimir de modo adequado e competente, oralmente e por escrito, para que possam se inserir de pleno direito na sociedade e ajudar na construção e na transformação dessa sociedade – é oferecer a eles uma verdadeira educação linguística.
O ensino de Língua Portuguesa não deverá acontecer de forma dissociada às
características vitais próprias da natureza da linguagem, a língua varia e muda.
Infelizmente a escola tem direcionado seu trabalho no sentido único de ‘ensinar’ a
Língua Portuguesa dentro da moldura da norma padrão e dessa forma por vezes ignora
ou mesmo repreende a variação linguística presente na fala dos brasileiros, isso dificulta
a evolução na aprendizagem, embora o português seja a nossa língua materna a qual,
desde tenra idade aprendemos a utilizá-la com coerência.
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No entanto o status socioeconômico e o grau de escolarização são aspectos
cujo impacto é predominante na incidência da variação linguística. O pouco acesso á
escolaridade ainda que precária dos moradores da zona rural das diversas regiões do
nosso país tem produzido verdadeiros abismos entre a norma padrão e o uso da língua
por essas pessoas. Mas isso não implica, ou não deveria implicar necessariamente na
classificação dessa linguagem como errada.
É inquestionável a importância de garantir aos alunos a aquisição da
modalidade padrão da língua, nenhum linguísta, apesar das acusações de alguns
gramáticos, afirma o contrário visto que é essa variedade linguística que habilitará o
sujeito ao exercício pleno da língua nos confrontos com as esferas públicas da
linguagem, isto é, através do domínio da norma padrão poderá crescer quanto à
escolaridade, ter melhores oportunidades de trabalho, exercer plenamente seus direitos
de cidadão e quaisquer outros benefícios que o acesso a leitura diversificada de gêneros
textuais pode proporcionar.
O conhecimento pleno da língua é que vai permitir ao falante saber o que falar
e como falar diante de diferentes interlocutores e de vários contextos de uso, ou seja, o
falante, ao se comunicar, não apenas utiliza regras linguísticas para elaborar sentenças
lógicas, mas lança mão também de regras culturais que lhe conferem a segurança
necessária para variar o seu estilo de linguagem de forma que ele seja adequado à
situação de uso. Além de tudo isso, equiparar o Português utilizado pelos brasileiros ao
Português europeu significa anular a identidade de um povo e toda a sua história.
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REFERÊNCIAS
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BAGNO, Marcos. GAGNÉ, Gilles & STUBBS, Michael. Língua Materna: Letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola, 2002.
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III Seminário Linguagem e Identidades: múltiplos olhares 20
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