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16/09/2015 Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural :: Notícias :: De Olho nas Terras Indígenas no Brasil http://ti.socioambiental.org/noticia/45371 1/2 Notícias OESP, Nacional, p. A12 25/03/2007 Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural Em várias comunidades, eles próprios fazem material didático e crianças aprendem língua nativa antes do português Roldão Arruda A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação vai se reunir hoje fora de Brasília pela primeira vez. Seus conselheiros estão desde sextafeira em São Gabriel da Cachoeira, município amazonense que fica na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, a 852 quilômetros de Manaus em linha reta e a 1.061 quilômetros de barco o meio de transporte mais usado por ali. Quase 90% da população de 23 mil habitantes é de índios, que falam na maior parte das vezes em baniva, nhengatu e tucano línguas oficiais do território, além do português. Por que tão longe? Segundo explicações da presidente da câmara, professora Clélia Craveiro, o objetivo é demonstrar a preocupação dos conselheiros com a educação dos índios e também ouvir o que eles têm a dizer. Por trás disso está o fato de que a população escolar indígena do Brasil é a que mais tem crescido nos últimos anos, com um conjunto infindável de demandas e reclamações. De acordo com números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em quatro anos o número de alunos freqüentando escolas indígenas de ensino básico cresceu 48,7%. Passou de 117.171 alunos em 2002 para 174.255 em 2006. A maior parte desses alunos está matriculada em escolas de educação infantil e nas séries do ensino fundamental. O número de matrículas no ensino médio não chega a 5%. Isso provoca críticas nas comunidades, que reivindicam mais escolas de ensino médio. Mas vale notar que esse é o grupo que mais cresce em termos relativos: a matrícula no ensino médio passou de 1.187 alunos em 2002 para 7.900 em 2006 o que representa cinco vezes mais alunos. Além do ensino básico, chama atenção a preocupação dos povos indígenas com o envio de seus jovens para as universidades. Segundo estimativas do antropólogo Gersem Baniva, doutorando da Universidade de Brasília e representante dos povos indígenas no Conselho Nacional de Educação, há cerca de 4 mil índios freqüentando cursos superiores a maioria deles beneficiada por políticas de cotas. 'A demanda não pára de crescer', diz Gersem. Como explicar esse interesse? O coordenador do setor de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação, Kleber Gesteira Matos, acredita que existem vários fatores. O principal, na avaliação dele, é 'a percepção entre os índios de que a educação escolar é estratégica na construção de seus projetos de futuro, na gestão de seus territórios'. Ainda segundo Matos, 'se existe um setor hoje que luta pela educação pública, é o indígena'. OBJETIVOS Para a antropóloga Marta Azevedo, especialista em educação indígena e colaboradora do Instituto Socioambiental (ISA), uma das ONGs que atuam nessa área em diferentes partes do País, a expansão das matrículas tem muito que ver com a mudança de objetivos nas escolas. 'As escolas da Funai até bem pouco tempo atrás tinham como objetivo ensinar o português e alguns conteúdos destinados a 'integrar os índios à comunhão nacional'. Eram o instrumento mais interessante e eficaz para destruir as culturas indígenas', diz ela. Nos últimos anos a situação mudou. 'As escolas passaram a ser vistas como um instrumento de defesa, um local onde é possível inclusive registrar e desenvolver conhecimentos e línguas dos próprios povos indígenas', diz a especialista. Hoje em várias comunidades o material didático é preparado pelos próprios índios, com a assessoria de ONGs. Em escolas da Região Norte do País, onde se concentram 98,6 % das terras indígenas, muitas crianças aprendem primeiro a língua de seus antepassados e, depois, o português. Outro fator que influi na mudança é o aumento dos investimentos na educação indígena. Entre 2002 e 2006 o número de escolas indígenas passou de 1.706 para 2.422 das quais 63,2% estão concentradas na Região Norte. Em dez anos foram formados em cursos especiais de magistério indígena cerca de 8 mil professores. E outros 880 estão sendo preparados em diferentes universidades federais para atender alunos do ciclo básico. Finalmente deve ser considerado o aumento da população indígena. Enquanto a média nacional de crescimento populacional gira em torno de 1,4% ao ano, entre os índios chega a 4% com o conseqüente aumento da demanda por serviços públicos. Para Gersem, um dos articuladores do encontro em São Gabriel, o maior desafio do setor é potencializar os recursos: 'O aumento das verbas ainda não resultou em melhorias na qualidade.' 'As pessoas de fora não entendem nossa cultura' Estudante da PUC, Inimá quer ser antropóloga por achar que poderá defender melhor interesse de seu povo 'Quero ser antropóloga para poder defender melhor os interesses do meu povo', define Inimá Krenak, de 25 anos, estudante de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). 'As pessoas de fora não entendem a cultura indígena. Veja a discussão sobre a situação dos grupos que vivem na área onde está sendo construído o Rodoanel, em São Paulo: teve antropólogo que disse que a obra não teria impacto social, o que é absurdo.' Inimá faz parte de um grupo de 55 índios, de 11 etnias, que estudam na PUC com bolsa integral, dentro do Projeto Pindorama mantido pela Cúria Arquidiocesana de São Paulo, com o objetivo de facilitar o acesso de jovens indígenas ao ensino superior. A maioria deles, como Inimá, opta pela área de ciências humanas.

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16/09/2015 Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural :: Notícias :: De Olho nas Terras Indígenas no Brasil

http://ti.socioambiental.org/noticia/45371 1/2

NotíciasOESP, Nacional, p. A12 25/03/2007

Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural

Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural Em várias comunidades, eles próprios fazem material didático e crianças aprendem língua nativa antes do português

Roldão Arruda

A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação vai se reunir hoje fora de Brasília pela primeira vez. Seus conselheirosestão desde sexta­feira em São Gabriel da Cachoeira, município amazonense que fica na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, a 852quilômetros de Manaus em linha reta e a 1.061 quilômetros de barco ­ o meio de transporte mais usado por ali. Quase 90% da população de23 mil habitantes é de índios, que falam na maior parte das vezes em baniva, nhengatu e tucano ­ línguas oficiais do território, além doportuguês.

Por que tão longe? Segundo explicações da presidente da câmara, professora Clélia Craveiro, o objetivo é demonstrar a preocupação dosconselheiros com a educação dos índios e também ouvir o que eles têm a dizer. Por trás disso está o fato de que a população escolarindígena do Brasil é a que mais tem crescido nos últimos anos, com um conjunto infindável de demandas e reclamações.

De acordo com números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), em quatro anos o número de alunosfreqüentando escolas indígenas de ensino básico cresceu 48,7%. Passou de 117.171 alunos em 2002 para 174.255 em 2006.

A maior parte desses alunos está matriculada em escolas de educação infantil e nas séries do ensino fundamental. O número de matrículasno ensino médio não chega a 5%. Isso provoca críticas nas comunidades, que reivindicam mais escolas de ensino médio. Mas vale notar queesse é o grupo que mais cresce em termos relativos: a matrícula no ensino médio passou de 1.187 alunos em 2002 para 7.900 em 2006 ­ oque representa cinco vezes mais alunos.

Além do ensino básico, chama atenção a preocupação dos povos indígenas com o envio de seus jovens para as universidades. Segundoestimativas do antropólogo Gersem Baniva, doutorando da Universidade de Brasília e representante dos povos indígenas no ConselhoNacional de Educação, há cerca de 4 mil índios freqüentando cursos superiores ­ a maioria deles beneficiada por políticas de cotas. 'Ademanda não pára de crescer', diz Gersem.

Como explicar esse interesse? O coordenador do setor de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação, Kleber Gesteira Matos,acredita que existem vários fatores. O principal, na avaliação dele, é 'a percepção entre os índios de que a educação escolar é estratégica naconstrução de seus projetos de futuro, na gestão de seus territórios'. Ainda segundo Matos, 'se existe um setor hoje que luta pela educaçãopública, é o indígena'.

OBJETIVOS

Para a antropóloga Marta Azevedo, especialista em educação indígena e colaboradora do Instituto Socioambiental (ISA), uma das ONGsque atuam nessa área em diferentes partes do País, a expansão das matrículas tem muito que ver com a mudança de objetivos nas escolas.'As escolas da Funai até bem pouco tempo atrás tinham como objetivo ensinar o português e alguns conteúdos destinados a 'integrar osíndios à comunhão nacional'. Eram o instrumento mais interessante e eficaz para destruir as culturas indígenas', diz ela.

Nos últimos anos a situação mudou. 'As escolas passaram a ser vistas como um instrumento de defesa, um local onde é possível inclusiveregistrar e desenvolver conhecimentos e línguas dos próprios povos indígenas', diz a especialista.

Hoje em várias comunidades o material didático é preparado pelos próprios índios, com a assessoria de ONGs. Em escolas da Região Nortedo País, onde se concentram 98,6 % das terras indígenas, muitas crianças aprendem primeiro a língua de seus antepassados e, depois, oportuguês.

Outro fator que influi na mudança é o aumento dos investimentos na educação indígena. Entre 2002 e 2006 o número de escolas indígenaspassou de 1.706 para 2.422 ­ das quais 63,2% estão concentradas na Região Norte.

Em dez anos foram formados em cursos especiais de magistério indígena cerca de 8 mil professores. E outros 880 estão sendo preparadosem diferentes universidades federais para atender alunos do ciclo básico.

Finalmente deve ser considerado o aumento da população indígena. Enquanto a média nacional de crescimento populacional gira em tornode 1,4% ao ano, entre os índios chega a 4% ­ com o conseqüente aumento da demanda por serviços públicos.

Para Gersem, um dos articuladores do encontro em São Gabriel, o maior desafio do setor é potencializar os recursos: 'O aumento das verbasainda não resultou em melhorias na qualidade.'

'As pessoas de fora não entendem nossa cultura' Estudante da PUC, Inimá quer ser antropóloga por achar que poderá defender melhor interesse de seu povo 'Quero ser antropóloga para poder defender melhor os interesses do meu povo', define Inimá Krenak, de 25 anos, estudante de CiênciasSociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC­SP). 'As pessoas de fora não entendem a cultura indígena. Veja a discussãosobre a situação dos grupos que vivem na área onde está sendo construído o Rodoanel, em São Paulo: teve antropólogo que disse que a obranão teria impacto social, o que é absurdo.'

Inimá faz parte de um grupo de 55 índios, de 11 etnias, que estudam na PUC com bolsa integral, dentro do Projeto Pindorama ­ mantido pelaCúria Arquidiocesana de São Paulo, com o objetivo de facilitar o acesso de jovens indígenas ao ensino superior. A maioria deles, comoInimá, opta pela área de ciências humanas.

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16/09/2015 Índios exigem mais escolas, mas não abrem mão de controle cultural :: Notícias :: De Olho nas Terras Indígenas no Brasil

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Seu povo de origem está concentrado no Vale do Rio Doce, interior de Minas Gerais, região de Governador Valadares. Ela é filha de AiltonKrenak, índio que migrou para o Paraná quando tinha 17 anos, para fugir da miséria, alfabetizou­se, estudou jornalismo e acabou setransformando numas principais lideranças indígenas do País nos anos 80.

Nos debates da Constituinte de 1988, ele chamou a atenção quando, ao discursar no plenário do Congresso, pintou o rosto de preto, compasta de jenipapo, para protestar contra a lentidão na tramitação das propostas indígenas.

Em São Paulo, Ailton casou­se com uma jornalista, descendente de italianos, e teve Inimá Pappiani Lacerda Krenak. Ela já viveu entre oskrenakes e os caxinauás ­ povo que vive quase isolado no Acre, na fronteira do Brasil com Peru. O pai de seu filho, Siã, um garoto de 2anos, é caxinauá.

Hoje, além de estudar, ela atua numa ONG em São Paulo. Mas quando deixar a PUC vai voltar a viver entre os índios. 'É uma outra cultura',diz. 'Veja a questão da terra. Muita gente ­ especialmente os fazendeiros ­ acha um desperdício devolver aos índios terras que foram de seusantepassados, porque eles não produzem para sustentar o sistema capitalista. Mas a terra tem outro significado na cultura indígena.'

Ela responde com certo ar de indignação quando o repórter pergunta sobre o significado de recuperar línguas que praticamente não erammais faladas nem escritas: 'O português foi uma imposição, assim como a religião. Os índios não podiam manter suas tradições. O povokrenak, que sempre teve tradição guerreira, quase desapareceu porque resistiu a essas imposições.'

Inimá recorda que o Lacerda no meio de seu nome veio do fazendeiro que controlava as terras onde seus antepassados viviam. Todos quenasciam naquela área eram registrados com o sobrenome dele. Hoje ela pleiteia na Justiça a mudança do registro. Quer se chamar apenasInimá Krenak.

Material didático sob medida No Brasil o termo indígena envolve um mosaico de 225 etnias, que falam cerca de 180 línguas. Um dos desafios dos educadores é aprodução de material escolar específico para as comunidades.

É cada vez maior a variedade de cartilhas. Um exemplo é o guia para o aprendizado da matemática tuiuca ­ povo que vive na região do AltoRio Negro. Ela foi produzida a partir de oficinas de matemática, com professores da própria comunidade.

Maioria não tem merenda nem transporte Índios construíram a maior parte das escolas; faltam cadeiras e lousas nas salas de aula Liege Albuquerque Em sua estadia em São Gabriel da Cachoeira, que se prolonga até terça­feira, os conselheiros da Câmara de Educação Básica vão ouvirmuitas reclamações. De acordo com um diagnóstico preliminar elaborado pelo Departamento de Educação e Cultura Indígena (Deci) daCoordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), a maioria das escolas nas comunidades indígenas do Amazonas,onde se concentra o maior número de etnias do País, foi construída pelos próprios indígenas.

Muitas não possuem quadros negros nem cadeiras, o que obriga os alunos a assistirem aulas no chão. O material didático, quando existe, éna maior parte aquisição dos próprios indígenas. Também não há transporte escolar, apesar de, oficialmente, haver recursos do Ministério daEducação (MEC) para essa finalidade.

O estudo da Coiab ainda não está concluído. Ele deve ser apresentado em maio, na 1ª Reunião Ordinária da Comissão Nacional de EducaçãoEscolar Indígena do MEC. Das cerca de 600 escolas em comunidades indígenas na Amazônia, apenas 150 do Amazonas responderam àpesquisa até agora. 'A dificuldade é imensa e começa com chegar o texto da pesquisa até a comunidade', disse a coordenadora da pesquisa,Miquelina Barreto, da etnia tucano.

Nenhuma das pesquisas distribuídas no Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Tocantins, Rondônia e Roraima foram respondidas. Dascomunidades que responderam, 7,7% disseram que recebem material didático da Secretaria de Educação do Amazonas, 12,32% daSecretaria Municipal e 13,9% do MEC. O levantamento parcial apontou que 20,02% do material didático é elaborado pela comunidade. Nãotêm material 39,17% das comunidades.

Dos recursos aplicados na educação indígena, 13% são provenientes da própria comunidade. As organizações acusam os poderes executivosde desviarem recursos dos programas federais, como Dinheiro Direto na Escola, Recurso de Merenda Escolar, Bolsa­Escola e Fundo deEducação Básica (Fundeb). 'Pior: das comunidades pesquisadas, 43% disseram não receber recurso algum para a educação', destacouMiquelina.

Já a merenda escolar, quando distribuída, não respeita a alimentação tradicional dos indígenas. Das fornecidas pelo poder público, apenas13% seguem a cultura alimentar dos índios. O restante ­ 43,39% ­ não leva em conta os hábitos e até inclui refrigerantes e massas. O dadomais preocupante, segundo Miquelina, é que 43,02% das comunidades nem sequer recebem merenda.

De acordo com o diagnóstico, um dos grandes problemas enfrentados pelos povos indígenas é a migração para as zonas urbanas por falta deensino fundamental de 5ª a 8ª séries e ensino médio nas comunidades.

Segundo a coordenadora da pesquisa, a migração vem aumentando para as capitais uma vez que os pais, preocupados com a formação dosfilhos, abandonam as aldeias e se submetem na zona urbana a trabalhar como mão­de­obra barata, sofrendo discriminação por seremindígenas.

O diagnóstico aponta também problemas no processo de formação dos professores indígenas. Os cursos não possuem continuidade e muitasvezes os profissionais participam de aulas que não são de suas áreas específicas. Ao término dos cursos, eles não têm acompanhamento emsuas respectivas atuações.

OESP, 25/03/2007, Nacional, p. A12